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Anemia Ferropriva Anemia não é uma doença, mas pode servir para identificar outras doenças de base que possam estar causando esse achado. Até os 5 anos de idade, praticamente todos os ossos fazem o processo de hematopoiese em sua medula óssea, mas a partir dessa idade, a medula começa a ser infiltrada por tecido gorduroso (medula óssea amarela). Continuamos com o processo de hematopoiese apenas na medula óssea vermelha: - Vértebras - Ossos da pelve - Ossos do crânio - Esterno - Costelas - Ossos longos Sequência de desenvolvimento das células: A célula-tronco dá origem a duas linhagens diferentes: a linhagem linfóide (linfócitos, que vão ser amadurecidos no timo ou na medula óssea), e a linhagem mielóide. A linhagem mielóide se subdivide: granulócitos (neutrófilos, basófilos, eosinófilos). Outra linhagem de células mielóides produzem os monócitos, que ao atingirem os tecidos passam a ser chamados de macrófagos. Outra subdivisão da linhagem mielóide dá origem às hemácias e às plaquetas. Hematopoiese: Eritropoiese: Para dar início ao processo da hematopoiese, são necessários 3 elementos: - Eritopoietina (estímulo) - Ferro (hemoglobina) - Ácido Fólico/ Vitamina B12 (síntese de DNA) A eritropoietina serve como estímulo para a produção de hemácias e é produzido nos rins. O Ferro é um dos componentes principais para a síntese de hemoglobina - o oxigênio para ser transportado precisa estar ligado especificamente ao ferro da hemoglobina. O ácido fólico e a vitamina B12 são fundamentais para a síntese de DNA, e vamos precisar de muita proliferação celular até chegar ao nível de desenvolvimento da hemácia madura. O proeritroblasto na medula vai se desenvolvendo até chegar em sua fase final, o reticulócito. A medula libera os reticulócito, não a hemácia madura. Uma das formas de avaliar o grau de funcionamento da medula é medir os reticulócitos. A hemácia é uma célula anucleada para poder transportar uma maior quantidade de oxigênio: então durante o seu desenvolvimento, o proeritroblasto vai tendo seu núcleo diminuído de tamanho até chegar na forma de reticulócito, na qual o núcleo já foi expulso e não está mais presente. O reticulócito cai na circulação e entre 1-2 dias se transforma em uma hemácia. A meia vida da hemácia é de cerca de 120 dias. Após esse período, quando ela atinge o baço, como ela já está desgastada e perde sua elasticidade, não consegue sair pelos vasos intra-esplênicos e sofre o processo de hemocaterese (destruição fisiológica das hemácias). Chamamos de hemólise o processo no qual a hemácia é destruída antes de atingir sua senescência e o seu prazo médio de 120 dias. Hemoglobina= junção do segmento heme com as cadeias de globinas. Heme: ferro + protoporfirina Globinas: 2 cadeias alfa + 2 cadeias beta Heme: ferro + protoporfirina Globinas: 2 cadeias alfa + 2 cadeias beta Anemia ferropriva Heme: ferro + protoporfirina Globinas: 2 cadeias alfa + 2 cadeias beta Anemia Sideroblástica Heme: ferro + protoporfirina Globinas: 2 cadeias alfa + 2 cadeias beta Heme: ferro + protoporfirina Globinas: 2 cadeias alfa + 2 cadeias beta Alfa-talassemia Beta-talassemia Em todas essas condições temos um componente em comum: o erro na formação da hemoglobina. E a hemácia não passa de um “saco” repleto de hemoglobinas. Se eu não tenho hemoglobina, eu não preencho as hemácias, que ficam pequenas e despigmentadas (a hemoglobina que confere cor à hemácia) - ou seja, essas anemias são caracterizadas por serem: Anemias microcíticas (baixo VCM) e hipocrômicas (baixo HCM) = Ferropriva, doença crônica, sideroblástica e talassemia Obs: em doenças crônicas o ferro não é disponibilizado para as hemácias Camila Guimarães Martins Medicina - Universidade de Pernambuco E ✗ ✗ ✗ i ' Ü O hemograma: RDW: hemácias de morfologias e tamanhos muito diferentes aumentam o RDW e o índice de anisocitose Como investigar uma anemia incialmente? Primeiro marcador: contagem de reticulócitos. A mais importante divisão entre as anemias é entre as com a medula funcionante e as com a medula insuficiente. Se a medula consegue responder a anemia é HIPERPROLIFERATIVA, ou seja, a contagem de reticulócitos vai estar acima de 2% (reticulocitose > 2%) - a medula está tentando compensar a anemia. Se a medula não consegue responder, a anemia é HIPOPROLIFERATIVA, ou seja, a contagem de reticulócitos vai estar normal ou abaixo do valor de referência. Assim, conseguimos dividir em dois grandes grupos e suas possíveis causas: HIPERPROLIFERATIVA: (Medula funcionante) - Anemia hemolítica - Sangramento agudo (nesse caso a medula se prolifera loucamente para tentar compensar) - Hemoglobinas defeituosas HIPOPROLIFERATIVA: (ausência de precursores) - Anemias carenciais (Fe, folato, B12) - Anemia de doença crônica) - Anemia Sideroblástica Segundo marcador: morfologia da hemácia Tamanho: VCM/ Cor: HCM VCM Microcítica Normocítica Macrocítica HCM Hipocrômica Normocrômica Hipercrômica Anemias hipoproliferativas 1- Ferropriva 2- Doença crônica 3- Megaloblástica 4- Sideroblástica 1. ANEMIA FERROPRIVA Ciclo do Ferro: Uma vez ingerido, o ferro é absorvido principalmente pelo intestino delgado, na sua porção proximal (duodeno e jejuno). Após ser ingerido, o ferro precisa ser transportado para a medula óssea vermelha, onde está ocorrendo a eritropoiese. Quem transporta o ferro pela circulação é a Transferrina, sintetizada pelo fígado. A medula óssea vai usar esse ferro para formar os precursores eritroblastos, mas se há uma ingestão adequada, uma porção vai remanescer inutilizada. O organismo, de maneira adaptativa, sabendo que poderiam haver momentos em que a ingesta de ferro não seria adequada, estoca esse ferro remanescente na forma de Ferritina. Apesar de parte ser armazenada em Ferritina, a maior parte ainda permanece nas hemácias. Mas e após a vida de 120 dias das hemácias, com a hemocaterese? O que ocorre com o ferro? Quando a hemácia é destruída pelo macrófago esplêncnico, seus componentes são reaproveitados! - Globina - Protoporfirina - Heme - Ferro Obs: a protoporfirina vai sendo metabolizada e vira bilirrubina no final, por isso é muito comum a icterícia em pacientes com anemia hemolítica. O Ferro vai ser novamente levado pela transferrina até a medula óssea para que seja utilizada novamente no processo de eritropoiese. -> “o Ferro, depois que entra, não sai mais”. Obs: na hemocromatose, o intestino absorve mais ferro do que o normal. Como o ferro não sai, só entra, o nosso estoque é regulado pela absorção intestinal. Já na hemocromatose há esse desequilíbrio. A principal causa de anemia ferropriva é o sangramento crônico! O paciente que todos os dias vai perdendo um pouco de sangue, mesmo que não perceba. Repercussão laboratorial: Quando começa a perda crônica de ferro, o primeiro índice a se alterar não vai ser o ferro!! Lembrar que temos um estoque, a ferritina! Ela (1) - queda na Ferritina < 30 (N 30-100ng/mL) (2) - aumento da Transferrina/ TIBC >360 (N: 250-360) (3) - queda no ferro sérico <30 (N: 60-150) (4) - queda na sat. Transferrina <10% (N: 20-40%) (5) - anemia inicial: normo/normo (6) - anemia típica: micro/hipo (7) - aumento do RDW (anisocitose) (N:10-14%) (8) - aumento das plaquetas (trombocitose) O estoque vai sendo consumido e acabando. Assim, o fígado, tenta compensar essa queda aumentando a síntese de transferrina, para que chegue mais Ferro até a MO. Entretanto, o exame laboratorial para a medida da transferrina é um exame mais difícil e mais caro, então não vemos muito na prática - quando queremos ver a transferrina, geralmente pedimos o TIBC, que é a capacidade total de ligação ao ferro. Assim, a segunda alteração gerada vai ser o aumento da transferrina/ do TIBC - quanto mais transferrina eu tiver, maior é a minha capacidade de ligar ao ferro. Porém, os estoques acabaram e não tem mais ferro para se ligar às transferrinas. Nessa hora o ferro cai, tipicamente à valores abaixo de 30 (N= 60-150). Se eu tenho pouco ferro,eu tenho pouco ferro se ligando à transferrina (menos ferro saturando a transferrina). Então, quando o ferro cai, a saturação da transferrina cai também, tipicamente <10%. Até agora, o paciente não tinha anemia, devido aos fatores compensatórios. Agora sim, com o ferro baixo, se desenvolve a anemia. Na hora em que começa a faltar ferro, a medula começa a produzir menos hemácias para ainda haver uma distribuição de ferro relativamente normal -> ou seja, no início do quadro a anemia, mesmo sendo ferropriva, não vai ser hipocrômica e microcítica!!!! -> no início vai ser uma anemia normo/normo, para depois se transformar em sua forma clássica hipo/micro. Nessa confusão, vamos poder ver células normais misturadas à células minúsculas, praticamente sem ferro nenhum, e com vários formatos diferentes - anisocitose! Detalhe importantíssimo: quando temos uma anemia, a eritropoetina e outros diversos fatores tentam estimular a linhagem mielóide a se desenvolver. Porém, como não está ocorrendo a formação de hemácias e a linhagem mielóide também dá origem às plaquetas, começa e se desenvolver uma formação plaquetária em excesso! Cinética do ferro Hemograma Repercussão clínica: Como é uma anemia por deficiência de ferro, vamos ter achados compatíveis tanto com a anemia tanto com a carência nutricional. Síndrome anêmica: Se eu não tenho hemoglobina nas hemácias que chegam aos tecidos, vamos notar uma palidez. Se o músculo não recebe oxigênio, vai se desenvolver uma astenia. Pode ter manifestações mais sistêmicas, como cefaléia, por hipofluxo cerebral, ou angina, por falta de oxigênio no miocárdio. Isso não é da anemia ferropriva, é de qualquer síndrome anêmica em uma manifestação clínica mais importante. Carência nutricional: Qualquer carência nutricional pode vir acompanhada da glossite (língua edemaciada, hiperemiada e com perda das papilas) e da queilite angular (pequenas feridas no ângulo da boca). Manifestações específicas da carência de ferro: - Perversão do apetite: o paciente começa a ter vontade de comer coisas estranhas (os mais comuns são gelo e terra). - Coiloníquia (unha em colher) - vai ter um ângulo mais côncavo ao invés de convexo; - Disfagia - podem formar uma membrana na luz no esôfago que pode levar a uma obstrução que gera disfagia. - Síndrome de Plummer-Vinson: combinação desses achados em um paciente com anemia ferropriva. Síndrome Anêmica: - Palidez; - Astenia; - Cefaléia; - Angina. Carência nutricional: - Glossite; - Queilite angular Carência de ferro: = S. De Plummer-Vinson - Perversão do apetite; - Coiloníqua; - Disfagia Tratamento O primeiro passo para qualquer anemia é a INVESTIGAÇÃO DA CAUSA! REPOR FERRO: (sulfato ferroso: 20% é elementar) - mas não adianta repor o ferro sem identificar a causa da anemia. Crianças: Prematuridade - não tiveram tempo de construir a reserva de Fe Ancilostomíase - suga o sangue pela mucosa intestinal Desmame precoce - o leite materno tem mais Fe do que o da vaca Adultos: Gravidez Má-absorção (doença celíaca) Perda crônica pelo TGI - a mais importante! Pode ser desde uma doença ulcerosa péptica até uma neoplasia colônica - por isso todo paciente a partir de 50 anos com anemia ferropriva deve realizar colonoscopia e endoscopia. Hipermenorreia - toda gestante tem indicação de repor ferro Temos o comprimido de sulfato ferroso, mas na teoria quando falamos da quantidade necessária para reposição falamos do ferro elementar, então temos que fazer a conversão. Dose Resposta Normalização Duração 120-200mg/dia de ferro elementar. (60mg, 3-4x/dia) Crianças: 3-5mg/kg/dia de Fe elementar O processo da eritropoiese demora, então avaliamos a resposta pela contagem de reticulócitos! O pico é entre 7-10 dias. Pedir reticulócitos após 1 semana do início do tratamento. Em média 2 meses, variando com o grau da anemia Além de corrigir a anemia, temos que repor o estoque! Então podemos manter a reposição por 6 meses após a correção da anemia. t Obs: o ideal seria ir medindo a ferritina e parar a reposição quando os níveis estiverem acima de 50, mas recentemente a sociedade de pediatria indicou que o tratamento pode ser suspenso quando a ferritina estiver maior que 15 (cuidado: ver se a questão é de pediatria ou de clínica!)
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