Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO CIVIL – PARTE ESPECIAL DIREITOS REAIS (DIREITO DAS COISAS) “O Direito das Coisas é o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem” (CLÓVIS BEVILÁQUA). 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS COISAS 1.1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO Direito das coisas, no conceito de MARIA HELENA DINIZ, é “um conjunto de normas que regem as relações jurídicas concernentes aos bens materiais dou imateriais suscetíveis de apropriação pelo homem”. Assim, pode-se dizer que o direito das coisas visa regulamentar as relações entre os homens e as coisas, traçando normas para a aquisição, o exercício, a conservação e a perda de poder dos homens sobre esses bens. O direito das coisas compreende tanto os bens materiais (móveis ou imóveis) como os imateriais, ou seja, os direitos autorais, incluída aí a propriedade literária, científica e artística. A doutrina tem classificado o direito das coisas da seguinte forma: a) Direito das coisas clássico → oriundo do direito romano, tem por objetivo estudar a propriedade, as servidões, a superfície, a enfiteuse, o penhor e a hipoteca; b) Direito das coisas científico → compreende a mesma matéria do clássico, porém com âmbito bem mais amplo, graças ao trabalho da doutrina; c) Direito das coisas legal → é o regulado pela legislação, que se preocupa com a situação jurídica da propriedade numa dada época e lugar (será este o direito das coisas que estudaremos). O Direito das Coisas encontra-se previsto no Código Civil, no Livro II da Parte Especial, entre os artigos 1.196 e 1.510. 1.2 DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS REAIS E DIREITOS PESSOAIS Como dito, o Direito das Coisas trata do direito real pleno, ou seja, da propriedade, tendo por objeto coisa móvel ou imóvel, corpórea ou incorpórea, do próprio titular; e os direitos reais limitados, incidentes sobre coisa alheia. Necessário, portanto, em princípio, diferenciar o que sejam direitos reais do que sejam direitos pessoais. 2 O direito real pode ser definido como o poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. No pólo passivo incluem-se os membros da coletividade, pois todos devem abster-se de qualquer atitude que possa turbar o direito do titular. No instante em que alguém viola esse dever, o sujeito passivo, que era indeterminado, torna-se determinado. O direito pessoal, por sua vez, consiste numa relação jurídica pela qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo determinada prestação. Constitui uma relação de pessoa a pessoa e tem, como elementos, o sujeito ativo, o sujeito passivo e a prestação. Os direitos reais têm por outro lado, como elementos essenciais: o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito ativo sobre a coisa, chamado domínio. Direitos reais Sujeito Ativo _Domínio Coletividade Direitos pessoais Sujeito Ativo Prestação Sujeito Passivo Diante do exposto, podemos enumerar as principais diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais: a) em relação ao sujeito de direito → nos direitos pessoais há dualidade de sujeitos: o ativo (credor) e o passivo (devedor), identificados no instante em que se constitui a relação jurídica; nos direitos reais há uma relação jurídica entre o titular do direito real e toda a humanidade, obrigada passivamente a respeitar o direito do sujeito ativo (nesse caso, o sujeito passivo é apenas determinável, visto que sua identificação somente dar-se-á no momento em que se der a violação do direito); b) quanto à ação → quando violados, os direitos pessoais atribuem ao seu titular a ação pessoal que se dirige apenas contra o indivíduo que figura na relação jurídica como sujeito passivo; já os direitos reais, quando violados, conferem ao seu titular ação real contra quem indistintamente detiver a coisa; c) quanto ao objeto → o objeto do direito pessoal é sempre uma prestação positiva (dar, fazer) ou negativa (não fazer) do devedor, e o do direito real é sempre uma coisa, corpórea ou incorpórea; d) em relação ao limite → o direito pessoal é ilimitado, sensível à autonomia das vontades, permitindo-se, portanto, a criação de novas figuras contratuais além das previstas no Código Civil; já o direito real não pode ser objeto de livre convenção, pois é limitado e regulado expressamente (o art. 1.225, alterado pela Lei nº 11.481/2007, do Código Civil traz rol taxativo dos direitos reais); 3 e) quanto ao modo de gozar os direitos → o direito pessoal, para que surja e possa ser exercido, depende sempre do consentimento de uma outra parte, já o direito real concede ao seu titular um gozo permanente da coisa, bastando para isso que ela esteja com o mesmo; f) em relação ao abandono → o abandono é característico do direito real, isto é, o seu titular pode abandonar a coisa caso não queira arcar com os seus ônus; tal não pode ocorrer nos direitos pessoais; g) quanto à extinção → os direitos pessoais extinguem-se pela inércia do sujeito (prescrevem); os reais conservam-se até que se constitua uma situação contrária em proveito de outro titular (não prescrevem); h) em relação à seqüela → uma das características dos direitos reais é a de conferir aos seus titulares o chamado “direito de seqüela”, isto é, a prerrogativa concedida ao titular de um direito real de o exercer sobre quem quer que possua ou detenha injustamente o que é seu; este direito não existe para os titulares de um direito pessoal; i) quanto à usucapião → a usucapião é uma forma de aquisição de um direito real, mas não o é em relação aos direitos pessoais; j) quanto à posse → somente os direitos reais (embora não todos) são suscetíveis à posse; k) quanto ao direito de preferência → é restrito aos direitos reais de garantia o privilégio de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação, ou seja, de concentrar a responsabilidade por uma obrigação sobre um determinado bem do patrimônio do devedor. Em caso de inadimplemento, tem o credor direito sobre tal bem, afastamento os demais credores que tenham apenas direito pessoal contra o devedor. 4 2. DA POSSE 2.1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA POSSE 2.1.1 Introdução Histórica Estado de fato, a posse antecedeu à propriedade, estado de direito, na apreensão e utilização das coisas do mundo externo, para a satisfação das necessidades do homem. Nos tempos primitivos, não havia organização jurídica; as coisas necessárias à vida precária, dos rudes espécimes da família humana, estavam ao alcance daquele que as pudesse colher. Por melhor defenderem o celeiro, que a natureza lhes oferecia para a nutrição, os homens se agruparam e a posse das coisas utilizáveis apresentou, num primeiro momento, caráter coletivo. As tribos eram possuidoras das terras que ocupavam e os indivíduos se utilizavam das coisas nelas existentes, segundo as suas necessidades, mas respeitando os interesses da coletividade, na qual encontravam proteção, e a cujas determinações se submetiam. A posse começou a receber defesa jurídica em Roma, desde que o pretor interveio com a sua “ação protetora” em favor dos que se haviam fixado nas terras comuns de Roma, que assim o foram por concessão da República, e que sofriam turbação arbitrária em seu gozo. 2.1.2 A Posse no direito moderno A posse é protegida para evitar a violência e assegurar a paz social, bem como porque a situação de fato aparenta ser uma situação de direito. É, assim, uma situação de fato protegida pelo legislador. Se alguém se instala em um imóvel e nele se mantém, mansa e pacificamente, por mais de ano e dia, cria uma situação possessória, que lhe proporcionadireito à proteção. Tal direito é chamado de jus possessionis, derivado de uma posse autônoma, independente de qualquer título. É tão somente o direito fundado no fato da posse (possideo quod possideo) que é protegido contra terceiros e até mesmo contra o proprietário. O possuidor só perderá o imóvel para este, futuramente, nas vias ordinárias. Enquanto isso, aquela situação de fato será mantida. E será sempre mantida contra terceiros que não possuam nenhum título nem melhor posse. Já o direito à posse, conferido ao portador do título devidamente transcrito, bem como ao titular de outros direitos reais, é denominado jus possidendi ou posse causal. Nesses exemplos, a posse não tem qualquer autonomia, constituindo-se em conteúdo do direito real. Tanto no caso do jus possidendi (posse causal, titulada) quanto no do jus possessionis (posse autônoma, sem título), é assegurado o direito à proteção dessa situação contra atos de violência, para garantia da paz social. Como se pode verificar, a posse distingui-se da propriedade, mas o possuidor encontra- se em situação de fato, aparentando ser o proprietário. 5 2.1.3 Teorias sobre a Posse O estudo da posse é repleto de teorias que procuram explicar o seu conceito. Podem, no entanto, ser reduzidas a dois grupos: o das teorias subjetivas e o das objetivas. 2.1.3.1 Teoria Subjetiva Segundo SAVIGNY, juris-filósofo considerado pai desta teoria, é a vontade de possuir para si que origina a posse jurídica, e quem possui por outro é detentor. Para ele, posse é o poder de dispor, fisicamente, da coisa, com ânimo de a considerar sua e de defendê-la contra a intervenção de outrem. O animus, portanto, consiste na intenção de ter a coisa como próprio (animus domini), que não se confunde com a opinio domini, que é a convicção de ser o proprietário. Assim, o representante não possui, o locatário também não possui, são apenas detentores, pois que non habet animum possidentis. Para os seguidores desta corrente, portanto, a posse caracteriza-se pela conjugação de dois elementos: o corpus, elemento objetivo que consiste na detenção física da coisa, e o animus, elemento subjetivo, que se encontra na intenção de exercer sobre a coisa o direito de propriedade. Em resumo, para os defensores desta teoria, se houve apenas o animus, a posse será tida como um fenômeno de natureza psíquica que não interessa ao direito, e, se houver tão somente o corpus, ter-se-á mera detenção, ou seja, “posse natural” e não jurídica. 2.1.3.2 Teoria Objetiva A teoria objetiva, considerada como criação do jurista alemão IHERING, não empresta à intenção, ao animus, a importância que lhe confere a teoria subjetiva. Considera-se-o como já incluído no corpus e dá ênfase, na posse, ao seu caráter de exteriorização da propriedade. Para que a posse exista, basta o elemento objetivo, pois ela se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa. Para IHERING, portanto, basta o corpus para a caracterização da posse. Tal expressão, porém, não significa contato físico com a coisa, mas sim conduta de dono. Tem posse quem se comporta como este, e nesse comportamento já está incluído o animus. A conduta do dono pode ser analisada objetivamente, sem a necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse, então, é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico da coisa. Ela é protegida, em resumo, porque representa a forma como o domínio se manifesta. Se a posse é, como dissemos, a exteriorização da propriedade, o critério da existência da posse há de ser o modo pelo qual o proprietário usa, normalmente, de sua propriedade, o qual varia segundo o destino econômico das coisas, de que o homem se serve. Há coisas que permanecem sob a proteção ou vigilância pessoal ou real, outras não. “O lavrador deixa os seus molhos de feno ou de trigo em pleno campo; o arquiteto deixa, ao lado das obras, que está construindo, os materiais a ela destinados, mas ninguém assim procede com relação aos seus objetos preciosos, aos seus móveis, etc; todos os conservam dentro de casa” (CLÓVIS BEVILÁQUA). O mesmo estado, que é normal para as primeiras dessas coisas, 6 será anormal para as outras, porque não é esse o modo pelo qual, habitualmente, se manifesta a exteriorização da propriedade sobre elas. Assim, a posse deve continuar para as primeiras, mesmo quando não haja vigilância pessoal ou real, e cessar para as segundas. Se encontrarmos materiais de construção junto a obras, sabemos que há uma relação de vontade de alguém, perfeitamente visível, tendo por objeto aqueles materiais. Se, porém, é uma jóia, que aí encontramos, tal relação não existe, e prestamos serviço ao possuidor, levando-a para entregar-lhe. Posse deve ser visível, como a não-posse, e é precisamente essa visibilidade que é da mais alta importância para sua segurança. Em conclusão, resumindo-se a teoria objetiva numa única frase, podemos dizer que a “posse das coisas é exteriorização ou visibilidade da propriedade”, conforme termina IHERING o seu livro sobre o fundamento dos interditos possessórios. O seu pensamento, conforme mostra essa passagem, era, portanto, mostrar que entre a posse e a detenção não há, como ensinava SAVIGNY, a diferença resultante da falta do animus domini para a detenção, elemento que há de existir na posse jurídica. Por isso, se compreende a posse sem a propriedade; mas daí não se infere que a posse não seja, normalmente, visibilidade da propriedade. Historicamente, a posse antecede à propriedade; estabelecida esta, porém, a posse é a exteriorização da propriedade. 2.1.3.3 Teoria adotada no Brasil O Código Civil brasileiro adotou a teoria de IHERING, como se depreende da definição constante em seu art. 1.196, que considera como possuidor “aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”, ou seja, para ser possuidor basta se comportar como proprietário, exercendo algum dos poderes que lhe são inerentes. Na sistemática do nosso direito civil a posse não requer nem a intenção de dono nem o poder físico sobre o bem, apresentando-se como uma relação entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a função socioeconômica desta. Caracteriza-se, portanto, a posse, em nosso direito, como a exteriorização da conduta de quem procede como normalmente age o dono. O possuidor é, assim, o que tem o pleno exercício de fato dos poderes constitutivos da propriedade ou somente alguns deles, como no caso dos direitos reais sobre coisa alheia (como o usufruto, a servidão, etc.). 2.1.4 Conceito de Posse Para IHERING, cuja teoria nosso código adotou, como vimos, posse é conduta do dono. Sempre que haja o exercício dos poderes de fato, inerentes ao domínio ou propriedade, existe a posse, a não ser que alguma norma diga que esse exercício configura a detenção e não a posse. Posse, portanto, conforme define o próprio Código Civil, é o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196, CC). 7 Para diferenciá-la da detenção, o art. 1.198 do Código Civil proclama que: “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conversa a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas” (ex.: caseiros) Complementa o quadro o art. 1.208, prescrevendo: “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Portanto, o conceito de posse resulta dos três dispositivos legais mencionados. 2.1.5 Objeto da Posse Podem ser objeto de posse todas as coisas que puderem ser objeto de propriedade, sejam elas corpóreas (exceto as que estão fora do comércio) ou incorpóreas(com exceção da propriedade literária, artística e científica), pois o Código Civil não limita a posse a nenhum deles. Quanto aos bens acessórios, podem os mesmos ser objeto de posse, individualmente, apenas quando possam ser destacadas sem que haja alteração em sua substância. Podem ainda, ser objeto de posse, segundo MARIA HELENA DINIZ, as coisas coletivas, os direitos reais de fruição (uso, usufruto, habitação e servidão), os direitos reais de garantia (apenas o penhor e a anticrese) e os direitos pessoais patrimoniais ou de crédito. 2.1.6 Natureza Jurídica da Posse A posse é um fato ou um direito? Para IHERING, é um direito, isto é, um interesse legalmente protegido. Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA não é direito, mas simples fato, que é protegido em atenção à propriedade, da qual ela é manifestação exterior. Para SAVIGNY, tem natureza dupla: é fato e direito. Em princípio, considerada em si mesmo, é um fato, mas, pelas suas conseqüências legais, pelos efeitos que gera, entra na esfera do direito. Esta última é a definição considerada pela maioria dos civilistas, ou seja, de que a posse é um misto de fato e de direito. A grande maioria de nossos civilistas reconhece a posse como um direito. Ainda assim, se se trata de um direito, qual a natureza deste direito: real, pessoal ou especial? Na sistemática do Código Civil brasileiro, a posse não pode ser considerada como direito real, pois não figura no rol taxativo do art. 1.225 do CC, fiel que é ao princípio da taxatividade dos direitos reais (numerus clausus). Ademais, estes exigem um título que possa ser transcrito (art. 1.227 do CC), o que não ocorre necessariamente com a posse. Por outro lado, casos há em que a lei regula a posse como uma situação de fato: pode ser perdida, no caso de imóveis, sem a intervenção da mulher, se o marida os abandona. Não se entende seja um direito pessoal pois não se estabelece um liame obrigacional para o possuidor em relação a terceiros ou ao proprietário, assim como não há, necessariamente, um equivalente patrimonial em relação à ela, como acontece com os direitos ou obrigações pessoais. 8 Por todas estas razões, ficamos com a posição de CLÓVIS BEVILÁQUA, que o conceitua como um direito especial. 2.1.7 Outras definições - Quase Posse no Direito Romano, só se considerava posse a emanada do direito de propriedade. A exercida em termos de qualquer direito real menor desmembrado do direito de propriedade, como a servidão e o usufruto, por exemplo, era chamada de quase-posse. Assim também o poder de fato ou posse emanada de um direito obrigacional ou pessoal, como na locação, no comodato, etc. Essa distinção, no entanto, é apenas histórica, posto que não adotada pelo sistema civil brasileiro, em especial o atual Código Civil, que hoje são tratadas como posse propriamente dita. - Composse é a situação pela qual duas ou mais pessoas exercem, simultaneamente, poderes possessórios sobre a mesma coisa – “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores” (art. 1.199, CC). É o que ocorre, por exemplo, com adquirentes de coisa comum, com marido e mulher no regime da comunhão de bens ou co-herdeiros antes da partilha. Admite-se a composse, ainda, em todos os casos em que ocorre o condomínio, pois ela está para a posse assim como este para o domínio. Pode ser pro indiviso, se todos exercerem, ao mesmo tempo e sobre a totalidade da coisa, os poderes de fato (utilização ou exploração comum); ou pro diviso, onde há uma divisão apenas de fato para a utilização pacífica do direito de cada um, exercendo os compossuidores poderes apenas sobre uma parte definida da coisa. 2.2 MODALIDADES DA POSSE a) Posse direta: é a de quem recebe um bem, para usá-lo ou gozá-lo, em virtude de um contrato, sendo, pois, temporária e derivada; Posse indireta é a daquele que cede o uso do bem para outrem (art. 1.197, CC). b) Posse justa: é a que não é violenta, clandestina ou precária; Posse injusta: é a adquirida através de um desses vícios (art. 1.200, CC). c) Posse de boa-fé: é aquela em que o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa (art. 1.201, parágrafo único, CC); Posse de má-fé: é aquela em que o possuidor tem ciência da ilegitimidade de seu direito de posse, em razão de vício ou obstáculo impeditivo de sua aquisição (art. 1.202, CC). d) Posse nova: aquela de menos de ano e dia; Posse velha: é a de mais de ano e dia (arts. 924 e 927, III, CPC). 9 e) Posse natural: é a que se constitui pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa; Posse civil ou jurídica: é a que assim se considera por força de lei, sem necessidade de atos físicos ou materiais. f) Posse “ad interdicta”: é a que pode ser defendida pelos interditos ou ações possessórias, quando molestada, mas não conduz à usucapião; Posse “ad usucapionem”: é a que se prolonga por determinado lapso de tempo estabelecido na lei, deferindo a seu titular a aquisição do domínio. g) Posse “pro diviso”: ocorre quando há uma divisão de fato, embora não haja a de direito, fazendo com que cada um dos compossuidores já possua uma parte certa, se bem que o bem continua indiviso; Posse “pro indiviso”: dá-se quando as pessoas que possuem em conjunto o bem têm uma parte ideal apenas, sem saber qual a parcela que compete a cada uma. 2.3 AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE 2.3.1 Da Aquisição da Posse O Código Civil de 2002, no seu art. 1.204, prescreve que “adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade” . A aquisição da posse, portanto, dar- se-á pela obtenção do poder de ingerência socioeconômica sobre uma coisa, que excluirá a ação de terceiro, mediante o emprego de interditos possessórios. Didaticamente, seguiremos a classificação adotada por SILVIO RODRIGUES, que num primeiro momento, enumera as formas de aquisição da posse em originários e derivados, conforme a sua origem. A aquisição originária da posse realiza-se independentemente de translatividade, sendo, portanto, em regra, unilateral, visto que independe da anuência do antigo possuidor, ou seja, efetiva-se unicamente por vontade do adquirente sem que haja colaboração de outrem (unilateral). Quer a posse tenha provindo da violência, quer da clandestinidade, ela pode tornar-se legítima se, cessada a violência ou clandestinidade, transcorrer lapso de ano e dia. São modos de aquisição originária da posse: a) a apropriação do bem → pela qual o possuidor passa a ter condições de dispor dele livremente, excluindo a ação de terceiros e exteriorizando, assim, seu domínio. Trata-se de apreensão unilateral, pois recai sobre coisas sem possuidor atual, por terem sido abandonadas ou por não serem de ninguém, ou sobre coisas de outrem, porém sem o seu consentimento, por meio de vícios de violência e clandestinidade, cessados há mais de ano e dia; b) o exercício do direito (arts. 1.196 e 1.204, CC) → que, objetivado na sua utilização econômica, consiste na manifestação externa do direito que pode ser objeto da relação possessória (servidão, uso, comodato, etc). 10 Já a aquisição derivada da posse ocorre quando existe relação de causalidade entre a posse anterior e a atual, havendo esta emanado da anuência do antigo possuidor. Ela é, portanto, bilateral, podendo ser adquirida por qualquer dos modos aquisitivos de direitos, ou seja, por negócios jurídicos gratuitos ou onerosos, inter vivos (compra e venda, dação em pagamento, permuta, etc) ou causa mortis (testamento, legado, etc). Exige-se, ainda, para que sua validade, a aplicação dos requisitos previstos no art. 104 do Código Civil paraa validade dos negócios jurídicos em geral: capacidade do agente, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. São modos aquisitivos derivados da posse: a) A tradição → é a entrega ou transferência da coisa, sem necessidade de uma expressa declaração de vontade; basta que haja a intenção do tradens (o que opera a tradição) e do accipiens (o que recebe a coisa) para que se efetive a sua transmissão. A tradição pode ser: Efetiva ou material: é a que se manifesta por uma entrega real do bem (como quando o vendedor entrega ao comprador a coisa vendida); Simbólica ou ficta: é a forma espiritualizada da tradição, substituindo-se a entrega material do bem por atos indicativos do propósito de transmitir a posse (como a entrega das chaves de um apartamento pelo seu possuidor a outra pessoa); Consensual: ocorre através de um negócio jurídico, que transmite a posse de uma pessoa para outra, tendo em vista não ser possível a detenção física da coisa (se apresenta de duas formas: tradicio longa manu, quando a posse é colocada à disposição da pessoa – ex: compra e venda de uma fazenda; ou traditio brevi manu, quando uma pessoa já tem a posse direta da coisa e adquire o seu domínio, recebendo, ou seja, quando o possuidor em nome alheio passa a ser possuidor em nome próprio – ex: compra e venda, pelo locatário, de um imóvel locado). b) O constituto possessório (art. 1.267, parágrafo único, CC) ou cláusula constituti → ocorre quando o possuidor de um bem (móvel, imóvel ou semovente, que o possui em nome próprio, passa a possuí- lo em nome alheio. Opera-se tal fenômeno mediante dois negócios jurídicos simultâneos, um de transferência da posse de um possuidor antigo a um novo possuidor, e outro, de conservação da posse pelo antigo possuidor em nome do novo adquirente (ex: reserva de usufruto; locação). 11 c) A acessão → através dela a posse pode ser continuada pela soma do tempo do atual possuidor com o de seus antecessores. Essa conjunção de posses abrange a sucessão e a união: Sucessão: aberta a sucessão, a posse da herança adquire-se desde logo, de pleno direito, pelos herdeiros legítimos ou testamentários, sem necessidade de que haja qualquer ato seu (art. 1.784, CC). Trata-se de transmissão causa mortis, em que os herdeiros ou legatários tomam o lugar do de cujus, continuando a sua posse, com os mesmos caracteres (inclusive eventuais vícios, nos termos do art. 1.203, CC), como efeito direto da sucessão universal ou singular (art. 1.206 e 1.207, primeira parte, CC). União: ocorre quando o objeto adquirido constitui coisa certa ou determinada. O adquirente, nessa aquisição, constitui para si uma nova posse, mas, como recebe a posse de outrem, é autorizado pelo art. 1.207, segunda parte, do Código Civil, a unir a sua posse à de seu antecessor (ex: para fins de usucapião). 2.3.2 Quem pode adquirir a Posse Dispõe o art. 1.205 do Código Civil que a posse pode ser adquirida: a) pela própria pessoa que a pretende (desde que se encontre no pleno gozo de sua capacidade de exercício ou de fato e que pratique o ato gerador da relação possessória, instituindo a exteriorização da propriedade); b) por representante legal (pais, tutores e curadores) ou procurador (representante convencional, munido de mandato com poderes específicos) do que quer ser possuidor (nesses casos, requer-se a concorrência de duas vontades, a do representante e a do representado); c) por terceiro sem procuração ou mandato (caso em que a aquisição da posse fica na dependência da ratificação da pessoa em cujo interesse foi praticado o ato. Se houver ratificação, esta terá efeitos ex tunc; caso contrário, o gestor deverá responder, pessoalmente, pelo ato que praticou, perante aqueles com quem o efetivou, arcando com eventuais indenizações por perdas e danos, nos termos dos arts. 861 a 875, CC). Obs: Vale dizer que o art. 1.209 do Código Civil estabelece que há presunção juris tantum para quem adquirir a posse de um imóvel, de que também será possuidor dos bens móveis que nele estiverem (o que se denomina extensão da posse). 12 2.3.3 Da Perda da Posse O novo Código Civil, abandonando técnica supérflua adotada pelo seu antecessor, deixou de enumerar as modalidades de perda da posse, até porque, se a posse é uma relação de fato que representa a exteriorização do domínio; se possuidor é aquele que exerce algum dos poderes inerentes ao proprietário, a posse se perde desde o momento em que o possuidor, de qualquer maneira, se vê impedido de exercer aqueles poderes. Nesse sentido, traça o atual diploma civil brasileiro apenas duas regras genéricas a respeito do tema, em seus arts. 1.223 e 1.224, abaixo transcritos: “Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196”. “Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retomar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”. Didaticamente, seguindo lição de MARIA HELENA DINIZ, podemos dizer que perde-se a posse da coisa: a) pelo abandono → quando o possuidor, intencionalmente, se afasta do bem com o escopo de se privar de sua disponibilidade física e de não mais exercer sobre ela quaisquer atos possessórios (ex: quando alguém atira no lixo um bem que lhe pertence com o intuito de se desfazer dele); b) pela tradição → além de meio aquisitivo da posse, a tradição pode acarretar também a sua extinção, pois por intermédio dela o tradens ou transmitente perde a posse ao transferi-la intencionalmente ao accipiens ou adquirente. Equivalente à tradição, para os bens imóveis, é o assento do título no respectivo registro. c) pela perda da própria coisa → se dá quando for absolutamente impossível encontrá-la, de modo que não mais se possa utilizá-la economicamente (ex: é o que ocorre com o possuidor de um pássaro que escapa de uma gaiola; ou de uma jóia que cai em lugar inacessível). Nesse caso, ao contrário do abandono, o possuidor vê-se privado da coisa sem querer. Não se considera perdida a posse de coisa que tenha sido perdida dentro da casa do próprio possuidor, de modo que se a mesma for encontrada, não se readquire a posse, pois a mesma nunca foi perdida. d) pela destruição da coisa → decorrente de evento natural ou fortuito, de ato do próprio possuidor ou de terceiro, que inutilize totalmente a coisa, impossibilitando o exercício do poder de utilizar, economicamente, o bem por parte do possuidor. 13 e) pela sua inalienabilidade → por ter sido colocada fora do comércio por motivo de ordem pública, de moralidade, de higiene ou de segurança coletiva, de modo que não possa ser possuída, por ser impossível exercer com exclusividade os poderes inerentes à propriedade (apenas, pois, quando a inalienabilidade for incompatível com a cessão de uso ou posse alheia). f) pela posse de outrem → ocorre quando há inércia do possuidor, turbado ou esbulhado no exercício de sua posse, deixando este escoar o prazo de ano e dia, que dá lugar a uma nova posse em favor de outrem. g) Pelo constituto possessório → quando o possuidor, em razão da cláusula constituti altera a relação possessória, passando a possuir em nome alheio aquilo que possuía em nome próprio. A sua conduta em relação ao bem, ou seja, o corpus, continua inalterada, mas o animus de proprietário extingue-se em relação a ele próprio e nasce em nome do adquirente. É, pois, simultaneamente, meio aquisitivo da posse e perda. É possível, ainda, em relação à posse de direitos, elencarem-se duas hipóteses de perda, a saber: a) pela impossibilidade de seu exercício (art. 1.196, CC) → em decorrência da impossibilidadefísica ou jurídica de possuir um bem (ex: quando se perde o direito de posse de servidão de passagem por ter o prédio dominante ou serviente sido destruído); b) pelo desuso → se a posse de um direito não se exercer dentro do prazo previsto, tem-se, por conseqüência, a sua perda para o titular (ex: o desuso de uma servidão predial por 10 anos consecutivos põe fim à posse do direito, nos termos do inciso III do art. 1.389, CC). Há, por fim, para o possuidor que não presenciou o esbulho, a perda da posse (art. 1.224, CC): a) quando, tendo notícia do esbulho, o possuidor se abstém de retomar o bem, abandonando seu direito, em razão de seu completo desinteresse; b) quando, tentando recuperar a sua posse, for violentamente repelido por quem detém a coisa e se recusa, terminantemente a entregá-la (nesse caso, caberá ainda a possibilidade de recuperação da posse por meio da reintegração da mesma, a ser pleiteada judicialmente). 14 2.4 EFEITOS DA POSSE Os efeitos da posse são as conseqüências jurídicas por ela produzidas, em virtude de lei ou norma jurídica. Seguiremos, para fins didáticos, a sistematização operada por CLÓVIS BEVILÁQUA, para quem são sete os efeitos da posse: I – o direito ao uso dos interditos; II – a percepção dos frutos; III – o direito de retenção por benfeitorias; IV – a responsabilidade pelas deteriorações; V – conduzir ao usucapião; VI – se o direito do possuidor é contestado, o ônus da prova compete ao adversário, pois que a posse se estabelece pelo fato; VII – o possuidor goza de posição mais favorável em atenção à propriedade, cuja defesa de completa pela posse. Passemos, pois, a análise de cada um dos sobreditos efeitos. 2.4.1 Invocar os interditos possessórios O possuidor tem o direito de propor ações possessórias quando é ameaçado, molestado ou esbulhado em sua posse, para repelir tais agressões e continuar na posse (art. 1.210, CC; art. 82, III, do CPC). O direito brasileiro admite as seguintes ações para a defesa da posse: a) Ação de Manutenção de Posse → é o meio de que pode se servir o possuidor que sofrer turbação a fim de manter a sua posse, receber indenização dos danos sofridos e obter a cominação de pena para o caso de reincidência, ou, ainda, se de má-fé o turbador, remover ou demolir construção ou plantação feita em detrimento de sua posse (art. 1.210, 1ª parte, CC e arts. 921 e 926 a 931, CPC). Tem cabimento, pois, quando o possuidor sofre embaraço à sua posse, sem, contudo, perdê-la. Obs 1: Turbação é todo ato que embaraça o livre exercício da posse, haja ou não dano para o possuidor; pode ela ser de fato ou de direito. A turbação de fato é a agressão material dirigida contra a posse, como rompimento de cercas, derrubada de muro e etc. Já a de direito, é a que se opera judicialmente, quando o réu contesta a posse do autor, ou por via administrativa, quando, p. ex., houver decisão de autoridade administrativa fixando a largura de uma estrada, em detrimento de sua utilização. Obs 2: O art. 1.210, §1º, do CC (que deve interpretado conjuntamente com o art. 188, I, do CC) estabelece uma possibilidade de justiça privada, isto é, de legítima defesa da posse, na qual o possuidor molestado pode reagir, pessoalmente ou por sua própria força, contra o turbador, desde que tal reação seja incontinenti ou sem demora e se dirija contra ato turbativo real e atual, mediante emprego de meios estritamente necessários (“moderamen inculpatae tutelae” – moderação da legítima defesa) para manter-se na posse. 15 b) Ação de Reintegração de Posse → é a movida pelo que sofreu esbulho, a fim de recuperar a posse perdida em razão de violência, clandestinidade ou precariedade, bem como para pleitear indenização pelas perdas e danos eventualmente sofridos (art. 1.210, 1ª parte, CC e arts. 921 e 926, do CPC). Esta ação pode ser movida não só contra o esbulhador, como também contra terceiro de má-fé, que recebeu a coisa esbulhada, ou seja, sabendo que o era (art. 1.212, CC). Contra o terceiro de boa-fé, que desconhecia a origem viciada do bem, caberá tão somente o pedido de natureza real, pois que deverá restituir a coisa, mas nunca o indenizatório, por ausência de culpa de sua parte. Obs 1: Esbulho é o ato pelo qual o possuidor se vê despojado, isto é, perde a posse, injustamente, por violência, por clandestinidade ou por abuso de confiança. Obs 2: Pelo art. art. 1.210, §1º, do CC (que deve ser interpretado conjuntamente com o art. 188, I, do CC), o esbulhado pode restituir-se, por sua própria força, à posse do bem, por meio de desforço imediato, ou seja, o possuidor pode, assumindo toda a responsabilidade, agir pessoalmente (ainda que auxiliado por amigos ou serviçais), empregando todos os meios necessários, inclusive armas, para conseguir recuperar a sua posse, de forma imediata ou assim que possível, não podendo ir além do indispensável à restituição da posse. c) Interdito Proibitório → é a proteção preventiva da posse ante a ameaça de turbação ou esbulho, prevista no art. 1.210, 2ª parte, do Código Civil. Assim, pode o possuidor que tenha justo receio de ser molestado na posse, impetrar a corresponde medida para que o juiz o segure da violência iminente (no mesmo sentido dispõem os arts. 927 a 932 do CPC). Tal interdito só produz efeitos depois de julgado por sentença. Procedente a ação, o magistrado proíbe o réu de praticar o ato, sob pena de pagar multa pecuniária, inclusive perdas e danos, em favor do próprio autor ou de terceiro (ex: instituição filantrópica). Obs: Para propor esta ação basta que o autor tenha um receio fundado ou justo de que a violência virá, pouco importando a intenção do réu em realmente praticar ou não a turbação ou esbulho. d) Nunciação de Obra Nova → é a ação que visa impedir que o domínio ou a posse de um bem imóvel seja prejudicada em sua natureza, substância, servidão ou afins, por obra nova no prédio vizinho, assim como o ressarcimento dos prejuízos já causados (arts. 1.277 e 1280, CC e 934 a 940, CPC). A presente ação só tem 16 cabimento se a obra contígua está em vias de construção; se já estiver concluída ou na fase final de conclusão (pintura, p.ex.), descabe tal remédio possessório, uma vez que o seu principal objetivo é o embargo da obra, ou seja, impedir a sua construção. e) Ação de Dano Infecto → é uma medida preventiva utilizada pelo possuidor que tenha fundado receio de que a ruína ou demolição ou vício de construção de prédio vizinho ao seu venha causar-lhe prejuízos, para obter, por sentença, do dono do imóvel contíguo, caução que garanta a indenização de danos futuros (arts. 1.277 e 1280, CC e 826 a 838, CPC). f) Ação de Imissão de Posse → é a que tem por escopo a aquisição da posse pela via judicial. Embora o atual Código de Processo Civil não a preveja de modo específico, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO entende que é possível sua propositura como ação específica dos proprietários adquirentes que desejam pleitear a posse direta dos bens adquiridos. g) Embargos de terceiro senhor e possuidor → é o processo que visa defender os bens daqueles que, não sendo parte numa ação judicial, sofrem turbação ou esbulho em sua posse, ou direito, por efeito de penhora, depósito, arresto, seqüestro, venda judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha ou outro ato de apreensão judicial (arts. 1.046, §1º e 1.047, I, CPC). 2.4.2 Direito à percepção dos frutos O possuidor tem direito a perceber os frutos advindos da coisa, ou seja, as utilidades que a mesma periodicamente produz, sem detrimento de sua própria substância. Classificam-se os frutos, quanto à sua origem, em: a) naturais (que se renovam periodicamente, devido à força orgânica da própria natureza; b) industriais(que são devidos em virtude do engenho humano, ou seja, da atuação do homem sobre a natureza); c) civis (são as rendas oriundas da utilização de coisa frugífera, como juros, dividendos e aluguéis). Quanto à sua percepção, os frutos dividem-se em: a) pendentes (quando ainda unidos à coisa principal); b) percebidos (quando já colhidos); c) estantes (quando armazenados para venda); d) percipiendos (quando deviam ter sido, mas ainda não foram colhidos); e) consumidos (quando, ante sua utilização pelo possuidor, não mais existem). Art. 1.214, CC: o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto durar sua posse, aos frutos percebidos, equiparando-se ao dono. Não tem ele, no entanto, direito aos frutos pendentes, ainda que sejam colhidos antecipadamente (neste caso, deverão ser-lhe apenas ressarcidas as despesas de produção e custeio). 17 Art. 1.215, CC: os frutos naturais e industriais são considerados colhidos e percebidos no instante em que são separados, e os civis são reputados percebidos dia por dia. Art. 1.216, CC: o possuidor de má-fé responde por todos os prejuízos que causou, pelos frutos percebidos e colhidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber; tem, porém, direito ao reembolso ou desconto das despesas de produção e custeio, a fim de se evitar enriquecimento ilícito do verdadeiro possuidor ou proprietário. 2.4.3 Direito à indenização das benfeitorias e direito de retenção Benfeitorias são as obras ou despesas efetuadas numa coisa para conservá-la (necessárias), melhorá-la (úteis) ou embelezá-la (voluptuárias). O possuidor de boa-fé, privado do bem em favor do reivindicante ou evicto, tem, nos termos do art. 1.219, CC, o direito de ser indenizado das benfeitorias necessárias (art. 96, §3º, CC) e úteis (art. 96, §2º, CC), bem como de levantar, se não lhe forem pagas, desde que não danifique a coisa, as voluptuárias (art. 96, §1º, CC). Tem, ainda, o direito de retenção (jus retentionis) da coisa, pelo qual pode conservar em seu poder a coisa alheia, após o momento em que deveria entregá-la, como garantia de pagamento do valor das benfeitorias a que tem direito (art. 745, IV, CPC; Súmula 158, STF). O meio processual adequado para que o possuidor exerça o seu direito de retenção são os chamados embargos à execução, a ser apresentados no curso de uma ação possessória. Se não alegadas e não provadas as benfeitorias, impossibilitado fica o uso de tal meio de defesa, cabendo, apenas, ao possuidor, recorrer às vias ordinárias, em ação autônoma, para obter a indenização respectiva. O possuidor de má-fé, por sua vez, só é ressarcido do valor das benfeitorias necessárias, executadas para conservação da coisa, uma vez que o proprietário seria forçada a também fazê-las se estivesse na posse da coisa. Não faz, no entanto, jus às benfeitorias úteis, perdendo-as em favor do proprietário, que as receberá gratuitamente em compensação pelo tempo que ficou privado de sua posse. Não lhe é dado, também, levantar eventuais benfeitorias voluptuárias, nem reter o bem para forçar qualquer pagamento (arts. 1.220 e 1.221, CC). Por fim, quanto ao valor da indenização, quando devida ao possuidor de má-fé, poderá o reivindicante optar entre o valor atual da benfeitoria ou o seu custo; quando devida ao possuidor de boa-fé, deverá ser paga conforme o seu valor atual (art. 1.222, CC). 2..4.4 Responsabilidade pela deterioração e perda da coisa Dispõe o art. 1.217, CC, que o possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa. Já o possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se 18 provar que teria tal fato ocorrido mesmo se a coisa estivesse na posse do reivindicante, consoante disciplina do art. 1.218, CC. Assim, o possuidor de boa-fé, quando condenado a restituir a coisa, o fará no estado em que a mesma se encontre, sem qualquer direito indenizatório para o proprietário, se não procedeu com dolo ou culpa. Por outro lado, poderá o possuidor de má-fé ser condenado à reparação por perdas e danos, ao restituir a coisa, caso a mesma não mais exista ou tenha se deteriorado, ainda que por caso fortuito ou força maior, exceto se demonstrar que tal ocorreria ainda que a coisa estivesse na posse do reivindicante. 2.4.5 Outros efeitos Segundo a classificação ora seguida, a posse tem ainda, o efeito de possibilitar ao possuidor a aquisição da propriedade (através da posse continuada, ou seja, do usucapião); transferir o ônus da prova ao adversário do possuidor (cabe ao autor de uma ação possessória demonstrar o seu direito, caso contrário a posse deverá ser mantida com quem esteja); dar ao possuidor posição processualmente mais favorável (como a posse é complemento da propriedade, sem a primeira o detentor apenas desta outra passa a posição inferior no que diz respeito às ações possessórias). No mais, como já dito anteriormente, a posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem (art. 1.209, CC), e a pessoa que estiver com a coisa será mantida na posse até que se resolva a questão, não estando manifesto que a obteve viciosamente, se mais de uma pessoa se disser possuidora da mesma coisa (art. 1.211, CC). 19 3. DA PROPRIEDADE 3.1 CONCEITO DE PROPRIEDADE 3.1.1 Introdução Histórica Os homens primitivos, naturalmente, se consideravam senhores daquilo de que se apoderavam, para satisfazer as próprias necessidades, pois que até em animais se observa esse sentimento. Mas sobre as coisas móveis de uso, e não destinadas ao consumo imediato, como armas e instrumentos de pesca, é que já se manifesta uma projeção de personalidade, sobre o mundo externo, ligando o objeto ao sujeito. O solo ocupado, por sua vez, não tinha ainda caráter individual; a relação entre ele e a pessoa era apenas de posse econômica da coletividade, porque somente esta podia, eficazmente, defendê-la. Entre os índios, por exemplo, somente se individualizava a propriedade de coisas móveis, como redes, armas e utensílios de uso próprio, mas o solo era possuído em comum pela tribo inteira, e mesmo assim apenas temporariamente, já que, de tempos em tempos, se levantava o grupo, abandonava as ocas, e mais longe ia fixar seus lares, não se demorando em um local mais do que cinco ou seis anos (CLÓVIS BEVILÁQUA). Com a cultura das terras, foi-se acentuando o sentimento de propriedade individual, porque o trabalho produtivo, criando, regularmente, utilidades correspondentes ao esforço empregado, estabilizou o homem, prendendo-o mais fortemente ao solo dadivoso. E com o estabelecimento do Estado, os direitos individuais adquiriram mais nitidez e segurança, transformando o simples integrante de um grupo em cidadão. Gera-se, nesse quadro, uma relação jurídica para um sujeito individual de direito, e o Estado protege esta relação da pessoa para a coisa, mediante a coação jurídica (não se diga, no entanto, que o direito somente existe depois de instituído o Estado; ao contrário, com este, o direito se robustece, se sistematiza, pois é criação da sociedade e não do Estado). No Direito Romano, sempre lembrado como precursor, observavam- se três tipos de utilização de terras nos primeiro tempos de Roma: a) comunhão agrária (todos os membros da tribo podiam utilizar-se do solo, que ela ocupava, explorando-o em comum e dividindo os frutos; os indivíduos tinham, portanto, apenas direito de gozo, sendo as terras inalienáveis); b) propriedade familial (o chefe de família recebia certa porção de terra, por tempo indeterminado, cultivava-a durante a vida e, depois de sua morte, passava aos filhos; se morria sem descendentes, a terra era devolvida à tribo; o chefe da família podia usufruir do imóvel, mas não o alienar em vida nem o transmitirpor testamento, porque era bem de família e não dele, pessoalmente; as mulheres não herdavam); c) propriedade individual (o proprietário podia, livremente, dispor de seu bem, quer por ato entre vivos, quer por testamento). 20 Com o decorrer dos tempos, crescimento da população e a extensão do domínio político sobre os povos vencidos, o direito romano foi se modificando, e com ele a organização da propriedade. Desapareceram os regimes da propriedade coletiva e familial, subsistindo exclusivamente o individual. O proprietário passou a poder dispor livremente do seu patrimônio, e o seu direito a prevalecer contra todos. A propriedade do solo passou a abranger o que está em cima e embaixo dele, e tudo quanto se incorpora ao solo como plantas e edificações, e o interesse social passou a impor certas restrições necessárias à manutenção da coexistência. 3.1.2 Conceito de Propriedade O domínio é o mais completo dos direitos subjetivos e constitui o próprio cerne do direito das coisas. A propriedade representa a espinha dorsal do direito privado, pois o conflito de interesses entre os homens, que o ordenamento jurídico procura disciplinar, manifesta-se, na quase generalidade dos casos, na disputa sobre bens. Trata-se, portanto, de um direito real (aliás, assim define o art. 1.225 do Código Civil de 2002), ou seja, de um direito que recai diretamente sobre a coisa e que independe, para o seu exercício, de prestação de quem quer que seja. Ao proprietário é conferida a prerrogativa de usar, gozar e dispor da coisa, bem como de reivindicá-la de quem quer que injustamente a detenha, conforme deixa claro o art. 1.228 do Código Civil. Aliás, como o código não oferece uma definição do que seja propriedade, é deste dispositivo que se extraem seus elementos constitutivos, que são: a. jus utendi (direito de usar, que consiste na faculdade de o dono servir-se da coisa e utilizá-la da maneira que entender mais conveniente, podendo excluir terceiros de igual uso); b. jus fruendi (direito de gozar ou usufruir, que compreende o poder de perceber os frutos naturais e civis da coisa e de aproveitar economicamente os seus produtos); c. jus abutendi (direito de dispor da coisa, de transferi-la, de aliená-la a outrem a qualquer título); d. rei vindicatio (direito de reaver a coisa das mãos de quem injustamente a possua ou detenha). SÍLVIO RODRIGUES descreve duas idéias elementares da noção de domínio: a idéia de vínculo legal e a de submissão da coisa corpórea à vontade do proprietário. Todo direito subjetivo representa um vínculo jurídico; assim também é o domínio. O liame que se estabelece entre o proprietário e a coisa que se encontra em seu domínio vincula, de certo modo, todas as pessoas do universo, que estão presas a uma obrigação passiva de não turbar o exercício do direito pelo seu titular. Esse vínculo, no que diz respeito ao direito de propriedade, é determinado pela lei. 21 O domínio se distingue dos demais direitos reais porque incide sobre a coisa própria, enquanto estes últimos têm por objeto a coisa alheia. Basta observar o elenco do art. 1.225 do Código Civil para apurar-se que todos os demais são direitos reais sobre coisas de outrem. 3.1.3 Natureza Jurídica da Propriedade Diz-se que o direito de propriedade é um direito absoluto, exclusivo e perpétuo: a) Absoluto no sentido de que o proprietário tem sobre aquilo que é seu o mais amplo poder jurídico, usando e desfrutando a coisa da maneira que lhe aprouver (art. 1.231, CC); b) Exclusivo porque o direito de seu titular é exercido sem concorrência de outrem, podendo aquele afastar da utilização quem quer que dela queira tirar qualquer proveito (art. 1.231, CC); c) Perpétuo, pois ela só se extingue por força da lei, nas hipóteses de perecimento da coisa, desapropriação ou usucapião. 3.1.4 Fundamento do Direito de Propriedade Várias são as teorias a este respeito. Dentre todas, uma que desfrutou e ainda desfruta de grande prestígio é a chamada teoria da natureza humana, segundo a qual a propriedade é inerente à própria natureza do homem, sendo condição de sua existência e pressuposto de sua liberdade (admitindo-se tal teoria, elimina-se da competência do legislador o poder de aboli-la, o que não se coaduna com o sistema jurídico brasileiro – função social da propriedade). Outra teoria, que é a mais antiga, é a teoria da ocupação, que confunde propriedade com a simples ocupação das coisas, quando não pertencentes a ninguém (a ocupação, no entanto, é apenas um modo de aquisição da propriedade, não seu fundamento de validade). A teoria da especificação apóia-se no trabalho. Somente o trabalho humano, transformando a natureza e a matéria bruta, justifica o direito de propriedade (esta teoria, que inspirou os regimes socialistas do início do século passado, não pode ser aceita, porque não responde à dúvida sobre se deve existir propriedade, procurando apenas resolver quem é o proprietário). A teoria da lei, sustentada por MONTESQUIEU, assenta-se na concepção de que a propriedade é instituição de direito positivo, ou seja, existe porque a lei a criou e a garante. Esta é a teoria adotada pelo Brasil, onde o fundamento de validade do direito de propriedade encontra-se no art. 5º, XXII, da Constituição Federal, que o garante, e no próprio artigo 1.228 do Código Civil, que assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem que injustamente os possua. 3.1.5 Espécies de Propriedade a) Propriedade plena: quando o titular do domínio enfeixa em suas mãos todas as prerrogativas que constituem o conteúdo do 22 direito, ou seja, a possibilidade de usar, gozar e dispor da coisa de maneira absoluta, exclusiva e perpétua, bem como de reivindicá- la como já mencionado; b) Propriedade limitada: quando a mesma se desmembra, de modo que alguns dos poderes elementares ao domínio se encontram em mãos de outrem (ex.: domínio do nu-proprietário; do usufrutuário; sobre bens gravados com cláusula de inalienabilidade). 3.1.6 Limites ao Direito de Propriedade do Solo A lei limita o direito de propriedade do solo a altura ou profundidade úteis ao proprietário, não podendo, desse modo, opor-se este a trabalhos que sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais que não tenha interesse algum em impedi-los (art. 1.229, CC). Portanto, o limite da propriedade do solo é dado pelo justo interesse do proprietário. O art. 176 da Constituição Federal também institui limite ao direito de propriedade do solo, in verbis: “Art.176 - As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º - A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. § 2º - É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei. § 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente. § 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovávelde capacidade reduzida”. 3.1.7 Função Social da Propriedade (§1º, art. 1.228, CC) No Direito Romano, como visto, a propriedade tinha, em estágio final, caráter individual. Na Idade Média passou por uma fase peculiar, com dualidade de sujeitos (o dono e o que explorava economicamente o imóvel, pagando ao primeiro pelo seu uso). Após a Revolução Francesa, a propriedade assumiu feição marcadamente individualista. No século passado, no entanto, foi acentuado o seu caráter social, contribuindo para essa situação o posicionamento da Igreja Católica, através das encíclicas papais. A atual 23 Constituição Federal dispõe que a propriedade atenderá sua função social (art. 5º, XXIII). Também determina que a ordem econômica observará a função da propriedade, impondo freios à atividade empresarial (art. 170, III). Nessa ordem, o novo Código Civil, no §1º do art. 1.228 proclama que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”, e que “são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem” (§2º). A observância da função social, portanto, aparece como restrição legal ao direito de propriedade, e afeta os seus três característicos, ou seja, o seu absolutismo, sua exclusividade e sua perpetuidade. Como bem mencionam os parágrafos seguintes daquele mesmo artigo (§§ 3º e 4º), o proprietário pode ser privado da coisa, através do que se tem chamado de socialização da propriedade, ou nacionalização. A nacionalização é um meio de o Estado intervir na economia. Por seu intermédio, bens que se encontravam no patrimônio particular passam ao Poder Público. Tal recurso é aconselhável quando se trata de bens de grande importância para a sociedade, pois sua retirada da administração particular evita que caiam em regime meramente especulativo. Todavia, a nacionalização, hoje, inspira-se não só em propósitos igualitários como também, e, principalmente, em preocupação de caráter político. E, para alcançá-la, o Estado recorre mais e mais à desapropriação, não apenas por necessidade ou utilidade pública, como igualmente por interesse social, podendo mesmo fazê-lo para promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos. No Brasil, é inegável a repercussão de tal tendência, uma vez que, como dito, o legislador constitucional determinou que o uso da propriedade fosse condicionado ao bem-estar social. 3.2 MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL O Código Civil de 1916 enumerava, taxativamente, no art. 530, os modos de aquisição da propriedade imóvel: a) transcrição do título de transferência no Registro do Imóvel; b) acessão; c) usucapião; e d) direito hereditário, O novo diploma não os especificou, limitando-se a disciplinar, no capítulo intitulado “Da aquisição da propriedade imóvel”, a usucapião. o registro do título e a acessão (arts. 1.238 a 1.259). O direito hereditário é, também, modo de aquisição da propriedade imóvel porque, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1.784). O inventário será feito em função do princípio da continuidade do registro de imóveis, para que o herdeiro ali figure como titular do direito de propriedade. Todavia a aquisição desse direito dá-se simplesmente em razão do falecimento do de cujus, quando 24 então se considera aberta a sucessão (saisine). O mesmo ocorre com a usucapião, como se verá mais adiante. Presentes os demais pressupostos legais, considera- se adquirido o domínio pelo simples decurso do lapso de tempo previsto na lei. A sentença que reconhecer a usucapião terá natureza meramente declaratória. Quanto à sua origem, a aquisição pode ser: originária, quando não há transmissão de um sujeito para outro, como ocorre na acessão natural e na usucapião; e derivada, quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade. Se o modo é originário, a propriedade passa ao patrimônio do adquirente escoimada de quaisquer limitações ou vícios que porventura a maculavam. Se é derivado, a transmissão é feita com os mesmos atributos e eventuais limitações que anteriormente recaíam sobre a propriedade, porque ninguém pode transferir mais direitos do que tem. A aquisição derivada exige, também, comprovação da legitimidade do direito do antecessor. 3.2.1 DA USUCAPIÃO 3.2.1.1 Conceito A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva, em confronto ou comparação com a prescrição extintiva, que é disciplinada nos arts. 205 e 206 do Código Civil. Em ambas, aparece o elemento tempo influindo na aquisição e na extinção de direitos. A primeira, regulada no direito das coisas, é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei; a segunda, tratada na Parte Geral do Código, é a perda da pretensão e, por conseguinte, da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela durante determinado espaço de tempo. O art. 1.244 do Código Civil, entretanto, demonstra que se trata de institutos símiles, ao prescrever: “Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”. Conseqüentemente, dentre outras proibições, não se verifica usucapião entre cônjuges, na constância do casamento, entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder etc. Não corre, ainda, a prescrição (art. 198) contra os absolutamente incapazes de que trata o art. 3º do Código Civil. Já se decidiu que se suspende o prazo da prescrição aquisitiva a partir da data do óbito do pai da herdeira necessária, menor de dezesseis anos, até que complete essa idade, beneficiando os demais condôminos. 25 3.2.1.2 Espécies Podem ser objeto de usucapião bens móveis e imóveis. O direito brasileiro distingue três espécies de usucapião de bens imóveis: a extraordinária, a ordinária e a especial (ou constitucional), dividindo-se a última em rural (pro labore) e urbana (pró-moradia ou pro misero). A usucapião extraordinária é disciplinada no art. 1.238 do Código Civil e seus requisitos são: posse de quinze anos (que pode reduzir-se a 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo), exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacificamente. Dispensam-se os requisitos do justo título e da boa-fé. Tem, como antecedentes históricos, a praescriptio longi temporis, a longissimi temporis (que chegou a ser de 40 anos) e a prescrição imemorial (posse de cujo começo não houvesse memória entre os vivos). A ordinária é prevista no art. 1.242 e apresenta os seguintes requisitos: posse de dez anos, exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacificamente, além de justo título e boa-fé. O prazo será de cinco anos “se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico” (art. 1.242, parágrafo único). Preceitua o art. 2.029 das “Disposições Transitórias” que, “até dois anosapós a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei n. 3.071/1916”. Os parágrafos mencionados dizem respeito às hipóteses em que o prazo é reduzido porque o possuidor estabeleceu no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizou obras ou serviços de caráter produtivo. Acrescenta o art. 2.030 que “o acréscimo, de que trata o artigo antecedente, será feito nos casos a que se refere o § 4 do art. 1.228”. A usucapião especial rural (pro labore) surgiu, no direito brasileiro, na Constituição de 1934, sendo conservada na Carta outorgada de 1937 e na Constituição de 1946. A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 não repetiram o texto das anteriores, mas a última consignou os seus requisitos básicos, remetendo a sua disciplina à lei ordinária. Enquanto não regulamentada, aplicou-se a Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), até o advento da Lei n. 6.969, de 10 de dezembro de 1981, elaborada especialmente para regulamentar a aquisição, por usucapião especial, de imóveis rurais. Preceitua o seu art. 1: “Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir- lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis”. Excepcionalmente, o seu art. 22 incluiu as terras devolutas (espécies de bens públicos) entre os bens usucapíveis. 26 Entretanto, o art. 191 da atual Constituição aumentou a dimensão da área rural suscetível dessa espécie de usucapião para cinqüenta hectares, tendo o parágrafo único proibido expressamente a aquisição de imóveis públicos por usucapião. O usucapiente não pode ser proprietário de qualquer outro imóvel, seja rural ou urbano. No art. 1.239, o novo Código Civil limitou-se a reproduzir, ipsis litteris, o mencionado art. 191 da Constituição Federal. A usucapião especial urbana constitui inovação trazida pela Constituição de 1988, estando regulamentada em seu art. 183: “Aquele que possuir corno sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição. utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Não se aplica à posse de terreno urbano sem construção, pois é requisito a sua utilização para moradia do possuidor ou de sua família. Acrescentam os §§ 2 e 3º que esse “direito não será reconhecido ao novo possuidor mais de uma vez” e que os “imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independente do estado civil. Essa espécie de usucapião não reclama justo título nem boa-fé, como também ocorre com a usucapião especial rural. Como se trata de inovação trazida pela Carta de 1988, não se incluem no preceito constitucional as posses anteriores. O prazo de cinco anos só começou a contar, para os interessados, a partir da vigência da atual Constituição. O novo direito não poderia retroagir, surpreendendo o proprietário com uma situação jurídica anteriormente não prevista. Assim, os primeiros pedidos somente puderam ser formulados a partir de 5 de outubro de 1993. No art. 1.240, o novo Código Civil reproduziu integralmente o art. 183. §2º e 3º da Constituição Federal. A Lei 12.424/2011 criou uma nova modalidade de usucapião especial urbana, que vem sendo chamada de usucapião familiar, inserindo no Código Civil o art. 1.240-A, com o seguinte teor: “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos interrruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desque não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Trata-se, como se vê, de nova modalidade de usucapião urbana, instituída em favor de pessoas de baixa renda, que não tem imóvel própriom seja urbano ou rural. Apesar da semelhança com a usucapião especial urbana antes mencionada, prevista no art. 183 da CF, há duas grandes diferenças neste caso: a) na usucapião familiar, ao contrário desta outra, exige-se também que o usucapiente seja coproprietário do imóvel, em comunhão ou condomínio com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro; b) exige-se também que estes tenham 27 abandonado o lar de forma voluntária e injustificada; c) o tempo necessário para usucapir é bem menor do que os demais, consumando-se a prescrição aquisitiva em apenas 02 (dois) anos. O único porém é a necessidade de se discutir a causa do término do relacionamento afetivo entre as partes, uma vez que o abandono de lar deve ser voluntário, isto é, culposo. Se a saída do lar, por um dos cônjuges, tiver sido determinada judicialmente, não estará caracterizado o abandono aqui exigido e, portanto, não se contará prazo algum para o direito à usucapião. Por fim, embora o artigo ora mencionado traga a expressão “ex- cônjuge” ou “ex-companheiro”, não deve ser exigido o divórcio ou a dissolução da união estável para o início do prazo para usucapião. A mera separação de fato, por dar fim à sociedade conjugal, e, portanto, aos deveres do casamento e o regime de bens, poderá ser o marco inicial da contagem do prazo da usucapião familiar (prazo este que só pode ser contado a partir da entrada em vigor da lei, ou seja, só poderão ser formulados pedidos de usucapião familiar a partir de 16/06/2013). Além disso, o art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257. de 10-7- 2001) prevê também a usucapião coletiva, de inegável alcance social, de áreas urbanas com mais de 250 metros quadrados. Ocupadas por população de baixa renda para sua moradia por cinco anos, onde não for possível identificar os terrenos ocupados individualmente. 3.2.1.3 Pressupostos Os pressupostos da usucapião são: coisa hábil ou suscetivel de usucapião, posse, decurso do tempo, justo título e boa-fé. Os três primeiros são indispensáveis e exigidos em todas as espécies de usucapião. O justo título e a boa-fé somente são reclamados na usucapião ordinária. Preambularmente, é necessário verificar se o bem que se pretende usucapir é suscetível de prescrição aquisitiva, pois nem todos se sujeitam a ela, como os bens fora do comércio e os bens páblicos. Consideram-se fora do comércio os bens naturalmente indisponíveis (insuscetíveis de apropriação pelo homem. como o ar atmosférico, a água do mar), os legalmente indisponíveis (bens de uso comum, de uso especial e de incapazes, os direitos da personalidade e os órgãos do corpo humano) e os indisponíveis pela vontade humana (deixados em testamento ou doados, com cláusula de inalienabilidade). São, assim, insuscetíveis de apropriação pelo homem os bens que se acham em abundância no universo e escapam de seu poder físico, como a luz, o ar atmosférico, o mar alto etc. Bens legalmente inalienáveis são os que, por lei, não podem ser transferidos a outrem, não se incluindo nesse conceito os que se tornaram inalienáveis pela vontade do testador ou do doador. A inalienabilidade decorrente de ato jurídico não tem força de subtrair o bem gravado da prescrição aquisitiva, não o colocando fora do comércio. Decidiu, com efeito, o Superior Tribunal de Justiça que “com o usucapião simplesmente extingue-seo domínio do proprietário anterior, bem como os direitos reais que tiver ele constituído e sem embargo de quaisquer 28 limitações a seu dispor” (STJ, 4 T., REsp 207.167-RJ. Rel. M. Sálvio de Figueiredo). Os bens públicos também não podem ser objeto de usucapião. Dispõe o art. 2 do Decreto n. 22.785/33 que “os bens públicos, seja qual for sua natureza. não são sujeitos a prescrição”. Com relação aos imóveis, essa orientação foi reiterada no art. 200 do Decreto-Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946, que disciplina os bens imóveis da União, ao estatuir que “seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião”. A jurisprudência consolidou-se nesse sentido. Conforme se verifica pela Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “Desde a vigência do Código Civil (de 1916), os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. E o novo Código Civil, nessa linha, proclama: “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião” (art. 102). Assim, somente podem ser objeto de usucapião bens do domínio particular, não podendo sê-lo os terrenos de marinha e as terras devolutas. Estas não mais podem ser objeto de usucapião pra labore, em face da expressa proibição constante do parágrafo único do art. 191 da Constituição de 1988. A posse é fundamental para a configuração da prescrição aquisitiva. Não é qualquer espécie de posse, entretanto, que pode conduzir à usucapião. Exige a lei que se revista de certas características. A posse ad interdicta, justa, dá direito à proteção possessória, mas não gera a usucapião. Posse ad usucapionemn é a que contém os requisitos exigidos pelos arts. 1.238 a 1.242 do Código Civil, sendo o primeiro deles o ânimo de dono (animus domini ou animus rem sibi habendi). Exigem os aludidos dispositivos, com efeito, que o usucapiente possua o imóvel “como seu”. Não tem ânimo de dono o locatário, o comodatário e todos aqueles que exercem posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem, obrigando-se a devolvêla. Ressalve-se que é possível ocorrer a modificação do caráter da posse, quando acompanhando a mudança da vontade, sobrevém uma nova causa possessionis (cf. n. 11. retro). O segundo requisito da posse ad usucapionem é que seja mansa e pacifica. isto é, exercida sem oposição. Se o possuidor não é molestado, durante todo o tempo estabelecido na lei, por quem tenha legítimo interesse, ou seja, pelo proprietário, diz-se que a sua posse é mansa e pacífica. Todavia, se este tomou alguma providência na área judicial, visando a quebrar a continuidade da posse, descaracterizada fica a ad usucapionem. Providências extrajudiciais não significam verdadeiramente oposição. Se o possuidor defendeu a sua posse em juízo contra invectivas de terceiros e evidenciou o seu ânimo de dono, não se pode falar em oposição capaz de retirar da posse a sua característica de mansa e pacífica. Como terceiro requisito, deve a posse ser contínua, isto é, sem interrupção. O possuidor não pode possuir a coisa a intervalos. É necessário que a tenha conservado durante todo o tempo e até o ajuizamento da ação de usucapião. O fato de mudar-se para outro local não significa, necessariamente, 29 abandono da posse, se continuou comportando-se como dono em relação à coisa. Para evitar a interrupção da posse, em caso de esbulho, deve o usucapiente procurar recuperá-la imediatamente pela força, se ainda for possível (CC, art. 1.210, § 1º), ou ingressar em juízo com a ação de reintegração de posse. O Código Civil brasileiro não prevê prazo para que a posse seja interrompida pelo esbulho praticado por terceiro, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que, se “o esbulhado interpõe, dentro de ano e dia, interdito possessório, e vence, conta-se em seu favor o tempo em que esteve privado da posse” (RF, 123:469). Se o interdito for julgado em favor da outra parte, reconhecendo-se-lhe melhor posse, a do usucapiente será considerada descontínua. Embora exija a continuidade da posse, admite o Código Civil, no art. 1.243, que o possuidor acrescente à sua posse a dos seus antecessores, para o fim de contar o tempo exigido para a usucapião (accessio possessionis), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé. O possuidor pode, portanto, demonstrar que mantém posse ad usucapionem por si e por seus antecessores. Ultrapassada a jurisprudência que exigia prova escrita da transmissão negocial da posse, sendo admitida também a oral. A junção das posses pode decorrer, ainda, da successio possessionis (aquisição a título universal), quando o herdeiro se reputa na continuação da posse do falecido (CC, art. 1.207). No tocante ao decurso do tempo, contam-se os anos por dias (de die ad diem), e não por horas. O prazo começa a fluir no dia seguinte ao da posse. Não se conta o primeiro dia (dies a quo), porque é necessariamente incompleto, mas conta-se o último (dies ad quem). Para a usucapião extraordinária, é exigido o prazo de quinze anos (art. 1.238), que reduzir-se-á a dez anos (parágrafo único) se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo (posse-trabalho). Para a ordinária, em que o possuidor deve ter justo título e boa-fé, basta o prazo de dez anos (art. 1.242). Será de cinco anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base em transcrição constante do registro próprio, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico (parágrafo único). Para a consumação da usucapião extraordinária não se exige que o possuidor tenha justo título, nem boa-fé (CC, art. 1.238). Tal exigência também não é feita na usucapião especial. O justo título é, entretanto, requisito indispensável para a aquisição da propriedade pela usucapião ordinária (CC, art. 1.242). O título normalmente hábil a transferir o domínio, e que se apresenta formalmente perfeito, provoca no adquirente a crença (opinio domini) de que se tornou dono. Não se confunde tal crença, indispensável à caracterização da usucapião ordinária, com o animus doinini, que é a vontade de possuir como dono, de ser dono, necessário para a configuração da usucapião extraordinária. Tem-se entendido que o justo título, para originar a crença de que se é dono, deve estar registrado no cartório de registro imobiliário e revestido das 30 formalidades externas. O compromisso de compra irretratável e irrevogável, por conferir direito real ao compromissário comprador e possibilitar a adjudicação compulsória, mesmo não registrado, é considerado justo título, por alguns, para os efeitos de usucapião ordinária. O Supremo Tribunal Federal já decidiu em sentido contrário (RTJ. 97:796). Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, posteriormente, proclamou: “Segundo a jurisprudência do STJ não são necessários o registro e o instrumento público, seja para o fim da Súmula 84, seja para que se requeira a adjudicação; podendo dispor de tal eficácia, a promessa de compra e venda, gerando direito à adjudicação, gera direito à aquisição por usucapião ordinária” (RT, 732:18 1). O decurso do tempo, a posse de dez anos e a concorrência dos demais requisitos mencionados vem sanar as eventuais irregularidades e defeitos desses títulos. O vício, contudo, não deve ser de forma, nem constituir nulidade absoluta. Se o título é nulo, não enseja a usucapião ordinária. Sendo nulo, não é justo. Somente o título anulável não impede a usucapião ordinária, visto que é título eficaz e produz efeitos, enquanto não se lhe decreta a anulação. Se a escritura, por exemplo, é nula por falta de assinatura do outorgante vendedor,
Compartilhar