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Execucao Penal - teoria critica

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ISBN 9788547230654
Roig, Rodrigo Duque Estrada
Execução penal : teoria crítica / Rodrigo Duque Estrada Roig. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
1. Execução penal 2. Direito penal I. Título.
17-1145 CDU 343.8(81)
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Execução penal 343.8(81)
Vice-presidente Claudio Lensing
Diretora editorial Flávia Alves Bravin
Conselho editorial
Presidente Carlos Ragazzo
Consultor acadêmico Murilo Angeli
Gerência
Planejamento e novos projetos Renata Pascoal Müller
Editorial Roberto Navarro
Edição Iris Ferrão
Produção editorial Ana Cristina Garcia (coord.) | Luciana Cordeiro Shirakawa | Rosana Peroni Fazolari
Arte e digital Mônica Landi (coord.) | Claudirene de Moura Santos Silva | Guilherme H. M. Salvador | Tiago Dela Rosa
| Verônica Pivisan Reis
Planejamento e processos Clarissa Boraschi Maria (coord.) | Juliana Bojczuk Fermino | Kelli Priscila Pinto | Marília
Cordeiro | Fernando Penteado | Tatiana dos Santos Romão
Novos projetos Laura Paraíso Buldrini Filogônio
Diagramação (Livro Físico) Microart Design Editorial
Revisão Microart Design Editorial
Comunicação e MKT Carolina Bastos | Elaine Cristina da Silva
Capa Roney Camelo
Livro digital (E-pub)
Produção do e-pub Verônica Pivisan Reis
Data de fechamento da edição: 16-11-2017
Dúvidas?
Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora
Saraiva.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
http://www.editorasaraiva.com.br/direito
SUMÁRIO
Agradecimentos
Prólogo
Apresentação
Introdução: bases para uma Teoria Redutora de Danos na execução penal
1. Princípios da Execução Penal
1.1. Princípio da Humanidade
1.2. Princípio da Legalidade
1.3. Princípio da não marginalização (ou não discriminação) das pessoas presas ou internadas
1.4. Princípio da individualização da pena
1.5. Princípio da Intervenção Mínima
1.6. Princípio da Culpabilidade
1.7. Princípio da Lesividade
1.8. Princípio da Transcendência Mínima
1.9. Princípio da Presunção de Inocência
1.10. Princípio da Proporcionalidade
1.11. Princípio da Celeridade (ou Razoável Duração) do processo de execução penal
1.12. Princípio do Numerus Clausus (Número Fechado)
2. Natureza Jurídica da Execução Penal
3. Jurisdição na Execução Penal
4. Execução Provisória da Pena
4.1. Execução provisória de pena restritiva de direitos
5. Direitos não atingidos na execução
6. Disposições relativas aos condenados e internados
6.1. Assistência ao preso, internado ou egresso
7. Trabalho Penitenciário
7.1. Trabalho externo
8. Deveres e Disciplina
8.1. Deveres
8.2. Disciplina
8.2.1. Poder disciplinar na execução penal
8.2.2. Faltas disciplinares de natureza grave
8.2.3. Regime Disciplinar Diferenciado
8.2.4. Transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima
8.2.5. Prescrição de Faltas Disciplinares
8.2.6. Sanções Disciplinares
8.2.7. Recompensas
8.2.8. Procedimento Disciplinar
9. Órgãos da Execução Penal
9.1. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
9.2. Juízo da Execução
9.3. Ministério Público
9.4. Conselho Penitenciário
9.5. Departamentos Penitenciários
9.6. Patronato
9.7. Conselho da Comunidade
9.8. Defensoria Pública
10. Estabelecimentos Penais
10.1. Penitenciária
10.2. Colônia Agrícola, Industrial ou Similar
10.3. Casa do Albergado
10.4. Centro de Observação
10.5. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
10.6. Cadeia Pública
11. Execução das Penas em Espécie
11.1. Regimes de cumprimento de pena
11.2. Crime continuado e concurso formal de crimes na execução penal
11.3. Progressão de Regime
11.3.1. Requisitos objetivos
11.3.2. Requisitos subjetivos
11.3.3. Progressão de Regime para preso estrangeiro
11.3.4. Competência
11.3.5. Possibilidade de apreciação de progressão de regime em sede de Habeas Corpus
11.3.6. Progressão para o regime aberto
11.4. Prisão-albergue domiciliar
11.4.1. Hipóteses de prisão-albergue domiciliar
11.4.2. Prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva
11.5. Regressão de regime
11.6. Autorizações de Saída
11.6.1. Permissão de Saída
11.6.1.1. Características da Permissão de Saída
11.6.2. Saída Temporária
11.6.2.1. Características da Saída Temporária
11.6.2.2. Revogação da Saída Temporária
11.7. Remição de Pena
11.7.1. Novas hipóteses de remição
11.8. Livramento Condicional
11.8.1. Requisitos objetivos
11.8.2. Requisitos subjetivos
11.8.3. Condições do livramento condicional
11.8.4. Livramento condicional para presos estrangeiros
11.8.5. Suspensão do livramento condicional
11.8.6. Revogação do livramento
11.8.7. Extinção da pena
11.8.8. Possibilidade de apreciação de livramento condicional em sede de Habeas Corpus
11.9. Monitoração Eletrônica
12. Reabilitação
13. Penas Restritivas de Direitos
14. Suspensão Condicional da Pena (Sursis)
15. Prescrição da Pretensão Executória
16. Execução da Pena de Multa
17. Execução das Medidas de Segurança
17.1. Prazos da medida de segurança
17.2. Prescrição da medida de segurança
17.3. Detração da medida de segurança
18. Incidentes de Execução
18.1. Conversões
18.2. Excesso ou Desvio de execução
18.3. Anistia
18.4. Indulto e Comutação de penas
18.4.1. Natureza da sentença que concede o indulto e a comutação
18.4.2. Indulto e comutação de pena em crimes hediondos
18.4.3. A relação entre graça e indulto
18.4.4. Modalidades de indulto
18.4.5. Requisitos subjetivos para a comutação e o indulto
18.4.6. Vedações à comutação e ao indulto
18.4.7. Exigência de outros requisitos que não estejam no Decreto Presidencial
18.4.8. Procedimento
19. Procedimento judicial da execução, Agravo em Execução e outros recursos
20. Superlotação carcerária como mecanismo de violação dos direitos humanos: novos paradigmas
20.1. Considerações iniciais sobre a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos
20.2. Paradigma e exemplo para o Brasil
20.2.1. Encarceramento em espaços reduzidos
20.2.2. Superlotação como forma suficiente de tratamento desumano ou degradante
20.2.3. Natureza estrutural e sistêmica da superlotação
20.2.4. Relativização da relação jurídica entre Estado e indivíduo
20.2.5. Ilegalidade do encarceramento em condições precárias ou de superlotação
20.2.6. Dever jurídico-constitucional de supressão da superlotação
REFERÊNCIAS
AGRADECIMENTOS
A Andréa e Enzo. Vê-los juntos, como se dois fossem um, me faz ver que o amor, ao contrário da
ressocialização pelo cárcere, não é uma mentira piedosa.
A Deo, Tania e Altair, com amor e gratidão.
Ao grande amigo e maior referência, Nilo Batista. Seguir seus passos é a certeza de um caminhar
seguro, corajoso e bem distante do “vale das sombras penais”, habitado por beatos do poder punitivo,
periodistas marrons, políticos emergencialistas, “intelectuais” penais pós-modernos, sacerdotes
retribucionistas e mentirosos prevencionistas.
A Eugenio Raúl Zaffaroni, por sua amizade e generosidade. Sua confiança, em mim depositada sob
forma de palavras, é proporcional à responsabilidade e ao desafio de tentar honrá-las.
Ao querido amigo Massimo Pavarini, pelas inesquecíveis lições bolonhesas. Suas lições, gentileza,
generosidade e simpatia jamais serão esquecidas. Por você e com você seguiremos... All’amico
Massimo, con profonda amicizia...
Aos companheiros de Defensoria Pública e ex-companheiros de CNPCP, pelo feliz convívio e indelével
aprendizado.
Aos que permanecem meus amigos ainda quando não lhes sou útil.
PRÓLOGO
Pocas veces una obra contiene un análisis tan rico y detallado sobre la ejecución penal, alcanzando
un nivel que excede en mucho la exégesis de la ley, para configurar una verdadera construcción
dogmático-jurídica.
Desde los orígenes de la autonomización del derecho penal ejecutivo han aparecido tendencias
autoritarias o antiliberales tratando de escindirlo del tronco del derecho penal, para asignarle reglas de
interpretación propias, que burlaban las garantías impuestas al intérprete de la ley penal.Uno de los recursos para hacer de la ejecución penal una materia independiente fue negarle carácter
penal, asignándole una simple naturaleza administrativa o, más disimuladamente, mixta. De ese modo
se intentaba dejar a la ejecución penal fuera del ámbito jurisdiccional, entregando a los condenados al
poder ejecutivo y a sus reglamentos. El condenado era un ente del que debía hacerse cargo la
administración y la normativa que lo regía no pasaba de ser una ley administrativa o un reglamento
complejo. Si extremamos el argumento, el magisterio judicial de control sería su rama contenciosa.
Pretendidos principios propios, como la retroactividad de la supuesta ley aptior en tiempos del
fascismo italiano, oscurecieron el tratamiento del tema, incluso en nuestra región, donde con frecuencia
arriban tesis que son acogidas con entusiasmo y adoptadas con ingenuidad reverente, cuando en
realidad son producto de marcos teóricos políticamente incompatibles con los que imponen nuestras
Constituciones y el derecho internacional de los Derechos Humanos. Es obvio que una ley ejecutiva más
gravosa retroactiva burla el principio de legalidad de la pena, dado que dos penas que se ejecutan de
modo diferente son dos penas diferentes.
Es incuestionable que el derecho penal ejecutivo sigue perteneciendo al derecho penal. Incluso, ante
de su complejización se hallaba legislado en los viejos códigos, que detallaban la ejecución de las penas.
La legislación especializada fue resultado de una larga evolución, en cuyo curso se vio la conveniencia de
una regulación legislativa separada, fuera del código penal, pero como mejor técnica legislativa y nunca
como pretexto para el desconocimiento de su naturaleza y, por ende, para que la ley ejecutiva sea
interpretada conforme a principios diferentes de los que rigen las garantías en toda la materia penal.
La diferencia conceptual que se deriva de la materia a interpretar en las normas ejecutivas no puede
consistir más que en extensiones adaptativas de los mismos principios interpretativos penales ajustados
por especialidad, pero nunca alterados en cuanto a los límites al poder punitivo que rige todo el campo
penal.
El autor toma aquí decidida posición por la tesis correcta tanto en cuanto a la naturaleza de la
legislación penal ejecutiva como, en consecuencia, a los principios interpretativos del derecho penal para
el entendimiento de la detallada ley brasileña. En este aspecto lleva a cabo una cuidadosa exposición de
estos principios, con verdadera maestría dogmática.
No es labor del prologuista entrar en los múltiples y complejos temas que aborda el autor a lo largo
de la obra, que constituye un verdadero tratado del derecho penal ejecutivo. No obstante, su análisis de
los principios llama la atención por su originalidad y, en particular, porque eleva a la categoría de principio
el del numerus clausus. De la observancia de este principio depende en nuestra región la vigencia
efectiva de todo el resto de la legislación penal ejecutiva. Sin este principio, nuestras legislaciones
ejecutivas son letra muerta, que sólo sirve para entretenimiento de los comparatistas.
Las cárceles superpobladas de América Latina van dejando de ser prisiones para convertirse en
campos de concentración y, en ocasiones, en campos de exterminio, en razón de las frecuentes
masacres –con pretexto de motines– o de las masacres por goteo que a diario cobran vidas, porque el
riesgo de muerte violenta carcelaria se multiplica exponencialmente en relación con el de la vida libre.
La cárcel superpoblada implica no sólo una pena cruel, sino directamente una tortura y, teniendo en
cuenta la potenciación de la violencia, una pena de muerte por azar, aunque la misma expresión pena
resulta inadecuada, dado que en Latinoamérica más de la mitad de los presos no se hallan condenados,
sino que cumplen detención en prisión preventiva. Nuestro derecho penal judicial se ha vuelto cautelar,
caracterizado por imponer penas por las dudas. Se ha hablado con frecuencia de la inversión del sistema
penal, lo que también es dudoso, dado que nunca ha funcionado cabeza arriba, con lo que se constata
históricamente que esa y no otra es su normalidad de funcional.
Además de los antecedentes europeos y de la jurisprudencia norteamericana de los últimos años, el
autor funda legalmente el principio del numerus clausus en el propio derecho vigente, con muy sólidos
argumentos.
Vivimos un momento mundial en que predomina una tendencia francamente autoritaria y los
derechos humanos se hallan en retroceso. El mundo se debate entre el poder de las grandes
corporaciones trasnacionales y el de los estados, las primeras procurando imponer un modelo de
sociedad excluyente y algunos de los segundo esforzándose por una sociedad incluyente.
Nuestros medios masivos de comunicación son parte de las grandes corporaciones y generan
constantemente un pánico moral que es funcional a la violencia con que se pretende contener a los
excluidos de nuestras sociedades marcadamente estratificadas. Lamentablemente, los poderes judiciales
de nuestra región son amedrentados por estos medios –en especial los audiovisuales– y por políticos
temerosos u oportunistas, lo que les impide imponer el numerus clausus en la forma en que lo
argumenta este texto.
En estas condiciones, en casi toda nuestra región se insiste en la respuesta más insensata frente a la
verificación de la superpoblación carcelaria, que es la construcción de nuevas prisiones, lo que es
correctamente rechazada por el autor y por toda la opinión técnica responsable. Salvo que se lleve a
cabo una política integradora –como en los países nórdicos, es decir, a contramano de la dominante en
la región– no existe espacio carcelario ocioso en el mundo, pues la demanda de prisionización de las
corporaciones trasnacionales, conforme a su modelo de exclusión social, exige un incesante aumento de
presos.
La propia burocracia internacional es incapaz de poner coto a esta tendencia, pues se halla
básicamente financiada por los países que tratan de imponer el modelo de dominio corporativo,
insistiendo en las tesis de absoluta libertad de mercado, cuyo fracaso ha iniciado un proceso de
decadencia de la hegemonía mundial vigente, dando lugar a una transición del poder planetario en que
aún no se vislumbra el nuevo modelo. En medio de esta incertidumbre, nuestra región debe sortear sus
dificultades de la mejor manera, para lo cual una de sus prioridades es la contención de la violencia
institucional reproductora y potenciadora de la conflictividad social. En este orden, el principio del numerus
clausus es el remedio más urgente a adoptar para bajar el nivel gravísimo de violencia carcelaria y una
de las más flagrantes burlas a los derechos humanos. Lamentablemente, es un tema que no ha sido
asumido por los congresos de la ONU, donde los ministros de justicia tienen la palabra y, por lo general,
producen documentos ambiguos y en ocasiones ininteligibles en su acostumbrado dialecto no
comprometido.
Desde una perspectiva realista, la inclusión de este principio en la reconstrucción dogmática que de la
ley de ejecución penal realiza el autor, resulta la viga maestra en la que asentar el resto de las
disposiciones de la ley misma.
La dogmática penal latinoamericana no puede seguir construyéndose sobre modelos importados y
pretendidamente neutrales o asépticos en lo político. No podemos ser ajenos a los modelos de sociedad
que se debaten y que, sustancialmente son el incluyente y el excluyente.
Si nos decidimos por el último, sigamos construyendo prisiones, comprando las que en forma
premoldeada nos venden desde el norte (la prisión prêt à porter), sobrepoblemos las nuevas cárceles,
aumentemos el número de presos muertos, lesionados, enfermos, deteriorados y, por otra parte,
sigamos fomentando la autonomización de las policías entrelazadas con el crimen organizado,
potenciemos la estigmatización de los adolescentes de nuestros barrios precarios (favelas, villas miseria,
pueblos jóvenes) y hagamos caso omisode las ejecuciones sin proceso. Este camino tiene un único final
posible: no puede ser otro que la masacre, el genocidio y la dictadura.
Si nos decidimos por el modelo incluyente tratemos de controlar y desandar todo lo anterior –que es
el camino por el que el norte nos emplaza a andar– y hagamos una dogmática penal conforme a este
modelo, como propuesta de jurisprudencia para nuestras agencias judiciales. Esta obra se inscribe
decididamente en esta segunda opción.
E. Raúl Zaffaroni
Profesor Emérito de la Universidad de Buenos Aires 
Buenos Aires, enero de 2014.
APRESENTAÇÃO
Embora trate dos assuntos afetos à execução penal e siga o mesmo percurso desenhado pela Lei
de Execução Penal, o presente trabalho não possui a pretensão de ser um manual, nem mesmo de
esgotar o tema. Trata-se de um estudo eminentemente crítico dos diversos institutos e normas
executivo-penais, baseado em pesquisas doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas realizadas no Brasil e
no exterior, em especial no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Strafrecht
(Alemanha) e nas Universidades de Grenoble (França), Castilla-La Mancha (Espanha) e Bolonha (Itália),
esta última durante o período de pós-doutoramento em Direito Penitenciário, sob a supervisão do
querido amigo e mestre Massimo Pavarini e com as preciosas lições criminológicas de Dario Melossi.
Muitas das discussões aqui presentes foram também retiradas das aulas de Execução Penal
ministradas nos Cursos de Pós-graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro e de Pós-graduação em Direito e Processo Penal da Universidade Cândido
Mendes/RJ.
Este trabalho é fruto ainda de experiências vivenciadas com a atuação como Defensor Público junto
à Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro, ex-membro do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, ex-integrante da “Comissão para desenvolver estudos tendentes à criação de
banco de dados com informações sobre a população carcerária do Brasil”, do Conselho Nacional de
Justiça e ex-Ouvidor Nacional do Sistema Penitenciário.
Ao longo das lições e experiências obtidas, muitas dúvidas nasceram, mas algumas certezas
ficaram. A primeira delas de que, como bem observaram Nilo Batista e Eugenio Raúl Zaffaroni, a pena
não passa de um ato de poder que impõe privação de direitos ou dor, sem, no entanto, reparar,
restituir, nem tampouco deter lesões em curso ou neutralizar perigos iminentes. Daí não nos resta outra
opção senão reconhecer que a principal função dos juristas e agências jurídicas é a de conter a ação do
poder punitivo (e executório) do Estado de Polícia em prol do fortalecimento das bases do Estado de
Direito. E isto se faz por meio de decisões legitimadas pelo manejo racional dos Direitos Penal e da
Execução Penal. Raúl tem razão, se não servimos para isso, não servimos para nada. Daí nasceu outra
certeza: a de que não podemos continuar construindo discursos dogmáticos meramente descritivos,
assépticos ou descompromissados com a contenção racional do poder punitivo e executório do Estado.
Construindo discursos jurídicos consequentes e contra-hegemônicos na execução penal, certamente
somos estigmatizados de idealistas, radicais, “defensores de bandidos” e outros adjetivos impublicáveis.
Mas outra certeza me alenta: a de que não devemos temer adjetivações. Esses ataques que sofremos
decorrem de outra certeza: a de que vivenciamos tempos difíceis para os direitos humanos em sede de
execução penal, vistos como verdadeiras heresias pela cultura penal pós-moderna, cultura esta
midiática, populista, paradoxalmente legitimada pelos próprios segmentos que são alvos do sistema
penal e, sobretudo, cega diante da ameaça que a flexibilização de princípios e garantias constitucionais
produz à própria democracia.
Não me cabe dissertar indefinidamente sobre certezas, mas uma última merece apreço: a de que
tive muita sorte. Sorte de encontrar no caminho grandes mestres e amigos, que deixaram em mim
uma impagável (e inapagável) dívida de gratidão pelas lições aprendidas, bem como enormes honra e
alegria pelo convívio. Nilo Batista, Vera Malaguti Batista, Eugenio Raúl Zaffaroni, Massimo Pavarini, Dario
Melossi, Juarez Tavares, Salo de Carvalho, Sérgio Salomão Shecaira e Carlos Weis, entre outros
companheiros que me fariam também dissertar indefinidamente. Espero, com as “sedições” a seguir,
poder honrar as lições de vida e de Direito que me deram.
Rio de Janeiro, janeiro de 2017.
INTRODUÇÃO: BASES PARA UMA TEORIA REDUTORA DE DANOS NA
EXECUÇÃO PENAL
Lamentavelmente, enquanto não prescindirmos da pena privativa de liberdade, teremos que
continuar lidando com ela, espelho de nossas imperfeições e prova de nossa incompetência na busca
por maneiras mais racionais de lidar com o fenômeno criminal. Por isso, antes mesmo de se discorrer
acerca da execução da pena, faz-se necessário pontuar que as considerações a seguir somente se
mantêm válidas enquanto o sistema penal continuar a atuar da forma como hoje o faz, especialmente
com suas características repressivas, seletivas e estigmatizantes. De posse dessa premissa realista –
não justificante –, resta-nos buscar, por ora, possíveis soluções para tornar a execução penal
individualmente e socialmente menos ruinosa.
Em linhas gerais, execução significa a colocação em prática ou a realização de uma decisão, plano ou
programa pretéritos. A própria origem do vocábulo “execução” (ex sequor, exsecutio ), pressupõe algo
que se segue após a cognição, traduzindo uma necessária relação de consequencialidade. Em matéria
penal, execução significa a colocação em prática do comando contido em uma decisão jurisdicional
penal, em regra contra a vontade do condenado.
Cabe à execução penal, enfim, efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal, conforme
taxativamente determina o art. 1º, primeira parte, da Lei de Execução Penal (LEP). Aliada a esse
objetivo, a LEP (art. 1º, segunda parte) também apresenta para a execução penal a finalidade de
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado (submetido à pena em sentido
estrito) e do internado (submetido à medida de segurança). Esta finalidade é objeto de profundo
debate, que nos remete à análise das (anunciadas) finalidades da pena.
Em relação às chamadas finalidades da pena, três grupos de teorias podem ser apontados. Em
primeiro lugar aparecem as chamadas teorias absolutas, que concebem a pena como um fim em si
mesmo (justa retribuição), sem a projeção de qualquer outro escopo e analisando o fato criminoso em
uma perspectiva pretérita (quia peccatum est). Em segundo lugar, figuram as teorias relativas (ou
preventivas), que fundamentam a pena a partir dos fins que esta pode alcançar (utilidade para a
evitação de novos delitos) e adotam um olhar para o futuro (ne peccetur). As teorias mistas, por fim,
representam a tentativa de conciliação dos aportes trazidos pelas teorias absolutas e relativas, em regra
sobrepondo-os uns aos outros.
Trazendo foco para as teorias relativas ou preventivas, é possível afirmar que estas justificam a
pena a partir de sua utilidade para o desencorajamento à futura prática delitiva, seja pelos membros da
coletividade (prevenção geral), seja pelo condenado (prevenção especial). Nesse sentido, enquanto a
prevenção geral seria destinada aos que ainda não delinquiram, desempenhando o efeito de dissuasão
da coletividade por meio da cominação, aplicação e execução de reprimendas (prevenção geral
negativa) ou o efeito de sensibilização e fidelização do cidadão ao ordenamento jurídico (prevenção geral
positiva), a prevenção especial destinar-se-ia à contenção da reincidência, a partir da atuação direta
sobre a pessoa do condenado, perseguindo sua “correção”, “tratamento” ou “ressocialização”
(prevenção especial positiva), ou ainda, sua neutralização (prevenção especial negativa).
A Lei de Execução Penal traçou duas ordens de finalidades: a correta efetivação dos mandamentos
existentes nas sentenças ou outras decisões,destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de
meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação
construtiva na comunhão social (item 13 da Exposição de Motivos da LEP).
Embora tenha procurado se esquivar da polêmica doutrinária, o projeto de elaboração da Lei de
Execução Penal acabou por se aproximar das finalidades de retribuição e prevenção especial positiva (ao
construir o objetivo de proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado). No
entanto, tais finalidades são absolutamente inconciliáveis (pois se almeja uma “pena justa” com
conteúdo de utilidade1), e nenhuma delas parece estar, por si só, alinhada com uma concepção
democrática e republicana.
Conforme bem lembrado, a repressão retributiva é de fato a expressão de um Direito Penal desigual,
que promove a seletiva criminalização dos marginalizados sociais do mercado de trabalho, reforçando os
instrumentos formais e ideológicos de controle social2. Ademais, além das inúmeras críticas à retribuição
feitas com autoridade pela doutrina, nos cabe recordar que a imposição de um mal como mero
instrumento de retribuição contraria o objetivo fundamental de promover o bem de todos, alicerce de
nossa República.
Por sua vez, a prevenção especial positiva não é resposta constitucionalmente admissível,
considerando que as ideias de tratamento e ressocialização pressupõem um papel passivo do preso e
ativo das instituições, sendo resíduos anacrônicos da velha criminologia positivista que definia o
condenado como um indivíduo anormal e inferior que devia ser (re) adaptado à sociedade, considerando
acriticamente esta como “boa” e o condenado como “mau”3. Em última análise, a sanção penal e sua
execução não podem trazer consigo a finalidade de regulação moral dos sujeitos, pois haveria ruptura
do princípio da secularização4.
A prevenção especial positiva também padece de absoluta irrealizabilidade, pela própria essência do
encarceramento, em especial em nosso país. Em primeiro lugar, o Estado não dispõe de políticas
públicas efetivas e duradouras no sentido de integrar socialmente os egressos. Além disso, por si só, o
encarceramento é fator de desagregação familiar, repúdio social, rotulação e dessocialização do
indivíduo5, sendo tais características ontologicamente incongruentes com a pretendida finalidade de
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.
Na verdade, a anunciada finalidade de proporcionar condições para a harmônica integração social
esconde falaciosamente o real exercício do poder punitivo (potestas puniendi) típico do Estado de Polícia,
caracterizado pelo paternalismo, arbitrariedade, seletivização, verticalismo, repressão e estigmatização.
A ideia de harmônica integração social pressupõe a existência de uma sociedade homogênea, justa e
não conflitiva (a cujos valores deve o condenado se integrar harmonicamente), quando na verdade a
mesma é plural, seletiva e palco de conflitos entre ideologias, concepções morais e segmentos
absolutamente díspares.
Na visão de Eugenio Zaffaroni e Nilo Batista, a norma que atribui à execução da pena a finalidade de
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado confere à prisão uma função
que as ciências sociais comprovadamente declaram ser impossível, devendo o intérprete realizar uma
interpretação progressiva, adotando cautelas para, de um lado, evitar que o pretexto de uma finalidade
irrealizável acentue as características deteriorantes da prisonização e, de outro, oferecer – e não impor –
possibilidades de que os presos diminuam seu nível de vulnerabilidade ao poder punitivo6.
Estas observações aclaram os dois grandes desafios das agências executivas no curso do processo
de execução, com os quais concordamos: não acentuar ainda mais as características deteriorantes e
dessocializantes da prisonização (redução de danos ou “não dessocialização”7) e oferecer (jamais
impor) meios para que as pessoas presas tentem diminuir seu nível de vulnerabilidade ao poder punitivo
(possibilidade de seleção criminalizante), se assim desejarem.
Estas são posturas pragmáticas, que se desapegam do infecundo debate sobre as finalidades da
pena e de sua execução. Nesse sentido, não podemos deixar de constatar como certos teóricos do
direito penal se perdem em extensas, às vezes quase intermináveis, divagações sobre o tema. Com a
devida licença para o uso de uma metáfora, assim como as mitológicas sereias com sua sedução
atraem marinheiros para a morte, a discussão sobre as finalidades da pena – igualmente sedutora –
também atrai o jurista para um labirinto inexpugnável e fatal para o realístico e útil enfrentamento das
questões mundanas da execução penal. Em termos mais diretos, enquanto parte da dogmática penal
se inebria com a discussão sobre as finalidades da pena, milhões de seres humanos em todo o mundo
são diuturnamente submetidos a torturas, aprisionamentos desnecessários ou excessivos, péssimas
condições carcerárias e abusos de autoridade, entre outras vicissitudes. Não sairemos da estagnação
enquanto não percebermos que o problema central da pena não é a sua finalidade, mas o respeito à
humanidade8.
Desse modo, junto com as (acertadas) críticas às finalidades da execução penal, emerge a
constatação de que a Constituição de 1988, a par de alguns preceitos criminalizadores, não se curvou à
tendência legitimadora da pena. Pelo contrário, as normas constitucionais penais têm como regra e por
escopo o estabelecimento de limites ao poder punitivo9, restando constitucionalmente incompatíveis
quaisquer aspirações de execução da pena com esteio em finalidades a ela projetadas. Daí é possível
concluir que as finalidades de retribuição e prevenção especial positiva não foram recepcionadas pela
Constituição de 1988.
Partindo destas premissas, mostra-se coerente a teoria negativa, que não concede qualquer função
positiva à pena, entendendo-a na verdade como uma coerção que almeja o controle social, impondo
privação de direitos e dor, sem, no entanto, reparar, restituir ou deter lesões em curso, ou ainda,
neutralizar perigos iminentes10. Na verdade, a teoria negativa vislumbra a pena (e também sua
execução) como um ato de poder – de explicação política11 – passível de limitação pelo poder dos
juristas e pelas próprias agências jurídicas, por intermédio de “cancelas teóricas sucessivas em cada
uma das quais o discurso habilite o trânsito de menor poder punitivo e de menor intensidade irracional,
ou seja, de maior respeito aos princípios constitucionais e internacionais limitadores”12.
Nessa perspectiva, assim como o Direito Penal, o Direito da Execução Penal também deve possuir o
objetivo de legitimar as decisões das agências jurídicas, tomadas no intuito de conter racionalmente a
ação do poder punitivo-executório do Estado de Polícia em prol do fortalecimento das bases do Estado
de Direito. Em outras palavras, “a mais óbvia função dos juízes penais e do direito penal como
planejamento das decisões judiciais é a contenção do poder punitivo. Sem a contenção jurídica (judicial)
o poder punitivo ficaria liberado ao puro impulso das agências executivas e políticas e, por conseguinte,
desapareceriam o estado de direito e a própria república”13. Daí a necessidade de “eticizar republicana e
jus-humanisticamente o desempenho das agências do sistema penal”14.
Podemos agregar alguns argumentos em favor da teoria negativa. Considerando que a Constituição
é o instrumento jurídico que afirma as bases republicanas e democráticas do Estado, é dela que são
extraídos os fundamentos de legitimidade e validade do poder redutor dos juristas e das agências
jurídicas. E levando-se em consideração que o Estado Republicano e Democrático de Direito brasileiro
possui como fundamento a dignidade da pessoa humana (e sua correspondente humanidade das
penas), compete aos juristas e às agências jurídicas impedir que a habilitação desmesurada e irracional
do poder punitivo e executório – típicos do Estadode Polícia – prejudique os objetivos fundamentais de
construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF), erradicação da marginalização e
redução das desigualdades sociais (art. 3º, III, da CF) e promoção do bem de todos (art. 3º, IV, da
CF).
Surge daí a tese central da teoria redutora de danos na execução penal, aqui defendida: a existência
de um autêntico dever jurídico-constitucional de redução do sofrimento e da vulnerabilidade das pessoas
encarceradas, sejam elas condenadas ou não. O cumprimento de tal dever, sobretudo dos juristas e
agências jurídicas, é o grande norte interpretativo e de aplicação normativa da execução penal. Se de
fato a execução da pena é a região mais obscura, mas ao mesmo tempo a mais transparente do
poder punitivo, onde a tensão entre o estado de polícia e o estado de direito evidencia o conflito entre o
poder punitivo e o poder jurídico15, é por afirmação deste que se esvaziarão os danos causados por
aquele.
Uma visão redutora amparada na teoria negativa da pena (e inspirada pelo realismo marginal latino-
americano), que sustentamos, também possui a percepção de que a execução penal se oferece como
autêntico governo de homens no tempo16, e que encarcerar significa subtrair coativamente um tempo
existencial do prisioneiro, seja ele provisório ou condenado. Nada é como antes, assim como ninguém é
a mesma pessoa após certo tempo de encarceramento. Na prisão, tempo linear e existencial estão em
permanente desalinho e o ócio prisional faz o sofrimento humano se arrastar ainda mais, em um
angustiante compasso de espera.
Não é à toa o desabafo de Dostoievski, após sua experiência carcerária siberiana: “de fato, posto à
margem da sociedade e da rotina de vida, e ansiando pela sociedade e pela vida, como pode um
detento suportar a temporalidade a não ser com irritação e re​beldia?”17.
A visão redutora da execução penal, aqui sustentada, está de acordo que a pena não pode ser um
meio para resolver problemas, porque ela mesma é um problema social18, que não anula o dano do
crime (dialética hegeliana), mas sim duplica a danosidade do evento delitivo. De fato, conforme ventilado
pela penologia revisionista, a pena nada mais é do que uma voluntária prática de exclusão social. Em
suma: manifestação típica do modelo de sociedade excludente.
Daí ser extremamente oportuna a percepção de que a prisão “é, em sua dimensão material,
produção de sofrimento na forma de privação e limitação de direitos e expectativas”, colocando-se nas
sombras do não jurídico19. Em outras palavras, “é e permanece, não diversamente de outras formas
de punir, como um sofrimento imposto intencionalmente, com finalidades de degradação. E o efeito
degradante da pena se determina na ‘coisificação’ do condenado-recluso, na sua redução à escravidão,
à sujeição, em poucas palavras, ao poder de outrem”20.
As condições fáticas da execução penal são tão lastimáveis que a frase de Eberhard Schmidt – de
que as prisões são erros monumentais talhados em pedra21 – torna-se absolutamente atual. E nesse
contexto, o discurso jurídico crítico muitas vezes acaba por orbitar na esfera do dever-ser. Em diversos
momentos, a presente obra parece caminhar por esta trilha, porém sem receio de ser vista como
idealista, pois não despreza o sentido materialmente seletivo e dessocializante da pena.
Por ser orientado por uma teleologia redutora, o discurso desenvolvido neste trabalho apresenta-se
como contraponto do discurso penológico hegemônico, identificado por Pavarini como aquele que – certo
quanto à utilidade da pena, em forte crescimento e sem o menor constrangimento frente à prisão – se
expressa nos discursos da gente, que fala diretamente com as pessoas nas palavras de políticos e
principalmente por meio da mídia de massa, refletindo uma cultura da penalidade pós-moderna,
populista e, talvez pela primeira vez, legitimada (socialmente compartilhada) “de baixo”22.
Buscar construir uma dogmática crítica na execução penal não significa mero idealismo, mas
tentativa – não raro inglória – de funcionalmente empregar o discurso jurídico para a contenção racional
do poder punitivo e executório do Estado. Em última análise, edificar um discurso jurídico contra-
hegemônico na execução penal é mostrar que a “história” também pode ser contada ouvindo-se a voz
e os argumentos dos vencidos.
1
PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL
A aplicação e interpretação das normas em matéria de execução penal são permanentemente
norteadas por princípios contidos na Constituição Federal, Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de
Execução Penal e nos Tratados e Convenções internacionais em matéria penal e de direitos humanos.
Em uma visão penal-constitucional moderna, tais princípios não mais atuam como elementos
meramente informadores ou programáticos, possuindo sim força normativa23 capaz de concretamente
tutelar direitos fundamentais das pessoas condenadas. O processo de densificação dos princípios os
transformou, afinal, em paradigmas substanciais (materiais) de validade das normas e atos
administrativos. Nessa perspectiva, ainda que tenha existência formal, uma norma que viole um princípio
constitucional ou convencional é inválida por contrastar-se com uma norma substancial24.
Na essência, os princípios da execução penal são meios de limitação racional do poder executório
estatal sobre as pessoas. Essa definição traz consigo duas premissas fundamentais, que devem
permear todos os princípios.
A primeira delas é de que jamais um princípio da execução penal pode ser evocado como
fundamento para restringir direitos ou justificar maior rigor punitivo sobre as pessoas presas. Princípios
são escudos normativos de proteção do indivíduo, não instrumentos a serviço da pretensão punitiva
estatal, muito menos instrumentos de governo da pena.
Dessa premissa decorre a constatação de que a interpretação dos princípios (e demais normas
jurídicas) em matéria de execução penal deve ser pro homine, ou seja, sempre deve ser aplicável, no
caso concreto, a solução que mais amplia o gozo e o exercício de um direito, liberdade ou garantia. Esta
premissa é um aporte dos preceitos contidos no art. 29, item 2, da Convenção Americana de Direitos
Humanos (que fixa, como norma de interpretação, o comando de que nenhuma disposição da
convenção seja interpretada no sentido de limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que
possam ser reconhecidos em virtude de leis locais ou outras convenções aderidas) e no art. 5º do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (“1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser
interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a
quaisquer atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou
liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele
previstas; 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais
reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente Pacto em virtude de leis, convenções,
regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça
em menor grau”)25.
Traçadas estas considerações iniciais, passemos à análise pormenorizada de alguns princípios. Sem
prejuízo de outros preceitos muito importantes para a execução penal, tais como devido processo legal,
contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição, non bis in idem, jurisdicionalidade, publicidade e
imparcialidade do juiz, procuraremos nos ater mais objetivamente aos princípios da humanidade,
legalidade, não discriminação das pessoas presas, individualização da pena, intervenção mínima,
culpabilidade, lesividade, transcendência mínima, presunção de inocência, proporcionalidade, celeridade e,
por fim, o princípio numerus clausus (ou número fechado).
1.1. Princípio da Humanidade
A busca pela contenção dos danos produzidos pelo exercício desmesurado do poder punitivo
encontra principal fonte ética e argumentativano princípio da humanidade, um dos fundamentos do
Estado Republicano e Democrático de Direito. O princípio da humanidade é pano de fundo de todos os
demais princípios penais, e se afirma como obstáculo maior do recorrente anseio de redução dos presos
à categoria de não pessoas, na linha das teses defensivas do direito penal do inimigo26.
O princípio da humanidade encontra-se consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem
(ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante – art.
5º), nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (o confinamento solitário
indefinido, o confinamento solitário prolongado, o encarceramento em cela escura ou constantemente
iluminada, os castigos corporais ou redução da dieta ou água potável do preso e castigos coletivos, bem
como todas as formas de tratamento ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes devem ser
proibidas como sanções disciplinares – Regra 43) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
da ONU (ao dispor que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e
respeito à dignidade inerente à pessoa humana – art. 10, item 1).
O princípio também é encontrado na Convenção Americana de Direitos Humanos (ninguém deve ser
submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada
de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano – art. 5º), no
Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou
Prisão da ONU (a pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com
humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano – Princípio 1º) e nos Princípios Básicos
para o tratamento dos reclusos da ONU (todos os reclusos deverão ser tratados com o respeito devido
à dignidade e ao valor inerentes ao ser humano – Princípio 1).
O Princípio n. 1 dos “Princípios e boas práticas para a proteção das pessoas privadas de liberdade
nas Américas” da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (aprovados pela Resolução n.
1/2008)27 dispõe igualmente que “não poderão ser invocadas circunstâncias, como estados de guerra
ou exceção, situações de emergência, instabilidade política interna ou outra emergência nacional ou
internacional para evitar o cumprimento das obrigações de respeito e garantia de tratamento humano a
todas as pessoas privadas de liberdade”.
Não se pode olvidar, ainda, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes da ONU e a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, da
OEA, instrumentos igualmente importantes na tutela da humanidade.
No Brasil, o princípio da humanidade decorre do fundamento constitucional da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF) e do princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF),
amparando o Estado Republicano e Democrático de Direito.
Em sede de execução penal, o princípio funciona como elemento de contenção da irracionalidade do
poder punitivo, materializando-se na proibição de tortura e tratamento cruel e degradante (art. 5º, III,
da CF), na própria individualização da pena (art. 5º, XLVI) e na proibição das penas de morte, cruéis ou
perpétuas (art. 5º, XLVII).
Como consectário do princípio da humanidade emerge o princípio da secularização, o qual, afirmando
a separação entre direito e moral, veda na execução penal a imposição ou consolidação de determinado
padrão moral às pessoas presas, assim como obsta a ingerência sobre sua intimidade, livre
manifestação de pensamento, liberdade de consciência e autonomia da vontade.
Em uma visão redutora da execução penal, a humanidade também se identifica com o imperativo da
tolerância (ou alteridade), exigindo do magistrado da execução uma diferente percepção jurídica, social e
humana da pessoa presa, capaz de reconhecê-la como sujeito de direitos. Essa nova compreensão do
princípio da humanização da pena – cotejada pelo reconhecimento do outro – busca então afastar da
apreciação judicial juízos eminentemente morais, retributivos, exemplificantes ou correcionais, bem como
considerações subjetivistas, passíveis de subversão discriminatória e retributiva. Busca ainda deslegitimar
o manejo da execução como instrumento de recuperação, reeducação, reintegração, ressocialização ou
reforma dos indivíduos, típicos da ideologia tratamental positivista.
Sob o viés redutor de danos, o princípio da humanidade revela também como mandamento
primordial a vedação ao retrocesso humanizador penal, demandando assim que a legislação ampliativa
ou concessiva de direitos e garantias individuais em matéria de execução penal se torne imune a
retrocessos tendentes a prejudicar a humanidade das penas. Recorre-se, para tanto, à analogia em
relação à própria determinação constitucional de que não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV, da CF).
A Lei de Execução Penal faz alusão ao princípio da humanidade ao estabelecer que as sanções
disciplinares não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado (art. 45, § 1º),
além de vedar o emprego de cela escura (art. 45, § 2º). A humanidade penal também alcança aqueles
submetidos às medidas de segurança, conforme se depreende do art. 2º, parágrafo único, II, da Lei n.
10.216/2001, que fixa como direito da pessoa com transtornos mentais em conflito com a lei o de ser
tratada com humanidade.
Não obstante a ampla gama de normas protetivas, diversos exemplos de ferimento da humanidade
no âmbito da execução penal podem ser identificados.
Dispõe o art. 5º, VI, da Constituição de 1988, que é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias. No entanto, a proibição de frequentar cultos religiosos como forma
de punição disciplinar representa de forma direta a violação desta garantia constitucional e, de maneira
mediata, a própria infração ao princípio constitucional da humanidade.
A obrigação de usar uniforme com cores chamativas (ex.: verde limão, rosa) também importa clara
transgressão ao princípio da humanidade, porquanto afeta a própria intimidade e dignidade das pessoas
condenadas, à revelia da inviolabilidade constitucional da intimidade, vida privada, honra e imagem das
pessoas (art. 5º, X). Igualmente atentatórias à dignidade são as obrigações disciplinares de baixar a
cabeça e manter silêncio absoluto.
Tema ainda mais sensível é a obrigação, imposta aos presos do sexo masculino, de cortar cabelos,
retirar barbas ou bigodes ou realizar quaisquer outras modificações da aparência. Tal prática é legitimada
sob o pretexto de manutenção da higiene, ordem ou disciplina nos estabelecimentos penais,
argumentos estes falaciosos e frágeis, pois nos estabelecimentos penais femininos (onde a obrigação
não vigora), a utilização de cabelos longos não é causa de vulneração da higiene, ordem ou disciplina.
É inegável que o cabelo e outros caracteres da aparência são componentes (físicos) da própria
personalidade humana, possuindo inegável valor para a formação da individualidade. Em última análise, o
direito de definir a própria aparência é expressão do direito ao livre e pleno desenvolvimento da
personalidade, tutelado pelo art. XXIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 29 da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Ocultados sob o manto higienista e securitário, o corte ou modificação cogentes na verdade se
revelam instrumentos de anulação de individualidades, institucionalização, diferenciação estigmatizante e
desrespeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas presas. Na essência, constituem
atentado à própria integridade física, psíquica e moral das pessoas presas, pois conduzem à mudança
forçada de suas imagens.
A Administração Penitenciária tem totaiscondições de zelar pela disciplina e ordem do
estabelecimento e pela saúde das pessoas presas sem que para isso as submeta a situações
humilhantes, práticas estigmatizantes ou, em geral, medidas atentatórias aos direitos fundamentais e
que ultrapassam todos os limites legais e éticos do Estado Democrático de Direito. Coerente, a
propósito, a percepção de que a execução penal humanizada não só não põe em perigo a segurança e
a ordem estatal, mas exatamente o contrário: enquanto a execução penal humanizada é um apoio da
ordem e da segurança estatal, uma execução penal desumanizada atenta precisamente contra a
segurança estatal28.
Outra grave transgressão ao princípio da humanidade no âmbito da execução penal diz respeito às
péssimas condições de transporte e custódia (durante o período de deslocamento) de pessoas presas e
internadas.
Utilização de veículos com compartimento de proporções reduzidas, deficiente ventilação, ausência
de luminosidade, inadequado condicionamento térmico, falta de alimentação e água, exposição pública,
vedação de acesso a sanitários, superlotação e espancamento são mazelas cotidianamente vivenciadas
pelas pessoas transportadas. Em muitos casos, o extenso período de permanência nos veículos é fator
de intenso sofrimento físico e moral, além do que veículos de transporte são utilizados como verdadeiras
instalações de custódia. Igualmente comum é o transporte de presos com o uso de meios de coerção
(ex.: algemas, com as mãos para trás) que dificultam bastante o equilíbrio e a proteção das pessoas
presas ou internadas durante o deslocamento, causando-lhes lesões por colisões contra o veículo.
Tais práticas são atentatórias ao dever de respeito à integridade física e moral dos condenados e
dos presos provisórios (art. 40 da LEP) e proteção contra qualquer forma de sensacionalismo,
exposição, insultos e curiosidade (art. 41, VIII, da LEP, Regra 73.1 das Novas Regras Mínimas das
Nações Unidas para o Tratamento de Presos e art. 48 das Regras Mínimas para o Tratamento do
Preso no Brasil), além de contrariar normas proibitivas do transporte de presos em compartimento de
proporções reduzidas, com ventilação deficiente ou ausência de luminosidade (art. 1º da Lei n.
8.653/93, Regra 73.2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos e art. 30
das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil).
Considerando os direitos à alimentação suficiente e água potável (art. 41, I, da LEP, Regra 22 das
Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos e art. 13 das Regras Mínimas para o
Tratamento do Preso no Brasil), a deficiência em seu fornecimento antes de audiências, sessões ou
julgamentos deve ser entendida como óbice tanto ao exercício da ampla defesa pela pessoa presa
acusada (a ponto de torná-la indefesa), quanto ao seu depoimento como testemunha (a ponto de
invalidá-lo).
Além das já descritas, são também práticas colidentes com os ideários de humanização da pena a
revista íntima em visitantes, a exposição do preso a inconveniente notoriedade, o racionamento
irresponsável de água, a supressão da intimidade, o desrespeito ao sigilo da correspondência, a restrição
ao direito de voto aos presos não condenados (e a sistemática proibição aos condenados), as restrições
infraconstitucionais aos direitos de trabalho e remuneração do condenado, a justificação das péssimas
condições detentivas pela falta de recursos, a permanência do Regime Disciplinar Diferenciado, a
manutenção infundada do preso em local distante de seus familiares, as limitações à prisão domiciliar, a
perda dos dias remidos, a superlotação, os maus-tratos, a procrastinação indevida de penas e medidas
de segurança e o descumprimento dos requisitos estruturais mínimos das celas (aeração, insolação,
condicionamento térmico, área mínima, existência de dormitório, aparelho sanitário, lavatório etc.), além
da exposição do preso a péssimas condições sanitárias e a graves riscos de incêndio29.
Em nosso país, soa paradoxal a relação entre execução da pena e humanidade, pois com os
cárceres e agências do sistema penal que possuímos, a injunção da pena privativa de liberdade acaba
por prescrever a própria violação de direitos humanos30. Os cárceres, na verdade, como observado por
Haberle, desafiam não apenas a dignidade do homem (concretamente considerado), mas a dignidade
(abstrata) da própria humanidade. Daí a premente necessidade de substituição do conceito de liberdade-
propriedade (princípio individualista liberal) pelo de liberdade-dignidade (princípio republicano)31.
Com base nessas premissas, parece evidente que a execução da pena não pode transbordar seus
efeitos já deletérios para o atingimento da – inerente, não adquirida – dignidade da pessoa humana,
nem produzir danos físicos e morais desnecessários. Logo, deve haver-se por inconstitucional e
anticonvencional qualquer medida atentatória à incolumidade física ou psíquica dos sentenciados.
Além de tutelar diretamente a incolumidade física ou psíquica das pessoas presas, ontologicamente o
princípio da humanidade representa também a barreira jurídica, interpretativa, discursiva e ética à
utilização da teoria da reserva do possível como pretexto para a desassistência estatal na execução
penal. Nessa perspectiva, a ideia de mínimo existencial não se atrela apenas ao direito à vida, mas
também à humanidade. Daí ser correto afirmar que a ofensa a direitos humanos mínimos ou
elementares (veiculada pela inadimplência prestacional positiva do Estado) não pode ser justificada pelo
núcleo argumentativo da teoria da reserva do possível: a escassez de recursos. Aliás, é exatamente
este um dos princípios fundamentais que regem as Regras Penitenciárias Europeias: “as condições
detentivas que violam os direitos humanos do preso não podem ser justificadas pela falta de recursos”
(art. 4º). Se bem observado, ao contrário de restringir direitos, a falta de recursos públicos deve ser
mais uma razão para que o Estado reserve a prisão para casos excepcionais, deixando de banalizá-la e
de usá-la como instrumento segregatório e neutralizador32. Curioso observar que a reserva do possível,
tão lembrada pelas autoridades públicas para se justificar o não investimento prisional, o não
fornecimento de medicamentos ou a não realização de internações médicas em benefício das pessoas
presas, é ao mesmo tempo tão esquecida no momento de se aceitar a entrada de mais pessoas no
sistema penitenciário, superlotando-o.
Sobre o tema, em decisão monocrática, o Ministro Celso de Mello salientou com acerto que “a
cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não
pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações
constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação
ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade” (STF, ADPF 45 MC/DF, Relator Min. Celso de Mello, j. 29-4-2004).
Em 2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal passou a entender que o Poder Judiciário pode
impor à Administração Pública a realização de obras ou reformas emergenciais em estabelecimentos
penais para assegurar os direitos fundamentais das pessoas presas (RE 592581/MS, j. 13-8-2015),
aprovando assim a proposta de tese de repercussão geral no sentido de que “é lícito ao Judiciário impor
à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de
obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da
pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do
que preceitua o artigo 5º (inciso XLIX) da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o
argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos Poderes”.
Entendendo que as péssimas condições carcerárias sujeitam as pessoas presas a penas que
ultrapassam a mera privação da liberdade, a elasacrescendo sofrimentos físicos, psicológicos e morais,
o STF corretamente afastou a arcaica tese de que o Poder Judiciário não poderia realizar ingerência
indevida na seara administrativa. Afirmou, com isso, a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da
CF) sempre que a eficácia dos direitos fundamentais individuais e coletivos estiver ameaçada ou já
comprometida.
Por tudo o que foi debatido, é possível afirmar que o princípio da humanidade constitui o cerne de
uma visão moderna e democrática da execução penal, pautada pela precedência e ascendência
substanciais do ser humano sobre o Estado33 e pela necessidade de reduzir ao máximo a intensidade
da afetação individual. Possui, portanto, o escopo maior de capitanear a construção de uma política
criminal redutora de danos, considerando – nas lições de Pavarini34 –, que a contradição entre cárcere e
democracia não pode ser resolvida, mas apenas contida, por meio de uma política humanizante.
1.2. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade é previsto no art. 5º, XXXIX, da Constituição da República e no art. 1º do
Código Penal, estabelecendo que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal. Como bem observado, “embora a Constituição e o Código Penal, ao consagrarem o
princípio da legalidade (estrita), se utilizem da expressão ‘pena’, tal deve ser entendido no sentido mais
amplo, isto é, como ‘sanção’, para alcançar toda e qualquer medida constritiva da liberdade,
notadamente as medidas de segurança”35.
No âmbito da execução penal, o princípio encontra-se materializado no art. 45 da LEP, segundo o
qual “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”,
funcionando como instrumento de contenção da discricionariedade da Administração Penitenciária e do
arbítrio judicial, sempre que acionados de maneira lesiva aos direitos fundamentais das pessoas privadas
da liberdade. A aplicação do princípio da legalidade supõe não apenas que as faltas e sanções estejam
legalmente previstas, mas que sejam ainda estritamente interpretadas, sob pena de tornar sem sentido
o princípio36.
Além de previsto na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal, o princípio da legalidade é ainda
mencionado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ninguém poderá ser culpado por qualquer
ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional.
Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao
ato delituoso – art. 11), nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regra
37: “Os seguintes itens devem sempre ser pendentes de autorização por lei ou por regulamento da
autoridade administrativa competente: (a) Conduta que constitua infração disciplinar; (b) Tipos e
duração das sanções que podem ser impostas; (c) Autoridades competente para impor tais sanções;
(d) Qualquer forma de separação involuntária da população prisional geral, como o confinamento
solitário, o isolamento, a segregação, as unidades de cuidado especial ou alojamentos restritos, seja por
razão de sanção disciplinar ou para a manutenção da ordem e segurança, inclusive políticas de
promulgação e procedimentos que regulamentem o uso e a revisão da imposição e da liberação de
qualquer forma de separação involuntária.”; Regra 39: “1. Nenhum preso pode ser punido, exceto com
base nas disposições legais ou regulamentares referidas na Regra 37 e nos princípios de justiça e de
devido processo legal; e jamais será punido duas vezes pela mesma infração”), no Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos da ONU (ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos
motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos – art. 9º, item 1), na Convenção
Americana de Direitos Humanos (ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no
momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco
poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois
de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o réu deverá dela beneficiar-se –
art. 9º) e no Conjunto de Princípios da ONU para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
Forma de Detenção ou Prisão (a captura, detenção ou prisão só devem ser aplicadas em estrita
conformidade com as disposições legais e pelas autoridades competentes ou pessoas autorizadas para
esse efeito – Princípio 2).
O princípio da legalidade, como se sabe, advém da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine
lege (nulo o crime, nula a pena sem lei), que pode ser dividida em quatro funções:
Primeira Função: nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (nulo o crime, nula a pena sem lei
prévia).
A primeira função do princípio da legalidade estabelece como regra a irretroatividade da lei penal,
salvo para beneficiar o réu de um processo penal (acusado da prática de uma infração penal) ou de um
processo disciplinar (acusado da prática de uma falta disciplinar). É a expressão do comando
constitucional segundo o qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XL, da
CF).
Por força do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, a Lei n. 11.464/2007 (que alterou
a redação do art. 2º da Lei n. 8.072/90, passando a exigir, para progressão de regime nos crimes
hediondos ou equiparados, o cumprimento de 2/5 da pena, se o apenado for primário, e de 3/5, se
reincidente) não se aplica a fatos anteriores à sua vigência, porque mais gravosa. Logo, a progressão
de regime para aqueles que cometeram delitos antes da edição da referida lei deve se dar após o
cumprimento da fração de 1/6 da pena, nos termos do art. 112 da LEP. Nesse sentido, o Superior
Tribunal de Justiça editou o Enunciado n. 471 de sua Súmula, com a seguinte redação: “Os condenados
por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se
ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime
prisional”.
Em matéria de irretroatividade, temos ainda o seguinte exemplo: em 29 de março de 2007, entrou
em vigor a Lei n. 11.466/2007, que passou a prever como falta disciplinar de natureza grave a posse,
utilização ou fornecimento de aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com
outros presos ou com o ambiente externo (art. 50, VII, da LEP). Todavia, antes da edição da Lei n.
11.466/2007, precisamente no ano de 2003, a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo
editou a Resolução n. 113, fixando como falta grave a utilização de aparelho de telefonia celular. Diante
da ausência de uma lei estrita e anterior que definisse tal falta disciplinar, as condenações por porte de
aparelho celular passaram a ser atacadas em juízo. Prevaleceu assim que seriam nulas as condenações
por falta disciplinar com fundamento na referida Resolução, por violação do princípio da legalidade, na
modalidade nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (nesse sentido, STJ, Agravo Regimental no
Habeas Corpus 71761/SP, 6ª T., j. 21-2-2008).
Conforme já mencionado, o princípio da anterioridade não apenas veda a retroatividade da lei penal
mais gravosa, como, por outro lado, admite a retroatividade da lei penal mais benéfica. Nesse aspecto,
é importante destacar que a Lei n. 12.433/2011 passou a prever que o tempo a remir em função das
horas de estudo será acrescido de 1/3 no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior
durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação
(art. 126, § 5º). Como antes da edição da Lei n. 12.433/2011 não havia qualquer dispositivo de
natureza semelhante que pudesse beneficiar os presos que concluíssem uma etapa educacional, o
aumento de 1/3 do tempo de remição deve retroagir para beneficiar todos aqueles que já concluíram
uma dessas etapas.
A Lei n. 12.433/2011 também deu nova redação aoart. 127 da LEP, passando a admitir, em caso
de falta grave, a revogação de até 1/3 do tempo remido, não mais a sua perda integral. Por ser mais
benéfica à pessoa condenada (novatio legis in mellius), esta norma deve retroagir (em obediência ao
art. 5º, inc. XL, da Const. Fed.) para alcançar aqueles que porventura tiveram decretada a perda
integral de seus dias remidos (cf. STJ, HC 259263/SP, 5 ª T., j. 18-12-2012; STJ, HC 209414/RS, 6ª T.,
j. 4-12-2012).
Outro exemplo de retroatividade benéfica: com a edição da Lei n. 12.850/2013 (que criou a figura
delitiva da “associação criminosa” – art. 288 do CP), a causa de aumento de pena trazida pelo
parágrafo único do artigo em análise passou a ter nova redação, determinando o aumento de pena de
até a metade “se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente”. Essa
nova sistemática representa clara hipótese de novatio legis in mellius, pois a causa de aumento de pena
para a associação criminosa armada diminuiu de “até o dobro” (na redação anterior) para “até a
metade” (na redação atual). Logo, é possível, com base no parágrafo único do art. 2º do Código Penal,
o reconhecimento da novatio legis in mellius para fins de diminuição da pena já em execução.
Segunda Função: nullum crimen, nulla poena sine lege certa (nulo o crime, nula a pena sem lei
certa).
A normativa penitenciária, nos dizeres de Franco Bricola, é um dos setores mais expostos às várias
práticas nas quais, no Estado de Direito, se realiza a ilegalidade oficial por meio da não aplicação e
manipulação administrativa das normas37. Por isso a importância do princípio da legalidade, que, em sua
modalidade nullum crimen, nulla poena sine lege certa, trata de proibir a criação e aplicação de tipos
penais e disciplinares vagos ou indeterminados. Os tipos penais e os tipos disciplinares devem ter
redação clara e precisa, evitando fórmulas genéricas ou indeterminadas que possam dar margem ao
abusivo arbítrio estatal e, consequentemente, ao “descolamento da legalidade” (“emancipação perante
a legalidade”).
Nesse aspecto, discute-se a constitucionalidade dos incisos I e III do art. 50 da LEP, que apontam
como faltas graves, respectivamente, as condutas de incitar ou participar de movimento para subverter
a ordem ou a disciplina e de possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física
de outrem.
Em relação à primeira falta disciplinar, surge o questionamento do que seria “subverter a ordem ou a
disciplina”, tendo em vista que qualquer conduta, interpretada por uma autoridade penitenciária
tendenciosa e abusiva, poderia ser eventualmente considerada subversiva para efeitos punitivos38.
Já em relação à conduta de “possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade
física de outrem”, a indeterminação residiria na amplitude que cerca o conceito de instrumento de
ofensa, posto que inúmeros instrumentos (até mesmo uma caneta) possuem a capacidade de ofender
a integridade física de outrem, fato este que, sem uma descrição legal exaustiva, dá margem à
arbitrariedade em desfavor do indivíduo39.
Além desses, outro elemento vago e indeterminado que vulnera o princípio da legalidade é a
exigência de “demonstração do merecimento do condenado” para a recuperação do direito à saída
temporária (art. 125, parágrafo único, da LEP). Tal exigência deve ser afastada como requisito
juridicamente válido, pois dá azo a arbitrariedades e causa insegurança jurídica ao condenado.
Como se percebe, o uso de conceitos abertos é medida que traz consigo grave insegurança jurídica,
subvertendo a legalidade em nome de uma conveniente discricionariedade. Acertada, pois, a percepção
de que “na concepção de Estado de Direito Social, não pode haver espaços juridicamente vazios, todos
devem ser fundamentados na lei e na Constituição. Nesse contexto o conceito de relação especial de
poder perde sentido. O campo da discricionariedade da Administração diminui. O condenado, o recluso,
possui um ‘status’ que engloba direitos e deveres, é um sujeito na relação com o Estado. De qualquer
forma, porém, em todos os países em que vigora essa concepção política, ocorreu um atraso na
efetivação desses postulados. O princípio da legalidade na execução penal importa na reserva legal das
regras sobre as modalidades de execução das penas e medidas de segurança, de modo que o poder
discricionário seja restrito e se exerça dentro de limites definidos. Importa também na reserva legal dos
direitos e deveres, das faltas disciplinares e sanções correspondentes, a serem estabelecidos de forma
taxativa, à semelhança da previsão de crimes e penas no Direito Penal. As restrições de direitos ficam
sob a reserva legal, evitando-se uso de conceitos abertos”40.
Também é coerente a constatação de que não pode o magistrado utilizar-se de sua suposta
discricionariedade para restringir ou negar um direito com base em entendimentos próprios sobre a
finalidade do instituto ou sobre o merecimento do beneficiário, pois quando se tem em mente que a
execução penal possui como sujeito principal e razão de ser a pessoa presa, é por esta que se devem
pautar as conclusões do magistrado41.
Terceira Função: nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (nulo o crime, nula a pena sem lei
estrita).
Esta função do princípio da legalidade veda o uso de analogia para criar crimes e faltas disciplinares e
para aplicar e executar penas ou sanções disciplinares. Analogia significa a aplicação, a uma hipótese
não prevista em lei, da disposição relativa a um caso semelhante. No Direito de Execução Penal, a
analogia somente pode servir como forma integradora de conceitos, jamais para criar formas de
agravar a condição das pessoas condenadas. Também por esta razão, a interpretação de qualquer
dispositivo passível de imposição de tratamento penal rigoroso deve ser eminentemente restritiva, não
comportando extensões ou analogias em prejuízo do indivíduo42.
Em última análise, afirmar que é nula a pena sem lei estrita significa dizer que, inexistindo previsão
legal exata para determinada falta ou sanção disciplinar, não pode a analogia servir em desfavor do
acusado.
É o que ocorre, por exemplo, na punição por falta grave (a partir da interpretação extensiva ou
complementar do art. 50 da LEP) das condutas de possuir, portar ou ingerir bebida alcoólica, achar-se
embriagado ou recusar comparecimento perante Oficial de Justiça, para receber ato de citação. As
condutas descritas neste artigo são taxativas, não admitindo qualquer interpretação extensiva ou
complementar (cf. STJ, HC 172551/SP, 6 ª T., j. 2-8-2012; HC 119732/GO, 5 ª T., j. 15-9-2009; HC
4435/SP, 6ª T., j. 13-5-1996; HC 108616/SP, 6ª T., j. 6-2-2009).
É também o que acontece na punição por falta grave da conduta de possuir, utilizar ou fornecer
chips, baterias e carregadores de telefones celulares (STF, HC 105973/RS, 2ª T., j. 30-11-2010),
quando na verdade o tipo disciplinar do art. 50, VII, da LEP apenas menciona, como objetos, o aparelho
telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente
externo. De fato, não há qualquer menção legal expressa quanto aos acessórios, além do fato de que
estes não possuem a capacidade de gerar comunicação por si sós, ou seja, são carentes de
potencialidade lesiva sem o respectivo aparelho telefônico. Logo, em nome do princípio da legalidade,
deve ser disciplinarmente atípica a posse, utilização ou fornecimento de chips, baterias ou carregadores,
quando desacompanhados do respectivo aparelho.
Quarta Função: nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (nulo o crime, nula a pena sem lei
escrita).
A quarta e última função do princípio da legalidade consiste na proibição da criação de infrações
penais, faltas disciplinares, penas ou sanções disciplinares pelos costumes (ex.: preso sofre sanção
disciplinar por infringir o costume, existente em determinada penitenciária, no sentido de baixar a cabeça
diante de uma visita). Na verdade, só a lei escrita pode criar crimes, faltas,penas e sanções
disciplinares. Os costumes podem ser utilizados apenas para explicar ou complementar (integrar) o
sentido de certos elementos do tipo penal ou disciplinar. Nunca para punir ou agravar a condição das
pessoas condenadas ou submetidas à medida de segurança.
O princípio da legalidade representa afinal a grande amarra ao discricionarismo na execução da pena,
no intuito de, por um lado, obstar a criação de um Direito próprio (dentro do espaço do não direito) às
pessoas privadas de liberdade e, por outro, conter as tentações positivistas e inquisitoriais de reificação
do ser humano em situação de encarceramento.
1.3. Princípio da não marginalização (ou não discriminação) das pessoas presas ou
internadas
Desde o florescimento do cárcere como meio de punição, a figura da pessoa presa tem sofrido
diferentes enfoques. Sustentada pelo discurso positivista etiológico, difundiu-se inicialmente a percepção
do preso como objeto (res) da execução penal, “abandonado a forças que de todo lhe eram estranhas,
arredado do direito – posição em que tudo lhe era ‘concedido’ e ‘nada negado porque nada tinha’”43.
Atrelada à ideia de que a execução penal possuía natureza meramente administrativa, a reificação do
indivíduo retirava deste qualquer perspectiva de fruição de direitos, submetendo-o ao exclusivo arbítrio
da autoridade administrativa penitenciária.
Ao longo do tempo, esta concepção foi paulatinamente substituída pela incorporação da pessoa
presa à relação jurídica penitenciária, passando a ser encarada como sujeito de direitos.
Arminda Bergamini Miotto lembra que a partir do reconhecimento do direito ao trabalho remunerado,
no Congresso Penitenciário de São Petersburgo, em 1890, os presos (condenados) deixaram de ser
sujeitos passivos de tratamento (alvos inertes do tratamento), passando a ser paulatinamente vistos
como titulares de direitos. Ao direito à remuneração seguiu-se o direito à indenização por acidente do
trabalho, reconhecido no Congresso Penitenciário de Budapeste, em 190544. Mas o reconhecimento
efetivo da titularidade de direitos pelos presos adveio das propostas da Comissão Penitenciária
Internacional, em 1925, no sentido da construção de regras internacionais capazes de condensar
exigências mínimas de execução penal a serem obedecidas por todas as legislações, cujos esforços
deram origem às Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos da ONU, adotadas em 1955 e
aprovadas em 195745.
Apesar da difusão das posições que passaram a enxergar o recluso como sujeito de direitos, jamais
foi abandonada a ideia de que os presos devem experimentar um grau de sofrimento necessariamente
superior às pessoas livres, seja por motivações retributivas (atreladas à ideia de “merecimento” da
pena) ou preventivas (pretensão de dissuasão da coletividade à prática de crimes e de reforço à
fidelidade normativa).
Esta ideia possui gênese no princípio da less eligibility (introduzido em 1834, na Inglaterra, pelo Poor
Law Amendment Act), segundo o qual as condições de trabalho e disciplina nas Casas de Correção
(Workhouses) não podiam ser tão atrativas quanto o pior emprego possível fora destes
estabelecimentos46. Buscava-se, com isso, mostrar à classe trabalhadora que a opção pelo
encarceramento nas Casas de Correção teria que ser a “menos elegível”. O princípio também existiu
para evitar que as pessoas se compadecessem com as condições dos trabalhadores livres pobres e,
assim, clamassem por melhor tratamento a eles.
Inicialmente relacionado com as condições de disciplina e trabalho nas Workhouses, o princípio da less
elegibility foi ao longo do tempo desvirtuado para legitimar o discurso punitivista de que o tratamento das
pessoas presas deve ser necessariamente pior do que as condições de vida da classe trabalhadora em
meio livre.
Esse discurso não se sustenta, pois, como observado por Andrew Coyle, “se o Estado assume para
si o direito de privar alguém de sua liberdade, por qualquer razão que seja, ele também deve assumir
para si a obrigação de assegurar que essa pessoa seja tratada de modo digno e humano. O fato de os
cidadãos que não estão presos terem dificuldade de viver com dignidade nunca pode ser usado como
justificativa pelo Estado para deixar de tratar aqueles que estão sob seus cuidados de modo digno. Esse
princípio reflete o cerne da sociedade democrática, na qual os órgãos do Estado devem ser vistos como
exemplos do modo como devem ser tratados todos os cidadãos”47.
Nos dias de hoje, a ideia do less elegibility ainda povoa o imaginário popular, pauta discussões político-
criminais e norteia veladamente decisões judiciais, causando profundos danos humanos e sociais48.
Também ancoradas na ideologia de inferiorização cívica das pessoas presas e na relativização do
princípio da legalidade, nos fins do século XIX e primeiras décadas do século XX desenvolveram-se as
teorias da supremacia especial do Estado (também denominadas teorias das relações especiais de
sujeição, das relações de sujeição especial ou das relações especiais de poder)49, oriundas do Direito
Administrativo. As teorias afirmavam a existência de um direito de supremacia pelo Estado (ou
Administração), que se veiculava de maneiras distintas segundo as diferentes classes ou categorias de
pessoas, ou setores sociais. Nessa linha, existiria um direito de supremacia (soberania) geral do Estado,
dirigido a todos os cidadãos indistintamente, pelo fato de serem “súditos” do poder público. Por outro
lado, existiria um direito de supremacia (soberania) especial do Estado, exercido sobre determinadas
categorias de pessoas, que mantêm com aquele relações particulares de subordinação (relações
especiais de sujeição ou speciali rapporti di sudditanza).
Para as categorias expostas à supremacia especial do Estado – nelas incluídas as pessoas presas –
as relações especiais de sujeição representariam a possibilidade de inobservância de direitos
fundamentais e a flexibilização do princípio da legalidade, com a permissão de trânsito em um campo
inteiramente alheio ao direito (espaço livre de direito), não valorado juridicamente50. Em suma, não
havendo necessidade de se fundar na lei as medidas adotadas, o fim da execução substituía uma lei de
execução51.
Nessa lógica, se ao proceder à limitação da liberdade, o Estado também vem a suprimir ou reduzir
outros direitos fundamentais das pessoas presas (violação colateral), mesmo assim tal procedimento
poderia ser considerado justificado, com fundamento na primazia do direito estatal. Como se vê, as
teorias das relações especiais de sujeição – a par de sua indeterminação conceitual, favorecendo o
servilismo e o manejo utilitário por parte da Administração, em desfavor das pessoas condenadas –
sempre seguiram premissas bastante criticáveis e tendencialmente contrárias ao senso de humanidade.
Em primeiro lugar por se ancorarem na clássica perspectiva de Direito Público, que vislumbra o
Estado em posição de premência frente ao indivíduo, quando na verdade é o ser humano que deve
possuir precedência e ascendência substanciais em relação ao Estado. E ainda que assim não fosse, em
face da Constituição jamais o indivíduo poderia ser tratado desigualmente perante o Estado.
Em segundo lugar, por demonstrarem uma visão excludente e totalizante da execução penal,
justificando a violação colateral dos direitos das pessoas presas por razões de ordem, segurança,
procedimentais, administrativas ou de disciplina, do mesmo modo que a baixa de civis é comumente
justificada pelo “fim maior” da guerra.
Soma-se a estas premissas a flexibilização do princípio da legalidade, que traz não só insegurança
jurídica, mas a destinação de um “código do não direito” (ou uma zona livre de direito) a determinadas
pessoas por aquilo que são, transformando os presos em cidadãos de segunda categoria52 e
consagrando o direito penal de autor. Em última análise, criar-se-ia um espaço livre de Direito, com
direitos para a Administração e unicamente deveres para os presos53 ou, em outras palavras, dar-se-ia
à Administração

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