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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ/UNIFESSPA INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRÓPICO ÚMIDO/ FACULDADE DE HISTÓRIA - FHT NATÁLIA FERREIRA MAIA “NÃO POSSO SER PARAENSE NESTA MISTURA ENLOUQUECIDA DE GENTE”: a Revista Expressão e a construção da identidade Carajás Xinguara-PA 2022 NATÁLIA FERREIRA MAIA “NÃO POSSO SER PARAENSE NESTA MISTURA ENLOUQUECIDA DE GENTE”: a Revista Expressão e a construção da identidade Carajás Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em História da Faculdade de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, como parte dos requisitos para obtenção do título de graduada em História. Orientador: Prof. Dr. Heraldo Márcio Galvão Júnior Xinguara-PA 2022 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Biblioteca do instituto de Estudos do Trópico Úmido M217n Maia, Natália Ferreira Não posso ser paraense nesta mistura enlouquecida de gente: a revista expressão e a construção da identidade Carajás / Natália Ferreira Maia. — 2022. 40 f. : il. color. Orientador(a): Heraldo Márcio Galvão Júnior Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Instituto de Estudos do Trópico Úmido, Faculdade de História, Curso de Licenciatura em História, Xinguara, 2022. 1. Plebiscito. 2. Terras - Divisões territoriais e administrativas - Amazônia. 3. Terras - Divisão e demarcação - Carajás, Estado de (PA). 4. Pará - Política e governo. 5. Identidade. I. Galvão Júnior, Heraldo Márcio, orient. II. Título. CDD: 22. ed.: 980.41 CDD: 22. ed.: 981.098115 Elaborado por Maria José Pereira da Silva – CRB-2/1707 NATÁLIA FERREIRA MAIA “NÃO POSSO SER PARAENSE NESTA MISTURA ENLOUQUECIDA DE GENTE”: a Revista Expressão e a construção da identidade Carajás Banca Examinadora: Prof. Dr. Heraldo Márcio Galvão Júnrio Orientador Profa. Dra. Anna Carolina Coelho Avaliador Prof. Dr. Bruno Silva Avaliador Data de aprovação: Xinguara-PA, de de 2022. Dedico esta monografia ao meu filho Calebe que tem sido minha maior fortaleza durante esse percurso de aprendizagem e a quem quero ser o melhor exemplo. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por me conceder essa oportunidade de cursar uma universidade e realizar o sonho dos meus pais. Ao meu orientador professor Heraldo Galvão por me incentivar a não desistir e por repassar tantos ensinamentos. Ao professor Bruno Silva por ter aceitado o convite de participar da banca e por sempre me fazer acreditar durantes as suas aulas que posso ser melhor. A professora Anna Coelho por ter aceitado o convite de participar da banca de defesa de monografia e por seus ensinamentos através das disciplinas ministradas durante o curso. A cada um dos professores do curso que me ensinaram a ver o mundo de outra forma. Aos meus pais por acreditarem na minha capacidade de realizar este sonho. Aos meus irmãos! A minha cunhada e colega de classe Ana Paula por mostrar através de seu exemplo que desistir nunca será a melhor escolha. Ao meu esposo por tamanha paciência. Enfim, agradeço ao meu filho Calebe, pois mesmo sendo tão pequeno tem me dado forças. RESUMO Esta monografia tem como objetivo central analisar quais foram os argumentos utilizados pela Revista Expressão para convencer o seu leitor sobre a divisão do estado do Pará. O periódico regional que lançou 24 edições durante os anos de 2005 a 2018 evidenciou em diversas publicações sobre a campanha pró Carajás. Nesse sentido, a maior preocupação deste trabalho será analisar as duas edições do ano de 2011, que posteriormente foi o ano da decisão do plebiscito. Início com um levantamento histórico da região sul do Pará, para em seguida buscar apontar quais foram as propostas de divisão do estado. Na sequência por meio da metodologia da história oral faço uso da entrevista realizada com Idelson Gomes, o próprio diretor e elaborador do periódico. Por fim, analisam-se as publicações das duas edições mencionadas, evidenciando como os discursos Separatistas foram colocados nas páginas do material impresso. Palavras-chave: Plebiscito; Revista Expressão; Identidade; Carajás. Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................ Error! Bookmark not defined. 1. Sul e Sudeste do Pará: projetos e divisões em periódicos ............................................................ 14 1.1. O Sul do Pará e os grandes projetos ......................................................................................... 14 1.2. As propostas de divisão do estado e o plebiscito ..................................................................... 18 1.3. História oral e memória ............................................................................................................ 21 1.4. Surgimento da Revista Expressão ............................................................................................. 24 2. A divisão do estado nas páginas da Revista Expressão ................................................................. 29 2.2. A divisão do estado em Revista ................................................................................................. 29 Considerações Finais ............................................................................................................................. 36 Fontes .................................................................................................................................................... 38 Referências Bibliográficas ..................................................................................................................... 38 10 INTRODUÇÃO O trabalho aqui apresentado teve sua iniciação a partir de indagações que surgiram ao final do 7º período de graduação do curso de História, quando tive acesso a uma revista que circulou regionalmente no estado do Pará entre os anos de 2005 a 2018. Refere-se a Revista Expressão, fundada por Idelson Gomes e seus colaboradores, assim como o comunicador de Parauapebas Laércio de Castro e Célio Decker. O material tinha como um dos maiores objetivos divulgar informações sobre os aspectos econômicos, políticos e eventuais da região sul e sudeste do Pará. Inicialmente as primeiras edições da revista Expressão foi publicada sob a responsabilidade da empresa Marca comunicação e Jornalismo, localizada na cidade de Redenção - Pará. Entretanto, a partir da 6ª edição, com exceção da 24ª edição, suas publicações estiveram a parte da Mídia Mix produções, jornalismo e marketing Ltda, fundada em 07 de novembro de 2007, sendo o próprio diretor-geral Idelson Gomes o proprietário da mesma. A princípio meu tema de pesquisa esteve voltado para outra abordagem, porém, devido à dificuldade em encontrar as fontes e ao covid-19 não foi possível realizar o trabalho proposto. Ao encontrar a referente fonte da qual estou trabalhando nesta monografia e que por conseguinte ainda não foi utilizada como objeto de estudo, surgiu o interesse para a área da história da moda. Somente com um aprofundamentoe análise das fontes é que esse interesse pela divisão do estado do Pará nas páginas da revista tornou-se mais convincente. Compreendendo que o Brasil foi palco de discussões em prol das divisões das unidades federativas e que por conseguinte alguns conseguiram alcançar seu objetivo, interessei em conhecer mais a fundo sobre o plebiscito que ocorreu em 2011 no estado Pará, buscando entender quais foram os argumentos utilizados em prol dessa divisão. Ao folhear as páginas do material foi possível perceber que o mesmo abordava diversos temas que evidentemente era de grandes interesses aos moradores da região, como, por exemplo, minérios, feiras agropecuária, economia, política, eventos regionais e dentre tantos outros. E por essa ótica encontramos o determinado tema da divisão do estado ao qual era bastante debatido. Em relação às fontes, essa busca não foi possível de ser realizada na cidade em que estou residindo, que é Xinguara, uma vez que o material não está mais em circulação e encontrar um pequeno número de edições, ainda que fosse por mãos de leitores, não seria suficiente. A partir disso, foi preciso a busca por essas fontes no município de Rio Maria, local em que a sede da revista esteve presente durante suas publicações. O primeiro contato com as fontes foi um desafio, pois havia o receio de não ser bem recebida. No entanto, o percurso tornou-se contrário a tais pensamentos, pois além, da recepção ter sido bem-sucedida, a entrevista realizada nesta 11 mesma data foi muito aprazível. Para a conclusão desta etapa foi preparado um roteiro para que não ocorresse imprevisto. Também foi importante essa elaboração do roteiro no sentido em que foram surgindo outras dúvidas no momento da conversa, dúvidas estas que me fizeram mudar a temática da pesquisa. A entrevista também foi de grande importância para a apuração de informações que não se encontram no material e nos levou também a considerar, neste estudo, à metodologia da história oral. A partir disso, foi preciso retornar ao local pelo menos mais duas vezes, afinal a quantidade de revistas a serem digitalizadas eram imensas e não seria possível de terminar no primeiro contato com as edições. Na segunda ida à cidade de Rio Maria, já foi possível ter um prazo maior com as digitalizações. Decidi sair no horário mais cedo possível e retornei apenas ao final da tarde do mesmo dia. Nessa oportunidade foi possível digitalizar pelo menos 5 edições, sendo que ainda fui presenteada com o número de 8 revistas. No último retorno consegui finalmente terminar todas as digitalizações que estavam disponíveis. Mesmo com um número extenso que totalizou em 19 revistas digitalizadas, não tive acesso a todas elas, afinal os números totais que se refere a 24 edições não se encontravam nem mesmo no local de sede. Isso dificultou um pouco a temática, pois, as impressões de 2010 não foram encontradas, e essas eram justamente as que necessitaria para fazer uma análise mais profunda a respeito das publicações de um ano antes do plebiscito da divisão do Estado do Pará. Nesse sentido a pesquisa foi realizada com duas edições do ano de 2011. Convém, ainda, apontar que esse tema não aparece apenas nos dois números escolhidos. Ao fazer a análise é fácil encontrar essa repercussão sobre a emancipação desde a primeira edição lançada ainda no ano de 2005, quando o tema ainda era especulado como verdadeiro ou falso. A escolha por apenas duas edições recorre ao fato de que estão mais próximas do momento em que a divisão do estado poderia ou não ser aprovada. Nesse sentido, utilizarei a Revista Expressão como a principal fonte e objeto de análise neste trabalho, tendo o cuidado de que os artigos utilizados não sejam “deslocados dos veículos e integrados, sem quaisquer mediações de análise, ao contexto macro da pesquisa.” 1 A Revista Expressão, periódico que circulou ao nível regional, se insere como peça central do projeto editorial de Idelson Gomes. Assim, sua maior intencionalidade nas publicações era defender os interesses de uma região, exposta na mídia nacional como um povo 1 CRUZ, Heloisa de Faria.; PEIXOTO, Maria do Rosário Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto História, São Paulo, n. 35. 2007. 12 que viveu apenas uma verdade dolorida e nunca tiveram a oportunidade de mostrar o lado produtivo e cultural da região. É válido mencionar que por essas intencionalidades que o leitor tem a oportunidade de verificar os argumentos colocados para mencionar os motivos para que a dita região tão desenvolvida com suas riquezas obtivesse maior autonomia através da divisão do Estado. Desse modo, diversos artigos eram evidenciados onde o principal público escolhido para debater sobre o devido tema nas páginas do periódico era sempre voltado para pessoas consideradas renomadas, como, por exemplo, advogado, universitário, governador e dentre outros que apontavam justificativas de que deviam separar o estado, pois além, de não se considerarem como parte de sua cultura afirmavam que não poderiam “ser paraense nesta mistura enlouquecida de gente.”2 Em vista disso, meu principal objeto de pesquisa neste estudo será o de analisar o projeto editorial de Idelson Gomes buscando identificar como a região sul e sudeste do Pará tem seu futuro idealizado na revista Expressão através da ideia de emancipação. Colocada por uma ótica de futuro promissor, tal projeto apresenta a sociedade, especialmente a população da região sul do Pará, um lugar que se tornaria melhor e mais atrativo através da aprovação do plebiscito que aprovaria a divisão do estado. Dessa forma, cabe fazer a seguinte indagação: quais os argumentos e discursos utilizados pela Revista Expressão para convencer seu leitor sobre a divisão do estado? Para esse propósito, faço esta análise em dois capítulos. Nessa perspectiva, farei uma breve apresentação de cada um deles. No primeiro capítulo intitulado "sul e sudeste do Pará: projetos e divisões em periódicos" faço uma abordagem da história regional evidenciando seus aspectos de formação da dita localidade. Percebendo que a mesma fora marcada por inúmeros projetos em prol de desenvolvimento, aponto os principais argumentos do discurso migratório. Na sequência apresento um tópico que aborda sobre as propostas de divisão do estado do Pará, e demonstro que essa ideia de separação da região não é recente, mas a população já solicitava a emancipação com os seus argumentos e discursos Separatistas. Assim esclareço como este tema já estava sendo fruto de debates nos materiais impressos. Buscando debater sobre os aspectos da fonte que utilizo neste trabalho, demonstro ainda neste mesmo capítulo uma entrevista realizada com o próprio diretor e elaborador da revista expressão demonstrando por meio da metodologia da história oral, informações que não se encontram no periódico. 2 Trechos da fala de Rivelino Zarpellon, advogado e presidente da OAB da cidade de Xinguara- Pa. 13 No segundo capítulo, ao qual é nomeado " A divisão do estado nas páginas da Revista Expressão “, destaco as análises dos argumentos e discursos Separatistas nas páginas da revista Expressão. 14 1. Sul e Sudeste do Pará: projetos e divisões em periódicos 1.1. O Sul do Pará e os grandes projetos Na primeira metade do século XIX, na região que abrange o sul e o sudeste do Pará, houve um processo de expansão pastoril vinda da Bahia, passando pelo maranhão e chegando aos rios Tocantins e Araguaia. Este processo ocorreu devido ao caráter agroexportador da colonização brasileira promovida por Portugal, pois devido à crescente demanda mundial do açúcar, os latifundiários ocuparam cada vezmais terras, forçando os criadores de gado a irem cada vez mais ao interior do país, chegando à região (VELHO, 1972). De maneira geral, este panorama ocorreu até a segunda metade do século XIX, quando a extração da borracha assumiu importante papel na realidade política e econômica da região, sendo responsável por certa interiorização do território, mas sem atingir com levas de imigrantes a região sul e sudeste do Pará, especialmente pelos rios Itacaiúnas e Tocantins. Segundo Edna Castro (2008) e Saint Claire Trindade Junior (2013), ocorreram dois processos de formação das cidades da Amazônia, gerando dois tipos de cidades diferentes, a saber, as “cidades da floresta” e as “cidades na floresta”. Segundo Trindade, as “cidades da floresta” eram mais comuns até a década de 1960, tendo pequeno porte e cuja vida dos moradores girava em torno do rio, ou seja, as pessoas possuíam fortes ligações com a dinâmica e com o ritmo da natureza ainda pouco explorada, da vida rural não moderna e basicamente ribeirinha. Já as “cidades na floresta” surgiram a partir de incentivos ou incrementos políticos e econômicos externos à região, fazendo com que a floresta não fosse integrada aos novos valores da realidade urbana e, inclusive, negada enquanto empecilho ao progresso econômico. O Geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, em Amazônia, Amazônias (2001), usa outros termos para definir estes dois tipos de cidades. O professor identifica, como Trindade Junior, dois padrões de cidades na Amazônia, o Rio-Várzea-Floresta, que predominou até a década de 1950 e organizou-se às margens dos rios, e o padrão Rodovia- Terra firme-Subsolo, que tem início com a implantação da rodovia Belém-Brasília, cuja característica principal é a organização social a partir da rodovia e com atividades voltadas essencialmente para pecuária, agricultura e mineração. O município de Rio Maria, cidade em que foi publicada a revista, tem sua origem relacionado com o município de Conceição do Araguaia ao qual teve seu processo de emancipação política criada pelo governador Alacid Nunes em 13 de maio de 1982. Seu surgimento está ligado aos diversos projetos de desenvolvimento implantados no período dos Governos militares, aos quais foi destinada a área conhecida como Amazônia Oriental. Neste 15 processo, entende-se que o contexto de emergência do plano do Governo brasileiro tornou-se matriz inseparável do processo de formação da região Sul e Sudeste do Pará, pois nele se constitui a chamada valorização da Amazônia. Na década de 1950 com a posse do presidente Getúlio Vargas foi reiniciada a discussão sobre o plano de valorização que buscava debater assuntos relacionados ao desenvolvimento da Amazônia, que culminou com a lei nº 1.806/1953 e seu derivado Plano de Valorização da Amazônia, cujos objetivos eram criar um “sistema de medidas, serviços, empreendimentos e obras” para incrementar o desenvolvimento da “produção extrativa e agrícola, pecuária, mineral, industrial e o das relações de troca, no sentido de melhores padrões sociais de vida e bem-estar econômico das populações da região e da expansão da riqueza do País3. Na concepção de Durães (2016), ocorreram grandes transformações nas estruturas fundiária, social e econômica a partir dessa década, especialmente pela criação da Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA), órgão que tinha a missão de planejar as ações de desenvolvimento para a região através de uma política de integração à nação, responsável por nove estados brasileiros e que começava a alterar a paisagem natural e as relações sociais devido à exploração da madeira, do minério e da criação de gado. As cidades que antes girava em torno dos rios, a partir de 1970 passam a girar em torno das rodovias. Segundo Trindade Junior, mudam-se para estes locais um contingente alto de pessoas ligadas a organismos e instituições responsáveis por implementar uma nova malha técnica, política, econômica e cultural na região juntamente com a força de trabalho móvel e polivalente, ocorrendo, por um lado, a acumulação e concentração de capital por alguns setores e, por outro, a precarização das relações de trabalho e a reprodução de espaços que acolhem populações pobres e sem qualificação profissional. Anthony Hall (1991) explica que este desenvolvimentismo keynesiano imposto pelo Estado à região fez crescer a quantidade de núcleos populacionais ao longo das rodovias e ferrovias, entretanto, os serviços básicos de infraestrutura, educação, saúde, crédito, extensão rural e outros prometidos aos colonos nos povoados planejados não foram implantados e as terras não eram suficientes para garantir a sobrevivências nas circunstâncias extremamente difíceis. Em outras particularidades muitos incentivos giravam em torno da região paraense fazendo o uso do discurso migratório, e a mídia foi um dos maiores recursos utilizados como meio de divulgação. Um dos exemplos mais significativos fora o projeto rodoviário, que em certo sentido contribuiu para a criação de rodovias como BR-230, também conhecida como 3 (BRASIL, LEI n°1.806, 1953, p.1) 16 rodovia Transamazônica e a rodovia Belém-Brasília. Evidentemente, esse fato acabou possibilitando significativamente um grande número de migrantes que vinham de diversos estados brasileiros para povoar a Amazônia Oriental. As promessas giravam em torno da reforma agrária, que de acordo com Pereira (2013) estas famílias seriam beneficiadas por lotes medindo 100 hectares cada um, além de serem beneficiados com apoio médico, salários mínimos, dois hectares de roças, créditos bancários, etc. Obviamente essa construção de tal projeto "contou com grande aparato midiático a fim de construir e solidificar a representação do projeto como ponto alto do governo e “redenção do povo nordestino” (Braga, p. 111). Entretanto, o direcionamento propiciado por tais promessas do governo tomou proporções muito diferenciadas da realidade: Neste caso, ressalta-se o fato de que este povo se deslocou de sua terra natal para terras alardeadas como lugar da “redenção do povo nordestino”, mas que apresentou como obstáculos condições climáticas completamente diferentes das conhecidas, isolamento social, infraestrutura precária, além de doenças desconhecidas e dificuldades na adaptação à região, fatores que somados à pouca assistência estatal contribuíram para a reduzida fixação dos “colonos” nos lotes, gerando grande mobilidade populacional dentro do território amazônico, além da pouca mobilidade social dos sujeitos envolvidos na condição de “colonos”. (BRAGA, 2014, p.9)" No entanto verifica-se que foi na década de 1960, especificamente no Sul do Pará que ocorreu uma forte presença de projetos agropecuários financiados por incentivos fiscais. Esse processo de empreendimentos acabou conferindo uma nova dinâmica de ocupação. Segundo Hébette o que se visualizava eram grandes empresas do país como bancos e supermercados que tornarem-se pecuaristas. Entre tais destacam-se Volkswagen, Bradesco, Bamerindus, Alô Brasil, Tecelagem Parahyba e dentre outras. Se por um lado o sul do Pará foi marcado pela forte presença dessas empresas, por outro lado também fora marcada por constantes disputas de terras, trabalho escravo, exploração e dentre outros elementos que foram suficientes para gerar constantes conflitos entre posseiros, proprietários rurais e povos indígenas. Em período de ditadura militar, extinguiu-se a SPVEA e foi publicado o decreto Decreto nº 3.641, de 5 de janeiro de 1966, para diminuir a improdutividade das terras brasileiras, com especial atenção para a Amazônia, deixando livre a venda das terras devolutas do Estado sem delimitação de área, o que gerou a expedição de diversos títulos falsos, gerando graves conflitos de terras. O primeiro Plano Quinquenal foi elaboradopara o intervalo entre os anos 1967 e 1971 e tinha como mote “segurança e colonização” a fim de preencher o “vazio 17 demográfico” para o “progresso” e como forma de evitar a formação de guerrilhas no interior. Estas questões estão vinculadas ao período pós Segunda Guerra Mundial e Revolução Cubana, atreladas aos objetivos do capital internacional, além de conter o crescimento dos movimentos revolucionários que se estendiam na América Latina e alcançavam o Brasil, como o exemplo da Guerrilha do Araguaia (HÉBETTE, 2004). Ao adentrar a década de 1970, a política de colonização a partir de pequenos agricultores, ou seja, de caráter social, dá lugar à tentativa de implantação de grandes empresas. Assim, em 1972 foi instituído o I Plano Nacional de Desenvolvimento para atingir os transportes, telecomunicações, expansão da indústria e para desmobilizar a luta pela reforma agrária. Associado a ele, é criado o Plano de Integração Nacional, cujo lema “integrar para não entregar” possibilitou a construção da Transamazônica e a colonização ao longo desta rodovia. Com a implantação do II Plano de desenvolvimento Nacional e com o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (1974-1979), estabelece-se em 1974 o POLAMAZÔNIA (Programa de polos agropecuários e agrominerais da Amazônia), cujas finalidades eram desenvolver e aumentar o aproveitamento das potencialidades agropecuárias, agroindustriais, florestais e minerais em diversas áreas da Amazônia (PEREIRA, 2015). Com o incentivo ao povoamento da região a partir de incentivos fiscais e propagandas – terras sem homens para homens sem terras -, criou-se uma reserva de mão de obra a serviço do latifúndio, cujas características da mescla entre nordestinos e indígenas gerou a fixação da identidade pela alteridade. Se, segundo Bertha Becker (2005), a maioria das migrações para o sul e sudeste do Pará ocorreram de maneira mais espontânea de 1950 e 1960, de maioria nordestinos, a partir de 1970, o estado passa a controlar mais intensamente as terras e é intensificada a apropriação privada, atraindo pequenos e médios produtores e investidores das regiões do centro-sul, isto é, aliança entre militares e empresários destas regiões. Esta concentração fundiária e fluxo migratório gerou o surgimento de novos núcleos urbanos, como Rio Maria (TAVARES, 2011). Em 1980 foi criado o Grupo Executivo das Terras do Araguaia- Tocantins (GETAT) com a finalidade de regularizar a posse das terras e intermediar conflitos, entretanto foi ampliada a concentração de terras pois, quando havia uma disputa de território entre fazendeiros e posseiros, o GETAT não permitia o desalojamento destes, oferecendo, em troca, títulos de terras em outra área do estado, mas sempre em maior extensão (SCHMINK, 2012). Entre finais da década de 1980 e início de 1990, houve a exploração da região e a expansão das madeireiras e de pecuaristas. Rio Maria seguiu este caminho. Inicialmente, a exploração da região ocorreu por diversas madeireiras, cujos resquícios ainda se encontram na 18 memória urbana, como os nomes de ruas e monumentos. Após esta fase, a mineração e, depois, a agropecuária foi a atividade econômica que mais avançou até os dias atuais, havendo diversos conflitos de terras entre donos, empregados e movimentos sociais. Desta forma, a região é compreendida como zona de conflitos entre burguesia industrial, comerciantes, oligarquia agroexportadora, posseiros, indígenas, camponeses, sem-terra, sindicalistas, ribeirinhos, guseiros, carvoeiros, política militar e civil, jagunços, milícias (IANNI, 1978; ATAÍDE JÚNIOR, 2006; FIGUEIRA, 1986, 2004). A partir dessas considerações compreende-se que com a abertura de rodovias e com a instalação de projetos madeireiros, minerais e agropecuários que determinadas vilas e povoados surgiram em torno das rodovias. 1.2. As propostas de divisão do estado e o plebiscito Em 2011 foi realizado no Pará um plebiscito para a criação dos estados Carajás e tapajós, sendo que o primeiro se localizaria no Sul e Sudeste do Pará e o segundo no Oeste deste mesmo estado. No dia 11 de dezembro deste mesmo ano os eleitores foram as urnas para responder a duas perguntas "Você é a favor da divisão do estado do Pará para a criação do estado de Carajás?" e "Você é a favor da divisão do estado do Pará para a criação do estado do Tapajós?". 4 De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram registrados 3.601.849 (74,29%) votos e 1.246.646 (25,71%) abstenções. O resultado foi contrário ao surgimento dos estados. Foram 2.363.561 (66,6%) que não quiseram a criação do Estado de Carajás, contra 1.185.546 (33,4%), favorável. Para o Estado de Tapajós: 2.344.654 (66,8%) votaram pela manutenção da atual configuração do Estado do Pará, enquanto 1.203.574 (33,92%) elegeram a criação do Tapajós. (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, s.d.). Entretanto, a ideia de separação da região Sul do estado não é tão recente assim, portanto um rápido retrocesso é necessário. Em 1908, comerciantes e políticos de Marabá e região se uniram para reivindicar melhorias devido ao dito isolamento geográfico, falta de estrutura urbana e descaso do governo estadual. Devido ao alto número de pessoas advindas do estado do Goiás, houve a solicitação a este estado para que houvesse a anexação do sul e do sudeste paraense ou então auxílio político e militar para que fosse constituído um novo Estado entre o Pará e o Goiás, com capital em Marabá. O Pará Segundo maior Estado brasileiro em extensão territorial localizado na região norte do Brasil também foi palco de discussões sobre a possível divisão na década de 1980 4 https://g1.globo.com/politica/noticia/2011/12/em-plebiscito-eleitores-do-para-rejeitam-divisao-do-estado.html 19 quando fomentavam a respeito da formação de novas unidades federativas no Brasil: a criação dos Estados do Mato Grosso do Sul e do Tocantins. Assim surgia na região norte a possibilidade de criação do estado Tapajós com sede na cidade Santarém e Carajás com possível capital localizada na cidade de Marabá. Os motivos para a emancipação dos novos estados se diferiam. O Carajás, anseia pela emancipação desde o início dos anos 90, quando a região começava a se desenvolver a partir da agricultura e pecuária, além do minério extraído na Serra de Carajás. Estes empreendimentos econômicos formaram uma nascente elite regional, liderada fortemente por grupos não paraenses, sem ligações históricas e culturais com Belém. O processo de luta pela emancipação de Tapajós possui raízes históricas, de característica secular. (Cardoso; Oliveira; Silva; Pizzio, 2013 p.234) Em vista disto, as duas regiões também se diferiam no que diz aos discursos utilizados: Em tese, nos discursos pró-Tapajós, a região Oeste do Pará é vista como uma região subdesenvolvida e a espera de um processo de emancipação que garanta a existência de um Estado que proporcione o progresso da região por meio das potencialidades locais, promovendo a interligação por meio de rodovias e o aproveitamento hídrico com fins energéticos. Por outro lado, a região do Sul e Sudeste paraense é apresentada como exemplo de promissão, dinâmica, possuidora de riquezas minerais, recursos hídricos e energéticos, bem como área de expansão da fronteira agrícola brasileira. Neste caso, o Estado gerenciaria as riquezas locais promovendo um maior desenvolvimento da região produtora e expansionista. Nestes termos, o Tapajós estaria à espera da estruturação com vistas ao desenvolvimento e o Carajás já possuiria as condições de desenvolvimento, apenas faltando um gerenciamento local das potencialidades e recursos para promoção do progresso e saneamento dos problemas deste mesmo espaço. (BARROS; SANTOS. 2018. p.693) No entanto, é importante frisar que as propostas de emancipação são históricas no território brasileiro.No caso da Amazônia, deve-se lembrar dos processos de redivisão do território amazônico ocorrido no século XX, como foi o caso da criação do Território Federal do Acre, em 1902, além dos Territórios do Guaporé (Rondônia), Amapá e Rio Branco (Roraima), todos em 1943, tendo por fim o caso do Tocantins, em 1988.( BARROS; SANTOS. 2018. p.683). A imprensa foi veículo importante para a disseminação e defesas de prós e contra a proposta de divisão do território. Barros e Santos (2018) analisaram estas questões em dois jornais importantes do estado do Pará, O Liberal e o Diário do Pará. Percebe-se que a proposta de criação do Estado do Carajás gerou apoio, dissidências e descontentamentos entre os grupos da mesma região a partir da formalização encaminhada ao Congresso Nacional por meio do Projeto de Decreto Legislativo no ano de 1989 pelo então Deputado Federal Asdrúbal Bentes. 20 Nas páginas dos referidos jornais, os autores apresentam discursos de prefeitos e de empresários encontrados em suas páginas. Um dos pontos a serem considerados são os discursos, proferidos por meio do prefeito de Parauapebas e Presidente da Associação dos Municípios do Araguaia-Tocantins (AMAT), Faisal Salmen, de empresários do Sul do Pará que definiam a proposta de divisão do Estado enquanto eminentemente política, ou seja, que o empresariado das regiões afetadas não havia sido consultado sobre o separatismo. Dois eventos foram fundamentais para a sua inserção nas discussões, o II Seminário da AMAT e o I Encontro Integrado dos Empresários do Sul do Pará, eventos nos quais a proposta separatista foi defendida com mais afinco e encaminhada para a Câmara dos Deputados e posterior Plebiscito. Em Marabá, vereadores, parlamentares e autoridades políticas ligadas ao separatismo reuniram-se para discutir os termos ideias da separação, construção de símbolos, de emblemas, de bandeiras, delimitação de limites, entre outras questões que podem ser observadas na foto a seguir, resgatada por Barros e Santos (2018): I Seminário dos Vereadores do Sul do Pará, ocorrido entre 06 a 11 de março de 1989, na cidade de Marabá - PA. 21 de março de 1989, p. 5. Jornal O Liberal, Belém – PA. A proposta protocolada, porém vencida, propunha a criação do Estado do Carajás a partir da união dos seguintes municípios: Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Conceição do Araguaia, Curionópolis, Dom Elizeu, Itupiranga, Jacundá, Marabá, Ourilândia do Norte, Pacajá, Parauapebas, Redenção, Rio Maria, Rondon do Pará, Santana do Araguaia, Santa Maria das Barreiras, São Felix do Xingu, São Geraldo do Araguaia, São João do Araguaia, Tucumã, Tucuruí e Xinguara. Em suma, o movimento pela separação da região 21 justificava suas ações a partir da possibilidade de maior desenvolvimento regional, autonomia para gerir seus recursos e ampliação da infraestrutura. Como pode-se perceber, o cunho político de vereadores e prefeitos locais das cidades do Sul e do Sudeste paraense encaminhava-se em sua maioria para a divisão do estado enquanto opiniões de empresários e população se dividiam e, por vezes, buscavam desenvolver a região sem, necessariamente, dividir o Estado. Ao embate entre as forças políticas e econômicas locais soma-se os artigos publicado n’O Liberal e no Diário do Pará que contribuíram para desmobilizar o movimento a partir de críticas à Formação do Estado do Carajás. Os estudos de Barros e Santos são importantes por iniciar este debate a partir da reconhecida grande imprensa, isto é, jornais de grande circulação que, por vezes, carregavam os ideais e as ideias presentes na capital paraense. Entretanto, é importante refletir de que maneira a imprensa local tratou deste assunto e, para isto, a Revista Expressão, com sede em Rio Maria, é uma fonte importante que revela novas argumentações pró-Carajás. É preciso, portanto, historicizar sua formação, que foi possível apenas a partir da entrevista feita com seu primeiro dono e discussões sobre história oral e memória. 1.3. História oral e memória Para compreendermos melhor o surgimento da Revista Expressão e relacioná-la ao contexto de discussões sobre a divisão do estado do Pará, sentimos a necessidade de fazer uma entrevista com seu fundador, pois não há estudos científicos que tenham estudado a revista toda enquanto objeto de pesquisa nem que tenham tratado deste tema. Antes, porém, foi feita uma revisão bibliográfica profunda sobre o desenvolvimento da região e preparado um roteiro que serviu apenas de base para manter a linearidade e o foco da pesquisa e não como um jogo de perguntas e respostas. Optou-se por promover um bate papo descontraído com o objetivo de deixar o entrevistado à vontade para resgatar suas lembranças e anedotas, fazendo o possível para que não se formasse um clima formal que pudesse trazer desconfiança e rigidez nas respostas, pois um dos objetivos é encontrar “respostas” nas entrelinhas, vislumbrar acontecimentos e fulcros de representação. Elizeu Souza (2006), nas pegadas de Pineau (1999), categoriza epistemologicamente algumas diferenciações acerca da pesquisa biográfica5 que, segundo o autor, refletem a autocompreensão de quem somos, das aprendizagens que edificamos durante nossa vida, “das nossas experiências e de um processo de conhecimento de si e dos significados que atribuímos 5 O autor elenca quatro categorias diferentes: a biografia, a autobiografia, os relatos orais e as histórias de vida. 22 aos diferentes fenômenos que mobilizam e tecem a nossa vida intelectual” (SOUZA, 2006, p. 130). O método narrativo ou autobiográfico da vertente suíça de Genebra, em cujos expoentes pode-se selecionar Marie-Christine Josso (2006) e Gaston Pineau (2006), oferece-nos a possibilidade de dar voz a atores sociais diversos, tendo em vista que seus depoimentos nos possibilitam analisar outras informações que não as versões oficiais de nossa história sócio- cultural. Segundo tais autores, seria fundamental a utilização de um posicionamento multiteórico frente aos relatos, gerando uma forma mais abrangente de análise, já que são ampliadas as possibilidades interpretativas frente a diversas teorias, não se fechando, consequentemente, a apenas um posicionamento teórico. Bourdieu chama a atenção para os perigos da ilusão biográfica defendendo a utilização do conceito de trajetória pois, dessa maneira, evita-se que o sujeito seja deslocado de seu espaço social, construindo o “conjunto de relações objetivas que uniram o agente considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço” (BOURDIEU, 1996, p. 190). Assim, reflexões sobre memória são importantes pontos teóricos deste trabalho, afinal ela carrega sentimentos de identidades construídas e mutáveis, são permeadas de influências, negociações e transformações, além de servirem como instrumentos e objetos de poder recuperadas conforme as demandas do presente6. Por se tratar de uma fonte memorialística, deve-se deixar claro a diferenciação entre história e memória que, segundo Nora, não são sinônimos, pois: A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e (..) está em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e do esquecimento (...) A História reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta,e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no conreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo (...) A memória é sempre suspeita para a história, cuja verdadeira missão é destruí-la e a repelir. A história é legitimação do passado vivido. No horizonte das sociedades de história, nos limites de um mundo completamente historicizado, haveria a dessacralização última e definitiva (NORA, 1993, p. 09). 6 (FERREIRA; FRANCO, 2019) 23 As memórias relatadas pelo fundador da revista são, portanto, portadoras de sentimento de identidade coletivo, no caso a defesa do desenvolvimento da região sul do estado do Pará, o que o faz, enquanto relata, “historiador de si mesmo”. Dos elementos constitutivos da memória, Michel Pollack (1992) ressalta três: os acontecimentos vividos pessoalmente ou indiretamente – pelo grupo ou pela coletividade a qual a pessoa se sente pertencente, podendo ocorrer um fenômeno de projeção ou de identificação com o passado, “tão forte que podemos falar de uma memória quase herdada” (POLLAK, 1992, p. 201) –; as pessoas e os personagens, também encontrados direta ou indiretamente, nos mesmos moldes que os acontecimentos; e os lugares da memória – ligados a uma lembrança, podendo ou não ter apoio no tempo cronológico. “Esses três podem dizer respeito a acontecimentos, personagens e lugares reais, empiricamente fundados em fatos concretos. Mas pode se tratar também de projeções de outros eventos” (idem, p. 202). Le Goff, ao se inserir na discussão, afirma que a memória está relacionada ao poder e ao esquecimento, ficando claro um processo de escolha e deleção.7 O dito e o não dito nos importa nas análises. Devido à necessidade de se trabalhar com a memória do fundador da revista, a metodologia da História Oral foi necessária, pois houve a necessidade de se construir percursos e observar processos que geraram o interesse de lançamento do novo e inovador periódico da região, demonstrando mais uma vez como a memória é um trabalho do presente. Segundo Norberto Guarinello8, a história oral alicerça-se em objetos em movimento, isto é, em memórias vivas que o historiador busca. Ora, o fato de o pesquisador produzir suas próprias fontes o coloca no presente da pesquisa, o que gera atenções redobradas no lidar com tais fontes. Enquanto metodologia, a história oral estabelece e ordena procedimentos de trabalho (entrevistas, transcrição, depoimentos, vantagens, desvantagens) que funcionam como ponte entre a teoria e a prática, mas quanto à especificidade teórica, ela é capaz de levantar problemas e não oferecer respostas9. Mesmo tendo como fonte importante da pesquisa o relato oral, este se apresenta essencialmente para compreender as intenções iniciais dos fundadores com o periódico, dar indícios sobre a quais grupos sociais eles faziam parte e se relacionavam, vendagem, distribuição, entre outras questões que não aparecem em outras fontes nem em monografias, 7 LE GOFF. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990 8 GUARINELLO, Norberto. Breve arqueologia da história oral in: Revista História Oral, 1998, v.1 9 FERREIRA, Marieta & AMADO, Janaína (Org). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. XVI (introdução). 24 dissertações ou teses. Neste sentido, Alessandro Portelli10 afirma que a história oral é compreendida como uma ferramenta adicional ao arcabouço de fontes do historiador, portanto sujeita ao mesmo escrutínio crítico que todas as outras fontes (confiabilidade e usabilidade). O autor ainda distingue “tradição oral”, narrativas formalizadas, transmitidas e compartilhadas, de “fonte oral”: “narrativas individuais, informais, dialógicas, criadas no encontro entre historiador e narrador” (p. 09). Considerando a história oral como a “arte da escuta”, Portelli coloca-a como arte permeada de um conjunto de relações: 1. A relação entre entrevistados e entrevistadores (diálogo). 2. A relação entre o tempo em que o diálogo acontece e o tempo histórico discutido na entrevista (memória); 3. A relação entre a esfera pública e a privada, entre autobiografia e história – entre, digamos, a História e as histórias. 4. A relação entre a oralidade da fonte e a escrita do historiador. (p. 12) 1.4. Surgimento da Revista Expressão A entrevista foi realizada com Idelson Gomes no dia 05 de julho de 2021 no município de Rio Maria, Pará. De início, Gomes informa que trabalhou muitos anos em jornais semanais locais, impressos, cujo objetivo era apresentar as “notícias impactantes” e as “pautas quentes” que envolviam necessariamente acontecimentos permeados de violência e de acontecimentos políticos que muitas vezes se mesclavam. A estes assuntos, somavam-se notícias policiais, pois considera que eram estes os temas que mais interessavam e que faziam vender o jornal na época: “as pessoas sempre reclamavam que quando você pegava um jornal se você torcesse saia sangue, era um ditado popular na época”. Visando alterar esta realidade, ele e sua equipe pensaram em fundar uma revista que trouxesse “uma linguagem diferente, uma abordagem mais voltada para mostrar a economia, pra mostrar essa carência do sul do Pará da nossa região sul do Pará que era uma região muito bombardeada por notícias negativas em nível de Brasil...para você ter uma noção é...até pouco tempo se você colocasse no Google é Xinguara, Rio Maria, Tucumã, Sul do Pará, as principais informações que apareceriam eram informações ligadas à violência né, violência do campo” 10PORTELLI, Alessandro. Lo que hace diferente a la história oral. In: SCHWARZSTEIN, Dora (Comp.). La história oral. Buenos Aires: CEAL, 1991. 25 Desta forma, segundo ele, surgiu a Revista Expressão com a sua primeira publicação em dezembro de 2005 e cujo objetivo principal era tratar da realidade da região sul do estado paraense. Seu discurso sugere que a escolha da região está ligada às intenções de delimitar geográfica e politicamente seu espaço haja vista que não escolheu nem uma cidade específica nem o estado todo para noticiar e construir narrativas, mas um dos lados em discussão para a construção do Estado do Carajás: (..) a revista expressão ela teve a sua primeira publicação em dezembro de 2005. É, nós partimos da ideia de que a região sul do Pará precisava de um veículo de comunicação que mostrasse os aspectos positivos da região, é... riquezas, é... economia, cultura, agropecuária, mineração e mostrar esse ponto positivo do sul do Pará. Fica claro, pela passagem, que o fundador da revista identifica a necessidade de diferenciar o sul do Pará do restante do Estado ao mesmo tempo em que procura desvincular a imagem da “terra de ninguém” ou da “terra sem lei”, pois considera como aspectos positivos regionais as riquezas provenientes da agropecuária, da mineração e toda a cultura que as permeia. Deixa claro no relato que nunca pensou em “tapar o Sol com a peneira” do que acontecia na região, mas que desejava mostrar uma outra realidade, que a “imprensa no cotidiano normal não queria mostrar” por se acreditar que não seria um bom investimento e não atrair muita audiência. Isto fica claro analisando rapidamente todas as capas dos 24 números da revista, em que aparecem com grande frequência questões relacionadasao minério, à pecuária, aos pioneiros da região e às propostas de divisão territorial: “enfim, é... nós sempre acompanhamos o que estava em pauta no momento e buscávamos explorar a fundo aquele determinado assunto”, o que incluía “histórias de pessoas humildes”. O lançamento da revista ocorreu em um coquetel que contou com a presença de deputados, de vários prefeitos da região e “classe política empresarial (que) abraçou a revista”. Foi impressa em Goiânia por 14 anos, editada pela Mídia Mix produções Jornalismo e Marketing Ltda, englobou cerca de 25 municípios da região sul e sudeste do Pará, era impressa em Offset, com papel couchê, de gramatura adequada com a estamparia em rockmelt, cola rockmelt e “essas tecnologias gráficas que nós precisávamos para justamente mostrar que a nossa proposta era séria né, que nós queríamos que a revista fosse vista né vamos”. Com o objetivo explícito de fazer uma propaganda do sul do Pará, os exemplares eram distribuídos pelos municípios da região e vendidos a R$10,00 inicialmente. Havia uma equipe 26 de venda “que percorria o sul do Pará inteiro” de porta em porta e procurando locais para funcionarem como pontos de venda. Segundo Gomes, a revista chegou a possuir mais de 200 pontos de venda em todo Sul do Pará, englobando o entorno de Marabá, de Pacajá, a região do Araguaia – como São José do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Piçarra –, a região da PA 279 até São Félix do Xingu, a região de Redenção com Cumarú, Santana Santa Maria, região de Rio Maria, Banak e Floresta do Araguaia. Em 2005, a revista vendia em torno de 5.000 exemplares; em 2009 chegou a 10.000. Há uma curiosidade na fala do entrevistado. Ele informou que o auge da Revista Expressão ocorreu em meados de 2010, 2011, 2012 e 2013, que era vendida em todas as bancas da região e que a vendagem nestas bancas superava às das revistas de circulação nacional, como a Veja e a Isto é: aí você me diz ‘poxa como é que você diz que você ta vendendo mais expressão do que veja’. Bom, isso é muito claro e óbvio né, se você chega numa banca e tem lá uma notícia da tua região você quer ver, você quer saber né. Então nós tivemos essa satisfação de vender efetivamente mais revista do que todas as revistas nacionais aqui no sul do Pará, eu tenho a dizer que até que eu acho que ninguém vendeu mais revista do que nós Acerca dos locais para os quais eram enviados mais exemplares, cita Tucumã, São Félix do Xingu, Canaã dos Carajás, Marabá e Xinguara, com destaque especial para a última que, segundo ele, era a que mais consumia: até hoje faço esse tipo de comentário em dizer que Xinguara tem uma elite Empresarial e comercial de mente muito aberta, muito aberta pra novidades. Buscam sempre inovar. Eu sempre comento isso por aí, tem muitas cidades aqui de pioneiros aqui da região sul do Pará, mas Xinguara é uma cidade de pioneiros, onde eles têm a maioria ali...eles têm...eles querem inovar, querem saber das coisas, apoiam boas iniciativas. Então, sou muito grato a Xinguara pelo apoio que tem dado a revista expressão. Hoje mesmo eu tive lá com o meu oftamologista Doutor Wilton Borges que foi um dos anunciantes é é... durante todas essas edições da revista, nesses 10 anos eu acho que ele sempre esteve com a gente e ele cobrando "olha quando é que a revista volta e tal", ele já tava querendo que a revista voltasse né, mas assim, teve certas dificuldades e a revista deu uma freada. É notável, nas páginas da revista, que atenção especial foi dada várias vezes à Xinguara. Conceituada como a "capital do boi gordo" a cidade de Xinguara ganhou tal referência por possuir grande rebanho de gado. Essa identidade é colocada tanto por moradores do próprio 27 local quanto por materiais que foram divulgados na região. Colocando-se na condição de instrumento propagador dessas ideias, um exemplar foi dedicado especialmente para retratar sobre a cidade de Xinguara. Com sua 20 º edição, divulgada no ano de 2014 esse periódico já demonstra em sua capa a entrada de tal cidade conceituada como "a capital do boi gordo." Em uma de suas matérias encontra-se a seguinte referência: O segredo do sucesso: como Xinguara se tornou a capital do boi gordo e hoje vive a expansão urbana. A descrição desse artigo que se encontra na página 33 desta edição, evidencia a parte econômica da cidade destacando que a mesma se torna a capital do gordo mediante o sucesso do agronegócio. A descrição segue refletindo sobre um futuro magnifico para a cidade nessa mesma linha de trajetória. Em algumas páginas anteriores essa identificação e sustentada com uma divulgação de autoria de Ildenê Carvalho ao qual descreve a história de Roque Quagliato considerado como um dos pioneiros da pecuária de Xinguara: Xinguara é conhecida como a Capital do Boi Gordo, uma personalidade importante do agronegócio fortalece a cidade a ostentar este título. Roque Quagliato, paulista, ele veio para a cidade quando era apenas uma pequena vila, no ano de 1973. Antes de chegar a Xinguara, Roque Quagliato, se dedicava a usina de cana em Ourinhos, no interior de São Paulo. (REVISTA EXPRESSÃO, p. 30, 2014). A matéria conta sua história destacando como o mesmo chegou ao município e mudou sua trajetória de usineiro para pecuarista. Essa informação também é levada a considera-lo como o grande responsável da transformação da terra que antes era desconhecida em uns maiores complexos da pecuária. Mediante seus investimentos na alta tecnologia ele passou a ser considerado como o maior produtor de nelore do país. Em síntese, essas colaborações foram suficientes para o aumento da produtividade bovina. Mediante essas colocações que se encontram nos artigos da 20º edição da Revista Expressão, verifica-se que este material mesmo sendo voltado para objetivos que se qualificam como propagador de informações regionais, também está fortemente ligado a interesses dominantes. Demarcando essa identidade da cidade de Xinguara como a capital do boi gordo, também é possível verificar que a elite dominante como empresários e fazendeiros são fortemente destacados nas páginas que sustentam essa identidade da cidade aos qual colocam os mesmos como principais responsáveis por esse crescimento e essa conceituação da cidade. Sobre essa considerações o autor Diogo Silva aponta que a cidade nem ao menos deveria ser considerada como a "capital do gordo”, visto que mesmo sendo detentor de um rebanho bovino, ainda assim estaria longe de alcançar o total de número de rebanho de alguns municípios como é o caso de São Félix do Xingu, considerado como o maior detentor de rebanho no Brasil. Além 28 disso, ele também que: Xinguara como a “Capital do Boi Gordo” serve apenas como forma de mostrar o poder da elite local dominante e essa por sua vez é concentradora da riqueza local e além do poder econômico é detentora e influenciadora do poder político. Em relação ao público alvo, o entrevistado afirma que era voltada para o público adulto e que os maiores compradores eram os empresários, os comerciantes e os políticos, que estavam desejosos de saber sobre as novidades da região, mas que eram encontradas em diversas localidades, como salões de beleza e quartos de hotéis. Prossegue contando uma “curiosidade”: Quando você chegava numa recepção de hotel, você chegava numa recepção de uma clínica, você podia encontrar uma revista Expressão, mas ela durava bem pouco porque as pessoas levavam pra casa né, levava pra casa pra poder tirar informações e, enfim bem diferente das revistas que ficavam lá, ali no porta revista das recepções, a revista expressão não ficavam que as pessoas queriam levar para casa né, então ao mesmo tempo que você podia encontrar numa dessas recepções, você também podia não encontrar, o que era um pouco difícil porque todo mundo queria levar pra casa né. 29 2.A divisão do estado nas páginas da Revista Expressão 2.1. A divisão do estado em Revista Os debates sobre a divisão do estado tiveram forte repercussão na revista Expressão. Próximo das eleições do plebiscito que decidiria sobre a divisão do estado do Pará as edições lançadas em julho e em outubro/novembro de 2011 destacou em suas publicações sobre a campanha pró-Carajás. A Revista Expressão que foi fundada em 2005 por Idelson Gomes, foi um veículo de comunicação na região sul e sudeste do Pará, local em que seria situado o novo estado caso o resultado do plebiscito fosse positivo. A revista como já dito anteriormente buscava mostrar os aspectos econômicos, políticos e eventuais da região. Além disso, o material tinha a intenção de apagar a imagem de um lugar que só houve sofrimento no passado, e que fora representado como palco de violência e de ser uma terra sem lei. Desde a primeira edição é bem claro sua intenção: “Viajando pelas estradas da nossa região, muitas vezes de difícil acesso, nos deparamos com o povo trabalhador, lutador e, principalmente corajoso porque desbravado o que antes era somente uma selva e ter transformado em cidades com a vontade de desfrutar a cidadania existente em outras regiões do Brasil. Sabemos que o que foi publicado na mídia nacional a respeito desse povo é uma verdade dolorida que ainda temos que mudar, mas nosso papel será defender os interesses do Sul e Sudeste do Pará que há muito não tem espaço para mostrar o lado produtivo e as perspectivas de crescimento econômico e cultural que ainda temos.A revista expressão será um canal de notícias que mostrará tanto as nossas riquezas quanto à criatividade de nossa gente. Será um meio de comunicação para mostrar o potencial econômico e as belezas naturais deste pedaço da Amazônia [...]”11 As palavras do diretor Idelson Gomes com seu parceiro Célio Decker que só teve presente na primeira edição do periódico, demonstra claramente a necessidade de abordar outra visão da região em que se destacasse as riquezas deste pedaço da Amazônia. De fato, se a revista desde o lançamento de sua primeira edição ocorrida em 2005 mostrava esses aspectos positivos do local, ao mesmo tempo, já apontava para o tema da divisão do estado quando ainda era especulado como verdadeiro ou falso. Entretanto, não é meu objetivo abordar todas as edições que tratam deste tema. Como já mencionado anteriormente o número escolhido foi apenas duas edições de 2011 quando este seria o ano da decisão do plebiscito. O que de fato quero demonstrar é que de imediato já se verificava uma preocupação com o tema dentro do periódico. 11 Revista Expressão, ano1, n° 01, novembro de 2005, Rio Maria (PA) 30 Analisando às duas edições da revista expressão do ano de 2011, é possível perceber como esse tema é fruto de preocupação nas páginas do periódico. Na edição 11, ano 07 na página 10, verificamos uma publicação que se refere a emancipação do estado. As palavras descritas são de um universitário de pedagogia por nome de Guto de Paula acadêmico de Letras e pedagogia pela UFBA: Muito comum é encontrar pessoas em Marabá, comentando, discutindo apenas emitindo sua opinião sobre o novo estado proposto. Encontram-se alguns contras, afinal a unanimidade absoluta, sempre foi burra. O povo tem que ter opinião própria. Mais, é evidente que a mera opinião não representa nada, seja ela positiva ou negativa. O que se torna necessário é saber o que realmente entendemos desse movimento libertador. O Estado do Pará é imenso. Governar, administrar e distribuir benefícios para todos os seus recantos é uma obra imensa. Ponto positivo então para a proposta de reduzir esses espaços. A distância da capital e a dificuldade de encontrar decisões e ações rápidas justificam essa dita separação. Mais um ponto positivo. Observar o que aconteceu com outros estados que foram criados após a divisão. Um exemplo próximo é o Tocantins. Hoje com estradas confiáveis, com o progresso pujante, com a capital moderna e com a bancada congressista invejável e poderosa. Lá a educação tanto fundamental como acadêmica tem feito uma grande diferença e será um referencial para o futuro. Uma constatação indiscutível. E aquele setor era o mais pobre de Goiás. Por sua vez o Sul do Pará continua no esquecimento nacional. Sem internet confiável, saúde e sanitarismo quase inexistente, condições físicas e estruturais decadentes, estratos e rodovias em total abandono e lembrado apenas nas campanhas eleitorais. Mendigando favorecimento governamentais (universidades, saúde, justiça e segurança), mas sendo o centro de uma das regiões mais ricas do mundo em minério criando um dos maiores rebanhos bovinos do país e explodindo numa crescente colonização vinda de todas as partes do Brasil e até do exterior. Condenada por enquanto em produzir divisas e dividi-los com quem nem se importa que ele exista. O que era apenas um sonho de um grupo de pessoas passou a ser uma complexidade oficial, o plebiscito futuro vai evidenciar esse fato. Momento de refletir seriamente sobre os pontos favoráveis e desfavoráveis. Os pontos positivos são esmagadores, mas existem os negativos. Por exemplo, vai haver menos espaço para os sem propostas, para os menos competentes e para todos os que costumam viver a margem da lei. Sem falar dos políticos locais que precisam urgentemente rever seus valores. Tudo de repente pode ficar ao alcance da mão. E com consequências e atitude bem mais rápidas. Não basta dizer Sim ou Não. É preciso encarar os fatos e a probabilidades. Teremos uma fiscalização tributária mais atuante. Um Procon agilizado e presente. Uma competitividade cada vez mais acirrada. Uma caixa econômica que vai funcionar, ora se vai. Um atendimento bancário que prima pelo respeito ao cidadão. Segurança atuante operante. Coisas assim[...] se isso for pouco, não será necessário pensar nos prós ou nos contras. Vamos entrar para a história, mostrar ao Brasil que existimos e que nosso potencial produtivo não pode mais ser ignorado ou creditado para os que até agora nos esqueceram [...] O povo do Sul do Pará quer liberdade para voar com suas próprias asas [...] O futuro depende do seu voto consciente.12 De início podemos perceber que Guto nos primeiros parágrafos, ressaltava a repercussão na cidade de Marabá sobre a criação dos novos estados. Entretanto, quando o mesmo se refere aqueles que são contra a divisão, verificamos que ele os considera como pessoas “burra.” De acordo com o dicionário essa expressão tem o significado de “uma pessoa sem inteligência” ou 12 Revista Expressão, ano7, n° 11, julho de 2011, Rio Maria (PA) 31 “estúpida.” Para ele, mas do que apenas dizer sim ou não era necessário conhecer os fatos. Mas o que realmente é destacado é que não havia motivos para dizer “Não” a divisão do estado. Logo depois, analisamos pelo seu discurso a necessidade de ter o território menor pois de acordo com seus argumentos o governador do estado do Pará tem uma dificuldade imensa em administrar e distribuir benefícios. Ele ainda relembra os estados que se emanciparam, dando exemplo do Tocantins e de seu sucesso na educação e na saúde após a divisão, demonstrando que se caso isso acontecesse com o estado do Pará isso se repetiria e deixariam de ser esquecidos. Ou seja, suas palavras ecoam para o discurso da necessidade de se obter autonomia na região, deixando de depender somente da capital que é Belém e ter a liberdade de possuir seu próprio governo. É sobre o tema da proposta de criação do Estado de Carajás e do Estado do Tapajós de que trata Pere Petit em seu texto intitulado Chão de Promessas Elites Políticas e Transformações Económicas no Estado do Pará pós-1964. Abordando sobre as justificativas dos separatistas em favor da divisão do Estado, o autor destaca:Vantagens sócio-econômicas e administrativas que os habitantes dos novos estados obteriam com as novas estruturas político-administrativas. Enfatizam-se as extraordinárias dificuldades que tem o governo paraense de dar conta, a partir de Belém, de seu imenso território e, sobretudo, a possibilidade de reverter para os municípios dessas regiões os impostos arrecadados pelas atividades econômicas neles desenvolvidas (sobretudo dos grandes projetos mineiros de Carajás e, no Baixo Amazonas, da extração e beneficiamento da bauxita), pondo fim ao que eles consideram desigual e, portanto, injusta distribuição das verbas do Estado do Pará entre suas diferentes regiões. Mas, além dos impostos locais, os defensores da criação dos novos estados também justificam essa proposta com base na projeção do aumento da receita global que os três estados (Pará, Tapajós e Carajás) receberiam da União segundo disposição constitucional. Verbas, todas elas, que assegurariam a viabilidade econômica dos novos estados e também do "Pará-Remanescente", as quais poderiam ser destinadas, segundo esses discursos, a melhorar a infra-estrutura, a educação, a segurança pública, a saúde etc. (PETIT, 2003, p. 302-303). Fica claro, que um dos primeiros apontamentos e justificativas para a divisão por parte dos separatistas é o discurso de obter liberdade, de ser independente da capital do Pará e de obter autonomia. Isso era mais viável para as elites políticas da região sul e sudeste do Pará, pois, seriam colocados no centro da decisão política administrativa. Ainda pelas palavras do universitário, ao declarar que o local é “o centro de uma das regiões mais ricas do mundo em minério” percebe-se que tal espaço é colocado como um lugar de riquezas, porém, não estavam sendo aproveitadas por falta de investimentos. Esse discurso de potencial de recursos era fortemente cultivado na Revista, pois, daí se tinha também o intuito de mostrar o que havia de melhor nessa região, porém, enquanto era rica também era pobre em 32 função do abandono. Assim, usando as palavras de Barros e Santos “o Estado de Carajás neste discurso é inventado como terra da promissão, rico e à espera da concretização do desenvolvimento a partir da separação com o Estado do Pará.” A mesma impressão de número 11 de 2011 traz ainda um artigo na página 42. A publicação refere-se a uma entrevista com Giovani Queiroz, deputado federal. O diálogo é feito pela própria equipe editorial da revista. Em uma das suas perguntas foi direcionada a seguinte indagação: EXPRESSÃO: gostaríamos que o senhor nos explicasse e aos nossos leitores, o porquê é tão importante a emancipação e não apenas para a parte que emancipará. A resposta do deputado foi a seguinte: Na verdade, para nós, e importante para termos uma gestão mais próxima. O Pará vai manter 80% das indústrias do Estado, 78% da receita do ICMS. Vai manter lá todo um parque hoteleiro, universitário, muito superior a tudo que possuímos no restante do Estado[...]13 É evidente que o deputado se apoiava ao discurso separatista, dando a justificativa já mencionada de que o Pará é muito grande e que o governo sediado em Belém não dá a devida atenção às regiões distantes da capital. Buscava-se, portanto, mostrar ao leitor que a divisão do estado seria uma saída mais viável para a região sul e sudeste do Pará, pois as publicações mostravam que esse local estava esquecido e precisava de autonomia, mesmo tendo tantas riquezas na região elas não estavam sendo aproveitadas pela população do local, pelo contrário, aqueles que desfrutavam de tudo isso eram exatamente os mesmo que os deixavam largados no esquecimento. Dessa forma, afirmavam que era preciso se libertar de tudo isso, e tornar o sonho de um novo estado real. Na edição 12, do periódico regional, do ano de 2011, o editorial ressaltava o papel ao qual a revista estaria designada, e mencionava, dentre outras coisas o que se pretendia. 13 Revista Expressão, ano7, n° 11, julho de 2011, Rio Maria (PA) Figura 1. Publicação da edição n° 12 da Revista Expressão, de outubro/novembro de 2011. Ao leitor. 33 A declaração mencionada nas primeiras páginas de tal tiragem aponta para um assunto que segundo o elaborador da Revista, era de grande interesse para a região. Pelos aspectos referenciados nota-se que o intuito era apontar as características culturais para o futuro estado Carajás. Nesse ínterim, essa mesma edição aborda uma publicação com a fala de Rivelino Zarpellon, advogado e presidente da OAB da cidade de Xinguara-Pa. Suas palavras trataram especificamente de outro motivo para a divisão do estado, em que se baseava no discurso Separatista. Abaixo está a descrição de suas palavras. Figura 2. Publicação da edição n° 12 da Revista Expressão, de outubro/novembro de 2011. Liberdade Carajás. 34 Pelos argumentos expostos acima, Riverlino não se considerava como parte da cultura paraense. A descrição demonstra o gosto por aspectos de outros estados que, de acordo com ele, também fazem parte de sua identidade. O que de fato é expresso é o desejo de um futuro melhor com a divisão e o interesse de ser livre e ser Carajás. Levando isso em consideração, observa-se que os argumentos do advogado se apoiava ao discurso culturalista em que está ligado a noção de identidade. Isso está relacionado com a própria formação multicultural da sociedade brasileira. No caso do Pará existe o agravante dos intensos processos migratórios ocorridos no Estado (SOUZA C., 2014, p. 6). Nota-se, portanto, que os separatistas se apoiavam ao discurso de não possuir uma unidade cultural. Abordando sobre tal perspectiva, a página 14 de tal edição traz uma figura de uma árvore genealógica do futuro estado de Carajás, mostrando através dessa publicação quais foram os principais estados que trouxeram influência para formar a própria identidade cultural de Carajás. Essa descrição vem lembrar as palavras do autor Pere Petit ao mencionar sobre os movimentos separatistas, ele declara que os mesmos, “visam sustentar suas práticas numa identidade que loi simbólica e historicamente construída por diferentes atores sociais interessados em fazer valer sua existência (ou fazer “real” o que também fora “construído”). (PETIT, 2013, p. 253) Figura 3. Publicação da edição n° 12 da Revista Expressão, de outubro/novembro de 2011. Nossa Herança Cultural 35 Em algumas páginas mais à frente desta edição, encontramos características que outros estados repassaram aos moradores da região sul paraense. Encontramos Paulistas cariocas, maranhenses que são colocados por fazerem parte da formação regional. Para que fique mais claro, destaco alguns trechos da publicação de um artigo intitulado “O encontro das culturas” que se encontra na página 18 da mesma edição. Tivemos a influência também de outros estados, em menor grau, como a Bahia, Tocantins, Amazonas e mato grosso. Mas preferimos chamar a atenção para aqueles que tiveram maior destaque na formação de nossa identidade que ainda está sendo construída. Nas rodas de conversa, inclusive de pessoas comuns, tem sido dito frequentemente que não temos cultura definida, ou que não temos cultura. Nesse sentido, pode-se compreender que ainda não terminamos de desarrumar nossos “baús”.14 Conforme as palavras da publicação acima os separatistas não se apoiavam em símbolos que representassem uma cultura tipicamente paraense. O discurso é apoiado pelas influências adquiridas de outros estados brasileiros, como é o caso da Bahia, Tocantins, Amazonas e Mato grosso. As palavras declaradas nesse artigo mostram que a identidade desse povo ainda estava em construção, declarando que não tinham cultura definida. 14 Revista Expressão, ano7, n°12, outubro/novembro de 2011, Rio Maria (PA) 36 Considerações Finais Quando se iniciou o trabalho de pesquisa, constatou-se que havia uma indagação sobre a divisão do estado do Pará. Um tema que fora muito recorrente em diversos debates políticos, materiais impressos e mídia, porém, não alcançou a devida emancipação. Tema este que não é recente mais que remonta, tempos históricos. Diante disto, a pesquisa teve como objetivo principal verificar quais foram os argumentos utilizados pela Revista Expressão em prol da divisão do Estado, e como isso buscou impactar a decisão dos leitores dentro do periódico. Neste interim, foi possível analisar através das duas edições do ano de 2011, que posteriormente foi o ano da decisão do plebiscito, que haviam publicações sobre a devida temática. Assim, identificou-se que a edição 11, lançada para o mês de julho, buscou evidenciar através de seus artigos os argumentos e discursos separatistas com intuito de indicar as dificuldades enfrentadas na região sul e sudeste do Pará, por parte do governo estadual. Além disso, essa mesma edição baseou-se em divulgar o discurso da terra de promissão e rica com muito desenvolvimento a oferecer, porém, esquecidos ao abandono. Por outro lado, verificou- se que as falas mencionadas dentro das divulgações são colocadas sempre por pessoas consideradas como renomadas, seja este um advogado, universitário ou até um deputado. Já a edição 12 lançada para os meses de outubro/novembro evidenciou por parte dos separatistas, o uso do discurso culturalista. Foi possível verificar que os mesmos não usavam em suas falas símbolos que representassem a cultura paraense, pelo contrário, suas palavras identificavam que não possuíam uma unidade cultural, e que, portanto, precisavam organizar os “baús” e finalizar sua cultura, construindo assim uma nova identidade, que fosse esta a identidade Carajás. Para que se alcançasse os objetivos, busquei neste trabalho ampliar sobre a história regional, identificando os aspectos de sua formação e os discursos que foram utilizados em prol do desenvolvimento. Para tanto, abordei questionamentos sobre a propostas de divisão do estado, identificando que embora os assuntos perpassam por momentos históricos as insatisfações já estavam presentes nos fins do século XX e os argumentos separatistas já eram evidenciados. Buscando debater sobre os aspectos da fonte que utilizo neste trabalho que é a Revista Expressão, demonstro através dos trechos de uma entrevista realizada com próprio diretor do periódico quais aspectos importantes que não se encontram no mesmo. Outra discussão que levantei foi a respeito das publicações, que estão presentes nas duas edições mencionadas anteriormente. 37 Diante da metodologia proposta percebe-se que o trabalho poderia ter sido realizado com uma pesquisa mais ampla na bibliografia, cuja finalidade era analisar os aspectos da divisão do Estado do Pará. Os estudos a respeito desse tema ainda são vagos na área da história. Deste modo, penso que este trabalho contribuirá para o preenchimento desta lacuna, assim também como para as próximas pesquisas que poderão vir a surgir. Além disso, a fonte aqui utilizada que é a revista Expressão poderá ser explorada por outros pesquisadores, uma vez que ela ainda não havia sido investigada como objeto de estudo. 38 Fontes Revista Expressão, ano7, n° 11, julho de 2011, Rio Maria (PA) Revista Expressão, ano7, n° 12, outubro/novembro de 2011, Rio Maria (PA) SITES ACESSADOS TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. Disponível em: https://www.tre- pa.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/plebiscito-2011/plebiscitos-no-estado-do-para Acesso em: 28 de agosto de 2022 https://g1.globo.com/politica/noticia/2011/12/em-plebiscito-eleitores-do-para-rejeitam- divisao-do-estado.html. Acesso em: 29 de agosto de 2022 Referências Bibliográficas BARROS, Lucilvana Ferreira; SANTOS, Roberg Januário dos. Divide et impera: a tentativa de divisão do Pará e da criação do estado do Carajás (1984 – 1992). [s.n]: [s.n] 2018. P.679- 714. BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estud. av. São Paulo, v. 19, n. 53, p. 71-86. Apr. 2005. BOURDIEU, Pierre. 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