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resenha

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Direção Adam Mckay nascido na Filadélfia, Alemanha, no ano de 1968, o 
comediante Adam McKay tentou dar o pontapé inicial na sua trajetória no mundo 
do entretenimento dos Estados Unidos fazendo uma audição para entrar como 
membro do elenco fixo do célebre programa de comédia estadunidense 
Saturday Night Live. Ele não atingiu seu objetivo, mas acabou sendo contratado 
como roteirista do programa por causa das ótimas esquetes que escreveu e 
enviou para a produção. McKay trabalhou no SNL entre os anos de 1995 e 2001, 
sendo três como roteirista-chefe. Após ser substituído por sua amiga Tina Fey, 
McKay levou seus talentos cômicos para o cinema. Ao lado de Will Ferrel, amigo 
e sócio, McKay escreveu, dirigiu e produziu algumas das comédias mais bem-
sucedidas dos anos 2000 como "O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy" e "Quase 
Irmãos" e lançou até mesmo um famoso canal de comédia online "Funny or Die". 
Ele ainda produziu a série "Eastbound & Downn", estrelada por Danny McBride. 
A década de 2010 viu um Adam McKay ainda mais prolífico. O cineasta lançou 
"Os Outros Caras", a sequência da saga de Ron Burgundy, "Tudo Por um Furo", 
produziu diversos filmes e, por fim, se uniu à toda poderosa Marvel como 
produtor e co-escrever "Homem Formiga". Mas o grande sucesso veio mesmo 
no ano de 2015. Partindo de uma adaptação do livro de "The Big Short", livro de 
Michael Lewis que destrincha as causas e os efeitos da crise econômica de 2008 
nos Estados Unidos e no Mundo, McKay escreveu e dirigiu "A Grande Aposta". 
O filme, estrelado por Steve Carrell, Christian Bale, Ryan Gosling e Brad Pitt, 
mostrou um novo lado do cineasta. A obra, repleta de humor negro e crítico que 
ataca as grandes corporações financeiras e econômicas responsáveis pelo início 
e pelo agravamento da crise, rendeu diversas indicações ao Oscar - nas 
categorias de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção, Melhor Montagem, 
Melhor Ator Coadjuvante para Christian Bale e Melhor Filme. Na noite de 
premiações do maior prêmio do cinema estadunidense, McKay acabou levando 
a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado para casa. Após dirigir vice e duas 
temporadas da série Succession, Mckay concorre a um Globo de Ouro por 
Melhor Roteiro em Filme por seu longa Não Olhe Para Cima. 
 
A ideia era tecer críticas à falta de atenção planetária com problemas climáticos, 
como o aquecimento global. Para ilustrar esse objetivo é queentra a metáfora do 
meteoro. São os astrônomos Randall Mindy (DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer) 
que fazem a descoberta surpreendente de que há um cometa orbitando o 
sistema solar e vindo em direção à Terra. Com o auxílio do doutor Oglethorpe 
(Rob Morgan), a dupla de pesquisadores encampa uma peregrinação na mídia 
e acaba no escritório da presidente Orlean (Meryl Streep) e de seu filho, Jason 
(Jonah Hill). Na conta dos cientistas autores da descoberta iminentemente fatal, 
restam seis meses para o choque, o que demandaria gerenciar as notícias o 
tempo todo e ganhar a atenção do público obcecado pelas redes sociais. Porém, 
personagens como a presidente Orlean e seu filho Jason desacreditam o aviso, 
gerando comparações com quem nega dados científicos sobre, por exemplo, a 
pandemia de coronavírus e a eficácia das vacinas para conter a covid-19. 
“ É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” –Mark Fisher 
 
Fiquei com essa frase na cabeça durante as longas 2h25min que gastei 
assistindo na Netflix a nova sensação do momento, o filme Não Olhe Para Cima, 
e sair com uma angústia horrorosa que tirou meu sono a noite. Não fui a única. 
Depois notei que no Twitter proliferam relatos de que o filme serviu de gatilho 
para crises de ansiedade em muita gente. Fiquei me perguntando exatamente 
onde estava a comédia. Não consegui rir de absolutamente nada. Até poderia 
ser cômico… se não fosse um espelho – glamouroso e suavizado – da nossa 
trágica realidade. Quão descolada da realidade ou privilegiada eu teria de ser 
para conseguir rir do desespero diante do negacionismo? 
Fiquei pensando na montanha de dinheiro gasta para reunir um elenco estelar, 
para escrever um roteiro que parece meticulosamente produzido com o auxílio 
de Big Data e no fim das contas saímos com uma profunda sensação 
de imobilismo, de apatia, de que não há absolutamente nada a ser feito 
diante da estupidez de uma minoria de bilionários e políticos poderosíssimos que 
nos conduzem ao apocalipse. Fiquei pensando por que raios me dispus a assistir 
a um filme que se gaba de ser “baseado em eventos realmente possíveis”, 
quando a realidade denunciada nos telejornais de forma crua e bem menos 
glamourosa já nos ativa inúmeros gatilhos de desesperança, tristeza e angústia? 
Foi então que me lembrei da crise de ansiedade bem similar que experimentei 
quando acompanhamos uma tenebrosa reunião ministerial conduzida no início 
da pandemia com Ricardo Salles falando em aproveitar a oportunidade para 
passar a boiada, Paulo Guedes reconhecendo a admiração por um ministro de 
Hitler e Bolsonaro demonstrando que sua prioridade não era enfrentar a 
pandemia, mas armar a população. 
Ao lembrar disso, pensei que não há ficção que dê conta de retratar a gravidade 
do momento. Até os vilões do filme me parecem menos perversos do que os 
poderosos da nossa dura realidade. Por mais boa atriz que Meryll Streep seja, 
ela não conseguiu imprimir o terror diário imposto nos jornais por esses agentes 
do caos que são os líderes de extrema direita. As palavras da presidente ficcional 
são fichinha perto da perversidade que a gente tem que aguentar diariamente 
nas telas de TV e dos smartphones. (Aliás, é no mínimo curiosa a escolha do 
diretor por uma mulher na presidência, assim como ocorreu na série Years and 
Years. As mulheres também podem ser umas escrotas negacionistas e 
perversas, mas houve claras demonstrações de que as chefes de Estado 
conduziram seus países bem melhor do que seus pares masculinos durante a 
pandemia. E bem, todos os líderes eleitos de extrema direita no mundo são 
homens). 
Até o bilionário do filme parece menos abjeto e imbecil do que o bilionário 
brasileiro, que autorizou o emprego de tratamentos comprovadamente ineficazes 
na própria mãe só para provar seu negacionismo – e vê-la falecer. É como se a 
realidade fosse uma caricatura da ficção. Eu deveria rir disso? 
Até o cometa parece uma metáfora suavizada do fim do mundo. Se 
estivéssemos sob a ameaça de choque de algum cometa, haveria alguma justiça 
no fato de todos serem atingidos ao mesmo tempo, enquanto que no colapso 
ambiental quem enfrenta o fim do mundo primeiro é quem tem menos grana, 
vide as principais vítimas das enchentes no sul da Bahia. (Aliás, seria muito 
interessante comparar o engajamento proporcionado pelo filme nas redes 
sociais com o engajamento promovido pelos pedidos desesperados por socorro 
da população baiana, vítima direta do colapso ambiental que o filme diz 
denunciar). 
 
Realismo capitalista brasileiro 
Seria Hollywood capaz de empregar uma montanha de dinheiro similar em uma 
narrativa em que o poder popular se insurgisse coletivamente contra essa 
minoria que nos leva ao colapso e instituísse uma nova ordem política, social, 
ambiental e econômica mais justa que nos salvasse do cometa no filme e da 
crise climática na vida real? Provavelmente muitos dirão que não usando uma 
pretensa verossimilhança como argumento, justamente porque, com a nossa 
imaginação amputada pela mentalidade neoliberal, é muito mais fácil imaginar o 
fim do mundo do que o fim do capitalismo. 
É sobre isso que discorre Mark Fisher em seu livro Realismo capitalista, escrito 
em 2009. O filósofo britânico usa esse termo para descrever um tipo de ideologia 
que propaga a sensação generalizada de que não apenas o capitalismo é o único 
sistema político-econômico viável, como também é impossível imaginar uma 
alternativa coerente a ele. Na obra, o filósofo britânico cunhou inclusive o termo“impotência reflexiva”, que serve bem para descrever a sensação de apatia 
coletiva retratada no filme diante de um apocalipse iminente. Trata-se de um 
fenômeno no qual as pessoas até reconhecem a incapacidade do capitalismo de 
lidar com os graves problemas sistêmicos que enfrentamos, mesmo assim são 
incapazes de imaginar mudanças drásticas, apostando apenas em reformar o 
sistema. Segundo Fisher, essa inação leva a uma profecia autorrealizável, assim 
como a uma deterioração da saúde mental. 
No Brasil, um país que ao longo das últimas décadas tem sido colonizado pelo 
sSoft power de Hollywood, o realismo capitalista tem sido especialmente 
eficiente em criar um espantalho comunista que é evocado sempre que a direita 
e a extrema direita querem abocanhar o poder. Em recente pesquisa, o 
Datafolha perguntou sobre o medo da população em relação a uma fantasiosa 
ameaça comunista após a próxima eleição. 44% dos entrevistados disseram que 
temem que isso aconteça, mas eu duvido muito que, antes de serem 
questionados sobre isso, uma parcela grande tenha tido alguma reflexão mais 
profunda a esse respeito. Curiosamente, o mesmo instituto não se deu ao 
trabalho de perguntar se a população brasileira teme que o Estado seja 
amplamente dominado pela milícia, uma realidade bem mais palpável. 
Capitalizando o anticapitalismo 
Ainda de acordo com Fisher, o realismo capitalista capturou tanto o pensamento 
da população que a ideia de anticapitalismo não atua mais como antítese do 
capitalismo. Em vez disso, é propagado como forma de reforçá-lo. E isso é feito 
por meio da cultura de massa, que visa fornecer um meio seguro de consumo 
de ideias anticapitalistas sem realmente desafiar o sistema. Pensei muito nisso 
quando soube que Leonardo di Caprio e Jennifer Lawrence arremataram juntos 
a incrível bolada de US$ 55 milhões (R$ 310 milhões). Para se ter uma ideia, 
isso corresponde a 73% do orçamento empregado na produção do filme 
descontados os salários das superestrelas. 
Muito provavelmente o filme arrebatará alguns Oscars. Na entrega da 
premiação, haverá discursos inflamados contra a emergência climática por parte 
de atores-diretores-produtores que chegarão de jatinhos particulares para o 
evento multimilionário. Nós compartilharemos seus discursos na esperança de 
que o andar de cima se sensibilize e promova mudanças. Enquanto isso, o 
sistema permanecerá intacto. E tal como agora na Bahia, tomada por enchentes, 
haverá algum fim do mundo ocorrendo em alguma parte do globo, fazendo 
vítimas sobretudo no Sul Global. Mas vamos estar entretidos demais na 
esperança de que o astro de Titanic com suas palavras bonitas consiga comover 
os bilionários e políticos das superpotências a reduzir drasticamente as 
emissões de carbono. Mas nem Di Caprio deve acreditar nisso. Senão, teria 
usado a bolada de 30 milhões que ganhou com o filme para investir numa fábrica 
de guilhotinas ou em movimentos revolucionários anticapitalistas né? Mas 
preferiu botar a grana numa nova mansão em Beverly Hills. 
Muitos provavelmente argumentarão que o filme é importante para uma tomada 
de consciência coletiva. Mas eu me pergunto se, depois de enfrentarmos na 
pandemia uma realidade tão ou mais dura que a apresentada no filme, 
negacionistas podem vir a mudar de ideia. Aliás, umas conversas em grupos 
bolsonaristas atestam que muitos inclusive estão gostando um bocado do filme 
pois sentem que seria o espelho de uma cultura antivacina que é negligenciada 
pela mídia mainstream. Veja você onde o delírio interpretativo chegou. 
Acho curiosa também a escolha pelo título do filme ter sido “não olhe para cima’’, 
uma vez que havia uma contra-narrativa popular que advogava “olhe para cima’’. 
Só por essa escolha já dava para antecipar que o lado negacionista sairia 
vencedor na disputa. 
Contra o fim do mundo 
Eu aqui, tentando humildemente compartilhar o pouco que tenho com as vítimas 
das chuvas na Bahia, arrisco dizer que a saída para o colapso definitivamente 
não virá de quem fecha os olhos para a realidade, nem de quem só olha para o 
andar de cima buscando salvadores. Talvez a saída seja olhar para o lado, 
buscando ser solidários com quem enfrenta os fins do mundo todos os dias. 
E quando eu olho para o lado, felizmente vejo gente como o Ailton Krenak, que 
ao longo dos últimos anos tem feito um esforço imenso para nos ajudar a 
imaginar novos mundos possíveis. Destaco abaixo, inclusive, um trecho de uma 
fala muito importante sua extraída do vídeo “Cartografias para adiar o fim do 
mundo” que merecia ter mais visibilidade do que esse filme besta. 
“Nós não podemos nos render a essa narrativa de fim de mundo. Essa narrativa 
é para nos fazer desistir de nossos sonhos. 
Existem muitas formas de olhar para o lado, seja doando dinheiro para os 
atingidos pelas chuvas na Bahia ou para alguma iniciativa que ajude a alimentar 
a metade da populacao brasileira atingida pela inseguranca alimentar. Mas uma 
forma mais contundente de enfrentar o colapso é doar tempo para se organizar 
de forma coletiva. Todo tempo doado para a organização coletiva é um tempo 
roubado do capitalismo. Pense nisso.

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