Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE EDUCACIONAL DE SANTA CATARINA MEDICINA VETERINÁRIA SUSPEITA DE MORAXELLA BOVIS EM MATRIZES DA RAÇA HEREFORD: RELATO DE CASO ALANA STEFEN DE CASTILHO SÃO BENTO DO SUL 2021 RESUMO A ceratoconjuntivite infecciosa bovina (CIB) é causada pela Moraxella bovis, uma bactéria gram negativa amplamente disseminada pelo mundo. A CIB é considerada uma das mais graves enfermidades em bovinos, devido ao alto impacto na produção, o que gera preocupantes perdas econômicas. Estudos revelam que animais da raça hereford são mais susceptíveis à enfermidade devido a possibilidade de despigmentação da pálpebra. O tratamento é feito através de antimicrobianos, o que pode levar a resistência de cepas de Moraxella spp se não for feito de maneira adequada. Uma alternativa é realizar a seleção de animais com a pálpebra pigmentada, consequentemente, animais menos vulneráveis. Este relato de caso foi realizado através de uma suspeita de Moraxella bovis em matrizes da raça Hereford, tendo como objetivo, orientar produtores rurais acerca da importância da prevenção e tratamento adequado, assim como, a seleção genética do rebanho. INTRODUÇÃO A Ceratoconjuntivite Infecciosa Bovina (CIB), também conhecida por "pinkeye", lágrima e olho branco, a doença ocular mais importante dos bovinos (WILCOX, 1970, BAPTISTA, 1979), pode apresentar curso agudo, subagudo ou crônico, afetando apenas um ou ambos olhos (PUNCH et al., 1985). Seus primeiros sinais são lacrimejamento intenso, fotofobia e blefaroespasmo, seguidos, um a dois dias após, de opacidade no centro da córnea, que pode evoluir até ulceração, ocasionando cegueira temporária ou permanente, descematocele e ruptura da córnea (GIL TURNES, 1998). O agente etiológico da CIB, a bactéria Moraxella bovis, apresenta diferenças genéticas que determinam variações antigênicas e de susceptibilidade aos fármacos, que dificultam seu controle. (Conceição et al, 2003). A CIB foi diagnosticada na maioria dos estados brasileiros, no Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, onde afeta principalmente animais de raças européias. (BAPTISTA & RIBEIRO, 1974), Zebuínos e suas cruzas são menos frequentemente afetados (WEBBER & SELBY, 1981). Foi constatado que as regiões sul e de fronteira do Rio Grande do Sul são as mais atingidas pela doença. Os surtos são mais frequentes no fim do verão e início de outono, coincidindo com o aumento da população de moscas que transmitem a bactéria a animais suscetíveis (GERHARD et al., 1982). A CIB não é uma doença fatal, porém seu impacto econômico é enorme, decorrente da perda da visão, a qual é responsável pela perda de peso, redução na produção de leite, dificuldades de manejo e custo de tratamentos (SLATTER et al., 1982, TROUT & SCHURIG, 1985, SHRYOCK et al., 1998, MARRION & RILEY, 2000). O impacto econômico da doença, nas criações bovinas dos países participantes do MERCOSUL, levou a considerá-la, em 1996, uma das oito doenças priorizadas para estudos através do PROCISUR (Programa de Desenvolvimento Científico do MERCOSUL patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento) (Conceição, 2003). Os fatores primários de patogenicidade da M. bovis são as fímbrias (pili de aderência), proteínas de superfície, cuja função é a fixação da bactéria a receptores específicos das células epiteliais da córnea e conjuntiva (CHANDLER et al., 1979, GIL TURNES, 1983). Estas fímbrias são essenciais para a colonização do hospedeiro e também importantes imunógenos (LEHR et al., 1985, MOORE & RUTTER, 1987, MATTICK et al., 1996). A forma mais eficiente de controlar a CIB é através da utilização de vacinas que contenham antígenos de fímbria. Em 1982, foi desenvolvida uma vacina com estes antígenos (GIL TURNES et al., 1982), que apresentou um índice de proteção de 83 % ao desafio experimental. Essa vacina tem sido utilizada no Brasil, Uruguai e Argentina desde meados da década de 80. Pesquisas realizadas, em diversas partes do mundo, revelaram a existência de diferentes sorotipos de fímbrias de M. bovis (GIL TURNES et al., 1986, LEPPER & HERMANS, 1986, MOORE & RUTTER, 1987). GIL TURNES & ALEIXO (1991) quantificaram adesinas de diferentes cepas mediante a utilização de anticorpos monoclonais e sugeriram a necessidade de monitorar as características antigênicas das cepas prevalentes na região visando à produção de vacinas eficientes. A utilização nas vacinas de cepas não mais prevalentes na região, ou de outras regiões, a diversidade antigênica do agente etiológico e a ausência de estudos epidemiológicos poderiam explicar as frequentes falhas das vacinas (Conceição et al., 2003) Embora M. bovis seja o patógeno mais comumente isolado de CIB, vários fatores estão envolvidos na patogênese dessa doença. O meio ambiente, a estação do ano, coincidem com os patógenos, a cepa de M. bovis e o sistema imunológico do hospedeiro desempenham papéis essenciais na ocorrência e gravidade clínica de CIB. O maior pico de surtos de CIB são no verão, onde se tem maior incidência de raios UV (Lepper et al, 1987). Frequentemente, apenas um olho é afetado inicialmente, porém, a infecção cruzada do primeiro olho pode levar à doença bilateral. Na forma aguda, leve conjuntivite e ceratite são observadas. Estágios subagudos são caracterizados por ulceração da córnea. Os sinais clínicos de CIB incluem ceratoconjuntivite grave com formação de desceme tocele e possível ruptura ocular. O gado pode se recuperar espontaneamente da doença a qualquer momento. O início dos sinais clínicos na infecção experimental ocorre entre 1 dia e 2 semanas pós inoculação. Os primeiros sinais de CIB são lacrimação abundante e ou fotofobia com vários graus de blefaroespasmo. A incapacidade de observar o gado de perto muitas vezes impede o diagnóstico. (Punch et al, 1984, George L, 1984, Vogelweid CM et al., 1986, Bromberg N, 1981) Uma secreção serosa ou mucopurulenta geralmente é observado à medida que a doença progride. Dentro de 24-48 horas após o ínicio da lacrimação e fotofobia, lesões da córnea geralmente se desenvolvem, embora a ulceração possa ser retardada por até 2 semanas. (Smith J. et al. 1985). A ulceração pode ser precedida pelo desenvolvimento de uma pequena vesícula corneana (Kopecky K, 1986, Vogelweid CM et al, 1986) Nenhum tratamento garantirá 100% de sucesso. Uma terapia antimicrobiana pode não erradicar o estado portador ou melhorar a doença clínica. Manter um tratamento com uma droga terapêutica é difícil pelas considerações econômicas e práticas. A M. bovis é suscetível à gentamicina, cefalosporinas de 1ª geração, trimetoprima-sulfonamidas, nitrofuranos, tetraciclinas e sulfonamidas. Foi demonstrado uma resistência crescente contra tilosina, lincomicina, estreptomicina, eritromicina. É necessário fazer cultura e teste de sensibilidade antes da seleção de antibióticos. (George L, 1984, George K et al, 1988, Cox F, 1984, Miller R et al, 1984, George L et al, 1988, Punch F et al, 1985, Abeynayake F, 1989). CASO CLÍNICO Descrição Suspeita de Moraxella bovis em matrizes da raça Hereford. Neste plantel, há cerca de 16 animais, destes, 5 foram afetados pela bactéria em questão (31,25%). Até o dado momento não havia sido relatado casos de CIB na propriedade. Na região não é comum a vacinação para CIB como protocolo padrão. Atendimento No dia 20 de setembro de 2021, 3M Treinamentos Ltda (empresa especializada em assessoria e consultoria pecuária), foi chamada a atender uma queixa de um produtor, que relatava que algumas das fêmeas de seu plantel de Hereford apresentavam uma vesícula no canto de um dos olhos. Após a análise das fêmeas em questão, foi questionável a suspeita de Moraxella bovis. Sinais clínicos Crescimento de umamassa no canto medial do olho, lacrimejamento excessivo, fotofobia e rubor. Método diagnóstico Exame clínico das matrizes, analise dos sinais clínicos e relato do produtor. Tratamento realizado Foi utilizado Spray a base do antibiótico Tetraciclina e Hidrocortisona (diariamente) em conjunto com a aplicação de Oxitetraciclina de longa ação (a cada 72 horas). A tetraciclina age inibindo o crescimento e multiplicação das bactérias e a hidrocortisona age como anti-inflamatório. Também foi realizada a separação das fêmeas das demais matrizes do plantel, assim como, o impedimento de contato com o sol. Resultados Em 3 dias de tratamento, se obteve a melhora do quadro clínico. Porém, manteve-se a medicação por 10 dias. Foi sugerido a vacinação de todo o rebanho, uma vez que a raça Hereford é muito suscetível a enfermidade. Discussão Foi recomendado ao produtor realizar exames complementares, assim como a cultura para identificar a cepa patogênica. Entretanto, o mesmo não quis arcar com os custos referentes a isto. Os medicamentos de escolha para o tratamento são do grupo das Tetraciclinas, dessa forma obteve-se o sucesso da terapêutica, uma vez que a M. bovis é suscetível a este grupo (assim como descrito em alguns estudos científicos). CONCLUSÃO Os bovinos são altamente atingidos pela bactéria Moraxella bovis, que pode levar a graves perdas econômicas. Não há tratamento totalmente eficaz mas é possível realizar a prevenção através de vacina- Moraxella bovis (inativada) e IBR (Rinotraqueíte Infecciosa Bovina) – BoHV – 1, bem como, a seleção genética do rebanho, descartando animais severamente afetados e selecionando animais com pigmentação ocular. (Pscheidt, Milena, 2021 – Fêmea bovina com suspeita de Moraxella bovis antes do tratamento com Tetraciclina e Hidrocortisona em conjunto com Oxitetraciclina.) ((Pscheidt, Milena, 2021 – Fêmea bovina com suspeita de Moraxella bovis após o tratamento com Tetraciclina e Hidrocortisona em conjunto com Oxitetraciclina.) REFERÊNCIAS Abeynayake F’, Cooper B. The concentration of penicillin in bovine conjunctival sac fluid as it pertains to the treatment of Moraxella bovis infection. Topical application. J Vet Pharmacol Ther 1989;12:3 1-36 BAPTISTA, P.J.H.P.; RIBEIRO, L.A.O. Querato-conjuntivite infecciosa dos bovinos no Rio Grande do Sul. Atualidades Veterinárias, v.3, p.10-15, 1974. Bedford I? Infectious bovine keratoconjunctivitis. Vet Rec 1976; Bromberg N. Bovine keratoconjunctivitis. Compend Cont Educ Pract Vet 198 1 ;3:S30 1 -S309. CHANDLER, R.L.; BAPTISTA, P.J.H.P.; TURFREY, B. Studies on the pathogenicity of Moraxella bovis in relation to infectious bovine keratoconjunctivitis. Journal of Comparative Pathology, v.89, p.441-448, 1979. Cox F! Infectious bovine keratoconjunctivitis-Recent progress. Vet Annu 1984;24:75-79. 84. Miller R, Fales W. Infectious bovine keratoconjunctivitis: An update. Vet Clin North Am Large Anim Pract 1984;6:597-608. Fabricio Rochedo Conceição, Carlos Gil Turnes. Moraxella bovis: influência das características genotípicas e fenotípicas no controle da ceratoconjuntivite infecciosa bovina- Microbiologia • Cienc. Rural 33 (4) • Ago 2003 George K, Ardans A. Enhancement of infectious bovine keratoconjunctivitis by modified-live infectious bovine rhinotracheitis virus vaccine. Am J Vet Res 1988;49:1800-1806. George L, Mihalyi J. Topically applied furazolidone or parenterally administered oxytetracycline for the treatment of infectious bovine keratoconjunctivitis. J Am Vet Med Assoc 1988;192:1421-1435. George L, Wilson W. Antibiotic treatment of Moruxellu bovis infection in cattle. J Am Vet Med Assoc 1984;185:1206-1209. George L. Clinical infectious bovine keratoconjunctivitis. Compend Cont Educ Pract Vet 1984;6:S712-S720 George L. Clinical infectious bovine keratoconjunctivitis. Compend Cont Educ Pract Vet 1984;6:S712-S720. GERHARDT, R.R. et al. The role of face flies in an episode of Infectious Bovine Keratoconjunctivitis. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.180, p.156-159, 1982. GIL TURNES, C. Ceratoconjuntivite infecciosa bovina. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A.L.; MÉNDEZ, M.C. Doenças de ruminantes e eqüinos Pelotas : Universitária/UFPel, 1998. p.180-191 GIL TURNES, C. et al. Comparação da proteção induzida por vacinas de Moraxella bovis com e sem antígenos de pili. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 18., 1982, Camboriú-SC, Brasil. Anais... Camboriú : n.i, 1982. p.11. GIL TURNES, C. et al. Serological characterization of adhesins of Moraxella bovis In: INTERNATIONAL CONGRESS OF MICROBIOLOGY, 14., 1986, Manchester. Proceedings... Manchester : International Union of Microbiological Societies, 1986. p.281. GIL TURNES, C. Hemagglutination, autoagglutination and pathogenicity of Moraxella bovis strains. Canadian Journal of Comparative Medicine, v.47, p.503- 504, 1983. GIL TURNES, C.; ALEIXO, J.A.G. Quantification of Moraxella bovis haemagglutinating adhesins with monoclonal antibodies. Letters in Applied Microbiology, v.13, p.55-57, 1991. MARRION, R.M.; RILEY, L.K. Detection of cell detachment activity induced by Moraxella bovis American Journal of Veterinary Research, v.9, p.1145-1149, 2000. HELENA BROCARDO COMIN; EMANUELLE BALDO GASPAR; ROBERT DOMINGUES2; JOÃO RODRIGO GIL DE LOS SANTOS ; RENATA COSTA SCHRAMM ; FERNANDO FLORES CADOSO - DESCRIÇÃO DE UM SURTO DE CERATOCONJUNTIVITE INFECCIOSA BOVINA EM ANIMAIS DA RAÇA HEREFORD EM QUATRO PROPRIEDADES NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – 2ª semana acadêmica integrada – UFEPEL, 2016. HELENA BROCARDO COMIN; EMANUELLE BALDO GASPAR; ROBERT DOMINGUES2; JOÃO RODRIGO GIL DE LOS SANTOS; RENATA COSTA SCHRAMM ; FERNANDO FLORES CADOSO - SUCEPTIBILIDADE DE CEPAS DE Moraxella bovis e Moraxella bovoculi FRENTE AOS ANTIMICROBIANOS – XIX ENCONTRO DE PÓS GRADUAÇÃO. 3ª semana acadêmica integrada- 2017) Jackson E Infectious keratoconjunctivitis of cattle. Am J Vet Res 1953;14:19-25. Kopecky K, Pugh G. Infectious bovine keratoconjunctivitis: Contact transmission. Am J Vet Res 1986;47:622-624. LEHR, C.; JAYAPPA, H.G.; GOODNOW, R.A. Serologic and protective characterization of Moraxella bovis pili. Cornell Veterinary, v.75, p.484-492, 1985. Lepper A, Barton I. Infectious bovine keratoconjunctivitis: Seasonal variation in cultural, biochemical and immunoreactive properties of Moruxellu bovis isolated from the eyes of cattle. Aust Vet J 1987; 64:33-39. LEPPER, A.W.D.; HERMANS, L.R. Characterization and quantitation of pilus antigens of Moraxella bovis by ELISA. Australian Veterinary Journal, v.63, p.401- 405, 1986. MATTICK, J.S.; WHITCHURCH, C.B.; ALM, R.A. The molecular genetics of type 4 fimbriae in Pseudomonas aeruginosa a review. Gene, v.179, p.147-155, 1996. Michael H. Brown, Alan H. Brightman, Bradley W. Fenwick, and Maureen A. Rider - Infectious Bovine Keratoconjunctivitis: A Review - J Vet Intern Med 1998;12:259- 266. MOORE, L.S.; RUTTER, J.M. Antigenic analysis of fimbrial proteins from Moraxella bovis Journal of Clinical Microbiology, v.25, p.2063-2070, 1987. MOORE, L.S.; RUTTER, J.M. Antigenic analysis of fimbrial proteins from Moraxella bovis Journal of Clinical Microbiology, v.25, p.2063-2070, 1987. Punch F’, Cosat N. Plasma and tear concentrations of antibiotics administered parenterally to cattle. Res Vet Sci 1985;39: 179-187. Punch P, Slatter D. A review of infectious bovine keratoconjunctivitis. Vet Bull 1984;54:193-257 PUNCH, P.; GERHARDT, R.; ALLEN, J. The role of face flies in a episode of infectious bovine keratoconjunctivitis. Journal American Veterinary Medical Association, v.180, p.156-159, 1982. Smith J, George L. Treatment of acute ocular Moraxella bovisinfections in calves with a parenterally administered long-acting oxytetracycline formulation. Am J Vet Res 1985;46:8O4-807. SLATTER, D.H. et al. A national survey of the occurrence of infectious bovine keratoconjunctivitis. Australian Veterinary Journal, v.59, p.65-72, 1982. TROUT, H.F.; SCHURIG, G.D. "Pinkeye". Animal Nutrition and Health, February, p.38-41, 1985. Vogelweid CM, Miller RB. Scanning electron microscopy of bovine corneas irradiated with sun lamps and challenge exposure with M. bovis. Am J Vet Res 1986;47(2):378-384. WEBBER, J.; SELBY, L. Risk factors related to the prevalence of infectious bovine keratoconjunctivitis. American Journal of Veterinary Research, v.179, p.823-826, 1981. WILCOX, G.E. The etiology of infectious bovine keratoconjunctivitis in Queensland. 1. Moraxella bovis Australian Veterinary Journal, v.46, p.409-414, 1970. Fabricio Rochedo Conceição, Carlos Gil Turnes. Moraxella bovis: influência das características genotípicas e fenotípicas no controle da ceratoconjuntivite infecciosa bovina- Microbiologia • Cienc. Rural 33 (4) • Ago 2003
Compartilhar