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Brasília-DF. Parasitologia ClíniCa Elaboração Vitor Hugo Balasco Serrão Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I CONCEITOS GERAIS .............................................................................................................................. 9 CAPÍTULO 1 RELAÇÃO PARASITA-HOSPEDEIRO ........................................................................................... 10 CAPÍTULO 2 EPIDEMIOLOGIA ..................................................................................................................... 19 CAPÍTULO 3 CLASSIFICAÇÃO DOS SERES VIVOS ........................................................................................ 24 UNIDADE II PARASITOLOGIA HUMANA .................................................................................................................... 29 CAPÍTULO 1 PROTOZOÁRIOS ..................................................................................................................... 29 CAPÍTULO 2 HELMINTOS ............................................................................................................................ 77 CAPÍTULO 3 ARTRÓPODES ....................................................................................................................... 117 PARA (NÃO) FINALIZAR ................................................................................................................... 128 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 130 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução O caderno de estudos e pesquisa “Parasitologia Clínica” foi elaborado com o objetivo de fornecer ao aluno os subsídios necessários para a compreensão e identificação de doenças parasitárias, o que, infelizmente, ainda é um grave problema nacional ocasionado por inúmeros fatores que serão abordados nesta disciplina. A identificação de um sistema hospedeiro-parasita, a identificação clínica por meio da morfologia do ser parasita, os sintomas que acometem o hospedeiro, a determinação das medidas profiláticas e o tratamento a fim de minimizar os sintomas, a busca da cura do hospedeiro, tudo será discutido no decorrer dos capítulos. As três principais classes de parasitas humanos serão amplamente discutidas, evidenciando-se as principais espécies e as sutis diferenças entre elas. O aluno será levado a refletir sobre a influência do ambiente socioeconômico ao qual essas parasitemias são comumente relacionadas, além de refletir sobre atitudes, não só em relação aos aspectos clínicos, mas, muitas vezes, psicológicos e sociais de abordagem aos pacientes, assim como a melhor maneira de prosseguir com o tratamento e as medidas profiláticas. Por fim, o aluno terá como objetivo na disciplina aprender ferramentas para: identificar, orientar, educar e tratar pacientes com doenças parasitárias, endêmicas de uma determinada região ou não, de maneira que compreenda o ambiente no qual o paciente está inserido, não observando somente o ambiente clínico. Ao final do curso, a avaliação será feita mediante os exercícios propostos, levando-se em consideração fatores técnicos, poder de decisão e análise do contexto individual para cada evento aprendido no decorrer da disciplina. A parasitologia objetiva seu próprio fim. Prof. Erney P. Camargo (ICB/USP). Sejam bem-vindos! 8 Objetivos » Definir os conceitos epidemiológicos relevantes. » Compreender a relação parasita-humanos. » Identificar as características morfológicas, patogênicas e sintomatológicas. » Identificar procedimentos e diagnósticos a ser realizados. » Prover discussões em relação aos agentes difusores de tais epidemias. 9 UNIDADE ICONCEITOS GERAIS “Parasitas são organismos que vivem em associação com outros dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro”. Essa é uma das definições para a relação parasita-hospedeiro, sendo a parasitologia a ciência que estuda essa tênue relação entre um ser hospedeiro, neste caso o ser humano e o parasita. Conceitos gerais de como organismos se relacionam são amplamente discutidos em diferentes comunidades científicas. Dada a importante relevância das interações e maneiras que os seres vivos se relacionam na biosfera, análises ecológicas, clínicas ou a compreensão bioquímica em nível molecular demonstram a necessidade da expansão do conhecimento para a descrição desses eventos e fenômenos. Uma contextualização importante é que “doenças infecciosas e as infestações em animais e em plantas são causadas por seres consideradosparasitas”. Sendo assim, o estudo das relações entre paciente e infecção não passa de uma análise do tipo parasita-hospedeiro. Neste curso, daremos início à caracterização das relações de parasitismo em humanos, as diferentes abordagens técnicas e identificações para cada tipo existente. No Brasil, infelizmente não são poucas, dado as inúmeras condições que serão discutidas ao longo desta disciplina. Para compreensão plena dos assuntos discutidos nesta disciplina, o aluno terá de providenciar um bom glossário das palavras envolvidas nos temas no decorrer do curso. Definições importantes como “epidemias”, “cepa”, “zoonoses”, “vetor”, “profilaxia”, entre outras, serão comumente utilizadas, e fica a ideia da montagem de um glossário com as palavras a fim de favorecer o entendimento no decorrer das aulas. Este módulo tem o objetivo de ajudar o aluno a identificar as medidas preventivas e o tratamento, e possibilitar-lhe compreender o Atlas de Parasitologia Clínica por meio de uma visão geral do assunto. 10 Quais parasitas vocês conseguem identificar antes de começar este módulo? Será que sabemos identificar características, tratamentos e profilaxias das endemias conhecidas e identificadas em sua comunidade? Dentre todos os problemas sociais que a comunidade na qual reside possa ter, identifique aquelas que você acredita que sejam as maiores causas das endemias encontradas e identifique maneiras que possam melhorar ou eliminar tal problema. CAPÍTULO 1 Relação parasita-hospedeiro A relação entre organismos é imensa e fundamental para a manutenção dos sistemas biológicos como os conhecemos. É tão importante que podemos afirmar que nenhum ser vivo é capaz de sobreviver e/ou se reproduzir independentemente de outros seres vivos. Das possíveis associações entre organismos, podemos classificar de modo direto duas maneiras: » Harmônicas ou positivas quando existem benefícios ou ausência de prejuízos para mútuos organismos. » Desarmônicas ou negativas caso haja prejuízo para algum dos participantes da associação em questão. Os meios de associações mais comumente encontrados são: competição, neutralismo, canibalismo, predatismo, parasitismo, comensalismo, mutualismo e simbiose. Essas associações são apresentadas e explicadas abaixo. Seres vivos podem apresentar diferentes relações e podemos descrever as relações dentro das mesmas espécies com determinados benefícios em duas categorias: » Sociedades: quando indivíduos da mesma espécie se organizam de modo cooperativo, cada indivíduo apresenta uma determinada função específica e respeita uma hierarquia. A divisão de função de cada indivíduo é crucial e possibilita que cada um aumente sua 11 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I eficiência para com a hierarquia devido à sua especialização em determinada função. Podemos citar como exemplo de organismos sociais as formigas, as abelhas ou mesmo os seres humanos. Coletivos de outras espécies, como alcateias ou vara, não são considerados sociedades, uma vez que a organização hierárquica não é estritamente definida e a associação entre indivíduos não procura um benefício mútuo para a sociedade. » Colônias: consiste no agrupamento de indivíduos da mesma espécie com elevada dependência entre indivíduos. Comumente não há a diferenciação de funções entre os indivíduos. Como exemplo, podemos citar alguns celenterados e poríferos. Organismos unicelulares usualmente se organizam em colônias (bactérias e fungos), porém como já mencionado, eucariotos podem também se organizarem em colônias para um benefício mútuo dos indivíduos pertencentes à colônia. Além disso, importantes relações são criadas entre organismos de diferentes espécies, em que organismos vivos em geral apresentam interações com os demais organismos em algum momento de sua existência. Podemos categorizar interações de diferentes maneiras de acordo com as relações ecológicas: » Mutualismo: quando duas ou mais espécies convivem visando um benefício mútuo para os organismos envolvidos nessa interação. Um exemplo é a polinização por insetos. As flores possuem o pólen que deve ser transportado para a fertilização, ou polinização, de outras flores, enquanto os insetos obtêm o alimento necessário. Vale ressaltar que os insetos não se alimentam do pólen, mas do néctar presente nas flores, e o pólen acaba sendo transportado ao se aderir aos pelos corpóreos dos insetos. » Simbiose: é considerada uma relação íntima entre indivíduos de diferentes espécies para benefício de uma ou de ambas as espécies. Pode ser exemplificada pelos peixes-palhaços; o protagonista do sucesso do cinema “Procurando Nemo”, que mora e se protege no interior de anêmonas. Outra simbiose que vale a pena ser destacada está envolvida com uma teoria evolutiva bastante contestada no passado, mas amplamente aceita no contexto da biologia celular e evolução atual. A teoria em questão consiste na determinação de 12 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS um processo simbiótico entre células eucarióticas e mitocôndrias (organelas membranosas responsáveis pela produção energética das células e que possui material genético – DNA – próprio), que são interpretadas como uma relação entre as células, com núcleo organizado, e possíveis bactérias fagocitadas. » Protocooperação: consiste na interação entre diferentes espécies que podem viver de modo independente e sem prejuízo entre elas. Um exemplo são algumas espécies de pássaros que vivem se alimentando de carrapatos presentes em bovinos, e são comumente observados na savana africana. » Inquilinismo: também conhecido como epifitismo para plantas, consiste na interação em que somente uma das espécies se beneficia, porém sem causar nenhum prejuízo ao outro organismo. Pode- se utilizar como exemplo as orquídeas e as árvores presentes nas florestas tropicais úmidas. As orquídeas atuam como um parasita e consomem a seiva processada sem que essa retirada deteriore a planta hospedeira. » Comensalismo: consiste na relação em que um dos indivíduos se aproveita de restos alimentares sem nenhum prejuízo ao predador. Hienas são comensais, aproveitando as carcaças deixadas por leões, pois se alimentam dos restos (ou carcaça) dos animais predados pela alcateia. Podemos entender as relações entre espécies acerca dos benefícios que a interação causa aos organismos. Dentre as possibilidades, é importante destacar as relações como sendo: » Competição: quando os organismos dependem dos mesmos recursos e competem pela sua sobrevivência. Um exemplo de competição é a disputa de machos por fêmeas férteis para a manutenção da prole de sua espécie e a continuidade de sua carga genética para os herdeiros. » Canibalismo: esse estranho tipo de relação consiste na predação entre organismos da mesma espécie. Um exemplo que pode ser destacado é o processo de fertilização do louva-a-deus, quando a fêmea devora o macho para obtenção de proteínas que ajudarão o desenvolvimento dos ovos e da futura prole. Algumas espécies de 13 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I aranhas, como a viúva-negra, também utilizam esse mecanismo de obtenção de proteínas que ajudarão no desenvolvimento da prole. » Amensalismo: também conhecido antibiose, consiste na relação não harmoniosa entre indivíduos ou populações, como, por exemplo, fungos que conseguem produzir substâncias (como penicilina) que previnem a infecção por bactérias. Entre plantas, essa associação é bem comum. Algumas espécies possuem folhas que, ao se degradarem no solo, são capazes de alterar o pH, permitindo assim que somente sementes de sua espécie consigam prosperar nos entornos da planta. » Predação: talvez a mais simples relação a ser exemplificada, em que um organismo predador (carnívoro) caça e se alimenta de outros organismos; estes podem ser ou não outros predadores. O exemplo mais clássico é a matilha de lobos caçando um coelho, e pode ser estendido para qualquer outra relação semelhante e facilmente memorávelpara essa interação. » Herbivorismo: um termo não tão comum, mas tão simples quanto a predação. Essa relação consiste na relação entre um animal (herbívoro e/ou onívoro) que se alimenta de plantas. » Parasitismo: finalmente a relação que será abordada ao longo deste curso com maiores detalhes. Essa relação se defini como a relação sem benefício entre organismos de espécies distintas em que um dos seres vivos envolvidos na relação possui benefícios sobre o hospedeiro, organismo parasitado. Portanto, alguns organismos apresentam uma relação não mutuamente benéfica entre os envolvidos, levando-os a prejuízos consideráveis e muitas vezes despercebidos de imediato. Esses organismos são os denominados parasitas e serão o foco principal deste material. As classificações dos parasitas podem ser as mais diversas e sempre definidas pela interação do parasita, ou o organismo que tem o benefício, e o hospedeiro, o organismo parasitado e que apresenta o prejuízo. As definições de parasitismo podem ser classificadas como: » Ectopoarasitas: são aqueles organismos que vivem externamente ao corpo do hospedeiro, aderindo à pele ou pelos do hospedeiro. Um exemplo é o piolho humano. 14 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS » Endoparasitas: são aqueles que vivem internamente no hospedeiro, normalmente em tecidos ou locais específicos. A grande variedade de parasitas é categorizada como endoparasitas, mas pode-se destacar como exemplo a lombriga. » Hemoparasitas: uma categoria específica de endoparasita que habita um tecido específico, o tecido hematopoiético, ou seja, o sangue do hospedeiro. Pode-se destacar o Plasmodium, causador da malária. » Holoparasitas e Hemiparasitas: são parasitas de vegetais que se alimentam da extração das seivas dos vegetais hospedeiros. As orquídeas podem ser utilizadas para ilustrar essa categoria, a qual não será amplamente estudada, uma vez que o foco será a parasitologia clínica, ou seja, parasitas que são passíveis de infectar a espécie humana. » Estenoxenos: são parasitas que infectam apenas uma ou poucas espécies muito próximas evolutivamente. Um exemplo é a lombriga, pois é um parasita exclusivamente humano. » Eurixenos: são parasitas que possuem a capacidade de infectar uma grande variedade de hospedeiros. Um exemplo é o Schistosoma, capaz de infectar diferentes organismos durante o ciclo de vida e reprodução. » Facultativos: são organismos que possuem uma etapa de seu ciclo de vida como parasita e outra fase de “vida-livre”, não dependendo do hospedeiro para sobreviver. Um exemplo controverso são os carrapatos que podem ter uma etapa de vida livre, mesmo sendo hematófagos. Essa classificação se dá pelo fato de os carrapatos suportarem um determinado período de tempo sem estar junto ao hospedeiro e mesmo assim ser capaz de se reproduzir. » Obrigatórios: são aqueles que possuem a necessidade de um hospedeiro para sobrevivência e não apresentam etapa de vida não estando em contato com o hospedeiro. Um dos exemplo clássicos é o Trypanosoma, pois está sempre interno a um hospedeiro. » Acidental: são os parasitas que vivem em hospedeiro que não é o costumeiro, ou convencional. Como exemplo, pode-se citar Dipylidium caninum, uma espécie de verme de animais domésticos 15 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I (gatos ou cães) que podem acidentalmente infectar humanos, especialmente crianças. Assim como as definições mencionadas para os parasitas, pode haver uma caracterização em relação aos hospedeiros: » Definitivo: são os hospedeiros que abrigam os parasitas durante as fases de maturidade e de atividade sexual. Apesar de alguns parasitas apresentarem ciclos distintos em diferentes hospedeiros, a definição de definitivo se dá pela fase de habilidade reprodutiva do organismo. Um exemplo importante é o humano no ciclo de infecção por Trypanosoma cruzi. » Intermediário: trata-se do complementar ao descrito anteriormente, ou seja, são os hospedeiros que abrigam o parasita durante a fase larval ou assexuada. Utilizando o mesmo exemplo acima, o hospedeiro invertebrado conhecido como barbeiro é o intermediário no ciclo de infecção do Trypanosoma cruzi. » Paratênico-Transporte: são hospedeiros intermediários sem desenvolvimento, no entanto apresentam viabilidade até entrar em contato com o hospedeiro definitivo. Pode-se utilizar como exemplo o hospedeiro invertebrado durante o ciclo de vida do Schistosoma mansoni, o caramujo do gênero Biomphalaria. Além de todas as classificações acima mencionadas, é possível classificar os parasitas segundo a maneira de coleta de nutrientes do hospedeiro: » Espoliativa: nutrição por meio da absorção de nutrientes e/ou sangue do hospedeiro. Exemplos práticos são parasitas hematófagos, como o piolho humano. » Enzimática: nutrição mediante a deterioração de tecidos do hospedeiro por ação enzimática do parasita. Um exemplo é o agente causador da ancilostomíase, que deteriora o tecido epitelial do intestino para a obtenção de nutrientes. » Irritativa: consiste na irritação local sem causar lesões traumáticas para obter a nutrição necessária, como a tênia no interior do intestino humano. 16 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS » Mecânica: consiste na interferência no fluxo alimentar ou de absorção de alimentos, competindo com o hospedeiro. Exemplo: o Schistosoma na veia porta hepática para a absorção dos nutrientes provindos do sistema digestório. » Tóxica: é quando existe a produção de enzimas e/ou metabólitos tóxicos ao hospedeiro por parte do parasita durante seu processo de alimentação. » Traumática: quando a nutrição provoca lesões no hospedeiro. Semelhante à enzimática e/ou irritativa em grau elevado de deterioração do tecido. » Anóxia: consiste na observada diminuição da taxa de oxigênio pelas hemoglobinas por interferência de parasitas. Reconhecidamente o observado pela infecção por Plasmodium. Para este curso, o foco será dado na relação HUMANO–PARASITA, abrangendo o ambiente no qual a espécie humana interfere, por exemplo os animais domesticados e as condições socioeconômicas dos indivíduos. Os mecanismos de entrada do parasita no hospedeiro podem ser por intermédio de diferentes meios. Podemos destacar: » Penetração ativa, ou seja, quando o parasita tem a capacidade de romper as barreiras do organismo hospedeiro, como pele, vasos sanguíneos e outros tecidos. » Penetração passiva, quando o parasita adentra por intervenção de vetores ou ingestão/penetração por formas infectantes, normalmente ovos ou cistos. Isso permite a transferência entre hospedeiros ou hospedeiro e vetor através de pele (retirada de sangue por vetores hematófagos); de tecidos (permanência nos tecidos de seres predados) ou mesmo de fezes (eliminação de formas infectantes, como ovos ou cistos). No Brasil, por exemplo, existe uma relação interessante entre o pequeno número de doenças parasitárias e o elevado número de casos dessas doenças. Esse fato leva a crer que problemas endêmicos são as principais causas de parasitoses, o que reflete em alguns fatores como: espécie do parasita, a idade média da população acometida pela doença, estado nutricional da população local, condições sanitárias e resposta imunológica do hospedeiro. 17 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I Condição de crescimento exacerbado e desordenado das cidades, baixa condição de vida e higiene das comunidades, falta de educação quanto aos hábitos e costumes das pessoas, além dos sistemas ineficientes de abastecimento de água, esgoto, coleta e tratamento dos dejetos são as principais causas de propagação de agente epidemiológico, sejam vetores ou mesmo os agentes causadores das doenças. Condições precárias observadas em diferentes regiões do Brasil realçam e complicam a seriedade de problemas parasitários no país. Problemas básicos de saneamento, higiene, acesso às condições mínimas de saúde e prevenção são cruciais para a eliminação, precaução e/ou controle de parasitas. Ao longo destematerial, refletiremos e analisaremos cenários que clarificarão o entendimento dos reais problemas encontrados neste país de dimensões continentais. Vale ressaltar que cerca de 48% da população brasileira não possui saneamento básico, ou seja, cerca de 120 milhões de habitantes. Além disso, apesar de possuir 12% do montante de água potável do planeta, cerca de 25 milhões de brasileiros não possuem acesso a esse recurso. Fatores como esses colocam o Brasil com um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,792, o que é considerado mediano comparado com a escala global. Tais problemas, que parecem ser facilmente resolvidos com melhoria nas políticas públicas, acarretam o ambiente propício para o desenvolvimento de doenças – o que inclui parasitoses endêmicas no território nacional – e acabam dificultando avanços na contenção dessas doenças. Como mencionado, o Brasil é um país de tamanho continental – o 5° maior território do planeta – e acaba sendo muito complicado a implementação de políticas de saúde ou melhorias das condições de acesso à água potável ou saneamento básico de esgoto. Como você proporia melhorias para que o Brasil melhorasse a forma de implementação desses serviços essenciais? Como definir a espécie humana como sendo um hospedeiro intermediário de alguma espécie? Você consegue identificar quais são os principais parasitas da cidade na qual você reside? Este site faz uma síntese do que foi discutido nesse capítulo: » S1.https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/farmacia/ definicoes-em-parasitologia/9827. Para compreensão dos vocábulos necessários, vale a pena a leitura da referência 1 (NEVES, D. P. Parasitologia Humana. 11. ed. São Paulo: Atheneu, 2010). 18 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS Considerando os seguintes organismos parasitas humanos: Ascaris lumbricoides (lombriga), Schistosoma mansoni (agente causador da esquistossomose), Trypanosoma cruzi (agente causador da doença de Chagas) e Pediculus humanus capitis (piolho humano), agrupe-os de acordo com as possíveis classificações apresentadas neste capítulo. Existe uma grande chance de você já ter, infelizmente, sido contaminado com algum parasita. Qual? É possível identificar o local e como ocorreu o contágio? A esquistossomose é uma doença endêmica que mata milhares de pessoas anualmente, sobretudo no Brasil e nos países africanos. Não existe um tratamento eficiente para combater a doença após o contágio, no entanto a prevenção é extremamente simples. Quais são os empecilhos para a não diminuição de casos dessa doença? 19 CAPÍTULO 2 Epidemiologia Epidemiologia é a ciência que interpreta e esclarece os meios de distribuição de doenças (características fisiológicas e sociais) e seus determinantes (ou fatores de risco) na população humana. Voltou a ter uma importância gigantesca e grande evidência pela recente pandemia viral que assombrou o planeta. Muitos passaram a se familiarizar com as descrições apresentadas por essa ciência. O objetivo principal consiste na prevenção das doenças, nos mais diversos grupos populacionais definidos por área geográfica, faixa etária, determinação ocupacional, entre outras classificações. Os estudos epidemiológicos podem ser aplicados e refletem uma função específica. Algumas especialidades de epidemiologia são: molecular; genética; veterinária; doenças infecciosas e parasitárias; doenças não transmissíveis; neuroepidemiologia; da violência; controle da poluição; aplicada à administração de serviços de saúde; infecções hospitalares. Todas as informações ajudam e são cruciais para a interpretação e compreensão dos eventos que a epidemia em si pode ocasionar. Nesta disciplina, focaremos na epidemiologia de doenças infecciosas e parasitárias, ou seja, qualquer doença causada por alguns agentes biológicos (como protozoários, helmintos e artrópodes), em contraste com causa física (consequências ao hospedeiro). Infelizmente, infecções virais não são consideradas como doenças parasitárias, apesar de um vírus ser um parasita celular obrigatório. Portanto, não serão profundamente estudadas ao longo deste material. A compreensão da relação “agente – vetor – meio ambiente – hospedeiro” é o principal enfoque de estudo da epidemiologia, em especial a relação direta de causa e consequência entre o agente e o hospedeiro (Figura 1). 20 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS Figura 1. Tríade epidemiológica. HOSPEDEIRO AGENTE VETOR MEIO AMBIENTE Fonte: adaptado de https://alunosanalisesclinicas.wordpress.com/tag/sistema-unico-de-saude/. Acesso em: 11 jul. 2020. As definições dos termos presentes na tríade epidemiológica são cruciais: o agente consiste no organismo parasita; o vetor, no hospedeiro intermediário e ou organismo que carrega o parasita até a infecção do hospedeiro, que, neste curso, será definido como o ser humano. Por fim, o meio ambiente é o local e/ou meio onde o agente, o vetor e o hospedeiro se encontram de maneira propícia para que a infecção ocorra. Existem inúmeras definições e conceitos que rodeiam a epidemiologia. Os conceitos estão muito bem explicados na referência 1, mas para quem não tem acesso fácil ao livro, existem sites bem explicativos na Internet, os quais abrangem esse tema (NEVES, D. P. Parasitologia Humana. 11. ed. São Paulo: Atheneu, 2010). Existe algum tipo de tríade epidemiológica que não seja uma tríade? Ou seja, algum dos elementos está faltando. Os pontos fundamentais a ser analisados são: Formas de Disseminação » Veículo comum: quando o agente etiológico (causador da doença) pode ser transferido por uma única fonte, por exposição única ou continuada. 21 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I » Interpessoal: é disseminado pelo contato entre indivíduos, e pode ser de diferentes maneiras, como contatos sanguíneo, sexual, mucosas ou mesmo respiratório. » Porta de entrada: entrada direta pelo trato respiratório, gastrointestinal, cutâneo ou geniturinário. » Reservatório de agentes: pode ser dividida quando o homem é o único agente infectado (antroponose) ou quando outros animais servem de reservatórios (zoonose). Outro fator que se tornou senso comum é a compreensão da extensão e dinâmica dessa doença frente à população e qual seu impacto. Dinâmica da doença na população » Endemia: presença constante da doença em uma parcela da população de determinada área geográfica, grupo populacional ou classe social (Figura 2). Um exemplo de endemia é a esquistossomose, em que o contágio comum de indivíduos por Schistosoma mansoni ocorre em determinada região e classe social ou hábitos. » Epidemia: tem como característica a elevação progressiva de casos, inesperada e descontrolada, ultrapassando os níveis endêmicos conhecidos, como o ocorrido com o surto de gripe aviária (H1N1) em 2009, porém de proporções regionais. » Pandemia: são epidemias que acontecem em proporções globais ou, pelo menos, regiões distantes geograficamente, como o exaustivamente explicado no caso da COVID-19, ou surto de corona vírus, que atingiu toda a sociedade humana em escala global. Figura 2. Modelo de diferenciação entre endemia e epidemia em função do tempo. Tempo N o d e C as os d e D oe nç a Epidemia Endemia Fonte: adaptado de https://www.stoodi.com.br/exercicios/uel/2008/questao/uel-2008-analise-a-figura-a-seguir-com-base-na/. Acesso em: 11 jul. 2020. 22 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS Outro termo que passou a fazer parte do vocabulário cotidiano é “medidas preventivas”. Essas medidas podem ser classificadas como: » Primárias: intervenção no contágio do indivíduo pelo controle dos fatores de risco, agindo preventivamente. » Secundárias: intervenção clínica sobre os indivíduos já acometidos pelo agente patogênico. » Terciárias: intervenção visando à prevenção da incapacidade do indivíduo, e normalmente são processos de reabilitação, reeducação e readaptação de pacientes com sequelas. Existe uma série dedoenças endêmicas presentes nos países subtropicais que causam milhares de mortes por ano. No entanto, não há um esforço das grandes multinacionais para a criação e o planejamento de medicamentos efetivos para essas infecções parasitárias. Será que isso se deve ao fato de serem doenças de países subdesenvolvidos cuja população não apresenta elevado poder aquisitivo? E como poderíamos mudar esse cenário? Um filme interessante é chamado “Contágio” (Contagion, título original) de Steven Soderbergh, em 2011. Esse filme apresenta a possibilidade de uma nova espécie de vírus influenza (vírus da gripe) criado acidentalmente pela fusão de partes de proteínas específicas de vírus suínos e quirópteros (morcegos). Retrata as dimensões de uma pandemia em escala global e como isso afetaria todos os indivíduos no planeta. Infelizmente, a espécie está propensa a sofrer tal impacto e não estamos preparados para isso. Devido à rápida disseminação através de turistas, viagens, tripulações etc., como poderíamos minimizar uma expansão rápida e como propor um plano de contenção dos contágios em escala global. Bem semelhante ao que aconteceu em 2020, não? Considere os seguintes organismos parasitas humanos: Ascaris lumbricoides (lombriga), Schistosoma mansoni (agente causador da esquistossomose), Trypanosoma cruzi (agente causador da doença de Chagas) e os vírus da Zika e do Corona (causadores da zika e COVID-19, respectivamente). Agrupe-os de acordo com as possíveis classificações apresentadas neste capítulo, elucidando quais são as formas de disseminação. Explique a dinâmica populacional e as prováveis medidas 23 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I preventivas. Além disso, monte as tríades epidemiológicas para cada uma dessas doenças. Como se prevenir de possíveis contágios inesperados de doenças virais durante viagens ou locais públicos? Em 2020 observamos um evento de proporções globais que havia sido observado algumas vezes na história da espécie. O que conseguimos aprender de lição com todos os fatos observados durante a pandemia de corona vírus? É possível se prevenir contra uma futura situação semelhante a essa? Como a COVID-19 impactou sua vida? Algo mudou de fato? 24 CAPÍTULO 3 Classificação dos seres vivos São inúmeros os seres vivos e, para simplificar, eles foram agrupados em relação às características morfológicas, fisiológicas, estruturais, filogenéticas, entre outros critérios. Os níveis hierárquicos são representados na Figura 3 e seguem sempre a mesma organização: domínio – reino – filo – classe – ordem – família – subfamília – tribo – gênero – subgênero – espécie. Figura 3. Classificação hierárquica dos seres vivos em fluxograma. Domínio Reino Filo Classe Ordem Família Gênero Espécie Fonte: adaptado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Domínio_(biologia). Acesso em: 11 jul. 2020. Dentre a classificação taxonômica, deve-se destacar que vírus não possuem a mesma organização como apresentado na Figura 3. Segundo a classificação internacional de taxonomia de vírus (ICTV), a taxonomia viral se inicia em ordem pela classificação virales e apresenta todas as demais categorias abaixo, ou seja, família, gênero, espécie, podendo ainda apresentar tipo e cepa como as categorizações mais específicas. Mas como já mencionado, os grupos de interesse em parasitologia não são todos. A espécie humana é hospedeira de organismos presentes no reino Animalia de cinco filos distintos (Protozoa, Platyhelminthes, Nematoda, Acantocephala e 25 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I Arthropoda), todos com inúmeras espécies e características únicas. Dentre os possíveis parasitas humanos, pode-se distingui-los pelo modo de transmissão: transmissão interpessoal por contato ou uso de objetos; transmissão por água, alimentos, falta de higiene, poeira; transmissão por contato com o solo contaminado com larvas ou seres unicelulares; transmissão por vetores ou hospedeiros intermediários em contato com o ser humano e a transmissão por mecanismos diversos. Vale destacar que as classificações taxonômicas entre os organismos envolvidos no parasitismo não são simples de ser determinadas. Por exemplo, o Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, possui fase de vida em caramujo (Biomphalaria glabrata) que é evolutivamente divergente de humanos (Homo sapiens sapiens) desde filo, ou seja, não tem uma relação filogenética aparente para a comum infecção. Essa evidência, além de tantas outras, mostra a importância de outros elementos da tríade epidemiológica para que ocorra o contágio. Outro aspecto relevante é a nomenclatura das doenças parasitárias. Não há homogeneidade em relação às nomenclaturas ou uso dos sufixos corretos para a determinação adequada. O adotado convencionalmente foi a utilização dos sufixos “ose” acompanhando o gênero do agente etiológico. Foi mencionado que somente 5 (cinco) filos do reino Animalia são parasitas da espécie humana. Identifique pelo menos um organismo pertencente a cada um dos filos mencionados e uma característica morfológica que o identifique como membro do filo em questão. Outro aspecto relevante para a reflexão é que todos nós ficamos, ao menos uma vez na vida, gripados. Sabe-se que a gripe é causada por contágio viral, e também é amplamente conhecido que os vírus são parasitas celulares obrigatórios, ou seja, o vírus da gripe é um tipo de parasita da espécie humana. Qual seria então a classificação taxonômica de um vírus? Vírus são comumente encontrados e possuem um enorme impacto na sociedade humana, bem como todos os organismos no planeta. No entanto, os vírus não possuem uma classificação hierárquica completa. Podemos considerar os vírus como seres vivos? Quais os motivos de sua conclusão? 26 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS Novamente sobre vírus, sabe-se que são considerados parasitas obrigatórios. Mas como definir o tipo de relação parasitária de vírus em relação às células e aos organismos como um todo? Antes de entrarmos nos aspectos detalhados de parasitologia humana, devemos destacar um parasita celular obrigatório comumente envolvido em milhares e/ou até milhões de indivíduos. Dado o presente cenário global, é fundamental que entendamos um elemento já previamente mencionado neste material e que possui elevada importância quando pensamos em saúde humana e em medidas profiláticas que serão abordadas neste material. Os vírus são subunidades proteicas com ou sem membrana envoltória que infectam organismos, e consequentemente células, para utilizar sua maquinaria molecular para produção de inúmeras cópias de seu material genético e proteínas estruturais. Vírus podem ser envelopados ou não e isso interfere diretamente no mecanismo de infecção e replicação. A variedade de espécies e subespécies de vírus existentes é imensa e continua aumentando devido à sua alta taxa de mutação e adaptação em razão da pressão seletiva. Exemplo: somente o vírus da gripe, originalmente conhecido como Influenza A, já foi descrito em mais de 32 subvariantes, dentre eles alguns bem conhecidos por causa da sua elevada taxa de mortalidade em humanos e infectividade (H1N1, ou gripe suína/espanhola ou H3N2). As letras H e N vêm das proteínas presentes na membrana que envolve as unidades virais, denominadas hemaglutininas e neuraminidases. Essas proteínas são as responsáveis por permitir que os vírus entrem em nossas células sem romper a membrana celular. Após a invasão, a maquinaria viral controla a expressão genética das células dos hospedeiros, permitindo, assim, que ele produza incontáveis cópias que infectarão novas células. O ciclo de vida consiste em etapas distintas como a interação com a membrana celular externa à célula por meio do reconhecimento de receptores específicos, entrada por fagocitose/endocitose seguido de desencapsulamento mediante o efeito de redução do pH (acidificação) dentro do endossomo que contém a partícula viral. Uma vezdentro da célula, a replicação do material genético acontece por intermédio do recrutamento da maquinaria molecular da célula hospedeira. Após a replicação do conteúdo genético e a produção das proteínas virais, os virions são montados e liberados para o ambiente. Essa liberação pode ocorrer de maneira sutil, de modo que não haja a ruptura da membrana celular e consequente morte da célula (brotamento), ou simplesmente por lise celular. 27 CONCEITOS GERAIS │ UNIDADE I Assim como descrito acima, outro vírus que recentemente (ou atualmente!) está apresentando um papel importante no cotidiano humano é a nova cepa de coronavírus humano. Destacaremos um pouco sobre esse causador da pandemia denominada COVID-19. É uma pandemia (conceito visto alguns itens acima) que vem assombrando o mundo desde dezembro de 2019, sendo identificada em 199 países e causando milhares de óbitos. Essa doença é causada por um novo vírus denominado SARS-CoV2, ou novo coronavírus, que pode causar a síndrome respiratória aguda, também conhecida como SARS ou MERS. O nome coronavírus se dá por conta da sua aparência, com proteínas ao redor de uma membrana que fazem parecer uma coroa em seu contorno (coroa, em espanhol, significa corona). Esses vírus pertencem a uma classificação conhecida como Coronaviridae e são “primos” não tão distantes de vírus mais comuns como o da gripe (Influenza). Apesar de a pandemia ser recente, os coronavírus são velhos conhecidos dos humanos, sendo eles os causadores de doenças graves como o SARS, MERS e, agora, o COVID-19. Todas essas doenças são síndromes respiratórias graves que afetam diversas espécies, incluindo os humanos. São caracterizadas por febre, tosse e diarreias. A grande diferença entre essas doenças (SARS, MERS e CONVID-19) são as pequenas variações entre os diferentes tipos de coronavírus e a maneira que essas doenças se espalham e afetam a população. A COVID-19, ou doença do coronavírus, surgiu em Wuhan, na China, onde algumas pessoas apresentavam uma tosse seca, e algumas evoluíram para uma severa pneumonia. Inúmeras pessoas sequer apresentarem os sintomas da doença, e sabemos que aproximadamente 80% dos casos podem se recuperar sem precisar de tratamentos especiais. No entanto, apesar da baixa porcentagem geral, milhares de pessoas já evoluíram para a forma mais severa e acabaram vindo a óbito. Assim como em outras pandemias observadas ao longo da história humana, o desenvolvimento de vacinas e novas drogas terapêuticas é a saída viável e demanda tempo e investimento. Esse tipo de situação serve para mostrar o quão frágeis como espécie somos e precisamos estar sempre preparados para uma situação como essa, fazendo o uso da ciência e da informação de pesquisas relacionadas à infectologia para prevenir e combater situações como as observadas em 2019/2020. 28 UNIDADE I │ CONCEITOS GERAIS Porém, apesar de ser um parasita obrigatório e sua extrema importância na saúde humana, o foco desse módulo será em parasitoses ocasionadas por protozoários, helmintos e artrópodes, como veremos na Unidade II. Dúvidas sobre virologia ou questionamentos sobre situações vividas devido à pandemia são extremamente bem-vindos e encorajados a ser compartilhados na plataforma online da disciplina. O que foi a pandemia para você? Como passou? Descreva os impactos e como isso mudou (ou não) sua vida e sua perspectiva de carreira frente a esse assunto. Uma das medidas mais seguras e indicadas foi o isolamento social, ou seja, conter a infecção para que o sistema de saúde não colapse. Qual a sua opinião sobre essa medida? O que faria de diferente numa situação como essa? 29 UNIDADE IIPARASITOLOGIA HUMANA Nesta unidade daremos início às análises dos organismos parasitas que se hospedam definitiva ou intermediariamente nos seres humanos, os quais são amplamente infectado por esses organismos. Serão abordados os seguintes tópicos para o estudo e a compreensão de cada organismo: morfologia; meio de reprodução; nutrição e características diferenciais; sistemática; principais ciclos biológicos; mecanismo de transmissão; patogenia; diagnóstico; profilaxia e tratamento. CAPÍTULO 1 Protozoários Os protozoários são micro-organismos cuja classificação taxonômica é feita com base em suas estruturas de locomoção e são agrupados em um reino próprio, denominado Reino Protista (junto às algas unicelulares crisófitas, euglenófitas e pirrófitas) (Figura 4). São seres eucariontes (núcleo celular organizado dentro de uma membrana) e a maioria é heterótrofa. Embora alguns sejam autótrofos, ou seja, produzem clorofila e com ela fazem a fotossíntese, produzem seu próprio alimento a partir de compostos inorgânicos. Os protozoários possuem uma história interessante em relação à sua classificação taxonômica. Inicialmente, em 1818, esses organismos unicelulares foram observados em amostrar através de microscópio ótico e categorizados como sendo parte de um filo (Protozoa) no reino animal. Anos após, em 1980, evidências científicas demonstraram que essa variedade de organismo apresentava características bioquímicas e moleculares únicas, o que levou cientistas a classificar esses organismos em seu próprio reino, surgindo assim o Reino Protista. Contudo, diferentes grupos apresentavam diferentes argumentos para essa classificação, o que levou a uma discussão severa à época e incluiu os protozoários junto ao Reino Vegetal, com uma distinção sutil entre 30 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA protozoários e algas unicelulares. Atualmente, apesar de inúmeros argumentos e classificações que são atualizadas constantemente, os protozoários voltaram a ser categorizados como pertencentes ao Reino Animal dentro de dois filos: Plasmodroma e Ciliophora. Identifique e cite ao menos 3 exemplos de protozoários categorizados como autótrofos e heterótrofos. A importância desses organismos na saúde humana é tremenda. Como será observado neste material, a lista de doenças causadas por protozoários é extensa e, em sua maioria, ocorrem em países denominados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, também conhecidos como “países pobres”. Inúmeros esforços para desenvolver medidas profiláticas, tratamentos e drogas efetivas contra doenças ocasionadas por protozoários têm sido constantemente testados e estudados. Sabe-se que inúmeras parasitoses são endêmicas de países denominados em desenvolvimento ou, mais atualizado, subtropicais. Ou seja, essas doenças são, em sua maioria, doenças de “países pobres” ou com recursos escassos para pesquisas e desenvolvimentos de novos métodos contra essas parasitoses, portanto são denominadas doenças negligenciadas. Em outras palavras, doenças negligenciadas são enfermidades causadas por agentes infecciosos presentes em regiões endêmicas de baixa renda. Devido ao custo de mercado de desenvolvimento de um fármaco, grandes multinacionais farmacêuticas alegam que tais doenças não apresentam indicadores aceitáveis de investimento em pesquisa e produção de potenciais medicamentos, sobretudo pela elevada taxa de mortalidade e por não evoluírem para doenças crônicas, que é o grande foco de empresas farmacêuticas. Em todo o planeta, as doenças negligenciadas causam a morte de 0.5 a 1 milhão de seres humanos por ano, e cerca de 1/6 da população mundial atual, mais de 1 bilhão de pessoas, está contaminada com uma ou mais dessas doenças, o que acarretará morte ou incapacidade produtiva para esses indivíduos. Apesar de serem amplamente encontradas na América Latina, África e Ásia, essas doenças são comumente atreladas à ausência ou deficiência de políticas de saneamento básico. No Brasil, por exemplo, as doenças categorizadas como negligenciadas graves e recorrentes são: dengue, doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose. Apesar de algumas delas possuírem origem viral ou bacteriana, de modo que não serão aprofundadas neste material, fica evidente a presença de doençasditas parasitárias. 31 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II O Ministério da Saúde, juntamente à Organização Mundial da Saúde (OMS), vem tentando ao longo dos anos encontrar uma solução economicamente viável para essas endemias. Contudo, não existe o aporte financeiro necessário para o combate a essas doenças, dada a baixa importância no mercado comercial de medicamentos e farmacêuticos. Por conta desse abismo financeiro, instituições públicas, como universidade e centros de pesquisa, vêm desenvolvendo métodos que possam se enquadrar nas políticas públicas e econômicas do país para que exista o desenvolvimento de algum fármaco ou tratamento eficaz contra essas doenças no Brasil. Dentre esses programas estabelecidos em colaboração entre o governo federal e as universidades públicas, destaca-se o Instituto Nacional de Biotecnologia Estrutural e Química Medicinal em Doenças Infecciosas (INBEQMeDI). O Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) possui metas abrangentes em termos nacionais como possibilidade de mobilizar e agregar os melhores grupos de pesquisa em áreas de fronteira da ciência e em áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável do país. Além disso, visa impulsionar a pesquisa científica básica e fundamental competitiva internacionalmente e estimular o desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica de ponta associada a aplicações para promover a inovação e o espírito empreendedor. Esses desenvolvimentos tecnológicos são amplamente aplicados em empresas de base inovadora integradas ao Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec). Além de promover o avanço da competência nacional nas áreas de biologia estrutural, bioquímica e química medicinal, o INCTs também ajudam diretamente na formação de jovens pesquisadores, apoiando a instalação e o funcionamento de laboratórios em instituições de ensino e pesquisa e em empresas. Isso proporciona a melhor distribuição nacional da pesquisa científico-tecnológica, e a qualificação do país em áreas prioritárias para o seu desenvolvimento regional e nacional. O INBEQMeDI é um exemplo de inúmeros outros em que as parcerias governo-universidades tentam estancar a sangria que ocorre devido à falta de investimentos necessários em pesquisa e inovação, em setores estratégicos e fundamentais para a pesquisa e o desenvolvimento do país. Além disso, esses investimentos favorecem a futura descoberta e aplicação dos achados científicos contra as endemias negligenciadas que nunca terão o investimento necessário de capital externo em sua pesquisa. 32 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA Justamente com medidas nacionais, ações de cunho internacional têm sido colocadas em prática. A OMS criou, em 2015, um plano de colaboração com a Organização das Nações Unidas (ONU) e diferentes outros centros de excelência em pesquisa e tratamento de doenças negligenciadas. Dentre esses centros, destaca-se, no Brasil, a Fiocruz, ou Fundação Oswaldo Cruz, extremamente relacionada e dedicada à pesquisa das doenças nacionais. Essa ação conjunta identificou que além das condições de saneamento e acesso a fontes de água potável, outros fatores são extremamente importantes e devem ser levados em conta para a minimização, a contenção e a futura erradicação dessas doenças. Dentre os pontos observados, a condição de miséria e de desigualdade nas áreas endêmicas de muitos países, além da dinâmica circular dada à intensa circulação de pessoas, acaba tornando o problema, antes endêmico, em uma questão global. Além disso, documentos emitidos pela junta médica responsável por esses estudos apontam que as infecções por doenças tropicais prejudicam o desenvolvimento intelectual das crianças, o que reduz a taxa de escolarização e, muitas vezes, desabilita os infectados para o trabalho em uma perspectiva futura, acarretando consequências econômicas desastrosas. Mais do que um problema para a saúde, as doenças negligenciadas configuram um entrave ao desenvolvimento humano e econômico das nações. Ao longo deste material, focaremos em doenças causadas majoritariamente por protozoários, helmintos e artrópodes, observando a definição de parasitologia clínica. Contudo, outras doenças negligenciadas e surtos virais serão brevemente mencionados para elucidar algumas diferenças e exemplificar a importância da pesquisa e do reconhecimento dessas doenças. Dando início ao material específico, abordaremos os organismos que primeiro divergiram na escala evolutiva dos demais que serão estudados – os protozoários. São seres unicelulares que podem ser visualizados facilmente por microscopia óptica convencional, como observado na Figura 4. 33 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II Figura 4. Exemplos de quatro protozoários: ciliado (Paramecium caudatum), flagelado (Trypanosoma brucei), rizópode (Entamoeba histolytica) e sem organelas locomotoras (Plasmodium vivax). Fonte: http://protist.i.hosei.ac.jp/PDB/Images/Ciliophora/Paramecium/caudatum/intactcells/sp_10.html; https://www. sciencesource.com/archive/Trypanosoma-brucei-rhodesiense--LM-SS2395922.html; https://www.cdc.gov/dpdx/amebiasis/index. html; https://www.pinterest.com/pin/365917538446642023/?nic=1a. Acesso em: 12 jul. 2020. Morfologia Os protozoários são seres que apresentam variações diversificadas e abrangentes conforme sua fase evolutiva e o meio no qual estejam adaptados. Podem ser esféricos, ovais ou mesmo alongados. Alguns são revestidos de estruturas conhecidas como cílios, outros possuem um ou vários flagelos. Além disso, existem ainda os que não possuem nenhuma organela locomotora especializada. A atividade fisiológica influencia fazendo com que algumas espécies possuam fases bem definidas. Assim, temos: » trofozoíto: é a configuração ativa do protozoário, na qual ele se alimenta e se reproduz por distintos processos; » cisto: é a configuração de resistência, onde o protozoário possui uma parede extracelular resistente que o protegerá enquanto estiver em ambiente impróprio e inadequado para a vida livre ou durante sua fase de latência; » gameta: é a configuração sexuada, que aparece em algumas espécies de protozoários. 34 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA Os organismos participantes do Reino Protista são seres unicelulares que, para sobreviver, têm de ser capazes de realizar todas as funções necessárias para a manutenção da vida, ou seja, alimentação, respiração, reprodução, excreção e locomoção. Para cada função existe uma organela própria. Vejamos: » Cinetoplasto: é uma mitocôndria especializada, rica em material genético. » Corpúsculo basal: base de inserção do componente motor dos cílios e flagelos. » Reservatório: hipóteses apontam para que seja um local onde ocorram processos de secreção, excreção e ingestão de partículas, mediante o processo de pinocitose e fagocitose. » Lisossomo: permite a digestão intracelular de partículas alimentares. » Complexo golgiense: responsável pela síntese de carboidratos e condensação da função de secreção proteica para o meio extracelular ou para incorporação nas membranas lipídicas do organismo. » Retículo endoplasmático: a. liso: responsável pela síntese de esteroides; e b. granular ou rugoso: responsável pela síntese de proteínas em seu lúmen. » Mitocôndria: produção energética da célula. » Microtúbulos: movimentos celulares (contração e distensão) e vias de transporte interno de vesículas. » Flagelos, cílios, membrana ondulante e pseudópodes: responsável pela locomoção da célula no meio em que se encontra. » Axonema: eixo central do flagelo. » Citóstoma: permite a ingestão de partículas alimentares. Cada organela possui semelhança nas várias espécies dentro do reino, entretanto é possível que haja pequenas distinções que podem ser observadas sob o microscópio óptico ou, unicamente, por intermédio de um microscópio eletrônico. 35 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II Flagelos, cílios, membrana ondulante epseudópodes são estruturas relacionadas à locomoção dos protozoários. Cite o nome de ao menos um protozoário para cada tipo de estrutura mencionada. Reprodução Encontramos os seguintes tipos de reprodução: Assexuada » Divisão binária ou cissiparidade. o que consiste na divisão assexuada das células, formando duas células-filhas idênticas e a mesma carga de material genético. » Brotamento ou gemulação. » Endogenia: surgimento de células-filhas, duas ou mais, por brotamento interno à célula. » Esquizogonia: divisão nuclear seguida da divisão celular, resultando em indivíduos isolados. Estes rompem a membrana celular da célula-mãe e continuam a se desenvolver. Na realidade, existem três tipos de esquizogonia: merogonia (produz merozoítos), gametogonia (produz microgametas) e esporogonia (produz esporozoítos). Sexuada » Conjugação: consiste na união temporária de dois indivíduos, com troca mútua de materiais nucleares. » Singamia ou fecundação: consiste na união de microgameta e macrogameta formando o ovo ou zigoto, que pode se dividir para fornecer esporozoítos. A formação de gametas é denominada gametogonia. Nutrição e características Quanto ao tipo de alimentação, dividem-se em: » Holofíticos ou autotróficos: ou seja, a partir de pigmentos presentes no citoplasma, conseguem sintetizar compostos orgânicos utilizando 36 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA a energia provinda da luz solar, o que ocorre por intermédio do processo denominado fotossíntese. » Holozoicos ou heterotróficos: ingerem partículas orgânicas, digestão por ação enzimática. Essa ingestão pode ser denominada fagocitose (ingestão de partículas sólidas) ou pinocitose (ingestão de partículas líquidas). » Saprozoicos: têm a capacidade de absorver substâncias inorgânicas, desde que estas estejam decompostas e dissolvidas em meio aquoso. » Mixotróficos: são capazes de obter alimentos por mais de um dos métodos descritos. Identifique e cite ao menos três exemplos de protozoários categorizados como saprozoicos e mixotróficos. Patogenias Micro-organismos de vida livre são presentes em muitos ambientes. No entanto, alguns levam vida parasitária e podem acarretar doenças para os animais. Febre, cistos dolorosos e outros são alguns sintomas em seus hospedeiros. Muitos protozoários podem causar doenças na espécie humana e em outros animais vertebrados. Por exemplo: Trypanosoma cruzi é um protozoário flagelado e agente causador da doença de Chagas. Entre doenças causadas por protozoários, destaca-se a amebíase (pela Entamoeba histolytica), a giardíase (pela Giardia lamblia), a malária (por Plasmodium sp), diferentes tipos de leishmaniose (pelas Leishmania sp) e diversas outras patogenias. Neste tópico, doenças parasitárias causadas por protozoários serão detalhadas com o foco principal nas endemias brasileiras dentre as parasitoses apresentadas. Mediante as definições apresentadas nesta breve introdução, descreva os seguintes organismos de acordo com as estruturas celulares presentes e o tipo de reprodução: Giardia lamblia, Plasmodium sp e Trypanosoma cruzi. 37 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II Leishmanioses As leishmanioses podem ser causadas pelo contágio de diferentes espécies dos protozoários do gênero Leishmania, e são transmitidas por meio da picada de um mosquito pertencente à subfamília Phlebotominae. Segundo a OMS, epidemias recorrentes de leishmaniose visceral são presentes na África Oriental (Etiópia, Quênia, Sudão do Sul e Sudão) e causaram alta mortalidade nas comunidades afetadas. Da mesma forma, grandes epidemias de leishmaniose cutânea afetaram diferentes partes do Afeganistão, da Síria e de países árabes. Em 2017, 20.792 dos 22.145 (94%) novos casos relatados à OMS ocorreram em sete países: Brasil, Etiópia, Índia, Quênia, Somália, Sudão do Sul e Sudão. No sudeste asiático, o programa de eliminação de calazar está progredindo satisfatoriamente, e, em países como Bangladesh, que relataram mais de 9.000 casos em 2006, houve uma redução drástica para 255 e 192 novos casos em 2016 e 2017, respectivamente. Anteriormente conhecida como uma doença de regiões rurais, a leishmaniose passa a ser frequentemente encontradas em regiões metropolitanas desde o início da década de 1990, com um aumento do número de casos em mais de 47% na última década, no Nordeste brasileiro. Segundo o Ministério da Saúde (MS), em 2016 foram registrados no Brasil 3626 casos, com 275 mortes relatadas no mesmo período. A letalidade é considerada alta (~ 7,8%), mas mesmo assim as políticas públicas não crescem proporcionalmente com a gravidade da doença. Ela apresenta três formas clínicas mais frequentes (Figura 5): » Leishmaniose cutânea: causadora de feridas na pele. » Leishmaniose mucocutânea: cujas lesões podem levar à deterioração parcial ou total de mucosas. » Leishmaniose visceral, também conhecida como calazar: é caracterizada por surtos de febre irregulares, substancial perda de peso, hepatoesplenomegalia e anemia severa. O não tratamento pode levar à morte na totalidade dos casos. 38 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA Figura 5. Da esquerda para direita, exemplos de: leishmaniose cutânea presente na perna de indivíduo humano; leishmaniose mucocutânea e leishmaniose visceral em um garoto da região nordeste brasileira. Disponível em: http://www.controlarambiental.com.br/Leishmaniose.html; http://www.revistacirurgiabmf.com/2013/2/2.pdf; http://www.mdsaude.com/2010/05/leishmaniose.html. Acesso em: 12 jul. 2020. Atualmente, atingem cerca de 12 milhões de pessoas em 88 países do mundo, sendo 72 considerados países em desenvolvimento (Figura 6). A distribuição, segundo o tipo de leishmaniose, é: » 90% dos casos de leishmaniose visceral ocorrem em Bangladesh, Brasil, Índia, Nepal e Sudão. » 90% dos casos de leishmaniose mucocutânea ocorrem na Bolívia, Brasil e Peru. » 90% de todos os casos de leishmaniose cutânea ocorrem no Afeganistão, Brasil, Irã, Peru, Arábia Saudita e Síria. Como mencionado, a leishmaniose é uma das doenças negligenciadas e não possue um aporte de investimento elevado da indústria farmacêutica, o que prejudica os avanços em desenvolvimento de fármacos e tratamentos eficazes contra a doença. Contudo, inúmeros cientistas e centros de pesquisas realizam estudos em busca de potenciais alvos moleculares e desenvolvimento de drogas. Ao menos cinco grupos de pesquisa no Brasil estão atualmente estudando e desenvolvendo métodos de pesquisa básica que possibilitarão (esperemos!) um avanço contra essa endemia. Vale ressaltar que o método científico de desenvolvimento de drogas é baseado na identificação da molécula alvo, em geral uma enzima essencial e única para o metabolismo do organismo, e a identificação de moléculas denominadas hits (moléculas que poderão se tornar potenciais fármacos). A identificação dessas 39 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II moléculas requer inúmeros anos de pesquisa e investimento, de modo que seja possível a determinação da estrutura do alvo molecular, o reconhecimento e a síntese desse hit antes mesmo de iniciar as fases de teste in vivo, ou seja, em animais. Essas etapas conhecidas como pré-clínicas são essenciais para o posterior avanço dessas moléculas para a fase clínica de ensaios em pequena, média e larga escala, sequencialmente. Por fim, essas moléculas poderão ser aprovadas pelas agências de regulamentação (ANVISA no Brasil, e FDA nos Estados Unidos da América, por exemplo) e finalmente ser comercializadas. Esse processo demanda pesquisa, tempo e investimento, que, infelizmente, países subdesenvolvidos não possuem e acabam dependendo de investimento estrangeiro. Mas voltando a leishmaniose, o Brasil é um dos pioneiros no estudo de alvos moleculares em fases pré-clínica que poderão ser candidatos futuramente no desenvolvimento de potenciais fármacos. Agente etiológico As leishmanioses são causadaspor parasitas do gênero Leismania. As espécies L. donovani, L. infantum infantum, e L. infantum chagasi podem acarretar leishmaniose visceral, mas, em casos leves, apenas manifestações cutâneas. As espécies L. major, L. tropica, L. aethiopica, L. mexicana, L. braziliensis, L. amazonensis e L. peruviana são as responsáveis pela leishmaniose cutânea ou mucocutânea. Esse protozoário apresenta ciclo de vida envolvendo dois hospedeiros; um vertebrado e um invertebrado (ciclo heteroxeno). Os hospedeiros vertebrados podem incluir uma grande variedade de mamíferos, entre eles: roedores; endentados (tatu, tamanduá, preguiça); marsupiais (gambá); canídeos e primatas, o que inclui o homem. Os hospedeiros invertebrados, em geral, são pequenos insetos da ordem Diptera, família Psycodidae, subfamília Phlebotominae, gêneros Lutzomyia e Phebotomus. 40 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA Figura 6. Distribuição dos casos de leishmaniose no mundo, dados atualizados da WHO (Organização Mundial da Saúde), de 2019. A intensidade de azul reflete o número de ocorrências registradas da doença. Fonte: Cruz, I. et al. The Indian Journal of Medical Research 123(3):357-88 (2006). Uma característica morfológica interessante está na diferenciação das conformações celulares mediante ao hospedeiro (Figura 7). » Amastigotas: possuem forma oval ou esférica, e são as formas encontradas no hospedeiro vertebrado. Não há flagelo livre, mas um rudimento presente na bolsa flagelar. » Promastigotas: formas alongadas, com flagelo livre na região anterior. Encontradas no tubo digestivo do inseto vetor e hospedeiro intermediário e em meio de cultura. » Paramastigotas: formas ovais ou arredondadas com flagelo livre. Encontradas aderidas ao tecido epitelial do sistema digestivo do inseto vetor, por meio de hemidesmossomos. Figura 7. Da esquerda para direita, exemplos de: leishmanias na forma amastigota e promastigota, e na forma paramastigota. Fonte: http://enfermagem-sae.blogspot.com.br/2009/04/leishmaniose-visceral-ou-calazar.html; http://www.fcfrp.usp.br/dactb/ Parasitologia/Arquivos/Genero_Leishmania.htm. Acesso em: 12 jul. 2020. 41 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II Ciclo No vetor: o inseto pica o vertebrado contaminado e ingere macrófagos que contêm as formas amastigotas do parasita. Ao chegar ao estômago do inseto, essas células se rompem, liberando as amastigotas que, por sua vez, passam por processo de divisão binária e, posteriormente, à forma promastigotas. Passam por divisão e se multiplicam ainda no sangue ingerido (envolto pela membrana peritrófica). Essa membrana se rompe entre o terceiro e quarto dia e libera as células parasitas no hospedeiro. As formas promastigotas permanecem se reproduzindo por cissiparidade, com a possibilidade de duas vertentes distintas, de acordo com a espécie do parasita (Figura 8). As leishmanias categorizadas como pertencentes ao grupo brasiliensis têm a capacidade de migrar para as regiões do piloro e do íleo (seção peripilária), onde mudam de promastigotas para paramastigotas, aderindo ao epitélio do intestino do inseto. Nas leishmanias do “complexo mexicana”, ocorre de maneira análoga; no entanto a fixação das células paramastigotas ocorre no estômago do inseto. Novamente transformam-se em promastigotas que migram para a região da faringe. Nesse local, transformam-se para a forma paramastigota e, em seguida, diferenciam-se em promastigotas infectantes, altamente móveis, que se deslocam para o aparelho bucal do inseto. No vertebrado: durante a hematofagia, ocorre a injeção de protozoários na forma promastigota no local da picada. Em algumas horas, esses flagelados são interiorizados pelos macrófagos teciduais. Nesse momento, as formas promastigotas se diferenciam da forma amastigota, encontradas em meio sistêmico, cerca de um dia a partir do momento da fagocitose. As amastigotas são extremamente resistentes à ação dos macrófagos e possuem elevada taxa reprodutiva. Com o excesso de amastigotas no citoplasma dos macrófagos, o rompimento celular é inevitável, liberando as amastigotas, que penetram outros macrófagos, o que inicia a reação inflamatória. 42 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA Figura 8. Ciclo de vida e contágio da Leishmania sp na etapa de parasitismo humano. Fonte: https://knoow.net/ciencterravida/leishmania-genero/. Acesso em: 12 jul. 2020. O ciclo de vida pode se diferenciar em dois hospedeiros, iniciando-se pela forma infetante de Leishmania, a forma promastigota presente na fêmea do mosquito-palha é injetada na corrente sanguínea do hospedeiro vertebrado (1). Posteriormente, as células promastigotas são fagocitadas pelas células presentes no reticuloendotelial (2). No interior dos macrófagos, as promastigotas originam células amastigotas por fissão binária, etapa essa factível de diagnóstico clínico (3). Após a destruição dos macrófagos, as amastigotas continuam sendo fagocitadas subsequentemente por novos macrófagos (4). Posteriormente, outro mosquito terá a chance de se infectar quando se alimentar do tecido sanguíneo de hospedeiros infectados (5). As amastigotas tornam-se novamente promastigotas no lúmen intestinal do inseto após alteração de pH e temperatura (6) e finalmente passam a se multiplicar e acumular por fissão binária (7). Epidemiologia Iniciada como uma enzootia (doença cujos hospedeiros são somente animais) em animais silvestres. A transmissão ao ser humano ocorre quando este penetra selva adentro para realizar suas atividades ou as regiões de conurbação e de ocupação humana se aproximam demasiadamente das regiões de vida livre dos parasitas e dos hospedeiros invertebrados naturais. Nesse caso, a doença é considerada como uma zoonose (doença cujo ciclo envolve animais e o homem). 43 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II Profilaxia » Evitar picadas do mosquito vetor por meio de medidas de proteção individual: repelentes, tela de mosquiteiro de malha fina embebidas em inseticidas. » Em áreas de colonização recente, é recomendada a construção de casas a uma distância de, no mínimo, 500 metros da mata, devido à baixa capacidade de voo dos insetos hospedeiros. » Vacinação em animais domésticos: em fase final de testes (Leishvacin, produzida pela Bioquímica do Brasil S/A (Biobrás), somente para a realização de ensaios clínicos. A produção em escala comercial ainda não é viável, segundo o Diretor de Desenvolvimento Tecnológico da Biobrás, Luciano Vilela, e falta a liberação do registro pelo Ministério da Saúde). Diagnóstico Diagnóstico clínico » Fundamentado na característica apresentada na lesão e em dados epidemiológicos da região previamente conhecidos. Diagnóstico laboratorial » Pesquisa do parasita por intermédio de exame direto de esfregaços corados: aplica-se anestesia local, retira-se um fragmento das bordas da lesão e analisa-se um esfregaço dessa amostra em lâmina, corado com derivados de Romanowsky, Giemsa ou Leishman. » Cultura: pode-se realizar a cultura de fragmentos de tecido ou de espirados da borda da lesão. » Inóculo em animais: o hamster é o animal mais utilizado para o isolamento de leishmanias. Inocula-se, por via intradérmica, no focinho ou nas patas, um triturado do fragmento da lesão em solução fisiológica. » Métodos imunológicos: teste intradérmico de Montenegro – utilizado no país para levantamentos epidemiológicos, avalia a hipersensibilidade 44 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA do paciente. Inocula-se pequeno volume de antígeno nos membros superiores do paciente, e para o caso de reações positivas, verifica-se o estabelecimento de uma reação inflamatória local, reversível em 72 horas. » Reação de imunofluorescência indireta: teste bastante usado e possui alta sensibilidade, porém apresenta reação cruzada para outros tripanosomatídeos, como o Trypanosoma cruzi (causador da doença de Chagas). Como já mencionado, o Brasil é pioneiro e um dos maiores centros de pesquisaem leishmaniose. Inúmeros centros de pesquisa renomados não medem esforços para a determinação de mecanismos moleculares e bioquímicos que possam ser específicos contra esses organismos unicelulares. Essas pesquisas buscam a determinação de estrutura de enzimas específicas do parasita e que não interfiram em um possível tratamento em humanos. Para mais detalhes sobre os métodos diagnósticos, acesse o texto de Porfirio-Passos et al. (2012), disponível em: http://www.conhecer.org.br/ enciclop/2012b/ciencias%20agrarias/Metodos%20para.pdf . Pequeno documentário sobre a Leishmaniose: http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=tNTYxFu49OY&feature=endscreen. Tratamento Uso de um antimonial tártaro hermético (introduzido pelo médico brasileiro Gaspar Vianna, em 1912). Atualmente, é utilizado um antimonial pentavalente, Glucantime, em que somente a forma difusa não responde bem ao tratamento. Outro tratamento considerado é a imunoterapia, que utiliza a Leishvacin, vacina para imunoprofilaxia. Ainda não apresenta escala comercial de produção. Acabamos de ver a gravidade das leishmanioses no mundo, então por que não há um investimento maior a fim de erradicar essa doença? Você é morador de uma região na qual a leishmaniose é endêmica. Quais seriam suas principais ações a fim de reverter esse quadro? Compare as leishmanioses visceral e cutânea em relação à gravidade, aos vetores e à abrangência da doença. 45 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II Se o Brasil é um dos pioneiros no tratamento e nas pesquisas envolvendo essa endemia, por que não existe nenhum resultado prático sendo aplicado além dos tratamentos mencionados? Será possível o desenvolvimento de um fármaco nacional contra essa parasitose? Tripanosomíase americana ou doença de Chagas A principal tripanosomíase humana, tripanossomíase americana ou simplesmente doença de Chagas, uma homenagem a Carlos Chagas, infectologista brasileiro identificador do agente causador da doença, é causada pelo agente Trypanosoma cruzi (Figura 9). Segundo a OMS, estima-se que mais de 10.000 pessoas morrem todos os anos de manifestações clínicas da doença de Chagas, e mais de 25 milhões de pessoas correm o risco de adquirir a doença em todo o planeta. No Brasil, segundo a sociedade brasileira de cardiologia, inúmeros brasileiros não têm a certeza do desenvolvimento de cardiomegalia que decorre da doença de Chagas devido à falta ou à ineficiência de exames preventivos ou de rotina para a detecção de variações do tamanho do coração. Pacientes sem histórico prévio familiar ou histórico médico acabam desenvolvendo ou sofrendo complicações sem a percepção da doença até apresentar complicações em quadros clínicos futuros. O protozoário flagelado T. cruzi da ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae e gênero Trypanosoma. Figura 9. Da esquerda para direita, exemplos de: Trypanosoma cruzi na forma tripomastigota; o inseto vetor conhecido como “barbeiro” e uma foto do Dr. Carlos Chagas, descobridor da doença que ficou conhecida como doença de Chagas. Fonte: http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Reinos/DoencadeChagas.php; https://oimparcial.com.br/noticias/2018/02/ suco-de-bacaba-por-ter-contaminado-19-com-doenca-de-chagas/; https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Carlos_chagas_2.jpg. Acesso em: 12 jul. 2020. 46 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA Estima-se que a doença de Chagas afete entre 6 e 8 milhões de pessoas no países latino-americanos, onde a doença é endêmica; e aproximadamente 500 mil indivíduos em países não endêmicos, além de 50 mil mortes por ano. Estima-se, ainda, que ocorram anualmente mais de 40 mil novos casos, e cerca de 20 mil óbitos por ano. Segundo a OMS, cerca de 90 milhões de pessoas estão expostas ao risco de contágio, e a Bolívia é o país que mais sofre com a doença (Figura 10). Nas últimas décadas, evidências experimentais suportam duas hipóteses sobre a patogênese da cardiopatia chagásica crônica. Na primeira, a infecção pelo T. cruzi induz respostas imunológicas contra constituintes tissulares normais, que seriam parcialmente independentes da presença parasitária (teoria da autoimunidade na doença de Chagas). Além disso, o parasitismo tissular acarreta reações inflamatórias e, posteriormente, dano miocárdico irreversível. Finalmente, a doença pode evoluir para doença miocárdica de etiologia não-isquêmica. Assim como a leishmaniose, o Brasil é pioneiro em pesquisas envolvendo doença de Chagas, e não à toa a doença foi identificada por esse ilustre brasileiro. Em geral, grupos de pesquisa trabalham em paralelo tentando identificar e desenvolver potenciais hits utilizados contra essas parasitoses amplamente endêmicas no Brasil. Agente etiológico Trypanosoma cruzi é o agente causador da doença de Chagas, a forma mais grave de infecções desses parasitas em humanos. Outra forma infectiva de tripanosomas, mas que não será tratada nesta disciplina, é a doença do sono (humanos), ou nagana (gado), doença endêmica na África subsaariana. É causada pela infecção por Trypanosoma brucei e o contágio ocorre mediante o contato com a mosca de Tsé-Tsé. 47 PARASITOLOGIA HUMANA │ UNIDADE II Figura 10. Distribuição dos casos de doença de Chagas no mundo. Quanto mais escuro, maior a incidência da doença. Dados mais atualizados da OMS, de 2018. Endêmico Presente, mas não endêmico Fonte: https://eportfolios.macaulay.cuny.edu/kowach16/2016/10/23/chagas-disease-what-is-it-and-how-is-it-being-treated/. Acesso em: 12 jul. 2020. Ciclo Esse protozoário apresenta um ciclo de vida heteroxênico, passando por uma fase de multiplicação intracelular no hospedeiro vertebrado e extracelular no hospedeiro vetor (Figura 11). No vertebrado: as formas tripomastigotas eliminadas nas excreções dos insetos “barbeiros”, membros dos gêneros Triatoma, Panstrongylus e Rhodinus, durante ou logo após sua alimentação, por ação hematófaga no hospedeiro humano. Os parasitas penetram pelo local da picada e interagem com as células da pele e das mucosas internas. Nesse momento, ocorre a transformação das tripomastigotas em amastigotas, cuja multiplicação se dá por divisão binária. A próxima etapa é a diferenciação das amastigotas em tripomastigotas. Estas serão liberadas da célula hospedeira e se dirigem ao interstício e à corrente sistêmica, onde atingem as demais células de qualquer outro tecido ou órgão, iniciando um novo ciclo celular. No entanto, alguns indivíduos são destruídos pela ação do sistema imune. 48 UNIDADE II │ PARASITOLOGIA HUMANA No hospedeiro invertebrado: os “barbeiros” (Triatomíneos sp) se infectam ao ingerir as formas tripomastigotas presentes na corrente sistêmica, de um hospedeiro vertebrado contaminado, durante a hematofagia. No estômago do inseto, diferenciam-se na forma epimastigotas. Ao passar para o intestino médio do hospedeiro, as epimastigotas se reproduzem por cissiparidade, o que define a manutenção da infecção no vetor. No reto do inseto infectado, as epimastigotas se diferenciam em tripomastigotas metacíclicas, forma infectante para os vertebrados, sendo eliminadas nas fezes ou na urina, no ato da hematofagia, delimitando o ciclo do parasita. Figura 11. Ciclo de vida e contágio do Trypanosoma cruzi nas etapas de parasitismo humano e no hospedeiro invertebrado. Fonte: https://www.flickr.com/photos/luizbaltar/4096363884. Acesso em: 12 jul. 2020. Os mecanismos de transmissão são diversos e o principal é o contágio vertical por meio do contato direto com o inseto contaminado (transmissão pelo vetor). No entanto, o contágio direto pelo contato com espécimes sanguíneos humanos contaminados (transfusão sanguínea ou mesmo transmissão congênita de mãe para feto) ou acidental (acidentes de laboratório) pode ocasionar a contaminação. Algumas maneiras pouco usuais, mas com possível incidência, ocorrem através de lesões em mucosas (transmissão oral) ou mesmo transplantes, quando são utilizados órgãos de pacientes contaminados.
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