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1 AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA FALA E DA LINGUAGEM 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empre- sários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade ofere- cendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a partici- pação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber atra- vés do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 Sumário 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 4 2. AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ................................... 7 3. DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO ................................................... 10 3.1 Distúrbios da comunicação na infância .............................................. 13 4. DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ......................................................... 16 4.1 Bases biológicas da linguagem .......................................................... 18 5. PIAGET E VYGOTSKY: DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES PARA A COMPREENSÃO DA AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM .................................................................................................... 19 6. PIAGET, VYGOTSKY E MATURANA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES PARA COMPREENSÃO DA AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM .................................................................................................... 28 7. QUAIS AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM? ................ 34 8. ETIOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM ORAL E ESCRITA ........... 37 8.1 Linguagem e epilepsia ....................................................................... 37 8.2 Linguagem e autismo ......................................................................... 38 8.3 Intervenção na criança com distúrbio da linguagem .......................... 38 9. APRENDIZAGEM ............................................................................................. 40 9.1 Desenvolvimento normal.................................................................... 40 9.2 Bases neurobiológicas ....................................................................... 41 9.3 Dificuldades de aprendizagem da linguagem escrita na infância....... 42 9.4 Intervenções ...................................................................................... 46 10. DIFICULDADES NO PERCURSO ................................................................... 47 10.1 Atraso simples de linguagem ........................................................... 48 10.2 Desvio fonológico ............................................................................. 48 10.3 Distúrbio específico da linguagem (del) ........................................... 49 10.4 Fluência ........................................................................................... 50 10.5 Alterações semântico-pragmáticas .................................................. 50 11. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 52 4 1. INTRODUÇÃO A comunicação humana pode ser diferenciada da comunicação das outras espécies animais de três maneiras diferentes. A primeira e a mais importante é a possibilidade de simbolizar. Os símbolos lingüísticos são convenções sociais de significados, nos quais cada indivíduo compartilha sua atenção com o outro, direcionando a sua atenção ou seu estado mental (pensamento) para alguma coisa no mundo que os cerca. A segunda diferença é que a comunicação hu- mana linguística é gramatical. Os seres humanos usam os símbolos linguísticos associados em estruturas padronizadas. A terceira é que, ao contrário das outras espécies animais, os seres humanos não têm um único sistema de comunicação utilizado por todos os membros da espécie. Portanto, diferentes grupos de hu- manos convencionaram, no decorrer da história, sistemas mútuos de comunica- ção. Isso significa que a criança, diferente das outras espécies animais, deve aprender as convenções comunicativas usadas por aqueles a sua volta, pela sociedade da qual faz parte. A linguagem é um importante fator para o desenvolvimento e aprendiza- gem. A língua oral seria uma base linguística indispensável para que as habili- dades de leitura e escrita se estabelecessem. As habilidades de linguagem re- ceptiva e expressiva também foram consideradas por diversos autores como bons sinais precoces da compreensão de leitura. Um dos achados em pesquisa foi o de que crianças com desenvolvimento abaixo do esperado na alfabetização apresentam um desempenho insatisfatório em compreensão da linguagem, pro- dução sintática e tarefas metafonológicas. Discorrer a respeito do processo de aquisição e desenvolvimento da lin- guagem requer um conhecimento prévio acerca dos processos de pensamento. Isto é, exige uma compreensão a relativa à capacidade de simbolizar e da for- mação dos conceitos. Esses processos foram bastante estudados por autores como, por exemplo, Piaget (2007,1967) e Vygotsky (2007,1998), e embora ex- plicitem significativas divergências entre si, um fator comum pode ser identificado em suas concepções relativas ao desenvolvimento cognitivo (pensamento e lin- 5 guagem), que é a importância das ações exercidas e/ou “sofridas” por um indi- víduo em relação a si mesmo e ao contexto em que vive, e o impacto de tais ações no curso do desenvolvimento de processos psicológicos básicos (atenção, memória, pensamento, linguagem), e em todo o processo do desenvolvimento humano. De acordo com Atkinson, Atkinson, Smith, Bem e Nolen-Hoeksema (2002) a linguagem é o uso organizado e combinado de palavras para fins de comuni- cação, principalmente, do pensamento. Para o autor, a linguagem tem caráter universal, pertence à espécie humana, o que possibilita que as pessoas sejam capazes de dominar e usar um sistema linguístico bastante complexo. A utiliza- ção da linguagem possui dois aspectos: um de produção e um de compreensão. Produzir linguagem significa partir de um pensamento que de alguma maneira é traduzido numa oração e expressado através de sons. Compreender parte da audição de sons, atrelar significado a estes sons na forma de palavras que con- sistem na criação de uma oração para posteriormente extrairmos significados dela. Ambos aspectos compõem o processo de aquisição da linguagem e apre- sentam os níveis da sintaxe, da semântica e da fonologia, que envolvem, res- pectivamente, as unidades de oração, a transmissão de significados e os sons da fala. Contudo, é importante salientar que a linguagem não consiste apenas na comunicação e transmissão de ideias pelas palavras, que são cruciais no desenvolvimento cognitivo, mas também na comunicação não verbal, isto é, em gestos e as ações, movimentos que expressam emoções sociais. As mesmas autoras, ao explanarem a respeito do desenvolvimento da lin- guagem afirmam que antes das primeiras palavras serem pronunciadas há uma fase denominada pré-lingüística. Esta fase é caracterizada pela emissão de sonsque progridem do choro e da produção de fones como “ahhh” ou “gritinhos”, para os balbucios, gestos e imitação de sons embora não haja compreensão dessa imitação. Há um repertório de sons sequenciados em padrões que soam como linguagem, mas que parecem não possuir significado. Ao longo desse período os bebês desenvolvem a habilidade de reconhecimento e de compreensão dos sons da fala e a capacidade de utilização de gestos com significado, e apenas 6 no final do primeiro ano dizem a primeira palavra. Vale ressaltar que a fase pré linguística é rica em expressão emocional. A comunicação é um meio pelo qual o indivíduo recebe e expressa a lin- guagem, sendo um elemento essencial para a socialização e integração na co- munidade. Portanto, os distúrbios da comunicação causam impacto direto sobre a vida social da criança e sobre o sucesso acadêmico e ocupacional, sendo re- conhecidos como importantes questões de saúde pública. Os distúrbios da co- municação constituem algumas das doenças infantis mais prevalentes, manifes- tando-se como atraso ou desenvolvimento atípico envolvendo componentes fun- cionais da audição, fala e/ou linguagem em níveis variados de gravidade. Na maioria das vezes esses distúrbios são percebidos pelos pais, que referem que a criança tem dificuldade para falar ou que não fala, é dificilmente compreendida, incapaz de dizer alguns sons corretamente ou que gagueja. Sabe-se, por exem- plo, que crianças com atraso no desenvolvimento da linguagem irão apresentar, na idade escolar, importantes e persistentes anormalidades neuropsicológicas, entre elas os transtornos específicos de aprendizagem. O fonoaudiólogo é o profissional habilitado para identificar, diagnosticar e tratar indivíduos com distúrbios da comunicação oral e escrita, voz e audição. Entretanto, nesse processo, é fundamental a participação de outros profissionais que acompanham o desenvolvimento infantil, como pediatras, educadores, psi- cólogos, terapeutas ocupacionais, agentes comunitários de saúde, entre outros. De maneira geral, pediatras e professores são os primeiros profissionais solici- tados a opinar e orientar, por serem mais presentes no acompanhamento do desenvolvimento infantil. Mas tal intervenção só ocorrerá em bom nível técnico com a presença direta ou indireta de um fonoaudiólogo. 7 2. AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM Compreendendo Linguagem A aquisição da linguagem depende de um aparato neurobiológico e social, ou seja, de um bom desenvolvimento de todas as estruturas cerebrais, de um parto sem intercorrências e da interação social desde sua concepção. Em outras pa- lavras, apesar de longas discussões sobre o fato da linguagem ser inata (de nascença) ou aprendida, hoje a maior parte dos estudiosos concorda que há uma interação entre o que a criança traz em termos biológicos e a qualidade de estímulos do meio. Alterações em qualquer uma dessas frentes pode prejudicar sua aquisição e seu desenvolvimento. Para entendermos a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, temos que considerar dois aspectos: a linguagem ajuda na cognição e na comunicação. • Linguagem e cognição: pensamos bastante por meio da linguagem depois que desenvolvemos esta habilidade. A memória, a atenção e a percepção po- dem ter ganhos qualitativos com ela. Por exemplo, memorizamos melhor quando fazemos associações de idéias. Ela também ajuda na regulação do comporta- mento. Na infância, podemos observar o desenvolvimento da linguagem como apoio à cognição a partir dos dois anos, em média, principalmente por meio da forma como a criança brinca. 8 • Linguagem e comunicação: temos a intenção comunicativa, e podemos nos comunicar de diversas formas diferentes, através de gestos, do olhar, de dese- nhos, da fala, entre outros. A estruturação da linguagem nos permite lançar mão de recursos cada vez mais sofisticados, a fim de aprimorar nossas possibilidades de comunicação. Também é importante percebermos que podemos dividir, didaticamente, a lin- guagem, considerando sua forma, seu conteúdo e seu uso. O desenvolvimento costuma correr concomitantemente, entretanto, um disparate entre essas áreas pode ser indicativo de dificuldade, tal como será explicado nas próximas linhas. • Forma: engloba a produção dos sons, como se emite o fonema, e também a estrutura da frase, se tem todos os componentes e se a ordem é aceitável pela língua - níveis fonético-fonológico e morfossintático. • Conteúdo: diz respeito aos significados, que podem estar na palavra, na frase ou no discurso mais amplo - nível semântico. • Uso: refere-se ao uso social da língua; não basta emitir sons, estruturar uma frase e saber o significado, tem que adequar tudo isso ao contexto em que está sendo empregado - nível pragmático. Passadas estas considerações, vamos pensar em algumas etapas de desenvol- vimento. Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem • Comunicação não-verbal: desde muito cedo já pode ser observada, como as variações do tônus (contração/descontração muscular) entre a mãe e o bebê, o olho no olho, as expressões faciais. O apontar por volta dos 11 meses é um marco, podendo inicialmente ter a intenção apenas de "mandar" (apontar para algo que quer) e depois pode ter a intenção de compartilhar a atenção com al- guém (apontar para que outra pessoa possa acompanhar aquele momento). • Produção dos sons*: os primeiros fonemas da língua são aqueles produzidos com os lábios, como /b/ /m/ /p/. Logo depois surgem /n/ /t/ /l/, e, em seguida, /d/ http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862008000300012#back1 9 /c/ /f/ /s/ e /g/ /v/ /z/ /R/ /ch/ /j/. Só mais tarde observamos a produção adequada de alguns fonemas como /lh/ /nh/ /r/. A combinação destes fonemas nas sílabas pode ser complicadora, como está exposto no próximo item. • Estrutura das sílabas: as formações silábicas mais simples são consoante- vogal (CV), como PA, LO, etc; ao se inverter essa ordem (vogal-consoante), já se tornam um pouco mais difíceis, como AR, US, etc. Quanto maiores, mais di- fíceis se tornam. Para ilustrar, podemos apresentar palavras com sílabas conso- ante-vogal-consoante LAR, RIS, etc. e consoante-consoante-vogal FRA, BRI, etc. No português, temos sílabas como TRANS (consoante-consoante-vogal- consoante-consoante), dentre outras, com enorme dificuldade de produção para crianças menores. • Estrutura de frases: inicialmente as crianças usam uma única palavra funcio- nando com frase. Mais tarde, surgem as frases telegráficas, com duas palavras em média. As frases vão se alongando, passando a ter cada vez mais elemen- tos. A complexidade também aumenta e surgem possibilidades de compreender e expressar frases em outras ordenações, como a voz passiva. As expressões de tempo e espaço passam a fazer parte do discurso, possibilitando narrar situ- ações que não estão presentes. As frases mais complexas que exigem mais conteúdo como as orações com pronomes do tipo "que" são possíveis a partir dos 3 anos. • Diálogo: até atingir a capacidade de estabelecer um diálogo (com) alguém, a criança passa por fases em que depende do adulto para que o mesmo seja pos- sível. Em um primeiro momento, os adultos tentam adivinhar o que significam as produções pouco compreensíveis da criança (especularidade). Esta fase inicial acontece quando a criança começa a emitir sons e sílabas que podem ser com- preendidas como palavras. Posteriormente, quando as crianças falam mais, au- mentando um pouco a quantidade sons e os adultos podem complementá-las (complementaridade), é quando aparecem as primeiras combinações de pala- vras, juntando uma ou duas palavrinhas. Somente depois a criança poderá iniciar e manter um diálogo sem um auxílio tão direto (reciprocidade). Essa primeira estruturação da conversa em diálogo é gradual e, até o final dos 2 anos, acriança consegue desenvolver bem a troca dialógica destas três etapas. 10 • Brincadeira: as brincadeiras podem ser inicialmente construtivas (jogos de montar/desmontar). Ao mesmo tempo, desenvolvem-se as plásticas (desenho, massinha, etc.). As projetivas podem começar ao mesmo tempo e vão se desen- volvendo em subetapas, como a imitação de situações vivenciadas; mais tarde (surge) o faz de conta até atingir o devaneio (presença de situação imaginária e de história com seqüência, possibilidade de brincar junto e não apenas "ao lado"). Importantes, também, são os jogos com regras que começam simples e vão se sofisticando. 3. DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO Antes de iniciar a apresentação do desenvolvimento da fala e da lingua- gem, é importante retomar a diferença entre esses dois conceitos. Linguagem é o sistema simbólico usado para representar os significados em uma cultura, abrangendo seis componentes: fonologia (sons da língua), prosódia (entona- ção), sintaxe (organização das palavras na frase), morfologia (formação e clas- sificação das palavras), semântica (vocabulário) e pragmática (uso da lingua- gem). A fala é o canal que viabiliza a expressão da linguagem e corresponde à realização motora da linguagem. Em outras palavras, a linguagem significa tro- car informações (receber e transmitir) de forma efetiva, enquanto que a fala re- fere-se basicamente à maneira de articular os sons na palavra (incluindo a pro- dução vocal e a fluência). 11 Desta forma, no desenvolvimento inicial da comunicação, é importante ob- servar o vocabulário; a extensão frasal (número de palavras utilizadas); a com- plexidade sintática das frases; a entonação; a articulação de cada um dos fone- mas (sons) da língua; as trocas presentes na fala da criança; o uso da linguagem pelo discurso e pela iniciativa comunicativa; bem como a fluência de fala (número de rupturas ou disfluências na fala e velocidade de fala). Desde o nascimento a criança se comunica através do choro, olhar e ges- tos. A criança pequena é capaz de discriminar vozes, diferenciar padrões de en- tonação, gestos e movimentos corporais, que são bases para o desenvolvimento comunicativo e de linguagem. É a partir da interpretação do adulto que os com- portamentos inatos adquirem significado para a criança e, posteriormente, são reproduzidos intencionalmente por ele. Assim, o contato mãe-criança por meio do olhar e melodia da fala são pré-requisitos para o desenvolvimento comunica- tivo. Além disso, a amamentação, além de ser um importante momento de trocas entre mãe e filho, assume destacado papel no desenvolvimento e maturação dos órgãos fonoarticulatórios, possibilitando, futuramente, a complexa tarefa de arti- culação dos sons da fala. Nos primeiros meses de vida a criança apresenta vocalizações automáti- cas como, por exemplo, choro, grito e sons primitivos que, além de assumirem papel comunicativo, são fundamentais para o exercício do trato vocal. O balbucio e o sorriso iniciam-se a partir do segundo mês de vida e, apesar de ainda refle- xos, expressam satisfação ou prazer. Aos quatro meses transformam-se em jogo vocal, quando a criança amplia seu repertório incluindo sons consonantais e, mais tarde, produções silábicas, mas ainda sem intenção comunicativa. No pri- meiro ano de vida descobre a própria voz e sua capacidade de se comunicar e, no final deste, inicia a produção das primeiras palavras com valor de enunciado, enquanto seu vocabulário aumenta progressivamente. Por volta dos dois anos é capaz de manter conversação com turnos e aos três já está pronta para manter uma conversa coesa. Os primeiros anos de vida da criança são determinantes para o desenvol- vimento adequado da linguagem. Em ambiente comunicativo e a partir da inte- ração com a família, a criança adquire as bases para um desenvolvimento sadio 12 da linguagem, no que diz respeito à sua forma, conteúdo e uso. A aquisição normal da linguagem é dependente de uma série de fatores como o contexto social, familiar e histórico pré, peri e pós-natal do indivíduo, suas experiências, capacidades cognitivas e orgânico-funcionais. A integridade auditiva é um pré- requisito para esse processo, bem como as estruturas envolvidas na produção de fala. É por meio da audição que a criança tem acesso à linguagem oral, sendo capaz de detectar, identificar, discriminar, reconhecer os sons da fala para, pos- teriormente, compreendê-los e produzi-los. Nos primeiros anos de vida, pela fun- ção auditiva, a criança se familiariza com a estrutura da língua materna e orga- niza informações linguísticas necessárias ao desenvolvimento da linguagem oral. Durante o desenvolvimento da fala a criança adquire o inventário fonético, articulação dos sons e os organiza de acordo com as regras linguísticas da lín- gua materna. Para isso, a criança experimenta diversos processos fonológicos na tentativa de aproximar a sua produção de fala à do adulto para que, aos qua- tro anos, já tenha condições de produzir e utilizar adequadamente todos os sons da língua materna. Aos cinco anos a criança assimila as principais regras gramaticais e está pronta, linguisticamente, para se comunicar como um adulto e iniciar o aprendi- zado formal da linguagem escrita. As habilidades e capacidades linguísticas con- tinuam a se desenvolver quantitativamente ao longo da vida e, para que a cri- ança seja competente nessa tarefa, é necessário que, no período crítico de de- senvolvimento de linguagem, tenha condições orgânicas e psicoemocionais. Da mesma forma, é fundamental que a criança esteja inserida em um ambiente es- timulador e rico em experiências linguísticas e de comunicação. A partir dos seis anos tem início o aprendizado da linguagem escrita, cuja base neurobiológica tem componentes inatos menos fortes do que a linguagem oral. Para que esse aprendizado ocorra de maneira adequada é fundamental que a criança já tenha concluído, em termos de qualidade, o desenvolvimento da linguagem oral e perceba e manipule os componentes sonoros da fala (pala- vras, sílabas e fonemas), ou seja, tenha consciência fonológica. Portanto, se a Distúrbios da fala e da linguagem na infância criança tiver atraso ou alteração no 13 desenvolvimento de qualquer subsistema da linguagem (semântico, fonológico, morfossintático, prosódico e pragmático), poderá ter problemas na aquisição e desenvolvimento da linguagem escrita. 3.1 Distúrbios da comunicação na infância A etiologia dos distúrbios da comunicação pode envolver fatores orgânicos, intelectuais/cognitivos e emocionais (estrutura familiar relacional), ocorrendo, na maioria das vezes, inter-relação entre todos esses fatores. De acordo com a "American Speech, Language and Hearing Association", os distúrbios da comu- nicação podem ser conceituados como impedimentos na habilidade para rece- ber e/ou processar um sistema simbólico, observáveis em nível de audição (sen- sibilidade, função, processamento e fisiologia); linguagem (forma, conteúdo e função comunicativa); e processos de fala (articulação, voz e fluência). Esses distúrbios podem variar em gravidade; ser de origem desenvolvimental ou adqui- rida; resultar numa condição de déficit primário (doenças de manifestação pri- mária ou idiopáticas) ou secundário (doenças de manifestação secundária, de- correntes de manifestação maior) e, ainda, ocorrer isolados ou combinados. Os distúrbios de desenvolvimento da fala e da linguagem (oral e escrita) de causa idiopática em crianças e adolescentes são aqueles que não ocorrem em conjunto com outras anormalidades, tais como: deficiência mental, paralisia ce- rebral, deficiências auditivas e outras. Tais distúrbios, idiopáticos ou secundá- 14 rios, podem ser acentuados por influências externas, como, por exemplo, dife- renças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada. De maneirageral, os es- tudos epidemiológicos em distúrbios da comunicação apresentam os valores de prevalência e incidência quanto à idade, sexo, nível socioeconômico e diagnós- tico do distúrbio da comunicação. Desta forma, observa-se que, a partir dos três anos, a prevalência de distúrbios idiopáticos da comunicação eleva-se até os oito anos de idade, sendo que a fase crítica vai dos quatro aos seis anos, de- crescendo a partir dos sete anos; mais alta prevalência no sexo masculino; pre- domínio geral dos distúrbios articulatórios e/ou fonológicos; predomínio de alte- ração do desenvolvimento da linguagem em crianças menores de três a quatro anos, transtorno fonológico dos quatro aos oito anos e alteração na linguagem escrita a partir dos nove anos. Em relação aos fatores socioeconômicos, os es- tudos revelam que pais com baixo nível educacional têm mais chances de ter filhos com problemas de linguagem e podem ter mais dificuldades para perceber e relatar tais problemas. As alterações no desenvolvimento da fala e da linguagem podem causar sérios problemas no desenvolvimento cognitivo e socioemocional na idade es- colar ou adolescência. Estudos demonstram que a detecção de tais alterações aos dois a três anos reduz 30% a necessidade de acompanhamento terapêutico (fonoaudiologia, psicologia, educação especial, entre outros) aos oito anos de idade. Da mesma forma, reduz 33% o número de crianças com problemas na linguagem escrita. Tais dados reforçam a importância do pediatra na detecção precoce dos atrasos e desvios no desenvolvimento da fala e da linguagem. Mui- tos distúrbios da comunicação que ocorrem na infância poderiam ser evitados ou minimizados por meio de medidas simples de estimulação de linguagem, ori- entação aos familiares e identificação precoce. Sabe-se que as dificuldades de aprendizagem estão intimamente relacionadas à história prévia de alteração no desenvolvimento da linguagem. Desta forma, a identificação precoce dessas al- terações no curso normal do desenvolvimento pode prevenir posteriores conse- quências educacionais e sociais desfavoráveis. Alguns sinais de possíveis alterações podem ser detectados na criança ainda muito pequena, como ausência de contato de olhos; não reação a sons como telefone e campainha; não reação quando chamada pelo nome; volume 15 de televisão muito alto; ausência de fala ou fala incompreensível; vocabulário restrito; dificuldade de interação social e agressividade. Aneja indicou alguns sinais de alerta para desordens da linguagem na criança, tais como: nenhuma palavra emitida até os 18 meses; não colocação de duas palavras juntas aos dois anos; ausência de desempenho imitativo e simbólico aos dois anos; não formação de sentenças aos três anos; discurso incompreensível aos três anos). Para Oller et al., o balbuciar que normalmente é produzido por volta dos 10 me- ses de idade, quando atrasado, pode prognosticar desordens da fala. Sabe-se que o input linguístico que a criança recebe antes dos três anos de idade está fortemente relacionado com o subsequente desenvolvimento cog- nitivo e de linguagem. Estudo recente mostra a importância da conversa entre adulto e criança para o desenvolvimento inicial da linguagem. Tal estudo ressalta que a conversa entre adultos e crianças é determinante para o adequado desen- volvimento de fala e linguagem, pois, interagindo com adultos, a criança tem oportunidade de errar e ser corrigida, além de praticar e consolidar o conteúdo recém-adquirido. De maneira oposta, a grande exposição da criança à televisão está relacionada a atrasos no desenvolvimento da linguagem, pois contribui para a redução das oportunidades de interação entre ela e o adulto. Ela precisa de oportunidades para vivenciar o aprendizado da linguagem, com interações ricas com adultos e outras crianças, em que o adulto é respon- sável por fornecer o modelo adequado de fala. Assim, orienta-se que pais e edu- cadores conversem com as crianças de maneira simples, porém correta e ade- quada em forma e conteúdo para a idade. É importante, nessa interação, que a criança tenha oportunidade de expressar e manifestar seus desejos. Assim, o adulto deve deixá-la falar e perguntar o que quer em vez de tentar adivinhar. Além disso, como forma de estimulação da linguagem, a família e educadores devem ser orientados a brincar com as crianças utilizando músicas, livros, dese- nhos de colorir, faz-de-conta, etc. A criança aprende brincando e suas atividades de vida diária, como tomar banho e comer, podem ser momentos de interação prazerosos e ricos em aprendizagem. Para avaliar se a criança encontra-se dentro do esperado para o desenvol- vimento da fala e da linguagem, é fundamental que o pediatra complemente sua 16 observação com as informações e/ou queixas da família e/ou da escola, uma vez que estudos recentes salientam que a detecção inicial dos distúrbios da co- municação em crianças é realizada principalmente por pais e educadores. As- sim, o pediatra, ao deparar com queixas de familiares referentes ao desenvolvi- mento da comunicação da criança, como atraso na aquisição da fala, vocabulário pobre, trocas articulatórias ou dificuldades escolares, deve imediatamente inves- tigar o desenvolvimento global da criança, bem como o histórico familiar para tais alterações e o ambiente comunicativo em que a mesma está inserida. Em muitos casos, é necessário investigar fatores orgânicos como altera- ções auditivas e neuropsicológicas. O pediatra deve estar atento aos sinais de risco de deficiências auditivas na infância, como história de prematuridade, com- plicações pré, peri e pós-natais, hereditariedade, otites médias recorrentes, hos- pitalizações, traumatismos cranianos, entre outros. Após tais investigações, que deverão ser realizadas em curto espaço de tempo, é fundamental encaminhar a criança para avaliação completa de linguagem, realizada pelo fonoaudiólogo e equipe interdisciplinar, quando for o caso. 4. DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM Muito antes de começar a falar, a criança está habilitada a usar o olhar, a expressão facial e o gesto para comunicar-se com os outros. Tem também ca- pacidade para discriminar precocemente os sons da fala. A aprendizagem do 17 código linguístico se baseia no conhecimento adquirido em relação a objetos, ações, locais, propriedades, etc. Resulta da interação complexa entre as capa- cidades biológicas inatas e a estimulação ambiental e evolui de acordo com a progressão do desenvolvimento neuropsicomotor. Apesar de não estar comple- tamente esclarecido o grau de eficácia com que a linguagem é adquirida, sabe- se que as crianças de diferentes culturas parecem seguir o mesmo percurso glo- bal de desenvolvimento da linguagem. Ainda antes de nascer, elas iniciam a aprendizagem dos sons da sua língua nativa e desde os primeiros meses distin- guem-na de línguas estrangeiras. No desenvolvimento da linguagem, duas fases distintas podem ser reco- nhecidas: a pré-lingüística, em que são vocalizados apenas fonemas (sem pala- vras) e que persiste até aos 11-12 meses; e, logo a seguir, a fase linguística, quando a criança começa a falar palavras isoladas com compreensão. Posteri- ormente, a criança progride na escalada de complexidade da expressão. Este processo é contínuo e ocorre de forma ordenada e seqüencial, com sobreposi- ção considerável entre as diferentes etapas deste desenvolvimento. O processo de aquisição da linguagem envolve o desenvolvimento de quatro sistemas inter- dependentes: o pragmático, que se refere ao uso comunicativo da linguagem num contexto social; o fonológico, envolvendo a percepção e a produção de sons para formar palavras; o semântico, respeitando as palavras e seu significado; e o gramatical, compreendendo as regras sintáticas e morfológicas para combinar palavras em frases compreensíveis. Os sistemas fonológico e gramaticalconfe- rem à linguagem a sua forma. O sistema pragmático descreve o modo como a linguagem deve ser adaptada a situações sociais específicas, transmitindo emo- ções e enfatizando significados. A intenção de comunicar-se pode ser demonstrada de forma não-verbal através da expressão facial, sinais, e também quando a criança começa a res- ponder, esperar pela vez, questionar e argumentar. Essa competência comuni- cativa reflete a noção de que o conhecimento da adequação da linguagem a determinada situação e a aprendizagem das regras sociais de comunicação é tão importante quanto o conhecimento semântico e gramatical. 18 4.1 Bases biológicas da linguagem O processo da linguagem é bastante complexo e envolve uma rede de neu- rônios distribuída entre diferentes regiões cerebrais. Em contato com os sons do ambiente, a fala engloba múltiplos sons que ocorrem simultaneamente, em vá- rias frequências e com rápidas transições entre estas. O ouvido tem de sintonizar este sinal auditivo complexo, decodificá-lo e transformá-lo em impulsos elétricos, os quais são conduzidos por células nervosas à área auditiva do córtex cerebral, no lobo temporal. O logo, então, reprocessa os impulsos, transmite-os às áreas da linguagem e provavelmente armazena a versão do sinal acústico por um certo período de tempo. A área de Wernicke, situada no lobo temporal, reconhece o padrão de si- nais auditivos e interpreta-os até obter conceitos ou pensamentos, ativando um grupo distinto de neurônios para diferentes sinais. Ao mesmo tempo, são ativa- dos neurônios na porção inferior do lobo temporal, os quais formam uma imagem do que se ouviu, e outros no lobo parietal, que armazenam conceitos relaciona- dos. De acordo com este modelo, a rede neuronal envolvida forma uma com- plexa central de processamento. Para verbalizar um pensamento, acontece o inverso. Inicialmente, é ativada uma representação interna do assunto, que é canalizada para a área de Broca, na porção inferior do lobo frontal, e convertida nos padrões de ativação neuronal necessários à produção da fala. Também es- tão envolvidas na linguagem áreas de controle motor e as responsáveis pela memória. O cérebro é um órgão dinâmico que se adapta constantemente a novas informações. Como resultado, as áreas envolvidas na linguagem de um adulto podem não ser as mesmas envolvidas na criança, e é possível que algumas zonas do cérebro sejam usadas apenas durante o período de desenvolvimento da linguagem. Acredita-se que o hemisfério esquerdo seja dominante para a lin- guagem em cerca de 90% da população; contudo, o hemisfério direito participa do processamento, principalmente nos aspectos da pragmática. 19 5. PIAGET E VYGOTSKY: DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES PARA A COMPREENSÃO DA AQUISIÇÃO E DESENVOLVI- MENTO DA LINGUAGEM Como já dito antes, em razão da linguagem ter a finalidade também de comunicar principalmente o pensamento, Piaget (1967), com os estudos refer- entes à gênese do conhecimento, evidencia também aspectos relativos à aqui- sição e desenvolvimento da linguagem. Segundo ele, a linguagem não é sufi- ciente para explicar o pensamento, uma vez que o mesmo tem raízes na ação e nos mecanismos sensório-motor, os quais, para o autor, são mais significativos que o fator linguístico. Porém, [...] não é menos evidente que quanto mais refinadas as estruturas do pensamento, mais a linguagem será necessária para complementar a elaboração delas. A linguagem, portanto, é condição necessária, mas não suficiente para a construção de operações lógicas. Ela é necessária, pois sem o sistema de expressão simbólica que constitui a linguagem, as operações permaneceriam no estado de ações suces- sivas, sem jamais se integrar em sistemas simultâneos ou que con- tivessem, ao mesmo tempo, um conjunto de transformações solidárias. Por outro lado, sem a linguagem as operações permaneceriam individ- uais e ignorariam, em consequência, esta regularização que resulta da troca individual e da cooperação (Piaget, 1967, p. 92). De um modo geral, em relação aos tipos de fala, que é uma das manifes- tações da linguagem, vale ressaltar a fala privada. Papalia e Olds (2000) afirmam que ela é referente à fala consigo mesmo, sem a função de comunicar. Essas autoras apresentam as concepções de Piaget e de Vygotsky relativas a este tipo de fala, e afirmam que enquanto para Piaget ela é denominada egocêntrica pelo 20 fato de a função simbólica não estar plenamente desenvolvida e, com isso, fazer com que palavras e ações representadas por palavras não sejam distinguidas; Vygotsky a concebe como elo de integração entre linguagem e pensamento, pois, à medida que ela aumenta no curso do desenvolvimento, a criança torna- se capaz de orientar e dominar ações, só desaparecendo quando o mesmo pro- cesso é feito silenciosamente. Nos estudos referentes às raízes genéticas do pensamento e da lingua- gem, ao descrever os experimentos que realizou, Vygotsky (1998) compara tais estudos àqueles realizados por Piaget. De acordo com Vygotsky (1998) há di- vergências entre eles, sobretudo no que concerne às funções da fala egocên- trica. Enquanto para este autor a fala egocêntrica deve ser concebida a partir da compreensão da função primordial da fala, que é o contato social e a comunica- ção, e que sua função consiste na transferência dos modos sociais e cooperati- vos de conduta para o âmbito das funções psíquicas superiores e pessoais; para Piaget, esse tipo de fala não objetiva comunicação, caracteriza-se por ser uma fala consigo mesmo desprovida de intencionalidade, e sem qualquer funcionali- dade útil para o comportamento da criança. A fim de que se possa compreender essa concepção divergente dos dois autores, é importante salientar que para Vygotsky (1998) o desenvolvimento da fala segue o curso das demais operações mentais, as quais ocorrem em quatro estágios: (a) estágio natural ou primitivo, que corresponde à fala pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal; (b) estágio da psicologia ingênua, no qual acontece o exercício da inteli- gência prática em virtude da experiência da criança com as propriedades físicas do seu corpo e dos objetos que a circundam; (c) estágio das operações com signos exteriores usados como auxiliares na solução de problemas, caracterizado pela fala egocêntrica; e 21 (d) estágio do crescimento interior. Neste, as operações externas se interi- orizam e passam por mudança no processo, a criança passa a operar com relações intrínsecas e signos interiores. Segundo Vygotsky (1998), os estudos desses estágios permitiram concluir que a medida em que as crianças se desenvolvem, dirigindo sua fala para co- municações específicas com os outros como, por exemplo, pedir comida ou brin- quedo, elas começam a dirigir a fala para si mesmas, levando à internalização de palavras e à constituição da fala interior. Esta, por sua vez, envolve pensa- mentos verbais norteadores do comportamento e da cognição, processo funda- mental no desenvolvimento e funcionamento psicológico humano, logo, na cons- trução do conhecimento. Papalia e Olds (2000), ao discorrerem a respeito dos aspectos da linguagem, mencionam que as crianças ao adquirirem a capacidade de representar, começam a formar e utilizar conceitos e a compartilhá-los com adultos. Segundo as autoras, as crianças, em função do contexto em que vivem, rapidamente aprendem palavras por meio de um mapeamento que logo as pos- sibilitam absorver um significado, embora ele seja usado de maneira generali- zada para quaisquer objetos, espaço e tempo. Isto é, uma criança, inicialmente, pode referir-se à diversos tempos futuros com a palavra amanhã, em razão de a interpretação ainda ser bastante literal, o que faz a criança assimilar um signifi- cado distinto daquele pretendido. No curso do desenvolvimento, esta criança re- aliza com recorrênciao referido mapeamento, o qual a possibilita lançar mão do uso de metáfora. Em outras palavras, o referido mapeamento viabiliza a utiliza- ção de uma figura de linguagem em que palavra ou frase designadoras de uma coisa são aplicadas à outra. A recorrência do uso desta figura fornece à criança a capacidade necessá- ria para a aquisição de vários tipos de conhecimento (Papalia & Olds, 2000). Por seu curso, Oliveira (1992) faz alguns apontamentos referentes ao processo de formação de conceitos investigado por Vygotsky em seus estudos acerca da ori- gem e dos tipos de fala. Através desses apontamentos a autora coloca que [...] a linguagem humana, sistema simbólico fundamental na medição entre sujeito e objeto de conhecimento, tem, para Vygotsky, duas 22 funções básicas: a de intercâmbio social e a de pensamento generali- zante. Isto é, além de servir ao propósito de comunicação entre indi- víduos, a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do mundo real em categorias conceituais cujo significado é compartilhado pelos usuários dessa linguagem. Ao utilizar a lin- guagem para nomear determinado objeto estamos, na verdade, clas- sificando esse objeto numa categoria, numa classe de objetos que têm em comum certos atributos. A utilização da linguagem favorece, assim, processos de abstração e generalização. (Oliveira, 1992, p. 27). Ao considerar que a linguagem consiste num sistema simbólico que esta- belece mediação entre o sujeito e seu objeto de conhecimento, Oliveira (1992), ao citar Vygotsky, afirma que as palavras, enquanto signos mediadores das re- lações do indivíduo com o mundo, são generalizações. Cada palavra refere-se a uma classe de objetos, constitui-se num signo e numa forma de representação da categoria de objetos e de conceitos. De acordo com a autora, os conceitos são construções culturais internalizadas pelos indivíduos no curso do processo de desenvolvimento, e são definidos por atributos estabelecidos pelas caracte- rísticas dos elementos localizados e selecionados no mundo real, no universo da cultura. Nesta concepção, é a cultura na qual um sujeito se desenvolve que fornece os significados, permitindo ao indivíduo ordenar o real em categorias e conceitos. Papalia e Olds (2000) salientam em relação ao exposto acima, que as cri- anças, ao longo do desenvolvimento, se tornam mais competentes na comuni- cação à medida que dominam as palavras, as frases e a gramática, o que revela a existência de uma ligação entre a forma e a função da fala. Essa ligação evi- dencia seus aspectos pragmático e social. O primeiro aspecto envolve conheci- mentos práticos para fins comunicativos inclusive no sentido de adequar os co- mentários à perspectiva do ouvinte; o segundo, constitui todas as características do conhecimento pragmático e compõe a fala socializada, a qual pretende ser compreendida pelo ouvinte. É importante ressaltar que Papalia e Olds (2000) enfatizam a interpretação feita por Vygotsky a respeito da fala privada, principal- mente por se basearem em pesquisas que deram sequencia aos estudos reali- zados por ele. Essas autoras mencionam que a compreensão deste tipo de fala tem relevância significativa no contexto escolar, pois falar ou sussurrar consigo mesmo evidencia ou pode evidenciar a tentativa da criança de resolver um pro- blema e, por isso, ainda necessita pensar em voz alta. 23 No que concerne ao tipo supracitado de fala e sua função, Vygotsky (1998) afirma que a fala exterior dá origem à interior (privada). Em outros termos, as mudanças estruturais e funcionais acumuladas e ocasionadas pela fala exterior e pela diferenciação das funções social e egocêntrica da fala, possibilitam o de- senvolvimento da fala interior, a qual constitui a gênese da formação dos con- ceitos. Essa formação, segundo o autor, tem início na infância. Entretanto, as funções intelectuais combinadas de maneira específica, que compõem a base psicológica desta formação, são configuradas e desenvolvidas apenas na puber- dade. As formações intelectuais que se aproximam daquelas dos conceitos ver- dadeiros estão por surgir. Vygotsky (1998) concebe o homem e seu desenvolvi- mento numa perspectiva sóciocultural. Contudo, referindo-se aos estudos expe- rimentais da formação dos conceitos, o autor afirmou que “[...] a tarefa cultural, por si só, não explica o mecanismo de desenvolvimento em si, [...]” (Vytotsky, 1998, p.73). Por meio desta afirmativa explicitou a necessidade de compreender o de- senvolvimento de um indivíduo de maneira global. Noutras palavras, salientou o quão importante é verificar todas as funções implicadas nesse processo, as quais continuamente são construídas, reconstruídas e incorporadas à uma já existente ou nova estrutura, porque durante a formação dos conceitos este indi- víduo aprende “[...] a direcionar os próprios processos mentais com a ajuda de palavras e signos [...]” (p.74), mesmo que a capacidade de regulação de ações por meio de auxiliares seja plena apenas na adolescência. Durante o processo de formação de conceitos, antes do período da adolescência, a criança transita por alguns estágios. Esses estágios são compreendidos pelos momentos que partem da agregação desorganizada de objetos, para um conglomerado vago e sincrético de objetos isolados, até a composição do grupo, quando ocorre uma organização também sincrética do campo visual da criança. Nestes períodos, o significado passa por uma espécie de transição, uma vez que, inicialmente, “[...] revela uma extensão difusa e não direcionada do sig- nificado do signo (palavra artificial) a objetos naturalmente não relacionados en- tre si [...]” (Vygotsky, 1998, p.74). Posteriormente, a criança passa à etapa do pensamento por complexos. Neste modo de pensamento, os componentes es- tão ligados de maneira concreta e factual, isto é, ainda há carência de abstração 24 e de lógica. O pensamento por complexos envolve cinco tipos básicos de com- plexos: (a) associativo, que se baseia em relações de semelhança ou diferenças percebidas entre as coisas; (b) coleções, uma combinação de objetos ou impressões concretas propor- cionada pela experiência prática; (c) cadeia: uma conexão dinâmica e consecutiva de elos isolados numa só corrente, com a emissão de significados de um elo para outro (a formação em cadeia denota a gênese concreta e factual do pensamento por comple- xos); (d) difuso, o qual caracteriza-se pela fluidez do próprio atributo que une os seus elementos. Nele, conjuntos de imagens ou objetos perceptualmente concretos são construídos através de ligações difusas e indeterminadas; e, por fim, (e) o pseudoconceito. Este complexo constitui a ponte entre complexos e o estágio final e mais alto do desenvolvimento da formação de conceitos. Além disso, neste tipo, “[...] a generalização formada na mente da criança, embora fenotipicamente semelhante ao conceito dos adultos é psicologicamente muito diferente do propriamente dito; em sua essência, ainda é um complexo.” (Vygotsky, 1998, p.82). Nesse sentido, a construção gradativa de complexos e de significados das palavras através da manipulação de objetos agrupados é feita pelas crianças de acordo com suas preferências. Isso evidencia a caracte- rística ativa que elas possuem para originar generalizações, cujo percurso é apontado pela linguagem com seus significados estáveis e permanentes, mesmo que haja interferências da fala de um adulto. (Vygotsky, 1998). Ainda em refe- rência ao pensamento por complexos, é importante destacar que o autor citado acima o considerava fundamental em razão de a história da linguagem eviden- ciá-lo como a base do desenvolvimento linguístico. Em relação a este desenvolvimento e de acordo com a linguística, ele afirma que ocorre uma distinção entre o significado de uma palavra ou expressão 25 e o seureferente, ou seja, pode haver diversos referentes para um só significado. A título de exemplo, o autor coloca que se nos referirmos ao vitorioso de Jena ou ao derrotado de Waterloo, estamos nos reportando à mesma pessoa com expressões que trazem significados distintos. No entanto, é nesse sentido que “[...] as palavras da criança e do adulto coincidem quanto aos seus referentes, mas não quanto aos seus significados.”. (Vygotsky, 1998, p. 91). Aos poucos, acontecem, necessariamente, transferências de significados que constituem, além de indicativas do pensamento por complexos, a regra no desenvolvimento da linguagem, e, obviamente, no percurso de formação dos conceitos desde a fase mais primitiva dos conceitos potenciais, até os conceitos espontâneos, ver- dadeiros e científicas, no qual a palavra ocupa lugar central. Diante disso, Vygotsky (1998, p. 104) aponta que “[...] O desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar.”. As referidas funções, segundo o mesmo autor, não podem ser dominadas apenas por meio de aprendizagem ini- cial. Este processo envolve aprendizagem contínua, durante todo o curso do de- senvolvimento, sobretudo quando a criança está em idade escolar, pois ela passa a perceber os seus próprios processos psíquicos enquanto processos sig- nificativos, o que a habilita a conceber as coisas sob uma nova forma e a criar novas possibilidades de manipulá-las. Através do estabelecimento de uma rela- ção entre aprendizagem e desenvolvimento, verifica-se que o desenvolvimento da linguagem oral e da escrita diferem entre si. De acordo com ele, neste processo estão envolvidos as etapas de compre- ensão do significado figurado, a influência da gramática sobre o desenvolvimento mental e “[...] a compreensão das relações no estudo das ciências sociais e na- turais.” (Vygotsky, 1998, p. 122), o que promove a citada diferença. Conside- rando isso, o autor salienta que a linguagem escrita difere tanto estrutural quanto funcionalmente da linguagem oral por exigir um nível de abstração com o qual a criança possa se desligar do aspecto sensorial da fala e substituir palavras por imagens de palavras; isto é, exige uma capacidade de representação simbólica ainda mais sofisticada. A capacidade de representação simbólica exigida pela linguagem escrita explicita a relação que esta variação da linguagem estabelece 26 com a fala interior e com a oral, ambas constituintes da linguagem como um todo. A escrita segue o curso da fala interior, a qual é precedida pela fala oral, que por sua vez permanece em posição intermediária em relação àquelas. A fala interior é condensada e abreviada, é predicativa e conhecida pelo sujeito que pensa, enquanto a escrita deve possuir o caráter explicativo para se fazer inteli- gível. Por um processo de transição a fala interior (compacta) passa à oral (de- talhada) através de uma semântica deliberada, isto é, uma “[...] estruturação in- tencional da teia de significado. ” (Vygotsky, 1998, p. 124). Com essas observa- ções referentes aos tipos de fala – oral, interior e escrita – no decorrer do desen- volvimento, especialmente no período escolar, Vygotsky (1998) constatou não somente que a gramática e a escrita contribuem para o desenvolvimento da fala, como também que o aprendizado precede o desenvolvimento, mas não em re- lação às bases psicológicas que o sustentam. O que acontece de maneira contínua é uma interação e uma contribuição de/ entre ambos. Nesse processo de influência mútua, não apenas o aprendi- zado tem função importante, a imitação é também um mecanismo essencial, pois juntos – aprendizado e imitação inclusive da fala – fazem emergir qualidades especificamente humanas que orientam o indivíduo a novos níveis de desenvol- vimento, de formação de conceitos. Nesta perspectiva, Vygotsky (1998) faz uma crítica a Piaget em relação à compreensão dissociada de pensamento e de aprendizado, afirmando que aprendizado não se inicia na escola. Vygotsky am- plia sua crítica ao discorrer a respeito da inexistência de um elo primário entre pensamento e fala, o qual num determinado momento promoveria uma influência mecânica de um sobre outro, de maneira que o pensamento verbal seria resul- tado de uma união externa de ambos em razão de serem elementos isolados e independentes. Contudo, de acordo com ele, há uma evolução desses proces- sos que promove a ocorrência de uma conexão que se modifica e desenvolve. Esta conexão é denominada significado ou conceito, como já abordado anterior- mente. Ademais, afirma que 27 [...] O significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida em que esta é ligada ao pen- samento, sendo iluminada por ele. É um fenômeno do pensamento ver- bal, ou da fala significativa – uma união da palavra e do pensamento. (Vygotsky, 1998, p. 151). Como componente essencial e elo de ligação do pensamento e da palavra, o significado é fundamental para a compreensão do desenvolvimento da lingua- gem de acordo com a concepção de Vygotsky (1998). Para ele, este desenvol- vimento implica também no desenvolvimento do pensamento, pois é através das palavras que o pensamento ganha existência, se materializa e promove a rela- ção entre coisas. Isso denota que há uma distinção entre os planos interior (se- mântico e significativo) e exterior (fonético) da fala, mesmo que dêem origem a uma unidade e tenham suas próprias leis. A diferenciação constatada nos planos de fala evidenciou que a unidade da fala é complexa e envolve um movimento independente nos âmbitos fonético e semântico. No momento em que uma cri- ança começa a dominar a fala exterior utilizando uma palavra, ela passa logo a relacionar duas, três palavras entre si até a construção de frases cada vez mais sofisticadas e coerentes. Entretanto, em relação ao significado, a primeira pala- vra é uma frase completa, o que denota que a criança parte do todo para depois dominar “[...] as unidades semânticas separadas, os significados das palavras, e a dividir o seu pensamento, anteriormente indiferenciado, nessas unidades.”. (Vygotsky, 1998, p. 157). Em outras palavras, enquanto o aspecto semântico segue do particular para o geral, o fonético faz o caminho inverso. É interessante expor que o autor citado verificou uma divergência entre semântica e fonética na fala de indivíduos adultos que causa ainda mais surpresa no que se refere aos sujeitos e predica- dos gramaticais e psicológicos em razão de fatores como: (a) o predicado psicológico poder assumir qualquer fragmento de uma frase; e (b) da possibilidade de significados distintos ocultarem-se numa determi- nada estrutura gramatical. 28 Não apenas sujeito e predicado têm seus duplos psicológicos, mas também gênero, número, caso, grau, etc. Um enunciado espontâneo, errado do ponto de vista gramatical, pode ter seu encanto e seu valor estético. A correção absoluta só é alcançada para além da linguagem natural, na matemática. Nossa fala cotidiana flutua entre os ideais da matemática e da harmonia quantitativa. (Vygotsky, 1998, p. 159). Como se pode observar, os estudos referentes à aquisição e desenvolvi- mento da linguagem até aqui apresentados, partem, de algum modo, dos pro- cessos de pensamento, do período pré linguístico, do processo de formação de conceitos, dos processos de aprendizagem e de socialização. 6. PIAGET, VYGOTSKY E MATURANA: ALGUMAS APROXIMA- ÇÕES PARA COMPREENSÃO DA AQUISIÇÃO E DESENVOL- VIMENTO DA LINGUAGEM Para Piaget (1967) parte do pressuposto de que a linguagem tem origem a partir do estágio sensório-motor, quando a função simbólica passa a exercer suaatividade: dar ao sujeito, à criança a capacidade de representação de objetos, ações e palavras. Através de uma concepção de desenvolvimento baseada na gênese do conhecimento, esse autor assegurou que a origem do pensamento antecede à linguagem com suas funções, formas e características. Por esta ra- 29 zão, a aquisição da linguagem só é possível quando as condutas sensório-mo- toras passam às ações conceitualizadas por meio da socialização e dos progres- sos da inteligência pré-verbal com a interiorização da imitação na forma de re- presentação. Em oposição a Piaget, Vygotsky (1998) não possui uma concepção em que cada um desses processos (pensamento e linguagem) anteceda um ao outro. Para Vygotsky (1998), há um elo que os conecta e que os faz influenciarem- se mutuamente, que é a palavra. Referente à origem da linguagem esse autor a explicita através dos estudos da formação dos conceitos, dos tipos de fala, in- clusive em comparação com a compreensão de Piaget acerca da fala egocên- trica e sua função. Enquanto para Piaget ela é uma expressão direta do pensa- mento egocêntrico, que não se adéqua ao pensamento adulto, isto é, um tipo de pensamento intermediário ao autismo primitivo de pensamento e à socialização; para Vygotsky ela consiste num fenômeno de transição de funções interpsíqui- cas para as intrapsíquicas, que abarca toda a atividade social da criança e cons- titui um parâmetro de desenvolvimento comum às demais estruturas e funções psicológicas superiores. Dito de outro modo, a fala egocêntrica para Vygotsky engloba aspectos subjetivos (por possuir uma função específica, a de fala inte- rior) e objetivos (em razão de funcionar apenas em situações sociais), os quais a faz representar uma transição da fala para os outros à fala para si mesmo. Por seu curso, Magro (1996) está entre os autores que também discorrem a respeito da linguagem e de suas funções. De acordo com a autora, a linguagem no mundo ocidental foi configurada enquanto simbolização e mediação de elementos e de relações concernentes ao ambiente tanto externo quanto interno ao homem. Porém, mesmo que haja variações na maneira por meio da qual essa configuração se compõe, ela afirma que é importante salientar a característica de mediação, de representação e de simbolização da linguagem. As características ressaltadas acima contribuíram para que cientistas e filósofos estudassem e investigassem a essência da lin- guagem, a fim de construírem línguas mais perfeitas e lógicas. A autora supra- citada aponta que estes estudos e investigações culminaram em concepções que tomam a língua como um conjunto finito de regras gerador de sentenças 30 infinitas, ou como uma estrutura de signos, os quais, segundo ela, somente ree- laboram um mito da linguagem num teor abstrato e formal; além de terem sido concebidos como indispensáveis para que um indivíduo participe de comunida- des lingüísticas e seja capaz de trocar pensamentos com outros. De acordo com Magro (1996), o referido modo de compreender a lingua- gem relaciona-a à biologia em razão de partirem do princípio de que ela é “[...] um instinto próprio da espécie humana, uma marca do espírito, um indício incon- testável da descontinuidade entre nossa espécie e outros animais.”. (p.9). No entanto, afirma a autora, a origem da linguagem seria divina ou decorrente de um aprimoramento da espécie, o que dispensaria a ciência de explicações. Ade- mais, relacionar a linguagem à biologia (fisiologia, sistema nervoso e material genético), significaria compreendê-la como um instrumento inerente à espécie humana, no qual estariam impressas características imutáveis e universais, as- sim como as marcas da experiência traduzidas em representações mentais ou de outra modalidade. (Magro, 1996). A autora citada menciona que a tradição entre os cientistas é conceber a linguagem através de princípios explicativos (neste caso, representações e ins- tinto), em razão deles possibilitarem o controle (pelo menos parcial) daquilo que um organismo faz e/ou participa, para a obtenção de explicações sobre o que seja necessário ou não explicar. Deste modo, o comportamento linguístico foi e ainda é descrito como a capacidade de um indivíduo organizar, através da fala ou da escrita, signos e símbolos em concordância adequada com regras da lín- gua e de acordo com o que deva ser feito a cada momento, tendo este indivíduo incorporadas e representadas em sua biologia as regras gramaticais e conceitos fornecidos a priori ou não. Essa concepção relativa à linguagem abrange uma realidade independente dos indivíduos, por uma maneira de conhecer racional e objetiva, a qual reflete adequadamente essa realidade, fazendo objeções a opi- niões, sentimentos e a subjetividade. Com isso, um comportamento apropriado, normal, racional, justifica-se por uma correlação dupla entre linguagem e reali- dade representada no cérebro, e a realidade que ocorre na mediação entre indi- víduos representada pela linguagem. (Magro, 1996). 31 Além disso, tais características que compõem a conceitualização de lingua- gem apenas descrevem-na, não a explicam. Noutras palavras, em concordância com a referida autora, pode-se assegurar que não existe um mecanismo gera- tivo, próprio das explicações, capaz de promover uma combinação entre biologia humana e linguagem, nem entre esta e demais fenômenos encontrados no âm- bito da ontogenia da espécie. Contudo, Maturana (citado por Magro, 1996), apre- senta constructos relativos à cognição e à linguagem que rompem com as con- cepções tradicionais em razão de possibilitarem uma explicação referente ao que seja e envolva a linguagem, o que significa um enorme avanço, pois não mais se lançará mão apenas de descrições concernentes a tal processo. Ainda de acordo com Magro (1996), vale salientar que Maturana partiu de hipóteses explicativas que trataram sobre o que seja o viver e o que seja o conhecer. Se- gundo a autora, ele afirma que os seres vivos possuem uma organização fe- chada operacionalmente, denominada organização autopoiética (capacidade dos seres vivos produzirem-se a si mesmos constantemente), a qual denota que os seres vivos não são abertos às instruções do ambiente, e que tudo aquilo que acontece a eles é determinado pela estrutura que possuem, em constante mu- dança, junto à estrutura do meio em que desenvolvem sua ontogenia. É importante explicitar que a organização consiste num conjunto de rela- ções que devem existir ou que devem ser satisfeitas para que algo exista. Ela refere-se às relações que definem a identidade de um sistema. Por seu curso, a estrutura diz respeito aos componentes mais as relações que estabelecem entre si, que constituem um sistema particular. A estrutura, modificando ou não, tem que satisfazer as relações da organização, a qual, por sua vez, é invariante (Mo- reira, 2007). Através dessa explanação destaca-se a importância das ideias de Maturana, sobretudo concernente ao que o indivíduo experimenta e ao que ob- serva vivendo na linguagem. Com esse ponto de vista ou de investigação cien- tífica, o interessante é indagar pela experiência e entender que o que é feito ao explicar algo, nada mais é do que reformular coerências na experiência (Magro, 1996). É necessário evidenciar que, nesta perspectiva, a linguagem não é conce- bida como um “dote de indivíduos”, mas sim como comportamento, como “[...] atividade recursiva e consensual entre membros de comunidades que mantêm 32 uma história recorrente de interações, e em cujo exercício emergem referentes, significados, símbolos, a possibilidade de fazer distinções, de falar em regulari- dades, em raciocínio, cognição, consciência. ”. (Magro, 1996, p.11). O conceito de linguagem e sua funcionalidade, expressados nos constructos de Maturana mencionado por Magro (1996), permitem verificar a efetividade da linguagemnas atividades tanto teóricas quanto práticas realizadas por um indivíduo, em razão de ela envolver um “[...] domínio de afazeres no domínio de coordenações recur- sivas de afazeres, [...]”. (p. 11). Além desta efetividade, a linguagem possibilita que a realidade não mais seja vista como algo independente do indivíduo, posto que funciona como um meio para validar crenças, e que declarações ou textos construídos segundo suas regras, trazem significados e sentidos que podem ser imediatamente apreendidos, aprendidos e interpretados tanto por ouvintes quanto por declarantes. Ademais, Maturana (citado por Magro, 1996, p.12), ressalta a necessidade de distinguir fenômenos fisiológicos de comportamentais. Essa distinção con- siste no fato de um tipo de fenômeno não se reduzir ao outro e de contarem com a participação de ambos. Em outros termos, aquilo que acontece no domínio do comportamento conta com a participação do domínio da fisiologia, demons- trando que o que é dito e feito a todo instante, não é corriqueiro nem para o próprio indivíduo, nem para aqueles com quem conversa, “linguaja”. A influência mútua entre constituição fisiológica e comportamental apontada acima, leva a considerar que as alterações sofridas na fisiologia devido a um motivo qualquer, fazem com sejam alterados os comportamentos de um indivíduo, constituídos pela gama dos fenômenos tradicionalmente chamados de mentais. (Magro, 1996). De acordo com as referidas considerações, é importante colocar que a di- nâmica biológica do ser vivo o realiza e o faz constituir-se como totalidade, a qual possui um domínio relacional, cujo domínio de conduta ou modo de vida seja visto por um observador como seu. Concomitantemente, pelo determinismo de estrutura em que acontece a fenomenologia biológica, qualquer alteração es- trutural do ser vivo culmina numa alteração em sua vida relacional, logo, na sua maneira de viver. A vida relacional de um indivíduo é originada, possibilitada e limitada pela fisiologia, mas esta não a determina, causa ou contém. (Magro, 33 1996). As características concernentes às ideias de Maturana realçam a impor- tância de conceber a linguagem a partir da ampliação de possibilidades essen- ciais para se dizer com propriedade da experiência de ser vivo que o homem é. No entanto, não é desnecessário retomar que a linguagem consiste em ati- vidades coletivas em que os indivíduos se envolvem através da emissão de sons e gestos em coordenações consensuais de ações, as quais, se passam a ser recorrentes e recursivas, permitem que a realidade em que vivem seja ampliada, que se faça existir o que se denomina por eventos mentais, e que todos os ele- mentos integrantes dos jogos de linguagem configurem espaços psíquicos e cognitivos. (Magro, 1996). Tendo em vista a conceitualização relatada, Maturana (citado por Costas, Kolling, Fernandes & Cabral, 2002), explica que quando a criança começa a desenvolver a linguagem, ela aprende a falar sem obter sím- bolos, transformando-se no interior do ambiente de convivência constituído por suas interações com os cuidadores (a mãe e o pai) e com os demais adultos e crianças que compõem seu mundo. Este ambiente de convivência culmina numa história que promove mudanças no corpo da criança, seguindo um percurso con- tingente com esta história. É interessante salientar que a emoção além da ênfase dada à linguagem, nesta perspectiva, é destacada porque a realização humana acontece pela emo- ção. Essa emoção é demonstrada pelo bem-estar do indivíduo em conversar com outro, o que faz com que a emoção esteja entrelaçada com a linguagem. (Costas et al, 2002). Ainda em relação à emoção e à linguagem, o próprio Matu- rana (2001) mencionou que cotidianamente os indivíduos distinguem diferentes emoções em si mesmos e em outros indivíduos e até em animais. De acordo com ele, as emoções constituem-se como disposições corporais dinâmicas que especificam os domínios de ações nos quais animais e, sobretudo, seres huma- nos, operam num instante. Isso revela que as ações surgem e são realizadas num domínio emocional; e que a emoção determina o domínio em que uma ação ocorre, seja ela abstrata ou concreta. A linguagem ocorre, no entanto, no momento em que dois ou mais indiví- duos interagem, e de modo recorrente operam por meio destas interações em uma rede de coordenações cruzadas, recursivas, consensuais de coordenações 34 consensuais de ações. Portanto, tudo o que os seres humanos fazem, o fazem em operação na referida rede como diferentes modos de nela funcionar. Desta forma, sendo as ações especificadas pelo domínio emocional e en- trelaçadas com a linguagem que acontece no espaço das interações, as palavras também se relacionam às ações. Maturana (2001) afirma que as palavras refe- rem-se à outras palavras, à situações e à ações, evidenciando que os significa- dos são relativos às ações que elas coordenam. Em outros termos, portanto, as palavras funcionam com nós das redes de coordenação consensuais de ações, as quais, se funcionarem numa certa dinâmica de coordenação de ações, dão origem à simbolização e explicitam que estar na linguagem é estar também num domínio de reflexão, de formulação e organização de experiências, não apenas num domínio de coordenação de ações. 7. QUAIS AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA LINGUA- GEM? A primeira infância representa inúmeras conquistas no desenvolvimento da criança, tais como sentar, engatinhas e andar. O primeiro ano de vida reserva um dos momentos mais esperados pelos pais: quando o bebê fala “papai” e “ma- mãe” pela primeira vez, que ocorre graças ao adequado desenvolvimento da linguagem. A linguagem é a habilidade de compreender e criar conceitos mentais de tudo o que é aprendido, por exemplo: ao ser apresentada várias vezes à uma bola, quando for solicitada à criança que pegue a bola, ela saberá que o termo “bola” refere-se a um brinquedo, redondo, colorido e que pula, graças às suas experiências prévias. https://fofuuu.com/blog/o-que-fazer-para-estimular-o-desenvolvimento-da-linguagem-da-crianca/ https://fofuuu.com/blog/o-que-fazer-para-estimular-o-desenvolvimento-da-linguagem-da-crianca/ 35 Então surgem as dúvidas a respeito do desenvolvimento da linguagem dos pequenos: Quando é esperado que a criança fale as primeiras palavras? Até quando é normal falar errado? Se a criança de 5 anos não consegue falar de forma inteligível, a mãe precisa se preocupar? Cada criança tem suas particula- ridades, mas em geral há etapas semelhantes a serem cumpridas de acordo com a idade e o desenvolvimento cognitivo, conforme exemplificaremos abaixo, de acordo com informações do Conselho Federal de Fonoaudiologia: 1o ao 3o mês de vida: A comunicação com as pessoas ao seu redor é basicamente através de varia- ções de entonação do choro e dos sons por ela emitidos, mais evidente a partir da 3a semana de vida, conseguindo indicar quando está com fome, sono ou a cólica, por exemplo. Desde cedo ela já começa a compreender alguns sinais da comunicação, por exemplo ao observar a entonação da voz e expressão facial do adulto, ela sorri quando alguém fala de frente para ela, ou acalmando-se ao ouvir a voz da mãe. 4o ao 6o mês de vida: A partir do 4o mês de vida, a criança passa a emitir mais sons, mexendo a boca e variando a voz, como se ela estivesse preparando-se para as primeiras pala- vras que em breve iniciarão. 7o mês ao 1o ano de vida: Passa a ser mais frequente a produção de consoantes de “m”, “b”, “p” em sílabas e junções ainda sem significado, como “angu” e “mamamama”. Nesta idade, a criança já olha quando é chamada pelo nome, sabe o significado de expressões simples como “não”, “tchau”, “dá”, “vem”. 1 a 2 anos: A criança começa a falar as primeiras palavras com significado, como “mamãe” e “papai” e não por acaso, pois estas palavras têm uma grandeimportância de significado na vida do bebê, por terem sido frequentemente apresentadas a ele https://fofuuu.com/blog/e-normal-nao-entender-o-que-a-crianca-fala/ https://fofuuu.com/blog/e-normal-nao-entender-o-que-a-crianca-fala/ https://www.fonoaudiologia.org.br/ https://fofuuu.com/blog/por-que-alguns-bebes-tem-dificuldade-em-sugar/ 36 e também pelo falo de ambas serem formadas por consoantes cujos sons são de fácil produção. A partir dos 18 meses novas palavras são aprendidas com muito mais facilidade. É a fase “esponjinha”, em que muito do que ouve ela aprende a falar. Sua compreensão evolui tanto quanto a fala e ela já consegue manter pequenos diálogos. É esperado que a criança fale as palavras erradas, pois ela ainda não aprendeu todos os sons das consoantes. Assim, neste período devemos nos atentar ao número de palavras que ela sabe, não tanto ao como ela fala. À medida em que ela vai crescendo e adquirindo maior habilidade dos movimentos da boca, estes erros vão reduzindo e a fala ficando cada vez mais fácil de ser compreendida. 2 a 3 anos: Neste período a criança aprende cerca de 200 a 400 palavras novas, passando a elaborar frases com 3 a 4 palavras, como “qué comer não” e a contar pequenas histórias, com a ajuda de um adulto. 3 a 4 anos: Seu vocabulário está ainda maior, com aproximadamente 600 palavras, pas- sando a usar preposições (ex. em cima, com e atrás), plural e sentimentos em frases longas de 6 palavras, tanto no presente, como também no passado e fu- turo. Mantém um diálogo sem dificuldades, e as histórias que conta têm mais detalhes. Apesar de ter ainda algumas trocas de letras, sua fala é facilmente compreendida. 4 a 5 anos: Já conta histórias sem a ajuda do adulto ou de figuras. Usa com facilidade frases maiores, com adequada noção de tempo e condições (“eu só vou brincar se for de carrinho”), ainda apresenta dificuldade na flexão verbal em alguns momentos, mas é facilmente compreendida pois fala praticamente todos os sons de letras. 37 8. ETIOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM ORAL E ES- CRITA A fala caracteriza-se habitualmente quanto à articulação, ressonância, voz, fluência/ritmo e prosódia. As alterações da linguagem situam-se entre os mais frequentes, problemas do desenvolvimento, atingindo 3 a 15% das crianças, e podem ser classificadas em atraso, dissociação e desvio. A etiologia das dificuldades de linguagem e aprendizagem é diversa e pode envolver fatores orgânicos, intelectuais/cognitivos e emocionais (estrutura familiar relacional), ocorrendo, na maioria das vezes, uma inter-relação entre todos esses fatores. Sabe-se que as dificuldades de aprendizagem também podem ocorrer em con- comitância com outras condições desfavoráveis (retardo mental, distúrbio emo- cional, problemas sensório-motores) ou, ainda, ser acentuadas por influências externas, como, por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente ou in- apropriada. 8.1 Linguagem e epilepsia Os efeitos da epilepsia, das crises convulsivas e das descargas eletroen- cefalográficas sobre a linguagem têm sido discutidos em diversos estudos. Pode-se dizer que três são os distúrbios mais relatados em pacientes epilépticos: as disfasias do desenvolvimento associadas a epilepsia; as afasias críticas (agu- 38 das), onde ocorre uma alteração transitória da função cognitiva; e a afasia epi- léptica adquirida (síndrome de Landau-Kleffner). A afasia epiléptica adquirida é caracterizada pela deteriorização da linguagem na infância associada a crises ou atividade eletroencefalográfica epileptiforme anormal. Esse tipo de afasia muitas vezes é confundido com síndrome autística ou deficiência auditiva. Além da deteriorização da linguagem e da agnosia auditiva, observam-se alterações de comportamento, incluindo traços autistas. Por isso, devemos estar atentos a qualquer criança que apresente regressão de linguagem, devendo esta ser ava- liada cuidadosamente (para que seja feito um diagnóstico diferencial) e encami- nhada para o tratamento adequado16-18. 8.2 Linguagem e autismo A regressão da linguagem é observada na síndrome de Landau-Kleffner e na regressão autística. Recentes estudos focados na linguagem verbal de crian- ças com espectro autista enfatizam traços anômalos da fala, como a escolha de palavras pouco usuais, inversão pronominal, ecolalia, discurso incoerente, crian- ças não-responsivas a questionamentos, prosódia aberrante e falta de comuni- cação. Muitos estudos atribuem a ausência de fala em alguns indivíduos ao grau de severidade do autismo, à tendência a retardo mental ou a uma inabilidade de decodificação auditiva da linguagem. No autismo, a compreensão e a pragmática estão invariavelmente afetadas, e os achados incluem prosódia aberrante, eco- lalia imediata e/ou tardia e perseveração (persistência inapropriada no mesmo tema). Outros sintomas estão também presentes, distinguindo essas crianças daquelas com apenas atraso de linguagem; esses sintomas incluem, particular- mente, perturbações da comunicação não-verbal, comportamentos estereotipa- dos e perseverantes, interesses restritos e/ou inusuais e alteração das capaci- dades sociais. Concluímos, com isso, que a regressão de linguagem na infância se caracteriza por um distúrbio grave, com morbidades significativas a longo prazo. 8.3 Intervenção na criança com distúrbio da linguagem A produção da fala e linguagem pode ser considerada adequada ou não de acordo com a idade cronológica. Para avaliá-la, é necessário levar em conta os 39 aspectos cognitivos e emocionais do desenvolvimento, que poderão indicar ou não a severidade do caso, bem como a necessidade de orientação especializada à família e/ou terapia fonaudiológica. Sabe-se que a estimulação precoce da lin- guagem pode prevenir distúrbios de aprendizagem, dislexia e problemas de de- senvolvimento. Pesquisas vêm demonstrando a importância dos 3 primeiros anos de vida no desenvolvimento do cérebro humano. São princípios básicos da intervenção na criança a avaliação do desenvol- vimento da linguagem em todos os seus níveis, a orientação à família e escola e a terapia propriamente dita. Esta pode ser dividida em terapia da fala (onde serão abordados objetivos como desvios fonéticos e fonológicos), terapia de voz (disfonias), terapia de motricidade oral (distúrbios de alimentação, respiração e mobilidade de órgãos fonoarticulatórios), terapia de linguagem oral (onde o en- foque pode estar centrado na expressão e/ou recepção de linguagem) e terapia de linguagem escrita (dislexias, disortografias e disgrafias). Todas as atividades de estimulação dentro da terapia fonoaudiológica in- fantil devem ser realizadas de forma lúdica, através de jogos e brincadeiras, para que a criança sinta prazer nas técnicas propostas. Também é recomendável en- volver a família e, quando necessário, a escola. A estimulação através de canto, conversa, brincadeiras e leitura propicia a aquisição de habilidades que favore- cem o desenvolvimento. Para que comece a ocorrer um processo de comunica- ção, a criança deverá se sentir motivada. Deverá existir o que se chama de in- tenção comunicativa (através da fala serão conseguidos objetos de interesse da criança). Este aspecto surge através do contato diário com as pessoas e da es- timulação que essa interação propicia. Também devemos considerar a impor- tância da amamentação materna, alimentação com textura e consistência ade- quadas nas diferentes fases e a não-existência de hábito de sucção de dedo ou chupeta além dos 2 anos. Todos esses fatores contribuem para uma muscula- tura orofacial adequada à produção da fala. A família tem papel fundamental na estimulação da linguagem, e cabe ao médico e/ou terapeuta envolvê-la ou per- mitir envolver-se pela família. 40 9. APRENDIZAGEM Do ponto de vista do construtivismo, aprendizagem é construção,
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