Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
87 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Unidade II 5 DETERIORAÇÃO DE ALIMENTOS Os alimentos frescos e processados, com exceção daqueles contidos em embalagens herméticas, estão em estreito contato com o ambiente, e passíveis, portanto, de sofrer uma série de alterações por fatores de natureza física, química e biológica. Essas transformações dependem das características intrínsecas do alimento, bem como dos fatores extrínsecos do ambiente. A divisão genética dos alimentos em perecíveis, semiperecíveis e estáveis baseia‑se em aspectos como sua composição final e sua suscetibilidade à deterioração, bem como nas condições gerais, de processamento e armazenamento dos produtos. É possível, então, classificar os alimentos pela facilidade com que se alteram: • Alimentos estáveis ou não perecíveis: não são alterados facilmente (açúcar, farinha). • Alimentos semiperecíveis: com conservação e manipulação de forma apropriada, permanecem sem alteração (batatas, maçãs, nabos, nozes sem casca). • Alimentos perecíveis: incluem os alimentos mais importantes do consumo cotidiano, os quais se alteram com facilidade (carnes, pescados, a maioria das frutas, hortaliças, ovos, leite). Os alimentos frescos apresentam um grau de contaminação bastante variável, em função das condições de cultivo ou captura, no caso de produtos de origem animal, mas todos têm uma microbiota natural. Posteriormente, com o manuseio em maior ou menor intensidade, contato com superfícies e equipamentos, transporte e armazenamento, os níveis de contaminação tendem a se acentuar, muitas vezes com a presença de microrganismos diferentes daqueles contidos na microbiota natural. Nessas condições, a permeabilidade do produto será maior, havendo até riscos quanto ao aspecto higiênico‑sanitário e de saúde pública, pela contaminação por microrganismos patogênicos. Na maior parte dos casos, ocorrem alterações profundas nos alimentos, mas as mudanças, no início da alteração, não são capazes de impedir o consumo apesar de reduzir a qualidade do produto e representar um sinal de alerta quanto à presença de um perigo significativo. De toda forma, alimentos alterados podem ser sanitariamente admissíveis apesar de não estarem aptos para o consumo. A decisão sobre um alimento no comércio estar ou não alterado exige experiência do profissional técnico da área da saúde. A origem das alterações se deve a armazenamento deficiente, manipulação inadequada e transporte impróprio, por exemplo. Observam‑se perdas significativas de alimentos, que podem ser evitadas com o controle dessas não conformidades e com a aplicação das BPFM. 88 Unidade II 5.1 Modificação química causada pelos microrganismos Compostos nitrogenados A maior parte do nitrogênio contido nos alimentos se encontra na forma de proteínas e, para serem utilizadas como fonte de nitrogênio pelos microrganismos, devem ser quebradas em substâncias mais simples, como peptídeos e aminoácidos, por enzimas microbianas, ou aquelas contidas no próprio alimento. Os peptídeos costumam ter sabor amargo, mas não desagradável, que modifica o sabor do alimento. A decomposição de polipeptídios e aminoácidos (em anaerobiose) forma compostos sulfurados de odor desagradável (putrefação), como sulfetos de hidrogênio, metil ou etil‑mercaptano, além de amoníaco e aminas. Quando os microrganismos atuam sobre os aminoácidos, podem desaminá‑los e/ou descarboxilá‑los. Compostos não nitrogenados Alguns compostos são utilizados pelos microrganismos para a obtenção de energia, como carboidratos, ácidos orgânicos, aldeídos, cetonas, álcoois, glicosídeos, compostos cíclicos e lipídios. Carboidratos São os preferidos pelos microrganismos. Os di, oligo e polissacarídeos devem ser hidrolisados por enzimas a substâncias mais simples, como os monossacarídeos (glicose, por exemplo). A glicose pode ser usada em: • Aerobiose: oxidada a CO2 e H2O. • Anaerobiose: diferentes produtos podem ser formados: — Fermentação alcoólica por leveduras: álcool + CO2. — Fermentação láctica por bactérias lácticas homofermentativas: ácido láctico. — Fermentação láctica mista por bactérias lácticas heterofermentativas: ácido láctico, ácido acético, etanol, glicerol e água. — Fermentação por coliformes: ácido láctico, ácido acético, ácido fórmico, etanol, acetona, butanodiol, H2, CO2. — Fermentação propiônica por bactérias propiônicas: ácido propiônico, ácido succínico, ácido acético e CO2. 89 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS — Fermentação butírico‑butil‑isopropílica por bactérias anaeróbicas: ácido butírico, ácido acético, hidrogênio, acetona, butilenoglicol, butanol, propanol‑2, CO2. 5.2 Microrganismos deterioradores em alimentos Alteram cor, textura, odor, sabor, geram manchas, causam exsudações etc. Exemplos: • Vegetais: Erwinia, Pseudomonas, Aspergillus, Penicillium. • Carnes: Acinetobacter, Aeromonas, Pseudomonas, Micrococcus, Enterobacter, Enterococcus. • Ovos: Acinetobacter, Proteus, Alcaligenes, Serratia, Penicillium, Cladosporium. • Leite e derivados: Lactobacillus, Enterococcus, Propionibacterium. Deterioração provocada por bactérias Muitos são os gêneros e espécies de bactérias envolvidas na deterioração dos alimentos. A predominância de determinado tipo de bactéria depende das características fisiológicas, bioquímicas e de adequação do alimento como substrato ao desenvolvimento. Os carboidratos, as substâncias nitrogenadas não proteicas e os lipídios podem se constituir em nutrientes para os microrganismos, o que leva a alterações químicas físicas e organolépticas dos alimentos. Deterioração provocada por leveduras As leveduras são microrganismos de alta importância na conservação dos alimentos. A origem da ocorrência de espécies patogênicas em alimentos é desconhecida, e sua importância reside em serem eventuais agentes de deterioração em alimentos que apresentam condições ótimas de desenvolvimento. É interessante observar que, dependendo do tipo de alimento e suas características básicas, uma mesma espécie de levedura pode ser benéfica ao processo tecnológico (produção de etanol, cerveja, vinhos) e em outro produto pode se constituir em agente de deterioração (sucos de frutas), como Saccharomyces. Deterioração provocada por bolores Os bolores revelam notável capacidade de adaptação e crescimento sob condições extremamente variáveis, como pH entre 2,0 e 9,0, e resistem bem à desidratação. São pouco exigentes quanto aos nutrientes disponíveis (seu crescimento pode ocorrer em qualquer alimento desde que tenha oxigênio). O conceito de deterioração fúngica dos alimentos está normalmente associado ao crescimento visível de colônias na superfície. E, às vezes, na produção de microtoxinas, o que torna importante o controle da proliferação dos bolores nos alimentos. Os bolores causam sensíveis perdas ou redução nas produções de frutas, hortaliças e cereais, comprometendo a qualidade dos produtos industrializados provenientes dessas matérias‑primas. 90 Unidade II Deterioração provocada por enzimas Ao lado das atividades bacterianas, existe um fator tão importante quanto o bacteriológico na tecnologia dos alimentos, que é a atividade enzimática ou diástase, que são proteínas de origem orgânica, sem vida própria e que agem como catalisadores. As enzimas são produzidas principalmente por bactérias e glândulas de secreção de seres superiores e sua ação é específica para cada tipo de reação. 5.2.1 Psicrotróficos associados com a deterioração de alimentos refrigerados e congelados Crescem em temperaturas de 0 ºC, mas sua temperatura ótima está em torno de 20‑30 ºC (mesófilos). Psicrotróficos patogênicos (crescem em temperatura igual ou menor que 5 ºC): • Clostridium botulinum tipos E, B e F. • Listeria monocytogenes. • Vibrio cholerae. • Yersinia enterocolitica. • Escherichia coli enteropatogênica. • Aeromonas hydrophila. • Pseudomonas aeruginosa e P. cocovenenans. Pseudomonas As Pseudomonas são bactérias comuns do solo e da água, capazesde contaminar e deteriorar alimentos ricos em proteínas. As principais características das Pseudomonas são: • Bastonetes pequenos. • Gram‑negativas. • Motilidade por meio de flagelos polares. • Não esporulados. • Aeróbios estritos. 91 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Geralmente, produzem pigmentos solúveis em água, que podem apresentar fluorescência sob luz UV. Algumas espécies de Pseudomonas são importantes agentes de doenças em plantas e no homem, como P. maltophilia, P. syringae, P. aeruginosa, P. cepacia e P. cocovenenans. A propriedade fisiológica mais notável dessas bactérias é a faixa muito ampla de compostos orgânicos diferentes que podem utilizar como fontes de carbono e energia. Dentre esses compostos estão álcoois, ácidos, aminoácidos, carboidratos e compostos cíclicos. Essa extraordinária versatilidade metabólica exige diversas enzimas especiais. Algumas espécies apresentam temperatura ótima de crescimento entre 20 ºC e 25 ºC (são psicrófilas), e a 55 ºC são destruídas. Geralmente, metabolizam hexoses (carboidratos) através da via Entner‑Doudoroff, a qual é bem difundida entre as bactérias, principalmente as gram‑negativas, e rara ou inexistente entre os anaeróbios. A degradação aeróbica dos substratos gera CO2, como produto principal ou único, e ocorre pelo ciclo de Krebs (ciclo do ácido tricarboxílico). Para que ocorra a oxidação dos inúmeros substratos, é verificada a presença de inúmeras rotas metabólicas especiais, que convergem para o ciclo de Krebs. A via do betacetoadipato é utilizada para a degradação de compostos aromáticos e ácidos dicarboxílicos, os quais são convertidos a acetil‑CoA e succinato (intermediário do ciclo de Krebs). As espécies de Pseudomonas são predominantes em peixes estocados devido a duas características: • São psicrófilas e se multiplicam à temperatura de refrigeração. • Apresentam a capacidade para atacar várias substâncias nos peixes para produzir compostos associados com mau cheiro (metil‑mercaptano, dimetil sulfito, dimetil sulfeto, dimetilamina, 3‑metil butanol). No início, o peixe fresco possui flora, cor e textura características, com predominância de Flavobacteria. Durante a refrigeração, as Pseudomonas crescem facilmente. Após 9‑10 dias de estocagem, 60% a 90% da população é de Pseudomonas. Em peixe fresco, a P. fragi está em baixa porcentagem, porém, com 12 a 15 dias de estocagem, essa espécie é responsável por 20‑50% do total da flora contaminante. As Pseudomonas são um dos gêneros predominantes em carnes de aves, ao lado de Flavobacterium e Micrococcus. Após a refrigeração, 90% a 95% da microflora é de Pseudomonas. Frango com população de 108 células/g já apresenta mau cheiro. No leite, a proteólise sob refrigeração é iniciada por Pseudomonas. A P. fragi produz uma lipase termoestável que suporta a pasteurização quando presente no leite cru. Nas carnes, a Pseudomonas e a Flavobacterium causam limosidade e coloração esverdeada por pigmentos fluorescentes e pontos brancos. Em carnes a 10 ºC, as Pseudomonas predominam. Em carnes desidratadas, a P. fluorescens pode causar também deteriorações e liberação de gás por desnitrificação. Nos vegetais, a P. syringae causa o aparecimento de pigmento marrom‑escuro, como no tomate, afetando sua aparência. 92 Unidade II Nos ovos, a P. fluorescens e a P. ovalis produzem pigmentos fluorescentes. Fazem parte da flora causadora da deterioração, mesmo sob condições de estocagem refrigerada. 5.3 Deterioração microbiana de alimentos enlatados/envasados Os alimentos enlatados ou envasados normalmente são preservados pela aplicação de métodos físicos ou químicos, sendo o mais frequente a utilização de tratamentos térmicos, de intensidade variável, de acordo com as condições do produto. Um alimento enlatado é comercialmente estéril quando não apresenta microrganismos capazes de deteriorar o produto. Assim, por esterilidade comercial, não se subentende esterilidade absoluta, uma vez que células viáveis podem ser recuperadas de alimentos comercialmente estéreis. Um alimento enlatado pode sofrer alterações por causas variadas, como: • Problemas de natureza microbiológica, que envolvem subprocessamento térmico, resfriamento inadequado das latas após a esterilização comercial, recontaminação dos alimentos por vazamento das latas e deterioração pré‑processamento térmico. • Problemas químicos, particularmente a corrosão interna das latas, com liberação de hidrogênio e consequente estufamento destas. • Problemas físicos, destacando‑se o enchimento excessivo das latas, com ausência ou inadequação do espaço livre, exaustão deficiente, operação incorreta, com consequente abaulamento na lata. Os gêneros de microrganismos envolvidos na deterioração de enlatados dependerão, principalmente, do pH dos alimentos. Os alimentos envasados podem sofrer contaminação devido a tratamentos e manipulações inadequadas, equipamentos e utensílios mal sanitizados e armazenamento inadequado. Exemplo de aplicação Quer visualizar a deterioração dos alimentos (CASSANTI et al., 2008)? Então, mãos à obra neste experimento! Materiais • Açúcar • Amido de milho • Copos d’água plásticos 93 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS • Filme plástico • Leite • Óleo de cozinha • Vinagre • Caneta para plástico Procedimentos • Prepare um mingau. Para isso, coloque sob o fogo uma colher de sopa de açúcar, três colheres de sopa de amido de milho e um copo de leite. • Divida a quantidade de mingau feita em 15 copos plásticos. Três dos copos serão o controle, ou seja, eles ficarão à temperatura ambiente. Os outros serão submetidos a diferentes tratamentos: geladeira, com adição de óleo, com adição de vinagre e tampado com filme plástico. • Utilize três repetições por tratamento. A observação dos resultados deve ser feita durante, aproximadamente, cinco dias. Espera‑se que em todos os copos, com exceção do que foi guardado na geladeira, ocorra grande proliferação de microrganismos. Poderão ser observados, principalmente, os fungos. 1 2 3 4 5 Figura 26 – Resultados do experimento: 1) aberto a temperatura ambiente; 2) coberto com filme plástico a temperatura ambiente; 3) com óleo; 4) com vinagre; 5) colocado na geladeira sem cobertura 6 UTILIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS NA ELABORAÇÃO DE ALIMENTOS Desde os tempos históricos mais remotos, os microrganismos são utilizados para produzir alimentos. Os processos microbianos causam alterações nos alimentos que lhes conferem mais resistência à deterioração ou algumas características organolépticas (sabor, textura) mais desejáveis. Nesse grupo, estão todos os microrganismos utilizados na fabricação de alimentos fermentados, como queijo, vinhos, pães, iogurtes, manteiga etc. 94 Unidade II 6.1 Microrganismos utilizados na produção de alimentos e enzimas Os microrganismos têm sido utilizados pelo homem em diferentes processos e de diferentes maneiras. Muitas substâncias de considerável valor econômico são efeitos do metabolismo microbiano, desde a produção industrial de materiais importantes incluindo produtos químicos (farmacêuticos) e aqueles produzidos em grandes quantidades que serão utilizados como matéria‑prima. São inúmeras as aplicações biotecnológicas de microrganismos: • Produção de etanol por leveduras. • Produção de ácidos orgânicos: ácido acético (vinagre) por bactérias acéticas, como Acetobacter; ácido láctico por bactérias lácticas; ácido propiônico por bactérias propiônicas; ácido cítrico; ácido glucônico; ácido fumárico; ácidos giberélicos. • Produção de proteína unicelular. • Produção de aminoácidos, como lisina e ácido glutâmico. • Produção de enzimas. • Produção de antibióticos. • Produção de solventes. • Produção de polissacarídeos. • Produção de lipídios. • Produção de alimentos por fermentação láctica, como picles, azeitona, queijo, chucrute, iogurte. • Produção de inseticidas. • Produção de vacinas. 6.2 Produção de cultivos para fermentação de alimentos Os microrganismosnecessários para as fermentações alimentares podem ser adicionados como cultivos puros ou como mistura de cultivos. Ou não são adicionados, já que alguns alimentos, ao fermentar, contêm o microrganismo desejado em quantidade suficiente. De modo geral, os princípios de manutenção e preparação de cultivos são: 95 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS • Seleção: podem ser cultivos já estabelecidos (provenientes de outros laboratórios) ou se seleciona após provar numerosas estirpes estáveis, cujo rendimento e velocidade com que produzem mudanças não são variáveis. • Manutenção da atividade de um cultivo: uma vez obtido um cultivo satisfatório, há que mantê‑lo puro e ativo, por meio, inclusive, de liofilização ou congelamento em nitrogênio líquido. • Preparação de cultivos: feita com a cultura‑estoque mantida conservada ou com culturas isoladas na etapa seletiva. Podem ser cultivos bacterianos, de leveduras, de mofos ou mistos. • Atividade de um cultivo: determinada pela velocidade de seu crescimento e produção da substância. Quadro 14 – Produção microbiana de ingredientes de alimentos Ingredientes Função Microrganismo D‑arabitol Açúcar Candida diddensis β‑caroteno Pigmento Blakeslea trispora Ácido cítrico Acidulante Aspergillus niger Diacetil Saborizante (manteiga) Leuconostoc cremosis Ésteres de ácido graxo Fragrâncias de frutas Pseudomonas spp. Decalactona Fragrâncias de pêssego Sporobolomyces odorus Geraniol Fragrâncias de rosa Kluyveromyces lactis Ácido glutâmico Estimulante de sabor Corynebacterium glutamicum Ácido láctico Acidulante Streptococcus e Bacillus Lisina Aminoácido Corynebacterium glutamicum Manitol Açúcar Torulopsis mannitofaciens Nisina Antimicrobiano Streptococcus lactis 6‑pentil‑2‑pirona Fragrâncias de coco Trichoderma viride l‑fenilalanina Precursor do aspartame Bacillus polymyxa Prolina Aminoácido Serratia marcescens Polissacarídeos termoestáveis Espessante Agrobacterium radiobacter Vitamina B12 Vitamina Propionibacterium Goma xantana Espessante Xanthomonas campestri Adaptado de: Valsechi (2006); Senac (2001); Senai (2000). 6.3 Microrganismos utilizados e produtos obtidos no seu cultivo Muitos microrganismos são utilizados pela indústria para produzir grande diversidade de alimentos e outras substâncias. Alguns exemplos são listados a seguir: • Leveduras do gênero Saccharomyces: para bebidas alcoólicas e etanol. 96 Unidade II • Acetobacter sp.: produção de vinagre. • Aspergillus niger: ácido cítrico, amiloglicosidase. • Lactobacillus: ácido láctico, bebidas lácteas. • Propionibacterium: cianocobalamina (B12). • Penicillium chrysogenum: penicilina G. • Xanthomonas campestris: goma xantana. • Corynebacterium glutamicum: glutamato monossódico. • Escherichia coli e Bacillus megaterium: penicilina G acilase. O uso de microrganismos para produzir alimentos é secular e a indústria já os utiliza há décadas no processamento de vários alimentos. Quadro 15 – Alimentos preparados com o uso de microrganismos Alimento Matéria‑prima Principal microrganismo Grupo Picles Pepinos Lactobacillus sp.Pediococcus sp. Bacilos, Gram+ Cocos, Gram+ Leite fermentado Leite L. acidophilus Bacilos, Gram+ Pão Farinha Saccharomyces cerevisiae Levedura Ricota Leite pasteurizado L. bulgaricus Bacilos, Gram+ Koumiss Leite de égua L. bulgaricusTorula, Mycoderma Bacilos, Gram+ Leveduras Kefir Leite fresco Streptococcus sp. Lactobacillus sp. Leuconostoc Acetobacter Cocos, Gram+ Bacilos, Gram+ Cocos, Gram+ Bacilos, Gram‑ Iogurte Leite pasteurizado L. bulgaricusS. thermophilus Bacilos, Gram+ Cocos, Gram+ Shoyu Arroz, soja L. delbrueckii Aspergillus oryzae Saccharomyces rouxii Bacilos, Gram+ Fungo filamentoso Levedura Queijos Leite S. lactis S. cremoris L. citrovorum L. dextranicum Outros microrganismos Cocos, Gram+ Cocos, Gram+ Bacilos, Gram+ Bacilos, Gram+ Fungos Cerveja Grãos de cereais Saccharomyces sp. Leveduras Vinho Suco de uva Saccharomyces cerevisiaeSacch. champagnii Leveduras Salames e salsichas curadas Porco/gado Pediococcus cerevisiae Cocos, Gram+ Presunto curado Porco Aspergillus, Penicillium Fungos Adaptado de: Valsechi (2006); Senac (2001); Senai (2000). 97 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS 6.4 Produção de etanol Após a água, o álcool é o solvente mais comum, além de representar a matéria‑prima de maior uso em laboratórios e na indústria química. Na biossíntese do etanol, são empregadas linhagens selecionadas de Saccharomyces cerevisiae, que realizam a fermentação alcoólica, a partir de um carboidrato fermentável. É muito importante que a cultura de levedura possua um crescimento vigoroso e uma elevada tolerância ao etanol, apresentando, assim, à fermentação um maior rendimento final. O etanol é inibidor em altas concentrações, e a tolerância das leveduras é um ponto crítico para uma produção elevada dessa substância. A tolerância ao etanol varia consideravelmente de acordo com as linhagens de leveduras. De modo geral, o crescimento cessa quando a produção atinge 5% de etanol (v/v), e a taxa de produção é reduzida a zero na concentração de 6% a 10% de etanol (v/v). A transformação bioquímica realizada pela S. cerevisiae é: Glicose → enzimas da levedura → 2 etanol + 2 CO2 O etanol pode ser produzido a partir de qualquer carboidrato fermentável pela levedura, como sacarose, sucos de frutas, milho, melaço, beterrabas, batatas, malte, cevada, aveia, centeio, arroz, sorgo, mas é necessário hidrolisar os carboidratos complexos em açúcares simples fermentáveis, pelo uso de enzimas da cevada ou fúngicas, ou ainda pelo tratamento térmico do material acidificado. Material celulósico, como madeira e resíduos da fabricação da pasta de papel, podem ser utilizados. Culturas mistas de Clostridium thermocellum e C. thermosaccharolyticum podem ser usadas. Hemiceluloses e celuloses são hidrolisadas em monossacarídeos (hexoses e pentoses) por essas bactérias, e os monossacarídeos são fermentados diretamente a etanol. A produção de etanol é iniciada aerobicamente para produzir o máximo de biomassa. De modo geral, o processo envolve as seguintes etapas: preparo do substrato, correção do mosto, preparo do inóculo, fermentação e destilação. 6.5 Produção de ácido acético Na indústria de alimentos, o grupo das bactérias acéticas é de grande importância na fabricação de vinagre (ácido acético). Grupo das bactérias acéticas: • São da família Pseudomonodaceae, bastonetes gram‑negativos, aeróbicas, móveis, apresentam ou não flagelo polar. • Formam ácidos por oxidação incompleta de açúcares ou álcoois: o acetaldeído é formado por oxidação ou é convertido a ácido acético; 75% do acetaldeído é convertido em ácido acético e os outros 25% em etanol. 98 Unidade II • São razoavelmente tolerantes a condições ácidas. Suportam pH < 4,0 (pH ótimo em torno de 5,0 a 6,0). • Ocorrem na superfície de plantas, flores e frutas. Principais diferenças que as distinguem do gênero Pseudomonas: • Toleram pH mais ácido. • Apresentam menor atividade proteolítica. • A motilidade é limitada e não são pigmentadas (com exceção de Gluconobacter oxydans, que produz um pigmento marrom). As bactérias acéticas podem ser divididas em dois gêneros principais: • Gluconobacter (oxidam a glicose a ácido glucônico): G. oxydans apresenta flagelos polares (3 a 8); são consideradas suboxidativas. • Acetobacter: A. aceti, A. pasteurianus e A. peroxidans são as mais utilizadas comercialmente na produção de vinagre. Elas são contaminantes indesejáveis na fabricação de vinhos. Junto com as leveduras e as bactérias lácticas, as bactérias acéticas têm sido frequentemente citadas como deteriorantes na indústria de bebidas. O tipo de deterioração inclui sabores desagradáveis, crescimento limoso e formação de gás. A produção do vinagre envolve dois tipos de alterações bioquímicas: fermentação alcoólica de carboidrato e oxidação do álcool até ácido acético. Existem diversos tipos de vinagres produzidos dependendo do tipo de material usadona fermentação alcoólica, como sucos de frutas, xaropes contendo amiláceos hidrolisados. Emprega‑se a fermentação por leveduras para a produção do álcool, sendo a concentração alcoólica ajustada entre 10% e 13% antes da exposição às bactérias acéticas. A solução alcoólica é oxidada até que se produza o vinagre na concentração desejada. Com o aumento da produção de bebidas em embalagens plásticas, as bactérias acéticas não fermentativas tornaram‑se mais importantes. Várias razões contribuíram para esse fato, entre elas a resistência de Gluconobacter a sanitizantes comumente empregados na indústria engarrafadora de bebidas, sua habilidade de crescer na presença de ácido ascórbico e benzoico, bem como os altos níveis que caracterizam as bebidas em recipientes plásticos. 6.6 Produção de ácido cítrico O acúmulo do ácido cítrico por alguns fungos foi descoberto por volta de 1893 quando Wehmer descobriu que o Citromyces (hoje identificado como Penicillium sp.) e o Mucor possuíam a capacidade de acumular esse ácido durante seu cultivo. Atualmente, a fermentação industrial para a produção do 99 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS citrato é conduzida utilizando uma única espécie de fungo, o Aspergillus niger. A levedura oxidativa Saccharomycopsis (Candida) tem apresentado características importantes nesse processo. Emprego do citrato Cerca de 70% da produção é utilizada pela indústria de alimentos e bebidas; 12% pela indústria farmacêutica e 18% por outras indústrias. Na indústria de alimentos, o citrato é usado em larga escala como acidulante, por apresentar sabor agradável, baixíssima toxicidade e alta solubilidade. Além disso, esse ácido tem capacidade de complexação com metais pesados, como o ferro e o cobre. Essa propriedade tem conduzido a crescente utilização como estabilizante de óleos e gorduras para reduzir sua oxidação catalisada por esses metais. Essa propriedade, aliada ao baixo grau de corrosividade a certos metais, tem permitido seu uso na limpeza de caldeiras e instalações especiais. Na indústria farmacêutica, o ácido cítrico é usado como estabilizante de ácido ascórbico por causa de sua ação quelante. Nos antiácidos e analgésicos efervescentes, o ácido cítrico é usado junto com carbonatos e bicarbonatos para gerar CO2. Sais de citrato, como citrato trissódico e citrato tripotássico, são usados na medicina para evitar a coagulação do sangue e na indústria alimentícia como emulsificante para fabricação de certos produtos, como o queijo. Ésteres de ácido cítrico, como trietil, tributil e acetildibutil, são usados como plastificantes não tóxicos nas películas plásticas de embalagens de alimentos. Na produção do ácido cítrico, a glicose é transformada em piruvato pela via glicolítica. O piruvato é transformado em acetil‑CoA, que entrará no ciclo de Krebs para a formação do citrato. A presença de carboidrato prontamente metabolizável é essencial para uma boa produção de ácido cítrico. Maltose, sacarose, manose, glicose e frutose são os açúcares mais apropriados para a produção de ácido. Na prática, o ácido cítrico é produzido a partir de carboidrato purificado (sacarose) ou da fonte de carboidrato bruto, de preço mais conveniente, como melaço de cana‑de‑açúcar, melaço de beterraba, sacarose bruta, caldo de cana e hidrolisado de amido. A presença de metais como contaminantes dessas matérias‑primas constitui o principal problema na fermentação cítrica. Além disso, em alguns produtos encontram‑se substâncias inibidoras e/ou promotoras de crescimento, a maioria pouco conhecida ou analisada. Algumas técnicas são usadas para remover ou neutralizar a inibição por esses contaminantes, como a adição de ferrocianeto de potássio e metanol. 6.7 Produção de ácido láctico As bactérias homoláticas do gênero Lactobacillus e Streptococcus são usadas para a produção do ácido láctico. A espécie escolhida depende do carboidrato disponível e da temperatura a ser empregada, como: • Lactobacillus delbrueckii, L. bulgaricus: temperatura na faixa de 45‑50 ºC. • L. casei e Streptococcus lactis: temperatura ao redor de 30 ºC. 100 Unidade II • L. pentosus, L. leishmania: temperatura acima de 30 ºC. Principais características das bactérias lácticas São bactérias gram‑negativas, microaerofílicas, não esporuladas, usualmente não apresentam motilidade, são catalase negativa, apresentam colônias pequenas e apigmentadas. Possuem habilidade biossintética limitada e necessitam de aminoácidos, vitaminas, purinas e pirimidinas, o que as caracteriza como nutricionalmente exigentes. São bactérias acidófilas que toleram baixos valores de pH. Os bastonetes não crescem a pH maior que 6,0, sendo o pH ótimo para crescimento 4,5; para os cocos, o pH ótimo para crescimento é o pH neutro. Quando crescem na presença de O2, substâncias oxidantes tóxicas ao metabolismo são produzidas como peróxidos (H2O2), superóxidos (O ‑2) e radical hidroxila (OH ‑ ). Habitat dos cocos e bastonetes homofermentativos: • O principal é o corpo dos animais de sangue quente. • Animal: flora normal da pele e mucosas, orofaringe, trato gastrintestinal e trato geniturinário (associado a patógenos, exclusivamente do gênero Streptococcus). • Vegetal: vivem em associação com vegetais e crescem com a utilização de nutrientes eliminados a partir da morte do vegetal. • Leite: acesso através da pele e de mucosas do animal (forragem, vegetais); linhagens patogênicas provocam a mastite (Streptococcus agalactiae). As bactérias lácticas podem ser divididas em dois subgrupos bioquímicos de acordo com os produtos formados a partir de glicose: • Bactérias homofermentativas: são muito importantes e têm grande interesse na fabricação do ácido láctico. Os primeiros estágios da via metabólica da fermentação láctica são os mesmos da fermentação alcoólica, ou mais especificamente a via de Embden‑Meyerhof ou via glicolítica. O intermediário importante para a formação do ácido láctico é o ácido pirúvico. No final da via glicolítica, o ácido pirúvico, sob a ação da enzima lactato desidrogenase, dá origem ao ácido láctico. • Bactérias heterofermentativas: a fermentação da glicose por essas bactérias resulta em vários produtos. Enquanto as bactérias homofermentativas degradam a glicose através da via glicolítica, as heterofermentativas degradam a glicose através da via oxidativa das pentoses fosfato. Os compostos intermediários importantes na via heterofermentativa são o ácido pirúvico e o aldeído acético. 101 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Processo de obtenção do ácido láctico Obtém‑se o ácido láctico a partir de diversas matérias‑primas, subprodutos ou resíduos da indústria alimentícia, como soro do queijo, melaço, glicose de milho. Empregam‑se, também, resíduos de elevada DBO, como os das indústrias de papel e polpa de celulose, aglomerados que contêm polímeros de açúcar. Os substratos utilizados são principalmente a glicose, a lactose e a sacarose. Porém substratos amiláceos, como de milho, batata e mandioca, podem ser empregados, desde que hidrolisados enzimaticamente. A concentração em açúcares do mosto é ajustada na faixa de 5% a 20% de acordo com o microrganismo, a matéria‑prima e o processo empregado. O pH para propiciar elevado rendimento deve situar‑se nas proximidades da neutralidade ou na faixa levemente ácida. É importante manter o pH constante, pois, à medida que a acidez aumenta, ocorre inibição da fermentação. A fermentação se completa entre 1 e 7 dias, mas a média é de 5 a 7 dias. A média de rendimento é de 85% a 90% em relação ao açúcar consumido (fermentado). O ácido láctico é utilizado em alimentos, em fermentações, produtos farmacêuticos, cosméticos e também na indústria química. Na alimentação, é usado como acidulante em produtos de confeitaria, na fabricação de extratos, essências, sucos de frutas, refrigerantes etc. É empregado, ainda, na conservação de carnes, de vegetais e de pescado. Os lactatos são usados na indústria farmacêutica, de cosméticos e na alimentícia.Fermentação láctica As bactérias utilizadas industrialmente são as anaeróbias e microaerófilas para a produção de ácido acético, láctico, glucônico, propiônico etc., ou para a produção de alimentos como queijos, picles, chucrutes, vinagres, leites fermentados etc. Os fungos também são usados na produção de ácidos por via fermentativa. Os principais ácidos são cítrico, glucônico, fumárico, láctico, gálico, ácidos graxos etc. As bactérias envolvidas nos processos para obtenção de ácidos são principalmente as do gênero Acetobacter e Lactobacillus. As bactérias podem formar inúmeros ácidos diferentes. No entanto, os de maior interesse econômico são os de algumas das bactérias produtoras de ácido láctico, ácido acético e de ácido propiônico. Os ácidos são provenientes da degradação anaeróbica de glicídios por oxidação incompleta. A fermentação baseia‑se na modificação das características da matéria‑prima, por ação de microrganismos, dando origem a um produto mais estável em decorrência de compostos produzidos durante a fermentação (ácido láctico, ácido acético, etanol). Os ácidos, além de 102 Unidade II atuarem provocando a morte dos microrganismos, não permitem que se desenvolvam, inclusive os patogênicos. Importância das bactérias lácticas na indústria de alimentos Na indústria de alimentos, as bactérias lácticas são importantes para a obtenção de vegetais fermentados, como picles, chucrute, azeitonas, forragem para gado. O gênero Leuconostoc é utilizado na produção de sabor no chucrute e lacticínios (iogurtes, leites acidificados, queijos, manteiga). Leuconostoc, S. lactis, S. diacetilactis e L. cremoris são usados como fontes de flavorizantes na indústria de lacticínios e são responsáveis pelas diferentes características conferidas à manteiga, queijos e iogurtes (produção de diacetil). As bactérias lácticas também são utilizadas na produção de carnes curadas, como salames e outros embutidos, para conferir características específicas de textura e sabor e aumentar a vida de prateleira. Aspectos negativos da presença das bactérias ácido‑lácticas na indústria Na indústria, a presença de bactérias ácido‑lácticas contribui para a produção de acidez e aromas indesejáveis (diacetil) em vinhos, sucos, cervejas e outras bebidas destiladas, por exemplo, Pediococcus perniciosus e P. damnosus encontrados na cerveja. Também contribui para a deterioração de produtos cárneos, vegetais e frutas. A síntese de biopolímeros por Leuconostoc mesenteroides consome sacarose na indústria açucareira, reduzindo o rendimento e provocando o entupimento de filtros, bombas e tubulações. 6.8 Produção de ácido glutâmico Muitos microrganismos podem sintetizar aminoácidos a partir de compostos nitrogenados inorgânicos. A taxa e a quantidade de síntese de alguns aminoácidos podem exceder as necessidades celulares para a síntese proteica, resultando na excreção deles para o meio ambiente. Alguns microrganismos são capazes de produzir quantidades de aminoácidos (lisina, ácido glutâmico, triptofano) suficientes para justificar seu emprego comercial. Muitas espécies de microrganismos, especialmente bactérias e fungos, são capazes de produzir grandes quantidades de ácido glutâmico. Espécies dos gêneros Micrococcus, Arthrobacter e Brevibacterium são usadas na produção industrial do ácido glutâmico. Um dos principais empregos do ácido glutâmico é como condimento e agente favorecedor de sabor, sob a forma de glutamato de sódio. 103 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Quadro 16 – Produção de enzimas Enzimas Origem Indústria Aplicação Amilase Aspergillus niger, A. oryzae, Bacillus subtilis, Rhizopus spp., Mucor rouxii Panificação Suplemento de farinha, preparação de massa, alimentos pré‑cozinhados, elaboração de xaropes Celulase Aspergillus niger, Trichoderma viride Cerveja Preparação de concentrados líquidos de café, clarificação de sucos Dextrano‑sacarose Leuconostoc mens. Alimentícia Dextrano para diversos usos Glucose oxidase Aspergillus niger Alimentícia Eliminação da glicose dos sólidos do ovo Invertase Saccharomyces cerevisiae Alimentícia Mel artificial Lactase Saccharomyces fragilis Láctea Hidrólise da lactose Lipase Aspergillus niger, Rhizopus spp., Mucor spp. Láctea Sabor ao queijo Pectinase Aspergillus niger, Rhizopus spp., Penicillium Alimentícia Clarificação de vinho e de sucos de frutas Protease Aspergillus oryzae, Bacillus subtilis Cerveja, panificação, alimentícia Impede que a cerveja se enturve ao resfriar, abranda as carnes Enzimas parecidas com a renina Mucor Alimentícia Coalhada do leite para fabricação de queijo Adaptado de: Valsechi (2006); Senac (2001); Senai (2000). 6.9 Bioconversões ou biotransformações São processos nos quais microrganismos convertem um composto em produtos relacionados estruturalmente. Compreendem apenas uma ou poucas reações enzimáticas, que são diferentes dos processos fermentativos que apresentam várias sequências de reações. São usados comercialmente apenas quando as reações químicas convencionais são muito caras ou difíceis. Exemplos: transformações estereosseletivas, quando apenas um grupo de uma molécula, com vários grupos funcionais idênticos, necessita ser modificado. A bioconversão envolve o crescimento do organismo em grandes fermentadores, seguidos pela adição, por tempo apropriado, de um composto químico a ser convertido. O processo de bioconversão mais praticado é na produção de hormônios esteroides. 6.10 Fungos de interesse industrial Os fungos influenciam a vida do homem participando de processos desejáveis ou prejudiciais. Eles encontram‑se amplamente em todos os ecossistemas e habitats. Os fungos podem ser parasitos, simbiontes, sendo, em sua grande parte, saprófitos. Crescem onde existe matéria orgânica disponível, viva ou morta, geralmente pela influência do calor e da umidade. Água, solo, troncos, folhas, frutos, sementes, excrementos, insetos, alimentos frescos e processados, têxteis e inúmeros outros produtos fabricados pelo homem constituem substratos para o desenvolvimento de fungos. 104 Unidade II Os fungos na biotecnologia Muitas espécies de fungos têm sido testadas e utilizadas para a produção de substâncias de interesse industrial ou médico. Etanol, ácido cítrico, ácido glucônico, aminoácidos, vitaminas, nucleotídeos e polissacarídeos são exemplos de metabólitos primários produzidos por fungos, enquanto os antibióticos constituem importantes metabólitos secundários. Além da aplicação em indústrias de fermentação, novos aspectos biotecnológicos têm sido explorados, inclusive de caráter ambiental, ou seja, os fungos podem atuar como agentes benéficos à melhoria do meio ambiente, como tratamento de resíduos líquidos e biorremediação de solos poluídos, mineralogia e bio‑hidrometalurgia, produção de biomassa, incluindo proteína comestível, tecnologia de combustíveis, particularmente na solubilização de carvão, e emprego em controle biológico. Leveduras As leveduras são fungos como os bolores, mas se diferenciam deles por se apresentarem predominantemente sob forma unicelular. Por serem células mais simples, elas crescem e se reproduzem mais rapidamente do que os bolores. Uma levedura típica consta de células ovais, que se multiplicam assexuadamente comumente por brotamento ou emulação. A maioria das leveduras não vive no solo, mas se adaptou a ambientes com alto teor de açúcares, tal como néctar das flores e a superfície de frutas. As leveduras fermentativas vêm sendo exploradas pelo homem há milhares de anos, na produção de cerveja e do vinho e na fermentação do pão, embora somente no século XIX tenha sido reconhecida a natureza biológica dos agentes responsáveis por esses processos. O principal agente da fermentação alcoólica, o Saccharomyces cerevisiae, é uma levedura ascomicética. Leveduras de interesse industrial: • Saccharomyces cerevisiae e S. carlsbergensis: usadas na panificação, em cerveja e vinhos. • S. fragilis e S. lactis: fermentam lactose(tratamento de resíduos). • S. rolfsii e S. mellis: osmofílicas – frutas secas, xaropes, geleias. • S. baillie: fermentação de sucos (cítricos). • Torulopsis osmofílica: leite condensado. • Candida: produz grande quantidade de proteínas, ataca leite e derivados. • Rodutorula: deterioração de picles, chucrutes e carnes (cor vermelha ou amarela). • Pichia, Hansenula, Debaryomyces e Trycosporum: deterioração de picles com produção de película; oxida o ácido acético e altera seu sabor. • Debaryomyces: carnes, queijo e salsichas. 105 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS 7 INFECÇÕES E INTOXICAÇÕES ALIMENTARES Doenças alimentares são todas as ocorrências clínicas decorrentes da ingestão de alimentos contendo perigos ou que contenham em sua constituição estruturas naturalmente tóxicas, ou a ingestão inadequada de nutrientes importantes para a saúde ou mesmo as consequências clínicas devido ao aspecto sensorial repugnante. São classificadas em: • Doenças nutricionais: doenças decorrentes da ingestão inadequada de nutrientes na alimentação, como as carenciais. • Doenças funcionais: doenças consequentes à incompatibilidade pessoal a certos alimentos, devido a sensibilidade, alergias, má digestão etc. • Doenças emotivo‑sensoriais e simbólicas: doenças consequentes de estímulos inadequados ou repugnância às condições sensoriais dos alimentos decorrentes da presença de perigos ou não. • DTA: doenças consequentes à ingestão de perigos biológicos, químicos ou físicos nos alimentos. As DTA também podem ser denominadas enfermidade transmitida por alimentos (ETA), doença veiculada por alimentos (DVA), doença de origem alimentar (DOA) e toxinfecção alimentar. Observação As doenças infecciosas mais comuns são causadas por microrganismos da microbiota normal, por conta da transferência de microrganismos de uma área para outra (as mãos contaminam a boca e outras partes do corpo) e da diminuição da microbiota competitiva (o uso indiscriminado de antibióticos altera a microbiota residente). É possível estabelecer relação entre características do microrganismo e do hospedeiro para determinar a presença ou ausência de doença. Ou seja: virulência do microrganismo × dose / resistência do hospedeiro = > 1 → hospedeiro doente < 1 → hospedeiro não doente = 1 → hospedeiro assintomático A hipersensibilidade é decorrente dos fenômenos imunológicos de defesa. 106 Unidade II A patogenicidade é a capacidade que um microrganismo possui de causar doença, já a virulência é o termo usado para indicar o grau de patogenicidade que depende do microrganismo, da dose infectante e da susceptibilidade do indivíduo. A agressividade é a capacidade de um microrganismo penetrar nos tecidos e se multiplicar, causando lesões e invadindo outros tecidos, o que causa sintomas típicos de infecção. A penetração nos tecidos é possível por meio das agressinas (enzimas) produzidas pelos microrganismos, como hialuronidase, coagulase, fibrinolisina, colagenase, potencializada pelos flagelos e fímbrias. A toxicidade tem relação com a ação das exotoxinas (proteínas produzidas pelos microrganismos) e das endotoxinas (partes das bactérias). É a capacidade de causar doença pela ação de produtos metabólicos produzidos em consequência de metabolismo microbiano ou de liberação de suas estruturas. Os microrganismos, ao se multiplicarem em nosso organismo (intestino, pele, vísceras) ou nos alimentos, podem produzir pequenas cadeias proteicas que causam doença por conta do poder tóxico, causando quadros clínicos toxêmicos ou toxinóticos ou quadros endotóxicos. As exotocinas são substâncias proteicas produzidas pelas bactérias, decorrentes de sua multiplicação ou esporulação. Algumas são termossensíveis. Não costumam produzir febre no hospedeiro. As toxinas neurotóxicas são produzidas em alimentos (Clostridium botulinum), no intestino (Shigella sp.) e em feridas (Clostridium tetani). A toxina botulínica está associada à germinação de endósporos e ao crescimento de células vegetativas do Clostridium botulinum. Age na junção neuromuscular inibindo a liberação de acetilcolina. As enterotoxinas são toxinas produzidas pelas bactérias ao se multiplicarem no intestino (quadros clínicos diarreicos – Escherichia coli toxinogênica e Vibrio cholerae) ou nos alimentos (quadros clínicos eméticos – Bacillus cereus emético). A enterotoxina colérica é produzida pelo Vibrio cholerae que age nas células epiteliais do intestino delgado, produzindo diarreia intensa. A enterotoxina estafilocócica tem ação semelhante à toxina colérica. As endoenterotoxinas, bactérias na forma vegetativa, ao esporular no intestino, liberam toxinas diarreicas, como o Clostridium perfringens e o Bacillus cereus clássico. As endotoxinas são substâncias que fazem parte das estruturas das bactérias (citoplasma) e que são liberadas quando há lise bacteriana por processos físicos, químicos ou por ação de antimicrobianos no organismo. Geralmente produzidas por bacilos gram‑negativos, constituindo‑se de lipopolissacarídeos (LPS), fosfolipídios e outras estruturas internas. São termorresistentes. Em geral, produzem febre no hospedeiro. Os LPS de bactérias gram‑negativas possuem efeitos fisiopatológicos semelhantes e incluem febre, leucopenia, hipoglicemia e hipotensão. O peptidoglicano de bactérias gram‑positivas tem efeitos fisiopatológicos semelhantes aos LPS, porém menos potentes. 107 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS A) Portas de entrada Membranas mucosas — Trato respiratório — Trato gastrointestinal — Trato urogenital — Conjuntiva Pele Via parenteal Virus da gripe H1N1 Número de micróbios invasores Aderência Clostridium tetani Mycobacterium intracellulare Quando o equilíbrio entre o hospedeiro e o micróbio encontra‑se a favor do micróbio, ocorre uma infecção ou doença. Conhecer os mecanismos de patogenicidade microbiana é fundamental para se compreender como os patógenos são capazes de superar as defesas do hospedeiro. Portas de saída Geralmente as mesmas utilizadas como portas de entrada para um determinado micróbio: — Membranas mucosas — Pele — Via parenteral Penetração ou evasão das defesas do hospedeiro Cápsulas Componentes da parede celular Enzimas Variação antigênica Invasinas Crescimento intracelular — Diversos fatores são necessários para que um micróbio cause uma doença — Após a entrada no hospedeiro, a maioria dos patógenos adere‑se aos tecidos do organismo, penetra ou evade suas defesas, danificando seus tecidos — Os patógenos geralmente deixam o corpo através de portas de saída específicas, que normalmente correspondem aos mesmos sítios utilizados inicialmente por eles para entrarem no hospedeiro Conceitos‑chave Danos às células hospedeiras Sideróforos Dano direto Toxinas — Exotoxinas — Endotoxinas Conversão lisogênica Efeitos citopáticos 60 nmSem 5 µmSem 5 µmSem B) Dano tecidual, doença Toxicidade Os efeitos da toxina são locais ou sistêmicos Infecção crescimento e produção de fatores de virulência e toxinas Invasão por meio do epitélio Adesão a pele ou mucosas Exposição a patógenos Invasividade Crescimento adicional no sítio original e em sítios distantes Exposição adicional Exposição adicional em sítios locais Figura 27 – Mecanismos microbianos de patogenicidade 7.1 Doenças de origem alimentar A DTA é qualquer síndrome que resulta da ingestão de alimentos contaminados em qualquer etapa da cadeia produtiva com perigos biológicos, químicos ou físicos. Doença usualmente de natureza infecciosa, toxinogênica ou tóxica, causada por agentes que entram no organismo por meio da ingestão de alimentos. Todas as pessoas estão sob risco de DTA. Lesões ou danos fisiológicos por fragmentos sólidos contaminantes, presentes nos alimentos, não estão completamente caracterizadas como DTA. Entretanto, fazem parte dos agravos possíveis à integridade física e saúde dos consumidores. Ao lado dos microrganismos envolvidos em processos de deterioração, existeminúmeras espécies patogênicas, que podem contaminar os alimentos e transmitir doenças, que quando causadas pela ingestão de alimentos, são indistintamente referidas como envenenamentos alimentares, quer sejam causados por agentes biológicos ou químicos. 108 Unidade II O alimento contaminado se constitui no mais importante veículo do agente patogênico. A via de penetração mais comum do patógeno no organismo humano é a oral, por alimento contaminado ou água (com presença de excretas de animais, fezes humanas, insetos e roedores), e utensílios, ambiente ou solo contaminado. Entre as causas de origem química, poderiam ser apontados principalmente as plantas tóxicas, os metais pesados, presentes ou lançados no ambiente, e os resíduos de pesticidas utilizados nas práticas agropecuárias. As doenças podem ser divididas em relação àquelas ocasionadas por microrganismos que usam o alimento como veículo de transmissão (brucelose, cólera) e por microrganismos que usam o alimento como meio de crescimento (infecção e intoxicação). Quadro 17 – Intoxicações e infecções alimentares Intoxicações Infecções Estafilocócica: enterotoxina causada por Staphylococcus aureus Botulismo: neurotoxina produzida por Clostridium botulinum Salmonelose: endotoxina por Salmonella Doença causada por Clostridium perfringens: enterotoxina liberada durante sua esporulação Gastrenterite por Bacillus cereus: exoenterotoxina liberada durante sua lise no trato intestinal Infecção por Escherichia coli enteropatogênica: vários sorotipos, algumas invasivas e outras enterotoxigênicas Outras infecções causadas por Yersinia, Shigelose, Vibrio parahaemolyticus, entre outros agentes Adaptado de: São José e Abranches (2019); Bertin e Mendes (2011); Andrade (2008); Senac (2001); Senai (2000). Muitos fatores contribuem para a emergência de doenças infecciosas, classificadas como emergentes e reemergentes. São eles: • Alterações ecológicas – doença de Lyme. • Comportamento (sexual, uso de drogas) – aids. • Viagens aéreas – dispersão de microrganismos. • Produção de alimentos em larga escala – EHEC. • Uso indiscriminado de antimicrobianos – resistência. • Condições sanitárias – cólera. 109 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Microrganismos patogênicos causadores de DTA Reemergentes EmergentesClássicos Microrganismos que não eram reconhecidos como causadores de DTA e são comprovados como novos agentes etiológicos Microrganismos que continuam causando surtos e são bem conhecidos clinicamente e epidemiologicamente Microrganismos clássicos já controlados que estão causando nova ocorrência de casos clínicos de DTA Figura 28 – Microrganismos (clássicos, emergentes e reemergentes) patogênicos causadores de DTA Quadro 18 – Patógenos clássicos, emergentes e reemergentes causadores de DTA Patógenos Clássicos Emergentes Reemergentes Bactérias Clostridium botulinum Staphylococcus aureus Bacillus cereus Clostridium perfringens Salmonella typhi Salmonella sp. Shigella sp. Yersinia enterocolitica E. coli enteropatogênica (EPEC) E. coli enterotoxigênica (ETEC) Vibrio cholerae (01 e não 01) Vibrio parahaemolyticus E. coli enteroinvasiva (EIEC) E. coli entero‑hemorrágica (EHEC) Campylobacter jejuni Listeria monocytogenes Vibrio vulnificus Aeromonas hydrophila Aeromonas sobria Plesiomonas shigelloides Streptococcus sp. Mycobacterium bovis Brucella sp. Vírus Vírus da hepatite ARotavírus Vírus da hepatite E Vírus Norwalk Gripe aviária Parasitos Giardia lamblia Entamoeba histolytica Cryptosporidium parvum Diphyllobothrium sp. Ascaris lumbricoides Trichuris trichiura Strongyloides stercoralis Toxoplasma gondii Cyclospora cayetanensis Anisakis sp. Nanophyetus sp. Acanthamoeba Phagicola longus Taenia solium Adaptado de: Germano e Germano (2015); Forsythe (2013). 7.1.1 Intoxicações ou toxinoses São doenças causadas pela ingestão de uma exotoxina secretada por células microbianas durante o processo de multiplicação no alimento. Não há, portanto, necessidade de ingestão de células viáveis, pois a própria toxina é responsável pelo sintoma. As toxinas absorvidas atingem diretamente um alvo particular, por exemplo, o intestino (enterotoxina) ou o sistema nervoso (neurotoxina). 110 Unidade II Os sintomas das intoxicações variam desde acessos de vômitos e diarreia (intoxicação estafilocócica) até o comprometimento grave da função muscular (botulismo). Os agentes mais característicos de intoxicações ou toxinoses e seus sintomas são: • Staphylococcus aureus e Bacillus cereus emético: período de incubação de 1 a 4 horas, vômito predominante, pouca diarreia, sem febre. • Clostridium botulinum: quadro clínico neurológico. 7.1.2 Infecções Doenças que resultam da ingestão de células microbianas intactas em grande número, presentes no alimento, que prosseguiram o processo de desenvolvimento no trato intestinal, invadindo o hospedeiro e causando danos aos tecidos. Os microrganismos podem infectar a superfície intestinal ou então invadir o intestino e outras estruturas do organismo dos hospedeiros. São ocasionadas por toxinas produzidas por certos microrganismos depois que o alimento foi ingerido. Há, portanto, necessidade da ingestão de células viáveis do microrganismo (acima de 106). A maioria delas manifesta‑se por diarreia de grau variável e desconforto abdominal. É importante considerar que esses sintomas podem ocorrer a expensas de toxinas microbianas liberadas no intestino do hospedeiro, durante a fase de seu desenvolvimento nos tecidos invadidos. A infecção pode ser invasiva (mucosa intestinal, sistêmica, sistema nervoso central, músculos, fígado) ou enterotoxinogênica (produção ou liberação de toxina no intestino). Lembrete No processo infeccioso, ocorre uma série de eventos, desde a instalação da infecção ou multiplicação excessiva de microrganismos até sua conjugação com os fatores de virulência, que estão relacionados a componentes estruturais, como a parede celular, as fímbrias, os plasmídeos, os flagelos, mas também às enzimas e toxinas. Os agentes mais característicos de infecções e seus sintomas são: • Toxinogênica (produção de toxinas): Clostridium sp., Bacillus cereus clássico. Vibrio cholerae. Quadro clínico com diarreia, sem febre e período de incubação entre 8 e 18 horas. • Invasiva (agressão ao epitélio): Salmonella sp., Shigella sp., Escherichia coli patogênica, Vibrios patogênicos etc. Quadro clínico com diarreia ou disenteria, com febre e período de incubação entre 12 e 72 horas. 111 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS • Enterobactérias: Shigella (shigelose), Salmonella (salmonelose, febre tifoide, febre paratifoide), Yersinia enterocolitica (yersiniose), Escherichia coli. • Bactérias de importância na saúde pública: Campylobacter, Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus. • Bactérias gram‑positivas esporuladas patogênicas: Clostridium perfringens, Bacillus cereus (gastrenterites). • Vírus entéricos: norovírus e rotavírus. 7.1.3 Toxinfecção alimentar No início de uma manifestação clínica de natureza biológica, é difícil, apenas apoiado no quadro clínico, diferenciar uma infecção de uma intoxicação, podendo ser utilizada, dessa maneira, a expressão toxinfecção alimentar, que é caracterizada por um quadro gastroentérico, causado por microrganismos patogênicos, veiculados por um determinado tipo de alimento. A expressão também pode ser utilizada para designar as doenças provocadas quando as toxinas são liberadas no trato gastrointestinal. 7.1.4 Infestações Infestações ou infecções podem ser causadas pela ingestão de parasitos. O período de incubação é de vários dias e o quadro clínico é crônico. Os agentes mais característicos de infestações são: • Helmintos infestantes (ascaris, teníase) e invasivos (cisticercose – Taenia solium ou saginata). • Protozoários infestantes (Amoeba histolytica, Giardia) e invasivos (Fasciola hepatica). 7.1.5 Intoxicação química A intoxicação química é um quadro clínico tóxico,neurológico e alérgico. O período de incubação é de algumas horas. A intoxicação química pode ser classificada como: • De origem: alimentos naturalmente tóxicos, erro de escolha de produtos, como cogumelos (Amanita muscaria), plantas tóxicas (vegetais – manitol, solanina), peixes (baiacu, barracuda – tetrodotoxina) e algas (cianotoxinas, saxitoxinas). • Adicionada: produtos químicos (inseticidas, agrotóxicos, aditivos, desinfetantes etc.). • Produzida: aminas biogênicas (bactérias psicrotróficas) e micotoxinas (fungos). Os quadros a seguir reúnem as principais informações sobre as DTA. 112 Unidade II Quadro 19 – Resposta dos afetados de acordo com os agentes biológicos Bactérias Vírus Parasitos Infecção Toxinose Toxinfecção Sobrevive no ambiente Multiplica no ambiente Multiplica no afetado Multiplica no alimento Formas esporuladas Produz toxina Forma cistos Adaptado de: Senac (2001); Senai (2000). Quadro 20 – Comparativo das principais características das DTA Infecção Toxinose Toxinfecção Intoxicação Sintomas (respostas) de DTA (agente/doença) Diarreia Náusea Vômito Cólicas abdominais Febre Hepatite Aborto (Listeria monocytogenes) Outros sintomas e complicações Náusea, vômito e diarreia (toxina Staphylococcus aureus) Visão dupla, respiração difícil, boca seca, tontura, fraqueza (toxina de Clostridium botulinum) Diarreia Náusea Vômito Cólicas abdominais Vômito, diarreia, visão dupla, sensibilidade reversa (toxinas marinhas) Disfunção sensorial e motora, aborto, câncer Mecanismos de DTA, segundo natureza do agente/doença Invasão e multiplicação do agente no organismo do afetado ou permanência do agente em um sítio biológico (cisticercose cerebral, por exemplo) Não invasão ou multiplicação, ligação da toxina a receptores biológicos específicos Invasão e transformação do agente no organismo do afetado (formas bacterianas vegetativas para esporuladas, desenvolvimento de parasitos) Não invasão ou multiplicação, ligação com receptores (pode ocorrer efeito cumulativo) Período de incubação, segundo natureza do agente/doença Horas até dias Minutos a horas Horas Minutos, horas ou resposta após longos períodos de exposição Adaptado de: Sesa (2018); Bertin e Mendes (2011), Senac (2001); Senai (2000). 7.1.6 Caracterização da doença de origem alimentar A caracterização da doença de origem alimentar pode ocorrer das seguintes formas: 113 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS • Relacionando o agente com o perfil da doença, por observar o cumprimento dos postulados que confirmam o agente e o veículo de uma doença: — Isolando o mesmo agente a partir de material biológico tanto do afetado como do alimento. — Caracterizando a presença de anticorpos no afetado contra o agente isolado de material do afetado e do alimento. — Reproduzindo a doença no homem ou em animais. • Evidenciando os agentes de doenças pelos postulados de Evans e/ou Koch. • Estabelecendo a dose infectiva (concentração suficiente para causar a doença) ou a dose‑resposta: — Por experimentação em pessoas (neste caso, adultos e sadios, para agentes microbianos). — Por experimentação em animais (recurso possível para os agentes químicos e algumas toxinas de origem microbiana – dose infectiva ou concentração). — Por modelos matemáticos (dose‑resposta). • Verificando o tempo de duração e a magnitude da doença. Lembrete A identificação do microrganismo é muito importante, tanto para o controle das doenças quanto para os estudos epidemiológicos relacionados a elas. Por isso, é necessário o levantamento de tantas informações para que o diagnóstico seja confiável e fidedigno. 7.2 Microrganismos indicadores Microrganismos indicadores são grupos ou espécies de microrganismos que, quando presentes em um alimento, podem fornecer informações sobre a ocorrência de contaminação de origem fecal, sobre a provável presença de patógenos ou sobre a deterioração potencial do alimento, além de poderem indicar condições sanitárias inadequadas durante o processamento, a produção ou o armazenamento. Critérios que definem o microrganismo ou o grupo de microrganismos como indicadores de contaminação fecal ou da qualidade higiênico‑sanitária do alimento: • Deve ser de fácil e rápida detecção. • Deve ser facilmente distinguível de outros microrganismos da microbiota do alimento. 114 Unidade II • Não deve estar presente como contaminante natural do alimento. • Deve estar sempre presente quando o patógeno estiver associado. • Seu número deve correlacionar‑se com o do patógeno. • Deve apresentar necessidades e velocidade de crescimento semelhantes às do patógeno. • Deve estar ausente nos alimentos que estão livres do patógeno, ou estar presente em quantidades mínimas. Escherichia coli A Escherichia coli é utilizada como indicador de contaminação fecal presente na água desde 1982. Hoje, ela também é utilizada como indicador da qualidade higiênico‑sanitária do alimento. Além dos requisitos anteriormente citados, também apresenta outras características que a classificam como um bom microrganismo indicador: • Habitat exclusivo do intestino do homem e de outros animais de sangue quente. • Número elevado nas fezes. • Alta resistência ao ambiente extraenteral. • Requer técnicas laboratoriais rápidas, simples e precisas para detecção e contagem. 7.2.1 Coliformes As doenças entéricas causadas pelos coliformes são transmitidas quase exclusivamente pela contaminação fecal de água e alimentos. A transmissão por meio de águas contaminadas constitui uma das mais sérias fontes de infecção responsável por grandes epidemias de doenças entéricas graves, como febre tifoide e cólera. Para avaliar a presença de organismos patogênicos na água, é determinada a presença ou a ausência do microrganismo e sua respectiva população. Dessa forma, esse organismo é chamado de indicador, que deve apresentar as seguintes características: • Ser aplicável a todos os tipos de água. • Ter uma população mais numerosa que os patógenos no ambiente. • Não crescer na água. • Sobreviver melhor que os possíveis microrganismos patogênicos. • Ser detectado através de metodologia simples e barata. 115 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS Não existe um indicador ideal da qualidade sanitária da água, mas sim alguns microrganismos que se aproximam das exigências referidas. Para possibilitar a comparação de dados obtidos nas diferentes localidades e laboratórios, a metodologia deve ser padronizada tanto na detecção como na amostragem. Todo material a ser usado deve ser previamente esterilizado, e a coleta deve ser feita em condições assépticas. O transporte deve ser rápido, e as amostras devem ser mantidas em banhos de gelo. Para amostras de água clorada, deve‑se neutralizar o cloro imediatamente após a coleta, com 100 mg/mL de solução esterilizada de tiossulfato de sódio. Coliformes totais Os coliformes totais constituem‑se em um grande grupo de bactérias que são utilizadas como indicadores da qualidade da água, originários de solos poluídos e não poluídos e fezes de seres humanos e outros animais de sangue quente. Fermentam a lactose com produção de aldeído, ácido e gás a 35‑37 ºC em 24‑48 horas. O grupo inclui os seguintes gêneros: Escherichia, Citrobacter, Enterobacter e Klebsiella. Não é possível afirmar categoricamente que uma amostra de água com resultado positivo para coliformes totais tenha entrado em contato com fezes. A pesquisa de coliformes fecais, principalmente em água, tem como objetivo avaliar as condições higiênicas. Coliformes fecais Os coliformes fecais também são conhecidos como termotolerantes por suportarem uma temperatura superior a 40 ºC. São bactérias que estão presentes em grandes quantidades no intestino dos animais de sangue quente. Podem contaminar a água pelas fezes de animais. Eles são adquiridos quando penetram na pele ou são ingeridos com a água ou alimentos contaminados e são constantemente liberados em grandes quantidades juntocom as fezes. A principal característica bioquímica usada para identificar os coliformes fecais é sua capacidade de fermentar a lactose, com produção de gás, à temperatura de 44,5‑45,5 ºC. Os coliformes fecais são utilizados como indicadores de contaminação fecal e avaliam as condições higiênico‑sanitárias deficientes. 7.2.2 Indicadores de poluição fecal O indicador de poluição fecal mais empregado é o grupo coliforme. São microrganismos típicos da microflora fecal, podendo a maioria ser encontrada em outros locais. A espécie Escherichia coli é considerada de origem unicamente fecal. A detecção e a medida de bactérias coliformes têm sido efetuadas na água desde o fim do século XIX. A metodologia emprega um meio seletivo com inibidores de gram‑positivo e capacidade de fermentação da lactose. A temperatura de incubação elevada, de 35‑37 ºC para coliformes totais e 44,5±0,2 ºC para coliformes fecais, tem como objetivo evitar o crescimento de bactérias não fecais, mas adaptadas a temperaturas mais baixas do meio ambiente. Por esse motivo, o teste de coliformes fecais torna‑se mais seletivo para Escherichia coli, e mais específico para determinação de contaminação de origem fecal. 116 Unidade II 7.2.3 Outros indicadores Nenhum indicador é perfeito, e aqueles destinados a determinar a contaminação fecal certamente não funcionam adequadamente como indicadores de poluição de outras origens. Os coliformes e outros indicadores fecais podem ser suplementados com indicadores adicionais que compensem a ineficiência destes no monitoramento de poluição diversificada. Vários grupos de microrganismos têm‑se mostrado adequados para essa finalidade, como bactérias heterotróficas, leveduras, Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, vírus. 7.2.4 Indicadores de condições higiênicas do alimento As contagens refletem a contaminação ambiental do próprio alimento, bem como as condições de higiene e cuidados durante a produção. Contagem padrão em placas (CPP) A CPP também é chamada de contagem total de mesófilos (20 ºC e 37 ºC) ou de psicrotróficos (5 ºC a 10 ºC). Essa contagem traduz o somatório de uma série de fatores, como grau de contaminação das matérias‑primas usadas, higiene ambiental, cuidados no processamento para evitar multiplicação, eficiência de tratamentos utilizados para redução de contagem. Uma CPP acima do normal pode significar um menor tempo de prateleira. A contagem de psicrotróficos é mais adequada para produtos mantidos sob refrigeração. É utilizada quando as bactérias são os principais agentes de deterioração, como no caso de produtos de origem animal, por exemplo, leite, carnes e derivados. Contagem de bolores e leveduras A contagem de bolores e leveduras representa a somatória desses dois grupos e tem a mesma finalidade da CPP nos alimentos em que eles constituem os principais deteriorantes. É usada para frutas, sucos, doces, farinhas e alguns produtos de origem animal para os quais os grupos são importantes, como iogurtes. Coliformes totais A contagem de coliformes totais é usada para certos alimentos, tais como leite pasteurizado e sucos, para indicar as condições higiênicas em que foram produzidos. Indicadores de contaminação fecal Os indicadores de contaminação fecal estão entre as bactérias pertencentes ao grupo dos coliformes, utilizam a lactose a 44,5 ºC com produção de gás. O microrganismo mais importante desse grupo é a Escherichia coli, fazendo parte exclusiva do intestino do homem e de animais de sangue quente. Essas bactérias indicam uma possível presença de microrganismos patogênicos. São também denominadas coliformes termotolerantes ou coliformes a 45 ºC. Como são expelidas em grande quantidade nas fezes (> 106 por grama) e por terem resistência semelhante aos patógenos entéricos, sua presença indica que 117 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS houve contaminação fecal no alimento e que, por isso, existe a possibilidade de haver patógenos, como a Salmonella. As fontes dessa contaminação podem ser: mãos, matéria‑prima, contaminação cruzada, insetos, utensílios e equipamentos contaminados. Existem outros microrganismos que não fazem parte de padrões microbiológicos e podem ser pesquisados em caso de surtos. Em alimentos manipulados, realizam‑se também análises de Salmonella sp. e Staphylococcus aureus. 7.3 Microrganismos patogênicos de importância nos alimentos Vários agentes causadores de doença no homem podem ser transmitidos pelos alimentos: • Produtos químicos, tais como metais pesados e pesticidas. • Toxinas naturais de plantas e animais, tais como alcaloides e histaminas. • Vírus, tais como hepatite e poliovírus. • Parasitos, tais como amebas e helmintos. • Bactérias patogênicas. • Fungos toxigênicos. 7.3.1 Clostridium botulinum A Clostridium botulinum é uma bactéria esporulada que só se multiplica em ambientes sem ar (latas de palmito, por exemplo). Produz uma toxina (veneno) que pode ser fatal em grande parte dos casos. É encontrada no solo e está relacionada com o consumo de alimentos em conserva. Essa bactéria tem como características bastonete gram‑positivo, anaeróbio estrito, esporulado, pH de 4,5 a 8, temperatura ótima de 30 ºC, a 37 ºC, produtor de gás (fermenta carboidrato). As células vegetativas, em condições de anaerobiose, produzem esporos ovais ou esféricos que, com frequência, dilatam a parede celular. A germinação dos esporos exige anaerobiose estrita e pH superior a 4,6 para que haja produção de toxinas. O habitat da Clostridium botulinum é o solo, o trato intestinal de animais, alimentos (peixes, rações) e sedimentos de oceanos e lagos. Sua disseminação ocorre por animais sadios portadores assintomáticos, por solo e poeira. A resistência térmica dos esporos é alta e, em geral, o tratamento térmico aplicado é 100 ºC/360 min, 105 ºC/120 min, 110 ºC/36 min, 115 ºC/12 min ou 120 ºC/4 min (dependente do alimento). Em geral, os alimentos envolvidos possuem baixa e média acidez (não ácidos), como conservas caseiras, alimentos embalados a vácuo e enlatados consumidos sem cozimento. 118 Unidade II A toxina botulínica depende da capacidade de crescimento das células de C. botulinum e sua autólise no alimento. O conteúdo de água ideal para a produção da toxina é de 40% (30% inibe a produção); 8% de NaCl inibe o crescimento da bactéria. O pH menor que 4,5 impede a formação da toxina. É uma proteína com características de neurotoxina, absorvida no intestino delgado e que paralisa a musculatura. Existem oito tipos de Clostridium botulinum, classificados como A, B, Cα, Cβ, D, E, F e G1, com base na especificidade antigênica de suas toxinas. As neurotoxinas A, B, E e F causam doenças humanas; as neurotoxinas C e D, por sua vez, causam doenças em animais (galinhas, patos, equinos). As toxinas botulínicas são as mais ativas que se conhece, podendo determinar a morte, mesmo em quantidades ínfimas, 0,1 mg a 2,0 mg/kg de peso corpóreo. Elas são toxinas termolábeis, e a temperatura necessária para sua destruição depende do tipo considerado. De modo geral, a 80 ºC a destruição ocorre em 30 minutos, e a 100 ºC são necessários 3 minutos. Quadro 21 – Toxinas de C. botulinum segundo tipos, espécies afetadas, modos de veiculação e distribuição geográfica Tipos Espécies mais afetadas Veiculação mais comum Distribuição geográfica A Homem (além de ferimentos e botulismo infantil); galinhas (pescoço flácido – limber‑neck) Conservas domésticas de frutas, vegetais carnes e pescado Partes da América do Norte e Rússia B Homem (além de ferimentos e botulismo infantil); equinos e bovinos Carnes preparadas, especialmente de origem suína América do Norte, Rússia e Europa (cepas não proteolíticas) Cα Aves aquáticas (western duck sickness – botulismo que acomete patos e outras aves) Vegetação podre dos pântanos alcalinos, invertebrados Américas do Norte e do Sul e Austrália Cβ Gado (midland cattle disease – doença paralisante em gado); equinos Cβ (“envenenamento das forragens”)Alimentos tóxicos, carne podre, fígado de porco América do Norte, Europa, África do Sul e Austrália D Gado (lam ziekte – tipo de botulismo em animais, como gado) Carne podre África do Sul e Austrália E Homem, peixes Produtos marinhos e pescado Norte do Japão, Columbia Britânica, Labrador, Alasca, Grandes Lagos, Suécia, Dinamarca, Rússia, Oriente Médio (Egito e Irã) F Homem (além do botulismo infantil) Produtos cárneos Américas do Norte e do Sul, Dinamarca e Escócia G1 Espécies ainda desconhecidas Solo Argentina Adaptado de: Franco e Landgraf (2008). Caracterização da doença O botulismo é uma intoxicação alimentar de extrema gravidade, de evolução aguda, caracterizada por distúrbios digestivos e neurológicos. Ela é causada pela ingestão de diversos tipos de alimentos, embutidos ou enlatados, de origem animal ou vegetal, insuficientemente esterilizados ou conservados 119 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS em substratos com pH superior a 4,6. Nesses alimentos, há condições adequadas para o agente produzir uma potente neurotoxina, capaz de levar os intoxicados a óbito. Atualmente, são conhecidas três formas de botulismo: • Botulismo clássico: intoxicação causada pela ingestão de alimentos contendo neurotoxinas. • Botulismo de lesões: doença infecciosa causada pela proliferação e consequente liberação de toxinas em lesões infectadas com C. botulinum. • Botulismo infantil: corresponde a uma doença infecciosa causada pela ingestão de esporos e subsequente germinação, multiplicação e toxigênese no intestino de crianças com menos de 1 ano de idade. A taxa de mortalidade por botulismo é alta. Antes do desenvolvimento dos sintomas neurológicos, perturbações gastrintestinais ocorrem (tais como náuseas, vômito, diarreias, prisão de ventre etc.). Além desses sintomas, há os seguintes: • distúrbios visuais; • paralisia dos músculos da face, cabeça e faringe; • paralisia respiratória. A toxina liga‑se às membranas pré‑sinápticas nos neurônios motores na junção neuromuscular, bloqueando a liberação de acetilcolina, impedindo a contração do músculo. Sinais excitatórios a partir do sistema nervoso central Músculo Normal A acetilcolina (A) induz a contração das fibras musculares Botulismo A toxina botulínica, , bloqueia a liberação de A, inibindo a contração Figura 29 – Ação da neurotoxina botulínica 120 Unidade II O período de incubação é de 12 a 48 horas. O processo toxicológico de duração da doença é de 3 a 6 dias e a recuperação pode levar alguns meses. O controle ocorre por meio de tratamentos térmicos adequados dos alimentos, assegurando a destruição dos esporos, e do uso de métodos químicos e físicos (redução de Aa, acidificação) que inibem totalmente o desenvolvimento da bactéria. 7.3.2 Staphylococcus aureus A Staphylococcus aureus é uma bactéria normalmente presente na boca, no nariz e na garganta das pessoas e que pode ser transmitida para o alimento por meio de hábitos anti‑higiênicos. Está relacionada com uma grande variedade de alimentos, principalmente proteicos (carnes, molhos, cremes). Causa intoxicação alimentar por produzir toxinas (venenos) em alimentos contaminados e que foram mantidos em condições inadequadas por tempo prolongado. Características Bactérias do gênero Staphylococcus são habitantes usuais da pele, das membranas mucosas (nasal), do cabelo, do trato respiratório superior e do intestino do homem e de animais de sangue quente. Destacando‑se entre elas o S. aureus, o de maior patogenicidade, responsável por considerável proporção de infecções humanas, notadamente no âmbito hospitalar. São cocos gram‑positivos que, ao exame microscópico, podem aparecer aos pares, em cadeias curtas ou agrupados em cachos, semelhantes aos de uva. Outras características importantes do S. aureus são: • Anaeróbio facultativo ou aeróbio, temperatura ótima de crescimento de 35‑37 ºC (mas se desenvolvem bem entre 10 ºC, e 45 ºC). • pH de 7,0 a 7,5 (mas toleram de 4,2 a 9,3). • Elevada tolerância ao sal (toleram meios com 10% a 20% de NaCl). • Aa de 0,99 a 0,86. Algumas cepas produzem uma toxina, proteína altamente termoestável, responsável no homem pelos quadros de estafiloenterotoxemia ou estafiloenterotoxicose. A toxina é denominada enterotoxina por causar gastrenterite ou inflamação das mucosas gástrica ou intestinal. Essa enterotoxina é dividida em seis tipos: A, B, C1, C2, D e E. A dose infectante é acima de 105 UFC/g de alimento. Nessas condições, quantidades suficientes de enterotoxinas serão produzidas e liberadas no alimento causando a intoxicação quando for ingerido. A dose mínima da enterotoxina, capaz de provocar a manifestação clínica da intoxicação estafilocócica, varia de 0,015 a 0,357 mg/kg corpóreo. 121 MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS A disseminação ocorre por manipuladores de alimentos, úbere de vaca, pele e carcaça de animais, equipamentos e utensílios. O período de incubação é, em média, de 1 a 6 horas. Doenças associadas Os principais sintomas são: • náuseas; • vômitos; • câimbras abdominais dolorosas; • diarreia; • salivação intensa; • sudorese; • desidratação; • outras infecções, processos supurativos, superficiais ou profundos. A doença dura por volta de 24 horas e não é fatal, a menos que o indivíduo acometido esteja debilitado. Alimentos envolvidos Entre os alimentos envolvidos na contaminação por bactérias do gênero Staphylococcus estão aves congeladas, saladas (batata, ovos, atum), bolos recheados (doces com creme, tortas), leite cru, sorvetes. Também aqueles com alto teor de umidade e com alta porcentagem de proteína, tais como as carnes e os produtos derivados de bovinos, de suínos e de aves, além de ovos. O leite e seus derivados, como queijos cremosos, bem como os produtos de confeitaria, os doces recheados de creme, as tortas de creme e as bombas de chocolate são frequentemente incriminados em surtos de intoxicação estafilocócica. De modo geral, todos os alimentos que requerem considerável manipulação durante seu preparo e cuja temperatura de conservação é inadequada, como acontece com saladas e recheios de sanduíches, são passíveis de causar a intoxicação. Controle O treinamento de manipuladores é um dos procedimentos de maior relevância para a prevenção da contaminação de alimentos, durante as diferentes fases de preparo, aí incluídas todas as medidas de higiene pessoal, utensílios e instalações. 122 Unidade II Em relação à conservação dos alimentos, é extremamente importante a faixa de temperatura, compreendida entre 7 ºC e 60 ºC, que deve ser evitada, a fim de impedir a multiplicação do S. aureus e a consequente produção de enterotoxina. 7.3.3 Salmonella sp. A Salmonella sp. é uma bactéria que causa infecção intestinal e pode estar presente em uma série de alimentos, principalmente de origem animal (carnes, ovos e leite não pasteurizado), e vegetais que foram adubados com esterco sem tratamento. As infecções provocadas pelas bactérias do gênero Salmonella pertencente à família Enterobacteriaceae são universalmente consideradas, na atualidade, como as mais importantes causas de DTA. A maior parte dessas bactérias é patogênica para o homem, apesar das diferenças quanto às características e à gravidade da doença que provocam. Aspectos gerais As Salmonellas são bacilos gram‑negativos, não formadores de esporos, anaeróbios facultativos, catalase‑positivos, oxidase‑negativos, redutores de nitratos e nitritos, móveis com flagelos peritríquios. A temperatura ótima de crescimento é de 35 ºC, a 37 ºC (mas toleram a faixa entre 5 ºC, e 45 ºC), pH ótimo de 6,5 a 7,5 (mas se desenvolvem entre 4,5 e 9,0), resistência térmica baixa (no máximo, 60 ºC/5 min). A dose infectante para o homem é de 105 a 106 UFC/mg. Doenças As doenças causadas pela Salmonella sp. são: • Febre tifoide: causada pela S. typhi. Só acomete o homem. • Febre entérica: causada pela S. paratyphi. É semelhante à febre tifoide, com sintomas mais brandos. • Enterocolite:
Compartilhar