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Introdução à parasitologia geral

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Introdução à parasitologia geral.
Parasitologia é a ciência que estuda uma relação ecológica entre dois seres vivos de espécies diferentes. Nesta relação de parasitismo, que é dita desarmônica, um dos seres vivos sai sempre prejudicado. Este ser é chamado de hospedeiro, enquanto o ser beneficiado é chamado de parasito. De acordo com Odum (2012), o inter-relacionamento entre os seres vivos é fundamental para a manutenção da "vida", uma vez que nenhum ser vivo é capaz de sobreviver e reproduzir independentemente de outro. O inter-relacionamento entre os seres vivos e entre estes e o ambiente são a base do estudo da Ecologia.
Então, seguindo essa linha de raciocínio, você perceberá que um vírus é considerado um ser parasito, assim como muitas bactérias e fungos. Estes são tratados na Microbiologia, uma vez que estão didaticamente separados de outros estudados na Parasitologia, que são pertencentes ao grupo dos artrópodes, dos helmintos (vermes) e dos protozoários. Essa relação de parasitismo, ocasionada pela associação dos humanos e outros vertebrados com artrópodes, helmintos e protozoários, é a que nós vamos tratar e conhecer mais a fundo a partir de agora.
 
Além de vivenciarmos o parasitismo sem, às vezes, percebermos, nós já iniciamos o seu estudo desde a idade escolar, nas Ciências e na Biologia, quando estudamos a "lombriga", a "xistose".... E aí, alguns já vão logo pensando erroneamente que é difícil e, por isso, podem ter se perguntado: qual é a melhor forma de estudar parasitologia? Pense que os parasitos podem lhe causar uma doença. E você, certamente, já foi ao médico por alguma causa. Então, é só seguir a seguinte sequência lógica dos fatos para criar uma linha de raciocínio no estudo da parasitologia, que é interdisciplinar, considerando todos os seus aspectos:
FIGURA 1 - Sequência de raciocínio para o estudo e compreensão das doenças parasitárias
  
Fonte: Elaborada pela autora. 
  
 
Ainda nos dias de hoje, as doenças parasitárias apresentam grande importância para a saúde pública mundial. Por isso, a parasitologia apresenta abordagens em diferentes níveis, buscando compreender a biologia do parasito, o desenvolvimento das doenças e sua importância para a saúde pública, as técnicas diagnósticas, os tratamentos e as medidas profiláticas mais adequadas às diferentes parasitoses. E, para alcançar essa melhor compreensão da relação parasito-hospedeiro, os parasitologistas utilizam, cada vez mais, técnicas de alta complexidade, como a engenharia genética e a biologia molecular. Isso tem permitido o desenvolvimento de novas vacinas, medicamentos e estratégias de diagnóstico e controle na verdadeira batalha pela interrupção da cadeia de transmissão das doenças parasitárias. 
Conceitos básicos em parasitologia  
  
Antes de aprofundarmos na Parasitologia, notamos que ela é uma ciência interdisciplinar. Quer ver só? Vamos fazer uma reflexão: como os parasitos podem causar doenças, pense em uma consulta médica de um paciente que esteja infectado por um verme intestinal, como o Ascaris lumbricoides (lombriga). Imagine toda a cena. Primeiro o paciente sentiu, possivelmente, dor abdominal e teve diarreia. No consultório, o médico faz a anamnese, que é aquela entrevista inicial. Ele vai pesquisar diversos pontos e perguntar ao paciente quais são suas queixas, apalpar o abdome no exame físico, buscar por manchas esbranquiçadas na pele (definição do quadro clínico mediante o levantamento dos sintomas e sinais); os hábitos alimentares; a idade, o tipo de ocupação; os hábitos higiênicos e o local onde vive e frequenta; o saneamento etc. (levantamento de dados relacionados à epidemiologia da enteroparasitose). Em seguida, solicitará que o paciente faça exames laboratoriais, como o de fezes, no caso, para a confirmação da suspeita por ele levantada. Em casa, o paciente deverá obedecer a todos os cuidados para fazer a correta coleta da amostra e garantir o sucesso do exame. Tendo em mãos o laudo laboratorial com o resultado positivo para a infecção, o médico prescreverá o fármaco para matar o verme (tratamento) e ainda deverá esclarecer ao paciente sobre qual agente infeccioso ele adquiriu (biologia parasitária), como adquiriu (via de infecção) e orientá-lo sobre quais medidas de profilaxia serão indispensáveis para evitar reinfecções (educação em saúde).
Você já pode perceber, então, quão importante e próximo de nós está o parasitismo? Você já teve curiosidade de ler um laudo médico ou um pedido de exame? Como é da área de saúde, já acessou o guia de doenças infecciosas e parasitárias do Ministério da Saúde por algum motivo? Percebeu a linguagem empregada? Somente por essa "conversa" inicial, já percebeu que a Parasitologia, assim como as outras disciplinas, emprega um vocabulário próprio para a sua compreensão. Logo, para nosso maior aproveitamento e entendimento da relação de parasitismo, frequentemente empregaremos termos técnicos da nossa área da saúde. E é assim que todo profissional vai formando e ampliando o seu vocabulário.
A interface entre a Parasitologia e outras disciplinas (Ecologia, Imunologia, Farmacologia, Patologia, Epidemiologia etc.) se faz necessária, assim como o conhecimento dos termos básicos utilizados nela, conforme apresentam Rey (2001) e Neves (2011):
- Agente etiológico: é o ser vivo causador ou responsável pela origem da doença. 
- Agente infeccioso: parasitos (Ex: bactérias, fungos, protozoários, helmintos e vírus) capazes de produzir infecção ou doença infecciosa. 
- Antroponose: doença exclusiva de humanos. Ex: filariose bancroftiana, necatorose etc. 
- Endoparasitos: parasitos que vivem dentro do corpo do hospedeiro. Ex: Taenia sp. e Schistosoma mansoni.  
- Ectoparasitos: parasitos que vivem na superfície externa do corpo do hospedeiro. Ex: Pediculus sp. (piolho). 
- Endemia: prevalência usual de determinada doença, com relação a uma área, cidade, estado ou país. Representa o número esperado de casos em uma população, em determinado período de tempo. Ex: no ano de 2016, foi esperada uma média de 20 casos de leishmaniose visceral humana (LVH) em Belo Horizonte, Minas Gerais. Essa média de casos é baseada na série histórica de casos de LVH nessa cidade. 
- Epidemia: ocorrência muito elevada de determinada doença, com relação a uma área, cidade ou país. Representa o número muito acima do esperado de casos em uma população, em determinado período de tempo. Ex: para o ano de 2016, foi esperada uma média de 20 casos de leishmaniose visceral humana (LVH) em Belo Horizonte, Minas Gerais. Caso ocorra um número muito acima de 20 casos (Ex: 50 casos), pode ser considerada uma epidemia de LVH em Belo Horizonte. 
- Epidemiologia: é o estudo da distribuição (por idade, sexo, geografia etc.) e dos fatores determinantes da frequência (tipo de patógeno, meio de transmissão, ambiente etc.) da doença. Em resumo: a epidemiologia estuda os fatores responsáveis pela existência ou aparecimento de uma doença. Exemplo: deve-se estudar, na epidemiologia da esquistossomose no Brasil, a idade, o sexo, a distribuição geográfica dos vetores e as condições dos seus criadouros, os hábitos dos brasileiros etc. 
- Fase aguda: é a fase da doença que surge logo após a infecção. Nesta fase, os sinais e sintomas clínicos costumam ser mais nítidos (febre alta, parasitemia elevada etc.). É um período de definição: o paciente se cura ou evolui para a fase crônica, ou morre. 
- Fase crônica: é a fase que se segue à fase aguda, na qual o paciente apresenta sintomas mais discretos quando houver um certo equilíbrio entre o hospedeiro e o agente etiológico. Usualmente, a resposta imunológica é bem elevada. 
- Hospedeiro: organismo que alberga o parasito. Ex: o ser humano é um dos hospedeiros vertebrados do Schistosoma mansoni.  
- Hospedeiro definitivo: apresenta o parasito em sua fase de maturidade ou em fase de reprodução sexuada. Ex: os hospedeiros definitivos da Taenia saginata e do S. mansoni são os seres humanos. 
- Hospedeiro intermediário: é aquele que apresenta o parasito em sua fase larváriaou quando o parasito se reproduz assexuadamente. Ex: os caramujos Biomphalaria são os hospedeiros intermediários do S. mansoni; os seres humanos são os hospedeiros intermediários do Plasmodium, protozoário causador da malária. 
- Hospedeiro paratênico ou de transporte: hospedeiro intermediário, no qual o parasito não sofre desenvolvimento ou reprodução, mas permanece viável até atingir novo hospedeiro para dar continuidade ao seu ciclo de vida. Ex: Hymenolepis nana em coleópteros (besouros). 
- Parasito: ser vivo de menor porte, que vive associado a outro ser vivo de maior porte, à custa ou na dependência deste. 
- Parasito facultativo: pode viver parasitando um hospedeiro, ou não. Ou seja, esse parasito é capaz de sobreviver em vida livre, sem depender de recursos de um hospedeiro. Ex: larvas de moscas da família Sarcophagidae, que podem se desenvolver alimentando-se de feridas necrosadas de pacientes (vida parasitária) ou alimentando de matéria orgânica (Ex: esterco) em decomposição (vida livre). 
- Parasito heteroxênico: possui um hospedeiro definitivo e um intermediário. Ex: S. mansoni e Plasmodium. Nos mosquitos fêmea do gênero Anopheles, o Plasmodium se reproduz sexuadamente e, no humano, esse protozoário tem reprodução assexuada. 
- Parasito monoxênico: possui apenas o hospedeiro definitivo. Ex: os vermes Enterobius vermicularis e A. lumbricoides. 
- Parasito obrigatório: é aquele que, obrigatoriamente, precisa do seu hospedeiro para nele realizar o ciclo de vida. Exemplos: Toxoplasma gondii, Plasmodium, S. mansoni, T. cruzi etc. 
- Patogenia/patogênese: mecanismo com que o parasito provoca lesões no hospedeiro. Ex: o verme Schistosoma mansoni provoca lesões no organismo do hospedeiro por meio da ação patogênica de um antígeno que ele secreta do seu ovo larvado. A ação desse antígeno provoca, como consequência, uma inflamação no hospedeiro. 
- Patogenicidade: maior ou menor habilidade de um agente etiológico em provocar lesões. Ex: Leishmania infantum, causadora da leishmaniose visceral, tem maior patogenicidade que o A. lumbricoides. 
- Patologia: doença. 
- Período de incubação: é o intervalo de tempo entre a penetração do agente etiológico e o aparecimento dos primeiros sinais e/ou sintomas clínicos. Ex: na esquistossomose mansônica, desde a penetração de cercária, até o aparecimento de inflamação na pele (dermatite), decorrem 24 horas, aproximadamente. 
- Período pré-patente: é o intervalo de tempo entre a penetração do agente etiológico e o aparecimento das suas primeiras formas detectáveis. Ex: na ascaridíase, o período entre ingestão de ovos com o agente infeccioso (larva em fase 3 do A. lumbricoides) até o aparecimento de ovos nas fezes (formas detectáveis) é de aproximadamente 60 dias. Logo, antes de mais ou menos 60 dias após a infecção, é improvável que o exame de fezes do paciente dê positivo, pois, nestes 60 dias, as larvas que eclodiram dos ovos ingeridos pelo paciente estão migrando pelo organismo dele até atingirem a luz do intestino delgado, onde se transformarão em vermes adultos e realizarão, por fim, a reprodução sexuada, gerando, então, os ovos que serão detectados pelo exame de fezes. 
- Prevalência: termo geral utilizado para caracterizar o número total de casos de uma doença ou qualquer outra ocorrência numa população e tempo definidos (casos antigos da doença somados aos casos novos adquiridos naquele período considerado). 
- Profilaxia: conjunto de medidas que visam à prevenção, ao controle ou à erradicação de uma doença. As medidas profiláticas sempre dependem dos fatores epidemiológicos. 
- Reservatório: qualquer local, planta, solo, animais e até o humano, onde vive e se multiplica um agente infeccioso, sendo vital para este a presença do reservatório para, a partir dele, ser transmitido para outros hospedeiros. Ex.: os cães são reservatórios da Leishmania infantum. 
- Vetor: artrópode, molusco ou outro veículo que transmite o parasito entre dois hospedeiros. 
- Vetor biológico: quando o agente etiológico se multiplica ou se desenvolve no vetor. Ex: o Aedes aegypti é vetor biológico do vírus da dengue porque, dentro do inseto, o vírus se multiplica, potencializando sua capacidade de causar nova infecção quando o inseto picar e injetar saliva contaminada no humano. 
- Vetor mecânico: quando o parasito não se multiplica nem se desenvolve no vetor. Este simplesmente serve de transporte ao parasito. Ex: mosca doméstica que deambula em locais contaminados por ovos de vermes, que são microscópicos, indo depositá-los sobre os alimentos. 
- Zoonoses: doenças que são naturalmente transmitidas entre humanos e outros animais vertebrados. Podem se dividir em: 
a. anfixenose: doença que circula indiferentemente entre humanos e animais. Ex: T. cruzi pode circular entre animais silvestres (gambás, roedores etc) e os seres humanos; 
b. antropozoonose: doença primária de animais e que pode ser transmitida aos humanos. Ex: brucelose, em que os humanos são infectados acidentalmente, por ingestão de leite e seus derivados contaminados; 
c. zooantroponose: doença primária do humano, seu principal reservatório, e que pode ser transmitida aos animais. Ex.: a esquistossomose mansônica no Brasil, em que os seres humanos são os principais hospedeiros, mas o verme se desenvolve em outros animais (alguns roedores, como hamster e camundongo, alguns primatas, marsupiais e bovinos).
Até aqui já vimos muitos conceitos. Vamos conferir se eles estão claros? Tente resolver a questão abaixo. 
Pulgas, moscas, carrapatos, flebotomíneos e triatomíneos (barbeiros) são exemplos de ectoparasitos capazes de causar infestações. Enquanto que A. lumbricoides, A. duodenale e L. infantum são endoparasitos, que são agentes etiológicos, portanto, de doenças infecciosas.
Os parasitos possuem grande capacidade de se adaptar a um determinado número de hospedeiros, o que influencia na sua facilidade em se dispersar por várias regiões geográficas. Considerando essa especificidade, os parasitos são divididos em:
- eurixenos: quando possuem um grande número de espécies de hospedeiros naturais, como é o caso do Toxoplasma gondii (agente etiológico da toxoplasmose), que parasita aproximadamente 300 espécies de animais entre mamíferos e aves;
- estenoxenos: quando possuem um pequeno número de hospedeiros naturais, sendo normalmente apenas uma espécie de hospedeiro, como ocorre com o Plasmodium falciparum e o verme Wuchereria bancrofti (agente infeccioso causador da filariose linfática ("elefantíase") no humano).
O protozoário causador da doença de Chagas, que apresenta ciclo heteroxênico, pode ser transmitido, entre seus vários tipos de hospedeiros mamíferos, por via oral (ingestão de alimentos contaminados com T. cruzi), por via cutânea ou mucosa, a partir das formas infectantes presentes nas fezes e/ou urina de insetos triatomíneos, que são chamados popularmente de barbeiros. Observe o ciclo biológico desse parasito na FIGURA 3:
FIGURA 3 - Ciclo biológico do Trypanosoma cruzi
  
Fonte: Modificado de https://www.invivo.fiocruz.br/chagas/doen-ciclo-trypanosoma.html   
  
Os mecanismos de transmissão das doenças parasitárias são definidos a partir da via de infecção, que é a porta de entrada do parasito no organismo do hospedeiro e pela forma de infecção, que identifica se o hospedeiro foi infectado com ou sem gasto energético pelo parasito (FIGURA 4). Conforme proposto por Rey (2001) e Neves (2011), as vias de infecção são classificadas em: oral, cutânea, mucosa ou genital. Já a forma de infecção pode ser passiva (sem gasto energético) ou ativa (com gasto energético). Desse modo, os principais mecanismos de infecção das doenças parasitárias são passivo oral (ex: Trichuris trichiura), passivo cutâneo (ex: Plasmodium), ativo cutâneo (ex: T. cruzi), ativo mucoso (ex: T. cruzi) e passivo genital (ex: Trichomonas vaginalis). Outros termos podem ser utilizados para definir o mecanismo de transmissão: transplacentário, transfusional e por transplantação. 
  
FIGURA 4 - Vias e formas de infecção utilizadaspelos parasitos  
  
 Fonte: AVELAR, 2016, p. 15. 
  
O processo de infecção não depende exclusivamente da ação do parasito. Ele depende também da junção de fatores ligados ao hospedeiro e ao ambiente ao qual ele está exposto. Todos esses fatores unidos determinarão o risco de o indivíduo adquirir um agente infeccioso. Um exemplo bem claro, visto no Brasil, é quanto ao problema do deficitário serviço de saneamento básico, que atua como um fator de risco para se adquirir parasitos intestinais ou enteroparasitos, como pode ser visto no vídeo abaixo. 
  
Vídeoaula: Fatores de risco para parasitoses intestinais 
  
  
Após completar o ciclo de desenvolvimento no seu hospedeiro, o parasito passará a ocupar um local específico no seu corpo, que será o seu habitat. Tomemos como exemplo o enteroparasito A. lumbricoides mais uma vez. Na fase adulta, ele habita a luz do intestino delgado, sendo encontrado nas porções do jejuno e íleo, principalmente. O habitat do parasito será sempre um local específico, local mais provável de encontro de determinado parasito no corpo do seu hospedeiro, devendo ser levado em consideração os diferentes habitats relacionados às diversas formas evolutivas apresentadas no ciclo biológico dos parasitos. Portanto, os parasitos não se localizam ao acaso em seus hospedeiros. Eles possuem habitats específicos, utilizando determinados segmentos anatômicos (intestino, sangue etc.) dos hospedeiros, que estão relacionados com o local em que irão obter abrigo, alimento e possibilidade de reprodução. 
  
Patogenia e doença  
  
Para obterem suas vantagens desde o primeiro contato com o organismo dos seus hospedeiros, os parasitos exercem ações patogênicas que acarretam em prejuízos a eles. A patogenia corresponde aos mecanismos lesionais desenvolvidos no organismo do parasitado, associados às agressões provocadas pela reação imunológica do hospedeiro. Como nem sempre existem manifestações clínicas frente à uma infecção (infectados assintomáticos), a doença é considerada como um estado de "desequilíbrio" na relação parasito-hospedeiro, quando as lesões provocadas pelo parasito ultrapassam a capacidade de controle do hospedeiro, provocando sinais e sintomas, ou seja, provocando um quadro clínico.
Retomemos a doença de Chagas como exemplo: após a infecção pelo T. cruzi, os humanos podem desenvolver ou não a doença. Na fase aguda da infecção, cerca de 90% dos indivíduos ou mais não apresentam qualquer sintomatologia. Mas também há casos de pessoas infectadas pelo T. cruzi, na fase crônica, que desenvolvem uma ou mais formas clínicas, como a forma digestiva e/ou a insuficiência cardíaca com cardiomegalia (aumento do coração), que podem ser graves ou até letais. Por outro lado, a maioria (até 70%) dos indivíduos se mantém completamente assintomática (não adoecem) mesmo décadas após a infecção, apresentando a chamada "forma indeterminada da doença de Chagas". 
  
 
 
Um princípio fundamental na relação parasito-hospedeiro é o de que os efeitos negativos tendem a ser quantitativamente pequenos quando a interação já é mais antiga, enquanto que as associações recentes estão mais sujeitas a desenvolver efeitos mais severos (ODUM, 2012). A seleção natural tende a levar a associação parasitária para o equilíbrio, já que a morte do hospedeiro é prejudicial para o parasito. Isso fica evidente nas interações estáveis (aquelas que vêm sendo mantidas há milhares de anos), em que há uma espoliação constante, mas insuficiente para lesar gravemente o hospedeiro.
São exemplos de relações parasitárias estáveis: T. cruzi, agente causador da Doença de Chagas, e o tatu, seu hospedeiro natural; e a menor taxa de adoecimento por malária em população residente em áreas de acentuada endemicidade. Entretanto, segundo Rey (2001) e Neves (2011), quando o ser humano se infecta pelo T. cruzi, ou quando moradores de áreas não endêmicas para a malária se infectam pelo Plasmodium, desenvolvem frequentemente essas doenças, até mesmo apresentando as formas clínicas mais graves.
Não se pode afirmar que uma pessoa desenvolveu uma doença devido a um fator, exclusivamente. Diversos fatores (ligados ao parasito, ao hospedeiro e até ao ambiente onde ele vive) interagem para determinar se a infecção de um hospedeiro será assintomática ou sintomática. Alguns desses fatores podem ser: 
- inerentes ao parasito, como a genética da sua espécie/cepa; virulência, carga parasitária, via de infecção, patogenicidade; 
- inerentes ao hospedeiro, como a idade, estado nutricional, genética, o uso de certos fármacos e o estado do seu sistema imune, que determinará a capacidade de resistência imunológica. 
Quer saber mais sobre a resposta do sistema imune humano frente à instalação de "corpos estranhos" no organismo? Sabia que há uma relação entre a gravidez e as helmintoses? Descubra mais na videoaula a seguir. 
  
Vídeoaula: Alterações imunológicas provocadas por parasitoses e sua relação com a gravidez 
  
  
A patogenia exercida pelos parasitos sobre seus hospedeiros é extremamente variável, podendo ser determinada de forma direta (provocada pelo parasito e por substâncias por ele secretadas) ou de forma indireta (provocada pela resposta do sistema imunológico do hospedeiro frente ao parasitismo). Os mecanismos de ação patogênica, segundo Neves (2011), são classificados em: 
- ação espoliativa: quando o parasito absorve nutrientes do hospedeiro. Ex: ação hematofágica (ingestão de sangue) por ancilostomídeos e fêmeas de mosquitos e de flebotomíneos; 
- ação tóxica: provocada por metabólitos produzidos pelos parasitos. Ex: reações alérgicas provocadas pelos metabólitos de A. lumbricoides e Taenia, causando prurido; 
- ação mecânica: quando os parasitos impedem o fluxo de alimento, bile ou absorção alimentar. Ex: enovelamento de A. lumbricoides na alça intestinal; 
- ação irritativa: inflamação de tecidos. Ex: o verme W. bancrofti, que habita os vasos linfáticos, causando linfangite (inflamação dos linfáticos). 
- ação traumática: provocada principalmente pela migração de larvas de helmintos (embora vermes adultos e protozoários também possam provocá-la). Ex: migração de larvas de A. lumbricoides pelo pulmão. 
- ação irritativa: quando o parasito, sem produzir lesões traumáticas, acaba irritando o local parasitado. Ex: ação das ventosas de Taenia sobre a mucosa intestinal. 
- ação enzimática: quando as lesões são provocadas por enzimas produzidas pelos parasitos. Ex.: lesões cutâneas provocadas por enzimas secretadas pelas cercárias de S. mansoni na infecção via cutânea. 
  
 
Um parasito pode exercer mais de um tipo de ação patogênica ao seu hospedeiro e essas ações patogênicas podem ser iguais ou diferentes em cada fase evolutiva em que o ele se encontra. É fundamental a compreensão dessas ações patogênicas, pois elas desencadearão, juntamente com fatores relacionados ao hospedeiro (ex: resposta do seu sistema imune frente aos antígenos do parasito), a patologia.
Veja mais exemplos de ações patogênicas dos parasitos sobre seus hospedeiros nos livros recomendados na bibliografia básica da disciplina e teste, abaixo, o quanto você está afiado (a), resolvendo esta questão. 
Apesar de profissionais de outras áreas aplicarem o termo "contaminação" indistintamente, o rico vocabulário da área da saúde faz a distinção entre este e "infecção" e "infestação": O termo contaminação é usado quando há um agente infeccioso na superfície do corpo, ou em alimentos, fluidos, roupas, ou outros objetos, como a mão de uma pessoa, que não a lavou após utilizar o banheiro e pode estar contaminada por ovos de vermes. O termo infecção é aplicado quando há penetração e desenvolvimento ou multiplicação de um agente infeccioso dentro do corpo do humano ou de outro animal. Já o termo infestação é apropriado para situações em que haja o alojamento, o desenvolvimento ou a multiplicação de artrópodes (Ex: insetos, ácaros) na superfície do corpo, nas roupas ou numa área. Logo, podemos dizer que o couro cabeludo de uma criança está infestado de piolhos ou que oabatedouro clandestino está infestado de moscas.
Aqui merecemos fazer uma pausa para uma importante reflexão: é claro que você não vai e não tem que decorar todos esses conceitos. Há muitos mais que ainda veremos ao longo da disciplina e que você também pode conhecer nos livros indicados na bibliografia. Você poderá consultá-los sempre que for preciso, pois quanto mais se estuda e pratica, mais sedimentados eles se tornam.
Você percebeu como é mais fácil compreender os termos usando exemplos e/ou situações nas quais podemos aplicá-los? É assim que devemos estudar Parasitologia, sempre pensando nos exemplos e seguindo a linha de raciocínio exemplificada na dica dada no início desta unidade. Seguindo um raciocínio e tomando exemplos, tudo passa a fazer sentido para nós, pois o aprendizado se torna significativo, ficando bem mais simples a compreensão. Logo, mesmo que em alguma passagem da nossa disciplina você "não veja um exemplo claramente", pense na aplicação daquele conhecimento. Combinado? Vamos continuar, então?
A relação parasito-hospedeiro
Para praticar a aplicação dos termos, leia o texto abaixo, que introduz o conteúdo que trata da relação parasito-hospedeiro.
Um bom exemplo de doença que ilustra a relação de parasitismo é a ascaridíase. Na ascaridíase, o Ascaris lumbricoides exerce a ação patogênica espoliativa, pois ele espolia, ou seja, "rouba" os nutrientes presentes na luz do intestino delgado dos humanos, podendo, aliado a outros fatores, provocar desnutrição. Com essas informações, podemos afirmar que o A. lumbricoides é o parasito, enquanto os seres humanos são hospedeiros. Todo parasito possui seu ciclo biológico (ou ciclo de vida) (FIGURA 2), que corresponde às etapas necessárias para o seu completo desenvolvimento e para que ele alcance seu estágio reprodutivo. Comparativamente, é como o ciclo de vida de um ser humano, que compreende várias fases de desenvolvimento (ou formas evolutivas): existe a fase embrião, o desenvolvimento fetal, o bebê, a criança, depois o humano atinge a puberdade, a fase adulta e, por fim, como todo ser vivo, ao alcançar sua longevidade máxima, chegará à morte, cumprindo assim seu ciclo de vida.
Repare que, em cada fase do ciclo biológico do humano, ele apresenta características morfológicas e fisiológicas diferentes, mas é sempre um ser humano (sempre espécie Homo sapiens, mesmo quando era um embrião). O mesmo corre com todo ser parasito. Mesmo que ele esteja na fase de embrião dentro do ovo, ou na fase de larva, ou o verme já na fase adulta, por exemplo, ele será sempre um verme daquela espécie definida. Logo, você foi um ser humano (H. sapiens) quando na fase de embrião e ainda o é na sua fase adulta. Esse raciocínio é válido para todo ser vivo, independentemente da fase em que ele se encontra no seu ciclo biológico.
Diferentemente do ser humano, que é um animal de vida livre, para que o ciclo de vida do parasito se complete, ele necessita, obrigatoriamente, dos hospedeiros (exceto no caso dos parasitos facultativos). Alguns parasitos precisam apenas de um hospedeiro (ciclo biológico monoxênico (FIGURA 2)), enquanto outros necessitam de dois ou mais hospedeiros (ciclo biológico heteroxênico (FIGURA 3)) para completarem seu ciclo. Esses tipos de ciclos biológicos podem ser observados respectivamente para o verme Ancylostoma duodenale (causador da ancilostomose intestinal), que necessita apenas de um ser humano para completar o seu ciclo biológico, que é monoxênico. Já no caso da Leishmania infantum (causadora da leishmaniose visceral), esta apresenta ciclo heteroxênico, usando cães e insetos flebotomíneos para neles se desenvolver e multiplicar.
FIGURA 2 - Ciclo biológico do Ascaris lumbricoides
Questao de estudo
Os parasitos obrigatórios necessitam de hospedeiros para realizarem seu ciclo biológico, podendo este ser de dois tipos: ciclo monoxêno e ciclo heteroxêno. Os hospedeiros desses parasitos podem ser tanto animais invertebrados quanto vertebrados, sendo que estes, a depender do tipo de ciclo, podem ser classificados como hospedeiros definitivos ou como hospedeiros intermediários. O ciclo biológico ou de vida dos parasitos corresponde à sequência natural das fases do seu desenvolvimento e de transmissão.
Assinale a alternativa que correponde à definição de ciclo heteroxênico.
 - Ciclo de vida do parasito que exige dois hospedeiros, sendo um definitivo e outro intermediário.
Na relação de parasitismo, os hospedeiros "não ficam esperando, de braços cruzados", que os parasitos "façam o seu trabalho". Nas interações com seus parasitos, os hospedeiros desenvolvem e põem em atividade estratégias que são extremamente complexas. Os vertebrados possuem sistemas imunes altamente especializados, que podem rapidamente responder à infecção, e ainda desenvolver memória imunológica. Já os invertebrados (ex: caramujo, hospedeiro intermediário do S. mansoni), embora não desenvolvam memória imunológica, possuem sistemas de reconhecimento de infecções capazes de destruir as partículas estranhas (antígenos).
Um dos mecanismos mais relevantes no estabelecimento de uma infecção parasitária é o modo de interação do parasito com o sistema imune do hospedeiro e a resposta imunológica gerada.
Tanto a resposta imunológica protetora, quanto a eliminação dos parasitos ficam prejudicadas devido à complexidade dos ciclos biológicos dos parasitos. Segundo Coelho-Castelo et al. (2009), os parasitos multicelulares (helmintos como o S. mansoni etc), apresentam superfícies espessas altamente resistentes ao ataque do sistema imune, enquanto que os parasitos unicelulares (como os protozoários Plasmodium, Leishmania etc), normalmente se desenvolvem no ambiente intracelular, dificultando a ação do sistema imune dos hospedeiros e provocando sucessivas infecções ou a cronicidade das doenças.
Entre os mecanismos de resposta imunológica, destacam-se a inata - composta por mecanismos de resistência que se comportam da mesma forma, independente do parasito e que não gera memória imunológica - e a adquirida ou adaptativa - caracterizada pela memória imunológica determinada pela participação do sistema linfocitário. Vale ressaltar que os dois mecanismos de memória imunológica (inata e adquirida) atuam de forma integrada.
São considerados mecanismos de resistência inata (inespecíficos):
- tegumento cutâneo: atua como barreira mecânica e química, impedindo ou dificultando a penetração de agentes parasitários, seja fisicamente, pela própria estrutura e presença de pelos, seja quimicamente, pela característica ácida da pele humana;
- mucosas: atuam principalmente como barreira química, pela grande variedade de produtos liberados nas cavidades mucosas, como ácido clorídrico, enzimas digestivas, mucina, sais biliares e suco pancreático, que atuam na degradação de grande número de microrganismos;
- células fagocíticas e células matadoras naturais (NK): especializadas na defesa do hospedeiro contra antígenos, sendo representadas por neutrófilos, eosinófilos, macrófagos e NK;
- resposta inflamatória: tem ação local, caracterizada por uma sequência de fenômenos irritativos, vasculares, exsudativos, degenerativo-necróticos e de reparo;
- sistema complemento: sistema enzimático, ativado pela ação de anticorpos das classes IgM e IgG, ou pela ação de substâncias químicas ativadoras.
Rey (2001) e Abbas et al. (2015) defendem que os mecanismos de resistência específicos se caracterizam pela ação de linfócitos T e B, com o desenvolvimento de memória imunológica, sendo fundamental para o controle das infecções parasitárias.
Embora se saiba que, no parasitismo, o parasito é beneficiado enquanto que o hospedeiro é prejudicado, existem, na literatura científica, discussões sobre potenciais benefícios do parasitismo para os hospedeiros. Veja mais sobre esse assunto na notícia abaixo:
Lombriga aumenta fertilidade das mulheres, diz estudo
Pesquisa de nove anos com 986 índias na Bolívia relacionou infecção permanente por Ascaris lumbricoides a aumento no número de filhos e menor intervalo entre gestações.Pesquisadores conduziram um estudo com cerca de 986 índias Tsimané, na Amazônia boliviana, que comprova a ligação da infecção por A. lumbricoides (lombriga) com um maior número de filhos por mulher. De acordo com o estudo feito na tribo Tsimané, onde 70% da população possui infecções de vermes parasitas, as mulheres infectadas tiveram, em média, dois filhos a mais do que as não infectadas; além disso, o espaço de tempo entre uma gravidez e outra, e até a idade da primeira gravidez, também diminui consideravelmente nas índias infectadas.
A teoria dos pesquisadores defende que a doença altera o sistema imunológico do organismo, de forma a facilitar a gravidez. Se essa conclusão for comprovada, novos medicamentos usados para infertilidade poderão ser desenvolvidos.
Por outro lado, vermes nematódeos (vetores da ancilostomose, ou o famoso "amarelão") causam o efeito contrário, estimulando a infertilidade e refletindo em até três filhos a menos, ao longo da vida fértil da mulher. Dentre as hipóteses levantadas para esse resultado, a anemia gerada por essa infecção é a mais provável de ser comprovada.
Mais pesquisas sobre os sistemas imunológicos de mulheres infectadas por A. lumbricoides devem ser conduzidas para que se possa, de fato, começar a fabricação de novas drogas para tratamentos de fertilidade, como fertilizações in vitro.
Fonte: Adaptado de: LOMBRIGA aumenta fertilidade das mulheres, diz estudo. 20 nov. 2015. In: Site "G1" Ciência e Saúde. Disponível em:
<https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/11/lombriga-aumenta-fertilidade-das-mulheres-diz-estudo.html>. Acesso em: 26 jan. 2016.
Adaptações para a vida parasitária
Como foi visto anteriormente, o parasito exerce as ações patogênicas para obter suas vantagens, enquanto o hospedeiro tenta combatê-lo com a ação do seu sistema imune. Então, é travada a "batalha" entre o parasito e o hospedeiro, em prol da convivência de ambos, mediante o estabelecimento de um estado de equilíbrio na relação ecológica do parasitismo.
Então, parasito e hospedeiro, ao longo de sua coevolução (evolução conjunta), foram desenvolvendo mecanismos para se adaptarem à convivência. Da mesma forma que os hospedeiros desenvolveram mecanismos imunes para tentar combater os parasitos, os parasitos também tiveram que desenvolver mecanismos para continuarem na situação de parasitismo que lhes é obrigatória.
Segundo Abbas (2015), ao longo da evolução, muitos parasitos desenvolveram mecanismos de escape do sistema imune, principalmente da resposta imune adaptativa. Esses mecanismos de escape envolvem: a supressão da resposta imune do hospedeiro, o alojamento em órgãos ou células que são inacessíveis ao ataque imune, a rápida troca de membrana externa corporal, a variação antigênica e a determinação de imunodeficiência no hospedeiro.
No escape do parasito ao sistema imune, o Plasmodium se aloja, em uma etapa do seu ciclo biológico, dentro das hemácias do humano. Isso porque, uma vez que as hemácias não expressam moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) de classe I ou II, o protozoário fica, então, invisível às ações do sistema imune. O MHC é uma região genômica que expressa, na superfície das células, proteínas próprias do organismo e proteínas de organismos invasores (ex: parasitos).
Os parasitos desenvolveram especializações que os capacitaram a sobreviver mesmo sob a ação do sistema imune dos hospedeiros. E, segundo Rey (2001) e Neves (2011), o sucesso do parasitismo está diretamente relacionado a essas adaptações, que estão demonstradas a seguir:
- morfológicas: caracterizadas por degenerações (perda ou atrofia de órgãos locomotores, aparelho digestivo etc., como Taenia spp. que não possui tubo digestório) ou por hipertrofia (encontrada principalmente em órgãos de fixação, resistência ou proteção e na reprodução, como nos ancilostomídeos machos, que apresentam bolsa copulatória, ou na alta capacidade de reprodução, presente em vários tipos de parasitos (Ex: a T. saginata adulta é hermafrodita). Após a fecundação, ocorre a involução das estruturas do seu sistema reprodutor masculino, para haver espaço suficiente, na proglote grávida, para comportar até 26 ramificações uterinas hipertrofiadas, que comportam até 160 mil de ovos infectantes. (FIGURA 5)).
- biológicas: fisiologicamente, os parasitos possuem alta capacidade reprodutiva, com grande produção de ovos, cistos ou outras formas infectantes. Podem apresentar diversos tipos de reprodução (hermafroditismo, partenogênese, poliembrionia, esquizogonia etc.); capacidade de resistência às agressões do hospedeiro, como o escape ao sistema imune; e capacidade de tropismo, que favorece o encontro do seu hospedeiro ou sua propagação, reprodução e sobrevivência no ambiente (ex: larvas infectantes de certos helmintos, que migram no solo e se posicionam sobre as partículas mais altas e úmidas, facilitando sua penetração nos pés do humano que passa descalço).
Ao longo dos seus estudos, ao conhecer os parasitos, vá buscando identificar as adaptações para a vida parasitária que cada um desenvolveu. E é importante lembrar que cada parasito pode apresentar mais de uma adaptação. Tomando os vermes do gênero Taenia como exemplo, é possível notar adaptações variadas (ausência de aparelho digestivo, hermafroditismo, alta produção de ovos, hipertrofia uterina) perceptíveis nas suas proglotes, como pode ser visto na FIGURA 5. Confira nos livros da bibliografia da disciplina muito mais informações importantes.
FIGURA 5 - Proglote grávida de Taenia saginata vista sob a lupa em menor (A) e maior aumento (B), com detalhe para um ovo de 30 µm apontado pela seta branca (B) no interior da ramificação uterina
Fonte: Elaborada pela autora. 
  
Aplicação de conceitos epidemiológicos na parasitologia   
  
Ainda hoje, várias doenças parasitárias são responsáveis pelo adoecimento e/ou óbito de milhões de pessoas em todo o mundo. Sendo assim, a Epidemiologia, ciência que estuda a distribuição de doenças ou enfermidades, assim como a de seus determinantes na população humana tem, como objetivo principal, a promoção da saúde por meio da prevenção de doenças. Conforme Nelson e Williams (2014), a aplicação da epidemiologia no estudo das doenças parasitárias envolve a avaliação dos fatores responsáveis pela infecção, aqueles que afetam a transmissão e os que estão associados com a manifestação clínica da doença. 
  
A transmissão e a manutenção de uma doença na população humana são resultantes do processo interativo entre o agente, o hospedeiro e o meio ambiente em que vivem (FIGURA 6). O agente etiológico é o fator cuja presença é essencial para a ocorrência da doença; o hospedeiro é o organismo capaz de ser infectado por um agente, e o meio ambiente é o conjunto de fatores que interagem com o agente e o hospedeiro (BRASIL, 2010). 
  
FIGURA 6 - Elementos básicos para o estabelecimento e a manutenção das parasitoses  
 Fonte: AVELAR, 2016, p. 22. (Adaptado). 
  
Os aspectos epidemiológicos de uma doença são de extrema importância para os profissionais de saúde pública ou epidemiologistas, já que essas informações são insumos para que desenvolvam metodologias para controlar ou prevenir a dispersão das infecções transmissíveis. Para isso, os epidemiologistas classificam as doenças infecciosas de acordo com os meios de transmissão e os reservatórios dos agentes infecciosos.  
  
 
As parasitoses podem ser transmitidas de diversos modos:  
- por contato direto ou indireto; 
- por ingestão de alimentos e água contaminados; 
- pela inalação de ar contaminado; 
  
- por vetores; 
- por transmissão vertical, durante a gestação ou no parto. 
  
Vamos praticar o que já foi aprendido até aqui? Teste os seus conhecimentos com esta atividade que ajudará na fixação do conteúdo. 
Doença parasitária: Malária.
1- agente etiológico; A malária é uma doença infecciosa cujo agente etiológico é um parasito do gênero Plasmodium. As espécies associadas à malária humana são: Plasmodium falciparum, P. vivax P. malariae e P.
	
2- tipo de parasito(endoparasito ou ectoparasito); endoparasitas intracelulares vivem dentro das células dos hospedeiros, como por exemplo o Plasmodium falciparum, causador da malária. Essa doença é transmitida por mosquitos do gênero Anopheles, que passam o parasita para o ser humano através da picada.
3- tipo(s) de hospedeiro(s) (definitivo, intermediário);
Na Malária, o HOSPEDEIRO DEFINITIVO é o mosquito Anopheles, pois a reprodução sexuada (produção de gametas) ocorre em seu organismo e,consequentemente, o ser humano age como HOSPEDEIRO INTERMEDIÁRIO, no qual ocorre a reprodução assexuada do parasita (esquizogonia)
4- tipo de ciclo biológico (monoxeno ou heteroxeno);
o ciclo biológico da Malária era Heteroxêno, por possuir mais de um hospedeiro (intermediário e definitivo) O ciclo de vida do parasita da malária envolve 2 hospedeiros. Ao se alimentar de sangue, a fêmea do mosquito Anopheles infectada pelos plasmódios inocula os esporozoítos no hospedeiro humano. Os esporozoítos infectam as células do fígado. Lá, os esporozoítos amadurecem para esquizontes.
5- período de incubação;
O período de incubação da malária varia de 7 a 14 dias, podendo, contudo, chegar a vários meses em condições especiais, no caso de P. vivax e P. mala- riae.
6- habitat parasitário; - A malária é endémica em regiões tropicais e subtropicais devido à chuva abundante, temperatura quente e grande quantidade de água estagnada, o que proporciona habitats ideais para as larvas do mosquito.
7- forma de infecção - A malária é uma doença infecciosa, febril, potencialmente grave, causada pelo parasita do gênero Plasmodium, transmitido ao homem, na maioria das vezes pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados.
8- principal tipo de ação patogênica exercida pelo parasito;
Não há vacina contra malária, mas existem várias medidas de proteção individual que podem ser adotadas pela população para reduzir a possibilidade da picada do mosquito transmissor da doença, como usar repelente; usar cortinados e mosquiteiros; usar telas em portas e janelas
9- principais adaptações parasitárias presentes no parasito escolhido;
O parasita da malária necessita de dois tipos de hospedeiros para completar o seu ciclo de vida: os humanos e as fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles. Os mosquitos são os vetores da doença.
10- principais medidas de prevenção/controle.
A malária é transmitida, principalmente, por meio da picada do mosquito, portanto, deve-se evitar o contato do ser humano com esse vetor. Algumas formas de prevenção são:
· utilizar telas de proteção nas janelas e portas;
· fazer uso de mosquiteiros;
· utilizar repelentes;
· fazer uso de roupas que protegem braços e pernas.
Vale destacar que, até o momento, não existem vacinas contra a malária. Outro ponto que merece destaque é o fato de que uma pessoa que teve malária uma vez pode desenvolver a doença novamente. Entretanto, de acordo com o Ministério da Saúde, indivíduos que tiveram vários episódios de malária podem apresentar uma imunidade parcial, o que faz com que a doença, quando adquirida após vários casos, não apresente ou apresente poucos sintomas. Uma imunidade total contra a doença, no entanto, não foi observada.
 
A malária é uma protozoose transmitida por meio da picada de um mosquito (gênero Anopheles) contaminado com o parasita do gênero Plasmodium. A doença é grave e pode levar à morte caso o tratamento adequado não seja feito. Seus sintomas apresentam padrões cíclicos e incluem febre alta, calafrio e sudorese. 
O que é a malária?
A malária é uma doença febril causada por um protozoário do gênero Plasmodium. As espécies que podem causar malária em seres humanos são Plasmodium falciparum, P. vivax, P. malariae, P. ovale e P. knowlesi. Vale destacar, no entanto, que nem todas essas espécies são encontradas no Brasil, sendo esse o caso das P. ovale e P. knowlesi. No que diz respeito ao protozoário responsável pelo maior número de casos no nosso país, destaca-se o P. vivax, responsável por 90% de todos os casos, sendo esse parasita de baixa letalidade. No quesito letalidade, destaca-se o P. falciparum.
O vetor dessa doença é o mosquito do gênero Anopheles, popularmente conhecido como mosquito-prego ou carapanã. Ele se contamina ao picar uma pessoa contaminada, tornando-se capaz de transmitir a doença para outros indivíduos.
No Brasil, os principais focos da doença estão na região chamada de Amazônia Legal, da qual fazem parte os estados Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Transmissão da malária
A malária é uma doença transmitida, principalmente, pela picada da fêmea do mosquito do gênero Anopheles contaminada. Esses mosquitos, geralmente, são mais abundantes durante o amanhecer e o fim da tarde. Apesar da transmissão da malária ocorrer, principalmente, pela picada de uma fêmea do mosquito, a doença pode ser adquirida de outras formas. Transfusão de sangue forma congênita, compartilhamento de seringas e acidentes de trabalho (pessoas que trabalham em hospitais e laboratórios) são algumas das formas de transmissão.
Ciclo de vida do Plasmodium
O ciclo de vida do Plasmodium envolve os seres humanos e mosquitos do gênero Anopheles. Uma pessoa contamina-se quando uma fêmea do mosquito infectada pica o ser humano e injeta o protozoário na forma de esporozoíto. Os esporozoítos seguem em direção ao fígado, onde infectam os hepatócitos.
Os esporozoítos originam merozoítos, que rompem os hepatócitos e infectam as hemácias. Cada merozoíto infecta uma hemácia. Nesse local eles sofrem modificações e formam os trofozoítos, os quais dão origem a novos merozoítos, que rompem as hemácias e infectam outras. Nas hemácias podem desenvolver-se também formas sexuadas chamadas de gametócitos, importantes na continuação desse ciclo, uma vez que são ingeridos por um mosquito caso o doente seja picado.
Sintomas da malária
Os sintomas da malária surgem, em média, 15 dias após a picada do mosquito infectado. Entretanto, pode-se observar variações no tempo de incubação de acordo com o protozoário causador da doença.
Dentre os sintomas da malária, podemos destacar a febre alta, geralmente maior que 38 ºC. Essa febre coincide com o momento em que as hemácias se rompem e os merozoítos são liberados. Além da febre, pode-se observar sintomas como calafrios, tremores, sudorese intensa, dores de cabeça, dores nos músculos e diminuição da força física.
Na sua forma mais grave, o paciente pode apresentar icterícia (coloração amarelada na pele, mucosas e olhos), hemorragias, hipotensão e coma. A malária pode levar à morte.
Diagnóstico da malária
Durante o ciclo de vida, o Plasmodium infecta as hemácias.
O diagnóstico da malária é feito por meio da análise de sintomas e exames laboratoriais. O exame considerado padrão-ouro no diagnóstico da doença é conhecido como gota espessa. Esse teste permite a análise da carga parasitária e também a identificação do parasita.
Outros exames que podem ser realizados são o teste rápido, diagnóstico molecular e esfregaço delgado. Vale destacar que, apesar da praticidade, os testes rápidos devem ser usados apenas em locais que o gota espessa esteja em falta, entre outros fatores, pelo fato de não avaliarem a densidade parasitária e poderem levar ao falso positivo devido à persistência de partes do parasita.
Tratamento da malária
A malária, após ser diagnosticada, deve ser tratada rapidamente, pois é uma doença grave que pode causar a morte. O tratamento baseia-se no uso de medicamentos específicos que podem variar de acordo com cada caso e possuem como objetivo principal interromper o ciclo do parasita. A dosagem também será diferente a depender de fatores como tipo de parasita e quadro geral do paciente.
Prevenção da malária
A malária é transmitida, principalmente, por meio da picada do mosquito, portanto, deve-se evitar o contato do ser humano com esse vetor. Algumas formas de prevenção são:
· utilizar telas de proteção nas janelas e portas;
· fazer uso de mosquiteiros;
· utilizar repelentes;
· fazer uso de roupas que protegembraços e pernas.
Vale destacar que, até o momento, não existem vacinas contra a malária. Outro ponto que merece destaque é o fato de que uma pessoa que teve malária uma vez pode desenvolver a doença novamente. Entretanto, de acordo com o Ministério da Saúde, indivíduos que tiveram vários episódios de malária podem apresentar uma imunidade parcial, o que faz com que a doença, quando adquirida após vários casos, não apresente ou apresente poucos sintomas. Uma imunidade total contra a doença, no entanto, não foi observada.
Após a introdução ao estudo da relação parasito-hospedeiro, passaremos agora ao estudo das protozooses, que são as parasitoses causadas pelos protozoários. Esta unidade apresentará cinco protozooses (leishmaniose tegumentar, visceral, doença de Chagas, malária e toxoplasmose), com enfoque sobre o agente etiológico, a relação parasito-hospedeiro, patogenia, epidemiologia, diagnóstico, tratamento, profilaxia e controle.
Introdução à protozoologia
Protozoologia é a ciência que estuda os protozoários. Esses organismos, assim como as bactérias, são formados por uma única célula (unicelulares) (FIGURA 1). No entanto, os protozoários são considerados mais evoluídos que as bactérias, pois são eucariontes (eu= verdadeiro; Karyon= núcleo), ou seja, apresentam membrana nuclear que separa o material genético do restante do citoplasma celular.
Os protozoários estão incluídos em um reino exclusivo, o reino Protista, que, segundo Neves et al. (2016), compreende mais de 60 mil espécies conhecidas, das quais 50% são fósseis e, aproximadamente, 10 mil são parasitos que utilizam os mais diversos animais como hospedeiros. Os humanos servem como hospedeiros intermediários e/ou definitivos de algumas dezenas desses endoparasitos obrigatórios, porque os protozoários podem apresentar reprodução assexuada ou sexuada, respectivamente. Os modos de reprodução são os mais variados:
- assexuada: por divisão binária (Ex: Trypanosoma cruzi, Leishmania spp., Giardia sp.), brotamento, gemulação, endodiogenia (formação de duas ou mais células-filhas por brotamento interno. Ex: Toxoplasma gondii) e esquizogonia (divisão nuclear seguida de divisão do citoplasma. Ex: Plasmodium spp.);
- sexuada: por conjugação (troca mútua de materiais genéticos. Ex: Balantidium coli) ou singamia (união de microgameta e macrogameta. Ex: em Plasmodium spp.).
Os parasitos podem se locomover com auxílio de microtúbulos subpeliculares (deslizamento ou ondulação e deslocamento por flexão. Ex: em Plasmodium spp.), cílios (Ex: B. coli. (FIGURA 1), flagelos (Ex: T. cruzi, Leishmania spp., Giardia sp.) ou pseudópodes (Ex: Entamoeba spp.) e diferentes processos para sua nutrição, como o transporte de nutrientes solúveis pela membrana, pinocitose (Ex: Giardia sp.) ou a fagocitose (Ex: Entamoeba spp.).
FIGURA 1 - Desenho esquemático das fases evolutivas do protozoário ciliado Balantidium coli
  
Legenda: A) trofozoíto; B) cisto; a) citóstoma; b) macronúcleo; c) micronúcleo; d) citopigio; e) vacúolos digestivos; f) vacúolos contráteis; g) citofaringe
Fonte: Neves, 2011, p. 181.
Ao longo de seu ciclo biológico, os protozoários sofrem um número variável de mudanças de estágio ou fase evolutiva, a depender do seu gênero. As alterações sofridas os preparam fisiologicamente para a diversidade de condições ambientais, as quais eles precisam enfrentar, podendo ser o meio intra ou extracelular, em seus hospedeiros, ou a permanência, por tempos variáveis, fora do corpo dos seus hospedeiros, estando sujeitos às intempéries ambientais. De forma geral, os protozoários podem apresentar as seguintes fases evolutivas:
- trofozoíto: é a forma metabolicamente ativa que se alimenta e reproduz;
- cisto, oocisto: são as formas de resistência dos protozoários, normalmente encontradas no ambiente externo, e têm como característica a presença de um revestimento protetor (FIGURA 1). Os cistos podem ser encontrados, a depender do parasito, nos tecidos (Ex: Sarcocystis sp.) ou nas fezes dos hospedeiros (Ex: Giardia sp.), enquanto que oocistos são encontrados apenas em fezes (Ex: o oocisto de T. gondii pode resistir até 18 meses no solo contaminado).
- gameta: é a forma sexuada dos protozoários e são divididos em: gameta masculino (microgameta) e gameta feminino (macrogameta) (Ex: Plasmodium spp.).
Muitos acham irrelevante a compreensão da morfologia, da fisiologia e da biologia, ou seja, no que consiste o organismo parasito. Mas se você pensar que o parasito, em um processo infeccioso, vive dentro do seu corpo e dele depende para sobreviver, e que este pode ainda alterar significativamente a sua homeostase, já basta para compreender que todos estes aspectos são importantes. E ainda, como seria possível o diagnóstico da etiologia de uma infecção se os profissionais não tivessem ideia da morfologia, biologia e fisiologia do agente? Se nada disso fosse conhecido, os cientistas não teriam desenvolvido tantos métodos diagnósticos diferentes, não haveria tantos fármacos e vacinas disponíveis. Ainda nos dias de hoje, a Organização Mundial da Saúde preconiza que um simples exame parasitológico de fezes deve ser utilizado como padrão-ouro para se diagnosticar casos positivos de enteroparasitoses.
Desse modo, você verá que, a cada parasitose estudada nesta disciplina, será realizada, de início, a caracterização do agente etiológico. E, para se estudar os grupos de parasitos de interesse nesta disciplina, assim como no estudo de quaisquer outros seres vivos na natureza, é necessário classificá-los, ou seja, agrupá-los segundo critérios morfológicos, fisiológicos, estruturais e filogenéticos (relação da espécie estudada com outros menos evoluídos ou fósseis). A ontogenia (formação e desenvolvimento da espécie), mesmo a ecologia, a etologia (estudo do comportamento) e, mais recentemente, critérios bioquímicos e moleculares, têm sido também considerados importantes para a classificação das espécies.
Existem várias classificações propostas para os protozoários e, como a bibliografia da disciplina é muito rica, a classificação poderá variar de autor para autor, que adota a que lhe parece mais apropriada. A classificação mais conhecida é a apresentada em Levine et al. (1980), que divide o sub-reino Protozoa, pertencente ao reino Protista, em sete filos. Apesar disso, na disciplina de Parasitologia Geral, focaremos nos protozoários pertencentes apenas aos filos que apresentam os parasitos de maior interesse na parasitologia humana em nosso país.
FIGURA 2 - Principais protozoários de interesse na Unidade 2
  
Fonte: Elaborada pela autora.
Leishmaniose tegumentar (lt) e visceral (lv)
As leishmanioses são doenças infeciosas, não contagiosas, causadas por protozoários do gênero Leishmania (Kinetoplastida: Trypanosomatidae). Os hospedeiros vertebrados incluem uma grande variedade de mamíferos silvestres e domésticos. Já os hospedeiros invertebrados são, exclusivamente, fêmeas de insetos hematófagos, conhecidos como flebotomíneos. A forma de transmissão de maior importância epidemiológica é pela picada do inseto fêmea infectado (NEVES, 2011).
Características gerais do agente etiológico das leishmanioses
As Leishmânias são parasitas intracelulares obrigatórios, com duas formas evolutivas principais: promastigota (no inseto) e amastigota (no hospedeiro mamífero). 
As formas promastigotas, apresentadas na FIGURA 3, possuem flagelo externo e são encontradas livres ou aderidas ao trato digestivo do hospedeiro invertebrado. O corpo celular é alongado (~10,0- 40,0 x 1,5- 3,0 µm). O flagelo se situa na parte anterior da célula e, internamente, está o núcleo mais ou menos centralizado. Em posição mediana, entre a extremidade anterior e o núcleo, encontra-se o cinetoplasto, que tem a forma de um bastão. O cinetoplasto se mostra como uma estrutura mitocondrial ligado à única mitocôndria existente na célula. No seu interior, encontram-se estruturas filamentosas, formadas por ácido desoxirribonucléico, denominadas k-DNA, sendo importante em diagnósticos bioquímicos das diferentes cepas de parasitos.O curioso é que o cinetoplasto pode ser visto com auxílio de um microscópio óptico comum e ele dá o nome à ordem Kinetoplastida, à qual pertence também o Trypanosoma.
As formas amastigotas (FIGURA 3, à direita) são arredondadas ou ovaladas (~2,0- 6,0 x 1,5- 3,0 µm), não possuem flagelo externo, têm um núcleo e um cinetoplasto e podem conter um ou mais vacúolos no seu citoplasma. São formas intracelulares, sendo encontradas no sistema mononuclear fagocitário (SMF) do hospedeiro vertebrado (REY, 2001; NEVES et al., 2011). A morfologia das formas evolutivas é muito importante, pois viabilizam a execução de diagnóstico laboratorial por métodos parasitológicos diretos, sendo inclusive preconizado seu uso pelo MS em alguns casos.
As formas promastigota e amastigota se reproduzem exclusivamente de forma assexuada, por divisão binária, (conforme apresenta também a FIGURA 3), respectivamente no intestino do vetor e no interior das células do SMF. Logo, na relação com seus hospedeiros, não se aplicam os termos definitivo ou intermediário.
FIGURA 3 - Formas evolutivas de leishmania sp. vistas ao microscópio óptico
  
Legenda: Forma promastigota de leishmania à esquerda e amastigota à direita, salientando o núcleo (seta vermelha), o cinetoplasto (seta verde), o flagelo (seta preta) e o núcleo da célula hospedeira (seta azul).
Fonte: DE CARLI, 2007, p. 346; CIMERMAN; FRANCO, 2011, p. 41.
Os vetores das Leishmânias
Os vetores das leishmanioses são insetos pertencentes à ordem Diptera, família Psychodidae, subfamília Phlebotominae (daí o nome geral "flebotomíneos"). Há dois gêneros de vetores, o Phlebotomus (presente no velho mundo, como Europa, África) e o Lutzomyia (no Novo Mundo: nas Américas). No Brasil, os vetores são sempre as fêmeas de flebotomíneos do gênero Lutzomyia (FIGURA 4), pois somente elas fazem o repasto sanguíneo que é necessário para a produção dos seus ovos. 
Eles são insetos de pequeno porte (2,0- 4,0 mm de comprimento), antenas longas, aparelho bucal curto, corpo todo coberto com intensa pilosidade e desenvolvimento holometábolo. A FIGURA 4 apresenta um exemplar da fêmea de flebotomíneo.
FIGURA 4 - Fêmea de flebotomíneo do gênero Lutzomyia vista ao microscópio estereoscópico
  
Fonte: Foto da autora. 
Os flebotomíneos recebem nomes populares de acordo com a região do Brasil: birigui, tatuquira, "mosquito" palha e outros.
Curiosidade: Vetor de leishmaniose é mosquito?
"Mosquito"-palha é um nome popular dado erroneamente aos flebotomíneos, pois "mosquito" é nome popular adequado apenas para os insetos pertencentes à família Culicidae (Aedes, Anopheles, Culex.), pois Culex, em latim, significa mosquito. Estes são popularmente chamados de pernilongos, muriçocas e sovelas.
É muito importante que os profissionais que atuam na área da saúde não se refiram aos vetores das leishmanioses como mosquitos, pois a população leiga assimila tal informação de forma equivocada, e acaba por disseminá-la. Sendo assim, é de fundamental importância que os profissionais conheçam e disseminem os conceitos científicos, a fim de contribuir com a prevenção das doenças.
Todos os insetos da ordem Diptera (que têm duas asas) têm ciclo biológico de metamorfose completa (ovo-larvas-pupa-adulto), sendo chamados de holometábolos. Todo o ciclo dos flebotomíneos é terrestre, sendo o criadouro das fases imaturas no solo, enquanto que o ciclo dos culicídeos (mosquitos) ocorre parte em meio aquático (criadouro das fases imaturas), parte em meio terrestre (fase adulta).
Então, será que você já consegue perceber a importância em não chamar flebotomíneo de mosquito?
Isso mesmo. Se a população assimilar de forma equivocada, pode pensar que, todo dia que esvazia a água de um pratinho de planta, em casa, está contribuindo com o controle da leishmaniose. Você já percebeu que nas campanhas de controle do mosquito Aedes, nos meios de comunicação, não se fala em leishmaniose? Agora você já sabe o porquê. Água acumulada não interfere no ciclo dos flebotomíneos.
FIGURA 5 - Leishmaniose ou dengue?
  
Fonte: Elaborada pela autora. 
 
Os flebotomíneos serão estudados com maior profundidade mais à frente na disciplina, juntamente com os demais vetores de agentes infecciosos e outros artrópodes causadores de ectoparasitoses. Mas, se você já estiver curioso e/ou quiser aprofundar seus estudos, aproveite a nossa rica biblioteca virtual. Consulte a bibliografia sugerida apresentada no plano de ensino.
Ciclo biológico das Leishmânias
O ciclo biológico das Leishmânias é do tipo heteroxênico, como pode ser acompanhado na descrição da FIGURA 6, pois elas se desenvolvem e replicam em um hospedeiro invertebrado (vetor) e em um vertebrado (sempre um mamífero, de vários tipos, incluindo o humano).
FIGURA 6 - Ciclo biológico da Leishmania sp
Fonte: CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Parasites - Leishmaniasis. Life Cycle.  
Disponível em: <https://www.cdc.gov/parasites/leishmaniasis/biology.html>. Acesso em: 08 fev. 2017. (Tradução Nossa). 
Apesar da forma vetorial ser a de maior importância epidemiológica, há outras formas secundárias de transmissão, segundo Neves (2011) e Rey (2001): 
- compartilhamento de seringas (Ex: Na Europa, 80% dos casos transmissão de LV, que se torna oportunista em portadores de HIV, é por seringas contaminadas, sendo caracterizada como transmissão antroponótica artificial);
- transfusão sanguínea;
- congênita;
- acidentes laboratoriais.
As leishmanioses são consideradas doenças negligenciadas. O Brasil é um dos países que concentram os maiores percentuais de casos de leishmanioses no mundo (WHO, 2012).
Leishmaniose tegumentar americana (ITA)
Dados da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2012) mostram que a leishmaniose tegumentar (LT) é um problema global de saúde pública, sendo endêmica em 88 países, dos quais 72 são em desenvolvimento e com 90% dos casos concentrados apenas no Afeganistão, Argélia, Brasil, Paquistão, Peru, Arábia Saudita e Síria.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2010), a LT é uma das principais afecções dermatológicas devido à sua magnitude, dificuldades terapêuticas e ao risco de ocorrência de deformidades e sequelas que pode produzir no humano.
 
A LT é uma doença frequentemente associada a uma significativa morbidade, com grande impacto médico e social, podendo provocar isolamento social, desemprego, alcoolismo, doenças mentais e até o suicídio, conforme apontam Rey (2001) e Neves (2011).
Espécies de Leishmania causadoras de LT
Nas Américas, já foram registradas 11 espécies de Leishmania causadoras de leishmaniose tegumentar, embora, no Brasil, três espécies (duas do subgênero Viannia e uma do subgênero Leishmania) sejam consideradas como as principais: L. (V.) braziliensis, L. (V.) guyanensis e L. (L.) amazonenses, conforme mostra a FIGURA 7:
FIGURA 7 - Distribuição das espécies de Leishmania causadoras de leishmaniose tegumentar no Brasil
Fonte: BRASIL, 2007, p. 22 (Adaptado). 
Vetores e hospedeiros vertebrados das espécies de Leishmania causadoras de LT
No Brasil, seis espécies de Lutzomyia são capazes de transmitir as sete espécies de Leishmania vistas (FIGURA 8). É possível perceber que uma mesma espécie de flebotomíneo é capaz de transmitir mais de uma espécie de Leishmania. Isso se deve a adaptações ocorridas ao longo da relação do agente infeccioso com o vetor.
FIGURA 8 - Distribuição das principais espécies de flebotomíneos, vetores das espécies de Leishmania causadoras de LT no Brasil
Fonte: BRASIL, 2007, p. 23 (Adaptado). 
Entre os hospedeiros vertebrados, destacam-se os seguintes mamíferos: roedores, edentados (tatu, tamanduá, preguiça), marsupiais (gambás), canídeos e primatas (incluindo os seres humanos). Os principais reservatórios na LT são os roedores. Em relação aos seres humanos e aos cães, ainda não foi totalmente esclarecida a sua atuação como reservatórios de LT.
Formas clínicas e patogenia na leishmaniose tegumentar (LT)
Na LT, o período de incubação é, em média, de duas semanas a dois meses. Os quadros clínicos na LT (FIGURA 9) podemser classificados em:
-  leishmaniose cutânea (LC): os pacientes apresentam lesões ulceradas, localizadas ou disseminadas. É causada principalmente pela L. braziliensis ou por L. amazonensis.
- leishmaniose cutânea difusa (LD): pacientes apresentam lesões disseminadas, nodulares, não-ulcerativas. No Brasil, a LD é causada principalmente pela L. amazonensis.
- leishmaniose mucosa (ou cutaneomucosa) (LM): pacientes apresentam lesões ulcerativas, progressivas e destrutivas, especialmente nas vias aéreas superiores, causada principalmente pela L. braziliensis.
FIGURA 9 - Aspecto das lesões em pacientes com leishmaniose tegumentar
  
Legenda: (A) Leishmaniose cutânea localizada; (B) Leishmaniose cutaneomucosa; (C e D) Leishmaniose cutânea difusa
Fonte: BRASIL, 2007, p. 47, 51, 53 (Adaptado).
A lesão inicial sempre surge no local da picada, que é o ponto de inoculação dos parasitos. A LT pode causar sinais e sintomas semelhantes aos de diversas outras doenças (Ex: sífilis, blastomicose, esporotricose, piodermites, paracoccidioidomicose, hanseníase virchowiana etc), o que torna o diagnóstico laboratorial essencial para o esclarecimento dos casos suspeitos de LT, segundo o Ministério da Saúde (MS).
Segundo Rey (2001) e Neves (2011), na LC, a imunidade celular do hospedeiro está preservada e bem modulada, o que normalmente se reflete em tendência à cura espontânea e boa resposta ao tratamento. Algumas características particulares têm sido atribuídas às diferentes espécies de Leishmania, como, por exemplo, as lesões causadas por L. amazonensis, que possuem bordas mais infiltradas (com mais macrófagos contendo muitos parasitos).
Em lesões causadas por outras espécies de Leishmania, o infiltrado é mais discreto, com predominância de linfócitos e plasmócitos, e escassez de macrófagos e parasitos. Em pacientes com o sistema imune debilitado (imunodeficiência), a LC pode apresentar quadros clínicos atípicos, com tendência à disseminação e má resposta ao tratamento.
Em pacientes sem causas conhecidas de imunodeficiência, a LC pode progredir para uma ausência de resposta celular específica (anergia) para antígenos de Leishmania, que caracteriza a LCD. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2010), essa variação da forma clínica da LC está associada com a L. amazonensis, e apresenta grande proliferação dos parasitos e alta disseminação das células infectadas (metástase hemato/linfática).
Conforme Rey (2001) e Neves (2011), a LM caracteriza-se imunologicamente pelo exagero das respostas celulares anti-Leishmania e pela escassez de parasitos. O agente envolvido é a L. braziliensis, sendo a resposta contra ele exacerbada, com citocinas do tipo 1 (TH1), promovendo uma destruição do tecido mucoso. A resposta terapêutica da LM não é boa, sendo que, mesmo que ocorra regressão ou desaparecimento das lesões, podem ocorrer recidivas.
A cura da LT não é total (estéril), visto que é possível isolar parasitos viáveis de cicatrizes de LTA (leishmaniose tegumentar americana) em indivíduos curados há vários anos. Isso pode explicar o aparecimento de recidivas tardias ou o surgimento da doença em pacientes com imunossupressão (coinfecção com HIV).
Aspectos epidemiológicos da leishmaniose tegumentar (LT)
Nas Américas, a LT é considerada uma zoonose primária de mamíferos silvestres (roedores, marsupiais, edentados e primatas). Dessa forma, o homem adquire a infecção ao entrar em contato com as áreas florestais, onde existem as enzootias causadas pelas diferentes espécies de Leishmania. No Brasil, a LTA tem assegurada a sua distribuição em todo o território nacional, pois, atualmente, todos os Estados federativos têm registros da enfermidade.
Nas últimas décadas, no Brasil, tem ocorrido uma expansão geográfica da área de transmissão da LT. No início da década de 1980, foram registrados casos autóctones em 19 Unidades Federadas e, no ano de 2003, já havia transmissão autóctone em todas as Unidades da Federação, sendo a maior parte deles notificados na região Norte (~37%) (BRASIL, 2016). 
Desde a década de 1980, tem-se verificado também um aumento progressivo no número de casos da doença, com picos de transmissão a cada cinco anos, sendo que, entre 2001 e 2011, houve uma média anual de 24.597 casos de LT no país (BRASIL, 2013; PAHO, 2013).
Nas últimas décadas, esta tendência também tem sido observada globalmente, com o aumento do número de casos e a ocorrência de epidemias em diferentes partes do mundo (Afeganistão, com estimativas de 100.000 casos em 2002; Paquistão desde 2004; Irã em 2003, Sudão em 2007), conforme aponta a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2010).
Atualmente, no Brasil, a LTA apresenta três padrões epidemiológicos de transmissão, de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2007):
- silvestre: a transmissão ocorre em áreas de vegetação primária, sendo uma zoonose de animais silvestres que pode acometer o ser humano quando este entra em contato com o esse tipo de ambiente.
- ocupacional e lazer: associado às ações antrópicas sobre as florestas. Exemplos: durante o desmatamento de áreas florestais para construção de estradas, represas etc.
- rural e periurbano em áreas de colonização: relacionado ao processo migratório, ocupação de encostas e aglomerados em centros urbanos, associados a matas secundárias ou residuais.
Diagnóstico clínico e laboratorial da LT
O diagnóstico clínico da LT continua sendo um desafio, devido ao seu amplo espectro clínico, tais como: lesões cutâneas ulcerativas no local da picada do flebotomíneo, múltiplos nódulos não ulcerativos, formas cutaneomucosas desfigurantes.
Autores como Rey (2001), Gontijo e Melo (2004) e Neves (2011) apontam que a maioria desses quadros estão relacionados ao estado imunológico do paciente e às espécies de Leishmania. Além disso, segundo dados do MS (BRASIL, 2013), em áreas endêmicas de LT, é comum ocorrer outras doenças com manifestações clínicas semelhantes, como dito anteriormente. Tais semelhanças tornam o diagnóstico clínico insuficiente e o laboratorial de extrema importância para a confirmação da suspeita clínica e para a confirmação da espécie circulante de Leishmania, fornecendo, assim, importantes informações para a vigilância epidemiológica e o controle da LT.
Atualmente, no algoritmo de diagnóstico recomendado pelo MS no Brasil, estão incluídos exames parasitológicos, imunológicos e moleculares.
Diagnóstico parasitológico da LT
Segundo Rey (2001) e Neves (2011), o diagnóstico parasitológico é o método de escolha utilizado no esclarecimento de casos suspeitos de LT, devido à sua alta especificidade. Os procedimentos são realizados por meio de escarificação e/ou biópsia com impressão por aposição em lâmina, exame histopatológico, cultivo de fragmentos de biópsia ou punção aspirativa. A pesquisa direta de amastigotas de Leishmania por escarificação ou imprints de fragmentos de biópsia possui baixo custo, além de rapidez de execução, o que o torna o procedimento de primeira escolha, sendo o principal método utilizado em unidades básicas de saúde das áreas endêmicas, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013).
Diagnóstico imunológico da LT
Dentre os testes imunológicos utilizados no diagnóstico da LT no Brasil, a reação intradérmica de Montenegro (IDRM) tem sido empregada como o mais valioso recurso em unidades básicas de saúde. Esse tipo de diagnóstico, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) (WHO, 2010), fundamenta-se na visualização da resposta de hipersensibilidade celular tardia, indicando que o paciente já teve contato com Leishmania sp..
O MS (BRASIL, 2013) aponta que, em pacientes com leishmaniose cutâneo-difusa, imunodeficiência ou com menos de um mês de evolução da doença, a IDRM pode apresentar resultados negativos. Uma dificuldade na aplicação desse teste diagnóstico é a interpretação dos resultados, já que a IDRM não diferencia a doença atual da pregressa, além de apresentar reação cruzada com doença de Chagas, esporotricose, entre outras (REY, 2001; NEVES, 2011).
Diferentemente da IDRM, os testes sorológicosaplicados no diagnóstico da LT baseiam-se na pesquisa de anticorpos anti-Leishmania circulantes no soro dos pacientes. Entretanto, a resposta humoral na LT é caracterizada por baixos níveis de anticorpos (exceto para casos de leishmaniose mucosa).
No Brasil, conforme apontam dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), para o diagnóstico de leishmaniose mucosa, os testes sorológicos mais utilizados são RIFI (Reação de imunofluorescência indireta) e ELISA (Ensaio imunoenzimático) com antígenos brutos ou recombinantes.
Diagnóstico molecular da LT
Nos últimos anos, diversos protocolos de testes moleculares com altos índices de eficiência diagnóstica foram padronizados para a LT. Porém, eles estão restritos aos centros de referência, devido à grande complexidade laboratorial necessária para sua execução (REY, 2001; NEVES, 2011; GONTIJO; MELO, 2004).
Tratamento da LT
As drogas de primeira escolha no tratamento das leishmanioses são os antimoniais pentavalentes (antimoniato de N-metilglucamina é o mais utilizado). As drogas de segunda escolha são a anfotericina B e as pentamidinas. A definição da terapêutica ocorre após a avaliação médica completa de caso a caso.
Profilaxia da LT
Apesar de ter havido tentativas de se desenvolver vacinas contra a LT, ainda não há nenhuma em vista. Mas diversas outras medidas preventivas, individuais ou coletivas, são apropriadas para se evitar a LT:
1. uso de repelentes e de mosquiteiros de malha fina, borrifados com inseticidas com baixa toxicidade para os seres humanos;
2. manejo ambiental do domicílio e peridomicílio (evitar acúmulo de matéria orgânica no solo, por exemplo) para que não se formem os criadouros dos vetores;
3. em áreas de colonização recente, evitar construir casas muito próximas da mata (manter pelo menos 500m).
Saiba mais sobre a vigilância e o controle da leishmaniose tegumentar no Brasil, acessando o seu manual de vigilância pelo link:
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana. 2 ed. Brasilia: Editora do Ministério da Saúde, 2007. (Série A - Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_vigilancia_leishmaniose_2ed.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2017.
Leishmaniose visceral americana (LVA)
A leishmaniose visceral (LV), ou calazar (do idioma indiano "Kala-Azar" = doença negra), é uma zoonose de transmissão vetorial, não contagiosa, considerada uma das principais doenças parasitárias que afetam os seres humanos. Ela é considerada uma doença grave, potencialmente fatal, quando não diagnosticada e tratada precocemente e de forma adequada. Atualmente, a LV é endêmica em 98 países, com um total estimado de 400 milhões de pessoas sob risco de adquirirem a doença.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2012), cerca de 90% dos casos de leishmaniose visceral, relatados nas Américas, ocorrem no Brasil, onde mais de 19.000 casos da doença foram registrados entre os anos de 2007 e 2011, com 1.152 mortes.
Espécies de Leishmania causadoras de LV
No Brasil, a espécie causadora de LV é Leishmania (L.) infantum. Inicialmente, essa espécie foi descrita como L. chagasi, mas atualmente é considerada como sinonímia de L. infantum. Além das Américas, essa espécie também circula na região do Mediterrâneo, Europa, África e na China. Outra espécie causadora de LV, segundo Rey (2001) e Neves (2011), é L. (L.) donovani, que é encontrada na Ásia e Leste da África.
Vetores, hospedeiros e reservatórios na LV
No Brasil, o hospedeiro invertebrado e vetor é a espécie Lutzomyia longipalpis. Também tem sido incriminada como vetor (principalmente no Mato Grosso) a espécie L. cruzi. Entre os hospedeiros vertebrados, destacam-se os canídeos (raposas e cães), gambás, roedores e seres humanos.
Os principais reservatórios, na LV, são canídeos silvestres (raposas), domésticos (cães) e os gambás. Os seres humanos atuam apenas como hospedeiros, não possuindo importância epidemiológica como reservatórios de LV. A principal diferença, segundo Rey (2001) e Neves (2011), é que, nos seres humanos, a L. infantum habita preferencialmente as células do SMF nas vísceras (baço, medula, fígado etc), enquanto que em cães e raposas, as formas amastigotas podem ser encontradas, além das vísceras, também nas células do SMF do sangue periférico e pele, estando, portanto, disponíveis para infectar o L. longipalpis no repasto.
Formas clínicas e patogenia na LV
As manifestações clínicas na LV estão relacionadas com:
- a multiplicação dos parasitos nas células do sistema mononuclear fagocitário (macrófagos);
- a resposta imunitária do indivíduo;
- as alterações degenerativas.
Os infectados podem apresentar ou não as manifestações clínicas da doença, podendo haver um espectro diverso de casos. Segundo Rey (2001) e Neves (2011), indivíduos infectados pela L. infantum podem apresentar as formas:
- inaparente: presença de sorologia positiva, mas sem quadro clínico (caso assintomático);
- clássica: com febre, astenia, anorexia, perda de peso e caquexia, com acentuada hepatoesplenomegalia (aumento de baço e fígado), anemia severa, perda de cabelos, edema de membros inferiores e problemas hemorrágicos etc.;
- oligossintomática: com (sintomatologia branda) febre baixa ou ausente, hepatomegalia presente, com ou sem esplenomegalia discreta. Ausência de hemorragia e caquexia;
- aguda: com febre, podendo ser alta e contínua, ou intermitente, com remissões em uma ou duas semanas. Presença de hepatoesplenomegalia, perda de peso e hemorragias;
- refratária: quando o paciente não apresenta resposta ao tratamento. É clinicamente mais grave, com alto risco de óbito.
Aspectos epidemiológicos da LV
Houve, no país, uma considerável expansão da transmissão da LV, passando das áreas endêmicas rurais clássicas, para as áreas urbanas e periurbanas, com números recordes de casos da doença. O Brasil sofreu, então, o chamado processo de urbanização da transmissão da LV, tendo sido registrada a primeira epidemia urbana, na década de 80, em Teresina, capital do Piauí. Depois, a doença alcançou São Luís, Natal, Fortaleza, Rio de Janeiro, Aracaju, Montes Claros, Sabará e Belo Horizonte, já nos anos 90. Hoje, a LV encontra-se disseminada por todos os Estados do Brasil, estando mais concentrada nos estados das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, com crescente número de casos humanos e, principalmente, caninos (BRASIL, 2006).
A doença é mais frequente em crianças menores de 10 anos e o sexo masculino é proporcionalmente o mais afetado. A doença apresenta aspectos geográficos, climáticos e sociais diferenciados nas regiões brasileiras. A maior incidência de morte é entre crianças menores de cinco anos e entre adultos acima dos 60 anos. E os fatores de risco para o adoecimento são a coinfecção por HIV, a subnutrição e o etilismo.
Diagnóstico clínico e laboratorial da LV
Embora, nas últimas décadas, tenha ocorrido um grande avanço tecnológico, o diagnóstico laboratorial da Leishmaniose Visceral Humana (LVH) ainda é um desafio, provavelmente por se tratar de uma doença negligenciada, com pouca perspectiva de retorno comercial ao investimento em pesquisa e desenvolvimento.
O diagnóstico clínico da LV é complexo, já que frequentemente seus sinais e sintomas são confundidos com outras doenças que têm manifestações clínicas semelhantes, como a doença de Chagas aguda, malária, esquistossomose, febre tifoide e tuberculose e até neoplasias.
As principais manifestações clínicas são: febre prolongada, esplenomegalia, hepatomegalia, leucopenia (diminuição no número de glóbulos brancos), anemia, tosse, dor abdominal, diarreia, perda de peso e caquexia. Atualmente, no algoritmo de diagnóstico recomendado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2006), estão incluídos exames parasitológicos, sorológicos e moleculares.
Diagnóstico parasitológico da LV
Apesar de os exames parasitológicos serem considerados métodos de referência para o diagnóstico da doença, estes são invasivos, necessitam de infraestrutura profissional especializada para sua realização

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