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Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 1 🧩 Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 1. Compreender memoria e aprendizado Memória é a capacidade de se adquirir, armazenar e evocar informações. A etapa de aquisição é a aprendizagem do mesmo modo que a evocação é a etapa de lembrança. São tão numerosas e diversificadas as memórias que cada um tem armazenadas no cérebro, que isso toma praticamente impossível a existência de duas pessoas iguais - assim, a base da individualidade está na memória. O conjunto das memórias de um indivíduo é parte importante de sua personalidade. O aprendizado e a memória são adaptações da circuitaria encefálica ao ambiente, que ocorrem ao longo de toda a vida - elas nos permitem responder apropriadamente a situações que experimentamos anteriormente. Aprendizado é a aquisição de novas informações ou novos conhecimentos. Memória é a retenção da informação aprendida. Aprendemos e lembramos muitas coisas diferentes, e é importante observar que essas várias coisas podem não ser processadas e armazenadas pela mesma maquinaria neural. Não existe uma estrutura encefálica ou um mecanismo celular que, sozinhos, sejam encarregados de todo o aprendizado. Além disso, a forma como determinado tipo de informação é armazenado pode mudar com o tempo. A memória é a capacidade que tem o homem e os animais de armazernar informações que possam ser recuperadas e utilizadas posteriormente. Diferente da aprendizagem, pois esta é apenas o processo de aquisição das informações que vão ser armazanadas. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 2 💡 A aquisição da memoria de longo prazo - para alguns autores - é também considerado um processo de aprendizado. Visto que a rememoração de informações antigas de medio a longo prazo, dependem processo consolidado de redes neurais, nas quais precisam ser consolidadas e ativadas. A aquisição da memória se da por estímulos do ambiente, seu tempo de retenção da quantidade de repetições deste percursso sináptico realizado (ou seja, quanto mais reforçada for essa memó/ação/informação/conhecimento, quanto mais vezes essas sinapses forem reforçadas - seus caminhos de transmissões de impulsos elétricos - maior a garantia de consolidação dessa memória). 1.1 Tipos de Memória Quanto ao primeiro critério, distingue-se dois tipos: memória declarativa e memória não declarativa (ou de procedimento). Na primeira, os conhecimentos memorizados são explícitos, ou seja, podem ser descritos por meio de palavras ou outros símbolos, como quando mencionamos o nome de um amigo, o ano em que nascemos, ou os núcleos do tálamo. Na memória não declarativa os conhecimentos memorizados são implícitos e, assim, não podem ser descritos de maneira consciente. Neste caso, encontra-se a memória de procedimentos ou memória motora através da qual as pessoas aprendem as sequências motoras que lhes permitem executar tarefas como nadar e andar de bicicleta, as quais elas aprendem e exercitam de maneira automática e inconsciente. Um segundo critério que se usa para classificar tipos de memória leva em conta o tempo em que a informação permanece armazenada no cérebro, distinguindo-se quanto a este critério três tipos: a memória operacional, ou de trabalho; a memória de curta e a de longa duração. Ao longo das últimas décadas, estudos em psicologia cognitiva e neuropsicologia idenficaram dois aspectos importantes sobre a memória psicológica. Primeiro, a memória não é um processo unitário. Ela é composta de múltiplos elementos, que podem ser organizados e expostos de distintas formas e exigem redes e estruturas cerebrais diferentes. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 3 Segundo, a memória não é um processo passivo e fidedigno de fixação de elementos e de evocação exata e realista do que foi arquivado. Nesse sentido, ela é muito mais um processo ativo, no qual vários elementos do indivíduo participam da codificação e da evocação, como elementos sensoriais, imaginativos, semânticos e afetivos. A memória é frequentemente reeditada, ou seja, as informações de eventos, cenas e acontecimentos do passado, que já foram armazenadas, podem ser reconfiguradas com acréscimos de elementos novos (vividos ou imaginados pelo próprio indivíduo ou instigados por estímulos externos, conscientes ou não). Assim, há um processo de recriação e reinterpretação no arquivo de longo prazo de nossas memórias. Elas frequentemente não são “o filme realista do que aconteceu”, mas “reedições criativas” de vários “diretores” que influem no conteúdo do arquivo de memórias. Memória declarativa e não declarativa A memória para fatos e eventos é chamada de memória declarativa é aquilo que normalmente queremos dizer com a palavra “memória” em sua utilização diária, mas, na verdade conseguimos lembrar de muitas outras coisas. Essas memórias não-declarativas dividem-se em diversas categorias. O tipo que nos interessa mais especialmente aqui é a memória de procedimentos, ou seja, memória para habilidades, hábitos e comportamentos. Aprendemos a tocar piano, a chutar bola jogando peladas ou a amarrar nossos sapatos e, de alguma forma, essa informação é armazenada em nosso encéfalo. De modo geral, as memórias declarativas estão disponíveis para evocação consciente, e as memórias não-declarativas não estão. As tarefas que aprendemos e os reflexos e associações emocionais que estabelecemos operam suavemente, porém sem reconhecimento consciente. Como diz o dito popular, você nunca esquece de como andar de bicicleta. Você pode não recordar explicitamente o primeiro dia em que andou sozinho em um veículo de duas rodas (a parte declarativa da memória), mas seu encéfalo lembra o que fazer quando você estiver sobre um (o componente da memória que denominamos “de procedimento”). A memória não-declarativa é também freqüentemente chamada de memória implícita, pois resulta diretamente da experiência, é um tipo de memória que adquirimos e utilizamos sem que percebamos, sem consciência e, geralmente, sem esforço. É uma forma relativamente automática e espontânea. Ela pode incluir Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 4 procedimentos (ver adiante, memória de procedimentos), como muitas habilidades motoras (andar de bicicleta, saber bordar, saber escovar os dentes), assim como conhecimentos gerais ancorados em palavras, que adquirimos e utilizamos sem perceber, como aprender e falar a língua materna. A memória implícita está envolvida, ainda, com as chamadas sensações de familiaridade. Vemos uma pessoa no ônibus, sabemos que a conhecemos (sensação de familiaridade), mas não localizamos de onde e quem exatamente ela é. O termo priming (a melhor tradução é aprimoramento de repetição) se refere a um tipo de memória implícita, importante no processo de recordação e execução de tarefas cognitivas, este ocorre sem que tenhamos a sensação subjetiva de reencontro com o estímulo, reforçando a ideia de que ele é um mecanismo da memória implícita. Estímulos que já foram expostos ao sujeito, de forma consciente ou não consciente, são mais bem processados do que aqueles que nunca lhe foram expostos. A memória declarativa é freqüentemente chamada de memória explícita, pois resulta de um esforço mais consciente, é relacionada ao conhecimento consciente, obtido geralmente com algum esforço. Esse tipo de memória é adquirido e evocado com plena intervenção da consciência incluindo as lembranças de fatos autobiográficos (memória autobiográfica) - pode ser de imagens visuais, palavras, conceitos ou eventos. Uma outra diferença é que as memórias declarativas são freqüentemente fáceis de formar e também são facilmente esquecidas. Em contraste, a formação de memórias não-declarativas tende a requerer repetição e prática durante um período mais longo, mas essas memórias têm menor probabilidade de serem esquecidas. Pense na diferença entre memorizar as capitais de países estrangeiros e aprender a esquiar.Enquanto não há um limite claro para o número de memórias declarativas que o encéfalo pode armazenar, pode haver grande variação em relação à facilidade e à velocidade com que novas informações são adquiridas. Estudos em humanos com memórias anormalmente boas sugerem que o limite para o armazenamento de informação declarativa é notavelmente alto. Ou seja, memória declarativa (lobo temporal medial; diencéfalo) = fatos e eventos e memória não declarativa = condicionamento clássico, memória de procedimentos: habilidades e hábitos (estriado), musculatura esquelética e respostas emocionais (cerebelo e amígdala). Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 5 Memórias, devaneios e viagem mental no tempo: O fenômeno chamado devaneio (mind wandering) tem muito a ver com a memória, tanto explícita como implícita. O devaneio ocorre quando soltamos a mente e relaxadamente construímos histórias e eventos mentais, variando ou inventando cenas e episódios, em relação tanto ao nosso passado como ao nosso futuro. A capacidade de mentalmente reviver o passado e imaginar possíveis futuros foi denominada viagem mental no tempo (mental time travel). Trata-se de um processo essencialmente construtivo. Há ativação de várias áreas cerebrais, principalmente dos hipocampos e dos lobos frontais. A capacidade de fazer “viagens mentais no tempo” tem sido relacionada ao surgimento da linguagem no Homo sapiens, sendo importante também para formar memórias autobiográficas e para o funcionamento da teoria da mente. Memória operacional ou de trabalho Este tipo de memória permite que informações sejam retidas por segundos ou minutos, durante o tempo suficiente para dar sequência a um raciocínio, compreender e responder a uma pergunta, memorizar o que acabou de ser lido para compreender a frase seguinte, memorizar um número de telefone durante o tempo suficiente para discá-lo. Uma pessoa com déficit de memória operacional, como ocorre nas fases iniciais da doença de Alzheimer, não sabe onde está um objeto segundos depois de colocá-lo em algum lugar e levará mais tempo para encontrá-lo porque poderá procurá-lo em locais onde já o procurou. Este tipo de memória é organizada pelo córtex pré-frontal e não deixa arquivos. O córtex pré-frontal determina o conteúdo da memória operacional que será selecionado para armazenamento, conforme a relevância da informação naquele momento. Para isso, ele tem acesso às diversas outras áreas mnemônicas do córtex cerebral onde estão armazenadas as memórias de curta e longa duração, verifica se a informação que está chegando e sendo processada já existe ou não, e se vale a pena armazená-la como memória de curta ou longa duração. Assim, a área pré-frontal funciona como gerenciadora da memória, definindo o que permanece e o que é esquecido. A memória de trabalho é uma forma temporária de armazenamento da informação, de capacidade limitada, e que exige repetição/ensaio para ser conservada, mesmo que por pouco tempo. Diz-se freqüentemente que a memória Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 6 de trabalho é aquela informação que retemos “na mente”. Quando alguém lhe diz seu número de telefone, você pode retê-lo por um tempo limitado, repetindo o número para si mesmo. Manter uma memória viva pela repetição é o apanágio da memória de trabalho. A memória de trabalho também é vista como uma gerenciadora da memória. Seu papel não é tanto formar arquivos, mas, antes, o de analisar e selecionar as informações que chegam constantemente e compará-las com as existentes nas demais memórias, de curta e de longa duração. Esse processo requer mecanismos neurais adequados à seleção de informações pertinentes, mantendo-as on-line por breve período, até que a decisão e a resposta adequada sejam tomadas. Se o número for muito longo (p. ex., um número de telefone com números extras para um país estrangeiro), você pode ter problemas para lembrá-lo. Esse número pode ser, eventualmente, consolidado em uma memória de longo prazo. A memória de trabalho é, em geral, estudada medindo-se a extensão de uma lista de números escolhidos ao acaso que uma pessoa é capaz de recordar após ouví-la sendo lida: em média, podemos lembrar de sete mais ou menos dois números dessa lista. É interessante observar que há humanos com lesões corticais que apresentam memória normal para informações provenientes de um sistema sensorial (por exemplo, podem lembrar-se de algarismos que leram tanto quanto outras pessoas), porém apresentam um grande déficit quando a informação é fornecida por outra modalidade sensorial (p. ex., podem não lembrar-se mais de um algarismo que lhes é falado). Essas diferentes capacidades para lembrar listas de números, em diferentes modalidades, são consistentes com a noção de múltiplas áreas de armazenamento temporário no encéfalo. Investigações têm indicado que a memória de trabalho é composta por três componentes: alça fonológica, esboço visuoespacial e sistema executivo. O esboço visuoespacial realiza armazenamento temporário e manipulação das imagens. A alça fonológica utiliza códigos articulatórios e depósitos fonológicos para sintetizar e operacionalizar as informações. O sistema executivo faz a mediação da atenção e das estratégias para coordenar os recursos cognitivos entre a alça fonológica e o esboço visuoespacial. As regiões corticais pré-frontais são importantes para a integridade da memória de trabalho. Nas tarefas verbais, há maior envolvimento das áreas pré- frontais esquerdas, assim como das áreas de Broca (frontal esquerda inferior) e de Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 7 Wernicke (temporal esquerda superior). Nas tarefas visuoespaciais (seguir mapas mentalmente, sair de labirintos gráficos e montar quebra-cabeças), há maior implicação das áreas pré-frontais direitas, assim como de zonas visuais de associação do carrefour temporoparietoccipital direito. Quando o córtex temporal é lesado, há prejuízo da memória de trabalho visual (mas a memória de trabaho espacial é preservada); quando há lesão dos lobos parietais, ocorre o oposto. Pacientes com lesões nas áreas cerebrais associadas aos conhecimentos semânticos (sentido das palavras), como o córtex dos lobos temporais laterais e temporoparietais, têm prejuízos nos desempenhos da memória de trabalho verbal. Memória de curto e longo prazo A memória de curta duração permite a retenção de informações durante algumas horas até que sejam armazenadas de forma mais duradoura nas áreas responsáveis pela memória de longa duração. Segundo Izquierdo a memória de curta duração dura de 3 a 6 horas, que é o tempo que leva para se consolidar a memória de longa duração. A memória de longa duração depende de mecanismos mais complexos que levam horas para serem realizados as memórias de longo prazo são aquelas que você pode recordar dias, meses ou anos após terem sido originalmente armazenadas. Por exemplo, você provavelmente consegue se lembrar de um aniversário ou feriado que aconteceu quando era pequeno, porém nem todas as memórias são armazenadas para longo prazo. Por isso a memória de curta duração, que exige mecanismos de processamento mais simples, mantem a memória viva enquanto a de longa duração está sendo definitivamente armazenada, as memórias que eram mais facilmente esquecidas eram chamadas memórias de curto prazo – memórias que duram segundos a horas e que são vulneráveis a perturbações. Um exemplo é sua memória daquilo que comeu no jantar de ontem à noite, que provavelmente se esvaecerá após uma semana. Memórias de curto prazo podem ser apagadas por traumatismos cranianos ou por eletrochoque convulsivo. No entanto, esses mesmos tratamentos não afetam as memórias de longo prazo (p. ex., memórias da infância), que foram armazenadas há um longo tempo. Estes dois tipos de memórias dependem do hipocampo, entretanto a memória de Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 8 curta duração se extingue depoisde algum tempo, enquanto a de longa duração é consolidada por meio da atividade do hipocampo, ficando armazenada em áreas corticais de associação de acordo com seu conteúdo, podendo aí permanecer durante muitos anos. Essas observações levaram à idéia de que as memórias seriam armazenadas na forma de memórias de curto prazo e, seletivamente, convertidas em uma forma permanente por meio de um processo chamado de consolidação da memória. A consolidação da memória, entretanto, não requer necessariamente a memória de curto prazo como intermediária; os dois tipos de memória podem existir em paralelo -o conceito de consolidação da memória foi introduzido por Mueller e Pilzecker com sua hipótese do duplo-traço – a interdependência entre as memórias de curto e de longo prazo. Outros tipos de memória Memória psicológica (cognitiva ou neuropsicológica). É uma atividade altamente diferenciada do sistema nervoso, que permite ao indivíduo codificar, conservar e evocar, a qualquer momento, os dados aprendidos da experiência. Memória genética e epigenética. Esse tipo de memória abrange conteúdos de informações biológicas adquiridos ao longo da história filogenética da espécie e ao longo das vivências do indivíduo e de seus ancestrais, contidos no material biológico (DNA, RNA, cromossomos, mitocôndrias, mudanças epigenéticas) dos seres vivos. Memória semântica esta se refere ao aprendizado, à conservação e à utilização do arquivo geral de conceitos e conhecimentos do indivíduo (os chamados conhecimentos gerais sobre o mundo). Assim, conhecimentos como a cor do céu (azul) ou de um papagaio (verde), ou quantos dias há na semana (sete), são de caráter geral e se cristalizam por meio da linguagem, ou seja, também são de caráter semântico. Assim como a episódica, a memória semântica é frequentemente explícita (mas Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 9 pode ser, eventualmente, implícita). Ela é, enfim, a representação de longo prazo dos conhecimentos que temos sobre o mundo, entre eles o significado das palavras, dos objetos e das ações. Esta corresponde às capacidades de nomeação e categorização. Depende, de forma estreita, das regiões inferiores e laterais dos lobos temporais, sobretudo no hemisfério esquerdo (diferentemente da memória episódica, que depende das regiões mediais desses lobos, sobretudo dos hipocampos). Memória de procedimentos é um tipo de memória automática, não consciente. Exemplos desse tipo de memória são habilidades motoras e perceptuais mais ou menos complexas (andar de bicicleta, digitar no computador, tocar um instrumento musical, bordar, etc.), habilidades visuoespaciais (como a capacidade de aprender soluções de labirintos e quebra-cabeças) e habilidades automáticas relacionadas ao aprendizado de línguas (regras gramaticais incorporadas na fala automaticamente, decorar a conjugação de verbos de uma língua estrangeira, etc.). A memória de procedimentos, de modo geral, é implícita e não declarativa, mas, durante a aquisição da habilidade, pode ser explícita na fase de aprendizado, como quando, por exemplo, se aprende a dirigir um carro seguindo orientações verbais. Memória imunológica. Esse tipo de memória reúne informações registradas e potencialmente recuperáveis pelo sistema imune de um ser vivo. Memória coletiva, social ou cultural. Envolve conhecimentos e práticas sociais e culturais (costumes, valores, práticas, linguagem, habilidades artísticas, conceitos e preconceitos, ideologias, estilos de vida, rituais, gesticulações, etc.) produzidos, acumulados e mantidos por um grupo social. Esse tipo de memória tem importância fundamental para as sociedades humanas. Sem ela, os grupos sociais perdem sua identidade básica, a possibilidade de perceber o sentido de suas existências, a gratidão e crítica em relação ao passado e a esperança e prudência em relação ao futuro. Memória sensorial e depósito sensorial (até 1 segundo). Aqui, percepção, atenção e memória se sobrepõem. As memórias sensoriais são ricas (muitos conteúdos), mas muitíssimo breves (os conteúdos se apagam rapidamente). Quando estímulos visuais (memória icônica) ou auditivos (memória ecoica) são expostos ao indivíduo, ele capta (não de modo consciente) um número Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 10 relativamente grande de informações, mas pode guardá-las apenas por um período muito curto. Há um depósito sensorial, que funciona geralmente abaixo do limiar da consciência, em apenas 50 milissegundos, quando se deve “decidir” (quase sempre sem consciência) se voltamos a atenção para certos estímulos ou se estes serão rapidamente apagados. Por exemplo, em uma festa, passamos por um grupo, nosso nome é rapidamente falado por alguém, e, às vezes, mesmo sem perceber conscientemente, passamos a dirigir a atenção para a fala desse grupo. Memória episódica trata-se de memória explícita, de médio e longo prazos, relacionada a eventos específicos da experiência pessoal do indivíduo, ocorridos em determinado contexto. Relatar o que foi feito no último fim de semana é um típico exemplo de memória episódica. Ela corresponde a eventos específicos e concretos, comumente autobiográficos, bem circunscritos em determinado momento e local. Refere-se, assim, à recordação consciente de fatos reais. A perda da memória episódica, em geral, se evidencia para eventos autobiográficos recentes, mas, com o evoluir da doença (p. ex., doença de Alzheimer), pode incluir elementos mais antigos. Nesse sentido, a perda de memória episódica obedece à lei de Ribot (perdem-se primeiro os elementos recentemente adquiridos e, depois, os mais antigos). Esse tipo de memória depende, em essência, de mecanismos relacionados àsregiões da face medial dos lobos temporais, particularmente o hipocampo e os córtices entorrinal e perirrinal. Quando tais áreas se deterioram, por exemplo, com o avançar da demência de Alzheimer, o paciente perde totalmente a capacidade de fixar e lembrar eventos ocorridos há poucos minutos ou horas, inclusive situações marcantes e significativas para ele. Os pacientes com síndrome de Wernicke Korsakoff têm déficits graves na memória episódica, uma condição relacionada a danos no diencéfalo, primariamente nos corpos mamilares, no trato mamilo-talâmico e no tálamo anterior. Memória imediata ou de curtíssimo prazo (de poucos segundos até 1 a 3 minutos). Esse tipo de memória se confunde conceitualmente também com a atenção e com a memória de trabalho (que será abordada adiante). Trata-se da capacidade de reter o material (palavras, números, imagens, etc.) Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 11 imediatamente após ser percebido, como reter um número telefônico para logo em seguida discar. A memória imediata tem também capacidade limitada e depende da concentração, da fatigabilidade e de certo treino. As memórias imediata e de trabalho dependem sobretudo da integridade das áreas pré- frontais. 1.2 Bases Neurológicas da Memória Parece haver bastante concordância entre os pesquisadores de que, para o fenômeno da memorização ou engramação mnéstica, ou seja, para a formação das unidades de memória, as estruturas límbicas temporomediais, principalmente relacionadas ao hipocampo, à amígdala e ao córtex entorrinal, são fundamentais. Elas atuam, em especial, na consolidação dos registros e na transferência das unidades de memória de curto e médio prazos (intermediária) para a de longo prazo (estocagem da memória remota). O substrato neural da memória de longo prazo (registros bem consolidados) repousa basicamente no córtex cerebral, ou seja, nas áreas de associação neocorticais, principalmente frontais e temporoparietoccipitais. Há evidências de que o processo neuronal de memorização difere entre memórias recentes (minutos a horas) e memórias de longo prazo (meses a anos). Nas memórias recentes, há mudanças e consolidações de sinapses neuronais relacionadas a complexas cascatas de eventos molecularese celulares necessárias para a primeira estabilização de informações recentemente adquiridas, nas redes neuronais coordenadas pelo hipocampo. Em contraste, nas memorizações lentas e de longo prazo, a consolidação das memórias se baseia em processos de nível sistêmico (redes neuronais), lentos, tempo- dependentes, que convertem os traços lábeis de memória recente em formas mais permanentes, estáveis e ampliadas, baseadas na reorganização de redes neurais de suporte à memória, também coordenadas pelos hipocampos. A interrupção bilateral do circuito hipocampo-mamilo-tálamo-cíngulo pode determinar a incapacidade de fixação de novos elementos mnêmicos, produzindo, assim, a síndrome amnéstica, de maior ou menor intensidade. As estruturas mais importantes para a memória são, certamente, os hipocampos. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 12 1.3 Amnésia Denomina-se amnésia, de forma genérica, a perda da memória, seja da capacidade de fixar, seja da capacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos. Certas doenças ou lesões cerebrais causam amnésia, uma grave perda da memória e/ou da capacidade de aprender. Concussão, alcoolismo crônico, encefalite, tumor cerebral e acidente vascular cerebral, todas essas condições podem causar prejuízos à memória. Você provavelmente já viu algum filme ou programa de televisão em que uma pessoa sofre um grande trauma e desperta no dia seguinte sem saber quem é e sem lembrar- se de seu passado. Esse tipo de amnésia absoluta para eventos e informações passados é, na verdade, bastante rara. É mais comum que um trauma cause uma amnésia limitada juntamente com outros déficits não-relacionados com a memória. Se a amnésia não for acompanhada por qualquer outro déficit cognitivo, é conhecida como amnesia dissociada (i.e., os problemas de memória estão dissociados de quaisquer outros problemas). Enfocaremos casos de amnésia dissociada porque, nesses, uma relação clara pode ser estabelecida entre os déficits de memória e a lesão cerebral. Amnésia retrógrada Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 13 Após um trauma cerebral, a perda de memória pode manifestar-se de duas formas: amnésia retrógrada e amnésia anterógrada. A amnésia retrógrada é caracterizada por perda de memória para eventos anteriores ao trauma. Em outras palavras, você esquece coisas que já sabia. Em casos graves, pode haver completa amnésia para toda informação declarativa aprendida antes do trauma. Mais freqüentemente, porém, a amnésia retrógrada segue um padrão em que eventos ocorridos nos meses ou anos que precedem o trauma são esquecidos, mas a memória é progressivamente mais forte à medida que os fatos são mais antigos. A perda gradual de memórias ao longo do tempo parece refletir a natureza variante dos processos de armazenamento de memórias. Amnésia anterógrada A amnésia anterógrada, por sua vez, é a incapacidade de formar novas memórias após um trauma cerebral. Se a amnésia anterógrada for grave, a pessoa pode tornar-se incapaz de aprender qualquer coisa nova. Em casos menos graves, o aprendizado torna-se lento e requer mais repetição do que o normal. Em casos clínicos, freqüentemente há um misto de amnésias retrógradas e anterógradas de diferentes graus de gravidade. Um exemplo pode ajudar a tornar mais claro esse ponto. Considere o caso de um homem de 45 anos que teve um trauma cerebral aos 40 anos. Se tiver amnésia retrógrada grave, ele não poderá lembrar-se de muitas coisas ocorridas antes dos 40 anos. Se tiver amnésia anterógrada grave, ele não lembrará de coisa alguma, desde a idade dos 40 anos até o presente. Uma forma de amnésia que envolve um período bem mais curto é a amnésia global transitória. Nesse caso, um acesso repentino de amnésia anterógrada dura apenas por um período de minutos a dias, acompanhada por amnésia retrógrada para eventos recentes que precederam o ataque. A fala do indivíduo pode parecer desorientada, com constantes repetições da mesma questão, mas ele permanece consciente; além disso, o exame da memória de trabalho, como o teste da lista de números ao acaso, mostra resultados normais. Em questão de horas, tais sintomas normalmente cedem, restando uma lacuna permanente em sua memória. A amnésia global transitória pode ser assustadora, tanto para a pessoa que a experimenta quanto para aqueles ao seu redor. Embora sua causa não tenha sido Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 14 claramente estabelecida, esse tipo de amnésia pode resultar de uma breve isquemia cerebral, em que o aporte de sangue ao encéfalo é temporariamente reduzido, ou de uma concussão craniana por trauma, como, por exemplo, em um acidente automobilístico ou ao receber um golpe violento durante um jogo de futebol. Há relatos de amnésia global transitória disparada por convulsões, estresse físico, drogas, banhos frios e mesmo atividade sexual, presumivelmente devido ao fato de que todos esses fatores afetam o fluxo sangüíneo encefálico. Muitos casos foram ligados à utilização da droga antidiarréica clioquinol (que foi retirada do mercado). Embora não saibamos exatamente o que causa a amnésia global transitória, ela pode ser decorrente de uma privação temporária de sangue nas estruturas essenciais para o aprendizado e a memória. Outras formas de amnésia temporária podem ser causadas por doenças, trauma cerebral ou toxinas ambientais. Amnésia dissociativa Nas amnésias dissociativas, ou psicogênicas, há perda de elementos mnêmicos seletivos, os quais podem ter valor psicológico específico (simbólico, afetivo). O indivíduo esquece, por exemplo, uma fase ou um evento de sua vida (que teve um significado especial para ele), mas consegue lembrar de tudo que ocorreu “ao seu redor”. É quase sempre uma amnésia retrógrada. A amnésia dissociativa pode surgir em sequência a um episódio de trauma emocional e/ou relacionada a fuga dissociativa (quando o indivíduo foge de sua casa, em estado dissociativo). Amnésia orgânica Já nas amnésias orgânicas, a perda de memória é geralmente menos seletiva, em relação ao conteúdo emocional e/ou simbólico do material esquecido, do que na amnésia psicogênica. Em geral, perde-se primeiramente a capacidade de memorização de fatos e eventos recentes, e, em estados avançados da doença (geralmente demência), o indivíduo passa gradualmente a perder conteúdos mais antigos. Hipermnésia Em alguns pacientes em mania ou hipomania, representações (elementos mnêmicos) afluem rapidamente, uma tempestade de informações ou imagens, Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 15 ganhando em número, perdendo, porém, em clareza e precisão. A hipermnésia, nesses casos, traduz mais a aceleração geral do ritmo psíquico que uma alteração propriamente da memória (Nobre de Melo, 1979). Há outro tipo de hipermnésia, chamada hipermnésia para memória autobiográfica. Trata-se de um fenômeno raro, no qual o indivíduo tem uma memória autobiográfica quase perfeita (Parker et al., 2006). Foi estudado detalhadamente o caso de HK, um rapaz de 20 anos, cego de nascença, que apresentava hipermnésia autobiográfica. Sua memória para detalhes de vários eventos de sua vida passada era profunda e minuciosa, quase perfeita. Por meio de várias fontes, a memória de HK foi checada em relação ao diário de sua avó, entrevistas com vários familiares e registros de prontuários médicos do hospital onde ele era tratado, revelando-se altamente fidedigna. HK apresentava, em relação a controles, hipertrofia da amígdala direita (de cerca de 20%) e conectividade aumentada entre a amígdala e o hipocampo (10 vezes acima do desvio-padrão). A hipermnésia autobiográfica é considerada um fenômeno complexo, dependente de intricada interação entre memória episódica, memória semântica, habilidades visuoespaciais, memória para emoções, viagem mental no tempo, teoria da mente e funções executivas. Embora muito rara, ela fornece elementos valiosos para a compreensão da memória autobiográfica.1.4 Alterações qualitativas (Paramnésia) As alterações qualitativas da memória envolvem sobretudo a deformação do processo de evocação de conteúdos mnêmicos previamente fixados. O indivíduo apresenta lembrança deformada que não corresponde à sensopercepção original. Ilusões mnêmicas Nesse caso, há o acréscimo de elementos falsos a elementos da memória de fatos que realmente aconteceram. Por isso, a lembrança adquire caráter fictício. Muitos pacientes informam sobre seu passado indicando claramente deformações marcantes de lembranças reais: “Tive 20 filhos com minha mulher” (teve, de fato, 4 filhos com ela, mas não 20). Se não for uma deformação marcante, é difícil diferenciar a ilusão mnêmica do processo normal de recordação (pois a memória é um processo construtivo, que se refaz e modifica normalmente). As ilusões Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 16 mnêmicas podem ocorrer na esquizofrenia, no transtorno delirante e, menos frequentemente, nos transtornos da personalidade (borderline, histriônica, esquizotípica, etc). Alucinações mnêmicas São criações imaginativas, dotadas de sensorialidade, marcadamente com a aparência de lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico, a qualquer lembrança verdadeira. Podem surgir de modo repentino, sem corresponder a qualquer acontecimento. Ocorrem principalmente na esquizofrenia e em outras psicoses. As ilusões e as alucinações mnêmicas constituem, muitas vezes, o material básico para a formação e a elaboração de delírios (delírio imaginativo ou delírio mnêmico). Confabulações (ou fabulações) Confabulações são produções de relatos, narrativas e ações que são involuntariamente incongruentes com a história passada do indivíduo, com sua situação presente e futura. Elas são memórias ou recordações falsas - a falsidade repousa ou no seu conteúdo, ou no seu contexto, porém a pessoa que confabula não sabe da falsidade de suas recordações. Confabulações são recordações plausíveis, ou seja, elas se parecem com o que poderia ter acontecido, mas que não aconteceu. As chamadas confabulações de embaraço são produzidas e estimuladas quando, na entrevista, se pergunta “se lembra de um encontro que tivemos há dois anos, em uma festa, em seu bairro?” ou “o que você fez no domingo anterior?”. A pessoa premida pela pergunta, sem perceber suas dificuldades de memória, passa a relatar fatos falsos relacionados às perguntas; plausíveis, mas falsos. Tradicionalmente, a psicopatologia considerou por muitas décadas que as confabulações eram formadas por elementos da imaginação do sujeito que completariam artificialmente lacunas de memória. Essas lacunas ou falhas seriam produzidas por déficit da memória de fixação, sobretudo da memória episódica. Além do déficit de fixação, a pessoa não seria capaz de reconhecer como falsas as imagens produzidas pela fantasia. As confabulações seriam, portanto, invenções involuntárias, produtos da imaginação do paciente, que preencheriam um vazio da memória. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 17 As confabulações ocorrem principalmente na síndrome de Wernicke- Korsakoff, frequentemente secundária ao alcoolismo crônico associado a déficit de tiamina (vitamina B1). Elas também podem ocorrer em traumatismo craniencefálico, encefalites que implicam os lobos temporais (como a encefalite herpética), intoxicação por monóxido de carbono, aneurisma da artéria comunicante anterior e doença de Alzheimer. Outras alterações qualitativas da memória Alguns autores classificam como alteração qualitativa da memória (talvez por sua semelhança com as confabulações) a pseudologia fantástica, ou mentira patológica (histórias e construções fantasiosas, extensas e geralmente mescladas com a realidade, experimentadas com tanta intensidade que o sujeito quase crê nelas). Embora tal fenômeno possa utilizar elementos do passado. Também havendo as Criptomnésias (falseamento da memória), a Ecmnésia (recapitulação e da revivescência intensa) e a Lembrança obsessiva (tem surgimento espontâneo, manifesta-se em indivíduos com transtornos do espectro obsessivo-compulsivo). 1.5 Aprendizado de procedimentos Lembre-se que as memórias declarativas têm um caráter de certa forma impalpável. São facilmente formadas e facilmente esquecidas e podem resultar de pequenas modificações em sinapses que estão amplamente distribuídas no encéfalo. Essas características tornam esse tipo de memória particularmente desafiante ao ser estudada no nível sináptico. Memórias de procedimentos, entretanto, têm características que tornam mais fácil sua investigação. Além do fato de que essas memórias são particularmente robustas, elas podem formar-se ao longo de vias reflexas simples, que ligam sensações a movimentos. O aprendizado de procedimentos envolve aprender uma resposta motora (procedimento) em reação a um estímulo sensorial. Tipicamente é dividido em dois tipos: aprendizado não-associativo e aprendizado associativo. Aprendizado Não-Associativo O aprendizado não-associativo descreve a alteração na resposta observada no comportamento que ocorre ao longo do tempo, em resposta a um único tipo de Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 18 estímulo. Há dois tipos: habituação e sensitização. Habituação. Suponha que você vive em uma casa onde existe um único telefone. Quando o telefone toca, você corre para atender. Entretanto, a cada vez que você o faz, a ligação é para outra pessoa. Com o tempo, você pára de reagir à campainha do telefone e, eventualmente, nem mesmo a ouve. Esse tipo de aprendizado, habituação, é aprender a ignorar um estímulo que não tenha significado. Você está habituado a uma série de estímulos. Talvez, enquanto você lê esta frase, carros e caminhões estejam passando do lado de fora, um cachorro esteja latindo, seu colega de quarto esteja ouvindo a banda U2 pela centésima vez – e tudo isso se passa sem que você realmente perceba. Você está habituado a esses estímulos. Sensitização. Suponha que você esteja andando pela calçada à noite em uma rua bem iluminada e, subitamente, ocorre um blecaute. Você ouve passos às suas costas e, embora isso normalmente não o perturbe, agora você se apavora. Faróis de carros aparecem, e você reage afastando-se da rua. Os forte estímulos sensoriais (o blecaute) causam sensitização; você aprendeu a intensificar suas respostas a todos os estímulos, mesmo àqueles que previamente evocavam pouca ou nenhuma reação. Aprendizado Associativo Durante o aprendizado associativo, formamos associações entre eventos. Normalmente distinguimos dois tipos: condicionamento clássico e condicionamento instrumental. Condicionamento Clássico. Esse tipo de aprendizado foi descoberto e caracterizado em cães pelo famoso psicólogo russo Ivan Pavlov, por volta do começo do século XX. O condicionamento clássico envolve a associação entre um estímulo que evoque uma resposta mensurável e um segundo estímulo que, normalmente, não evoca essa resposta. O primeiro tipo de estímulo, aquele que normalmente evoca a resposta, é chamado estímulo incondicionado (US, do inglês unconditioned stimulus) porque nenhum treino (ou condicionamento) é requerido para provocar uma resposta. Nos experimentos de Pavlov, o US era a visão de um pedaço de carne, e a resposta do cão era a salivação. O segundo tipo de estímulo, aquele que normalmente não evoca a mesma resposta, é chamado estímulo condicionado (CS, do inglês conditioned stimulus), Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 19 porque requer treino (condicionamento) antes que produza essa resposta. Nos experimentos de Pavlov, o CS era um estímulo auditivo, como o som de uma campainha. O treino consistia em apresentar, repetidamente e de forma concomitante, o som e a carne. Após muitas dessas apresentações concomitantes, a carne foi retirada, e o animal salivava apenas com a apresentação do som. O cão aprendeu uma associação entre o som (CS) e a apresentaçãoda carne (US); o cão aprendeu que o som precede (e prediz) a apresentação da carne. A resposta aprendida ao estímulo condicionado é chamada resposta condicionada (CR). É importante compreender que há certos requerimentos temporais para o condicionamento clássico ser bem sucedido. O condicionamento ocorre se o US e o CS são apresentados simultaneamente, ou se o CS precede o US por um curto intervalo. Se o CS precede o US por um tempo longo, entretanto, o condicionamento é muito fraco, ou ausente. O condicionamento tipicamente não ocorre se o CS ocorre depois do US. O mecanismo sináptico do condicionamento clássico deve explicar essas exigências temporais tão estritas. Condicionamento Instrumental. Esse tipo de aprendizado associativo foi descoberto e estudado por Edward Thorndike, um psicólogo da Universidade Columbia, no início do século passado. No condicionamento instrumental, o indivíduo aprende a associar uma resposta, um ato motor, a um estímulo significativo, tipicamente uma recompensa como, por exemplo, comida. Como exemplo, considere o que acontece quando um rato faminto é colocado em uma caixa com uma alavanca que libera comida. Durante a exploração da caixa, o rato bate na alavanca e aparece uma certa porção de alimento. Após esse feliz acidente acontecer umas poucas vezes, o rato aprende que pressionar a alavanca leva a uma recompensa, a porção de alimento. O rato trabalha, pressionando a alvanca, e come o alimento até que não mais tenha fome. Isso deve soar familiar. Lembre-se dos capítulos anteriores, dos experimentos em que macacos eram treinados para efetuar respostas tão sutis quanto movimentos sacádicos dos olhos para receber uma recompensa suculenta. A neurofisiologia comportamental faz uso do aprendizado instrumental. E a recompensa não precisa ser comida ou bebida, necessariamente. Ratos pressionarão a alavanca para receber cocaína como recompensa, ou para receber estimulos elétricos diretamente no seu feixe prosencefálico medial. O Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 20 condicionamento instrumental também ocorre se uma resposta, em vez de evocar uma recompensa, previne um estímulo aversivo, como um choque nas patas. Assim como no condicionamento clássico, uma relação preditiva é aprendida durante o condicionamento instrumental. No condicionamento clássico, aprende-se que um estímulo (CS) prediz outro estímulo (US). No condicionamento instrumental, aprende-se que um determinado comportamento está associado a uma determinada conseqüência. Assim como no condicionamento clássico, a relação temporal é importante. O condicionamento instrumental, para ser bem sucedido, requer que o estímulo ocorra logo após a resposta. Uma vez que a motivação tem uma papel tão importante no condicionamento instrumental (afinal de contas, apenas um rato faminto pressionará a alavanca por comida como recompensa), os circuitos neurais envolvidos são consideravelmente mais complexos do que aqueles envolvidos no condicionamento clássico simples. Assim sendo, deixaremos de lado o condicionamento instrumental para enfocarmos formas mais simples de aprendizado e memória, para as quais mecanismos têm sido identificados no sistema nervoso de invertebrados. 2. Conhecer a neuroanatomia da memoria e do aprendizado 2.1 Relacionadas com a memória declarativa Essas áreas abrangem áreas telencefálicas e diencefálicas unidas pelo fórnix, que liga o hipocampo ao corpo mamilar do hipotálamo. As áreas telencefálicas incluem a parte medial do lobo temporal, a área pré-frontal dorsomedial e as áreas de associação sensoriais. As áreas diencefálicas são componentes do circuito de Papez. Consolidação da memória de longo prazo Age em conjunto, na interligação de regiões como o hipocampo e amigdala, o giro para-hipocampal, giro do cingulo, corpo caloso e hipotálamo. Quanto mais essa memória tiver conexão com o processo emocional/afetivo, mais intenso e eficaz será essa consolidação. Memória episódica Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 21 Uma junção do lobo temporal medial, com ação principal do hipocampo e para- hipocampo, junto as regiões corticais. Memória de curto prazo 2.2 Áreas telencefálicas Hipocampo Antigamente chamado corno de Ammon (CA), o hipocampo é uma eminência alongada e curva situada no assoalho do corno inferior do ventrículo lateral acima do giro para-hipocampal acima do giro para-hipocampal intrínsecos são complexos. O hipocampo, através do córtex entorrinal, recebe aferências de grande número de Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 22 áreas neocorticais e através do fómix projeta-se aos corpos mamilares do hipotálamo. Recebe também fibras da amígdala, que reforçam a memória de eventos associados a situações emocionais. Recentemente foram descobertas também conexões com a área tegmental ventral e com o núcleo accumbens o que explica o reforço das memórias associadas a eventos de prazer. Seu papel na memória foi elucidado pelo estudo de pacientes nos quais os hipocampos foram retirados cirurgicamente na tentativa de tratamento de casos graves de epilepsia do lobo temporal - nesses pacientes, a memória operacional é mantida, pois não há comprometimento da área pré-frontal , mas o paciente perde definitivamente a capacidade de lembrar eventos ocorridos depois da cirurgia (amnésia anterógrada). Perde também a memória de eventos ocorridos pouco tempo antes da cirurgia (amnésia retrógrada), mas curiosamente, depois de um certo ponto no passado, todos os fatos podem ser lembrados sem problemas, ou seja, a memória de longa duração permanece normal. 💡 Embora o hipocampo seja indispensável para a consolidação das memórias de curta e longa duração, esses tipos de memória não são armazenados no hipocampo, pois permanecem depois de sua remoção cirúrgica. O grau de consolidação da memória pelo hipocampo é modulado pelas aferências que ele recebe da amígdala. Esta consolidação é maior quando a informação a ser memorizada está associada a um episódio de grande impacto emocional, que pode ser uma emoção positiva, como a vitória de seu time, ou negativa como a morte de um parente. O hipocampo é também responsável pela memória espacial ou topográfica, relacionada a localizações no espaço, configurações ou rotas e que nos permite navegar, ou seja, encontrar o caminho que leva a um determinado lugar. Este permite memorizar as características do espaço em seu entorno e depende de um tipo especial de neurônio do hipocampo denominado célula de lugar. Essas células são ativadas e disparam potenciais de ação diante de uma determinada área do Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 23 espaço denominada "campo de lugar da célula", estes campos vão sendo memorizados pelas células de lugar. Isso explica porque na doença de Alzheimer, em que há grave comprometimento do hipocampo, o paciente, na fase final, perde completamente a orientação e não consegue se dirigir de uma cadeira para a cama. Giro Denteado É um giro estreito e denteado situado entre a área entorrinal e o hipocampo com o qual se continua lateralmente. Sua estrutura, constituída por uma só camada de neurônios, é muito semelhante à do hipocampo. Tem amplas ligações com a área entorrinal e o hipocampo e, com este, constitui a formação do hipocampo. Estudos recentes mostram que o giro denteado é responsável pela dimensão temporal da memória. Por exemplo, ao lembrarmos de nossa festa de casamento ele informa a data e se ela foi antes ou depois de nossa festa de formatura. Córtex Entorrinal Ocupa a parte anterior do giro para-hipocampal mediaimente a sulco rinal. É um tipo de córtex primitivo (arquicórtex) e corresponde à área 28 de Brodmann. Recebe fibras do fómix e envia fibras ao giro denteado que, por sua vez, se liga ao hipocampo. O córtex entorrinal funciona como um portão de entrada para o hipocampo, recebendo as diversas conexões que a ele chegam através do giro denteado, incluindo as conexõesque recebe da amígdala e da área septal. Lesão do córtex entorrinal, mesmo estando intacto o hipocampo, resulta em grande déficit de memória. O córtex entorrinal é geralmente a primeira área cerebral comprometida na doença de Alzheimer. Córtex Para-hipocampal O córtex para-hipocampal ocupa a parte posterior do giro para-hipocampal continuando-se com o córtex cingular posterior no nível do istmo do giro do cíngulo. Até há pouco tempo sua função não era bem conhecida, estudos de neuroimagem funcional mostraram que o córtex para-hipocampal é ativado pela visão de cenários, especialmente os mais complexos, como uma rua ou uma paisagem. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 24 Entretanto, a ativação só ocorre com cenários novos e não com os já conhecidos. Também não é ativado com a visão de objetos, o que é feito pelo hipocampo. Pacientes com lesão do giro para-hipocampal são incapazes de memorizar cenários novos, embora consigam evocar cenários já conhecidos neles e navegar. Isto mostra que, como ocorre no hipocampo, a memória destes cenários não é armazenada no córtex para-hipocampal, mas em outras áreas muito provavelmente no isocórtex, pois ela permanece depois dele ser lesado. Córtex Cingular Posterior O córtex cingular posterior, em especial a parte situada atrás do esplênio do corpo caloso (retroesplenial), recebe muitas aferências dos núcleos anteriores do tálamo que, por sua vez, recebem aferências do corpo mamilar pelo trato mamilotalâmico, integrando o circuito de Papez. Lesões no cíngulo posterior ou dos núcleos anteriores do tálamo resultam em amnésias. O córtex cingular posterior está também relacionado com a memória topográfica, ou seja, a capacidade de se orientar no espaço e memorizar caminhos e cenários novos, bem como evocar os já conhecidos. Sua lesão resulta em desorientação e incapacidade de encontrar caminhos anteriormente memorizados Área Pré-frontal Dorsolateral A área pré-frontal dorsolateral tem um grande número de funções, entre elas está o processamento da memória operacional. Ocupa a superficie anterior e dorsolateral do lobo frontal. Liga-se ao corpo estriado (putâmen) integrando o circuito cortico-estriado-talâmico-cortical. Este circuito tem papel extremamente importante nas chamadas funções executivas que envolvem o planejamento execução das estratégias comportamentais mais adequadas à situação fisica e social do indivíduo, assim como capacidade de alterá-las quando tais situações se modificam. Envolve também a avaliação das consequências dessas ações, planejamento e organização, com inteligência, de ações e soluções de problemas novos. Além disso, a área pré-frontal dorsolateral é responsável pela memória operacional - que é um tipo de memória de curto prazo, temporária e suficiente para manter na mente as informações relevantes para a conclusão de uma atividade que está em andamento. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 25 Nas lesões desta área, como ocorre na doença de Alzheimer, há perda da memória operacional. Áreas de associação do neocórtex Nessas áreas são armazenadas as memórias de longa duração, cuja consolidação depende da atividade do hipocampo. Incluem-se aí as áreas secundárias sensitivas e motoras, assim como áreas supramodais. Diferentes categorias de conhecimento são armazenadas em áreas diferentes do neocórtex e podem ser lesadas separadamente, resultando em perdas distintas. Estudos de ressonância magnética funcional mostram que quando uma pessoa é solicitada a reconhecer figuras de animais, há ativação de áreas neocorticais da parte ventral do lobo temporal. Quando o reconhecimento é de objetos como ferramentas a área pré-motora esquerda é ativada, pois a pista para reconhecimento é a atividade motora envolvida no uso da ferramenta. O estudo das interações entre o hipocampo e as áreas neocorticais de armazenamento da memória é hoje objeto de muita pesquisa. 2.3 Áreas diencefálicas As estruturas diencefálicas envolvidas com a memória são os corpos mamilares do hipotálamo, que recebem aferências dos córtices entorrinal e do hipocampo pelo fómix e que, através do trato mamilotalâmico projetam-se aos núcleos anteriores do tálamo. Estes por sua vez, projetam-se para o córtex cingular posterior. 2.4 O estriado e a memória de procedimentos Dois componentes dos núcleos da base são o núcleo caudado e o putâmen, que, juntos, formam o estriado. O estriado situa-se em uma localização-chave no circuito motor, recebendo aferentes dos córtices frontal e parietal e enviando eferentes aos núcleos talâmicos e áreas corticais envolvidas no movimento. Diversas linhas de evidências em estudos com roedores e humanos sugerem que o estriado seja crítico para a memória de procedimentos envolvida na formação de hábitos comportamentais. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 26 2.5 Sistema simples: modelos de aprendizado em invertebrados Outras espécies úteis de invertebrados incluem baratas, moscas, abelhas, sanguessugas e nematódeos. Invertebrados podem ser particularmente úteis para a análise das bases neurais do comportamento. A razão dessa escolha é que o sistema nervoso de invertebrados oferece algumas vantagens experimentais importantes: Sistemas nervosos pequenos. Sistemas nervosos de invertebrados possuem pequeno número de neurônios, algo da ordem de um milhar; o encéfalo humano tem, grosso modo, cerca de 10 milhões de vezes mais; Neurônios grandes. Muitos neurônios em invertebrados são bastante grandes, o que facilita o seu estudo eletrofisiológico; Neurônios identificáveis. Os neurônios em invertebrados podem ser catalogados por tamanho, localização e propriedades eletrofisiológicas e, assim, podem ser identificados de indivíduo a indivíduo; Circuitos identificáveis. Neurônios identificáveis também permitem que se estude as mesmas conexões que fazem, uns com os outros, de indivíduo a indivíduo; Genética simples. Os genomas pequenos e ciclos rápidos de vida de alguns invertebrados (como moscas e nematódeos) tornam esses animais ideais para estudos das bases genéticas e biológico-moleculares do aprendizado; Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 27 2.6 Modelos de aprendizagem em vertebrados Convém termos esses pontos em mente enquanto estudamos diferentes tipos de plasticidade sináptica dependentes de atividade no encéfalo de mamíferos. A título de ilustração, enfocaremos principalmente sinapses no cerebelo e no hipocampo, acerca das quais nossa atual compreensão é mais completa. Tenha em mente, entretanto, que a plasticidade da transmissão sináptica está amplamente distribuída no SNC e, em diferentes tipos de sinapses, baseia-se em mecanismos ligeiramente diferentes. Temos possíveis bases neurais da memória: Aprendizado e memória podem resultar de modificações na transmissão sináptica. Modificações sinápticas podem ser disparadas pela conversão de atividade neural em segundos mensageiros intracelulares. Memórias podem resultar de alterações em proteínas sinápticas pre-existentes. 2.7 Plasticidade Sináptica no Córtex Cerebelar Concluímos que o cerebelo é um sítio importante do aprendizado motor, um lugar onde correções são feitas quando os movimentos resultantes falham em relação às expectativas. Uma vez que, acredita-se, essas correções são feitas por meio de modificações em conexões sinápticas, o cerebelo tornou-se um sistema-modelo para o estudo das bases sinápticas do aprendizado no encéfalo de mamíferos. Anatomia do Córtex Cerebelar Particularmente interessante é o córtex cerebelar, a camada de tecido que está logo sob a superfície do cerebelo (Figura 1). O córtex consiste em duas camadas de corpos celulares neuronais, a camada de células de Purkinje e a camada granular, e essas estão separadas da superfície da pia-máter pela camada molecular, onde existem poucos corpos celulares. As células de Purkinje, assim chamadas devido ao neuroanatomista tcheco que primeiro as descreveu em 1837, têmalgumas características interessantes. Primeiro, seus dendritos se estendem apenas até a camada molecular, onde ramificam em leque, achatados em um plano. Segundo, os axônios das células de Purkinje estabelecem sinapses em neurônios Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 28 de núcleos cerebelares profundos, os quais são as principais células do cerebelo com eferentes.Assim, as células de Purkinje estão em uma posição-chave para modificar os impulsos nervosos que saem do cerebelo. Terceiro, células de Purkinje utilizam o ácido-gama-aminobutírico (GABA) como neurotransmissor, de forma que sua influência sobre os impulsos nervosos que saem do cerebelo é inibitória. Os dendritos das células de Purkinje são contactados diretamente por uma das duas principais aferências ao cerebelo. Essa aferência origina-se de um núcleo do bulbo chamado complexo olivar inferior, que integra informação dos proprioceptores nos músculos. Os axônios do complexo olivar inferior são chamados fibras trepadeiras, porque se enroscam ao redor dos dendritos das células de Purkinje como uma parreira nos ramos de uma árvore. Cada célula de Purkinje recebe impulsos nervosos de apenas uma célula do complexo olivar inferior, mas essa aferência é muito influente. Um único axônio das fibras trepadeiras estabelece centenas de sinapses excitatórias na árvore dendrítica de seu correspondente neurônio de Purkinje. Um potencial de ação em uma fibra trepadeira gera um PEPS excepcionalmente grande, que sempre ativa fortemente a célula de Purkinje pós-sináptica. O segundo principal aferente ao cerebelo provém de uma variedade de grupos celulares no tronco encefálico, notavelmente os grupos pontinos que fazem retransmissão da informação proveniente do neocórtex cerebral. Essas fibras, chamadas fibras musgosas, estabelecem sinapses nas células granulares do cerebelo, as quais, por sua vez, constituem uma camada logo abaixo das células de Purkinje (1). Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 29 As células granulares são muito pequenas, muito densamente empacotadas e muito numerosas. (Estima-se que as células granulares constituam metade do número total de neurônios do encéfalo!) As células granulare cerebelares possuem axônios que ascendem para a camada molecular, onde bifurcam-se como um “T”. Cada ramo dessa bifurcação constitui uma fibra paralela, a qual se estende em linha reta por diversos milímetros em uma direção que intersecta o plano dos dendritos das células de Purkinje em ângulo reto, como se fossem fios passando por um poste telefônico. Assim sendo, uma única fibra paralela tem apenas um breve encontro com qualquer das células de Purkinje, mas, ao longo de seu percurso, encontrará muitas delas. Embora uma célula de Purkinje receba apenas uma sinapse de cada fibra paralela que passa, ela recebe sinapses de até 100.000 dessas fibras. Essa convergência pouco usual de fibras paralelas e fibras trepadeiras, todas rumando (aferentes) aos dendritos das células de Purkinje, tem fascinado neurocientistas desde que Cajal originalmente as descreveu. No início da década Figura 1 Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 30 de 1970, James Albus, do Centro de Vôo Espacial Goddard, em Greenbelt, Maryland, sugeriu uma maneira pela qual esse arranjo poderia servir ao aprendizado motor. Ele propôs (1) que os impulsos aferentes das fibras trepadeiras fornecem sinais de erro, indicando que um movimento falhou em relação às expectativas, e (2) que as correções são feitas pelo ajuste na efetividade das conexões (ou sinapses) das fibras paralelas na célula de Purkinje. A idéia de que o aprendizado motor seja possibilitado pela plasticidade da sinapses entre as fibras paralelas e a célula de Purkinje fora, na verdade, proposta poucos anos antes por David Marr, então na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Aquilo que agora é chamado de teoria de Marr-Albus do aprendizado motor prediz especificamente que haverá plasticidade na sinapse da fibra paralela somente se essa estiver ativa ao mesmo tempo em que impulsos nervosos chegam pela fibra trepadeira à célula de Purkinje pós-sináptica. Depressão de Longa Duração no Córtex Cerebelar Masao Ito e seus colegas, da Universidade de Tóquio, testaram diretamente a predição da teoria de Marr-Albus. Para monitorar a efetividade da sinapse da fibra paralela na célula de Purkinje, eles aplicaram estímulos elétricos breves às fibras paralelas e mediram os PEPS na célula de Purkinje. A seguir, visando a induzir a plasticidade sináptica, estimularam concomitantemente as fibras trepadeiras e as fibras paralelas. O mais notável foi que, após esse procedimento de emparelhamento, eles observaram que a ativação apenas das fibras paralelas levou a uma resposta pós- sináptica menor na célula de Purkinje. Esse tipo de modificação pode durar pelo menos uma hora e, por isso, foi denominada depressão de longa duração, ou LTD (Figura 2). Uma propriedade importante da LTD é que ela ocorre apenas nas sinapses das fibras paralelas que estão ativas ao mesmo tempo que as fibras trepadeiras. Outras sinapses de fibras paralelas que não eram estimuladas em conjunto com as fibras trepadeiras não apresentavam a plasticidade. Essa propriedade, de que apenas os aferentes ativos mostram plasticidade sináptica, é chamada especificidade à entrada (ou à aferência). Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 31 Podemos imediatamente perceber as similaridades entre a LTD cerebelar e o condicionamento clássico na Aplysia. Na Aplysia existe uma modificação sináptica sinapse-específica, quando a atividade pré-sináptica no axônio sensorial (evento 1) ocorre ao mesmo tempo que a estimulação do terminal do axônio sensorial com serotonina (evento 2). No córtex cerebelar, existe uma modifi- cação sinapse-específica quando a ativação da sinapse fibra paralela – célula de Purkinje (evento 1) ocorre ao mesmo tempo que a despolarização promovida pela fibra trepadeira na célula de Purkinje pós- sináptica (evento 2). O sítio de convergência dos eventos 1 e 2 é diferente, entretanto, nos dois sistemas. Na Aplysia, a convergência ocorre no terminal axônico pré-sináptico, enquanto no córtex cerebelar a convergência aparentemente ocorre no dendrito da célula de Purkinje. Obviamente, outra diferença é a natureza da mudança sináptica. Após o condicionamento clássico, a sinapse sensorial-motora torna-se mais efetiva, enquanto que, após o emparelhamento da atividade das fibras paralelas e trepadeiras, a sinapse fibra paralela-célula de Purkinje torna-se menos efetiva. Assim como para a Aplysia, devemos agora perguntar qual parte da sinapse fibra paralela-célula de Purkinje está modificada. Lembre-se que na Aplysia as modificações incluiam alterações pré-sinápticas na liberação dos Figura 2 Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 32 neurotransmissores. No cerebelo, entretanto, descobriu-se que as modificações eram pós-sinápticas. Especificamente, descobriu-se que a LTD resulta de uma diminuição na resposta pós-sináptica ao glutamato liberado pelas fibras paralelas. O receptor glutamatérgico que medeia a transmissão excitatória nessa sinapse é chamado receptor AMPA. Estudos recentes sugerem que a célula pós-sináptica internaliza receptores AMPA após a indução de LTD, tornando, assim, a sinapse menos sensível ao glutamato. Mecanismos da LTD Cerebelar Para mostrar como a estimulação pareada das fibras trepadeiras e paralelas leva à LTD, concentremo-nos nos dendritos da célula de Purkinje, que é onde esses sinais convergem. Primeiro, o que é tão importante na ativação das sinapses das fibras trepadeiras na célula de Purkinje? Lembre-se que essa é uma aferência muito poderosa, causando um grande PEPS, que sempre estimula a célula de Purkinje a disparar um potencial de ação. Entretanto, além de ativar canais de sódio dependentes de voltagem (causando o potencial de ação), essa despolarização é suficientemente intensapara ativar canais de cálcio dependentes de voltagem na membrana dos dendritos da célula de Purkinje. Assim, a ativação de fibras trepadeiras está associada a um aumento da entrada de Ca2+ no dendrito da célula de Purkinje. Para investigar a importância desse sinal de Ca2+ na indução da LTD, um quelante de Ca2+, substância que se liga ao Ca2+ e previne aumentos na [Ca2+], foi injetado na célula de Purkinje. Esse tratamento bloqueou a LTD. Esse e outros experimentos relacionados levaram à conclusão de que o sinal crítico fornecido pela ativação da fibra trepadeira é o aumento na [Ca2+] no dendrito da célula de Purkinje. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 33 O que é tão especial na ativação das fibras paralelas? O transmissor liberado após a ativação da fibra paralela é o glutamato, e, como dissemos, um dos receptores pós-sinápticos é o receptor AMPA. O receptor AMPA é o canal que medeia o PEPS ao permitir a entrada de íons Na+ no dendrito da célula de Purkinje. Entretanto, há um segundo tipo de receptor glutamatérgico pós-sináptico para a fibra paralela. Esse é um receptor metabotrópico do glutamato, que se acopla, por meio de uma proteína G, à enzima fosfolipase C. A ativação dessa enzima leva à produção de um segundo mensageiro (diacilglicerol) que ativa a proteína cinase C (Figura 3). Figura 3 Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 34 As evidências, até hoje, indicam que a LTD é causada quando três sinais intracelulares ocorrem ao mesmo tempo: um aumento na [Ca2+]i devido à ativação das fibras trepadeiras, um aumento na [Na+]i devido à ativação do receptor AMPA e a ativação da proteína cinase C devida à ativação do receptor metabotrópico. O que precisamente acontece a partir daí ainda está sendo investigado, mas certamente envolve a fosforilação de proteínas, incluindo uma subunidade do receptor AMPA, chamada GluR2, pela proteína cinase C. O resultado final é uma diminuição no número de receptores AMPA na membrana pós-sináptica. Nesse modelo, o aprendizado ocorre quando aumentos na [Ca2+]i e na [Na+]i coincidem com a ativação da proteína cinase C. A memória acontece quando canais AMPA são internalizados e correntes excitatórias pós-sinápticas são reduzidas. Figura 4 Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 35 Se agora fizermos um “ato de fé” e supusermos que a LTD tenha um papel no aprendizado motor (algo ainda não-demonstrado), veremos o seguinte: 1. O aprendizado e a memória podem resultar de modificações na transmissão sináptica. 2. A conversão da atividade neural em segundos mensageiros intracelulares pode disparar modificações sinápticas. 3. As memórias podem resultar de alterações em proteínas sinápticas preexistentes. 3. Conhecer as vias e mecanismos fisiológicos de memoria e aprendizado 3.1 Fases ou Elementos básicos da Memória Codificação: captar, adquirir e codificar informações. Usando a metáfora de uma biblioteca (ou de um arquivo eletrônico) para a memória, a fase de codificação corresponde à escrita de um livro em papel ou em arquivo eletrônico (AE). A codificação ocorre quando, ao vermos uma coisa pequena, de uns 10 centímetros, coberta de uma capa colorida (penas), com cabeça, corpo e patinhas, que se move e canta, denominamos de passarinho. A informação codificada semanticamente na palavra “passarinho” passará, assim, a ser arquivada, já tendo sido codificada. A codificação é o processo inicial da memorização. Ela depende muito da atenção. Lembrança é a capacidade de acessar elementos no banco da memória de longo prazo. Reconhecimento é a capacidade de identificar uma informação apresentada ao sujeito com informações já disponíveis na memória de longo prazo. Esquecimento, por sua vez, é a denominação que se dá à impossibilidade de evocar e recordar. Armazenamento: reter as informações de modo fidedigno. A fase de armazenamento implica a classificação do livro (ou do AE) e sua colocação em uma determinada estante (ou pasta), assim como a conservação desse livro nessa estante (protegendo-o do sol e da chuva) ou na memória do computador. Por fim, a fase de evocação, ou recuperação, significa poder acessar o livro na estante (ou o AE, no computador) e poder lê-lo da melhor forma possível. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 36 Recuperação ou evocação: também denominada de lembranças ou recordações; é fase em que as informações são recuperadas para distintos fins. A evocação, a capacidade de acessar os dados fixados, seria a etapa final do processo de memória. Nesta há ainda dois aspectos distintos: a disponibilidade e a acessibilidade da informação. Às vezes, tentamos lembrar o nome de uma pessoa, sentimos que esse nome está “na ponta da língua”, sabemos qual a primeira sílaba, se o nome é curto ou longo, mas o nome inteiro “não vem” (“fenômeno da ponta da língua”). Nesse caso, a informação ainda está disponível em nossa memória de longo prazo, mas não está, no momento exato que queremos lembrar, acessível para nós. Atualmente, os estudos psicológicos e neurocientíficos sobre a memória psicológica indicam que o processo de memorização (codificação, armazenamento e futura evocação) de novos elementos da memória depende de: Nível de consciência e estado geral do organismo: o indivíduo deve estar desperto, não muito cansado, calmo, em bom estado geral, para que a memorização ocorra da melhor maneira possível. Atenção focal: diz respeito à capacidade de manutenção de atenção concentrada sobre o conteúdo novo a ser fixado. Informações novas entram na memória de longo prazo principalmente quando se presta bastante atenção durante o aprendizado. Organização e distribuição temporal: diz respeito a distribuir, no processo de aprendizado de novas informações, as tentativas de aprendizado ao longo de um período de tempo mais longo e cadenciado; é melhor praticar “pouco e sempre” do que tentar memorizar e aprender tudo apressadamente, em um único dia (p. ex., no dia antes da prova). Interesse e colorido emocional: relaciona-se às informações a serem fixadas, assim como ao empenho do indivíduo em aprender (vontade e afetividade). Conhecimento anterior: elementos já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos, principalmente quando se articulam os novos conhecimentos a informações, classificações e esquemas cognitivos já bem assentados, formando uma cadeia de elementos mnêmicos. Capacidade de compreensão do significado da informação: buscar entender o significado da informação ou conhecimento que se está tentando aprender é de Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 37 fundamental ajuda para a memorização. Se a informação não tem um significado particular (é algo aleatório), então é útil atribuir-lhe um significado arbitrário. Estabelecimento de um contexto rico e elaborado: o contexto e as circunstâncias associadas à informação que se quer memorizar têm papel central na eficácia da memorização. Codificação da informação nova em mais de uma via: para o armazenamento mais eficaz de uma informação nova, quanto maior for o número de canais sensoriais e dimensões cognitivas distintas, mais eficaz será a fixação. Por exemplo, se a informação for uma palavra, deve-se buscar associar uma imagem visual; se for visual, deve-se buscar associar uma palavra. Com isso, são criados mapas mentais, que colaboram para o armazenamento eficaz. Sabe-se que os mecanismos celulares da memória envolvem as sinapses. Em relação à memória de trabalho, ocorre urna excitação prolongada das espinhas dendríticas das sinapses da área pré-frontal. Entretanto, essa excitação permanece por pouco tempo, como é característico da memória de trabalho. Mas, o que ocorre nas sinapses no caso da memória de longa duração, que pode ficar armazenada em neurônios durante vários anos? Já se sabia que a consolidação da memória de longa duração depende da síntese de proteína, mas o que realmente acontece? Curiosamente, a resposta a esta indagação foi obtidacom os estudos feitos em um molusco marinho, a Aplysia, cujo sistema nervoso muito simplificado permitiu análise dos processos de aprendizagem e de memórias não declarativas em neurônios. Os resultados obtidos na Aplysia pelo grupo de neurocientistas liderados por Kandel podem ser generalizados para a memória de longo prazo do homem. Nos neurônios relacionados com a memória ocorrem complexas reações bioquímicas, envolvendo uma cascata de segundos-mensageiros, ao final das quais há ativação de alguns genes que determinam a transcrição de proteínas utilizadas na formação de novas sinapses ou na ampliação da área da membrana pré-sináptica. Assim, na consolidação da memória na Aplysia, o número de sinapses dobra, podendo diminuir, com o tempo, na etapa do esquecimento. O mesmo fenômeno ocorre na consolidação das memórias de curto e longo prazo em mamíferos, como pode ser avaliado pelo aumento do número de espinhas dendríticas. Assim, a consolidação da memória decorre da plasticidade sináptica. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 38 Sabe-se, hoje, que novos neurônios também proliferam na formação hipocampal, inclusive no homem - entretanto, esses neurônios morrem depois de algum tempo. A hipótese mais aceita para explicar este fato é que cada novo neurônio estaria ligado a uma nova memória. Depois de algum tempo, quando a memória já estiver consolidada e transferida para o neocórtex, o novo neurônio desapareceria. Hebb e o grupamento de células A Organização do Comportamento, Hebb propôs que a representação interna de um objeto consiste em todas as células corticais que são ativadas pelo estímulo externo. Hebb designou esse grupo de neurônios ativados simultaneamente de grupamento de células. Hebb imaginou que todas essas células estavam reciprocamente interconectadas. A representação interna do objeto era mantida na memória de curto prazo enquanto houvesse reverberação da atividade através das conexões do grupamento de células. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 39 Hebb posteriormente elaborou a hipótese de que, se a ativação do grupamento de células persistisse suficientemente, a consolidação ocorreria por um “processo de crescimento”, que tornaria essas conexões recíprocas mais eficientes, isto é, neurônios que disparam juntos formariam um circuito preferencial juntos. Subseqüentemente, se apenas uma fração das células do grupamento fosse ativada por um estímulo posterior, as agora poderosas conexões recíprocas fariam com que todo o grupamento se tornasse ativo novamente, assim evocando toda a representação interna do estímulo externo – nesse caso, um círculo. 3.2 O que influencia a Consolidação da memória 1. Neurogênese - Relacionada ao fator da idade, na 1ª infancia é onde existe a maior capacidade e pontencial para o desenvolvimento de novos neuronios do tecido nervoso. Pode depender também da localidade, a ação do hipocampo é de suma importancia. Há também os habitos sociais e alimentares. 2. Neuroplasticidade - capacidade de repouso e de economia energética = horas de sono 3. Estudos de humor/emoções - será de mais fácil aprendizado algo que é atrativo e estimulante mentalmente a cognição (comparados a traumas) - trata-se de uma atração sensorial e afetivamente no processo de ensino e aprendizado (contando com o aumento do processo de serotonina, dopamina, cortisol). 4. Exercícios cognitivos - engajamento de atividades mentais que promovam o exercício interdisciplinar, sem uma área exclusiva. 5. Repetição - reforço das sinapses - repetição de ações, leituras, atividades. 6. Ambiente. Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 40 3.3 A Localização das Memórias Declarativas no Neocórtex De acordo com Hebb, se um engrama baseia-se em informação oriunda de apenas uma modalidade sensorial, deveria ser possível localizá-lo dentro das regiões do córtex que servem a essa modalidade. Por exemplo, se o engrama baseia-se apenas em informação visual, então esperaríamos que ele estivesse localizado no córtex visual. Estudos de discriminação visual em macacos são consistentes com essa proposta. Como nos experimentos de Lashley, subentende-se que a memória para a tarefa está armazenada no córtex. No caso de uma tarefa específica para a visão, entretanto, a memória parece ser armazenada em uma área visual de ordem superior. Dito de outra forma, o córtex inferotemporal seria, ao mesmo tempo, uma área visual e uma área de armazenamento da memória. Evidências adicionais de que o córtex inferotemporal esteja envolvido no armazenamento de certos tipos de memória vêm de experimentos fisiológicos, em que são examinadas as propriedades de resposta de neurônios individuais. Por exemplo, registros feitos em neurônios IT sugerem que esses possam codificar memórias de faces. A Síndrome de Korsakoff Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 41 vidências adicionais para um papel do diencéfalo na memória provêm da síndrome de Korsakoff. Normalmente resultado de alcoolismo crônico, a síndrome de Korsakoff caracteriza-se por confusão, confabulações, déficits graves de memória e apatia. Como resultado de uma subnutrição, alcoolistas podem desenvolver deficiência de tiamina, que pode levar a sintomas como movimentos anormais dos olhos, perda da coordenação e tremores. Essa condição pode ser tratada com suplementação de tiamina. Se não for tratada, a deficiência de tiamina pode levar a danos estruturais irreversíveis no encéfalo, que não respondem a tratamento com tiamina. Esses danos estruturais produzem a síndrome de Korsakoff. Embora nem todos os casos de síndrome de Korsakoff estejam associados a lesões nas mesmas partes do encéfalo, usualmente encontram-se lesões no tálamo dorsomedial e nos corpos mamilares. Além de amnésia anterógrada, a síndrome de Korsakoff pode envolver amnésia retrógrada mais grave do que aquela observada em N.A. e H.M. Não há uma forte correlação entre a gravidade da amnésia anterógrada e da amnésia retrógrada na síndrome de Korsakoff. Isso é consistente com os demais estudos de amnésia que discutimos, sugerindo que os mecanismos envolvidos na consolidação (prejudicados na amnésia anterógrada) são bastante diferentes dos processos utilizados para a evocação de memórias (prejudicados na amnésia retrógrada). Com base em um pequeno número de casos como o de N.A., pesquisadores suspeitam que a amnésia anterógrada associada a lesões diencefálicas resulta de danos no tálamo e nos corpos mamilares. Embora não esteja claro exatamente qual lesão seja a responsável pela amnésia retrógrada exibida por pacientes de Korsakoff, esses apresentam, por vezes, além das lesões diencefálicas, lesões no cerebelo, tronco encefálico e neocórtex. Doença de Alzheimer Trata-se de uma doença degenerativa que acomete pessoas idosas, na qual ocorrem graves problemas de memória. Há perda gradual da memória operacional e de curta duração. O paciente começa a ter dificuldade com a memória recente de fatos ou compromissos ocorridos no dia. Evolui gradativamente para comprometimento da memória de longa duração, a ponto de se esquecer do nome dos familiares e apresentar desorientação no tempo Tutoria 6 - Memória e Aprendizagem - Leticia Dias 42 e espaço. Na fase mais avançada há uma completa deterioração de todas as funções psí- quicas, com amnésia total. De modo geral, a doença se inicia com uma degeneração progressiva dos neurônios da área entorrinal, que constitui a porta de entrada das vias que, do neocórtex, se dirigem ao hipocampo. Desse modo, essas lesões gradualmente levam a um total isolamento do hipocampo, com consequências sobre a memória que equivalem às que vimos acima para os casos de ablação do hipocampo. Há também perda dos neurônios colinérgicos do Núcleo Basal de Meynert, o que leva à perda das projeções modulatórias colinérgicas de praticamente todo o córtex cerebral. Microscopicamente nos neurônios, observa-se um emaranhado neurofibrilar e placas
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