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HISTÓRIA DA HOMINIZAÇÃO ÀS
PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES
CAPÍTULO 4 - COMO ERAM A RELIGIÃO,
O MITO E AS LEIS NO CONTEXTO DAS
PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES?
Fernando Silva de Almeida
INICIAR 
Introdução
Você já se questionou sobre a importância da religião na história das primeiras
civilizações? Ou melhor, conhece a importância da criação das primeiras religiões e
mitos e sua influência na sociedade contemporânea? E, por fim, sabia que no antigo
território da Mesopotâmia foram evidenciados os primeiros conjuntos de leis que
regeram o cotidiano das primeiras civilizações da história?
O objetivo deste capítulo é apresentar alguns dos principais acontecimentos que
foram responsáveis pela formação das primeiras religiões do mundo antigo, bem
como das primeiras leis conhecidas desse período, além de abordarmos a
importância do mito na sociedade. Sendo assim, discutiremos vários processos
históricos, como as primeiras evidências de manifestações religiosas na Pré-História,
a formação das primeiras religiões conhecidas, o surgimento do politeísmo (e,
consequentemente, do monoteísmo) e de algumas das principais religiões do
planeta (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) que, juntas, são praticadas por mais
de três bilhões de pessoas no mundo.
Esperemos que, ao longo do capítulo, você possa aprender novos conhecimentos
sobre essa temática e que essas informações sejam úteis não só no estudo da
história, da religiosidade, das leis e dos mitos, mas também no contexto cultural em
que vivemos atualmente, no qual conhecer cada vez mais sobre o passado é um
requisito necessário para se situar melhor no presente.
4.1. A religiosidade na antiguidade
O objetivo deste tópico é apresentar um histórico sobre a origem do pensamento
religioso no passado, demonstrando algumas hipóteses a respeito da criação das
primeiras religiões do mundo antigo. Como surgiram as primeiras práticas
religiosas? Qual foi a motivação por trás desse processo histórico? Qual é a
importância dessas primeiras manifestações na criação das primeiras religiões da
Antiguidade? Ao longo deste tópico, apresentaremos algumas hipóteses sobre o
surgimento das primeiras manifestações religiosas, bem como mostraremos alguns
exemplos de práticas existentes entre as primeiras civilizações.
A tarefa da História ou da Arqueologia não é abordar a proximidade existente entre
as religiões e uma suposta verdade absoluta. Essas disciplinas compreendem que a
religiosidade pertence a cada indivíduo, dentro do grupo cultural no qual está
inserido. Sabe-se que, ao longo da história, surgiram inúmeras religiões e, enquanto
muitas desapareceram ou enfraqueceram por diversos motivos, outras se tornaram
cada vez mais dominantes. A religião está presente em toda a sociedade e o seu
aparecimento faz parte de um processo histórico que formou um conjunto muito
vasto e diversificado de práticas, pertencentes a uma grande quantidade de povos
de diferentes regiões e culturas. Além disso, conforme Coulanges (2009), a religião se
tornou acessível a todos, sem distinção de classe ou etnia. O próprio ser humano
possui uma grande diversidade cultural, seja no passado mais distante ou no
presente, e a grande variedade de religiões é uma consequência disso.
Historicamente, a religião se tornou algo que é essencial ao ser humano e, conforme
Funari (2010, p. 162),
[...] corresponde a um conjunto de práticas sociais específicas e que fazem parte da
cultura de um determinado grupo humano ao longo de sua existência. [...] um
conjunto específico de crenças em um ou mais poderes divinos ou sobre-humanos
com o objetivo de render culto ao criador ou ao regente do universo.
A origem da palavra vem do latim re-ligare e significa um retorno por meio da fé a
algo que está além da experiência do cotidiano e do ser humano, que talvez tenha
sido perdido em algum momento (GOMES, 2008). No Cristianismo, esse retorno seria
a proximidade com a origem e com a essência de tudo o que existe no universo ou,
em outras palavras, com Deus.
Figura 1 - A fé é uma das principais características da religião. Fonte: Stocksnapper, Shutterstock, 2018.
A religiosidade do ser humano está associada, entre outros fatores, aos aspectos
evolutivos que proporcionaram o desenvolvimento da capacidade cerebral e a
formação de pensamentos complexos nos primeiros hominídeos, processos que
alcançaram seu ápice com o aparecimento do Homo sapiens, espécie que possui um
cérebro altamente desenvolvido e cujo nome significa “homem que sabe” ou
“homem sábio”. O aumento da capacidade cerebral permitiu a observação de
fenômenos da natureza e a reflexão sobre seu significado e sobre as experiências
que estão além do que era conhecido. Sendo assim, ao observar a natureza, ou o
nascimento ou a morte de uma pessoa, por exemplo, o ser humano pode ter sido
absorvido por sentimentos que não poderiam ser compreendidos sem a criação de
significados ligados ao sagrado.
Dessa forma, as religiões podem ter sido criadas com base em alguns princípios que
começaram a ser seguidos de forma cada vez mais frequente pela sociedade, por
exemplo: os conjuntos de crenças em torno daquilo que é desconhecido, os rituais,
os instrumentos materiais ou os locais onde o sagrado se manifesta com mais
intensidade (como artefatos simbólicos e monumentos naturais) e o surgimento de
indivíduos que têm a capacidade de se comunicar com entes religiosos (GOMES,
2008). Essas práticas criavam, então, um sentido para o fenômeno e forneciam
respostas e resultados práticos para aqueles que acreditavam. 
As religiões foram encaradas inicialmente pelas ciências humanas a partir de
diferentes estágios, representando desde o estágio considerado mais primitivo até
chegar ao estágio superior (GOMES, 2008). Essa transformação foi um dos pilares do
evolucionismo cultural, uma corrente do século XIX que afirma: ao longo do tempo,
o ser humano evoluiu e adquiriu um sistema cultural mais complexo. Entretanto,
essa linha de pensamento sofreu várias críticas e, entre elas, podemos citar a
inconsistência da interpretação de um caminho linear em direção à civilização e ao
progresso; a falta de validade científica da construção de hierarquias das práticas
religiosas; a desconsideração da grande diversidade de religiões existentes, que
seguiram caminhos distintos e passaram por diversas transformações ao longo da
história.
Conforme Gomes (2008), uma das primeiras manifestações religiosas que se tem
conhecimento é o animismo, praticado por sociedades que acreditavam na
existência de espíritos e seres sobrenaturais na natureza. Essa manifestação faz
parte do primeiro estágio considerado, pelo evolucionismo, o estágio teológico e é
ainda comum entre muitos povos indígenas da América do Sul. Entre suas várias
características está o fato de que os animais são vistos como espíritos, mas também
possuem características humanas. No animismo, existem sacerdotes, indivíduos
responsáveis pela comunicação entre os espíritos e as pessoas, conhecidos como
xamãs em algumas sociedades e como pajés em diversas etnias indígenas
brasileiras (GOMES, 2008). Uma variação desse fenômeno seria o totemismo, muito
comum em grupos indígenas da América do Norte, caracterizado pela reverência aos
elementos da natureza, como animais e plantas.
Acredita-se que as primeiras populações humanas possuíam uma religiosidade
semelhante ao que encontramos hoje em inúmeros povos indígenas. Tal
interpretação é baseada em diversas evidências encontradas no registro
arqueológico pré-histórico, seja em representações rupestres em cavernas ou até
mesmo na fabricação de instrumentos de pedra, cuja função é puramente simbólica.
Em cavernas e também a céu aberto, foram encontradas pinturas e gravuras em
rocha que demonstram a existência de algumas práticas religiosas no passado,
como rituais, desenho de animais que eram tabus alimentares e de elementos da
natureza, como os rios, demonstrando a importância das águas para as sociedades
do passado (FUNARI, 2010). Outras evidências são o enterramento dos mortos,
representando oculto aos antepassados e a existência da vida após a morte.
Como exemplo dessas práticas religiosas antigas, citamos os sítios, que representam
os períodos mais antigos da civilização maia, na América Central (FUNARI, 2010). As
representações observadas em seu registro arqueológico demonstram elementos de
religiosidade que são expressos na forma de animais, como o jaguar, o crocodilo,
algumas aves, os peixes e as serpentes. Sendo assim, os maias perceberam a
existência desses animais como uma explicação para o desconhecido, construindo
significados para essa relação. Nos sítios arqueológicos, os maias se encontram em
desenhos que representam episódios míticos, alguns referentes, inclusive, aos mitos
de criação do mundo.
Outra característica da religião maia foram os sacrifícios humanos (FUNARI, 2010).
Em sítios arqueológicos dessa cultura, foram encontrados esqueletos decapitados
de homens e crianças, bem como de alguns animais, como o jaguar. Não se sabe
exatamente qual era o propósito desses sacrifícios, porém, acredita-se que eram
direcionados para as divindades mais importantes dessa civilização, demonstrando
a importância dessas práticas no contexto sociocultural.
Além do animismo, o estágio teológico incluiria também o politeísmo, baseado na
criação de diversas divindades que seriam responsáveis por diferentes fenômenos, e
o monoteísmo, baseado na crença em um só deus. Nessas subdivisões, houve a
valorização do culto aos ancestrais e o estabelecimento da crença em deuses
antropomórficos (GOMES, 2008). Esse estágio teria se manifestado entre as
primeiras civilizações do planeta, como os egípcios, gregos, mesopotâmicos, e
culminaria na crença em Deus, um ser único, onipotente, onisciente e onipresente,
elemento característico das principais religiões praticadas no mundo
contemporâneo.
O livro As religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas, astecas e outros povos cultuavam
seus deuses (FUNARI, 2010) é uma ótima referência para conhecer as características principais das
religiões de civilizações do mundo antigo. É uma leitura bem agradável e é indicada para aqueles que
querem conhecer melhor as diversas práticas religiosas que hoje em dia não existem mais.
O segundo estágio do pensamento religioso seria o estágio metafísico, em que o
culto aos espíritos e aos deuses começou a ser substituído pelo abandono parcial de
alguns valores espirituais (GOMES, 2008). Seria um estágio associado à introdução
do pensamento filosófico nas primeiras civilizações humanas, que ocorreu no
momento em que diversos fenômenos da natureza começaram a não ser mais
explicados pela existência de forças sobrenaturais, como os espíritos e os deuses,
mas sim a outras forças abstratas. Nesse período da história humana, começaram a
ser realizados os primeiros questionamentos intelectuais e as primeiras reflexões
sobre a natureza, os espíritos e outros fenômenos.
Por fim, essas observações se referem a algumas das principais características
presentes nas primeiras manifestações religiosas da Pré-História. Não há como
saber exatamente os detalhes dessas primeiras práticas, contudo a existência de
algumas evidências arqueológicas e documentos escritos permitem que possamos
compreender alguns desses processos.
VOCÊ QUER LER?
4.2. O surgimento do monoteísmo
Neste tópico, abordaremos os processos históricos que originaram as principais
religiões monoteístas da história. Quais foram essas religiões? De onde elas
surgiram? E como se fortaleceram? Conhecer esse passado ligado ao sagrado é
ampliar o conhecimento existente sobre o mundo antigo, principalmente no que se
refere à formação das primeiras manifestações religiosas que substituíram a crença
em vários deuses pelo culto ao deus único e que ocorreram paralelamente à
formação das primeiras civilizações. Esses acontecimentos possuem bastante
importância, pois as consequências desses fenômenos são sentidas no mundo
atual, por meio das religiões mais conhecidas.
Atualmente, sabemos que o monoteísmo, junção das palavras gregas mono (único) e
theos (deus), se caracteriza pela crença na existência de um único deus. Seu
surgimento influenciou toda a civilização ocidental e se tornou marcante durante a
história do Oriente Próximo, principalmente no que se refere à história dos hebreus,
se manifestando também em algumas outras culturas do mundo antigo, como os
egípcios, representados pela figura do faraó Akhenaton, aproximadamente em 1300
a.C. (GOMES, 2008). Também é importante destacar o monoteísmo no contexto de
criação das principais religiões da atualidade, como o Judaísmo, o Cristianismo e o
Islamismo.
Vale lembrar que no mundo antigo, principalmente no que diz respeito à história da
Mesopotâmia, eram muito comuns os casos de monolatria, em que se cultuava um
único deus, contudo, reconhecendo-se a existência de outras divindades (PINSKY,
2011). Essa era uma prática muito comum no Oriente Próximo, onde em cada aldeia
ou em cada povo existia um deus principal, porém eram conhecidos deuses que
eram protetores de outras regiões e outros povos. Por outro lado, o monoteísmo é
caracterizado na crença de apenas um deus e desconsidera-se a presença de outros
deuses, não havendo um reconhecimento nem de sua existência, tampouco de sua
influência na sociedade (PINSKY, 2011). Portanto, quando nos referimos ao
surgimento do monoteísmo, estamos nos apoiando na criação de religiões que têm
como premissa básica a existência e a crença em um deus único.
VOCÊ SABIA?
Existe mais de um tipo de monoteísmo. Entre as vertentes, podemos citar: o monoteísmo
substancial, no qual inúmeros deuses são originários de uma única divindade, o panteísmo, que
considera que o deus é o próprio universo, e outros exemplos (como o panenteísmo e o deísmo).
Durante muito tempo, as práticas religiosas do mundo egípcio se baseavam na
monarquia divina dos faraós. Suas ações tinham legitimidade, pois se apoiavam no
desejo ou na permissão dos deuses, que se tornaram mais ou menos importantes
conforme a dinastia que estava no poder. Akhenaton foi o faraó que promoveu
importantes mudanças no cenário político e religioso do Egito, negando todos os
deuses existentes e considerando Aton como o único deus (FUNARI, 2010). As ações
de Akhenaton se tornaram a experiência mais característica de monoteísmo no
Egito, contudo não se configuram como a mais importante influência na formação
das principais religiões monoteístas. O fato de que Akhenaton sabia da existência de
outros deuses pode, inclusive, ser utilizado como uma hipótese de que a sua crença
em um deus único era um caso de monolatria.
Em relação ao Oriente Próximo, uma característica que chama a atenção é a
existência de várias divindades, as quais faziam parte do cotidiano da sociedade no
início da história dessa região. Uma das civilizações mais antigas da Mesopotâmia,
os sumérios, organizavam a sociedade de acordo com um plano concebido por
essas divindades. Os deus e as deusas da história da Mesopotâmia e dos sumérios
eram representados como justos, amantes do bem, da verdade e da justiça (FUNARI,
 Figura 2 - Mapa do Egito
mostrando a figura dos faraós, governantes que eram considerados praticamente como deuses pelo
povo. Fonte: Jose Ignacio Soto, Shutterstock, 2018.
2010). Esse sentimento provocava um modo de perceber o mundo a partir de uma
relação entre deuses e seres humanos, como se o que acontecesse na vida real fosse
uma consequência do que ocorria no plano divino.
O príncipe do Egito (LAZEBNIK, 1998) é uma animação adaptada do Livro do Êxodo e retrata a vida de
Moisés como príncipe do Egito até guiar os filhos de Israel para fora do Egito. Alguns fatos contados na
animação destoam da versão bíblica da história, contudo vale a pena assisti-la pela versão de um
acontecimento importante da história bíblica.
Conforme Funari (2010), cada cidade da Suméria tinha o seu próprio deus protetor,
que possuía um templo dedicado a ele. Enquanto algumas divindades tinham uma
importância local, outras eram conhecidas em um territóriomais amplo. Além disso,
os deuses sumérios estavam presentes em todas as situações do cotidiano e eram
imaginados como seres antropomórficos. Possuíam emoções humanas, que
poderiam ser boas (alegria, amor e apego) e ruins (raiva e agressividade).
Vários fenômenos que ocorriam de forma natural, como as cheias dos rios Tigre e
Eufrates que eram causadas por degelos que ocorriam em regiões montanhosas da
atual Armênia, eram interpretados pelos sumérios como uma consequência da ação
dos deuses (FUNARI, 2010). Dessa forma, se esses fenômenos traziam coisas boas,
como a fertilidade do solo, eles seriam o resultado da satisfação dos deuses, mas se
fossem ruins, como a destruição de áreas agrícolas, isso era a ira ou a disputa entre
as divindades.
Por mais que as manifestações dos antigos sumérios estivessem relacionadas a
inúmeros deuses, essas práticas religiosas influenciaram várias civilizações que
apareceram em períodos posteriores (FUNARI, 2010). Entre as influências da religião
Suméria, estão as primeiras histórias sobre o Dilúvio, a figura do sacerdote, a prática
do exorcismo, a criação de dias festivos, a criação de templos sagrados, a história de
criação do ser humano a partir do barro e a existência de cidades mesopotâmicas
citadas no Antigo Testamento. Essas referências demonstram a importância da
história dos sumérios na construção das primeiras religiões monoteístas.
VOCÊ QUER VER?
Apesar de a civilização hebraica não ter a antiguidade dos egípcios ou das primeiras
civilizações mesopotâmicas, atribui-se a ela os primórdios do monoteísmo (GOMES,
2008). As manifestações religiosas praticadas por esse povo podem ser consideradas
como uma ligação entre a cultura do Oriente Próximo e do Ocidente. O Judaísmo, o
Cristianismo e o Islamismo, por exemplo, são originários da religião praticada pelos
hebreus, cuja origem está na Mesopotâmia – fato que é escrito inclusive na Bíblia e
que foi comprovado por pesquisas científicas (PINSKY, 2011). Outro elemento que
comprova essa origem é a apropriação de vários mitos mesopotâmicos pelos
hebreus, como o dilúvio sumério protagonizado por Ziusudra, semelhante à história
da Arca de Noé (PINSKY, 2011). 
O Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo compõem as três principais religiões
monoteístas que fortemente influenciaram o povo, a cultura e a religião no mundo
contemporâneo. Em relação ao Judaísmo, destacamos o fato de ter sido uma das
primeiras religiões a adotar o monoteísmo e ter sido responsável pela criação do
livro sobre a criação do mundo e do ser humano, salientando diversos valores
morais que necessitavam ser seguidos. Além disso, serviu de base para a formação
do Cristianismo, pois a citação do Messias no Velho Testamento dividiu os fiéis que
acreditavam em Jesus Cristo (como o próprio Messias) e os judeus que acreditavam
no Antigo Testamento (BORDONAL, 2009).
O Islamismo foi outra religião que também teve um papel importante na
popularidade das religiões monoteístas. Foi criado no século VII a partir de um
sincretismo entre o Judaísmo, o Cristianismo e crenças arábicas (BORDONAL, 2009).
O Alcorão é o livro sagrado do Islamismo e foi publicado tendo como referência as
palavras proferidas por Maomé. Atualmente, essa obra é seguida por mais de um
bilhão de pessoas. Vale lembrar que o Islamismo possui uma grande importância na
discussão proposta por este tópico, pois surgiu e se fortaleceu em uma região com
uma tradição politeísta já estabelecida entre as populações árabes. Uma
 Figura 3 - Cena da crucificação de
Jesus Cristo, um evento narrado pela Bíblia e que diz respeito às principais religiões da atualidade.
Fonte: Renata Sedmakova, Shutterstock, 2018.
curiosidade sobre o Islamismo e a sua consolidação no mundo árabe é o fato de que
Maomé se envolveu em diversos conflitos, inclusive com tribos árabes politeístas,
que o acusavam de heresia (BURGIERMAN et al., 2001).
O verdadeiro nome de Maomé é Abul Alcacim Maomé ibne Abdalá ibne Abdal Mutalibe ibne Haxim. Esse
personagem histórico não é considerado no Islamismo como um ser divino, mas sim um dos mais
perfeitos seres humanos que já existiram. Conforme a religião, Maomé teria sido escolhido pelo anjo
Gabriel para recitar os versos que foram diretamente enviados por Deus e que Deus o havia escolhido
como o último profeta da humanidade.
Por fim, estudar a origem do monoteísmo na história da Antiguidade é compreender
processos históricos que fundamentais para o surgimento e para a expansão das
práticas religiosas que compõem religiões, como o Cristianismo, Judaísmo e
Islamismo e suas mais variadas vertentes. Essas religiões ainda são bem relevantes
Figura 4 - Mesquita, local sagrado da religião Islâmica. Fonte: Shutterstock, 2018.
VOCÊ O CONHECE?
atualmente e fazem parte do contexto cultural da maioria dos indivíduos em todo o
planeta. Entender o passado delas é um requisito fundamental para se manter
informado sobre o que acontece em nossa sociedade atualmente.
4.3. O Código de Hamurabi
Neste tópico, apresentaremos algumas das principais características do Código de
Hamurabi, o principal documento histórico sobre as primeiras leis da Antiguidade.
Quem foi Hamurabi, a quem se atribui a criação desse conjunto de leis? Qual é a
importância desse documento no cotidiano da sociedade babilônica? E qual é a
importância dessa descoberta na atualidade? Responderemos a esses
questionamentos ao longo deste tópico, assim como apresentaremos outras
particularidades desse documento, que se tornou uma das principais fontes escritas
da Antiguidade. 
Atribui-se à Mesopotâmia o surgimento da escrita (PINSKY, 2011). Esse marco, que
divide a Pré-História e a História, proporcionou a produção de inúmeros
documentos que nos fornecem importantes pistas sobre o cotidiano das primeiras
civilizações da Antiguidade. Um deles é o Código de Hamurabi, composto por 281
leis (uma foi excluída devido às superstições da época), escritas em uma rocha
vulcânica de mais de dois metros de altura, encontrada por uma expedição francesa
no sudoeste do Irã. Trata-se de um documento extremamente importante por se
caracterizar como um dos primeiros conjuntos de leis escritas encontrados em
ótimo estado de preservação. 
Ele versa sobre diferentes temas, que incluem leis sobre quebra de contrato, falso
testemunho, roubo, estupro, família, entre outros e cujo objetivo principal era
garantir a manutenção de uma cultura em comum, na qual o mais forte não poderia
prejudicar os mais fracos (BORDONAL, 2009). Além dessa importante fonte
documental da Antiguidade, existem outras que relatam alguns acontecimentos do
mundo antigo, como a Estela dos Abutres (em que foram registrados alguns
conflitos entre as cidades-estados de Lagash e Umma), o Código de Urukagina (no
qual estão os primeiros registros de codificação de normas jurídicas da cidade-
estado de Lagash), o Código de Ur-Nammu (que transformava costumes antigos em
leis e previa a aplicação de penas pecuniárias) e o Código de Eshunna (que mistura o
direito penal e o direito civil e que serviu como base para a criação do Código de
Hamurabi).
Hamurabi foi um grande rei, conquistador e um excelente administrador. Seu
governo – que durou 58 anos aproximadamente – era baseado na língua, na religião
e no direito, aspecto que é o principal tema do código que leva seu nome. Durante
seu reinado, foi responsável pela conquista de quase todo o território
mesopotâmico, incluindo alguns povos, como os sumérios e os acádios, se tornando
um dos principais governantes do império babilônico. Hamurabi morreu
aproximadamente no ano de 1750 a.C., possivelmente devido a causas naturais, e
seu conjunto de leis se tornou um dos documentos históricos mais importantes da
Antiguidade e hoje pode ser visitado no Museu do Louvre, em Paris.
O filme O escorpião rei 2: a saga de um guerreiro (MCCORMICK, 2008), apesar de não possuir um
compromisso com os fatos históricos, é influenciado por costumes do mundo antigo, em especial quando
menciona os reis Sargão da Acádia e Hamurabi, que aparece em uma dascenas. Esses reis foram dois dos
mais responsáveis governantes da Antiguidade oriental.
Figura 5 - A balança do direito, que representa a justiça e o equilíbrio. Fonte: corgarashu, Shutterstock,
2018.
VOCÊ QUER VER?
O Código de Hamurabi foi produzido durante o período hegemônico do império
babilônico, entre 1800 e 1500 a.C. O fato de esse documento ter sido escrito em uma
rocha pode significar a existência de um caráter imutável do conjunto de leis, que
posteriormente deu origem ao termo “escrito na pedra”, uma forma comum de se
considerar a importância e a imutabilidade de algumas leis. Por outro lado, o motivo
de ele ter sido encontrado gravado somente em uma rocha é o fato de que muitas
cópias do código escritas em papéis podem ter se perdido, pois se tratam de
materiais perecíveis.
Ele não foi um projeto de transformação da sociedade, mas sua legislação abordava
temas comuns do cotidiano, a partir do reconhecimento de três classes sociais
distintas: os homens ricos e os homens livres (Awelum), o povo, representado
principalmente pelos funcionários públicos (Mushkenum) e os escravos (Wardum)
(PINSKY, 2011). De um lado, os homens ricos possuíam mais privilégios que as
demais classes, mas ao mesmo tempo pagavam mais tributos. De outro lado, os
escravos nunca deixaram de ser considerados como propriedade e eram punidos
mais severamente caso atentassem contra as classes mais privilegiadas.
Em relação à escravidão, no império babilônico os escravos não possuíam o mesmo
status dos escravos africanos trazidos ao Brasil durante o período colonial, por
exemplo: os Wardum tinham alguns direitos garantidos pelo Código de Hamurabi,
como a impossibilidade de seu proprietário tornar escravos seus filhos com uma
mulher livre (PINSKY, 2011). O código regulava outros aspectos da escravidão, por
exemplo: a devolução de um escravo caso esse tivesse adoecido em um
determinado período inicial após a compra, a satisfação que deveria ser dada pelo
vendedor caso o comprador tivesse alguma reclamação sobre o escravo e a
permissão de cortar a orelha do escravo caso ele não reconhecesse seu senhor
(BORDONAL, 2009).
Em relação ao papel da mulher, ela tinha uma certa independência do marido,
poderia administrar o dote que recebia do pai ao casar, escolher outro marido caso
esse se torne prisioneiro de guerra e poderia também assumir cargos públicos. Além
disso, a mulher que teve filhos, caso eles fossem rejeitados pelo homem, tinha
direito à restituição do donativo e ao recebimento de outros bens para que pudesse
cuidá-los. Por outro lado, o marido poderia castigá-la caso fosse identificado alguma
infidelidade e poderia também, em alguns casos, possuir uma segunda esposa, mas
ela não teria os mesmos direitos da primeira (BORDONAL, 2009).
Uma importante contribuição do Código de Hamurabi é o desenvolvimento do
direito privado, em que havia várias punições para os indivíduos que atentassem
contra a propriedade alheia (BORDONAL, 2009). Temos como exemplos: caso
alguém tivesse roubado o tesouro de algum templo, deveria ser morto e quem
recebeu o objeto também; se alguém tivesse roubado algum animal doméstico, teria
que pagar uma quantia em retorno e, se não pudesse pagar, seria morto; se alguém
tivesse perdido um animal doméstico de outra pessoa, teria que conseguir outro etc.
Ainda sobre a propriedade privada, a terra poderia pertencer ao Estado e ao templo
Figura 6 - Os escravos africanos na América eram tratados de forma bem distinta dos escravos do
período babilônico. Fonte: joppo, Shutterstock, 2018.
sagrado, mas também a indivíduos particulares – nesse caso, seria cultivada a partir
de um sistema de posse que incluía rendeiros, colonos e até pessoas que não
tinham título regular, mas que ofereciam ao rei serviços em troca da terra.
VOCÊ SABIA?
O Código de Hamurabi foi um dos primeiros documentos históricos a defender a ideia de que todos
são inocentes até que se prove o contrário. Por mais que muitas leis fossem muito severas, os
indivíduos que eram acusados de algo teriam o direito de se defender antes de serem punidos.
O texto História Antiga (BORDONAL, 2009) apresenta a totalidade do Código de
Hamurabi e serve de referência para a leitura e reflexão sobre as leis que eram
aplicadas na Antiguidade. A seguir, apresentaremos algumas delas, com o intuito de
demonstrar práticas do cotidiano dos indivíduos que viviam no império babilônico
durante o reinado de Hamurabi:
"Art. 3° - Se alguém em um processo se apresenta como testemunha de
acusação e não prova o que disse, se o processo importa perda de vida, ele
deverá ser morto."
"Art. 15 - Se alguém furta pela porta da cidade um escravo ou uma escrava da
Corte ou um escravo ou uma escrava de um liberto, deverá ser morto."
"Art. 25 - Se na casa de alguém aparecer um incêndio e aquele que vem apagar
lança os olhos sobre a propriedade do dono da casa e toma a propriedade do
dono da casa, ele deverá ser lançado no mesmo fogo."
"Art. 27 - Se um oficial ou um gregário foi feito prisioneiro na derrota do rei e
em seguida o seu campo e o seu horto foram dados a um outro e este deles se
apossa, se volta a alcançar a sua aldeia, se lhe deverá restituir o campo e o
horto e ele deverá retomá-los."
"Art. 33 - Se um oficial superior foge ao serviço e coloca um mercenário em seu
lugar no serviço do rei e ele parte, aquele oficial deverá ser morto."
"Art. 48 - Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o seu
campo ou destrói a colheita ou por falta d’água não cresce o trigo no campo,
ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de
contrato e não pagar juros por esse ano."
"Art. 55 - Se alguém abre o seu reservatório d’água para irrigar, mas é
negligente e a água inunda o campo de seu vizinho, ele deverá restituir o trigo
conforme o produzido pelo vizinho."
"Art. 130 - Se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na
casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser
morto, a mulher irá livre."
"Art. 142 - Se alguém toma uma mulher e essa não lhe dá filhos e ele pensa em
tomar uma concubina, se ele toma uma concubina e a leva para sua casa, esta
concubina não deverá ser igual à esposa."
"Art. 192 - Se o filho de um dissoluto ou de uma meretriz diz a seu pai adotivo
ou a sua mãe adotiva: ‘tu não és meu pai ou minha mãe’, dever-se-á cortar-lhe
a língua."
Como podemos perceber, foram citados aqui alguns casos que envolvem a
aplicação de penas de morte, punições severas ou menos severas, comuns ao longo
do Código de Hamurabi. A visualização do texto integral do código se constitui como
uma importante fonte de aprendizado sobre as primeiras leis escritas que temos
conhecimento do mundo antigo.
4.4. O mito na antiguidade
Neste tópico, apresentaremos algumas características do mito, focando em algumas
particularidades dos mitos indígenas e sua relação com a história desses povos.
Poderíamos utilizar outros exemplos, como a mitologia grega e romana, contudo o
objetivo aqui é discutirmos alguns elementos gerais presentes nos mitos,
independentemente de sua origem. Qual é a característica principal dos mitos? Eles
se configuram somente como histórias sem compromisso com a verdade ou podem
ser comparados com outras evidências históricas? Respondermos, ao longo deste
tópico, a esses questionamentos apresentando algumas de suas particularidades. 
Analisando o sentido mais tradicional do mito, podemos considerá-lo como uma
história contada sobre os acontecimentos que ocorreram no passado, mas que
também fazem parte do presente, relacionados à formação da sociedade, aos
costumes ou a outras características culturais existentes entre esses grupos (GOMES,
2009). Esses acontecimentos podem ser caracterizados por histórias mágicas, que
misturam diferentes elementos da natureza com elementos sobrenaturais. Sendo
assim, essas histórias podem ser compostas por seres humanos, animais, plantas,
objetos, espíritos, divindades, entre outros. 
O mito, no entanto, não deve ser confundido com as lendas, quegeralmente têm um
caráter mais simplificado e se caracterizam pela existência de relatos folclóricos que
são transmitidos oralmente – enquanto ele possui um caráter particular, referente a
uma busca das origens, da explicação de fenômenos da natureza ou de
determinados aspectos religiosos (GOMES, 2009). Em uma sociedade, em função da
maior complexidade do mito em relação à lenda, aqueles que sabem contá-lo com
detalhes são reconhecidos e respeitos pelos demais membros do grupo. Algumas
lendas conhecidas da história brasileira, por exemplo, são a do boto, do curupira, do
lobisomem etc.
Assim como o pensamento religioso, o mito foi interpretado pelo evolucionismo
cultural como uma das principais características das primeiras fases culturais da
humanidade, em que o ser humano seria incapaz de explicar acontecimentos
históricos a partir de uma lógica racional (GOMES, 2009). Porém, ao longo do tempo,
pesquisadores perceberam que os mitos podem fornecer evidências relevantes
sobre o passado de uma sociedade, pois abordam fenômenos e histórias que dizem
respeito ao próprio contexto cultural dessas sociedades.
Algumas das histórias que originalmente seriam interpretadas como fantasiosas
demonstram a existência de relatos coerentes sobre o passado e, além disso,
quando comparadas com outras fontes documentais sobre os mesmos grupos, é
possível verificar semelhanças entre o mito e a história. Portanto, entendemos que
os mitos possuem histórias fantásticas, enredos complexos, ideologias e demais
características que parecem irreais, mas que se referem ao próprio comportamento
humano dessas sociedades e podem ser utilizadas como fontes de pesquisa.
Um exemplo disso são os deuses e heróis da mitologia grega como Aquiles, por
exemplo. Não se sabe ao certo se esse personagem de fato existiu, pois é
considerado um herói mitológico, um dos participantes da Guerra de Troia e foi o
principal personagem da Ilíada, de Homero. Apesar não haver comprovação
científica de sua existência, os relatos sobre esse personagem estão relacionados à
própria história da Grécia antiga e se constituem como importantes fontes históricas
desse período.
Aquiles foi um dos mais famosos heróis da mitologia grega. A mais conhecida teoria sobre sua morte
postula a ideia de que era invulnerável em todo o corpo, com exceção do calcanhar, que foi atingido por
uma flecha envenenada, causando sua morte. Além de Ilíada, ele é citado em obras como: Ifigénia em
Áulide, de Eurípedes e Aquilíada, de Estácio, além de retratado em pinturas e objetos materiais, como
vasos e esculturas.
Ao longo deste tópico, apresentaremos algumas características do pensamento
mítico a partir do ponto de vista das populações indígenas da América do Sul. De
acordo com elas, o mundo é habitado por diferentes espécies de sujeitos ou
pessoas, humanas e não humanas, que o apreendem segundo pontos de vista
distintos. Sendo assim, podemos afirmar que a distinção clássica entre natureza e
cultura ou entre história e mito (comum na cultura ocidental) não pode ser utilizada
para descrever dimensões associadas às cosmologias indígenas, pois o modo como
essas populações percebem os animais e outras subjetividades é diferente do modo
como nós percebemos esses mesmos elementos.
VOCÊ O CONHECE?
Para os Nukak da Amazônia colombiana, por exemplo, os mitos estão relacionados
até mesmo com a expansão do território, que é considerado a partir de quatro
dimensões físicas e uma dimensão mítica, todas percebidas como reais (POLITIS,
2009). Das imediações do acampamento, dos distantes lugares ocupados por
ancestrais de gerações passadas, mas que podem ser visitados a qualquer
momento, tudo é considerado de um jeito ou outro como seu território: um mais
 Figura 7 - As
populações indígenas possuíam uma forte relação com o mundo mítico. Fonte: Marzolino, Shutterstock,
2018.
perto e mais conhecido, o outro mais distante e menos frequentado. Quando a
dimensão mítica é confrontada com outras fontes documentais, percebemos que
essas fontes corroboram a versão mítica dos Nukak.
Outro exemplo surge a partir da experiência dos povos Yanesha, do Peru. Durante
dois dias de trabalho de campo com esses grupos, o antropólogo Fernando Santos-
Granero percorreu diversos caminhos e observou que, não importasse por onde ele
caminhasse ao longo das estradas e trilhas que cruzam o território Yanesha, seu
acompanhante, Francisco, conectava diferentes locais ou características da
paisagem com eventos passados, quer pessoais, históricos ou míticos,
demonstrando que os mitos possuem relações com o mundo real.
Coincidentemente, o caráter mítico das histórias contadas por Francisco
correspondia às características dos territórios ocupados pelos Yanesha no passado
(SANTOS-GRANERO, 2005).
A maioria das abordagens sobre a história das populações indígenas utilizadas pela
Arqueologia tem tomado os componentes físicos das fontes como os únicos
documentos possíveis de utilizar para compreender a história desses povos. Dessa
forma, os mitos têm sido negligenciados pelos arqueólogos a partir do argumento
de que não podem ser encontrados “empiricamente”. Alguns pesquisadores
argumentam, por exemplo, que em alguns casos até tabus alimentares não são
incluídos na interpretação dos arqueólogos, pois só existem nos mitos, mesmo
quando há outras fontes que comprovem a existência desses tabus. No caso dos
Nukak, os tabus são resultados de específicas crenças ideológicas e míticas, que têm
uma longa tradição nas sociedades indígenas amazônicas e se configuram como
práticas exercidas cotidianamente, isto é, não fazem parte somente do mundo
mítico (POLITIS, 2009).
A ligação com a esfera sobrenatural afeta fortemente como os povos indígenas
concebem, percebem e usam o mundo físico. Natureza e cultura para os povos
ameríndios, na maior parte das vezes, são parte de um mesmo campo. Essas
cosmologias, então, orientam toda a ação dos grupos indígenas, principalmente em
relação às atividades do cotidiano e, consequentemente, influenciam o registro
arqueológico. Para demonstrar isso, podemos utilizar alguns exemplos, como os
povos Hotï, da Venezuela (STORRIE, 1999 apud POLITIS, 2009): um xamã teve um
sonho com o fim do mundo e o anunciou para o povo, provocando pânico e uma
migração para o leste na busca da borda do mundo e o caminho para a “casa da
morte”. Essa migração ocorreu de verdade e, caso os mitos fossem considerados
uma fantasia sem sentido, estaríamos nos afastando da compreensão de alguns
processos históricos importantes dessas sociedades.
Para os grupos indígenas brasileiros, são os mitos que contam a verdadeira história
do mundo. Nesse sentido, eles não seriam somente contos de fantasia ou ficção, e
sim a explicação mais coerente sobre a origem do universo, incluindo a explicação
de temas como a origem do cosmos, da humanidade, dos animais, da sexualidade,
dos espíritos, das atividades de caça, das mulheres, entre outros (FUNARI, 2010).
Essas explicações estão relacionadas com as manifestações religiosas e as festas, e
não são compreendidas como algo fora do cotidiano das populações indígenas.
O livro Terra dos mil povos: a história indígena do Brasil contada por um índio (JECUPÉ, 1998) é indicado para
aqueles que desejam compreender a história indígena brasileira a partir de outra perspectiva. Dessa
forma, o leitor conhecerá inúmeros aspectos da cultura indígena e como esses povos contam a sua
própria história.
Em alguns mitos de origem de determinados povos indígenas, por exemplo, aqueles
que criaram o universo frequentemente são um par de companheiros ou até irmãos
(FUNARI, 2010). Um desses companheiros é o mais preguiçoso, enquanto o outro
traz novidades para o ser humano. Um trouxe a humanidade, a agricultura, a água, o
fogo e a linguagem, enquanto o outro acrescentou algumas confusões,
atrapalhando algumas dessas novidades, transformando os homens em animais
que seriam caçados, criando o adultério, entre outros processos. Em várias
sociedades, os mitos de criação possuem uma origem similar, em que nãohá o bem
e o mal, e sim a ordem e a criatividade.
CASO
O Código de Hamurabi foi formado por um conjunto de leis composto por punições rígidas para
aqueles que pensavam estar acima da lei e, em alguns casos, essas punições poderiam ser bem
severas, ocasionando o sofrimento e a morte daqueles que a infligiram. Uma situação fictícia que
poderíamos citar é quando marido e mulher passam a viver juntos após o casamento e, de repente, a
mulher passa a trair o marido com outro homem e depois de um tempo acaba cometendo o
assassinato do seu marido. Conforme o Código de Hamurabi, qual seria punição para a mulher que
cometeu esse crime?
VOCÊ QUER LER?
As leis criadas por Hamurabi tinham o objetivo de promover a justiça e conter a realização de crimes
por parte dessa sociedade. O caso citado se refere ao artigo n° 153 do código, que diz: “Se a mulher
de um homem livre tem feito matar seu marido por coisa de outro, se deverá cravá-la em uma
estaca”. Trata-se de uma maneira extremamente cruel de castigo, contudo, era assim que os povos
babilônicos governados por Hamurabi tratavam esse tipo de crime. Outras leis sobre o tratamento de
relações extraconjugais envolviam amarrar e lançar a mulher na água caso ela tenha sido infiel e,
caso não tenha sido pega em flagrante, deverá jurar em nome de Deus que não cometeu tal ato.
Por fim, as leis criadas por Hamurabi tratavam de assuntos diversos, e as relações extraconjugais
eram mais severas quando o crime fosse cometido contra um homem livre, que formava a classe
social mais rica do império babilônico. O Código de Hamurabi foi uma das primeiras referências de
leis do mundo antigo e influenciou outras civilizações a organizarem a sociedade de maneira similar.
Ao longo do tempo, muitas leis que tratam do mesmo assunto se tornaram menos severas e, hoje em
dia, são raros os casos que envolvem castigos cruéis como os praticados durante o mundo antigo.
Assim como ocorre com a religião, não faz parte da investigação histórica ou
antropológica o julgamento sobre os mitos, sejam eles relacionados aos povos
mesopotâmicos, egípcios, gregos, romanos, indígenas, entre outros. Além disso,
seria uma árdua tarefa apresentar em poucas páginas toda a complexidade
existente de mitos. Existem inúmeros exemplos e processos históricos associados a
eles, que envolvem a existência de mecanismos políticos, econômicos, culturais,
entre outros.
Síntese
Aprendemos, neste capítulo, vários assuntos ligados à construção da religiosidade e
das primeiras leis do mundo antigo e também à formação dos mitos entre as
sociedades humanas.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
entender os processos que levaram o ser humano a se tornar um ser religioso
e criar as primeiras religiões;
compreender como a religiosidade passou a considerar cada vez mais o
monoteísmo como principal aspecto das religiões;
compreender o papel do Código de Hamurabi no contexto de criação da
escrita e das primeiras leis da Antiguidade;
analisar o papel do mito nas sociedades humanas e a relação que as histórias
míticas possuem com a realidade dessas populações.
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