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57 ILICITUDE E CULPABILIDADE Unidade II 5 CULPABILIDADE 5.1 Conceito Culpabilidade consiste em um juízo de reprovação social, em relação ao autor e ao fato por ele praticado. Exemplo: porque “A” roubou, não tendo sido forçado a tanto, deverá ser punido porque podia e devia agir de outro modo, sem violar bem penal juridicamente tutelado. Ou seja, a análise sobre a culpabilidade do sujeito somente é realizada após a prática de fato típico e antijurídico, sendo-lhe possível ao mesmo agir de outra forma. Lembrete Não confunda culpabilidade com culpa – esta, como vimos, é o elemento subjetivo do crime, ao lado do dolo. Diz respeito à conduta, como elemento do fato típico. O fundamento da culpabilidade é justamente a possibilidade de o agente agir de modo a não violar a legislação penal. Em prol da convivência em equilíbrio social, a obrigação de agir em sintonia com o ordenamento jurídico, sem infração aos dispositivos de natureza penal é exigido de toda pessoa maior de idade, capaz de compreender o caráter ilícito dos fatos considerados delituosos e, em razão disso, apto a se comportar de forma diversa à sua violação. 5.2 Teorias da culpabilidade Assim como ocorreu com o estudo sobre o crime, a compreensão sobre a culpabilidade também evoluiu ao longo do tempo, como leciona Capez (2011, p. 170): “A história da culpabilidade revela uma constante evolução, desde os tempos em que bastava o nexo causal entre conduta e resultado até os tempos atuais [...]”. 58 Unidade II 5.2.1 Teoria psicológica da culpabilidade A teoria psicológica da culpabilidade foi adotada pelo chamado sistema clássico, idealizada por Franz von Liszt e Ernst von Beling (por volta do ano de 1900), estuda a culpabilidade como a “relação psíquica do autor com seu fato” (DAMÁSIO, 1999, p. 458), um “liame psicológico que se estabelece entre a conduta e o resultado, por meio do dolo ou da culpa” (CAPEZ, 2011, p. 174), estas consideradas espécies da culpabilidade Buscava-se, assim, estabelecer que não haveria delito sem culpabilidade, afastando-se da responsabilidade penal objetiva. De acordo com esta teoria, para a responsabilização penal do agente bastaria a existência de sua imputabilidade somada à presença do dolo ou culpa. Segundo a teoria psicológica da culpabilidade, os elementos da culpabilidade são: a imputabilidade; e o dolo ou a culpa. 5.2.2 Teoria normativa ou psiconormativo da culpabilidade A teoria normativa ou psiconormativo da culpabilidade foi desenvolvida pelo sistema neoclássico, sob liderança de Reinhard Frank (no ano de 1907). Para tal teoria, além do dolo ou culpa aliada à imputabilidade, algo mais deveria constar da culpabilidade. Foi somada a esta a ideia de reprovabilidade, como assevera Andreucci (2013, p. 132): “resultando no entendimento de que a culpabilidade somente ocorreria se o agente fosse imputável, agisse dolosa ou culposamente e se pudesse dele exigir comportamento diferente”. Segundo a teoria normativa ou psiconormativa da culpabilidade, os elementos da culpabilidade são: a imputabilidade; o dolo ou a culpa; e a exigibilidade de conduta diversa. 5.2.3 Teoria normativa pura da culpabilidade A teoria normativa pura da culpabilidade foi desenvolvida pelo sistema finalista, sob liderança de Hans Welzel (no ano de 1930). Por tal teoria, o dolo natural (consciência e vontade) e a culpa deixam de compor a culpabilidade, sendo inseridos na conduta, como elementos do fato típico – requisito do crime, ao lado da ilicitude. Dessa forma, a culpabilidade se revela puramente normativa, exprimindo um juízo de reprovação, livre de qualquer elemento psicológico. Segundo a teoria normativa pura da culpabilidade, os elementos da culpabilidade são: a imputabilidade; a potencial consciência da ilicitude; e a exigibilidade de conduta diversa. 59 ILICITUDE E CULPABILIDADE 5.2.4 Teoria extremada da culpabilidade ou teoria limitada da culpabilidade As teorias extremada e limitada são variações de uma só teoria, a normativa pura da culpabilidade, diferenciando-se entre si apenas no que respeito às descriminantes putativas. Pela teoria extremada da culpabilidade, as descriminantes putativas, tanto referentes aos limites autorizadores normativos (erro de proibição), quanto às situações relativas ao erro de tipo, sempre caracterizam situações de erro de proibição. Pela teoria limitada da culpabilidade, as descriminantes putativas são diferenciadas em situações de fato, compreendidas como erro de tipo (art. 20, § 1º, do CP), e situações de direito, entendidas como erro de proibição (art. 21 do CP). Qual a teoria adotada pelo nosso Código Penal? O Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade, pois as descriminantes putativas são diferenciadas. As fáticas configuram erro de tipo, ao passo que as relativas às situações de erro de proibição são consideradas erro de proibição. Segundo a teoria limitada da culpabilidade, os elementos da culpabilidade são: a imputabilidade (arts. 26 a 28); a potencial consciência da ilicitude (art. 21); e a exigibilidade de conduta diversa (art. 22). 5.3 Natureza jurídica A natureza jurídica não é única; a sua identificação varia como seja adotada a teoria tripartida ou bipartida. Pela teoria finalista tripartida, a natureza jurídica da culpabilidade consiste em requisito do crime, eis que um de seus elementos, ao lado do fato típico e da ilicitude. Pela teoria finalista bipartida, a natureza jurídica da culpabilidade consiste em pressuposto de aplicação da pena porquanto para a configuração de um crime bastam a presença do fato típico e da ilicitude. Esta é o nosso entendimento. 5.4 Espécies de culpabilidade Basicamente, duas são as espécies de culpabilidade: a formal e a material. Culpabilidade formal Trata-se da construção abstrata, realizada pelo legislador, da sanção atribuível aos tipos penais, dentro de limites mínimo e máximo. 60 Unidade II Na prática, quanto mais reprovável for a conduta violadora de um artigo de lei, mais rigorosa será a sua punição. Nessa linha, embora igualmente protegidos, é evidente que a vida humana prevalece em relação à honra. Logo, a pena prevista em abstrato no caso de homicídio simples (art. 121 CP, com pena de reclusão, de seis a vinte anos) é mais gravosa se comparada à pena de injúria (art. 140, caput, CP, com pena de detenção de um a seis meses, ou multa. Culpabilidade material Diz respeito ao juízo de reprovabilidade realizado concretamente, ao agente que tenha praticado fato típico e antijurídico. Dessa forma, em razão da culpabilidade material, o magistrado promove a dosimetria da punição em respeito ao princípio da individualização da pena. 5.4.1 Coculpabilidade Espécie de culpabilidade imputável ao Estado em virtude de sua responsabilidade social diante da não inserção de um indivíduo que, por tal situação se projeta para a criminalidade, Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 529) ensinam: Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de determinação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de culpabilidade. A coculpabilidade significa a reprovação conjunta sobre o Estado e o autor de uma infração penal, diante da ausência de oportunidades na vida, atribuível em todo Estado Social de Direito, a exemplo do ordenamento jurídico brasileiro, inserto no art. 66 do Código Penal, como atenuante genérica. 5.5 Elementos da culpabilidade Como vimos, o Código Penal brasileiro adotou a teoria limitada da culpabilidade. Portanto, os elementos que compõem a culpabilidade são: • Imputabilidade(arts. 26 / 28 CP): a capacidade do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 61 ILICITUDE E CULPABILIDADE • Potencial consciência da ilicitude (art. 21 CP): a possibilidade de conhecer a antijuridicidade do fato. • Exigibilidade de conduta diversa (art. 22 CP): a possibilidade e exigibilidade de atuar conforme o Direito. 5.6 Dirimentes da culpabilidade Para cada requisito da culpabilidade correspondem hipóteses específicas que afastam a culpabilidade. A imputabilidade é afastável por doença mental; desenvolvimento mental retardado; desenvolvimento mental incompleto; e embriaguez acidental completa. A potencial consciência da ilicitude é afastável pelo erro de proibição inevitável. A exigibilidade de conduta diversa é afastável pela coação moral irresistível; pela obediência hierárquica à ordem não manifestação ilegal. 6 CAUSAS EXCLUDENTES DA CULPABILIDADE 6.1 Imputabilidade 6.1.1 Conceito Requisito da culpabilidade, a imputabilidade é a capacidade para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Trata-se da reunião das capacidades mentais de entendimento e de autodeterminação, isto é, compreensão sobre o que é certo ou errado, além do autocontrole para não agir de forma ilícita. Referidas capacidades mentais são avaliadas no momento da conduta. Volta-se ao tempo da ação ou omissão adotada pelo agente para se aferir sua aptidão para ser punido por algo que tenha infringido a legislação penal. 6.1.2 Elementos da imputabilidade Compreendendo-se duas as capacidades mentais, Veneral e Ferreira (2020, p. 149) destacam os elementos “intelectivo” e “volitivo” que compõem a imputabilidade: Intelectivo – Saúde psíquica que permita ao agente compreender a ilicitude do fato. Volitivo – O agente domina sua vontade e determina sua conduta. 62 Unidade II Como regra geral, todo agente é imputável (responsável), salvo se ocorrer alguma hipótese excludente da imputabilidade. E o que ocorre se o agente se colocar em situação de inimputabilidade justamente para cometer um delito? Bem, como se sabe, a lei tem bom enquadramento para quem age com má-fé. Um bom exemplo é a consequência legal da actio libera in causa. 6.1.3 Actio libera in causa Expressão latina, que em tradução livre significa a “ação deliberada em sua causa”. É a hipótese na qual o agente, propositalmente, se coloca em situação de inconsciência, com a finalidade de praticar determinada conduta punível. A conduta é desejada, livremente), mas cometida sob estado de inconsciência, para desta se valer, com vista a escapar da respectiva responsabilidade penal. Exemplo: antes de praticar um estupro, o agente ingere, voluntariamente, bebida alcoólica, encontrando-se em estado de embriaguez por ocasião do delito, entendendo-se inimputável. Como consequência, além de não excluir a imputabilidade, uma vez que o agente se encontrava, voluntariamente, em estado de inconsciência, responderá pelo crime (art. 213 CP), com aumento de pena, em razão de causa agravante genérica (art. 61, II, “l”, CP): Estupro Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Circunstâncias agravantes Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - [...] II - ter o agente cometido o crime: a) [...] I) em estado de embriaguez preordenada. 63 ILICITUDE E CULPABILIDADE 6.2 Causas excludentes da imputabilidade São quatro as causas que geram a inimputabilidade: • Doença mental. • Desenvolvimento mental incompleto. • Desenvolvimento mental retardado. • Embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. 6.3 Critérios ou sistemas de aferição da inimputabilidade 6.3.1 Biológico ou etiológico Pelo critério biológico, não importa se, no momento do delito, o agente tinha ou não capacidade de entendimento e de autodeterminação, mas tão somente a causa geradora da inimputabilidade, de acordo com a lei. Este foi o sistema adotado para estabelecer a menoridade penal (art. 27 CP), pois considera que os indivíduos menores de 18 (dezoito) anos possuem desenvolvimento mental incompleto. Ao contrário, tendo completado a idade de 18 (dezoito) anos, o agente se torna presumidamente capaz de entender o caráter criminoso do fato, e de adotar comportamento não ilícito. Assim, é irrelevante que um sujeito menor de 18 (dezoito) anos tenha praticado um ilícito penal consciente de seu caráter criminoso e reunindo condições de autocontrole. Basta a comprovação de que o agente não possuía idade mínima no momento do fato, para que ele não fique sujeito à responsabilização penal, presumindo-se incompleto o seu desenvolvimento mental. 6.3.2 Psicológico O critério psicológico leva em conta se o agente tinha ou não, por ocasião da prática do delito, capacidade de entendimento e de autocontrole. Em tal sistema, é irrelevante a causa, sendo possível ao juiz reconhecer a imputabilidade penal do agente, mesmo se este apresentar algum retardo mental. Não é adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. 64 Unidade II 6.3.3 Biopsicológico O critério biopsicológico resulta da combinação entre os critérios biológico e psicológico. Trata-se do sistema adotado como regra geral. Considera inimputável aquele que, ao tempo da infração penal, não tinha capacidade de entender o caráter criminoso do fato, nem de determinar-se de acordo com esse entendimento, em razão de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Para a sua configuração exige a demonstração da causa e do efeito. 6.3.3.1 Requisitos para a inimputabilidade conforme o sistema biopsicológico São três os requisitos para, de acordo com o critério biopsicológico, considerar inimputável o agente. • Causal: existência de doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado. • Cronológico: ao tempo da ação ou omissão delituosa, ou seja, da conduta. • Consequencial: perda da capacidade de entender e querer. Dessa forma, o agente será considerado inimputável se portador de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ao tempo da conduta, suficiente para ter levado à perda da capacidade de entender e de querer. 6.4 Doença mental Doença mental é a perturbação mental de qualquer ordem de morbidez. Exemplos: psicose; esquizofrenia; loucura; paranoia; psicopatia; epilepsia etc. O art. 26, caput, do CP considerou a doença mental como um pressuposto biológico da excludente da imputabilidade: Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 65 ILICITUDE E CULPABILIDADE Nesse sentido, diante da hipótese de doença mental que gere plena incapacidade de entendimento sobre o caráter ilícito do fato ou de se comportar de acordo com tal entendimento, o sujeito deve ser considerado inimputável. Observação A sanção penal é o gênero do qual a pena e a medida de segurança são espécies. Sendo inimputável, e considerando que a inimputabilidade gera a ausência de culpabilidade, o agente terá praticado crime, embora isento de pena, restando-lhe a imposição de medida de segurança (vide art. 97 CP). ‘Doença mental’ ou ‘transtorno mental’? Para Paulo Maurício Vasques (2018, p. 186), deve prevalecer a expressão ‘transtorno mental’: Embora o Art. 26 do CP faça menção ao termo “doença mental” hoje é mais utilizada a expressão “transtorno mental”, pois o termo mente diz respeito a funcionalidade do cérebro. Este, por tratar-se de uma estrutura orgânica é passível de ser acometido por doenças, já suas funções, podem sofrer alterações ou transtornos. 6.4.1 Dependênciade substância psicotrópica A dependência de substância psicotrópica somente é considerada doença mental quando retirar a capacidade de entender ou querer do agente, como estabelecem os arts. 45 e 47, ambos da Lei n. 11.343/06 – a Lei de Drogas. Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. [...] Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei. 66 Unidade II 6.5 Desenvolvimento mental incompleto Desenvolvimento mental incompleto é o desenvolvimento inacabado. Diz respeito aos menores de idade e aos indígenas em estágio de inadaptação à sociedade. Menores de 18 anos De acordo com o art. 27 do CP: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Contando com menos de 18 (dezoito) anos de idade, o agente não pratica delito porque ausente a sua culpabilidade, em virtude de inimputabilidade, diante de seu desenvolvimento mental incompleto. Até 12 (doze) anos de idade incompletos, a pessoa é considerada criança. Entre 12 (doze) anos completos e 18 (dezoito) anos incompletos, considera-se a pessoa adolescente (art. 2º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente). Para fins de fixação de responsabilidade infracional, leva-se em consideração a idade da pessoa por ocasião do fato. Nesse sentido, o art. 104, parágrafo único, do ECA prevê: Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato. Claro, enquanto ser humano, ele pode praticar um fato de relevância social, que se afigure típico e antijurídico, tal como um delito, mas tratado de forma diferenciada, a começar por sua denominação. Não se fala em crime ou contravenção penal, mas em ato infracional (art. 103). Este não viola a legislação penal comum, mas especificamente a lei ora referida (ECA). Também de forma diferenciada, as regras processuais não estão previstas no Código de Processo Penal, mas no citado Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. O foro de jurisdição não cabe ao juízo comum, mas à Vara da Infância e da Juventude (art. 148). Diante da comprovação da prática de ato infracional, à criança podem ser impostas as seguintes medidas previstas no art. 101: 67 ILICITUDE E CULPABILIDADE I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; (Redação dada pela Lei n. 13.257, de 2016) V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei n. 12.010, de 2009) VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada pela Lei n. 12.010, de 2009) IX - colocação em família substituta (Incluído pela Lei n. 12.010, de 2009). Por sua vez, a prática de ato infracional sujeita o adolescente às medidas previstas no art. 112: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. 68 Unidade II Saiba mais Volta e meia se discute a redução da maioridade penal. Para tanto, é necessária a alteração do texto constitucional, mediante uma Emenda. Sobre o tema, sugerimos o acompanhamento da tramitação da proposta de emenda à Constituição – PEC 115/2015, de autoria do Senador Marcelo Castro: SENADO FEDERAL. Proposta de emenda à Constituição n. 115, de 2015. Estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial [...]. Brasília, 2015. Silvícolas inadaptados Não é pelo fato de o sujeito ser um indígena que será considerado inimputável por desenvolvimento mental incompleto. Pressupõe-se a falta de culpabilidade do silvícola inadaptado, ou seja, aquele não integrado à nossa comunidade social. Esta é a previsão contida no art. 7º da Lei n. 6.001/73 – Estatuto do Índio: “Art. 7º Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito ao regime tutelar estabelecido nesta Lei”. Mas, quais são os critérios a serem observados para o reconhecimento da condição pessoal de não integração à nossa sociedade? A resposta está na interpretação do art. 9º da citada lei. Entendendo desnecessária sua submissão ao regime tutelar, o índio pode pleitear a sua liberação, mediante procedimento judicial, desde que preenchidos certos requisitos, após ouvida do Ministério Público. Vejamos: Art. 9º. Qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente a sua liberação do regime tutelar previsto nesta Lei, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisitos seguintes: I - idade mínima de 21 anos; II - conhecimento da língua portuguesa; III - habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional; IV - razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional. 69 ILICITUDE E CULPABILIDADE Parágrafo único. O Juiz decidirá após instrução sumária, ouvidos o órgão de assistência ao índio e o Ministério Público, transcrita a sentença concessiva no registro civil. Nessa linha, conclui-se que se o índio, ostentando os requisitos anteriores, praticar uma conduta considerada delituosa, e nessa ocasião tinha plena possibilidade de conhecer o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, deverá ele ser considerado imputável, diante de sua culpabilidade – levando-se em consideração o grau de sua integração à nossa sociedade. 6.6 Desenvolvimento mental retardado O desenvolvimento mental retardado é em pessoas que apresentam reduzidíssima capacidade mental. Segundo Paulo Maurício Vasques (2018, p. 185), os retardados mentais ou oligofrênicos caracterizam-se: por uma interrupção do desenvolvimento mental, seja esta de origem inata ou ocasionada por patologias supervenientes que ocorreram no início da vida (adquirida). Ocorre uma insuficiência intelectual dos indivíduos com comprometimento das capacidades de juízo, crítica, estratégias de comportamento, criação e compreensão. A presença de retardo mental é apurada mediante exame pericial, em sede de incidente de sanidade mental, nos termos dos arts. 149 a 154, todos do Código de Processo Penal. Classifica-se o retardo mental como leve, moderado ou profundo: • Leve: diz respeito aos débeis mentais. • Moderado: é a situação dos imbecis. • Profundo: condiz com os idiotas. Os estágios do retardo mental moderado e profundo são os enquadráveis na condição de inimputabilidade. Observação A situação do surdos-mudos deve ser avaliada caso a caso. Se a deficiência das faculdades sensoriais for de tal intensidade, capaz de comprometer a compreensão do indivíduo, então o surdo-mudo poderá vir a ser considerado retardado mental. 70 Unidade II 6.7 Embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior Sobre a embriaguez, o art. 28 do CP prevê: Art. 28 -Não excluem a imputabilidade penal: I – [...] Embriaguez II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1 º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. § 2 º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 6.7.1 Conceito de embriaguez Embriaguez é “uma intoxicação do organismo causada pelo álcool ou substância de efeitos análogos” (BUENO, 2012, p. 66). 6.7.2 Fases da embriaguez São perceptíveis, no ser humano, diferentes estados provocados pela embriaguez, desde uma ligeira excitação até o estado de paralisia e coma. • Excitação: estado eufórico, conhecido como a fase do “macaco”. • Depressão: confusão mental e irritabilidade, identificada como a fase do ”leão”. • Sono: dormência profunda e perda do controle sobre as funções fisiológicas, denominada a fase do “porco”. 6.7.3 Modalidades de embriaguez Completa Há absoluta falta de entendimento por parte do agente, com confusão mental e falta de coordenação motora. 71 ILICITUDE E CULPABILIDADE Somente exclui a imputabilidade se a sua natureza for acidental. Incompleta Há certa capacidade de entendimento, com comprometimento relativo da coordenação motora e das funções mentais. Não exclui a imputabilidade, embora possa configurar circunstância atenuante, desde que a sua natureza for acidental. Quanto ao elemento subjetivo do agente, a embriaguez pode ser: Voluntária, culposa ou não acidental Quando o agente ingere substância alcoólica ou de efeitos análogos com a intenção de embriagar-se, ou sem a finalidade de embriagar-se, mas com excesso culposo. Acidental Quando a ingestão do álcool ou outra substância de efeitos análogos não é voluntária nem culposa, podendo ter origem em caso fortuito ou força-maior. Acidental, por caso fortuito O agente desconhece o efeito da substância que bebe ou não sabe sobre sua tolerância a ela. Acidental, por força maior Obrigado, o agente não tem escolha acerca de beber da substância alcoólica ou de efeitos análogos. 6.7.4 Responsabilidade penal decorrente de embriaguez A responsabilidade penal decorrente de embriaguez conforme a sua causa. • Não acidental, voluntária, completa ou incompleta: não exclui a imputabilidade (art. 28, II, CP). • Não acidental, culposa, completa ou incompleta: não exclui a imputabilidade (art. 28, II, CP). • Acidental, completa, proveniente de caso fortuito ou força maior: o agente é inimputável por ausência de culpabilidade (art. 28, § 1º, CP); é isento de pena e de medida de segurança. • Acidental, incompleta, proveniente de caso fortuito ou força maior: não exclui a imputabilidade porque o agente possuía certa capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 28, § 2º, CP); pena é diminuída, de um terço a dois terços. 72 Unidade II 6.7.5 Embriaguez patológica A embriaguez patológica é equiparada à doença mental, gerando no indivíduo estado de dependência física do álcool. Em regra, os sintomas apresentados pelo dependente alcoólico, segundo o magistério de Paulo Maurício Vasques, são: “além de comprometer sua racionalidade crítica sobre a situação de momento, afetando total ou parcialmente sua capacidade de entendimento da ilicitude de seu ato, comprometem também o aspecto volitivo de sua ação”. De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5) de 2013, da American Psychiatric Association, os sintomas comumente descritos para o dependente de álcool são: • Desejo forte e por vezes irresistível de consumo do álcool. • Desordens psiquiátricas como transtornos de bipolaridade, desordens depressivas e de ansiedade. • Transtornos de comportamento obsessivo-compulsivo. • Delírios. • Desordens cognitivas, do sono e sexuais. Dessa forma, concordamos plenamente com aqueles que tratam o alcoolista crônico como um indivíduo portador de transtorno mental, devendo ser amparado pelo artigo 26 do CP (VASQUES, 2018, p. 191). Comparada, portanto, à doença mental, deve ser aplicado o art. 26, caput ou parágrafo único, do CP, em se tratando de inimputável ou semi-imputável, ao invés de aplicar o art. 28, II, também do CP, a depender da conclusão médico-pericial. Portanto, é excluída a imputabilidade quando retirar totalmente a capacidade de entender e de querer do agente (art. 26, caput). Diante de eventual capacidade parcial de compreensão e autocontrole, a pena pode ser diminuída ou substituída por medida de segurança (art. 26, parágrafo único), como trataremos adiante. 6.7.6 Embriaguez preordenada A embriaguez preordenada, já vista quando tratamos da actio libera in causa (6.1.3.), é provocada pelo agente, dolosamente, por meio da qual ele se coloca em situação de inconsciência, com a finalidade de praticar determinada conduta punível. 73 ILICITUDE E CULPABILIDADE De maneira proposital, o agente adota uma conduta por ele desejada, livremente), mas cometida sob estado de inconsciência, para desta se valer, com vista a escapar da respectiva responsabilidade penal. Observação Não confunda a embriaguez da vítima e a embriaguez do autor – com a vontade voltada à prática de um crime -, pois são situações bem diferentes, com implicações distintas. Se a vítima estiver embriagada, sem condições de autodeterminar sua vontade, e o sujeito se aproveite de tal situação para com ela manter relações sexuais, poderá responder por estupro de vulnerável: Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei n. 12.015, de 2009) Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei n. 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei n. 12.015, de 2009) § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Se o agente se embriaga, com o propósito de praticar crime, tal estado de inconsciência é alcançado voluntariamente, razão pela qual sua imputabilidade não é excluída. Ao contrário, o agente não só responde pelo delito, como também incide uma causa agravante genérica (art. 213 c/c art. 61, II, “l”, CP). 6.7.7 Panorama sobre a embriaguez e a imputabilidade Acompanhe a seguir um resumo sobre a situação de embriaguez e a afetação ou não da imputabilidade do agente: Resumo da embriaguez Não acidental • Voluntária: - completa: não exclui a imputabilidade - incompleta: não exclui a imputabilidade 74 Unidade II • Culposa: - completa: não exclui a imputabilidade - incompleta: não exclui a imputabilidade Acidental – por caso fortuito ou por força maior • incompleta: diminui a pena de um terço a dois terços • completa: exclui a imputabilidade Patológica • exclui a imputabilidade quando retirar totalmente a capacidade de entender e querer Preordenada • não exclui a imputabilidade • agrava a pena 6.8 Emoção e paixão Emoção e paixão são estados afetivos que revelam perturbações da psique do ser humano, mas possuem diferenças entre si, no tocante à intensidade dos sentimentos. De acordo com Guaracy Moreira Filho (2015, p. 68), ‘emoção’: “é uma perturbação psíquica intensa, mas transitória, que predomina no espírito humano por pouco tempo como reação a determinados acontecimentos da vida”. Exemplos: ira; vergonha; prazer erótico; alegria; medo etc. Pelos exemplos anteriores, percebe-se que a emoção envolve sentimentos repentinos. Sobre ‘paixão’, citado autora define nos seguintes termos: “É uma perturbação psíquica duradoura, permanente e que predomina no espírito humano por muito tempo” (MOREIRA FILHO, 2015, p. 68). Exemplos: ódio; amor; ciúme; ambição; vingança etc. Pelos exemplos anteriores, percebe-se que a paixão envolve sentimentos mais profundos e duradouros. 6.8.1 Efeitos legais decorrentes da emoção e paixão Sobre a consequência legal sobre o delito praticado em virtude de emoção ou paixão, prevê o Código Penal: 75 ILICITUDE E CULPABILIDADE Emoção e paixão Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: I - A emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade. Portanto, em regra geral, tanto a emoção, quanto a paixão não isentam de responsabilidade penal o agente que, para a prática delituosa, atua sob tais perturbações psíquicas. Contudo, a pena pode ser reduzida em duas hipóteses: • O agente atuar sob ‘domínio de violenta emoção’, o que configura causa de diminuição de pena. Exemplos: art. 121, § 1º, CP (homicídio privilegiado); e art. 129, § 4º, CP (lesões corporais privilegiadas). • O agente atuar sob influência sob ‘influência de violenta emoção’. Exemplo: a atenuante genérica, prevista no art. 65, III, “c”, CP. 6.9 Semi-imputabilidade A respeito da imputabilidade, mais especificamente, da semi-imputabilidade, prevê o Código Penal: Art. 26 - [...] Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 6.9.1 Conceito Semi-imputabilidade ou responsabilidade diminuída é a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em virtude de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Ao contrário da inimputabilidade por doença mental, a semi-imputabilidade lida com a hipótese de perturbação mental, em razão da qual o agente tinha capacidade, embora relativa, de ciência e autocontrole frente a um ilícito penal. A situação aqui tratada é mais leve se comparada à inimputabilidade por doença mental que incapacita o agente de compreensão e controle. 76 Unidade II 6.9.2 Requisitos Para o reconhecimento da semi-imputabilidade é necessária a presença dos seguintes requisitos: • Causal: a semi-imputabilidade é gerada pela perturbação mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado. • Cronológico: verifica-se a capacidade parcial ao tempo de ação ou omissão, sendo irrelevante a situação atual. • Consequencial: por conta da situação de sua saúde, o agente não apresentava total capacidade de entender e de querer por ocasião do fato em questão. 6.9.3 Responsabilidade penal decorrente da semi-imputabilidade Em virtude de o agente apresentar capacidade de entendimento e de determinação, embora parcialmente, ele deve ser punido, de forma diferenciada. Convencido da prática de um delito, por ocasião da sentença, o magistrado deve aplicar a respectiva sanção penal ao agente. Ao examinar a culpabilidade de um semi-imputável, o juiz reconhece a imputabilidade, entretanto, diminuída. Então, cabe a ele optar – de acordo com a situação pessoal, verificada caso a caso - entre condenar o agente a uma pena reduzida de um terço a dois terços ou substituir a punição pela imposição de uma medida de segurança, nos termos do art. 98 CP: Substituição da pena por medida de segurança para o semi-imputável. Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. Observação O juiz pode aplicar uma pena ou impor uma medida de segurança ao agente. Contudo, ele não pode aplicar ambas as sanções, pois o Brasil adota o sistema vicariante, em substituição ao sistema denominado duplo binário, desde a Reforma da Parte Geral do Código Penal – Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984). 77 ILICITUDE E CULPABILIDADE 6.10 Potencial consciência da ilicitude Como se sabe, ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, de acordo com o art. 3º do Decreto-lei n. 4.657/42 – a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Art. 3º. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Nem poderia ser diferente. Basta imaginar um cenário no qual o agente realize uma conduta considerada delituosa e, uma vez identificado pelo Estado, por exemplo, pela autoridade policial, possa alegar o desconhecimento sobre determinada lei e, assim, contra ele não se instaure inquérito policial, nem seja denunciado, muito menos processado criminalmente. Seria o caos, pois as pessoas não mais se preocupariam com o cumprimento da lei, eis que diante de sua violação bastaria alegarem desconhecimento sobre a mesma, para se livrarem da respectiva responsabilidade penal. De outra parte, é essencial que as pessoas em geral tenham plena condição de conhecer o caráter ilícito de determinada conduta. 6.10.1 Conceito Como elemento da culpabilidade, a potencial consciência da ilicitude é a possibilidade de compreender o caráter ilícito do fato praticado. De acordo com tal elemento, o autor deve ter o conhecimento ou, no mínimo, a potencialidade de entender o aspecto criinoso do seu comportamento, por conta da advertência constante do Código Penal: “Art. 1. O desconhecimento da lei é inescusável”. Como pressuposto deste elemento da culpabilidade se apresenta o conhecimento, ainda que potencial, de que determinado fato é ilícito, sendo proibida por lei a sua prática. Na prática, com devemos avaliar a potencial consciência da ilicitude? Bem, se o desconhecimento da lei é irrelevante para a responsabilidade penal, então a compreensão sobre o alcance da norma é que deve revelar a potencial consciência da ilicitude. Nesse cenário, é importante partirmos das múltiplas realidades que um país como o Brasil oferece, em razão de suas dimensões continentais e diferentes formações culturais, como ensina Andreucci (2013, p. 137): A potencial consciência da ilicitude deve ser tomada sob o aspecto cultural. Deve-se analisar se o conjunto de informações recebidas pelo agente no decorrer de sua vida, de seu desenvolvimento em sociedade, até o momento em que praticou a conduta, lhe conferia condições de entender que o ato praticado era socialmente reprovável. 78 Unidade II Exemplo: Uma pessoa, moradora de uma cidade localizada em um grande centro urbano, reúne condições de compreender o alcance da legislação penal. Nesse caso, sabe que não deve praticar qualquer ato de violência contra a mulher, como proíbe a Lei Maria da Penha. Outra pessoa, moradora de um lugar bem afastado, em uma zona rural, distante de outras pessoas, de comunicação por meio de TV, rádio, mídias sociais, sinal de telefonia celular, deve conhecer a lei, mas é razoável admitir que sua compreensão sobre o alcance das leis seja mais restrito. Nesse panorama, o esposo que desfere um tapa em sua esposa, por ciúme, sabe que não deve praticar violência – morte ou lesões corporais, por exemplo – mas pode não entender que sequer o ‘simples tapa’ também não é lícito porque esta consiste em mais uma forma de violência, igualmente proibida pela Lei Maria da Penha. No caso concreto, se o magistrado entender que o agente tinha consciência da ilicitude, ainda que potencial, ele será punido de acordo com o delito que praticou. Por outro lado, se o juiz concluir que o agente não tinha conhecimento da ilicitude, nem mesmo em caráter potencial, o sujeito não terá reconhecida sua culpabilidade, embora tenha praticado um delito. 6.11 Causa de exclusão da potencial consciência da ilicitude O que exclui a potencial consciência da ilicitude é o erro de proibição, ou seja, aquele que incide sobre ilicitudeda conduta, o que afasta a sua culpabilidade. Vejamos o que diz o Código Penal sobre o erro de proibição: Art. 21. [...] Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. Nesse panorama, é essencial que no momento da conduta se o agente tinha condições de saber se o que realiza viola o ordenamento jurídico. Nas precisas palavras de Damásio de Jesus (1999, p. 486): Se o sujeito não tem possibilidade de saber que o fato é proibido, sendo inevitável o desconhecimento da proibição, a culpabilidade fica afastada. Surge o ‘erro de proibição’: erro que incide sobre a ilicitude do fato. O sujeito, diante do erro, supõe lícito o fato por ele cometido. Ele supõe inexistir a regra de proibição. 79 ILICITUDE E CULPABILIDADE Portanto, somente será viável o afastamento da responsabilidade se o agente atuou sem ter consciência de que violava lei penal. Mas não basta a situação de erro de proibição, devendo ser observadas as suas diferenças, como se extrai do citado no parágrafo único do art. 21 do Código Penal. Afinal, duas são as modalidades de erro de proibição: escusável e o inescusável. 6.11.1 Erro de proibição escusável Erro de proibição escusável, inevitável ou desculpável, consiste no erro que as pessoas em geral incorreriam, na mesma situação em que se encontra o autor, apesar de adotarem as cautelas ordinárias. O agente desconhece, com sinceridade, a ilicitude do seu comportamento. Assim como o agente, qualquer pessoa que possua discernimento razoável, não reuniria condições de ter consciência do caráter ilícito do fato. Observação O desconhecimento da lei equivale ao seu desconhecimento. E, como sabemos, é irrelevante ao Direito Penal a alegação de que o agente não sabia da existência de determinada lei ou sua consequência de natureza penal, embora possa atenuar a pena, conforme o art. 65, II, do CP. Em se tratando de erro de proibição, o agente tem ciência da existência de uma lei ou sua consequência penal, mas desconhece o alcance de seu conteúdo. Exemplo: o agente preparar um chá de ervas para a sua filha, que se encontra doente, fazendo uso de lascas de uma árvore protegida, sem saber que incide em crime ambiental. Ora, na situação descrita anteriormente, o agente age sem a consciência da ilicitude do fato, quando não lhe era viável, naquela ocasião, ter ciência de que infringia a lei penal. A consequência legal leva em consideração o caráter de escusabilidade ou não de certa situação fática, como apontado no art. art. 21, caput, CP. No caso, sendo escusável a situação sobre a qual recai o erro, este é considerado inevitável, é excluída a culpabilidade do agente, diante da ausência da potencial consciência da ilicitude. 80 Unidade II 6.11.2 Erro de proibição inescusável O erro de proibição inescusável, evitável ou indesculpável trata da hipótese em que o agente, em determinada situação, tendo ou lhe sendo possível ter conhecimento da ilicitude de seu comportamento, assim atua por precipitação, falta de cuidado etc. Exemplo: credor invade casa de devedor, seu cliente, e de lá retira bens adquiridos e não quitados, acreditando ser lícito “resolver” a pendência desta forma. Sob o já citado critério para identificação de responsabilidade penal, qual seja a escusabilidade ou não do comportamento do sujeito, no exemplo anterior resta claro que o agente adota postura sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir tal consciência. Ou seja, com uma certa dose de reflexão, o agente poderia ter deixado de se comportar, buscando meios juridicamente viáveis em prol da satisfação do seu crédito. Nesse caso, considerando evitável o comportamento do sujeito, sua culpabilidade não é afastada. Entretanto, incide uma causa de diminuição de pena, podendo variar entre 1/6 e 1/3, consoante o art. 21, caput, CP. Exemplo: Imagine a situação em que o agente supõe se encontrar legítima defesa, e agride uma pessoa. Trata-se de hipótese de legítima defesa putativa ou imaginária. Embora as consequências previstas em lei sejam as mesmas que se atribuem ao erro de proibição, trata-se de erro de tipo. Então, o agente será isento de pena se o erro for considerado desculpável. Por outro lado, se o erro for indesculpável o agente deverá responder por sua conduta, com pena reduzida. 6.12 Exigibilidade de conduta diversa A exigibilidade de conduta diversa, também denominada exigibilidade de conduta de acordo com o Direito, como elemento da culpabilidade significa a expectativa da sociedade acerca da prática de uma conduta diversa daquela que foi praticada pelo agente de um delito. Embora pudesse – e devesse – agir de acordo com o Direito, o sujeito opta por violar a legislação penal. Em sentido contrário, se não era possível exigir do agente outro comportamento, sua culpabilidade é excluída. 81 ILICITUDE E CULPABILIDADE 6.13 Causas de inexigibilidade de conduta diversa Duas são as causas que excluem a culpabilidade do agente que atua sem que dele se exija conduta diferente: a coação irresistível e a obediência hierárquica, como prevê o Código Penal: “Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. A consequência legal corresponde à punição do autor da coação irresistível ou da obediência a ordem hierárquica. 6.13.1 Coação moral Genericamente, a coação pode ser conceituada como a imposição de força física (coação física) ou de grave ameaça (coação moral) para que alguém faça ou deixe de fazer algo. A coação física não diz respeito à culpabilidade, mas à tipicidade, pois influi na conduta do agente, retirando a sua vontade, o que implica ser o fato atípico. Exemplo: “A”, sob tortura, é forçado a matar “B”. No tocante à culpabilidade, interessa-nos a coação moral, cujas espécies são: • Coação moral resistível: que é passível de ser suportada pelo coacto. Exemplo: “A” ameaça destruir relógio caro, antigo e raro, de propriedade de “B”, se esse deixar de roubar “C”. • Coação moral irresistível: que é inviável de ser tolerada pelo coacto. Exemplo: “A”, mediante emprego de arma de fogo, ameaça matar “B”, caso esse deixe de furtar “C”. Como se percebe, se a coação moral é resistível, resta configurado o crime porque o agente atua com vontade, e o agente é considerado culpável, embora com direito a pena diminuída, de acordo com a atenuante genérica prevista no art. 65, III, “c”, CP. Por sua vez, diante da coação moral irresistível, há crime, pois existe vontade, mas o agente não será culpável porque não lhe era exigível conduta diversa da que adotou. Portanto, a única hipótese excludente de culpabilidade é a inexigibilidade de conduta diversa em razão de coação moral irresistível. 6.13.2 Obediência hierárquica Como conceitua Andreucci (2013, p. 140), obediência hierárquica significa: “Causa de inexigibilidade de conduta diversa, em que o agente tem sua culpabilidade afastada, não respondendo pelo crime, que é imputável ao superior”. 82 Unidade II 6.13.3 Conceito de ordem de superior hierárquico Ordem de superior hierárquico é a expressão de vontade emitida por uma autoridade que mantém relação de superioridade em relação a outra pessoa, que é sua subordinada. Observação Como a ordem provém de uma autoridade exercente de função pública, esta hipótese não se aplica às relações de direito privado, de natureza familiar ou empregatícia, por exemplo. 6.13.4 Espécies de ordem e consequências legais • Ordem legal: subordinado age sob estrito cumprimento do dever legal. Exemplo: policial militar põe algemas em indivíduo que resiste à voz de prisão em flagrante delito. • Consequência: trata-se de hipótese excludente de ilicitude, ou seja, o agente não pratica crime. Não condiz com o estudo da Culpabilidade.Não há responsabilidade penal imputável ao superior hierárquico, nem ao subordinado. • Manifestamente ilegal: subordinado obedece à determinação sem fundamento em lei. Exemplo: soldado atira contra a cabeça de prisioneiro de guerra, em obediência ao seu comandante. • Consequência: o agente responde pelo crime praticado porque atua com vontade e consciência, sabendo ou devendo saber que viola a lei, assim como responde também o seu superior hierárquico. • Não manifestamente ilegal: subordinado pratica conduta em razão de ordem exarada por seu superior hierárquico, aparentemente nos limites da legalidade. Exemplo: Oficial de Justiça cumpre mandado judicial de busca e apreensão exarado por juiz de direito, que altera o endereço de cumprimento da medida, para lançar dados de seu desafeto. • Consequência: diante da aparentemente legalidade do ato, exclui-se a exigibilidade de conduta diversa do subordinado, que é isento de pena diante da ausência de culpabilidade. Somente o responsável pelo ato ilegal é quem responde pelo crime. 83 ILICITUDE E CULPABILIDADE Saiba mais Sobre o juízo de reprovabilidade, recomendamos a leitura de: DIMOULIS, D. O caso dos denunciantes invejosos: introdução prática às relações entre direito, moral e justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. Sobre a coação irresistível, recomendamos: ANDREUCCI, R. A. Coação irresistível por violência. São Paulo: José Bushatsky, 1973. Sobre a culpabilidade, sugerimos assistir ao filme: AS DUAS faces de um crime. Direção: Gregory Hoblit. Estados Unidos da América: Paramount Pictures, 1996. 131 min. Resumo Vimos que culpabilidade consiste em um juízo de reprovação social, em relação ao autor e ao fato por ele praticado, fundado na possibilidade de o agente agir de modo a não violar a legislação penal. O Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade, tendo por elementos: a imputabilidade (arts. 26 a 28); a potencial consciência da ilicitude (art. 21); e a exigibilidade de conduta diversa (art. 22). Para cada requisito da culpabilidade correspondem hipóteses específicas que de seu afastamento, denominadas dirimentes da culpabilidade. A imputabilidade é afastável por doença mental; desenvolvimento mental retardado; desenvolvimento mental incompleto; e embriaguez acidental completa. A potencial consciência da ilicitude é afastável pelo erro de proibição inevitável. A exigibilidade de conduta diversa é afastável pela coação moral irresistível; pela obediência hierárquica à ordem não manifestação ilegal. Imputabilidade é a capacidade para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, caput, CP). Trata-se da reunião das capacidades mentais de entendimento e de autodeterminação, isto é, compreensão sobre o que é certo ou errado, além do autocontrole para não agir de forma ilícita. Referidas capacidades 84 Unidade II mentais são avaliadas no momento da conduta. Volta-se ao tempo da ação ou omissão adotada pelo agente para se aferir sua aptidão para ser punido por algo que tenha infringido a legislação penal Como regra geral, todo agente maior de 18 (dezoito) anos de idade é imputável (responsável), salvo se ocorrer alguma hipótese excludente da imputabilidade. Caso o agente e se coloque em situação de inimputabilidade justamente para cometer um delito (actio libera in causa), além de sua imputabilidade não ser excluída, responderá pelo crime (art. 213 CP), com aumento de pena, em razão de causa agravante genérica (art. 61, II, “l”, CP), em razão de sua má-fé deliberada. São quatro as causas que geram a inimputabilidade: doença mental; desenvolvimento mental incompleto ou retardado; e a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Três pontos merecem destaque: i) a dependência de substância psicotrópica somente é considerada doença mental quando retirar a capacidade de entender ou querer do agente (arts. 45 e 47, da Lei n. 11.343/06); ii) sobre as diferentes hipóteses de embriaguez, não afastam a imputabilidade a ocorrência não acidental (voluntária ou culposa, seja completa ou incompleta); e a preordenada (que agrava a pena). Por outro lado, afastam a imputabilidade a acidental completa e a patológica; e apenas atenua a pena a hipótese de embriaguez acidental incompleta. iii) a emoção (perturbação psíquica intensa, mas transitória) e paixão (perturbação psíquica duradoura e permanente) não excluem a imputabilidade (art. 28, I, CP). Entretanto, a pena pode ser reduzida se o agente atuar sob ‘domínio de violenta emoção’, ou genericamente atenuada se o agente atuar sob influência sob ‘influência de violenta emoção’. Observamos que semi-imputabilidade é a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, frente a um ilícito penal, em virtude de perturbação mental (art. 26, parágrafo único, CP). Trata-se de situação mais leve se comparada à inimputabilidade por doença mental que incapacita inteiramente o agente de compreensão e controle. Quanto a punibilidade do agente, em razão de um delito, o juiz deve aplicar a respectiva sanção penal, por ocasião da sentença. Ao examinar a culpabilidade de um semi-imputável, o juiz reconhece a imputabilidade, entretanto, diminuída. Então, cabe a ele optar – de acordo com a situação 85 ILICITUDE E CULPABILIDADE pessoal, verificada caso a caso - entre condenar o agente a uma pena reduzida de um terço a dois terços ou substituir a punição pela imposição de uma medida de segurança (art. 98 CP). Potencial consciência da ilicitude é a possibilidade de compreender o caráter ilícito do fato praticado. Porque ninguém pode alegar o desconhecimento da lei (art. 21 CP), o autor deve ter o conhecimento ou, no mínimo, a potencialidade de entender o aspecto criminoso do seu comportamento. Entendemos que o que exclui a potencial consciência da ilicitude é o erro de proibição escusável, ou seja, aquele que incide sobre ilicitude da conduta, o que afasta a sua culpabilidade (art. 21, parágrafo único, CP). Trata-se do erro em que as pessoas em geral incorreriam, na mesma situação em que se encontra o autor, apesar de adotarem as cautelas ordinárias. Por outro lado, se o agente incidir em erro de proibição inescusável, sua culpabilidade não é afastada, mas incide uma causa de diminuição de pena, podendo variar entre 1/6 e 1/3, consoante o art. 21, caput, CP. Exigibilidade de conduta diversa é a expectativa da sociedade acerca da prática de uma conduta diversa daquela que foi praticada pelo agente de um delito. Embora pudesse – e devesse – agir de acordo com o Direito, o sujeito opta por violar a legislação penal. Em sentido contrário, se não era possível exigir do agente outro comportamento, sua culpabilidade é excluída. Duas são as causas que excluem a culpabilidade do agente que atua sem que dele se exija conduta diferente: a coação moral irresistível e a obediência hierárquica não manifestamente ilegal (art. 22, CP). Se a coação moral é resistível, resta configurado o crime porque o agente atua com vontade, e o agente é considerado culpável, embora com direito a pena diminuída, de acordo com a atenuante genérica prevista (art. 65, III, “c”, CP). Se irresistível, há crime, pois existe vontade, mas o agente não será culpável porque não lhe era exigível conduta diversa da que adotou. Entendemos que obediência hierárquica é a sujeição à ordem de uma autoridade que mantém relação de superioridade em relação a outra pessoa, que é sua subordinada. Como espécies e consequências legais, a ordem pode ser: i) ordem legal (subordinado age sob estrito cumprimento do dever legal), que gera a excludente de ilicitude, ou seja, o agente não pratica crime; ii) manifestamente ilegal (subordinado obedece à determinação sem fundamento em lei), diante da qual o agente responde pelo crime praticado porque atua com vontade e consciência, sabendo ou devendo saber que viola a lei, assim como responde também o seu 86Unidade II superior hierárquico; e iii) ordem não manifestamente ilegal (subordinado pratica conduta em razão de ordem exarada por seu superior hierárquico, aparentemente nos limites da legalidade), cuja consequência , diante da aparentemente legalidade do ato, é a exclusão da exigibilidade de conduta diversa do subordinado, que é isento de pena diante da ausência de culpabilidade. Somente o responsável pelo ato ilegal é quem responde pelo crime. Portanto, diante da inexigibilidade de conduta diversa, seja em razão da coação moral irresistível, seja em razão de obediência hierárquica a ordem não manifestação ilegal, a consequência legal corresponde à punição do autor da coação irresistível ou da obediência a ordem hierárquica.
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