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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
AS REAÇÕES DA ELITE REGIONAL FRENTE À IMPLANTAÇÃO DO 
POSTO INDÍGENA NO SUL DA BAHIA: 
Contradição entre objetivos da classe dominante ou estratégias de dominação regional?
Artigo apresentado para avaliação parcial na disciplina “Elites Políticas”, ministrada pelo Prof. Dr. Paulo Fábio Dantas Neto.
Vitória da Conquista
2012
AS REAÇÕES DA ELITE REGIONAL FRENTE À IMPLANTAÇÃO DO
POSTO INDÍGENA NO SUL DA BAHIA: Contradição entre objetivos da classe dominante ou estratégias de dominação regional?
							Por: Kelly Silva Prado Andrade
	Esse artigo tem como objetivo principal tecer uma análise inicial acerca do impasse gerado pelas tentativas de medição da área onde estava localizado o Posto Indígena Caramurú – Paraguaçú. Em 1929 e depois em 1933, durante a primeira e a segunda tentativa de medição das terras que fariam parte da reserva destinada aos índios, conseguimos observar através de documentos um pouco da reação das elites locais frente a esses novos acontecimentos.
	Toda essa situação tem início em âmbito nacional com a constatação de uma “crise da agricultura pós-abolição”, pelo movimento do patronato rural chamado “Sociedade Nacional de Agricultura (SNA)”, que propõe a “implementação de certas metas que objetivavam a regeneração agrícola do Brasil.” (Lima, 1992, p. 133-154).
 Uma dessas metas era a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais -SPILTN- inicialmente fazendo parte do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), deixando a localização de trabalhadores nacionais em 1918. Ou seja, um órgão governamental que teve sua criação relacionada com a necessidade de mão-de- obra dos setores da agricultura exportadora. Os índios, nesse caso, seriam auxiliados apenas para que se tornassem sedentários, aprendessem o cultivo agrícola e assim pudessem servir de mão de obra para os grandes proprietários. (Lima, op. Cit. p. 156) 
Dessa forma, o Serviço de Proteção aos Índios e Trabalhadores Nacionais é instituído nacionalmente pelo Decreto nº 8072 de 20 de julho de 1910 e inaugurado em sete de setembro do mesmo ano.[footnoteRef:1] Em 1936, a partir do decreto 911 de 18/06/1936, o SPI passa a ser subordinado ao Ministério da Guerra. (Lima, op. Cit. p. 164, 165) [1: .Vale ressaltar que o SPI era hierarquicamente dividido da seguinte forma: Contava com uma Diretoria Geral, localizada no Rio de Janeiro, que era subdividida em três seções: de Estudo; de Administração; de Orientação e Assistência. Subordinadas à Diretoria e suas seções, existiam nove Inspetorias Regionais, que eram responsáveis pelos Postos Indígenas. Neste projeto, trataremos da Inspetoria 4, situada em Recife-PE, ao qual os Postos Indígenas Caramuru e Paraguassú eram subordinados. ] 
	Essa política nacionalista de Vargas, implementada entre o início dos anos 30 até os primeiros anos dos 40, tinha como objetivos promover a ocupação territorial a partir da “Marcha para o Oeste”, através da criação de incentivos à ocupação dos “sertões” brasileiros, proposta no final de 1937; nacionalizar” os grupos étnicos formados por imigrantes, bem como estimular o branqueamento racial, processo considerado pelos intelectuais da época como medida essencial à homogeneização de um determinado “tipo brasileiro”, de acordo com suas “crenças nos ideais eugênicos de regeneração nacional” [footnoteRef:2]. [2: Para mais esclarecimentos acerca das conceituações teóricas, sobretudo relacionadas à eugenia, antropometria e a outras tendências teóricas da época, ver: OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Tradição e Política: O pensamento de Almir de Andrade. OLIVEIRA, Lúcia Lippi, Et Ali. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1982 p. 31-45 (Política e Sociedade).] 
	Entre essas e outras medidas, também encontramos a “proteção aos índios”, responsabilidade atribuída ao Serviço de Proteção aos Índios, órgão governamental criado em 1910. Esse órgão passou por várias reformas durante o governo Vargas, que acentuou sua vocação integracionista das populações indígenas. Essa política deveria promover a “evolução” do “selvagem” indígena para o patamar mais “elevado” de cidadão brasileiro. Entretanto, nosso foco estará na análise das proposições político-administrativas formuladas por essa agência indigenista e em sua implementação dentro dos Postos Indígenas Caramurú- Paraguassú, que eram pontos de ação do SPI instalados na região sul do Estado da Bahia.
	Os Postos Indígenas Caramuru e Paraguaçu surgiram por força da Lei Estadual do Poder Executivo do Estado da Bahia nº 1916 de nove de agosto de 1926, e tiveram seus limites fixados pelo decreto do Poder Executivo deste estado em 9.3.1926. A área reservada inicialmente era de 50 léguas quadradas de “florestas gerais e catingas” sendo destinada á conservação das essências florestais e ao Gozo dos índios Tupinambá, Pataxó e outros ali habitantes. A medição inicial foi feita entre os anos 1926 a 1930. (Paraíso, 1976, p. 22) 
	Esses postos do SPI, localizados entre as cidades de Itajú da Colônia, Pau Brasil e Camacã, possuem grande número de documentos, resgatados por Maria Hilda Baqueiro Paraíso em 1976, que hoje estão arquivados no Museu do Índio no Rio de Janeiro, sendo que grande parte está disponibilizada em um banco de dados, na internet[footnoteRef:3]. [3: Os documentos estão disponíveis mediante rápida busca em: http://base2.museudoindio.gov.br/] 
	Para o desenvolvimento desse artigo, selecionamos alguns documentos onde a elite do Sul da Bahia organizava movimentos políticos para o fim da reserva: artigos em jornais da época, cartas trocadas entre alguns fazendeiros e o responsável pelo Posto Indígena artigos de jornais de 1929 e o Memorial de 1936, que coincidem com os dois períodos em que a área estava sendo demarcada, demonstrando o temor dos posseiros não-índios em perder a oportunidade de utilização desse território.
O que não ficava claro ao longo das pesquisas iniciais, era de que modo ou porquê um grupo representante da elite local não se conformava com as medidas tomadas pelo governo federal, a princípio também representantes das elites. Após imaginar o que levaria um grupo a se opor de tal maneira a uma política federal, imaginamos duas respostas possíveis: a)a primeira, a ideia de que os objetivos eram os mesmos, apenas se distanciavam em relação ao tempo de execução, já que o Governo Federal também objetivava a desocupação da área a ser utilizada pelos índios , mas dentro de um projeto a longo prazo, e os habitantes da região objetivavam a utilização imediata daquela área para a expansão das frentes agropecuárias locais; b) A segunda resposta possível é uma real divergência entre projetos de elite, uma quebra real em um projeto de classe unificado.
Foi essa ultima hipótese que nos fez questionar a premissa inicial de existência de uma única classe dominante, com um só objetivo, e a partir desse questionamento entendemos ser possível a análise deste conflito a partir da disciplina teoria das elites.
A princípio tínhamos em mente que a teoria das elites matinha um diálogo teórico imediato com a orientação marxista, qual não sendo nossa surpresa ao descobrir que os autores que deram início ao estudo das elites estavam sinceramente preocupados com as mudanças políticas em curso, relacionadas ao sufrágio universal e à consolidação da democracia, bem como com a crítica aos pressupostos marxistas. 
 Em Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, vemos que o poder político era algo exclusivo das elites, não por deterem poder econômico, mas por nascerem habilitados para o comando, o que eles justificavam a partir do entendimento de que as sociedades se dividiam em dois tipos de pessoas: os governantes e os governados. (Perissinoto, 2009, p. 11-94) 
Mosca entendia que os governantes, por fazerem parte de uma minoria, tinham mais capacidade de organização, ao contrário dos governados, que não tinham capacidade organizacional.Pareto, a partir do seu estudo sobre o equilíbrio das sociedades, demostra uma série de atitudes das elites, que podem levar ao sucesso ou ao fracasso dentro da atuação política. Também vale lembrar que a teoria das elites refuta a ideia de que o poder político deriva dos recursos econômicos, o que é uma crítica à base argumentativa marxista. 
A perspectiva de uma unicidade das elites de Mosca e Pareto não nos ajudava a pensar o objeto de pesquisa, bem como a teoria das elites vista sob a ótica de Michels, Dahl e Schumpeter também não nos ajudava na análise, pois mesmo que eles apontassem que os estratos dos mais diferentes grupos sociais não têm os mesmos interesses e nem têm unidade política, também entendemos que as análises feitas por esses autores limitam –se ás elites com acesso às instituições e ás instâncias deliberativas, o que definitivamente não era o nosso caso. 
Entretanto, a partir das leituras de Hirschman, compreendemos que, para a análise das elites, não era necessário que elas estivessem diretamente ligadas ao poder institucional. O autor tece sua análise das elites a partir de uma teoria sobre suas argumentações, onde descreve três tipos de argumentações: a) tese da perversidade: qualquer ação proposital para melhorar a ordem econômica, social ou política só serve pra exacerbar a situação que se deseja remediar; b) tese da futilidade: as tentativas de transformação social são infrutíferas. Quanto mais se modifica, menos se muda; c) tese da ameaça: o custo da reforma ou mudança é alto demais, pois coloca em perigo outra preciosa relação anterior. (Hirschman, 1995, p 11-56)
Após as leituras de Adriano Codato e Renato Perissinoto, percebemos a importância do estudo das interações políticas que não estão diretamente ligadas ao problema de reprodução social “a longo prazo”. Ainda segundo os autores, 
[...] Se as elites políticas não detém “poder político”, no sentido restrito (...), elas certamente possuem, em alguma medida (a ser determinada empiricamente), autoridade, força, prestígio, enfim, “influência política” capaz de produzir efeitos que valem a pena serem examinados. Aliás, não raro, como demonstram vários estudos (...), as opções feitas pelas elites políticas podem nos ajudar a entender a configuração e evolução de uma dada formação política, assim como os processos de conservação ou de desestabilização da ordem social.[...] (Codato e Perissinoto, 2009, p. 151)
Sendo assim, foi possível iniciar a análise da documentação, a partir da divisão em argumentos utilizados pelas elites. Iniciamos com a argumentação referente ao ano de 1933, onde mais de cinquenta posseiros assinam um memorial contra o funcionamento e medição da reserva do Posto Indígena. Esse memorial foi entregue por políticos locais ao Interventor Federal Juracy Magalhães, e esse o enviou diretamente para o ministro da Agricultura e Comércio, que solicitou explicações aos responsáveis pela Inspetoria Regional e pelo Posto Indígena, ao que eles prontamente atenderam refutando todas as argumentações e acusações contra o trabalho desenvolvido. 
O primeiro documento a ser analisado é um memorial escrito e assinado por proprietários e comerciantes de Itabuna e região, onde foram levantados doze argumentos que buscam atestar a ineficácia do Posto Indígena. A partir desses argumentos, o grupo solicita a extinção da área de reserva, ou a diminuição da sua área. 
Exmo. Sr Tenente Juracy Magalhães, D. D. 
Interventor Federal neste Estado:
A Comissão abaixo assignada, composta de negociantes e lavradores deste Município, zelando pelo engrandecimento e expansão desta zona, vem perante V. Exª. pedindo vênia, apresentar razões que determinam e provam a inefficiencia do funcionamento do “Posto Indígena Catharina Paraguassú”, situado neste Município: -
a. O “Posto indígena Catharina Paraguassú” tem uma área de cerca de 2058 kilometros quadrados, ocupando toda a zona SO deste município;
b. Esta zona ocupada fic situada na margem direita do Rio colônia, rio que é o único perene nas terras destinadas a criatório;
c. O Posto fica situado a 10 léguas desta Cidade e termina daqui a 17 léguas ficando a sua sede daqui a 15 leguas;
d. A área destinada ao Posto é a melhor para a pecuária, não só pelo clima, como pela natureza dos terrenos, pela altitute e mais ainda pela água corrente e permanente (rios Colônia e Água Preta);
e. Existiam antes do Dec. Que determinou a área destinada ao Posto, cujo doi datado de 9 de Março de 1926, mais de 300 posseiros, com plantações de capim, cereais, outras benfeitorias e criação de gado;
f. Esta área, pela sua grande extensão e pelas grandes vantagens que apresenta para a pecuária, cultivada, constitue uma grande frente de riqueza para o nosso município, consequentemente, melhores proventeos para o nosso Estado;
g. A área destinada ao Posto, por estar próxima da cidade e das diversas zonas habitadas, não tem mais índios a catechisar e a prova do que se affirma é de 1926 até a presente data, terem sido pegados apenas 29 índios, entre creanças mulheres e homens, conforme a escripturação do próprio Posto;
h. Existem, actualmente, no Posto, apenas 3 creanças índias;
i. Em tempo remotos existiram índios a catechisar naquela zona, porém com a grande entrada de habitantes nossos em procura de expansão da lavoura e da pecuária, os índios – os poucos existentes – foram se retirando e desaparecendo dalli, não havendo portanto, necessidade de despezas com um Posto indígena;
j. O Posto foi criado para o patrocínio dos índios e horto florestal. Sobre índios já está referido; sobre horto florestal nada tem que se possa dar este nome;
k. O Município de Itabuna tem a sua divisa com o Município de Ilhéus daqui a 2 kilometros e com o Município de Itambé daqui a 18 léguas; estando o posto situado daqui a 10 léguas o seu inicio e daqui a 17 léguas o seu término, claro está que toda a zona SO do Município de Itabuna, até as suas divisas com o Município de Canavieiras, está ocupada com o Posto Indigena, que não tendo a finalidade a que se destina, tem uma única finalidade – a de prejudicar o Município e seus habitantes;
l. Do anno de 1926 (data do Dec.) até a presente data – 6 annos – o Posto tem recebido do Governo quantias vultosas para sua installação e manutenção, entretanto, mal sabem todas as suas benfeitorias a cem contos de reis;
A Comissão sem querer prejudicar os nossos verdadeiros antecessores – os índios – lembra a conveniência de ser transportado o referido Posto, com o minguado número de índios catechisados para a zona das Cabeceiras do Rio do Ouro, afluente do Gongogy ou para a zona das Cabeceiras da outra vertente do Rio do Peixe, afluente do Rio de Contas, ambas desabitadas e destinadas para o mesmo fim por força do Dec. Já aludido.
	As alegações da comissão são de tal fundamentos, que um inquérito aberto para syndicar do Posto, dos índios catechisados, da sua lavoura, das suas benfeitorias, do ensino profissional e primário e das suas despesas, viria muito bem e muito a tempo para elucidar o facto ora denunciado.
	Pelo espirito recto de V. Ex.ª altamente ligado aos interesses da Bahia, principalmente aos do Sul do Estado, a Comissão espera que seja syndicado o facto, aberto inquérito e demais providências para a prova das alegações acima e, caso afirmativo, seja suspenso o Posto Indigena e entregue as suas terras ao povo trabalhador deste Município, como prêmio ao seu esforço já tão bem confirmado, pagando o que for de Lei. 
A Comissão espera
		Solução- 
Acompanha a cópia da Circular da Delegacia de Terras.
Itabuna, 13 de Janeiro de 1933.[footnoteRef:4] [4: Optamos por adicionar o texto na íntegra para facilitar o entendimento geral das questões levantadas pelo memorial. Grifos do autor. SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS ÍNDIOS. Memorial ao Interventor Federal da Bahia. Out. 1932. Mf. 301 - Fg. 300-320 (cópias do memorial: fg. 303-318)] 
A partir do texto transcrito acima, formulamos alguns conceitos gerais expostos pelos signatários, que demonstram de maneira inicial as posições mantidas por essa elite,as suas reivindicações e as acusações que faziam parte da estrutura argumentativa do memorial.
O primeiro conceito refere-se ao desenvolvimento local, que é colocado desde o primeiro parágrafo do texto como prioridade absoluta do grupo que se manifesta, e a partir desse desejo inconteste de progresso, eles se posicionam a favor da utilização dos recursos existentes na área para a franca expansão das atividades agropastoris, já que segundo eles, o território reservado é de excelente qualidade, o que para eles faz com que a utilização pelos indígenas seja questionável. Outro ponto de argumentação mencionado é o possível aumento de receitas do Governo do Estado com a futura exploração do território, e por fim, eles salientam a existência de mais de 300 posseiros na área antes mesmo da promulgação do Decreto, reforçando a ideia da necessidade de subsistência desses e de suas famílias. 
Também observamos que a comissão reivindica providências às autoridades superiores estaduais diretamente ligadas ao trabalho do Serviço de Proteção aos Índios. Esse contato é permeado por acusações de irregularidades administrativas e desvios financeiros, também divulgados na imprensa escrita da época, culminando na solicitação de sindicância por parte dos signatários. Essas denúncias também serviam como mais uma linha argumentativa para a solicitação de extinção do Posto Indígena, já que gerava grande desmoralização seus servidores e descrédito ao trabalho por eles desempenhado.
Outro fator complicador citado no memorial era a ausência de índios a serem “catequisados”. A expressão “catequisar” utilizada amplamente no decorrer do memorial é incorreta ao ser utilizada na descrição do trabalho a ser feito. Isso acontece por que o Serviço de Proteção aos Índios foi criado em um contexto de discussão política imediatamente posterior á proclamação da República, que segundo Júlio Gagliardi, exigia um distanciamento completo do Estado em relação às instituições religiosas. (Gagliardi, 1989, 169-190)
Dessa forma, o órgão é criado para definir o Estado como único responsável pelo gerenciamento dos povos indígenas, não cabendo essa utilização do termo para definição do trabalho a ser realizado. Também é possível imaginar que a expressão seja utilizada para definir o trato com os indígenas de um modo geral, não necessariamente referindo-se ao trabalho de cristianização. Entretanto, se é este o real sentido empregado, ele continua sendo problemático, pois não abarca em seu significado o trato com aqueles indígenas que já tinham contato com os não-brancos e que também estavam ali para serem “protegidos” pelo Serviço. 
Portanto, se entendemos que quando os signatários falavam sobre índios “a serem catechisados”, possivelmente eles se referiam apenas àqueles ainda sem contato nenhum com não-brancos, então torna-se possível imaginar que na conta que eles fizeram sobre os índios assistidos pelo Posto, não foram contabilizados aqueles que já tinham passado por algum processo de interação cultural. Se caso a contagem tenha sido feita dessa forma, a argumentação questionando o escasso contingente de índios é bastante discutível. 
Da mesma forma são apresentados pelos signatários de sugestões da redução do perímetro do Posto Indígena ou mudança da área a ser reservada, lembrando que as áreas sugeridas pela elite local para serem as novas áreas de reserva são na maioria das vezes extremamente castigadas pela seca, bem como são terrenos de trato difícil para a agricultura ou a pecuária, e também por que ficam perto apenas de rios temporários.
Outro conceito levantado destaca o não entendimento da lei, que diz claramente que as posses estabelecidas antes do decreto serão mantidas confronto com decisões políticas tomadas em âmbito federal. Encontramos indícios desses fatos, entre outros documentos, na carta redigida pelo juiz de paz da localidade de Ferradas, Graciliano Ricardo Lyrio em 1929, dirigida ao Capitão Vicente de Paula Vasconcellos, onde são expostos os motivos para não comparecer ao compromisso anteriormente assumido de guiar os servidores do Posto Indígena na expedição de reconhecimento do Rio Água Preta. Destacamos aqui os trechos mais importantes: 
[...] Deante do meu compromisso aprazado para hoje, cumpre-se o dever de cortesia, pedir-lhe desculpa. Depois da sahida de V.S. o Cel. Pedro Cardoso, estando com o Cel. Tertuliano Pinho, disse-lhe: que, deixava de effectuar a compra da fazenda de D. Romualda Lacerda, porque V. S. havia dito que ella não teria direito a mata nenhuma, que ia proceder o levantamento do Rio Água Preta do Colônia e a margem esquerda, desde a fóz a nascente ficaria pertencendo ao “Poligno”, isto é, ao “Posto Indígena Paraguassú” do qual V. S. é honrado e acatado chefe. Portanto, reformei o meu fraco e empobrecido intelecto que não devia seguir com V. S. para tal mister, o que V. S. sendo eu, assim também procederia, uma vez, quisesse primar pelo engrandecimento de um município que é o berço de seus filhos do Estado Natal de seu Pae. Os proprietário já estão providenciando perante os Ex.mos vereadores e o Dr. Prefeito deste Município conjunctamente a Associação Comercial desta cidade afim de restabelecer a tranquilidade, hora aflicta, nos habitantes e proprietários da zona do Rio Agua Preta do Colonia, motivo este, exclusivo de vossa desumana pretensão. V. S. bem sabe que, muitos anos teem aquellas propriedades, o decreto do Governo é de 1926 – mesmo assim é para uma área inculta nas florestas “entre os rios colônia e pardo” [...] (Serviço de Proteção aos Índios – Relatório Anual de 1929. Microfilme 182, fot. 1318-1319)
Os “proprietários” da região ainda espalharam folhetos com boatos de desapropriação das posses, amedrontando os posseiros da região citada, também publicaram artigos nos jornais locais, com acusações de irregularidades na administração do Posto Indígena e amedrontando a população, além de enviarem, por meio dos representantes políticos locais, uma carta ao Secretário de Agricultura do Estado, que respondeu com um pronunciamento do Diretor de Terras, Minas, Colonização e Imigração do Estado, Arthur de Sá Menezes, onde o diretor explica á população local que a lei em questão garante o direito á posse daqueles que ocupavam suas terras antes de 1926. (Ibdem. Microfilme 182, fot. 1320 -1343)
 Essa argumentação é questionada pelo Cap. Vicente Vasconcellos, onde ele explica a sua visão sobre o suposto mal entendido que orienta toda a ação inicial dos posseiros: 
[...] Deante das esgotantes e reiteradas explicações que já há mais de 2 annos vinhamos dando a esse senhor, (como a outros proprietários e posseiros de terras do perímetro que íamos acabar de fechar, particularmente aos posseiros do ribeirão Agua Preta) do intuito que tínhamos com os levantamentos que estávamos fazendo, acabou de firmar-se em nosso espirito, em vista dos termos tão inesperados quão desparatados de ambos os documentos acima, a convicção, já esboçada, de que o intuito daquelle ferrabrás, como o de outros com ele mancomunados, todos movidos por interesses inconfessáveis, era que não levássemos por deante aquelle levantamento. E, para isso, lançaram mão dos meios os mais variados, inclusive o de alarmarem, velhaca e maldosamente, os demais posseiros contra nós. O que lhes importava era, em summa, campo aberto para obterem antigas e optimas benfeitorias por quantias ínfimas. (...) para amedrontarem os obscuros posseiros e obrigarem-nos a baixar a sua mercadoria, os espertalhões anunciavam, a seu modo, os motivos da nossa excursão, e conscientes que dela resultaria o fracasso dos seus premeditados caxixes, a ella se oppunha pertinazmente [...] (Ibdem, Microfilme 182, fot. 1321)
	De acordo com a argumentação do Cap. Vicente Vasconcellos, em outro trecho do mesmo relatório, também existia a prática da colocação de novos posseiros, tanto para aumentar o número de reivindicações, como para posteriormente ser possível comprar as terras a preços módicos, tanto de posseiros novos e posseiros antigos, já que utilizavam-seda ideia fantasiosa de que todas as posses de todos os posseiros iriam ser tomadas pelo governo federal, o que, de acordo com o Cap. Vicente, era feito de má fé, pois eles tinham o conhecimento do conteúdo da lei. (Ibd., microfilme 182, fot. 1328-1329)
A partir de todas as argumentações levantadas acima, observamos claramente que as elites regionais estudadas tinham um objetivo claro, que era a imediata ocupação e utilização das terras reservadas. Para isso, inicialmente foi utilizada uma estratégia de questionamento sobre as posses antigas localizadas na área do Posto, mas não era claramente solicitada a extinção completa dos trabalhos. Posteriormente, a argumentação se solidifica, e propõe-se a extinção completa do Posto Indígena, ou então a transferência da reserva para um lugar menor.
Sendo assim, conseguimos definir as estratégias utilizadas por essa elite, as formas de reivindicação frente ao Governo do Estado e Governo Federal, sua interação com os demais grupos locais e com os indígenas. Outras questões de cunho teórico também já foram estabelecidas, como a tranquilidade para o uso da teoria das elites associada ao marxismo. De acordo com Codato e Perissinoto, o conceito de elite pode ajudar a operacionalizar empiricamente a análise classista da política, e seguindo essa premissa nós formulamos as análises nesse artigo. (Codato e Perissinoto, op. Cit. p. 149)
Entretanto, algumas perguntas ainda carecem de respostas, como por exemplo, até que ponto as estratégias das elites podem se vincular a uma base de classe? No caso em análise, encontramos um impasse de ordem representativa, onde parte da elite deseja uma solução a curto prazo, e a outra parte dessa elite que ocupa as posições de mando executa um projeto que não contempla os anseios locais. De acordo com os autores, 
[...] “Classe” só pode se constituir como um conceito analiticamente rentável se abandonarmos em definitivo a ideia de que ela age diretamente na política. Dito de outra forma, um uso adequado desse conceito parece exigir que se considere a classe como uma coletividade “representada” no campo político por uma “minoria politicamente ativa” [...]
	Esse trecho se aplica à análise em andamento, já que passamos a ter a clareza de que a elite regional estudada não necessariamente teria que estar em uma posição de comando para poder ser classificada como classe dominante. Também faz parte desta contestação o fato de que essa elite não estava diretamente ligada ao poder político, mas suas reivindicações foram plenamente atendidas, já a medição da área da reserva nunca foi efetuada, em nenhum momento da existência do Posto Indígena no sul da Bahia, que se estendeu até 1967. 
	Mesmo estudando os fatos, as movimentações políticas, pressões, reivindicações e os encaminhamentos históricos decorrentes dessas interações sociais, entendemos que não buscar um diálogo com as Ciências Sociais para esta análise seria como deixar uma grande lacuna teórica, e ao mesmo tempo estaríamos perdendo uma oportunidade interessante de análise sobre as questões de representação na relação elites-regionais/estado, que precisam ser pensadas ao mesmo tempo em que se pensa a relação povos indígenas/estado, sobretudo quando buscamos interpretar qual era o real papel interpretado pelo estado dentro desse campo político: o papel de verdadeiro “protetor” dos índios, o papel de defensor unilateral dos interesses das elites regionais e nacionais, ou ainda um singelo mediador entre os dois grupos, ora atendendo minimamente as necessidades de sobrevivência de um grupo, ora defendendo as ambições de expansão econômica desenfreada do outro. 
Referências Bibliográficas:
CODATO, Adriano. PERISSINOTO, Renato. Marxismo e Elitismo: Dois modelos antagônicos de análise social? IN: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol 24, nº71. São Paulo. 
GAGLIARDI José Mauro. 1989. O Indígena e a Republica. São Paulo, Hucitec: Edusp/ Secret. de Cultura.
HIRSCHMAN, Albert. (1995). A retórica da intransigência. S.Paulo:Cia Letras(11-17;43-56)
LIMA, Antônio Carlos de S. O Governo dos índios sob a gestão do SPI in XIX in CUNHA, Maria Manuela C. da. (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, FAPESP/ SMC, 1992. p.133-154
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Tradição e Política: O pensamento de Almir de Andrade. IN: OLIVEIRA, Lúcia Lippi, Et Ali. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1982 p. 31-45 (Política e Sociedade). 
PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. “Relatório Sobre a História e Situação da Reserva dos Postos Indigenas “ Caramuru e Catarina Paraguassu” Apresentado à Fundação Nacional do Indio.” Convênio FUNAI - UFBA, Salvador, 1976.
PERISSINOTTO, Renato. (2009). As elites políticas; questões de teoria e método. Curitiba: Ibpex (p.p.11-94)

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