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8 A PLURALIDADE DA DINÂMICA URBANA E REGIONAL: ANÁLISE DAS CONFIGURAÇÕES TERRITORIAIS DA RMM Lilian Chirnev Ana Lúcia Rodrigues A atual dinâmica urbana e regional resulta de aceleradas transformações, intensi- ficadas nas últimas décadas, pelos fluxos político, econômico e social. O território fixo e flexibilizado, pela ocupação das pessoas e de suas ações, reflete no impacto dessas ocorrências. Nesse sentido, cada geografia existente responde aos seus respectivos padrões de organização territorial. O foco do presente capítulo1 é compreender as principais configurações territoriais da Região Metropolitana de Maringá (RMM), localizada na Região Norte Central do Estado do Paraná, para subsidiar a implementação do planejamento regional no âmbito do Estatuto da Metrópole (Lei Federal nº 13.089/2015). Para alcançar o objetivo geral, desenvolveram-se os seguintes objetivos espe- cíficos: (a) identificação dos principais padrões atuais de organização do território da RMM, padrões esses relacionados a aspectos específicos de caráter institu- cional, funcional e político; (b) descrição de cada um dos padrões selecionados, sendo previamente definidos os de característica institucional (legal), funcional (dos municípios integrados à dinâmica de metropolização dessa região) e político (SEDU/PARANACIDADE); (c) explicação sobre a finalidade e a dimensão espa- cial de cada geografia territorial selecionada (institucional, funcional e política). 1 O presente capítulo, publicado originalmente na Rev. Cad. Metrópole, é fruto de parte do relatório de pesquisa desenvolvida em 2018, no qual há outra versão aprovada para publicação em periódico, no âmbito do INCT/CNPq – Observatório das Metrópoles, Núcleo Região Metropolitana de Maringá da Universidade Estadual de Maringá – RMM/UEM, ocasião em que a pesquisadora Lilian Chirnev atuava na condição de bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ. UNICESUMAR 9 A identificação e análise dos territórios que correspondem às distintas dinâ- micas de constituição do espaço urbano regional da RMM foram sistematizadas neste estudo, por meio dos mais recentes trabalhos com tal finalidade, e se apre- sentam na estrutura deste texto em seis seções. Na primeira seção, descreve-se a formação institucional da RMM, utilizando como referencial os marcos legais pertinentes a esse processo, bem como a retomada e aprofundamento da análise realizada por pesquisadores do Observatório das Metrópoles - Núcleo Região Metropolitana de Maringá/UEM, relacionada à ausência de critério técnico para formalização da unidade regional (RODRIGUES; SOUZA, 2018). Na segunda seção, o aspecto político está representado por meio do estudo Referências para a Política de Desenvolvimento Urbano e Regional para o Estado do Paraná (2017), desenvolvido pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano (SEDU) e Serviço Social Autônomo-PARANACIDADE. Trata-se de um diagnóstico para a elaboração dos Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUIs), com intuito de referenciar o trabalho técnico das secretarias e orientar as próximas etapas do processo de cumprimento do Estatuto da Metrópole. Para as terceira e quarta seções, será apresentada a composição funcional dessa região, a partir de dois estudos regionais desenvolvidos pelo Instituto Bra- sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cada qual com suas particularidades metodológicas, sendo, respectivamente, Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas (2016) e a Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões Geográficas Intermediárias (2017). Para analisar, também, a funcionalidade, a natureza e as características par- ticulares da RMM, na quinta seção, utiliza-se uma pesquisa (CHIRNEV, 2016). Essa pesquisa classifica a escala de participação dos municípios no fenômeno urbano-metropolitano e resulta no nível de integração intrametropolitano cuja metodologia é do Observatório das Metrópoles (2012). Na última seção, sistematiza-se os estudos que explicitam dinâmicas de con- formação e constituição do espaço urbano regional da RMM bem como o pro- cesso de metropolização e seus consequentes arranjos espaciais, resultantes desse processo plural que compõe as dinâmicas urbanas e regionais desse território. Tal sistematização incorpora dados e análises aos estudos sobre metropolização e de- senvolvimento urbano, no âmbito do INCT/CNPq - Observatório das Metrópoles. 10 RMM Institucional Há um protagonismo do mercado no desenvolvimento dessa região, influencian- do diretamente o modelo de gestão pública efetivado. Isso se deve à peculiaridade de sua implantação, se comparada às demais RMs do país, pois se trata do maior loteamento de terras do planeta, composto por 515 mil alqueires paulistas e rea- lizado na década de 1940 pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CMNP). O planejamento e o marketing, fruto desse vultoso empreendimento imobi- liário, fundaram o processo de desenvolvimento regional e permanecem como estratégia utilizada para manter o mercado imobiliário no controle das decisões e ações relacionadas ao metropolitano maringaense (RODRIGUES; SOUZA, 2018). A institucionalização da RMM reflete a manutenção dessa lógica, pois resulta so- mente de ação política e não considera qualquer critério técnico. Mas, tal lógica, também, caracteriza a formalização no Brasil de outras RMs. De acordo com Fir- kowski (2013), tratar a RM como institucionalidade, seria o mesmo que atribuir ao termo um modo mais relacionado à probabilidade de desenvolvimento regional que propriamente um caráter urbano-metropolitano. “ Neste sentido, sua formação não prioriza o processo de metro- polização, mas sim político institucional, ou seja, sua definição é atribuída por força de uma lei. Como resultado, é cada vez maior o número de regiões metropolitanas institucionalizadas no Brasil e por todos os estados da Federação, pois a dinâmica de sua criação não guarda vinculação com a realidade metropolitana (FIRKO- WSKI, 2013, p. 39). Esse é o caso da RMM, que foi institucionalizada por meio da Lei Complemen- tar nº 83 de 1998, com a primeira configuração composta de oito municípios: Maringá, Ângulo, Mandaguari, Iguaraçu, Mandaguaçu, Paiçandu, Marialva e Sarandi. Atualmente, sua composição é de 26 municípios (Figura 1), inseridos por outras quatro leis estaduais (LC nº 13.565/2002; LC nº 110/2005; LC nº 127/2010; LC nº 145/2012). 12 pouco ou nada tem de metropolitano, ou seja, nem todas as unidades institucio- nalizadas, enquanto ‘região metropolitana’, decorrem efetivamente de um legítimo processo de metropolização (CHIRNEV, 2016). Isso derivou, também, da falta de critérios de regulação para definir a condi- ção metropolitana dos municípios, de mecanismos de financiamento que, se não estavam ausentes, eram inexpressivos. O resultado desse processo foi a ausência de qualquer mecanismo de governabilidade metropolitana que, a partir do Es- tatuto da Metrópole, responsabilizou governadores e prefeitos a instituírem e executarem, por meio de critérios técnicos, o planejamento de desenvolvimento urbano e regional nas RMs. Na seção a seguir, apresentamos como o governo do Estado do Paraná avançou nesse quesito, tendo como foco a RMM. Política de Desenvolvimento Regional – Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (SEDU) A lei que dispõe sobre o funcionamento das RMs do Paraná (LC nº 111, de 11 de agosto de 2005) refreou o avanço da ampliação de municípios em sua composi- ção, sem, todavia, dotar os territórios regionais metropolitanos de governabili- dade. A única efetivação prevista, na LC nº 111/2005, foi a criação, em 2007, da Coordenadoria da Região Metropolitana de Maringá (COMEM), por ato admi- nistrativo do governador. Subordinada à Secretaria Estadual do Desenvolvimento Urbano (SEDU), o objetivo institucional da COMEM é promover a integração das políticas públicas dos municípios que integram a RMM. Suas ações, porém,ficaram restritas a programas e projetos, identificados no site institucional da SEDU até 2018, que não foram concretizados até o momento. Nesses programas e projetos, inclui-se o mais recente, uma ação que visa cumprir o Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/2015), quanto à elaboração dos Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUIs) das RMs do Estado, para contratar empresas especializadas na elaboração dos PDUIs do Paraná, relativos a três Funções Públicas de Interesse Comum (FPICs): (1) mobilidade urbana, (2) saneamento e (3) uso e ocupação do solo. O edital para contratação (Concorrência Técnica e Preço nº 001/2017) foi pu- blicado em 2017 e a licitação realizada em 27 de novembro do mesmo ano, sendo UNICESUMAR 13 suspensa no mês seguinte por mandado de segurança (Licitação Concorrência Pública nº 5050470-54.2017.4.04.7000) impetrado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Paraná (CREA/PR). A licitação foi cance- lada, em 18 de janeiro de 2018, pela Comissão de Licitação do governo estadual, justificando que o mandado motivou estorno de recursos financeiros. A SEDU, por meio dos seus técnicos, assumiu a execução do projeto. O recente estudo intitulado Referências para a Política de Desenvolvimento Urbano e Regional para o Estado do Paraná (PARANÁ, 2017), desenvolvido pela SEDU e PARANACIDADE, constitui-se em uma referência importante para dar publicidade à política de desenvolvimento urbano e regional do Estado, apesar da ausência de elementos para identificação da metodologia utilizada. Na apresentação da referida publicação, afirma-se que devido à disponibi- lidade parcial dos recursos requeridos, a atuação da SEDU se limitou à etapa de trabalho denominada de Fase 1 cujas atividades foram desempenhadas pela equipe técnica da secretaria, justificando que sua atuação “desenvolveu aquilo que entendia mais urgente e passível de ser realizado com recursos próprios, sobretudo, humanos” (PARANÁ, 2017, p. 12). Segundo o estudo, a RMM se mantém como uma das quatro regiões metro- politanas do Paraná. A justificativa apresentada para a permanência de apenas quatro RMs (Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel), do total de oito criadas e sancionadas (as RMs de Apucarana, Campo Mourão, Toledo e Umuarama), no Paraná, ancora-se nos critérios do Estatuto da Metrópole, “[...] cuja exigência é de que uma RM tenha influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma Capital Regional” (PARANÁ, 2017, p. 39). Para confirmar as RMs paranaenses com tal configuração (área de influência de uma Capital Regional), a referência principal é o REGIC-Regiões de Influência das Cidades (IBGE, 2008), que classificou Curitiba como Metrópole, e os muni- cípios de Londrina, Maringá e Cascavel como Capital Regional B. Portanto, no Paraná, “apenas as RMs criadas até 2015, das mencionadas Capitais Regionais [...] atendem aos requisitos para implantação do Estatuto da Metrópole. As demais devem compor arranjo de regionalização diferenciado sujeito a estudos técnicos” (PARANÁ, 2017, p. 39). Definida a confirmação das quatro RMs, realiza-se na sequência “a caracteri- zação dos municípios das quatro RMs confirmadas, segundo Degraus Metropo- 14 litanos” (PARANÁ, 2017, p. 12), seu objetivo foi apresentar critérios de integração intrametropolitana, pela necessidade de embasar o esclarecimento sobre qual município tem justificada sua inclusão (ou exclusão) no espaço regional da RM. A inclusão dos municípios nesta hierarquia foi definida por meio das diferenças de intensidade nas relações de dependência com o município polo, visando identifi- car e analisar prioritariamente três Funções Públicas de Interesse Comum-FPICs: Uso e Ocupação do Solo, Saneamento e Meio Ambiente. A definição prévia da secretaria estadual em relação as três FPICs, tem como referência o Estatuto da Metrópole, Art. 1º., “[...] § 2º Na aplicação das disposições desta Lei, serão observadas [...] a política nacional de desenvolvimento regional e as políticas setoriais de habitação, saneamento básico, mobilidade urbana e meio ambiente” (ESTATUTO DA METRÓPOLE, 2015 apud PARANÁ, 2017, p. 71). A partir da lei, o entendimento desse estudo é de que a política setorial de habitação deve estar vinculada a um contexto mais amplo, “que é do Uso e Ocu- pação do Solo, assim como do Saneamento deve inserir-se no de Meio Ambiente” (PARANÁ, 2017, p. 71). Cada uma das três FPICs foi estruturada em indicadores parciais, codificados em uma hierarquia de 1 a 4, sendo o 1 “as situações com menores características metropolitanas e no 4, aquelas nas quais o fenômeno metropolitano é mais evi- denciado, sendo o 2 e 3 níveis mais intermediários” (PARANÁ, 2017, p. 71). O Indicador Final do Degrau Metropolitano foi construído por meio da somatória do total de sete indicadores e, como cada indicador parcial varia de 1 a 4, na hie- rarquia metropolitana final o nível 7 indica o mais baixo degrau metropolitano e o 28 o mais alto (PARANÁ, 2017, p. 71-72). A base para construção dos indicadores de cada uma das FPICs foi “a popu- lação total dos municípios, segundo dados do Censo de 2010, e a área de seus territórios” (PARANÁ, 2017, p. 71), incluindo em cada FPIC dados secundários de acordo com sua especificidade. As variáveis dos movimentos pendulares, por sua vez, compuseram a FPIC Mobilidade, reproduzida no quadro a seguir, conforme a publicação (PARANÁ, 2017), com a descrição que o indicador A foi calculado, utilizando-se o método estatístico quartil e dados censitários (IBGE, 2010). UNICESUMAR 15 Quadro 1 - RMM, Degraus Metropolitanos – Dados municipais de Referência, Dados Municipais FPIC de Referência: Mobilidade Município População Total IBGE 2010 Área do território municipal (km²) Desloca- mento para cidade polo (Maringá) Desloca- mento popula- ção total (%) Indica- dor A Astorga 24641 436.18 530 2.15 1 Bom Sucesso 6495 321.5 115 1.78 1 Cambira 7222 163.35 30 0.42 1 Jandaia do Sul 20133 189.03 368 1.83 1 Lobato 4359 240.58 126 2.88 1 Santa Fé 10410 276.29 273 2.62 1 Atalaia 3913 137.25 189 4.84 2 Floraí 5037 812.17 218 4.32 2 Flórida 2536 83.82 126 4.98 2 Mandaguari 32495 335.46 1364 4.20 2 Munhoz de Mello 3665 137.13 133 3.63 2 Nova Esperança 26510 403.59 1055 3.98 2 Ângulo 2823 105.64 197 6.96 3 Doutor Camargo 5819 117.96 440 7.56 3 Itambé 5748 244.13 620 10.79 3 Ivatuba 3003 94.93 234 7.81 3 Marialva 31535 475.09 2801 8.88 3 16 São Jorge do Ivaí 5484 315.97 468 2.62 3 Floresta 5819 161.65 1048 18.02 4 Iguaraçu 3942 163.78 461 11.71 4 Mandagua- çu 19284 293.7 3483 18.06 4 Maringá 349860 786.63 169 0.05 4 Ourizona 3373 175.42 508 15.05 4 Paiçandu 35307 171.72 10216 28.94 4 Presidente Castelo Branco 4758 155 661 13.89 4 Sarandi 80406 103.49 22791 28.34 4 7045772 5979.1 48624 6.90 Fonte: Paraná (2017, p. 121-122). A FPIC Uso do Solo é representada pelos indicadores B, C, D, E e F cuja compo- sição é a partir de três fontes. A primeira fonte de referência é a mancha metro- politana por ocupação, “aquela decorrente do uso efetivo do solo por atividades urbanas e assim revelado nas imagens de satélite, considerando vazios intersti- ciais aqueles com distância menor que 5Km entre uma parte de mancha e outra” (PARANÁ, 2017, p. 72). A tabela, a seguir, refere-se à descrição dessa primeira fonte, em que estão representados apenas pelos indicadores B e C. Na tabela, também, contém a ob- servação que os indicadores B e C foram calculados, utilizando-se o método estatístico quartil e dados censitários (IBGE, 2010). O que se destaca na tabela é que o município de Ivatuba aparece com nível 4 no indicador C, mesmo apre- sentando 0.00 (zero) em todas as Manchas (PARANÁ, 2017, p. 123). UNICESUMAR 17 Quadro 2 - RMM, Degraus Metropolitanos, Dados Municipais de FPIC de Referência: Uso do Solo Metropolitano Mancha Metropolitana por Ocupação Município Mancha Metropo-litana no municí- pio (km²) Mancha Me- tropolitana no município/ área da mancha metropolitana (%) Indica- dor B Mancha Metrop. na área do municíp./ Área do Município Indica- dor C Ângulo 0.00 0.00 1 0.00 1 Astorga 0.00 0.00 1 0.00 1 Atalaia 0.00 0.00 1 0.00 1 Bom Su- cesso 0.00 0.00 1 0.00 1 Cambira 0.00 0.00 1 0.00 1 Doutor Camargo 0.00 0.00 1 0.00 1 Floraí 0.00 0.00 1 0.00 1 Floresta 0.00 0.00 1 0.00 1 Flórida 0.00 0.00 1 0.00 1 Iguaraçu 0.00 0.00 1 0.00 1 Itambé 0.00 0.00 1 0.00 1 Ivatuba 0.00 0.00 1 0.00 4 Jandaia do Sul 0.00 0.00 1 0.00 1 Lobato 0.00 0.00 1 0.00 1 Manda- guaçu 0.00 0.00 1 0.00 1 Manda- guari 0.00 0.00 1 0.00 1 18 Marialva 33.10 18.91 4 6.97 4 Maringá 108.17 61.80 4 22.23 4 Munhoz de Mello 0.00 0.00 1 0.00 1 Nova Es- perança 0.00 8.84 1 0.00 1 Ourizona 0.00 0.00 1 0.00 1 Paiçandu 15.88 9.07 4 9.24 4 Presidente Castelo Branco 0.00 0.00 1 0.00 1 Santa Fé 0.00 0.00 1 0.00 1 São Jorge do Ivaí 0.00 0.00 1 0.00 1 Sarandi 17.88 10.22 4 17.28 4 175.03 100 Fonte: Paraná (2017, p. 123). Para as segunda e terceira fontes da FPIC Uso do Solo, foram utilizadas como referências a mancha metropolitana por sistema viário municipal, em relação à mancha do sistema viário metropolitano, e a contiguidade ou não dos perímetros urbanos municipais. A observação é que “os indicadores D e F foram calculados utilizando-se o método estatístico quartil, e para o indicador F, com contiguida- de = 4; sem contiguidade = 1” (PARANÁ, 2017, p. 124), todos tendo como fonte dados censitários (IBGE, 2010). No entanto os municípios inseridos na tabela, de acordo com a publicação (PARANÁ, 2017), identificada como RMM, pertencem a RM de Londrina. Nesse sentido, não foi possível verificar na FPIC Uso do Solo a escala (de 1 a 4) de cada município da região de Maringá, representada em todos os seus indicadores (B, C, D, E e F). No caso da FPIC Meio Ambiente, a única menção na publicação (PARANÁ, 2017) em relação à metodologia de sua composição, é que o indicador selecionado para uma análise preliminar dessa função foi a existência de mananciais de captação UNICESUMAR 19 de uso compartilhado por mais de um município. A tabela publicada (PARANÁ, 2017, p. 125) identifica como fonte o IBGE (2000) e insere na observação que, no Indicador G, o “manancial compartilhado = 4; manancial não compartilhado = 1”. Constam como municípios de manancial compartilhado (=4) na RMM: Astorga, Bom Sucesso, Cambira, Jandaia do Sul, Mandaguari, Marialva, Nova Esperança e Santa Fé. Constam como municípios de manancial não comparti- lhado (=1) na RMM: Ângulo, Atalaia, Doutor Camargo, Floraí, Floresta, Flórida, Iguaraçu, Itambé, Ivatuba, Lobato, Mandaguaçu, Maringá, Munhoz de Mello, Ourizona, Paiçandu, Presidente Castelo Branco, São Jorge do Ivaí e Sarandi. Dessa forma, o quadro síntese da RMM, referente aos Degraus Metropolitanos ocupados por cada um dos municípios, com indicador mínimo de 7 e máximo 28, foi apresentado da seguinte forma: Quadro 3 - Hierarquia Metropolitana na RMM Municípios Degrau Metropolitano Sarandi 28 Marialva 27 Paiçandu 25 Maringá Polo Presidente Castelo Branco 22 Mandaguaçu 19 Nova Esperança 17 Mandaguari 11 Astorga, Bom Sucesso, Floresta, Iguara- çu, Jandaia do Sul e Ourizona 10 Ângulo, Doutor Camargo, Itambé, Ivatu- ba, São Jorge do Ivaí e Cambira 9 Atalaia, Floraí, Flórida e Munhoz de Mello 8 Lobato e Santa Fé 7 Fonte: Paraná (2017, p. 238). UNICESUMAR 21 rência, nenhuma dessas ações descritas foi implementada. Avançamos, a seguir, nas seções relacionadas à análise da composição funcional da RMM. Arranjos Populacionais (APs) e Concentrações Urbanas (CUs) O estudo dos Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil (IBGE, 2016a) se constitui como uma referência para o planejamento, no país, cujo qua- dro foi desenvolvido a partir de critérios relacionados à integração entre os mu- nicípios e é uma outra referência para compreender a dinâmica de constituição do espaço urbano regional da RMM. O Arranjo Populacional é o “agrupamento de dois ou mais municípios onde há uma forte integração populacional devido aos movimentos pendulares para trabalho ou estudo, ou devido à contiguidade entre as manchas urbanizadas prin- cipais” (IBGE, 2016a, p. 22), e sua formação está fundamentada em três critérios de integração: “i - forte intensidade relativa dos movimentos pendulares para trabalho e estudo [...]; ii - um valor de intensidade absoluta dos movimentos para trabalho e estudo, entre dois municípios, igual ou superior a 10 mil pessoas; iii - contiguidade das manchas urbanizadas principais de dois municípios de até 3 km” (IBGE, 2016a, p. 22). Conforme o citado estudo (IBGE, 2016a), apesar das características seme- lhantes em razão dos critérios de integração e conurbação adotados, os APs pos- suem particularidades que também os distinguem entre si, para além da simples localização de sua região geográfica. Para essa análise específica, foram atribuídas características comuns aos APs, como tamanho populacional (até 100 mil habi- tantes, de 100 mil a 750 mil habitantes, acima de 750 mil habitantes) e localização (litoral, fronteira etc.), resultando em tipologias com as seguintes denomina- ções: Arranjos Populacionais Fronteiriços; Arranjos Populacionais Turísticos e de Veraneio no Litoral; Arranjos Populacionais até 100 mil habitantes; Médias Concentrações Urbanas e Grandes Concentrações Urbanas. O AP de Maringá/PR2 se insere na tipologia de Médias Concentrações Ur- banas (arranjos populacionais acima de 100 mil habitantes a 750 mil habitantes), 2 Um dos critérios de nome do arranjo é que o arranjo leva o nome do município que possui maior popula- ção, desde que esta seja, no mínimo, o dobro da população do segundo maior município (IBGE, 2016, p. 23). UNICESUMAR 23 Regiões geográficas imediatas e intermediárias A publicação Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas e Re- giões Geográficas Intermediárias (2017) é o mais recente estudo disponibilizado pelo IBGE para o planejamento regional do país. A publicação representa o que o Instituto categoriza como um novo quadro de referência para o planejamento regional, com as múltiplas escalas existentes no território nacional, resultantes das dinâmicas produtivas das últimas três décadas socioeconômicas, ambientais e de natureza político-administrativa, que inclui a criação de municípios e regiões metropolitanas, pós-Constituição Federal de 1988. A prioridade do estudo foi as unidades subestaduais, incorporando a dife- renciação do território interno, com a revisão das unidades mesorregionais e microrregionais, denominadas respectivamente de Regiões Geográficas Inter- mediárias e Regiões Geográficas Imediatas. De acordo com esta atualização do quadro regional brasileiro, as Regiões Geográficas Imediatas (RGIs) têm como referência principal a rede urbana, ou seja, essas regiões são estruturadas por meio de centros urbanos mais próximos “para a satisfação das necessidades imediatas das populações, tais como: compras de bens de consumo duráveis e não durá- veis; busca de trabalho; procura por serviços de saúde e educação; e prestação de serviços públicos” (IBGE, 2017, p. 19). As Regiões Geográficas Intermediárias estão relacionadas a uma escala intermediária entre as Unidades da Federação e as Regiões Geográficas Imediatas, delimitando-as com a inclusão de Metrópoles ou Capitais Regionais (IBGE, 2008). Essa mais recente regionalização, sistematizada pelo IBGE (2017), utilizou em suas principais referências diversos estudos regionais feitos anteriormente, articulados de acordo com as premissas e regras da atual proposta de recorte regional, dentre os quais se destaca o REGIC 2007 (IBGE, 2008). A partir da estrutura conceitual-metodológica desenvolvida no REGIC 2007 (IBGE, 2008), outra referência utilizada é o estudo Divisão Urbano-Regional (IBGE, 2013), em razão de ofereceruma perspectiva regional do Brasil, por meio de fluxos articulados por sua rede urbana, culminando na identificação de re- giões em três escalas: (1) Regiões Ampliadas de Articulação Urbana, (2) Regiões 24 Intermediárias de Articulação Urbana e (3) Regiões Imediatas de Articulação Urbana. “Todas as regiões identificadas são formadas a partir de uma cidade que comanda a sua região, estabelecendo-se relacionamentos entre agentes e empresas nos respectivos territórios” (IBGE, 2017, p. 21). O estudo Gestão do Território (IBGE, 2014a) se insere, também, para abordar as redes e fluxos do território, mas com diferencial essencial. Esta dimensão de organização espacial foi construída a partir dos fluxos de gestão, representado pelas instituições públicas federais “que possuem unidades espalhadas pelo Terri- tório Nacional para atender à população, levantar dados e informações e recolher tributos – quanto do lado do mercado – representado pelas empresas privadas multilocalizadas” (IBGE, 2017, p. 21). No novo quadro regional de referência no país (IBGE, 2017), inseriram como referência as principais estruturas de transporte, por meio do estudo Logísticas dos Transportes do Brasil (IBGE, 2014b), que apresenta “[...] rodovias, ferrovias, hidrovias, aeroportos e portos, bem como outros equipamentos associados à logística do transporte de cargas e pessoas no País, como armazéns, estações aduaneiras de interior (chamados portos secos) [...]” (IBGE, 2017, p. 22). Os APs e as Concentrações Urbanas do Brasil (IBGE, 2016a) também cons- tituem a base dessa atualização do quadro de regionalização, fornecendo um arquétipo territorial de representação das relações econômicas e sociais inerentes ao processo de urbanização. “Essas unidades de análise formam um espaço urba- no único, que, para efeito do presente projeto de regionalização, foi considerado indivisível” (IBGE, 2017, p. 22). O desenvolvimento da atual proposta de recorte regional (IBGE, 2017) ini- ciou com a delimitação das Regiões Geográficas Imediatas e Intermediárias. Para cumprir esse objetivo, utilizou-se, em uma primeira fase, a Divisão Urbano-Re- gional (IBGE, 2013), em suas escalas imediata e intermediária, representadas no referido estudo como Regiões Imediatas de Articulação Urbana e Regiões Intermediárias de Articulação Urbana. Conforme o estudo (IBGE, 2017), a Divisão Urbano-Regional (IBGE, 2013) não respeitava o limite das Unidades da Federação, pois fora feita com base no Regic 2007 (IBGE, 2008). Para as Regiões Geográficas Imediatas e Intermediárias, no entanto, a restrição quanto aos limites das Unidades da Federação constitui uma regra. Além disso, para cada escala (imediata e intermediária) foi balizado um número específico de municípios, respeitando “a noção de uma homogenei- UNICESUMAR 25 dade/proporcionalidade territorial e municipal, criando regiões com a mesma hierarquia, porém com extensões territoriais e quantitativos de municípios bas- tante diversos” (IBGE, 2017, p. 22). Para cada Região Geográfica Imediata, a delimitação de composição de mu- nicípios foi de ter no mínimo cinco e no máximo 25, limitado também a um con- tingente populacional mínimo de 50 mil habitantes. Para chegar a essa soma total, utilizaram-se os resultados das Estimativas da População Residente para os Mu- nicípios Brasileiros em 1º de julho de 2016 (IBGE, 2016b). Em termos de hierar- quização, cada Região Geográfica Imediata limitou-se a conter pelo menos uma cidade classificada como Centro de Zona B, conforme o Regic 2007 (IBGE, 2008). De acordo com o estudo (IBGE, 2017), após estruturação dessas regras, suce- deu-se em avaliar município por município, a partir de fluxos de gestão pública e gestão empresarial (IBGE, 2014a), dos deslocamentos para estudo e trabalho (IBGE, 2016a) e das regiões de influência das cidades (IBGE, 2008). Todos esses dados referenciaram a elaboração do atual recorte regional. A obra (IBGE, 2017), ainda, destaca que cada Região Geográfica Imediata tem um polo articulador de seu território. Esse polo cujo nome é concedido à essa região, pode ser um município isolado ou um arranjo populacional. A base das Regiões Geográficas Intermediárias, portanto, são as Regiões Geográficas Imediatas. Assim, primeiro ocorreu a composição de cada Região Geográfica Imediata, a partir dos “dados de fluxo municipais de gestão pública e gestão em- presarial (IBGE, 2014a), de deslocamento para trabalho e estudo (IBGE, 2016a) e das regiões de influência das cidades (IBGE, 2008)” (IBGE, 2017, p. 31). Após estruturadas as Regiões Geográficas Imediatas (Microrregiões), por meio de aglutinação, as Regiões Geográficas Intermediárias (Mesorregiões) fo- ram formadas. Estas últimas precisam respeitar os limites das Regiões Geográ- ficas Imediatas e das UFs bem como ter um número mínimo de duas Regiões Geográficas Imediatas para cada Região Geográfica Intermediária (IBGE, 2017). A Região Geográfica Imediata (microrregião) de Maringá, definida a partir da atual proposta de recorte regional do IBGE (2017) é composta por 23 municípios, a saber: Paiçandu, Ourizona, Nova Esperança, Munhoz de Mello, Maringá, Marialva, Uniflor, Sarandi, São Jorge do Ivaí, Santa Fé, Presidente Castelo Branco, Mandaguari, Mandaguaçu, Ivatuba, Itambé, Iguaraçu, Flórida, Floresta, Floraí, Doutor Camargo, Atalaia, Astorga e Ângulo. UNICESUMAR 27 urbano-metropolitano por meio do nível de integração intrametropolitano4 (CHIRNEV, 2016). Segundo o estudo, o nível de integração intrametropolitano é uma medida para mensurar a escala de integração dos 25 municípios metro- politanos com o polo Maringá. Para a identificação desse nível de integração, as principais fontes foram os microdados do Censo Demográfico do IBGE de 2010. As variáveis selecionadas para classificação seguem a mesma premissa do uso de indicadores que refletem os elementos da dinâmica metropolitana, como: (1) população residente total 2010, (2) Taxa de crescimento populacional geométrico anual no período de 2000 a 2010, (3) Grau de urbanização em 2010 (proporção da população residente em áreas urbanas), (4) Percentual de trabalhadores em ocupações não-agrícolas no município em 2010, (5) Densidade populacional dos setores censitários urbanos (número de habitantes por km²), no conjunto de setores censitários classificados como tipo 1 a 4 (Censo 2010), (6) Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, (7) Total de rendimentos das pessoas residentes em 2010 (em R$), (8) Entrada e saída por movimento pendular, ou seja, somatória de entradas e saídas por movimento pendular no município: número de pessoas que procuraram o município para trabalhar ou estudar (entrada) mais o número de pessoas que procuraram outro município para trabalhar ou estudar em 2010 (uma pessoa que “entrou” ou “saiu” no município para realizar as duas atividades foi considerada nos dois tipos de fluxos de entrada ou saída – trabalho e estudo), (9) Porcentagem de entrada e saí- da de movimento pendular, ou seja, percentual de pessoas que “entram” ou “saem” do município para trabalhar ou estudar (item anterior), em relação ao total de pessoas do respectivo município ocupadas ou que frequentavam escola em 2010. O resultado foi o agrupamento de municípios, classificados conforme o nível de integração com o polo, na seguinte escala: Alto, Médio Alto, Médio Baixo e Muito Baixo. Os municípios de Sarandi, Mandaguaçu e Paiçandu, que compõem a área conurbada de Maringá, estão classificados no nível de integração Alto, ou seja, em relação aos demais municípios, participam de maneira efetiva do proces- so de metropolização, compartilhando variáveis afins, como renda, movimento pendular, PIB, perfil não agrícola etc. Os municípios de Nova Esperança, Marialva, Mandaguari e Astorga ocupam a escala de nível de integração Médio Alto, ou seja, mesmo sem estarem interligadas 4 Classificação realizada por Clédina Regina LonardanAcorsi e Ana Lúcia Rodrigues no âmbito do INCT Observatóriodas Metrópoles- Núcleo Região Metropolitana de Maringá, Relatório de Pesquisa (2015). UNICESUMAR 29 identificar quais municípios se integram ou não ao polo e, portanto, contribuir para as análises e discussões sobre a dinâmica regional, definição de FPICs e, por consequência, subsidiar o planejamento efetivo da governança metropolitana. Considerações Finais Para alcançar os objetivos propostos neste estudo, foram identificados distintos padrões de composição da RMM. Cada geografia territorial, selecionada a partir de aspectos específicos de caráter institucional, funcional e político, descreve sua finalidade e dimensão espacial. Em cada território, foi possível identificar as distintas dinâmicas de construção do espaço urbano regional. Na formação institucional da RMM, verifica-se que a composição com 26 municípios está atrelada à força da lei, distante, portanto, de qualquer vínculo com a realidade funcional metropolitana. As leis implementadas, ao longo dos anos, não dotaram o território de qualquer governabilidade e, na obrigatoriedade de outra lei, a partir do Estatuto da Metrópole, delegou aos estados e municípios a responsabilidade de identificar e gerir suas FPICs, ou seja, uma lei para corrigir equívocos relacionados ao indiscriminado e legal processo de institucionalização. O aspecto político de constituição do território foi analisado no presente artigo para atualizar a referência do Estado do Paraná, para a política de desen- volvimento regional. Em seu estudo técnico (PARANÁ, 2017), a SEDU confirma a regional de Maringá como RM e, no estudo de hierarquia, denominado de De- graus Metropolitanos, cuja metodologia foi desenvolvida a partir de três FPICs (Uso e Ocupação do Solo, Meio Ambiente e Mobilidade), confirma a justificativa de inclusão nessa composição regional, além do polo, de mais sete municípios, sendo Sarandi, Mandaguari, Mandaguaçu, Marialva, Nova Esperança, Paiçandu, Presidente Castelo Branco. No aspecto funcional da região de Maringá, destacamos três estudos para demonstrar os territórios integrantes da dinâmica metropolitana nos aspectos funcionais. Dois dos trabalhos foram desenvolvidos pelo IBGE, os Arranjos Po- pulacionais e Concentrações Urbanas (2016) e a Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões Geográficas Intermediárias (2017). No estudo regional de 2016 (IBGE, 2016a), o critério de formação de um ar- ranjo populacional foi o agrupamento de municípios, tendo a urbanização como 30 principal processo indutor de integração populacional entre os municípios, em especial com o polo, em razão dos movimentos pendulares para trabalho e/ou estudo bem como a contiguidade entre as manchas urbanizadas principais. Dessa forma, o Arranjo Populacional de Maringá, considerado como Média Concen- tração Urbana (populacionais acima de 100 mil habitantes a 750 mil habitantes), compõe-se pelo polo Maringá, mais os municípios de Floresta, Iguaraçu, Itambé, Mandaguaçu, Marialva, Ourizona, Paiçandu, Presidente Castelo Branco e Sarandi. E, no mais recente estudo do IBGE (2017), incluiu-se como regra a restrição quanto aos limites das Unidades da Federação e se construiu o quadro atual de regionalização do país, utilizando como subsídio para esse processo outras pesquisas anteriores do IBGE (IBGE, 2008; IBGE, 2013; IBGE, 2014a; IBGE, 2014b; IBGE, 2016a; IBGE, 2016b). Esse arcabouço metodológico fundamentou a revisão das unidades mesorregionais e microrregionais do Brasil, denomina- das respectivamente de Regiões Geográficas Intermediárias e Regiões Geográ- ficas Imediatas. O referencial principal das Regiões Geográficas Imediatas é a rede urbana, relacionadas aos centros urbanos mais próximos para satisfação imediata da população, para busca de trabalho, compras de bens de consumo duráveis e não duráveis, acesso à prestação de serviços públicos, acesso a ser- viços de saúde e educação. No quadro atual de regionalização no Estado do Paraná, Maringá identifica uma Região Geográfica Intermediária que tem em sua amplitude mais sete uni- dades de Região Geográfica Imediata, entre as quais a de Maringá, composta por 23 municípios: Paiçandu, Ourizona, Nova Esperança, Munhoz de Mello, Maringá, UNICESUMAR 31 Marialva, Sarandi, São Jorge do Ivaí, Santa Fé, Presidente Castelo Branco, Man- daguari, Mandaguaçu, Ivatuba, Itambé, Iguaraçu, Flórida, Floresta, Floraí, Doutor Camargo, Atalaia, Astorga, Ângulo e Uniflor. O nível de integração intrametropolitano (CHIRNEV, 2016) é o terceiro estu- do no aspecto funcional apresentado, tendo sido elaborado com metodologia do Observatório das Metrópoles (2012). Como resultado, nas escalas mais elevadas, além do polo Maringá, no nível de integração Alto, foi identificado os municípios de Mandaguaçu, Sarandi e Paiçandu e, no nível Médio Alto, os municípios de Astorga, Mandaguari, Marialva e Nova Esperança. Portanto, nas seções delineadas no presente artigo, das principais configura- ções territoriais no contexto da RMM, dos territórios analisados, o padrão insti- tucional não corresponde à dinâmica urbana e regional. O padrão político ainda se encontra estagnado após 21 anos de sua primeira formalização e, apesar de incluir alguns parâmetros técnicos, ainda não é possível verificar se sua proposta poderá contribuir para controle do aprofundamento das desigualdades sociais, ou se beneficiará os modelos de apropriação da cidade. Em relação aos três padrões funcionais sistematizados, esses recortes territoriais são integrados a partir de metodologias e seleção de variáveis. A perspectiva, portanto, refere-se a poder utilizar cada padrão de acordo com o subsídio analítico proposto, seja esse para fundamentar uma pesquisa cientí- fica, debater com autoridades públicas as definições de planejamento regional, suprir os movimentos sociais e a sociedade civil com informações relacionadas à realidade metropolitana. 32 REFERÊNCIAS ACORSI, C. R. L.; RODRIGUES, A. L. Nível de Integração Intrametropolitana da RMM. Relató- rio de Pesquisa. Maringá: Observatório das Metrópoles, 2015. BRASIL. Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015. Institui o Estatuto da Metrópole, altera a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de jan. 2015. p. 2. CHIRNEV, L. Estatuto da Metrópole e o desafio da gestão compartilhada: uma análise do novo marco regulatório sob o viés do atual nível de integração entre os municípios da RMM- -Região Metropolitana de Maringá (PR). Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universi- dade Estadual de Maringá, Maringá, 2016. FIRKOWSKI, O. Estudo das Metrópoles e Regiões Metropolitanas no Brasil: conciliação ou di- vórcio? In: FURTADO, B. A.; KRAUSE, L.; FRANÇA, K. C. B de (editores). Território Metropoli- tano e políticas municipais: por soluções conjuntas de problemas urbanos no âmbito me- tropolitano. Brasília: IPEA, 2013. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/ PDFs/livros/livros/livro_territoriometropolitano.pdf. Acesso em: 6 jun. 2018. IBGE. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/biblioteca/docs/regic_2007.pdf. Acesso em: 15 jun. 2018. IBGE. Censo 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, On-line, [2021]. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em: 15 jan. 2021. IBGE. Gestão do território 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014a. IBGE. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014b. IBGE. Arranjos populacionais e concentrações urbanas no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2016a. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99700.pdf. Acesso em: 07 jun. 2018. IBGE. Estimativas da população residente para os municípios e para as unidades da fe- deração brasileiros com data de referência em 1º de julho de 2016. Rio de Janeiro: IBGE, 2016b. IBGE. Divisão regional do Brasil em regiões geográficas imediatas e regiõesgeográficas intermediárias. Rio de Janeiro: Coordenação de Geografia, 2017. Disponível em: https://bi- blioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100600.pdf. Acesso em: 15 jun. 2018. 33 REFERÊNCIAS IBGE. Estimativas da população residente no Brasil e unidades da Federação com data de referência em 1º de julho de 2018. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://www.ibge. gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?=&t=downloads. Acesso em: 30 ago. 2019. IBGE. Estimativas da população residente no Brasil e unidades da Federação com data de referência em 1º de julho de 2019. Rio de Janeiro: DPE, COPS, 2019. Disponível em: ht- tps://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/7d410669a4ae85faf4e- 8c3a0a0c649c7.pdf. Acesso em: 30 ago. 2019. OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES. Níveis de integração dos municípios brasileiros em RMs, RIDEs e AUs à dinâmica da metropolização. Relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles, 2012. PARANÁ. Governo do Estado. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano (SEDU). Ser- viço Social Autônomo (PARANACIDADE). Referências para a Política de Desenvolvimento Urbano e Regional para o Estado do Paraná. Curitiba, agosto de 2017. PARANÁ. Lei Complementar nº 83 de 17 de julho 1998. Institui a Região Metropolitana de Maringá, constituída pelos Municípios que especifica. Disponível em: http://www.legislacao. pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibir&codAto=8563&codItemAto=81922. Aces- so em: 1 jun. 2018. PARANÁ. Lei Complementar nº 111 de 11 de agosto de 2005. Dispõe sobre o funcionamento das Regiões Metropolitanas do Estado do Paraná. Acesso em: http://www.legislacao.pr.gov. br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=7339&codItemAto=62018. Acesso em: 1 jun. 2018. PARANÁ. Lei Complementar nº 145 de 24 de abril de 2012. Altera o art. 1º da Lei Complemen- tar nº 83/98, incluindo o Município de Nova Esperança na Região Metropolitana de Maringá. Acesso em: http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibir&codA- to=67057&codItemAto=500201#500201. Acesso em: 1 jun. 2018. RODRIGUES, A. L; SOUZA, P. R de. Maringá: a ordem urbana na região metropolitana de Marin- gá: planejamento que produz segregação. In: RIBEIRO, L. C. Q.; RIBEIRO, M. G (org.). Metrópo- les brasileiras: síntese da transformação na ordem urbana 1980 a 2010. 1. ed. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2018. UNICESUMAR 35 PRINCÍPIOS DA COMUNICAÇÃO PÚBLICA E O DIREITO À INFORMAÇÃO Lilian Chirnev Antonio Teixeira de Barros Armando Medeiros de Faria O objetivo do presente capítulo é apresentar a comunicação pública (CP) como um instrumento de fortalecimento dos interesses dos cidadãos nas instituições públicas nos três Poderes da União, no Distrito Federal, nos Estados e Municí- pios5. É, ainda, um reconhecimento em torno do direito à informação e do dever do Estado em prestar contas aos cidadãos, de modo a constituir a comunicação pública como instrumento para o fortalecimento da democracia, da cidadania e da eficiência do setor público6. Para cumprir tal proposta e municiar com informações todos os agentes (incluindo profissionais e cidadãos) que atuam e compõem tais instâncias, dis- corremos sobre a temática, a partir de uma pesquisa bibliográfica7 cujos autores são oriundos das diversas disciplinas do saber, em especial comunicólogos, con- siderados referências em torno do debate sobre o conceito de CP, que atualmente está em processo de construção. 5 A comunicação pública como prática também se aplica nas instituições privadas e no terceiro setor, mas, para cumprir o referencial do tema geral do livro Temas contemporâneos de Gestão Pública, opta- mos por dar enfoque na comunicação pública nas instituições públicas ligadas aos três Poderes nos diversos entes federados. 6 Preceito evidenciado pela Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública). 7 Autores de diversos países, pesquisadores, professores, profissionais do setor público e entidades que se apropriaram da comunicação pública têm produzido análises com os mais diversos vieses, desde a definição conceitual de comunicação pública; seus desdobramentos por meio dos princípios de instituição do direito à liberdade de expressão, comunicação e informação; contextos históricos, políticos e sociais da comunicação pública; políticas de comunicação, entre outros. Os referenciais apresentados no capítulo constituem apenas alguns desses estudos. 36 A referida multidisciplinaridade, também, está atrelada a um aspecto impor- tante da CP: os esforços empreendidos nos últimos anos, pelos pesquisadores do tema, são no sentido de instituir a comunicação pública como aparato essencial na prática de atuação de todos os setores cujo vínculo seja o cidadão. Versar sobre a comunicação no setor público, para além dos aspectos tecnicis- tas/mecanicistas8 desse processo instituído e restrito, inicialmente as assessorias de comunicação, vai ao encontro de compreender a mudança na sociedade. Desse modo, a polarização, que deu base para as distinções entre teoria e prática profissio- nal dos profissionais da comunicação9, busca encontrar um caminho para aprimo- rar a ação comunicacional e estar inserida de maneira sistêmica na gestão pública. Esse renovo desencadeado, nos últimos anos, em torno do debate sobre o que seja comunicação pública e como ampliar sua aplicabilidade de maneira efetiva, atende principalmente a uma demanda atual do Estado democrático. O cidadão, agora, também, conta com a possibilidade de acessar e usufruir das novas tecno- logias de informação e comunicação, consciente, cada vez mais, de sua condição de cidadania. Dessa forma, ele intervém em todos os espaços (físicos e virtuais) para fazer valer seus direitos e deveres. Posto isto, iniciamos a apresentação do tema com o contexto histórico da co- municação no setor público, traçando paralelo entre o surgimento dos primeiros serviços de comunicação e das relações públicas; os diversos conceitos relacionados à comunicação realizada no âmbito público bem como a evolução da compreen- são, em relação ao processo de comunicação, para atender apenas os interesses da organização e, mais recentemente, colocando o cidadão como foco de atuação. Em seguida, destacamos o aspecto legal da informação e da comunicação como direito. A definição conceitual de comunicação pública e as relações e prá- ticas comunicacionais, também, compõem nossas discussões. E, por fim, nas con- siderações finais, enfatizamos a necessidade de estabelecer uma agenda pública de debate para avançar na possibilidade de definir parâmetros para referenciar e propagar a prática da comunicação pública nas instituições públicas e na socie- dade brasileira como um todo. 8 Transmissão intencional de mensagens entre um emissor e um receptor. 9 Nesse contexto, Brandão (2012) dispõe sobre as raízes do conceito de CP e ressalta o resgate idea- lístico da comunicação bem como a renovação deste ideal por meio da comunicação pública. Vale a leitura completa do capítulo intitulado Conceito de comunicação pública, assim como a obra comple- ta no qual o texto se insere (DUARTE, 2012). UNICESUMAR 37 Influências internacionais no conceito de comunicação pública no contexto brasileiro No desenvolvimento dos estudos sobre comunicação pública no Brasil, é consensual a relevância do legado de intelectuais franceses, sobretudo no que se refere ao papel desempenhado por Pierre Zémor, que se tornou a principal referência dos estudos sobre o tema, no Brasil, nos últimos anos (BARROS; BERNARDES, 2009). Zémor foi o primeiro autor introduzido no campo acadêmico brasileiro sobre o tema. Suas obras foram, amplamente, divulgadas nos cursos de pós-graduação da área de comu- nicação, no Brasil. A presença dele, em eventos brasileiros, reforçou essa influência. Pierre Zémor foi presidente da Federação Europeia de Associações de Co- municaçãoPública (FEACP) e, também, da Associação Francesa de Comuni- cação Pública, da qual foi fundador. Um dos seus livros mais conhecidos, La Communication Publique10, contou com tradução, no Brasil, da professora Eliza- beth Brandão, em meados da década de 90, que ajudou a difundir o conceito e o pensamento de Zémor, por meio de cursos ministrados por ela, palestras, textos apresentados em congressos e publicações em revistas especializadas. No dia 24 de abril de 2009, Zémor proferiu palestra em Brasília, a convite da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e da Secretaria de Comunica- ção Social da Presidência da República, com apoio da Embaixada da França, para falar no seminário Comunicação Pública: A Experiência Francesa. O evento fez parte das comemorações do Ano da França no Brasil. Na ocasião, a professora He- loiza Matos, uma das pioneiras nos estudos sobre comunicação pública no Brasil, relatou como iniciou seu interesse acadêmico pela obra do estudioso francês. Ela explicou que se deparou com os livros de Pierre Zémor sobre comunicação pública, quando esteve na Europa, pesquisando sobre comunicação política no início da década de 80 (MATOS, 2009). Na mesma ocasião, Elizabeth Brandão testemunhou que seu primeiro con- tato com o pensamento de Zémor se deu por meio de textos trazidos da França, por Heloiza Matos. Em sua avaliação, as primeiras discussões sobre a comuni- cação pública, no final dos anos 90, coincidiram com o novo momento político do Brasil e a busca por uma nova cidadania. “Eram jovens profissionais da co- 10 Zémor, também, é autor de vários outros livros sobre comunicação pública: Le sens de larelation: organisation de la communication duservicepublic; Pourunmeilleurdébatpublic; Le défi de gouverner, communication comprise: Mieuxassocierlescitoyens? e La communication publique en pratique. 38 municação que tinham profundo idealismo e acreditavam que a comunicação pública pudesse ir além da mídia”, disse Brandão durante sua conferência ao lado de Pierre Zémor e de Heloiza Matos. Ao iniciar a palestra, Zémor (2009) lembrou que a comunicação pública co- meçou a ser conceituada, há cerca de 25 ou 30 anos. Para ele, a democracia não pode se contentar em simplesmente transpor técnicas do marketing ao serviço público. Para a representação dos poderes públicos, explicou, a comunicação deve se afastar das características concorrenciais de mercado. A transparência e a participação democrática, na gestão dos sistemas públicos de informação, são apontadas, por Pierre Zémor (1995), como pilares da comuni- cação pública. São, portanto, os dois pré-requisitos para o pleno funcionamento desses sistemas, pois, segundo o autor, trata-se das colunas necessárias para garan- tir o interesse geral. Sem a legitimidade do interesse geral, conforme Zémor, não é possível falar em comunicação pública. Essa ênfase no interesse geral é justificada, pelo autor, devido à natureza dos serviços públicos de informação cujo domí- nio público deve ultrapassar a esfera do Estado ou da instituição que produz os conteúdos. Como se trata de uma comunicação que se situa necessariamente no espaço público, o olhar do cidadão é mais relevante do que o controle do Estado. É neste pressuposto que se sustenta o argumento de Pierre Zémor: assegurar o interesse geral implica, necessariamente, transparência. Nessa ordem de ideias, ouvir as demandas, as expectativas e as interrogações do público, segundo Zémor, deve ser a função primordial da comunicação pú- blica, além de estimular e fortalecer o debate público, que ele considera requisito para fomentar a participação política. Entre outras funções da comunicação pú- blica, o autor destaca: “ a) informar adequadamente o público, o que implica levar ao co- nhecimento da população noticiário abrangente e contextualizado, além de prestar contas sobre os serviços prestados pela instituição e valorizar a cultura dos receptores; b) contribuir para assegurar e fortalecer as relações sociais (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator social e político); c) acompanhar as mudanças, tanto as comportamentais quanto as da organização social; d) alimentar o conhecimento cívico (BAR- ROS; BERNARDES, 2009, p. 5). UNICESUMAR 39 Outro tópico destacado por Zémor é a complexidade da relação com o cidadão receptor. Segundo sua análise, na comunicação pública, o cidadão é um interlocu- tor ambivalente. Ao mesmo tempo em que ele respeita e se submete à autoridade das instituições públicas, ele protesta sobre a falta de informação, ou sobre suas mensagens mal construídas, incompletas ou mal divulgadas. Na visão de Pierre Zémor, portanto, a missão da comunicação pública não se resume a informar o público, mas também a aproximar as instituições públicas da sociedade e do cidadão. Para isso, as organizações devem, em sua avaliação, desenvolver campanhas de informação e ações de comunicação de interesse geral a fim de tornar conhecidas as instituições. Portanto, a comunicação pública com- preende um conjunto de atividades de comunicação externa que reúne jornalis- mo público, divulgação institucional, publicidade institucional e accountability. O autor ressalta, entretanto, que a comunicação interna deve seguir os mesmos princípios, caso contrário, não haverá sintonia entre a opinião dos servidores e profissionais da instituição e a opinião pública. Outra contribuição internacional importante, que exerce influência na co- municação pública brasileira, ainda, hoje, diz respeito aos princípios que a comu- nicação pública deve seguir, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2001). São os seguintes: • Universalidade: os conteúdos devem ser acessíveis a todos os cidadãos interessados, independentemente de sua posição so- cial, nível de instrução ou poder econômico. • Diversidade: os conteúdos devem contemplar interesses públi- cos diversificados e visões plurais. • Independência: a atuação dos veículos de comunicação pública deve se pautar pela independência editorial, sem alinhamento a quaisquer visões partidárias, governamentais ou comerciais. • Diferenciação: os conteúdos oferecidos devem primar pela diferenciação em relação aos padrões das mídias comerciais, demarcando, assim, sua identidade pública, livre dos ditames da busca de audiência. Além das heranças francesas, a história do conceito de comunicação pública, no Brasil, é tributária da comunicação educativa, sistema estratégico de difusão in- 40 formacional e cultural utilizado pelo Estado brasileiro para transmitir e difundir conteúdos instrucionais à população, a partir da década de 30 (BARROS; BER- NARDES; MACEDO, 2015). Tal sistema fazia parte do conjunto de medidas governamentais para institucionalizar as políticas culturais e a Educação a Dis- tância. No caso do governo Vargas, conforme analisam McCann (2004), Ortiz (1994) e Williams (2001), o projeto de comunicação radiofônica se insere no contexto de formação de uma indústria cultural brasileira, fruto das influências culturais dos empreendimentos decorrentes da “cultura de guerra” que influen- ciou o cenário nacional e a América Latina, em seu contexto mais abrangente. Um desdobramento específico dessa “cultura de guerra” foram os sistemas educativos de rádio, conforme os estudos de Pimentel (2004), Fontecilla (1983), além de Targino e Barros (1992). No âmbito das instituições públicas, em sua fase inicial de desenvolvimento, as atividades de comunicação estavam integradas, basicamente, à concepção de coletar e divulgar informações pertinentes ao setor assistido. Como identifica Andrade (1993), o primeiro emprego sistemático de um serviço informativo oficial no âmbito governamental surgiu do Departamento de Agricultura, nos Estados Unidos, em 186211. No Brasil, a criação de um setor especializado de serviço informativo se deu primeiro no setor públicoe foi identificado, historicamente, em 1911, por meio do Decreto nº 9.195 de 9 de dezembro, instituindo o Serviço de Informações e Divulgação do Ministério da Agricultura, sendo considerado o primeiro infor- mativo oficial brasileiro. Ainda, em relação ao contexto histórico, considerando os paralelos com a origem das assessorias de comunicação social e da atividade de relações públicas (WELS, 2008), na sua obra Cronologia da Evolução Histórica das Relações Públi- cas, Gurgel (1985) relata o início do funcionamento do primeiro serviço regular de Relações Públicas no país, em 1914, denominado Departamento de Relações Públicas da The São Paulo Tramway Light and Power Co. Limited. O modelo adotado intermediava a interlocução entre governo, mídia e socie- dade, mantendo um canal de comunicação permanente, mas, prioritariamente, 11 Wels (2008), no capítulo Aspectos históricos da atividade de Relações Públicas: paralelos com a origem das assessorias de comunicação social, para uma melhor compreensão e desenvolvimento do tema referente aos possíveis paralelos entre a história das Relações Públicas e as Assessorias de Comunicação Social, a autora faz uma breve discussão sobre assessorias nas organizações. UNICESUMAR 41 para divulgar ações governamentais e, por consequência, a propagação da ima- gem pública. Como observou Wels (2006), mesmo com fronteiras pouco nítidas quanto às práticas desenvolvidas pelos profissionais habilitados em Comunicação Social, entre os quais os de relações públicas, jornalistas e publicitários, as asses- sorias de comunicação consolidaram suas funções, legitimando-se como área estratégica nas instituições públicas. Assim como no Poder Executivo, o Poder Legislativo iniciou seu projeto de comunicação por meio da rádio. Em 1952, as câmaras municipais das cidades mais desenvolvidas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belho Horizonte, contrata- vam rádios locais para transmissão das sessões legislativas. O Legislativo Federal, porém, só chegou às rádios dez anos mais tarde, em 1962, após a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília. Naquela época, o programa “A Hora do Brasil” passou a chamar-se “A Voz do Brasil”12 e a dividir o tempo de transmissão diária com os poderes Legislativo e Judiciário (ADGHIRNI, 2006). Os núcleos de rádio do Senado e da Câmara dos Deputados surgem com as equipes responsáveis pela produção de “A Voz do Brasil” e que alimentava 400 emissoras em todo o país. O projeto de comunicação pública nos três poderes se consolidou com a criação das emissoras de televisão na década de 90, pelo Congresso Nacional (TV Senado e TV Câmara) e pelo Poder Judiciário (TV Justiça). Esse projeto foi denominado de mídias das fontes13, o que resultou na diversificação dos veículos, incluindo os sites noticiosos e as novas mídias. Ao mesmo tempo em que essas mídias são consideradas importantes serviços de transparência e de prestação de contas à sociedade, a literatura registra críticas ao modo como elas são gerenciadas e administradas (BUCCI, 2015). Para o autor, as insti- tuições de comunicação do setor público, no Brasil, constituem uma forma de narcisocracia, pois são conduzidas ao sabor dos interesses e vaidades dos seus dirigentes, que ocupam cargos comissionados. Isso leva esses veículos a 12 Trata-se do primeiro e mais importante programa de rádio com o formato de divulgação oficial das atividades do Poder Executivo, com o objetivo de conquistar a simpatia da população para o governo Vargas. Todas as emissoras de rádio do País, inclusive as privadas, eram obrigadas a transmitir o noticiário oficial, das 19h às 20h. Em 1962, o Poder Legislativo passou ocupar a segunda meia hora do noticiário. Em 1971 o nome foi alterado para Voz do Brasil. Atualmente, a transmissão continua sendo obrigatória, mas o tempo foi redistribuído, de modo que o Poder Executivo ocupa 30 minutos, o Legislativo 20 e o Judiciário 10 minutos. 13 Trata-se de conceito formulado por Francisco Sant’Anna (2008), segundo o qual, as mídias das fontes consistem na iniciativa de instituições públicas difundirem informações por veículos pró- prios, sem a intermediação da mídia privada. 42 se preocuparem mais com a imagem e a reputação de seus dirigentes, em vez de priorizar o interesse público efetivamente. Essa crítica aponta para as distinções entre comunicação pública e comuni- cação estatal, que são caracterizadas de forma distinta pela Constituição Federal de 1988. A primeira é definida de forma mais abrangente, voltada para o interesse público e a promoção da cidadania, enquanto a segunda é centrada na figura do Estado, que constitui o emissor das mensagens divulgadas para informar o cidadão. Maria Helena Weber (2010) entende que, no Brasil, existe uma vertente intermediária, a comunicação pública de estado, além da comunicação governa- mental. A primeira é entendida como um sistema a serviço do Estado cujas fun- ções e atribuições são definidas por políticas públicas duradouras, ao contrário da segunda, que muda conforme o perfil do governo em exercício. Miola e Marques (2017) ressaltam que a comunicação pública de estado tem como objetivos principais promover transparência, accountability (no sentido de prestação de contas à sociedade) e motivar o cidadão para a participação democrática. Em linhas gerais, os autores afirmam que a comunicação pública de estado constitui uma prestação de serviços ao público: “ a prestação de serviços diz respeito, primeiramente, ao entendi- mento do Estado enquanto provedor de certas atividades, bens e direitos que são de domínio público. Em segundo lugar, a ideia de racionalização da administração da res publica também suscita a preocupação com o aprimoramento, a partir da comunicação, dos processos geridos no âmbito estatal. Trata-se, de um lado, de utilizar a comunicação para aumentar ou melhorar o acesso àqueles serviços que são de responsabilidade do Estado (ligados a saúde e educação, por exemplo) e, de outro, contribuir para a melhoria dos processos administrativos internos (MIOLA; MARQUES, 2017, p. 5). Com foco no direito do cidadão à informação, à participação e no dever do Es- tado de prestar contas de suas ações, foi criada em 2016 a Associação Brasileira de Comunicação Pública – ABCPública (https://abcpublica.org.br). A referida associação defende a democratização da comunicação, a participação da socie- dade civil nas políticas públicas de comunicação e o alinhamento das instituições públicas aos princípios definidos pela Unesco, pela Constituição de 1988 e pelas demais normas legais em vigor. UNICESUMAR 43 Modalidades de comunicação pública Com base nos referenciais acima mencionados, Brandão (2012, p. 9) define a comunicação pública como “é um processo comunicativo que se instaura entre Estado, governo e sociedade com o objetivo de informar e construir cidadania”. Duarte (2012) enfatiza que a atuação em comunicação pública demanda uma série de compromissos, entre os quais o de privilegiar, efetivamente, o interesse público sobre o interesse individual ou mesmo o corporativo. Também deve co- locar o cidadão no centro do processo, “[...] (c) tratar a comunicação como um processo mais amplo do que informação; (d) adaptação dos instrumentos às necessidades, possibilidades e interesses dos públicos; (e) assumir a complexidade da comunicação, tratando-a como um todo uno” (DUARTE, 2012, p. 59). Como demonstrou Lucatelli e Andrade (2011), as expressões utilizadas para designar a comunicação desempenhada no serviço público são: comunicação governamental, comunicação pública, propaganda política, marketing político e comunicação política14. De acordo com os autores, fazendo referência a Dor- nelles (2002), a comunicação política ocorre nos momentos de gestão pública e, também, durante os períodos eleitorais. Lucatelli e Andrade (2011) acrescentam a esse raciocínio o destaque de Maicas (1992, p. 277) quanto à comunicação polí- ticaque “deve desenvolver, em toda sua profundidade, a relação entre o processo político, com suas distintas fases, ou seja, época de gestão e de período eleitoral”, para trabalhar favoravelmente a opinião pública e, dessa forma, justificar sua legitimidade e obter êxito no sufrágio almejado. O marketing político, por sua vez, é utilizado de maneira permanente e siste- mática, tem a finalidade de aproximar o cidadão comum dos partidos ou políticos. Nesse sentido, segundo Gomes (2004, p. 27), a estratégia é de desempenhar o papel de formação de futuros eleitores, criar um vínculo que deve perdurar durante toda a vida, “uma estratégia que vai abranger diferentes tipos de públicos, em vários segmentos socioculturais e faixa etária”. E, na perspectiva de Pinho (2001, p. 142), a propaganda política é uma propaganda de cunho ideológico, “de caráter perma- nente e visa difundir ideologias políticas, programas e filosofias partidárias”. 14 Outros autores têm compreensões variadas e até não consensuais em relação às expressões uti- lizadas para designar a comunicação desempenhada na esfera pública. Alguns, inclusive, inserem interfaces entre a comunicação pública e as demais expressões (comunicação governamental, comunicação pública, propaganda política, marketing político e comunicação política). 44 O conceito de comunicação governamental é mais abrangente e estabelece a atuação de uma rede formal e estruturada de comunicação, geralmente, em funcionamento, dentro das organizações governamentais, com o objetivo de repassar informações à opinião pública cuja premissa é de prestação de contas e manutenção de linhas de comunicação com a sociedade. “A comunicação governamental, em sistemas democráticos, abriga todas as possibilidades de intercâmbio entre o Governo e os governados, num fluxo constante de ideias, bilateral, aberto, livre” (REGO, 1985, p. 44). Entretanto, em razão da relação prática da comunicação feita no âmbito do serviço público – ocupada por três principais áreas, publicidade, relações públicas e jornalismo – demonstrar o atendimento dos interesses somente da organização, ou melhor, os interesses dos dirigentes que ocupam, durante determinado perío- do, cargos de chefia (nos três Poderes), direcionando a atuação dos profissionais de comunicação para a relação da persuasão e convencimento sobre os feitos específicos dos mesmos e dos seus correlatos indicados, na maioria das vezes, apropriando-se das assessorias de comunicação como se estivessem a cargo da manipulação das massas e não a serviço do interesse dos cidadãos, esse modelo comunicacional implantado passou a ser questionado. Debates incitaram a possibilidade da criação de uma nova diretriz de in- teração cujo vínculo primordial seja o compromisso em privilegiar o interesse público. A esse processo foi associado a expressão comunicação pública. Apesar da expressão ter sido consagrada, no Brasil, por conta da implantação da radiodi- fusão pública na década de 20, o termo era apenas um referencial de contraponto com a comunicação desempenhada no setor privado (MATOS, 2012). Em todas as modalidades de comunicação no setor público, as assessorias de comunicação exercem papel estratégico (DUARTE et al., 2018). Com as trans- formações decorrentes dos avanços tecnológicos, essas assessorias passaram a atuar de forma mais dinâmica na mediação entre as instituições e as mídias ex- ternas. Entre essas transformações, destaca-se a atuação dos profissionais dessas assessorias nas variadas plataformas digitais, que se tornaram um novo campo de atuação para a comunicação pública. UNICESUMAR 45 Comunicação pública e a formação de um novo espaço público Em diversos países, autores, pesquisadores, professores, profissionais do setor pú- blico e entidades que atuam em defesa da comunicação pública têm produzido análises da definição conceitual de CP, com os mais diversos vieses, incluindo nes- sas interpretações os desdobramentos afins, como as relações com os princípios de instituição do direito à liberdade de expressão, à comunicação e à informação bem como suas intersecções nos contextos históricos, políticos e sociais, entre outros. Cabe apontar, ainda, como outra linha de revisão da trajetória da comuni- cação pública, o caminho da interdisciplinaridade, característico dos estudos comunicacionais (BRANDÃO, 2006). Sem dúvida, a compreensão e análise dos processos de comunicação pública podem e são enriquecidos com o cruzamen- to de campos do conhecimento que permite compreender melhor a realidade. Economia, Política, Psicologia Antropologia, Direito, Medicina – e tantas outras disciplinas – tais interfaces iluminam a dinâmica dos atos comunicativos dentro do recorte que envolve Estado e Sociedade, a partir de apropriações e ampliações do tripé clássico “emissor, mensagem, receptor”. Da mesma forma, as políticas públicas prescindem da comunicação. Estudá- -las sob a ótica da comunicação pública possibilita, do ponto de vista empírico, questionar e repensar novos instrumentos e formatos de diálogo com os cida- dãos (ARAÚJO, 2004; PENTEADO; FORTUNATO, 2015). Projetos de transfe- rência de renda, moradia, educação, saúde, mobilidade, sustentabilidade, defesa, segurança, proteção de dados, integridade e compliance – o rol é interminável – precisam ser conduzidos em todas as etapas sob os axiomas da administração pública que preconizam valorização da cidadania, direito social à informação e dever republicano de prestar contas de forma transparente. Este capítulo apresenta apenas alguns desses referenciais conceituais. Mas é importante enfatizar, seja qual for a abordagem, independentemente dos sig- nificados atribuídos e suas distinções de definição ou as suas também variadas associações15, a definição do conceito de comunicação pública pode ser consi- 15 Brandão em seu trabalho apresentado em 2006 no Núcleo de Pesquisa Relações Públicas e Comunica- ção Organizacional, do VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, com o título Uso e Significados do Conceito Comunicação Pública, destaca que a expressão comunicação pública leva à identificação de pelo menos cinco áreas diferentes de conhecimento e atividade profissional, sendo identificada como Comunicação Organizacional, Comunicação Científica, Comunicação do Estado e/ou Governamental, Comunicação Política e como estratégias de comunicação da sociedade civil organizada. 46 derada em processo de construção, justamente pela “complexidade do assunto e sua juventude” (HASWANI, 2013, p. 9). Durante essa fase de constituição do termo, constata-se uma convergência para um aspecto de compreensão em específico entre os especialistas, a comu- nicação pública está relacionada à cidadania, também de primar pelo interesse público, de instituir o cidadão como foco do Estado, constituindo dessa forma um novo espaço público para estabelecer interações e relações políticas. Nesse sentido, Brandão (2006, p. 10) afirma que a comunicação pública “diz respeito a um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade com o objetivo de informar para construir a cidadania”. Kunsch (2013), ao descrever os conceitos e abrangência da CP, apresenta algumas refe- rências, entre as quais a citação de Matos (2011, p. 45) que afirma “a comunica- ção pública deve ser pensada como um processo político de interação no qual prevalecem a expressão, a interpretação e o diálogo”, e também de López (2011) que esclarece que a comunicação pública tem “como pilares essenciais caracte- rísticos de seu espectro a causa pública, os princípios democráticos e o interesse público” (KUNSCH, 2013, p. 6). Nesse aspecto, Duarte (2012) evidencia que a comunicação pública: “ coloca a centralidade do processo de comunicação no cidadão, não apenas por meio da garantia do direito à informação e à expressão, mas também do diálogo, do respeito a suas características e neces- sidades, do estímulo à participação ativa, racional ecorresponsável (DUARTE, 2012, p. 61). Como observou Brandão (2012), mesmo com a nova proposta, ainda existe uma tendência em identificar a comunicação pública, como sendo somente a comu- nicação elaborada pelos órgãos governamentais. Para ela, “ A substituição dessas terminologias por comunicação pública é resultado da necessidade de legitimação de um processo comu- nicativo de responsabilidade do Estado e/ou Governo que não quer ser confundido com a comunicação que se fez em outros momentos da história política do país. Expressões como marke- ting político, propaganda política, ou publicidade governamental UNICESUMAR 47 tem conotação de persuasão, convencimento e venda de imagem, em suma do que ficou conhecido como “manipulação das mas- sas”. O uso histórico dessas expressões obrigou à busca e à adoção de uma terminologia que fosse compatível com a nova realidade política do país, identificando a comunicação como uma práti- ca mais democrática. [...] A comunicação é hoje um ator político proeminente e é parte constituinte da formação do novo espaço público (BRANDÃO, 2012, p. 9-10). Nesse sentido, a comunicação pública também representa quase uma similarida- de com a definição sociológica de Comunicação apresentada por Melo (1977), entendido como elemento desencadeador e delimitador da interação social, um instrumento das relações sociais, sendo o processo pelo qual o indivíduo é in- tegrado na sociedade, um marco por meio do qual os seres vivos se encontram em união com o mundo. Diante das questões acima delineadas, evidenciamos que a Comunicação Pública está atrelada ao direito à informação e a superação da exclusão digital denota um viés de democratização da comunicação, imbuída de diálogo e parti- cipação. É “o compromisso com a accountability, que demonstra transparência e confiabilidade na administração dos negócios públicos” (BRANDÃO, 1998, p. 14). Ainda, para Brandão: “ [...] é preciso incutir o entendimento de que todos têm o dever de prestar contas a seus públicos específicos, de acordo com as necessi- dades de cada grupo e escolhendo os meios apropriados. Para isso, é indispensável que a COMUNICAÇÃO PÚBLICA seja realizada por todos que integram a área pública, de maneira autônoma e descen- tralizada de acordo com suas características, buscando encontrar a melhor forma de expressão da comunicação em cada setor das políticas públicas adotadas pelo Estado (BRANDÃO, 1998, p.15). No âmbito dos três Poderes, esse vínculo do Estado com a população deveria ser gerido pelos setores e órgãos públicos representativos de comunicação. No entan- to a prática no setor foi naturalizada – até pelo próprio cidadão – como sendo de oferecer um serviço unilateral de informações, vinculado a propagandear as ações do Executivo, Legislativo e Judiciário, com foco nos feitos dos seus gestores, como 48 se trata de mera benevolência e não de ações de planejamento, gestão e execução que cumprem deveres e garantia de direitos dos cidadãos. O direito à informação e a comunicação pública O propósito da CP é a utilização da comunicação como instrumento de interesse coletivo para fortalecimento da cidadania. O conceito de cidadania está ligado ao estabelecimento e exercício de direitos e deveres, no caso do Brasil, com base na Constituição Federal (1988). Barbosa (2011, p. 163) evidencia que a definição de comunicação pública está diretamente relacionada com o direito à informação. Para a autora, um projeto de comunicação pública passa por três requisitos base: “prestação de informações (subprincípio da informação), informação significativa (subprincípio da motiva- ção) e participação (subprincípio da participação)”. Os três pontos apresentados pela autora também constituem princípios da transparência da administração pública, consagrada na Constituição Federal de 1988 e, em regulamentação, foi editada a Lei de Acesso à Informação (LAI) - Lei nº 12.527/201116. A teoria geral do direito à informação17 na Administração Pública, que rege o acesso aos documentos administrativos, existe desde a Constituição Federal de 1988, disposto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea b, item 12 da CR/88, no sentido de que o direito à informação diz respeito somente às situações de interesse coleti- vo ou difuso e, quando se tratar de direito individual, ter-se-á o direito à certidão. A LAI regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públi- cas. Essa norma entrou em vigor em 16 de maio de 2012 e criou mecanismos que 16 Há um conjunto normativo que instrumentaliza a transparência na administração pública, que apesar de ter escasso ao uso da expressão transparência, compõem o vasto conjunto de regras do direito administrativo brasileiro que não estarão presentes no nosso capítulo. Indico um artigo que trata sobre essa questão e apresenta uma reflexão crítica em relação à concretização da LAI, sendo: MOURA, E. F. C. da. Transparência Administrativa, Lei Federal nº 12.527/2011 e sigilo dos documentos públicos: a inconstitucionalidade das restrições ao acesso à informação. Revista do Direito Público, Londrina, v. 11, n. 2, p. 289-324, ago. 2016. 17 Viegas (2003; 2004, p. 672) distingue o direito de informação do direito à informação. Para o au- tor, “o direito de informação caracteriza-se por ser um direito individual por excelência. É o direito de poder se expressar, de manifestar opiniões, enfim é o direito de quem fornece a informação. A Constituição, quando fala da comunicação social, garante a liberdade de informar, de manifestar pensamento, que deve ser visto juntamente com o artigo 5º, IV, que garante a liberdade de ma- nifestação de pensamento”. UNICESUMAR 49 possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades. Entre os principais aspectos da Lei nº 12.527/2011 estão: “ • A Lei vale para os três Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive aos Tribunais de Conta e Ministério Público. Entidades privadas sem fins lucrativos também são obrigadas a dar publicidade a informações referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos por elas recebidos; • Acesso é a regra, o sigilo, a exceção (divulgação máxima). O re- querente não precisa dizer por que e para que deseja a informação (não exigência de motivação); • Hipóteses de sigilo são limitadas e legalmente estabelecidas (limi- tação de exceções). • Fornecimento gratuito de informação, salvo custo de reprodução (gratuidade da informação); • Divulgação proativa de informações de interesse coletivo e geral (transparência ativa); • Criação de procedimentos e prazos que facilitam o acesso à infor- mação (transparência passiva); • Todas as informações produzidas ou sob guarda do poder público são públicas e, portanto, acessíveis a todos os cidadãos, ressalvadas as informações pessoais e as hipóteses de sigilo legalmente estabe- lecidas. A LAI deve ser cumprida por todos os órgãos e entidades da administração direta (órgãos públicos) e indireta (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mistas). O direito à informação é preceito constitucional e deve ser exercido em todos os níveis de governo, pois “[...] não há como se falar em de- mocracia participativa se aqueles que devem participar não têm as informações necessárias para fazê-la” (VIEGAS, 2003; 2004, p. 671). E, ainda: “ [...] em regra o que está em jogo é o interesse geral sobre o indi- vidual. É o interesse da coletividade em detrimento do segredo da administração, que é pública. Este direito situa-se no plano 50 dos novos direitos do cidadão. Podemos inseri-lo, inclusive, en- tre os direitos de quarta geração como quer Bonavides, vez que é um pressuposto da democracia que os cidadãos tenham conheci- mento dos atos, das atividades da administração para que possam atuar fiscalizando, controlando e participandodo Poder Público (VIEGAS, 2003; 2004, p. 672-673). Ainda, de acordo com Viegas (2003; 2004), o que se pretende é defender uma administração pública aberta, transparente, porque do contrário, uma adminis- tração pública fechada, representa autoritarismo, segredo, e isso afasta a partici- pação dos cidadãos. O acesso à informação é a regra. O sigilo na administração pública é a exceção18. A transparência das instituições públicas é considerada um dos requisitos para a legitimidade democrática (LODGE, 1994). Na mesma perspectiva Ball (2009) explica que a transparência envolve três aspectos inter-relacionados e complementares. O primeiro trata a transparência como um valor público abra- çado pela sociedade como mecanismo para combater à corrupção e ressalta a função da prestação de contas ou accountability. O segundo concebe a trans- parência como tomada de decisões aberta pelos governantes e representantes políticos, com base nas práticas de governo aberto (FARIA, 2012). O terceiro trata a transparência como instrumento de boa governança pública. O que une as três perspectivas é a ideia de transparência como mandato oficial do público. Trata-se do que Papaloi e Gouscos (2013) denominam de empoderamento do cidadão, uma vez que a transparência permite o controle direto do público e pode ajudar a restabelecer a confiança nas instituições. Em síntese, a transparência “repercute na accountability na medida em que são criadas condições concretas para o fortalecimento do fluxo de informações, ampliação dos canais de justificativas e otimização da prestação de contas” (SIL- VA, 2016, p. 33). O autor ressalta que os sistemas públicos de comunicação e informação “possibilitam de modo ágil e remoto, as ações de comunicar, indagar, replicar, justificar e contestar, ampliando os mecanismos de controle e de publi- cidade que estão no cerne da concepção de accountability” (SILVA, 2016, p. 33). A LAI é entendida como ponto culminante de um processo de abertura das instituições políticas, iniciado com a Constituição de 1988. Até então, o Brasil viveu 18 Não trataremos no presente capítulo sobre as inúmeras barreiras existentes para efetivação da LAI no Brasil e das recentes alterações propostas por decreto presidencial (2019). UNICESUMAR 51 sob o império da cultura do segredo, consolidada durante o regime militar. Apesar de, ainda, manter resquício dessa cultura, com a previsão de classificação dos docu- mentos oficias em secretos e ultrassecretos, a LAI representa um avanço expressivo para ampliar a transparência no setor público. Nesse sentido, a lei é vista como um elemento favorável à consolidação das políticas e das práticas de comunicação pública, ao ampliar o direito do cidadão às informações oficiais (BARROS, 2015). As temáticas contemporâneas da accountability e do controle social, valori- zadas nas democracias avançadas, colocam a comunicação pública em evidência, ao apontar direitos e regras de participação da sociedade no que diz respeito à efetividade das instituições públicas e respectivas ações. Laura Mendes Amando de Barros (2019), ao mencionar o estabelecimento da participação, por meio de consulta, deliberação e fiscalização, endossa: “Essas regras de participação, a seu turno, seriam as responsáveis pela organização das relações Estado-Sociedade, tais como parâmetros de quem pode participar, em que escala, se isoladamente ou em grupos etc.” (BARROS, 2019, p. 35). O controle social, que a sociedade assume o protagonismo no planejamento, execução e avaliação de resultados de políticas públicas, tem outra consequência: aumentar os custos dos atos e comportamentos políticos ilegais ou imorais. Todo este arcabouço institucional torna a comunicação pública imprescindível. Considerações Finais A CP, no Brasil, pode ser considerada um objeto recente de estudo e de “par- ticular interesse de comunicadores que atuam nos três Poderes, que pratica- mente consolidam como um movimento [...] que talvez possa ser caracterizado como um movimento dos profissionais de comunicação no setor público [...]” (DUARTE, 2012, p. 60). A comunicação pública e o debate em torno de sua construção, também, re- presentam a reflexão sobre a distinção entre a teoria e a prática profissional, que promove a formação superior em comunicação, a partir da primazia do interesse público, mas, na prática, não se consolida dessa forma. As práticas de comuni- cação pública são heterogêneas e são moldadas pela cultura organizacional de cada instituição. Em alguns casos, ainda, são priorizados os serviços unilaterais de informação, com pouca permeabilidade à participação dos públicos. 52 Como demonstrado no presente capítulo, essa condição não se dá pela ausên- cia de esforços empreendidos, em especial nos últimos anos, pelos professores, pesquisadores e profissionais de comunicação. O rompimento desse processo histórico de naturalização do uso dos instrumentos de comunicação no setor público, com a finalidade de propaganda e convencimento, na maioria das vezes, liderados pelos governantes, depende de ampliar ações articuladas sobre a função da comunicação na sociedade e no Estado de direito. Uma eventual mudança nessa trajetória exigiria a adesão a uma nova visão de comunicação pública, pautada por alguns critérios normativos. Em primeiro lugar, ressaltamos a recomendação de que a conscientização sobre o que seja comunicação pública comece com o público interno da administração pública (colaboradores/servidores), incluindo os setores de tecnologia de informação e comunicação, os serviços de atendimento presencial nos balcões, os atendimentos eletrônicos, comunidade (internet e telefone), entre outros, para que seja garanti- do o intercâmbio de comunicação entre o poder público e a população. E, para além disso, é recomendável estabelecer uma agenda pública de debate com a sociedade para avançar na possibilidade de fixar parâmetros para refe- renciar e propagar a prática da comunicação nas instituições públicas. A razão é simples: diferente das pastas de Saúde, Educação, Desenvolvimento Econômi- co, Assistência Social, Meio Ambiente, entre outras, a de Comunicação – ou as poucas estruturas que ainda restam nos entes municipais, muitas rebaixadas de secretarias para diretorias – não possui critérios explícitos de conhecimento do cidadão comum sobre sua atuação e relevância. É importante ressaltar, ainda, que a comunicação pública tem o papel de esta- belecer o equilíbrio entre as necessidades internas do governo e o direito da coleti- vidade. Por isso, é preciso mensurar em que patamar a comunicação como direito é compreendida pela população e pelos próprios profissionais do setor público, para avançar na introdução de mecanismos de conscientização e capacitação. Nessa perspectiva, é essencial incluir as entidades representativas e núcleos de pesquisa em comunicação bem como estimular a instalação de conselhos de UNICESUMAR 53 transparência e de direito à informação, para fortalecer o vínculo desse recurso como instrumento de transformação e, independentemente da sujeição a cada transição eleitoral, os cidadãos estarão aptos a reivindicar seus direitos, e os ser- vidores estarão protegidos em suas funções para evitar qualquer descontinuidade rumo à comunicação pública. Para tanto, também, é preciso garantir veículos de informação acessíveis à população, introduzir canais permanentes de interação e debate, instituir uma entidade representativa de comunicação para controle público de qualidade, de- senvolvimento de programas e propostas. É indispensável à viabilidade de mídias produzidas e conduzidas pela própria comunidade, para garantir democracia nesse processo. Mais do que isso, oferecer conhecimento, instrumentar a socieda- de para uma conscientização política social sobre a importância da comunicação no processo democrático. Em tempos de mídias digitais, em que as redes sociais ocupam parte con- siderável do tempo docidadão, inclusive durante sua rotina de trabalho, não o imbuir de diálogo com a administração pública é tão controverso como restau- rar a censura no Brasil, ou talvez, a omissão ou um serviço ineficiente já o seja suficiente para tanto. Em suma, combater a alienação do direito à informação (transparência) e à comunicação é intermediar, de fato, a atuação do cidadão como protagonista na administração pública. A emergência das mídias digitais oferece novas possibilidades de protago- nismo cidadão, ao mesmo tempo que impõe outros desafios aos profissionais e demais atores, implicados nos sistemas de comunicação pública. Se, por um lado, as plataformas digitais ampliam os espaços e alternativas para a participação cida- dã; por outro lado, a multiplicação de canais de interação pode gerar dificuldades para o cidadão compreender como utilizá-los. Em relação aos profissionais, a existência de uma variedade de canais de expressão impõe desafios em relação à definição de estratégias adequadas para cada tipo de mídia que passa a conformar esse novo ecossistema informativo e comunicativo. 54 REFERÊNCIAS ADGHIRNI, Z. L. Sistemas de comunicação nos Três Poderes. In: COLÓQUIO BRASIL-FRANÇA DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 8., 2006, Echirollles. Anais [...]. Echirollles: Intercom, 2006. ANDRADE, C. T. S. Para entender Relações Públicas. São Paulo: Loyola, 1993. ARAÚJO, I. S. de. Mercado simbólico: um modelo de comunicação para políticas públicas. In- terface-Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 8, n.14, p. 165-178, fev., 2004. BALL, C. What is transparency? Public Integrity, v. 11, n. 4, p. 293-308, 2009. 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Paris: PUF, 1995. 58 COMPETÊNCIAS, METODOLOGIAS E DIFICULDADES NA GESTÃO DE PROJETOS PÚBLICOS: UM ESTUDO A PARTIR DA PERCEPÇÃO DE SERVIDORES Victor Vinicius Biazon Silviane Del Conte Curi As Administrações Públicas são organizações que fazem a gestão de negócios públicos, por meio de um poder executivo outorgado pela sociedade. Esse po- der executivo denomina-se Governo. Os sistemas de Governo são responsáveis pela condução política dos negócios públicos. A gestão de serviços públicos, por sua vez, envolve identificar prioridades, organizar recursos e planejar ações, considerando o princípio da eficiência que, na ótica da administração pública, consiste em satisfazer as necessidades dos cidadãos, utilizando de forma ade- quada os recursos disponíveis. Uma administração pública, da mesma forma que uma empresa privada, exerce uma função administrativa com a finalidade de promover o desenvolvi- mento econômico e social de uma determinada população, por meio da oferta de serviços públicos. Para tanto, objetivos, meios e metas precisam ser definidos; recursos precisam ser organizados e ações precisam ser desenvolvidas. Isso, teo- ricamente, relaciona-se à gestão de projetos, pois, conforme Maximiano (2006), a administração de projetos trata de um conjunto de atividades que envolvem recursos e prazos determinados e, também, a administração desses dentro de um contexto organizacional, exigindo consenso, formação de equipe, divisão de responsabilidades, fornecedores e, claro, financiamento. Desse modo, unindo a necessidade de planejamento para as ações públicas, com metodologias adequadas para solucionar as diversas demandas, a utilização de projetos pode ser uma forma de entrega mais ágil e eficaz. Este trabalho, nesse UNICESUMAR 59 sentido, apresenta como objetivo Geral conhecer o nível de utilização de metodo- logias de gestão de projetos (GP), por meio da percepção dos técnicos e gestores envolvidos em projetos. Para tanto, fez-se necessário conhecer os principais con- ceitos e definições da área de Gestão de Projetos bem como os processos e me- todologias utilizadas, identificando como se dá o gerenciamento do portfólio de projetos da amostra, e, por fim, conhecer as dificuldades da GP no setor público. Entendendo a dificuldade que muitos municípios apresentam no tocante à gestão de projetos públicos que venham a atender as demandas da população e cumprir com o papel do Estado, este trabalho pretende colaborar para o apri- moramento de conhecimento e entendimento local acerca dos métodos e seu gerenciamento de projetos públicos. Justifica-se pela necessidade de ampliar e disseminar o conhecimento sobre essas dificuldades, despertando maior inte- resse de outros pesquisadores e permitindo aprofundar a avaliação crítica da própria gestão municipal. Gestão de projetos públicos A partir do planejamento, constitui-se a estrutura de um projeto, buscando prever as partes que deverão compô-lo e observar a coerência entre elas. Nesse sentido, o planejamento é criado em uma sequência lógica e sistemática de decisões e ativi- dades, assumindo características de processo. Enquanto processo, o planejamento requer um arcabouço teórico e metodológico capazes de nortear e direcionar as ações necessárias ao seu desenvolvimento, sendo, portanto, uma ferramenta técnica que precede uma determinada ação, sujeita à aplicação de uma metodo- logia qualquer, por meio da qual são definidas as etapas ou passos que devem ser seguidos em um determinado processo. Cabe salientar, ainda, que o projeto é um esforço para se atingir um objetivo específico, por meio de um conjunto de tarefas inter-relacionadas e da utilização eficaz de recursos. Maximiano (2006) sintetiza projeto como um empreendi- mento temporário ou uma sequência de atividades com começo, meio e fim (programados) cujo objetivo é fornecer um produto com orçamentos restritos. Em síntese, planejar supõe reunir um conjunto de recursos e competên- cias, visando atingir um objetivo, organizá-lo de acordo com uma determinada metodologia e considerar uma situação, em um determinado espaço de tempo. 60 Conforme pondera Vivacqua et al. (2009), gerenciar projetos é um braço da Ad- ministração, um ramo da Ciência que trata da iniciação, planejamento, execução, controle e fechamento de projetos. Porém, para que se possam desenhar e gerir projetos, sobretudo na esfera pública, há de se construir competências para que os recursos sejam utilizados corretamente. A competência pode ser entendida como qualidade ou estado de ser, funcio- nalmente, adequado ou ter suficiente conhecimento, julgamento, habilidades ou força para determinada atividade. Podemos, ainda, resumir como “capacidade para resolver qualquer assunto, aptidão, idoneidade [...] capacidade legal para julgar pleito” (FLEURY; FLEURY, 2000, p. 18). Trazendo estes conceitos para o contexto de competências técnicas, compreendemos como os conhecimentos que os indivíduos (técnicos responsáveis) são especialistas e, justamente, nas áreas de conhecimentos necessários para realização do projeto. Desse modo, essa competência, vale salientar, é importante e requerida de forma proporcional à complexidade do projeto e da gestão de equipes de trabalho. A elaboração e gestão de projetos públicos são responsabilidades de profissionais ligados aos órgãos de governo (funcionários públicos dos ministérios, secretarias estaduais e municipais) e/ou profissionais de órgãos privados (instituições de en- sino, pesquisa, OSC - Organizações da Sociedade Civil, agentes financiadoresetc.) que atuam em parceria com a esfera pública. Esses profissionais devem acumular conhecimentos, ferramentas e técnicas a fim de atender os objetivos dos projetos desenvolvidos. O gestor ou gerente dos projetos, segundo Maximiano (2006), deve ser capaz de preparar, analisar propostas, orçamentos, cronogramas, planos, equipe, avaliar os processos e os próprios projetos de forma geral. Nada melhor do que alguém que tenha conhecimento da área de atuação para comandar uma equipe na realização do projeto. Este ponto é fundamental ao gestor público para que possa avaliar a real necessidade de um projeto ou não. Procedimentos metodológicos Trata-se de uma pesquisa quantitativa com amostragem não probabilística cujo instrumento de coleta foi extraído de Lemos e Biazon (2016) e compartilhado UNICESUMAR 61 via drive (googledocs) com alunos do curso de Gestão Pública da EAD-Unice- sumar, por meio de projeto de ensino. Esses localizaram e enviaram a servidores de diversos setores, no período de 20 de outubro a 5 maio de 2017, para que pudessem preencher com a sua realidade. Foram obtidas 17 respostas, mas, com a mineração dos dados, um foi excluído por erro de preenchimento, restando 16 retornos considerados válidos. Nestes, portanto, a apresentação dos resultados será baseada. Cabe ressaltar, ainda, que os dados foram originados do Estado do Tocantins (6), de Minas Gerais (6), de Santa Catarina (3) e do Paraná (1). Apresentação dos resultados Quanto ao PERFIL dos entrevistados (Tabela 1), é percebida a heterogeneidade com relação aos níveis de cargos, relações de trabalho, tempo de trabalho relacio- nado a projetos e áreas de atuação. Por outro lado, praticamente todos os respon- dentes (87,5%) desenvolvem projetos relacionados ao atendimento dos cidadãos, público externo ao órgão ou entidade no qual atua. Inicialmente, destaque-se que a maior parte dos respondentes é analista de projetos (sete) e três respondentes com cargos nos demais níveis analisados. Conforme exposto na tabela abaixo, identificaram-se catorze distintos perfis e dois analistas com características seme- lhantes. Apesar de heterogêneo, o conjunto de informações permite verificar que os cargos de maior escalão são ocupados por comissionados, cabendo funções intermediárias e/ou mais burocráticas aos servidores efetivos, sejam concursados, sejam empregados públicos. Ademais, informações sobre orçamento dos projetos vinculados ao órgão ou entidade são pouco disseminadas, de modo que, somente, secretários, subsecretários e diretores têm acesso. Dentre os demais cargos, apenas um chefe e um analista (ambos concursados e com atuação na área entre 5 e 10 anos) detêm tal informação. Considerando a relevância do conhecimento do tema especialmente a gestores, é negativo o resultado que aponta no sentido de que a maior parte dos chefes e coordenadores/gerentes/assessores não conhece o orçamento dos projetos, uma vez que são eles os responsáveis, em alguma medida, pelo processo de gestão de projetos. 62 Quadro 1 - Perfil dos respondentes Nível de cargo Relação de trabalho Tempo de trabalho com projetos Conhece orça- mento Público/clien- tes Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Comissionado Mais de 10 anos Sim Planejamento e Gestão Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Comissionado De 5 a 10 anos Sim Outro Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Comissionado De 1 a 2 anos Sim Outro Coordenador, Gerente ou Assessor Servidor concur- sado De 1 a 2 anos Não Tecnologia da Informação Coordenador, Gerente ou Assessor Empregado público De 1 a 2 anos Não Arquitetura/ Engenharia Coordenador, Gerente ou Assessor Comissionado Até 1 ano Não Outro Chefe de Setor Servidor concur- sado De 5 a 10 anos Sim Outro Chefe de Setor Servidor concur- sado De 1 a 2 anos Não Outro Chefe de Setor Comissionado De 2 a 5 anos Não Planejamento e Gestão Analista (2) Servidor concur- sado Mais de 10 anos Não Outro Analista Servidor concur- sado Mais de 10 anos Sim Outro Analista Servidor concur- sado De 5 a 10 anos Não Outro Analista (2) Servidor concur- sado De 2 a 5 anos Não Outro Analista Empregado público Até 1 ano Não Planejamento e Gestão Fonte: os autores. UNICESUMAR 63 Mais de 50% é servidor concursado e aproximadamente 90% tem mais de 1 ano de vínculo, quase 70% desconhece questões orçamentárias ligadas aos projetos em que atuam e estão em áreas diversas da Ad- ministração pública, projetos esses que, em sua maioria, estão ligados aos cidadãos. Quanto à CULTURA ORGANIZACIONAL (Tabela 2), o questionário continha cinco perguntas, as quais versaram sobre as percepções dos entrevistados com relação à cultura de gerenciamento de projetos, à existência de dificuldades com relação à temática de geren- ciamento de projetos, ao apoio do órgão ou entidade ao tema, ao nível de compromisso do órgão ou entidade com o planejamento efetivo de projetos e à relação entre controle de projetos e sustentabilidade. Em se tratando da existência de cultura de gerenciamento de pro- jetos no órgão ou entidade, a maior parte dos respondentes, indepen- dentemente do nível de cargo, indicou haver algum tipo de cultura, restrita/inicial, estabelecida em setores específicos ou limitada. Além disso, apenas entre analistas ocorreram respostas negativas, no sentido de inexistência da referida cultura e, apenas, um entrevistado de alto escalão afirmou haver uma cultura de gerenciamento de projetos esta- belecida no órgão ou entidade como um todo. Sobre a adesão do órgão ou entidade ao gerenciamento de projetos, respondentes com cargos mais elevados percebem maior resistência ao tema do que aqueles ocu- pantes de cargos, hierarquicamente, inferiores. Contudo a maioria dos entrevistados, independentemente do cargo, entendem que a alta admi- nistração dos órgãos ou entidades confere apoio moderado às iniciativas de gerenciamento de projetos e que a organização, majoritariamente, concede recursos adequados ao planejamento efetivo das atividades. Por fim, a relação entre controle efetivo dos projetos e sustentabilidade é interpretada de diferentes maneiras pelos entrevistados, de modo que não há consenso. Fica claro que a cultura, mesmo existente de forma embrionária, ainda é restrita a pessoas ou setores. 66 Cultura organizacional Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Coorde- nador, Gerente ou Asses- sor Chefe de Setor Analista Como você classifica o nível de compromisso da sua organiza- ção em relação ao planejamento efetivo de pro- jetos? A organização sempre concede tempo e recursos adequados para um planejamento efetivo. 1 - - - A organização, na maioria das vezes, concede tempo e recursos adequa- dos para um plane- jamento efetivo. 1 3 3 4 A organização, raramente, concede tempo e recursos adequados para um planejamento efetivo. 1 - - 3 Como você clas- sifica o nível de compromisso da sua organização em relação ao controle efetivo de projetos e o pensamento na sustentabilidade? Sempre concede tempo e recursos adequados para um controle efetivo e preza pela susten- tabilidade. 1 2 - 3 Na maioria das vezes concede tempo e recursos adequados para um controle efetivo. 1 1 2 - Raramente concede tempo e recursos adequados para um controle efetivo. 1 - 1 4 Fonte: os autores. UNICESUMAR 67 Quanto à Estrutura Organizacional (Tabela 3), o questionário continha seis perguntas, elas versaram sobre as percepções dos entrevistados com relação aos responsáveis pelo gerenciamento de projetos, ao contingente e dedicação dos funcionários relacionados à área, aos canais de comunicação e à visão dos gesto- res sobre a temática. Em se tratando do gerenciamento dos projetos, verificou-se que não há gerentes específicos da área nos órgãos ou entidades aos quais estão vinculados os respondentes, sendo que a maioria dos projetos está sob respon- sabilidadede gerentes de departamentos, coordenadores ou chefes. Ademais, os dados apontam que é baixo o número de profissionais dedicados, exclusivamente, a projetos (inferior a um quarto do quadro de servidores), com destaque ao fato de que entrevistados, com cargos de coordenadores, gerentes ou gestores, sequer souberam informar a existência de pessoal com atuação exclusiva a projetos. Ainda que não seja possível determinar uma relação direta entre as ca- racterísticas, é possível que o baixo número de profissionais dedicados a projetos influencie, em alguma medida, na importância atribuída à área, uma vez que as respostas são dispersas e não permitem estabelecer um padrão ou tendência, uma que se verifica, entre todos os níveis de cargos, percepções de que é fundamental haver profissionais dedicados, exclusivamente, ao gerenciamento de projetos, por um lado, e daqueles que gostariam de que tal realidade se concretizasse no órgão ou entidade e não dispõem de apoio interno, por outro. No que tange à rotina, relaciona-se, também, o baixo percentual de profis- sionais dedicados, exclusivamente, a projetos à ausência de percepção de que projetos são atividades prioritárias no dia a dia do órgão ou entidade, uma vez que a maior parte dos respondentes informou que os processos são tratados como mais relevantes e, por vezes, até mesmo prejudicam a condução dos projetos, ao passo que os demais entrevistados declararam que há equilíbrio entre atividades cotidianas (processos) e projetos. Sobre canais de comunicação entre a equipe que trabalha com projetos, percebe-se que, entre os cargos de maior nível hierárquico, é mais recorrente a utilização de formas tradicionais, ou seja, de e-mail, conversas presenciais e por telefone. Contudo os analistas revelam maior multiplicidade de mecanismos de interação, uma vez que fazem uso, também, de mensagens instantâneas e de mídias sociais. Por fim, destaca-se as distintas percepções acerca da visão da alta adminis- tração sobre os projetos: enquanto a maior parte dos ocupantes de cargos com maior nível hierárquico entendem que os projetos são interpretados como uma 68 dentre um conjunto de atividades do órgão ou entidade, a maioria dos analistas declara que a alta administração é capaz de perceber os projetos de maneira abrangente e integrada. Dado que o primeiro grupo desenvolve relações mais próximas à alta administração, seria mais plausível que a visão seja fragmentada e departamentalizada, a despeito da opinião dos analistas, mais envolvidos com a execução dos projetos e menos conhecedores das percepções hierárquicas ins- titucionais. Fica evidente que não há gestores de projetos, e a responsabilidade recai sobre outros membros da equipe que podem não ter preparo para esse tipo de gestão. Os canais de comunicação mais tradicionais são os mais utilizados e, mesmo com deficiências de entendimento e gestão, parece que há certa “visão holística” dos projetos. Quadro 3 - Estrutura organizacional Estrutura orga- nizacional Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Coorde- nador, Gerente ou Assessor Che- fe de Se- tor Analista Quem gerencia projetos na sua organização? Gerentes de pro- jetos. - - - - Gerentes departa- mentais (Coordena- dores, Chefes). 1 2 2 4 Alta administração (Diretores, Secre- tário). 1 1 1 1 Membros de equi- pe/analistas. 1 - - 2 Qual o percentual de profissionais na sua organiza- ção com dedica- ção exclusiva a projetos? Não há profissio- nais com dedicação exclusiva a projetos. 1 - - - Menos de 25% dos profissionais. 2 - 2 6 Não sei dizer. - 3 1 1 UNICESUMAR 69 Estrutura orga- nizacional Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Coorde- nador, Gerente ou Assessor Che- fe de Se- tor Analista Ter profissio- nais dedicados, exclusivamente, a projetos repre- senta, para sua organização: É algo fundamental, que trouxe grandes e claros benefícios para o sucesso dos nossos projetos. 1 1 2 2 É algo importante, mas que, ainda, hoje, é questionado internamente, já que os benefícios nem sempre são claros. 1 1 - - É algo que gostaría- mos de implemen- tar, mas ainda não conseguimos apoio interno. 1 1 1 4 É algo que acredita- mos não ser útil ou aplicável para nossa organização. - - - 1 Na sua orga- nização, como é o equilíbrio da prioridade entre projetos e processos (dia a dia)? O dia a dia (proces- sos) é prioridade em relação aos projetos, prejudi- cando, algumas vezes, a condução dos mesmos. 3 1 1 4 Os projetos são prioridade em re- lação às atividades do dia a dia. - - - 1 Existe um equilíbrio entre o esforço des- tinado a projetos e o esforço destinado ao dia a dia. - 2 2 2 70 Estrutura orga- nizacional Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Coorde- nador, Gerente ou Assessor Che- fe de Se- tor Analista Em geral, quais os canais de comunicação mais utilizados pela equipe de projetos? E-mail. - 2 1 2 Conversas presen- ciais. 2 - - 1 Telefone. 1 1 2 1 Mensagens instan- tâneas. - - - 1 Videoconferências. - - - - Mídias sociais. - - - 2 A Alta Administra- ção/Gestores tem uma “visão do todo” no que se refere a projetos? Sim. A Alta Admi- nistração/Gestores possui uma visão abrangente dos projetos, incluindo integração entre as áreas e depar- tamentos (Órgãos/ Entidades) 1 1 1 5 Não. O projeto é visto como uma série de frentes de trabalho, divididas por área/depar- tamento. A visão é departamentali- zada. 2 2 2 2 Fonte: os autores. Quanto ao Gerenciamento do Portfólio de Projetos (Tabela 4), o questionário continha oito perguntas, estas visavam observar percepções dos entrevistados com relação a temas, como: planejamento estratégico, organização e monitoramento do portfólio de projetos, cumprimento de prazos e de custos e noção de “progra- UNICESUMAR 71 ma”. Percebeu-se a partir das respostas que há mais REAÇÃO, nas ações, do que planejamento. Problemas relacionados a prazos e custos são mais frequentes do que deveriam, podendo clarificar a falta de planejamento e/ou competências nessa gestão. Isso se deve, justamente, pelo não alinhamento de projetos preventivos de situações, mas são criados a partir do surgimento de uma demanda. A estruturação dos projetos é deficitária e, em muitos casos, carece de critérios bem delimitados para a seleção de prioridades ou, ainda, o acompanhamento das etapas e resultados que são frágeis. A maior parte dos respondentes que percebem tal realidade está em cargo de diretoria ou planejamento estratégico. A condução dos projetos é efetuada pelas secretarias, que se pressupõe terem entendimento mais realista dos problemas ou mazelas de suas áreas, mas não fica evidenciada a sincronicidade com os programas. A falta de conexão fica clara entre as ações de projetos pela falta de aderência ou inexistência de programas que possam ga- rantir planos situacionais de resolução ou de promoção de melhoria dos tantos setores da área pública. Quadro 4 - Gerenciamento do portfólio de projetos Gerenciamen- to de portfólio de projetos Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Coorde- nador, Gerente ou Assessor Che- fe de Setor Analista Na sua orga- nização, qual é o nível de alinhamento entre Projetos e Estratégia? Estão sempre alinha- dos ao planejamento estratégico. 1 - 2 - Nem sempre estão alinhados ao planeja- mento estratégico. 2 2 1 6 Não há alinhamen- to algum, pois o planejamento não é comunicado. - 1 - - Não há alinhamento algum, pois o planeja- mento não existe. - - - 1 72 Gerenciamen- to de portfólio de projetos Secretário, Subsecre- tário ou Diretor Coorde- nador, Gerente ou Assessor Che- fe de Setor Analista Com que frequência os projetos estão claros e, formalmente, alinhados ao planejamento estratégico da organização? Além dos projetos queestão alinhados ao planejamento estratégico, também desenvolvemos pro- jetos nos quais não é possível perceber um alinhamento. 1 1 1 3 Todos os projetos que desenvolvemos estão claros e, formalmente, alinhados ao planeja- mento estratégico e seus objetivos. - 1 1 - Desenvolvemos pro- jetos sem a preocu- pação de alinhá-los ao planejamento estratégico. Os proje- tos surgem a partir de demandas específicas dos gestores. 2 1 1 4 Existe um processo claro e definido para a seleção e priorização dos projetos que irão compor o portfólio de projetos da sua organização? Não existe processo estruturado. Projetos não estão sempre co- nectados à estratégia, e a priorização gera disputas. 2 2 - 2 Existe um processo estruturado, com critérios claros e definidos, tanto para seleção quanto para priorização. 1 - 2 2 Existe um processo estruturado, com crité- rios claros e definidos, apenas para seleção. - 1 1 3 76 Processos e metodologia Secre- tário, subsecre- tário ou diretor Coorde- nador, gerente ou As- sessor Chefe de setor Analis- ta Em relação à Metodologia de Gerenciamento de Projetos: A organização possui uma me- todologia única para o gerencia- mento de seus projetos, a qual é utilizada por todas as áreas. 0 1 0 3 A organização possui metodo- logias desenvol- vidas em áreas específicas. Cada área utiliza sua própria metodo- logia. 1 1 3 0 A organização não possui me- todologia formal. O gerenciamento de projetos é feito informal- mente. 2 1 0 4 Quais áreas na organização utilizam alguma Metodologia de Gerenciamento de Projetos? Área de finanças 2 1 1 0 Área de tecnolo- gia da informa- ção 1 0 1 0 Área de gestão de pessoas 0 1 1 6 Área de engenha- ria/arquitetura 1 1 0 0 Projetos ambien- tais 0 0 0 1 UNICESUMAR 77 Processos e metodologia Secre- tário, subsecre- tário ou diretor Coorde- nador, gerente ou As- sessor Chefe de setor Analis- ta Existe uma metodologia de gestão de projetos aplicada ao projeto que você está vinculado? Sim 1 1 3 3 Não 2 2 0 4 Você tem forma- ção/experiência em alguma metodo- logia de gestão de projetos? Sim 3 0 3 0 Não 0 3 0 3 Os componentes da equipe deste projeto têm forma- ção/experiência em alguma metodo- logia de gestão de projetos? Sim 1 1 3 3 Não 2 2 0 4 O Gestor do pro- jeto tem formação em gestão de projetos? Sim 3 3 3 3 Não 0 0 0 4 Fonte: os autores. Os resultados obtidos na coleta de dados denotam, em percentuais significativos, que parte dos órgãos e profissionais pesquisados possuem, em alguma parcela, conheci- mento e competências técnicas para a disseminação de práticas que podem fortale- cer o processo de gerenciamento de projetos na gestão pública, seja na proposição, seja execução direta ou indireta (por meio das organizações prestadoras de serviço ao setor público, ou de parcerias). A definição de métodos e técnicas apropriados a cada setor e etapa do processo de gestão nos organismos públicos e naqueles que fazem uso de recursos, oriundos da esfera pública, por exemplo, as ONGs, é premissa de sucesso na aplicação financeira dos projetos vinculados ao setor. 78 Considerações finais A partir da análise dos dados obtidos, constatou-se a necessidade de conhecer o nível de utilização de metodologias de gestão de projetos (GP), nas diversas prefeituras municipais, por meio da percepção dos técnicos e gestores muni- cipais envolvidos em projetos relacionados à modernização das cidades; per- cebeu-se que as ações de planejamento, o conhecimento, a formação técnica, o entendimento, o estabelecimento de critérios e métodos formais de execução e a priorização da cultura de gestão de projetos são incipientes e deficitárias, muitas vezes, dificultando o cumprimento de prazos e orçamentos previstos nos instru- mentos de planejamento e controle da gestão pública. Por falta de fatores multi- plicadores de boas práticas, na gestão pública, o gerenciamento do portfólio de projetos em muitos municípios acontece de forma ineficiente, pois grande parte dos recursos humanos padecem de desconhecimento técnico, atuando apenas como agentes REATIVOS aos problemas que se deparam, ou como ferramentas de execução final, sem participar do processo de planejamento e decisório do projeto. Considerando que as competências necessárias a um gestor de proje- tos estão disponíveis na parcela pesquisada de profissionais da gestão pública, destaca-se a relevância da constante capacitação e aperfeiçoamento profissional para o atendimento das demandas institucionais, para a viabilidade de execução dos projetos e, essencialmente, para o alcance de impactos positivos na e para a sociedade, conforme a função social do Estado. 79 REFERÊNCIAS LEMOS, I. S.; BIAZON, V. V. Gestão de projetos na administração pública: percepção de técnicos e gestores da prefeitura municipal de Salvador/BA. Revista Conbrad, Maringá, v. 1, n. 3, p. 66-84, 2016. BIAZON, V. V.; SILVA, P. P. F.; MENDONÇA, C. R. Gestão de projetos públicos sustentáveis: um estudo no município de Paranavaí-Paraná. In: SINGEP – Simpósio Internacional de Projetos, 2.; S2IS – Simpósio Internacional de Inovação e Sustentabilidade, 1., 2013, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: SINGEP; S2IS, 2013. KERZNER, H. Gestão de projetos: as melhores práticas. Tradução de Lene Belon Ribeiro. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. SALDANHA. G. S.; PEIXOTO, F. B.; ESTRADA, R. J. S. Planejamento estratégico na administração pública municipal. In: ENCONTRO LUSO-BRASILEIRO DE ESTRATÉGIA, 2006, Balneário Cambo- riú. Anais [...]. Balneário Camboriú: SLAD Brasil; UNIVALI, 2006. TONI, J. de. Planejamento e Elaboração de Projetos: um desafio para a gestão no setor público. Porto Alegre: Sebrae, 2003. Disponível em: http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/ chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/39F91FA48FD37A0B032571C000441F95/$File/ NT00032192.pdf. Acesso em: 12 jan. 2020. FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Estratégias empresariais e formação de competências: um quebra cabeça caleidoscópio da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, 2000. BOTERF, G. L. Desenvolvendo a competência dos profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003. MAXIMIANO, A. C. A. Administração de projetos: como transformar ideias em resultados. 2.ed. 6. Reimpressão. São Paulo: Atlas, 2006. PROBST, G.; RAUB, S.; ROMHARDT, K. Gestão do Conhecimento: os elementos construtivos do sucesso. Porto Alegre: Bookman, 2002. SILVA, L. F. Orientações básicas para elaboração de projetos. In: SEMINÁRIO DE PROPRIE- DADE INTELECTUAL E EMPREENDEDORISMO TECNOLÓGICO, 2.; WORKSHOP DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, 2., 2010, Teresina. Anais [...]. Teresina: UFSC, 2010. VALERIANO, D. L. Gerência em Projetos: Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia. São Paulo: Makron Books, 1998. VIVACQUA, F. et al. Methodware: Metodologia de Gerenciamento de Projetos. 2. ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2009. 80 ANTES DA CRISE: GESTÃO DE RISCOS E CONTIN- GÊNCIAS EM COMUNICAÇÃO PÚBLICA Jorge Duarte Armando Medeiros de Faria Este texto foi construído a partir de revisão bibliográfica em torno de alguns pes- quisadores e da consulta a um grupo de especialistas que lidam com o tema19. Está ancorado, também, na experiência dos autores no setor público com a intenção de estabelecer diálogo empírico-teórico. O ambiente que nos cerca, hoje, é histo- ricamente inédito, diz Eric Hobsbawm (2013). Ao abordar aspectos da cultura e do desenvolvimento da sociedade, o historiador fala sobre as transformações de uma economia “tecnoindustrializada” que produz, de forma inédita, experiências “constantes e onipresentes de informação e produção cultural - de som, imagem, palavra, memória e símbolos” (HOBSBAWM, 2013, p. 15). Em uma sociedade na qual a informação circula muito rapidamente e facil- mente mobiliza diferentes atores e interesses, os riscosde contingências aumen- tam, exponencialmente, e se propagam de forma muito mais intensa do que no passado. Contingências são, aqui, aqueles fatos e acontecimentos que tem como característica central a possibilidade de acontecerem e alterarem a normalidade. Eles são possíveis, incertos, podem ocorrer, mas não necessariamente. Contingências fazem parte da rotina da administração pública, portanto, dos cidadãos. Basta projetar o desafio do Estado em atender a população com servi- ços de saúde, educação e segurança nos 5.570 municípios do País. De um surto 19 Autores consultados: Antônio Lassance, Eduardo Amadeu Dutra Moresi, Franz Josef Brüseke, Hélio Doyle; Ivan Carlos Lago, João José Forni, Mário Rosa, Roberto de Castro Neves, Roberto Pen- teado de Camargo Filho; Sérgio Nogueira Seabra, Wilson Correa da Fonseca Jr. UNICESUMAR 81 de sarampo a um conflito em sala de aula, as autoridades serão chamadas para prestar contas aos cidadãos. As contingências trazem consequências negativas no âmbito administrativo, jurídico e político. Situações crônicas de déficit no atendimento prestado pelos serviços públicos constituem contingências a serem enfrentadas pelos governos municipais, estaduais e o executivo federal. Algumas ocorrências, dada a mag- nitude do problema, transformam-se nas grandes crises descritas nos manuais, em geral, no formato de estudos de caso. Os grandes “cases”, aliás, estudados sem mediações, comparações, ou deli- mitações, podem consagrar a concepção de que a crise em comunicação é algo gigantesco, grandioso, sem nuances. Daí o imperativo de abordar a incerteza, dissecar a eventualidade, listar o que pode ou não ocorrer, antever consequên- cias. Saber altura, peso, área e volume daquela contingência é pré-requisito para a gestão. A contingência traz, em si, o risco potencial de transformar-se em crise. Conceitos e fundamentos As contingências, em geral, ocorrem pela imprevidência, omissão, ato ou proce- dimentos relacionados à organização. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investiga assuntos capazes de colocar a instituição pública no foco da mídia e das redes sociais, por longo tempo. Esta investida atrai grupos de interesse e de pressão. Entidades e associações se mobilizam. Em defesa do cidadão, o Minis- tério Público entra em cena. Judiciário e órgãos de controle são acionados. Os exemplos demonstram que a gestão da contingência, pela administração pública, tem a missão de criar diques para reduzir danos. Caso a gestão seja negligente, acabará por ampliar ou deflagrar novos focos de conflitos. A contingência possui diferentes níveis de intensidade e variadas conse- quências junto a grupos ou públicos. Implica, portanto, em diferentes formas de relacionamento com a sociedade. Pode, ao mesmo tempo, ser considerada uma oportunidade para desvendar problemas de fundo, solucioná-los e gerar inicia- tivas inovadoras que resultam na melhoria da gestão pública. A graduação de consequências, demarcada como danos limitados, danos moderados ou danos extensos, impõe uma discussão prévia sobre a tipologia dos 82 fatores de riscos. Há, pelo menos, três tipos de contingência, que explicaremos a seguir. As contingências prováveis são aquelas possíveis de antever, recorrentes ou naturais da atividade. Os projetos do Executivo em tramitação no Legislativo, questionamentos de licitações, pautas de segurança nas estradas nos feriados e férias, problemas em uma auditoria realizada por órgão de controle, entre outros, são previsíveis para um gestor de comunicação. As contingências factíveis não ocorrem frequentemente. Uma fraude envol- vendo o mais alto escalão da República, um acidente nuclear, ou o esgotamento de recursos financeiros para determinados programas ou políticas públicas são ple- namente passíveis de ocorrência. As contingências prováveis e factíveis devem ser identificadas no levantamento prévio e exaustivo de riscos. Para antecipar-se e não ser surpreendido, o mapeamento dos atores e da agenda de riscos deve incluir as hipóteses mais abrangentes a respeito de problemas com probabilidade de ocorrência no âmbito da gestão pública. As contingências imprevisíveis, por sua vez, são aquelas de difícil antevisão. Em geral, resultam do imponderável e de elementos sobre os quais não se tem controle. Por serem de detecção mais difícil no monitoramento, tendem a ser administradas a partir da experiência anterior na gestão de crises e da capacidade da equipe de dar respostas rápidas. Quanto ao seu impacto, uma contingência pode ser dividida em dois grandes grupos: incidentes e emergências. O impacto incidente pode ser caracterizado como acontecimento passa- geiro, de baixo impacto, que altera a rotina e exige reação específica. Apresenta impacto limitado ao ambiente em que é deflagrado. Em geral, implica em algum tipo de mudança nos padrões normais, mas não afeta, substancialmente, os pro- cessos administrativos nem tem implicações profundas. Em geral, a mensagem simbólica que expressa esgota-se em si mesmo, sem reverberações ou propagação. Um agente público, por exemplo, faz um post de mau gosto em uma rede social, um parlamentar convoca uma autoridade para uma audiência pública, ou um contribuinte exerce seu direito de expressão, divulgando vídeo sobre o péssimo atendimento, mostrando uma longa fila de uma repartição pública. São tipos de questões que surgem com certa rotina na área de comunicação. Sendo gerenciadas com cuidado e rapidez, geralmente, provocam impacto limitado. No entanto o esforço de comunicação necessário para resolver um incidente não deve ser subestimado, já que sempre há o risco de se tornar uma emergência por dificuldades no processo de controle. UNICESUMAR 83 Em relação ao impacto de emergência, trata-se de um tipo de contingên- cia que desorganiza e coloca em risco os processos normais das organizações. Forni (2013) destaca que crise e emergência, embora utilizadas com o mesmo sentido, não são sinônimas. As emergências são identificadas como limita- das, passageiras e controláveis. Em situações emergenciais, encontramos as seguintes características: visibilidade, dramaticidade pontual, certo grau de imprevisibilidade, surpresa, ruptura da rotina, pressão, stress, tensão e perda de controle sobre alguns dos elementos. Uma emergência pode ser a antessala da crise, afinal, oferece o risco de mu- dar de nível e engolfar a reputação da administração pública. Como antessala da crise, uma emergência possui natureza complexa e não é possível ter certeza de seus desdobramentos. Ela pode ter origem em um imprevisto de grande impac- to ou ser consequência de um acúmulo de eventos que ganham, cada vez mais, importância. A sua eventual longa duração expõe o órgão ou seus integrantes a um implacável esvaziamento do estoque de confiabilidade. Uma ação competente da área de comunicação tem, muitas vezes, a capacidade apenas de minimizar o impacto da emergência, o que, mesmo assim, pode significar um notável ganho. Enquanto o desfecho de uma emergência estiver nas mãos da própria orga- nização, mais rapidamente o processo será controlado. Por outro lado, quando a emergência se desdobra para outras esferas de decisão – Judiciário, Legislativo, órgãos de controle etc. – o desfecho será provavelmente mais longo, com novos focos de riscos e, principalmente, com a presença de novos atores interessados no assunto, na maioria das vezes, não necessariamente para resolvê-la, mas para potencializá-la ou utilizá-la com algum interesse próprio, não obrigatoriamente escuso. Teremos, então, uma crise. A crise implica no questionamento da capacidade de uma organização cum- prir sua missão. É algo capaz de abalar a gestão ou mudar a forma de atuação da organização pública. É um ataque frontal aos seus valores e atitudes. Crise repre- senta ameaça iminente, vital e séria ao relacionamento da organização pública com diferentes atores sociais ou ao conjunto da sociedade. Põe em riscoou afeta, diretamente, a reputação, a manutenção da rotina e as políticas públicas. Causa, ainda, prejuízo aos cidadãos e compromete a estabilidade da gestão. Embora as fronteiras sejam tênues, vamos nos deter em uma analogia para compreender como agir nas contingências que configuram incidente, emer- gência e crise. Podemos projetar estas ocorrências a partir do campo da saúde. 84 A comparação estabelecida diz respeito aos sintomas e ao tipo de tratamento a ser ministrado. O receituário é mais simples se o enfermo estiver resfriado. Com febre alta, o protocolo envolve controlar, rapidamente, a situação e identificar as causas. Caso a circunstância inclua uma vítima de um infarto agudo do miocár- dio, o protocolo médico indica emergência, o que requer agilidade total para os procedimentos de imediata desobstrução da artéria. Impactos Um dos pontos mais complexos no trabalho de consultores, assessores e espe- cialistas é identificar, corretamente, a situação de contingência: o que acontece é mesmo uma crise? Caso afirmativo, qual a magnitude? Qual a extensão dos danos? Para ilustrar a diferença entre incidente e emergência, pode-se fazer uma referência às escalas e indicadores desenvolvidos para estudos sobre abalos sis- mológicos: a escala de Richter e a tabela de Saffir-Simpson. De acordo com a Escala de Richter (WIKIPÉDIA, [2019a]), até o nível 2,0, os terremotos são considerados microssismos. Podem ser detectados por sismó- grafos, mas nem sempre são sentidos pelas pessoas. De 2,0 a 2,9, o fenômeno é também de baixa intensidade e, geralmente, não percebidos. Na escala de 3,0 a 3,9, são pequenos, não causam danos e, frequentemente, são sentidos pelas pes- soas. No nível 4,0 a 4,9, considerado leve, registra tremor notório de objetos no interior de habitações, ruídos de choque entre objetos. Sismo significativo, mas com danos importantes improváveis. Um terremoto é considerado moderado, quando alcança entre 5,0 e 5,9 e pode causar danos importantes em edifícios mal concebidos e em zonas restritas. Provo- ca, apenas, danos ligeiros em edifícios bem construídos. É identificado como forte quando o nível vai de 6,0 a 6,9. Pode ser destruidor em áreas habitadas em um raio de até 160 quilômetros em torno do epicentro. No nível 7,0 a 7,9, de grande efeito, pode provocar danos graves em zonas vastas. É considerado importante quando atinge 8,0 a 8,9 e pode causar danos sérios em um raio de várias centenas de quilômetros em torno do epicentro. Um terremoto excepcional atinge de 9,0 a 9,9, devasta zonas em um raio de milhares de quilômetros em torno do epicentro, o corre 1 em cada 20 anos. Na escala 10, classificado de extremo, os efeitos são des- conhecidos. Na história conhecida, nunca foi registrado um sismo desta magnitude. UNICESUMAR 85 Assim como a Escala Richter descreve o mesmo evento com efeitos e magni- tudes diferenciados, os norte-americanos Herbert Saffir e Robert Simpson (WI- KIPÉDIA, [2019b]), no início da década de 70, elaboraram uma classificação com indicações das características de destruição dos furacões. A tabela Saffir-Simpson vai de 1 a 5, sendo que 5 indica o mais devastador. Uma tempestade é considerada “furacão” quando a velocidade dos ventos é superior a 118 km/h. Na categoria 1 (danos mínimos), os ventos não ultrapassam 153 km, e os danos são mínimos. Nessa intensidade, o fenômeno arrasta árvores, derruba galhos, placas, mas prédios e casas permanecem intactos. Quando os ventos alcançam até 177 km por hora, o fenômeno é classificado na categoria 2 (danos moderados), e telhados, portas e janelas são parcialmente destruídos. Já na cate- goria 3 (grandes danos), quando os ventos chegam a 209 km por hora, o furacão derruba árvores e danifica casas, e as construções pouco resistentes ficam comple- tamente destruídas. Ao provocar problemas estruturais, por exemplo, destruição de paredes e tetos de grandes construções, o furacão é classificado na categoria 4 (danos extremos), com ventos entre 210 km e 249 km por hora. Com ventos superiores a 249 km por hora, um furacão é considerado fenômeno de categoria 5 (danos catastróficos). A violência do furacão tipo 5 arranca árvores pela raiz, derruba casas e prédios inteiros. Os danos atingem um raio de até 16 quilômetros, e as regiões precisam de ações de emergência, como retirada imediata da população. Tanto a escala Richter como a tabela Saffir-Simpson podem inspirar pa- drões de referência para contingências e crises em comunicação pública. Qual é a natureza da minha contingência? Quais danos poderá causar? Qual duração? Quem será atingido? O estrago é moderado ou gigantesco? Quais respostas e soluções para a população atingida? Quais medidas a administração pública deverá adotar? São muitas as questões de um longo roteiro que permitirá a comunicação avaliar qual contingência a organização enfrenta e quais os ins- trumentos a serem mobilizados. Para simplificar, podemos pensar nos efeitos das contingências e respecti- vas respostas da comunicação dentro de três categorias: de baixo a moderado impacto, provavelmente temos o grande estoque de incidentes enfrentados todos os dias na gestão pública; de grande impacto, são aquelas situações emer- genciais que ocorrem, não todos os dias, mas aparecem com regularidade na administração pública; já os impactos extremos envolvem eventos com alto potencial destruidor, mas são mais raros. 86 O custo de uma contingência na esfera da administração pública – seja em formato de emergência, seja crise – recai em primeiro lugar sobre a sociedade, a maior prejudicada. O foco da crise, nos primeiros momentos, concentra-se nas personagens, nos indivíduos. Do segundo escalão do serviço público até o mais elevado nível de comando da República, os holofotes buscam penalizar e cobrar responsabilidades dos dirigentes públicos. Em muitas contingências, além da gestão ineficiente, lideranças políticas, administradores, gestores e servidores públicos cometeram crime, atos ilícitos ou mantinham condutas sem padrões de conformidade com a integridade exigida na máquina pública. Apesar da sucessão de administrações ineficientes ou caracterizadas pela corrupção, as instituições permanecem, mas o mecanismo das crises na esfera pública implode e corrói o capital simbólico de credibilidade das instituições. A confiança da sociedade em relação ao Executivo, Legislativo e Judiciário diminui e a crença na democracia fica abalada. O que era para ser purificação e aprimora- mento, transforma-se em radicalizada e perigosa rejeição. Como incorporar, na comunicação com a sociedade, consequências positivas e lições de democracia e cidadania a respeito das crises ininterruptas no poder público? Temas de debate público Contingências, no formato incidentes, emergências ou crises, não podem ser confundidas com debate público. A administração pública é pautada, cotidiana- mente, por um padrão: cada exposição pública ou decisão do Estado (lançamen- to de políticas públicas, verbalização de opinião, discussão de projetos ou atos administrativos, por exemplo) envolve explicações das autoridades e gera, como contraponto, versões e expressões de outros interesses da sociedade, com dife- rentes visões de mundo. A informação oficial será cotejada com a crítica de um especialista, com as restrições de uma liderança política, com o questionamento de interessados no tema. Governantes serão questionados também em relação às suas opiniões e ações passadas sobre o assunto. O padrão no relacionamento Estado e Sociedade é viver sob o escrutínio de críticas, reclamações, cobranças e fiscalização. Faz parte do jogo explicar, es- clarecer, informar, detalhar, às vezes indefinidamente. A redundância pode ser fundamental para forjar a compreensão de uma ideia. Além disso, é uma pequena UNICESUMAR 87 maravilha da democracia o fato de que não é possível ficar tranquilo no setor pú- blico. Estamos permanentemente sob escrutínio, questionamento e observação.Neste ponto, um problema: os dilemas da dimensão política e da gestão pú- blica republicana estarão, sempre, presentes nas escolhas da comunicação. Se um governo vive sob ataques e vê a desconstrução de suas narrativas, dificilmente se conformará com a tese de que isto faz parte da democracia e do ônus de governar. Por isso, é comum culpar a comunicação (insuficiente, sem foco etc.), quando determinado governo não é bem avaliado junto à sociedade. Como resolver o impasse? Difícil arriscar, mas a legitimidade da comunicação político-partidária deve ser reconhecida como fator inerente à democracia. Os partidos políticos que administram a Presidência, governos estaduais e municipais devem ir para a linha de frente dos debates, de forma independente. Isso requer estabelecer fronteiras nítidas nas quais o aparato institucional de comunicação dos órgãos públicos permanece dedicado, exclusivamente, na interface com o cidadão, sob a premissa do dever do Estado em prestar contas. Os escândalos Quando lideranças ou organizações do setor público estão sob o crivo de órgãos de controle, em virtude do descumprimento de normas de integridade e com- pliance, vive-se uma crise. Isso ocorre, por exemplo, quando a trajetória de visibi- lidade é realçada de forma negativa e mobiliza, desfavoravelmente, outros agentes sociais em torno de si, colocando em risco a credibilidade dos dirigentes, da organização e a própria capacidade de cumprir, adequadamente, seus objetivos. Na vida pública moderna, e não só no Brasil, um dos pontos mais sensíveis é a ocorrência dos escândalos políticos cujos efeitos devastadores acabam por impor um cerco às organizações, enfraquecendo até mesmo a governabilidade. Como assinala Thompson: “[...] os políticos e outras figuras públicas se tornaram muito mais visíveis hoje do que no passado; é bem mais difícil para eles nos dias de hoje colocar um véu sigiloso sobre as atividades ou acontecimentos que eles prefeririam manter ocultos ao escrutínio público” (THOMPSON, 2002, p. 22). O chamado escândalo político apresenta uma narrativa que corrói o capital de credibilidade e pode afetar gravemente a legitimidade dos agentes públicos. Tra- ta-se de uma contingência complexa cuja a condução e a equação – de natureza 88 política – não têm solução simples, muito menos nas técnicas e manuais clássicos de comunicação. Um dirigente pode se sustentar no Executivo, Legislativo ou Judiciário, ou na presidência de empresas públicas, pela força e legitimidade da política partidária. Mesmo fustigado por condenações preliminares, processos, auditorias e o clamor das redes sociais e da imprensa. Durante a CPI dos Anões do Orçamento, em outubro de 1992, por exemplo, o então ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, amigo histórico de Itamar Franco, apareceu como beneficiário de desvio de dinheiro. O ex-presidente não hesitou em afastar um de seus amigos mais próximos e ministro de uma área ne- vrálgica. Somente, um ano depois, quando ficou comprovado que Hargreaves fora acusado injustamente, Itamar autorizou que fosse readmitido. Quando retornou ao cargo, foi saudado pelo Presidente da República. Hoje, porém, em plena guerra entre verdade e informações falsas, em que fontes oficiais disseminam mentiras, é ainda válido o comportamento adotado pelo ex-presidente da República, Itamar Franco? Será este padrão um modelo de conduta da administração pública face aos escândalos políticos? Trata-se de um desafio complexo na gestão da comunicação, porque a receita rápida e simples (admitir o erro, mudar o rumo e até renunciar ao cargo para sair do foco) significa capitulação política, ou abrir mão da defesa de reputação. A gestão dessa contingência requer uma nova abordagem comunicativa, capaz de entender e valorizar a dimensão da autonomia política versus o enfrentamento do ambiente mediático hostil e, mesmo, o ativismo judicial. Pela complexidade, não será tratada no âmbito deste texto, mas é um ponto a ser enfrentado no universo das contingências que envolvem o setor público e suas lideranças. O papel da comunicação Não importam os percalços, o nível das contingências, o debate público ou a crise, é fundamental dispor de uma competência instalada que permita a gestão eficaz da comunicação. Competência instalada é a experiência acumulada, defi- nição de papel, acesso, agilidade, credibilidade, instrumentos eficientes, existên- cia de planejamento, equipe com qualidade e quantidade necessárias. Quando um problema chega é pouco provável que a leitura apressada de um manual de planejamento seja eficiente. É preciso, no mínimo, ter claro o papel e a tarefa de UNICESUMAR 89 cada ator. A área de comunicação gerencia, cotidianamente, incidentes e dá su- porte à administração nas emergências, na avaliação correta daquela conjuntura e no acompanhamento dos atores sociais e organizações envolvidas no ciclo de repercussão dos acontecimentos. A comunicação participa ativamente na avaliação das decisões e encami- nhamentos. Setores ou departamentos internos, ao tomarem medidas e decisões, devem ter como horizonte o impacto e desdobramentos junto à sociedade – aqui, entra a comunicação. Nenhuma medida deverá ser tomada de forma indepen- dente e sem a avaliação técnica da área. As escolhas de uma organização, durante a gestão da crise, devem ser submetidas ao crivo da comunicação. Em uma emergência, é decisivo ter interlocução com os dirigentes, capacida- de de ação, respeitabilidade, competência técnica. Sempre que perguntam como lidar com uma crise, uma solução que costumamos dar é bastante simples: “como diz Hamlet, estar preparado é tudo”. Em outras palavras, ter capacidade instalada: acesso, competência, planejamento, capacitação, visão política, iniciativa. Toda base não está nos manuais de crise, mas no conhecimento e na habilidade de quem nela se envolve. Assim, o atendimento ao cidadão, a disponibilização e facilidade de acesso de informações na internet, a explicação dos dirigentes, a comunicação segmentada com funcionários, especialistas, intelectuais, usuários de serviços são diferentes formas de se fazer comunicação e atender às diferentes demandas dos públicos, minimizar riscos de contingências, sejam simples incidentes ou mesmo emergên- cias. Em uma situação de contingência, atuar junto aos públicos mais afetados é decisivo. A área de comunicação, neste caso, garante sua eficiência, estabelecendo canais ágeis e confiáveis com os diferentes públicos estratégicos, de maneira a mantê-los informados, orientados e confiantes de que a transparência prevalece e as ações corretivas são executadas da melhor maneira possível. Imprensa e mídias sociais A convergência e retroalimentação de mídias tradicionais e sociais é um fenô- meno do século XXI que requer da comunicação o discernimento do alcance e influência de cada uma. A fragmentação dos públicos, por sua vez, desafia si- tuações emergenciais. A imediata identificação dos vários públicos e segmentos 90 sociais é estratégica. Captar impactos e reações permite dialogar com eficácia. Focar em segmentos de público é tão estratégico como destinar tratamento diferenciado para a imprensa. Afinal, apesar das mídias tradicionais, ainda, manterem a capacidade de produzir conteúdo primário relevante e distribuí-lo em vários formatos, boa parte da interlocução com a sociedade ocorre, hoje, nas redes sociais e novas mídias. A vertiginosa expansão de novos meios e formatos bem como informação ex- tremamente segmentada, nos dias atuais, criam alternativas e, claro, riscos e possi- bilidades, por isso, a atenção deve ser redobrada. Além de acompanhar o noticiário e a análise de mídia tradicional, deve-se monitorar o novo espaço mediático – os sites, blogs, noticiário on-line, redes sociais – onde as informações circulam com muita velocidade e os impactos são instantâneos. Aqui, mais uma vez, o desafio de lidar com Fake News, principalmente, durante incidentes ou emergências.A convergência das mídias implica compreender que a imprensa expande sua repercussão junto às redes sociais. Já as informações das redes sociais, ini- cialmente circunscritas em um nicho, tem o poder de velozmente migrar com destaque para a imprensa tradicional ou circular abaixo do nível do nosso radar. Outro aspecto relevante é a autonomia dos receptores. Em uma sociedade, cada vez mais conectada, a voz do cidadão, de um influencer digital, ou de um blogueiro independente, pode ser ouvida em larga escala. A manifestação das redes sociais é imediata e a gestão da crise, em vez de uma espera de horas pelas manchetes do dia seguinte, passa a ser administrada em outra velocidade, instante a instante. Seja em tempos de contingências simples, seja em momentos de emergên- cia, o padrão institucional do relacionamento entre o setor público e a imprensa deve ser pautado por um tratamento democrático, profissional e civilizado. Mesmo que a situação seja mais tensa, mesmo que a imprensa, às vezes, extra- pole o seu papel, o alto grau de profissionalismo deve presidir a relação sob a premissa do interesse público. UNICESUMAR 91 Considerações finais Ao concluir, frisamos três tópicos: cultura preventiva, aceitação da imprevisibi- lidade e resiliência. Cultura preventiva: toda ação preventiva – planejamento, planos etc. – será estéril se não houve efetiva execução. Qualquer organização precisa empreender esforço e energia para colocar, em prática, os planos cons- truídos, sobretudo, os de natureza pública. Às vezes, as organizações têm seus planos de contingência nos arquivos, porque não foi dada a necessária ênfase na materialização das ações. Recomenda-se com ênfase o treinamento dos principais atores internos, em torno de situações críticas, para aperfeiçoamento dos instru- mentos de planejamento e, também, para consolidação de cultura preventiva nas organizações públicas. Órgãos e empresas públicas que dedicam tempo e recursos para a realização de tais treinamentos encontram-se em uma etapa avançada e madura de gestão de contingências. Aceitação da imprevisibilidade: Nassim Nicholas Taleb, decano de Ciências da Incerteza na Universidade de Massachusetts, escreveu The Black Swan (2007), publicado no Brasil com o título A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável. No livro, o autor relata que até meados do ano 1600 predominava a crença de que só existiam cisnes brancos. Com a descoberta da Austrália, os euro- peus avistaram, pela primeira vez, um cisne negro e, para Taleb, este exemplo ilustra a fragilidade dos nossos conhecimentos diante do inesperado e desconhecido. Nesse sentido, cisne negro representa um acontecimento improvável e com três características. A primeira pode ser descrita como uma espécie de dado espúrio, fora do âmbito das expectativas comuns, já que nada no passado poderia apontar para tal possibilidade. A segunda característica é simples: trata-se de um evento que exerce um impacto enorme, transformador. A terceira característica, em virtude da complexa natureza humana, é o fato de que, depois do ocorrido, as pessoas desen- volvem explicações tornando o evento, até então espantoso, explicável e previsível. Cético em relação a instrumentos que possam gerenciar o desconhecido, Taleb alerta para o que considera postura saudável: as pessoas devem ter cons- 92 ciência e aceitarem que, mais cedo ou tarde, vão lidar com eventos inesperados e imprevisíveis. O autor usa vários exemplos (o ataque de 11 de setembro ao World Trade Center, disseminação da internet, as grandes crises nos mercados finan- ceiros etc.) para sustentar que a previsibilidade é retrospectiva e não prospectiva. Embora o caráter filosófico-científico receba críticas, o conceito proposto pela metáfora do cisne negro vale como advertência sobre a crença excessiva em cenários, simulações, mapa de riscos e outros importantes instrumentos no planejamento e prevenção. O convite de Taleb é aceitar que, em algum momen- to, eventos com baixa previsibilidade e grande impacto estarão nas agendas dos comunicadores e gestores de crise. Por fim, resiliência: o termo teve origem na Física, significando a capaci- dade que um material tem, após ser submetido a uma ação externa, de read- quirir, integralmente, suas propriedades anteriores, quando a ação cessa. Na Psicologia, resiliência é definida como a “capacidade humana para enfrentar, vencer e sair fortalecido ou transformado por experiências de adversidade” (GROTBERG, 2005, p. 15-22). Além da necessidade de implantar parâmetros de gestão de riscos, há uma lição valiosa: as organizações precisam desenvolver capacidade endógena de in- fluenciar e solucionar as próprias situações de contingência. Quanto maior essa capacidade, melhor desenlace para os momentos críticos. Do contrário, outros atores entram em cena, passam a atuar e acabam por participarem de um desfe- cho e ato final, sem o comando, ou a influência da própria organização. Podemos chamar essa qualidade de resiliência. Inúmeros casos de crise demonstram que as organizações reagem como víti- mas. Negam a própria inoperância e sequer questionam se há empatia, se o ponto de vista do “outro” está incorporado nas narrativas e posicionamentos perante a sociedade. Ao contrário desta rigidez, a resiliência significa capacidade rápida de adaptação, assimilação de lições e flexibilidade, atitudes essenciais diante de mudanças bruscas de cenário, como ocorrem frequentemente. Organizações que assumem responsabilidades e buscam influenciar a situa- ção de forma positiva estão dispostas a aprender a cada dia. Sabem que uma crise aparece a qualquer momento. Capacidade instalada e resiliência garantem a superação de situações estressantes, independentemente do nível de impacto. A boa gestão pode garantir que uma crise passe rápido, até que venha a próxima. 93 REFERÊNCIAS ARIELY, D. A mais pura verdade sobre a desonestidade. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. CHAPARRO, M. C. Pragmática do Jornalismo: Buscas Práticas para uma Teoria da Ação Jorna- lística. São Paulo: Summus Editorial, 2007. CORRADO, F. M. A Força da Comunicação: Quem não se comunica... São Paulo: Pearson Edu- cation do Brasil, 1994. DUARTE, J. (org.). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia: Teoria e Técnica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. FORNI, J. J. Comunicação em tempo de crise. In: DUARTE, J. (org.). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia: Teoria e Técnica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. FORNI, J. J. Gestão de crises e comunicação: o que gestores e profissionais de comunicação precisam saber para enfrentar crises corporativas. São Paulo: Atlas, 2013. GROTBERG, E. H. Introdução: Novas tendências em resiliência. In: MELILLO, A.; OJEDA, E. N. (org.). Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 15-22. HARFORD, T. A lógica da vida: descobrindo a nova economia em tudo. Rio de Janeiro: Record, 2009. HOBSBAWM, E. Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX. São Paulo: Cia. das Letras, 2013. NEVES, R. de. C. Crises Empresariais com a opinião pública. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. RONSON, J. Humilhado: como a era da internet mudou o julgamento público. Rio de Janeiro: Best Seller, 2015. ROSA, M. A Síndrome de Aquiles: como lidar com crises de imagem. 2. ed. São Paulo: Gente, 2001. ROSA, M. A Era do Escândalo: Lições, relatos e bastidores de quem viveu as grandes crises de imagem. 3. ed. São Paulo: Geração, 2004. SIMÕES, R. Relações Públicas: Função política. São Paulo: Summus, 1993. TALEB, N. N. A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável. Rio de Janeiro: BestBusiness, 2018. THOMPSON, J. B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002. WEBER, M. H.; COELHO, M. P.; LOCATELLI, C. (org.). Comunicação pública e política: pesquisas e práticas. Florianópolis: Insular, 2017. 94 REFERÊNCIAS WIKIPÉDIA. Escalade Richter. Flórida, [2019a]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/in- dex.php?title=Escala_de_Richter&oldid=55464887. Acesso em: 11 jun. 2019. WIKIPÉDIA. Escala de Furacões de Saffir-Simpson. Flórida, [2019b]. Disponível em: ht- tps://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escala_de_furac%C3%B5es_de_Saffir-Simpson&ol- did=56138767. Acesso em: 1 set. 2019. 96 AGENDA 2030 E MULHERES NA POLÍTICA - O CAMINHO NO COMBATE À DESIGUALDADE POLÍTICA ENTRE OS GÊNEROS Renata Andrade de Oliveira Os cenários políticos dos últimos anos demonstram que existe um abismo entre o ideal de igualdade política e a realidade das democracias contemporâneas. Enquan- to o primeiro seria a possibilita de todos participarem de maneira igual do sistema e dos processos de decisões (DAHL, 2008), a realidade é de um mundo marcado pelas ausências de determinados grupos sociais nos espaços políticos, em destaque, as mulheres. Atualmente, a média mundial de mulheres representantes políticas em ambientes como as Assembleias ou Congressos Nacionais está na faixa dos 24%, ou seja, dos milhares de postos disponíveis de tomadas de decisões ao redor do mundo, nem ¼ é ocupado por mulheres. Isso denota que, tradicionalmente, os represen- tantes políticos são majoritariamente homens (cerca de 75%). Então, como falar em processos de consolidação de regimes democráticos, enquanto ainda estamos perante um cenário de baixos níveis de mulheres presentes nas arenas políticas, em especial, na mais tradicional de todas, o parlamento?1 Os levantamentos efetuados pelo Inter-Parliementary Union (União Inter- parlamentar - IPU)2 e pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)3 relevam que a média mundial de mulheres ocupando assentos nos 1 Gostaríamos de ressaltar que o conceito de parlamento aqui empregado não diz respeito ao sis- tema parlamentarista, mas sim ao ambiente de tomada de decisões políticas nacionais, que varia entre os países, podendo ser uma Assembleia Nacional, Congresso (combinação entre Câmara dos Deputados e Senado) ou apenas Câmara dos Deputados. 2 http://archive.ipu.org/wmn-e/world.htm 3 https://www.cepal.org/pt-br UNICESUMAR 97 parlamentos4, em 1997, era de 11,7%, passou a 16,2%, em 2005, mas, apenas pós- 2010 conseguiu ultrapassar a faixa dos 20%, tendo, em 2018, 23% dos lugares ocupados por mulheres e, em 2019, 24,5%. Por mais que haja uma tendência positiva em relação aos índices, em mais de 20 anos, o aumento foi de apenas 13%. No Brasil, o quadro não é mais otimista. A média histórica brasileira ao longo dos anos é de 10% de mulheres parlamentares, sendo que esse índice foi ultra- passado, pela primeira vez, apenas com as últimas eleições de 2018. Até 2014, 9% dos parlamentares do Brasil eram mulheres; atualmente, esse valor passou para 15%. Apesar do aumento de 6%, isto quer dizer que temos 77 mulheres nas 513 vagas disponíveis na Câmara dos Deputados e 12 nas 81 vagas totais do Senado. Esse cenário coloca o país nos últimos lugares em termos de representação de mulheres na América Latina5 e no quadro mundial6. Não é de hoje que sabemos da importância desse tema, não somente porque é um ramo de um cenário mais amplo de disparidades entre homens e mulheres, mas também porque coloca em xeque questões de qualidade dos regimes demo- cráticos (OLIVEIRA, 2018). O reconhecimento da igualdade entre os gêneros faz parte de lutas por direitos, marcos jurídicos e políticos, como a Carta das Nações Unidas (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Conven- ção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, da sigla em inglês, 1979), que ajudaram a consolidar e a difundir a ideia de que a temática de gênero é um aspecto que faz parte do debate político e deve ter a atenção do mundo. Com o intuito de promover práticas que revertam esse quadro, em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável, com 17 objetivos globais e 169 metas. Nesse sentido, o destaque vai para o objetivo 5 e suas 12 metas, que dizem respei- to diretamente ao alcance da igualdade de gênero em diversas áreas da vida social7. Uma das dimensões fundamentais do tópico é a eliminação da desigualdade polí- tica, em especial, no que diz respeito ao gap de participação e representação entre mulheres e homens nos espaços públicos. O objetivo 5 da Agenda 2030 afirma que 4 Parlamento aqui entendido como a média entre a Upper House (seria o Senado) e Lower House (seria a Câmara dos Deputados). 5 Posição do Brasil no Ranking da América Latina: 28° entre os 34 países consideradas - Fonte: http://estadisticas.cepal.org/cepalstat/WEB_CEPALSTAT/estadisticasIndicadores.asp?idioma=e. Acesso em: 21 jan. 2021. 6 Posição do Brasil no Ranking mundial: 132° - Fonte: http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm. Acesso em: 21 jan. 2021. 7 http://www.agenda2030.org.br/ods/5/. Acesso em: 10 de agosto de 2019 98 o desenvolvimento sustentável do planeta passa pela promoção da igualdade entre mulheres e meninas em relação aos homens e meninos, por isso, a participação po- lítica é aspecto primordial para um mundo melhor. Em prol disso, em 2013, a ONU Mulheres, em apoio à Agenda 2030, criou a iniciativa “Por um planeta 50-50: um passo decisivo pela igualdade de gênero”8, que visa incentivar a maior participação das mulheres na política com investimentos em políticas públicas e criação de leis. A necessidade de análise do quadro da sub-representação das mulheres é, essencialmente, um problema de justiça e igualdade, pilares indispensáveis para uma ideia de democracia pluralista (TOURAINE, 1996). Portanto, na era das de- mocracias modernas, a existência de fenômenos como esse são contraintuitivos, por isso, a questão que se levanta é saber o que os países têm feito para combater esse quadro. Diante disso, nos perguntamos quais são as medidas tomadas pelo Brasil, nos últimos anos, para combater essas diferenças entre gêneros e promover à igualdade. Uma delas foi a implementação das cotas políticas para as mulheres, a Lei 9.504/1997, a qual será objeto do presente capítulo com o intuito de com- preender como se relaciona aos projetos internacionais como a Agenda 2030 da ONU, por meio da análise da sua efetividade. Para tanto, primeiro, vamos observar mais detalhadamente a participação política das mulheres nos parlamentos nacionais. O segundo ponto será a com- preensão da história da criação da Agenda 2030 e do Projeto 50-50; a partir disso, olharemos o movimento mundial da implementação de medidas institucionais, como as políticas afirmativas, no combate à desigualdade política entre os gêne- ros. Por fim, com um olhar mais atento para a política de cotas no Brasil, enfati- zaremos seu histórico e as avaliações de efetividade dos resultados observados até o momento. Nossa intenção é analisar o caminho que o país tem dedicado para se afastar do atual abismo representativo entre mulheres e homens na política. 8 Para mais informações: http://www.onumulheres.org.br/planeta5050-2030/. Acesso em: 10 de agosto de 2019. UNICESUMAR 99 A representação parlamentar de mulheres ao redor do mundo Ao realizarmos uma análise a nível global da presença de mulheres em cargos tradicionais de tomadas de decisões, o gráfico 19 demonstra um panorama de evidente desequilíbrio na representação política de mulheres e homens em vários níveis institucionais. No local, apenas 5% das prefeituras no mundo são ocupadas por mulheres, em regiões como América Latina, Caribe10 e Europa11, o índice não chega aos 15%, já na Ásia e Pacífico12, a média é de 31%, e o país com maior porcentagem de mulheres prefeitas é a África do Sul13 (40%). Nos gabinetes mi- nisteriais14, a porcentagem média é de 18% de ocupação feminina; de um lado, países como a Arábia Saudita, Azerbaijão e Hungria não possuem mulheres nos cargos, do outro, a Bulgária, Suécia e o Canadá ultrapassam os 50%. A nível nacional, os dados não são muitodiferentes, no ano 2016, havia 23% de cadeiras parlamentares ocupadas por mulheres, em 201915, não alcançamos a média de 25%. O descompasso entre os parlamentos é mais evidente quando verificamos que apenas doze países dos mais de 170 possuem índices maiores de 40%, dos quais, somente dois ultrapassaram os 50% de mulheres no legislativo (Cuba - 53,2% e Bolívia - 50,1%)16. Enquanto isso, mais de cento e vinte parla- mentos ao redor do mundo possuem menos que a média (25%), com cerca de dez que não possuem representantes femininas em nenhuma de suas câmaras. 9 Apresentamos os dados de 2016 em razão da disponibilidade para ministrar e prefeitas, apenas para o número de parlamentares que temos dados até 2019. 10 https://www.cepal.org/pt-br/datos-y-estadisticas. Acesso em: 11 de fevereiro de 2019. 11 https://rm.coe.int/analytical-report-data-2016-/1680751a3e. Acesso em: 11 de fevereiro de 2019. 12 http://www.theasian.asia/archives/95620 e http://www.citymayors.com/gratis/city_mayors.html - Acesso: 11 de fevereiro de 2019. 13 http://www.statssa.gov.za/?p=10325 – Acesso: 11 de fevereiro de 2019. 14 Todos os dados foram retirados do World Bank: https://datamarket.com/data/set/15jy/propor- tion-of-women-in-ministerial-level-positions#!ds=15jy!hkm&display=line. Acesso: 11 de fevereiro de 2019. 15 Todos os dados do ano de 2019 são referentes à situação em 1° de setembro de 2019. 16 A lista com o ranking de todos os países se encontra disponível em: http://archive.ipu.org/wmn-e/ world.htm 102 Das regiões acima da média mundial, os países nórdicos22 possuem, his- toricamente, mais de 35% de mulheres em seus parlamentos e alcançaram, em 2019, o panorama mais próximo à paridade com 42,2%. As regiões da África Subsaariana23, Europa24, América Latina e Caribe25 acompanharam a ten- dência positiva iniciada nos anos 2000; entretanto, por um lado, as duas pri- meiras mantiveram um ritmo mais lento de crescimento, por outro, os países latino-americanos tiveram um mais acelerado, o que os distanciou das demais, no início dos anos 2000. Como resultado, a América Latina e Caribe possuem o maior crescimento em 22 anos (17%) e, em 2019, a região está em segundo lugar de média de mulheres no mundo (30%). Nesse sentido, a linha que mais chama atenção no gráfico é da América Lati- na e Caribe. Atualmente, seu índice se encontra na casa dos 30%, com destaque para um aumento considerável entre 2000 (13,3%) e 2005 (20,2%). A região da América Latina tem se destacado pelo salto na média de mulheres nas Assembleia e Congressos, tendo segundo lugar no ranking mundial com média de 30%. Em uma descrição geral, atualmente, temos oito países acima da média da região26, dos quais, cinco possuem mais de 40% de seus assentos parlamentares ocupados por mulheres, são eles Cuba, Bolívia, México, Nicarágua e Costa Rica. Por outro lado, catorze se encontram abaixo da média mundial (24.6%), tendo o Haiti a menor taxa, 2,5%. É importante ressaltar os casos dos países de maior destaque na região, exceto pela Argentina e México (acima de 40%); Brasil, Chile e Uruguai estão situados na faixa dos 20%, abaixo da Guiana e Suriname. Em razão deste cenário, retifica-se a necessidade de grandes projetos de pro- moção para a maior participação e representação feminina nos espaços políticos. 22 Dinamarca, Suécia, Finlândia, Islândia e Noruega. 23 África do Sul, Angola, Benin, Botsuana, Burkina Fasso, Burundi, Camarões, Cabo Verde, Chade, Con- go, Costa do Marfim, Djibuti, Guiné Equatorial, Eritréia, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné- -Bissau, Ilhas Comores, Lesoto, Libéria, Madagáscar, Maláui, Mali, Mauritânia, Maurício, Moçambique, Namíbia, Níger, Nigéria, Quênia, República Centro-Africana, Ruanda, República Democrática do Congo (Ex-Zaire), São Tomé e Príncipe, Senegal, Seychelles, Serra Leoa, Somália, Sudão, Suazilândia, Tanzâ- nia, Togo, Uganda, Zâmbia e Zimbábue. 24 Membros europeus da OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa): Albânia, Alemanha, Andorra, Armênia, Áustria, Azerbaijão, Belarus, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Chipre, Espanha, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, França, Geórgia, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Malta, Moldova, Montenegro, Polônia, Portugal, Reino Unido, Repúbli- ca Tcheca, Romênia, Sérvia, Suíça, Ucrânia. 25 Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equa- dor, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Repú- blica Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Fonte: CEPAL. 26 Cuba, Bolívia, México. Nicarágua, Costa Rica, Argentina, Equador e Guiana. UNICESUMAR 103 A Organização das Nações Unidas (ONU), desde de 1970, tem se dedicado no debate e na construção de práticas para diminuir esse abismo entre os gêneros. Além do incentivo às políticas afirmativas, uma recente frente foi a Agenda 2030 e o Projeto 50-50, que serão alvos de descrição na próxima seção. Igualdade de gênero: agenda 2030 e projeto 50-50 Para entendermos as iniciativas mais recentes de combate à disparidade de represen- tação política entre os gêneros no mundo, como a Agenda 2030 e o Projeto 50-50, primeiro, vamos realizar um breve resgate histórico das discussões e movimentos sobre o tema. O surgimento da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável está atrelado aos chamados objetivos do Milênio, que foram estabelecidos para encami- nhar o mundo para o chamado desenvolvimento sustentável, que consiste em buscar satisfazer as necessidade das gerações atuais, sem comprometimento da capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias (BRUNDTLAND, 1987). Desde o final da década de 90, após anos conturbados marcados pelas Guerras Mundiais e a Guerra Fria, a preocupação com o futuro do mundo na virada do milênio aumentou gradativamente. Com isso, a partir desse período, as ações propostas pela ONU visavam o futuro, por exemplo a Conferência sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992) – a chamada Rio 92, que teve como foco os seres humanos e a proteção do meio ambiente como partes do processo do desenvolvimento sustentável. As discussões da Rio 92 resultaram na Agenda 21, que tentou criar um novo padrão de desenvolvimento mundial para o século seguinte. Ainda dentro desse contexto, no ano 2000, foi realizada a Cimeira do Milênio, em Nova Iorque, para discutir e estabelecer uma agenda global para os anos seguintes. Segundo o secretário-geral da ONU no período, Kofi A. Annan, “A minha intenção, ao propor a realização da Cimeira, foi utilizar a força simbólica do Milênio para ir ao encontro das necessidades reais das pessoas de todo o mun- do”27. Como consequência, foi assinada a Declaração do Milênio e estabeleceu-se os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs). A Declaração do Milênio foi assinada pelos 191 Estados membros da ONU na época e por pelo menos 22 organizações internacionais que se comprometeram 27 Declaração do Milênio, 2000. Acesso: https://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/DecdoMil.pdf. 104 em atuar na redução da pobreza extrema, fornecimento de água potável e educa- ção universal, assim como combater a propagação de doenças como VIH/SIDA. Essas metas se tornaram conhecidas como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), que deveriam ser alcançados até 2015. Em concreto eram oito objetivos28: 1) erradicar a pobreza extrema e a fome; 2) alcançar o ensino primário universal; 3) promover a igualdade de gênero e empoderar as mulheres; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde materna; 6) combater a AIDS, a malária e outras doenças; 7) garantir a sustentabilidade ambiental e 8) desenvolver parce- ria global para o desenvolvimento. De um modo geral, os ODMs explicitaram ao mundo a urgência dos países terem que lidar com os problemas sociais, políticos e econômicos de maneira mais direta e consciente, a fim de garantira existência das futuras gerações. Por isso, os objetivos ganharam o status de política global de orientação das ações dos governos. Mesmo com toda a mobilização na virada do século, ainda sim o progresso dos países em colocarem em prática as propostas era lento. Por isso, em 2012, ocorreu a Rio +20, que objetivou a renovação dos compromissos firmados an- teriormente em prol do desenvolvimento sustentável. Ao final, os países mem- bros reconheceram, ao assinar o documento “O Futuro que Queremos”, que seria fundamental criar metas para que os ODMS fossem alcançados de maneira mais rápida. Dessa forma, após um processo intergovernamental abrangente, houve uma consulta global para a construção de um conjunto de objetivos universais de desenvolvimento sustentável para além de 2015. O relatório dedicado à futura agenda, “Uma Vida Digna para Todos”, ressal- tava que o desenvolvimento sustentável deveria ser repensado como uma junção entre o crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental. As ações tomadas em 2015 resultaram nos novos Objetivos de Desenvolvi- mento Sustentável (ODS), que se baseiam nos oito Objetivos de Desenvol- vimento do Milênio (ODM). Assim, em agosto de 2015, 193 países acordaram 17 objetivos, representados pela Figura 1: 28 Mais 22 metas e 48 indicadores. UNICESUMAR 105 Figura 1 - Objetivos Agenda 2030 Fonte: ONU A inserção de objetivos relacionados à igualdade de gênero em relatórios e pro- gramas oficiais da ONU reflete uma preocupação histórica com as condições dispares de vida entre mulheres e homens, meninas e meninos. No primeiro ano da ONU, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) estabeleceu sua Comissão sobre o Status da Mulher, como o principal órgão de decisão política dedicado exclusivamente à igualdade de gêneros e ao avanço das mulheres. Uma de suas primeiras realizações foi assegurar a neutralidade de gênero no projeto de De- claração Universal dos Direitos Humanos (1948) ao afirmar que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e que “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Decla- ração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, religião… ou qualquer outra condição”. À medida que o movimento feminista internacional começou a ganhar força nos anos 70, a Assembleia Geral declarou o ano de 1975 como o Ano Interna- cional das Mulheres e organizou a primeira Conferência Mundial sobre as Mu- lheres, na Cidade do México, tendo como debate a eliminação da discriminação da mulher e o seu avanço social. Um dos marcos mais importantes após isso foi a aprovação na Assembleia Geral da ONU da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em 1979. A Convenção é o primeiro tratado internacional que dispõe amplamente sobre os direitos humanos das mulheres, visando a promoção da igualdade de gênero e a repressão de quaisquer discriminações contra as mulheres. Consti- 106 tuída por um preâmbulo e 30 artigos, sendo que 16 deles contemplam direitos substantivos que devem ser respeitados, protegidos, garantidos e promovidos pelo Estado, define “discriminação contra a mulher” como sendo: “ (...) toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que te- nha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo (CEDAW, 1979, p. 20). A continuação das conferências foi fundamental para discutir as questões que perpassam a vida das mulheres sob diversos ângulos, como educação, emprego, saúde, conflitos armados, política e economia (II Conferência Mundial da Mulher, 1980 e III Conferência Mundial sobre a Mulher, 1985). Em 1995, ocorreu a IV Conferência Mundial sobre a Mulher com tema cen- tral “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, na China. A Plataforma de Ação de Pequim reafirmou os direitos das mulheres como direitos humanos. Além disso, definiu o conceito de gênero para a agenda internacional, enfatizou o empoderamento das mulheres e a transversalidade das políticas públicas com a perspectiva de gênero. Os Estados-membros reafirmaram e reforçaram a pla- taforma em 2000, durante a revisão global de cinco anos, e se comprometeram a acelerar a sua aplicação na revisão de 10 anos, em 2005, na revisão de 15 anos em 2010, e em 2015, na revisão de 20 anos. Segundo o relatório da conferência, “ a transformação fundamental em Pequim foi o reconhecimento da necessidade de mudar o foco da mulher para o conceito de gênero, reconhecendo que toda a estrutura da sociedade, e todas as relações entre homens e mulheres dentro dela, tiveram que ser reavaliados. Só por essa fundamental reestruturação da sociedade e suas insti- tuições poderiam as mulheres ter plenos poderes para tomar o seu lugar de direito como parceiros iguais aos dos homens em todos os aspectos da vida. Essa mudança representou uma reafirmação de que os direitos das mulheres são direitos humanos e que a igualdade UNICESUMAR 107 de gênero era uma questão de interesse universal, beneficiando a todos (ONU MULHERES, 1995, on-line). Paralelo a esse processo, ocorreu a transformação dos Objetivos do Milênio nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Destacamos entre eles, que o Objetivo 5 definiu um conjunto de metas para promover a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. As metas definidas são: Figura 2: Metas do Objetivo 5 5.1 Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meni- nas em toda parte 5.2 Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas es- feras públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos 5.3 Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas 5.4 Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de prote- ção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais 5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportu- nidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública 5.6 Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos repro- dutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão 5.a Empreender reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econô- micos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais 5.b Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informa- ção e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres 108 5.c Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis Fonte: Agenda 2030 ([2021], on-line). Para os nossos interesses, a meta 5.5 reforça a importância do tema da sub-re- presentação de mulheres no mundo, especialmente, porque as desigualdades política representativa e participativa afetam diretamente os direitos das mulhe- res, não garantindo a justiça nos processos decisórios dentro das democracias. Por isso, em apoio à Agenda 2030, a ONU Mulheres criou a iniciativa “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, voltada a líderesmundiais, governos, empresas, universidades, sociedade civil e mídia, para a celeridade de medidas concretas em favor dos direitos de mulheres e meninas. Dentre as ações do Planeta 50-50, salientam-se novas leis e o fortalecimento de direitos conquistados pelas mulheres. Outras ações podem incluir a criação de programas para erradicar a violência contra mulheres e meninas, incenti- vando a participação das mulheres na tomada de decisão, investir em planos de ação nacionais ou políticas para a igualdade de gênero, criando campanhas de educação pública para promover a igualdade de gênero. A ideia de fundo do projeto é a promoção à paridade de gênero, ou seja, a equidade entre os números de representantes políticos mulheres e homens. Uma das principais medidas apontadas historicamente para alcançar tal ob- jetivo são as chamadas políticas afirmativas. A discussão em torno do significado desta expressão ainda não foi esgotada. De um modo geral, a noção aparece as- sociada a um tipo de política corretiva: as iniciativas de ação afirmativas seriam aquelas que têm como objetivo amplo corrigir uma defasagem entre o ideal igua- litário predominante e/ou legitimado nas modernas sociedades democráticas e um sistema de relações sociais marcado pela desigualdade e pela hierarquia (MIGUEL, 2000). Diferentemente das políticas governamentais antidiscrimina- tórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, as ações afirmativas têm natureza multifacetária e visam evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, por meio de mecanismos informais, di- fusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo. As ações afirmativas podem ser conceituadas da seguinte maneira: como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou UNICESUMAR 109 voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação pra- ticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais, como a educação e o emprego. Estão vinculadas à legalização de mecanismos que consigam interferir na sociedade fazendo com que os excluídos tenham acesso ao âmbito social, político e econômico (VAZ, 2008). Suas formas podem ser divididas em: i) ações voluntárias, de caráter obri- gatório, ou uma estratégia mista; ii) programas governamentais ou privados; iii) leis e orientações a partir de decisões jurídicas ou agências de fomento e regu- lação (VAZ, 2008). Seu público-alvo varia de acordo com as situações existentes e abrangeram grupos como minorias étnicas, raciais e mulheres. As principais áreas contempladas são: o mercado de trabalho, com a contratação, qualificação e promoção de funcionários; o sistema educacional, especialmente o ensino su- perior; e a representação política (MIGUEL, 2000). O tipo mais conhecido é o sistema de cotas, que consiste em estabelecer um determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por grupos definidos, de maneira proporcional ou não, e de forma mais ou me- nos flexível (MOEHLECKE, 2002). Em torno disso, a política de cotas para as mulheres na política passou a ser adotadas em vários países e em diferentes instâncias públicas ou privadas. A Noruega, pioneira nessa medida, em 1978, garantia que cada sexo deve ter, no mínimo, 40% em qualquer agência governamental, direção de comitês, comissões ou conselhos com mais de quatro membros. Os partidos políticos tam- bém adotaram o sistema de cotas. A Dinamarca, em 1985, aprovou lei propondo igualdade entre homens e mulheres na designação de membros dos comitês pú- blicos e define equilíbrio entre os sexos nos comitês consultivos e administrativos (MOEHLECKE , 2002). Em 1986, a Finlândia aprovou legislação determinando que conselhos de ad- ministração e todos os comitês devem ter homens e mulheres. Em 1995, aprovou uma emenda determinando a representação de cada sexo não inferior a 40% nos comitês e órgãos públicos de decisão. Na Irlanda, a recomendação aos partidos para adotarem cotas mínimas de 40% para cada sexo nas esferas de decisão foi aprovada em 1990. Outros países também adotaram medidas no sentido de es- timular e garantir o aumento da presença das mulheres nos centros de decisão, entre eles estão Bélgica, Itália, Alemanha, Países Baixos, Suécia e Argentina. 110 Em Pequim-China, 1995, aconteceu a IV Conferência Mundial sobre a Mu- lher. No capítulo IV – Objetivos Estratégicos e Ações, foram apresentadas con- siderações a respeito da necessidade e da justificativa para buscar a igualdade de participação do homem e da mulher no poder, sendo a formação de políticas públicas de maneira mais democrática. Seguem extratos de algumas estratégias contidas na plataforma geral: “ Objetivo Estratégico G.1. Adotar medidas para garantir à mulher igualdade de acesso e a plena participação nas estruturas de poder e de tomada de decisão. Medidas que os governos devem adotar:(a) comprometer-se a estabelecer a meta de equilíbrio entre homens e mulheres nos organismos e comitês governamentais, assim como nas entidades da administração pública e no judiciário, incluídas entre outras coisas, a fixação de objetivos específicos e medidas de implementação, afim de aumentar substancialmente o número de mulheres com vistas a alcançar uma representação paritária das mu- lheres e dos homens, se necessário mediante ação positiva em favor da mulher, em todos os postos governamentais e da administração pública;(b) adotar medidas, inclusive, quando apropriado, nos sis- temas eleitorais que estimulem os partidos políticos a incorporar as mulheres em postos públicos eletivos e não eletivos na mesma proporção e nas mesmas categorias que os homens29. Sem dúvida alguma, o sistema de cotas para as mulheres – reserva de vagas nas candidaturas às eleições proporcionais em níveis municipal, estadual e federal para mulheres – teve como escopo atender em parte as propostas tiradas na Plataforma de Ação de Pequim, de forma a incentivarem as mulheres a ocupar instâncias do poder, diminuindo o atual desequilíbrio de forças (MASCHIO, 2012). Em razão de tudo que foi exposto, passaremos a analisar a política de cotas no âmbito brasileiro, como se deu sua origem e quais as implicações no direito brasileiro. 29 Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_beijing.pdf. Acesso em: 28 de agosto de 2019. UNICESUMAR 111 A lei de cotas políticas no Brasil: limites e potencialidades O impacto proporcionado pela ação política do movimento feminista é um dos responsáveis pela gradativa mudança de mentalidade que vem se processando na sociedade, juntamente com a criação de políticas públicas que têm contribuído para a transformação da condição social das mulheres nas últimas décadas (FER- REIRA, 2014). Embora este fato seja observado por diversos autores30, existem setores que continuam como “santuários que fogem às mulheres”: o religioso, o militar e o político, que constituem espaços que continuam quase inacessíveis às mulheres (PERROT, 1998), haja vista a resistência histórica de integrar mulheres nessas áreas onde os homens dominavam e ainda dominam plenamente. A conquista da política de cotas por sexo em processos eleitorais faz parte de um processo mundial, assim como a conquista pelo sufrágio feminino. Estas políticas interferem nas hierarquias de poder e alteram as relações desiguais entre homens e mulheres. Estas políticas modificam e trazem a mulher para a cena política, contri- buindo para unir o mundo de mulheres e homens (VAZ, 2008). A partir da consta- tação da pouca representação feminina em cargos de direção e de decisão política e a partir da discussão sobre a necessidade de um equilíbrio maior entre os sexos no poder, as propostas de cotas mínimas e máximas por sexo vêm se transformando em um dos instrumentosmais incisivos das políticas de ação afirmativa, tornando possível uma redistribuição efetiva do poder (VAZ, 2008). No Brasil, a história da participação da mulher no parlamento tem como marco inicial à conquista do direito ao voto que se deu em 1932. Essa conquista é resul- tado da luta contínua do movimento sufragista, que emergiu, no Brasil, em 1919, culminou com a conquista do direito ao voto pelas mulheres, mas não foi suficiente para que estes contingentes humanos superassem o processo de exclusão (VAZ, 2008). Até a década de 70, esse quadro de exclusão não sofreu muitas modificações. Já a partir do final da década de 80, a situação se modifica, em virtude do crescimento industrial, que contribuiu para um aumento significativo da par- ticipação feminina no mercado de trabalho e na crescente inserção delas nos cursos superiores. A isto se aliou o processo de redemocratização do País que se instaurou nesse período. Esses fatos contribuem para ampliar a participação 30 Apenas para citar alguns que reconhecem a importância desse movimento social e de sua ação política, embora existam outros, Robsbawn (1995), Bourdieu (1999), Mouffe (1996) e Castell (1999). 112 da mulher nas esferas de poder, encorajando-as, também, a organizarem-se politicamente, o que revela a importância dos movimentos de mulheres nesse processo (FERREIRA, 2014). O momento da elaboração da nova constituição brasileira foi fundamental, para que as mulheres, a partir de sua atuação, conquistassem direitos legais e obtivesse legitimidade para suas reivindicações, inclusive na esfera da política institucional. Nesse período, foram criados os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais da Condição Feminina, as delegacias da mulher, os coletivos de mu- lheres nos partidos e sindicatos e a implementação da Lei das Cotas. Contudo, es- sas instâncias de representação e reconhecimento político não determinaram um equilíbrio entre homens e mulheres em termos de representação no legislativo. No Brasil, o sistema de cotas para candidaturas de mulheres nas chapas par- tidárias foi instituído em 1995. O projeto de lei da então Deputada Marta Suplicy (PT/SP) foi subscrito por outras trinta Deputadas e propunha que, no mínimo, 30% das vagas de candidaturas partidárias em todos os níveis deveriam ser preen- chidas por mulheres. O primeiro passo dessa iniciativa foi a incorporação, no mínimo, de 20% de mulheres candidatas na Lei n. 9.100/1995. Dispõe o art. 11, § 3º, da Lei n. 9.100/1995: “Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidos por candidaturas de mulheres”. A Lei 9.100/95 foi aprovada em 1995, tendo em vista apenas as eleições para as Câmaras Municipais de 1996, mas já no final de 1997, foi votada a lei nº 9.504, ampliando a cota de vagas de 20% para 30% (ficando definido um mínimo de 25% de vagas, transitoriamente, em 1998). O significado relevante da aprovação dessa Lei para o movimento de mulheres traduz o reconheci- mento da luta política dos grupos envolvidos. Além disso, ela possibilita uma maior conscientização e uma consequente demanda da sociedade a respeito da igualdade de direitos, bem como amplia as discussões em torno da mulher e participação política. Diz o art. 10 da lei: “ Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câ- maras Municipais até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher. § 3º Do número de vagas resultantes das regras previstas neste ar- tigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta UNICESUMAR 113 por centro e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo (BRASIL, 1997, on-line). Foi um grande marco na história da participação das mulheres nas eleições. Parti- dos que antes nem sequer tinham mulheres em seus quadros de filiados passaram a fazer campanhas de filiação justamente para atrair candidatas. O sistema de cotas refletiu ainda em outro aspecto: obrigou os partidos a incorporar em seus discursos preocupações com questões femininas. Contudo, apesar do esforço, muitos foram os partidos que não conseguiram preencher as vagas destinadas às mulheres nas eleições de 1996. Sendo assim, a primeira experiência de ação afirmativa no Brasil permitiu que fossem ultrapas- sados os baixos índices de participação feminina no poder. Desde 1934, o percen- tual de mulheres eleitas girava em torno de 1% a cada quatro anos. Segundo dados do IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), de 3.952 vereadoras eleitas em 1992, representando 8% do total, passou-se a ter 6.536 mulheres eleitas em 1996, perfazendo 11%. O número de mulheres no Executivo também cresceu. Em 1992, foram eleitas 171 mulheres para cargos do Executivo, representando 3% do total de prefeitos; em 1996, foram eleitas 302 prefeitas, 6% do total31. Nas eleições de 1998, subiu para 25% o percentual de vagas destinadas às mulheres. E, com o incremento nas vagas destinadas às mulheres, a representação feminina nas Assembleias Legislativas teve um aumento de 33%, sendo eleitas 105 deputadas, distribuídas por 15 partidos políticos (ARAUJO, 2001). Já a re- presentação feminina na Câmara dos Deputados sofreu diminuição, passando de 6,38% (33 deputadas eleitas, em 1994), para 5,65% (29 deputadas eleitas, em 1998), num total de 513 deputados federais. Em 2012, informações do IPU indicam que as mulheres ocupavam, no final desse ano, apenas 8,6% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 16% no Senado. Esses percentuais colocam o país no 123º lugar considerando um total de 190 países de diferentes regiões do globo. A sistematização dos dados do FEM de 2012 para 135 países revela que o Brasil ocupa o 62º lugar no ranking geral de avanços na promoção da igualdade de gênero32, mas quando consideramos apenas o item relativo ao “empoderamento” político feminino, caímos para o 72º lugar33. 31 Mais dados disponíveis em: http://www.ibam.org.br/ 32 Esse índice é composto por quatro subíndices: 1) Participação e Oportunidades Econômicas; 2) Edu- cação; 3) Saúde e Sobrevivência; 4)“Empoderamento Político”. Maiores informações em http://www3. weforum.org/docs/WEF_GenderGap_Report_2012.pdf 33 Esse item é avaliado de acordo com os seguintes indicadores: razão mulheres/homens em relação 114 Por fim, os dados (Gráfico 3) apontam que há crescimento recente no número de mulheres presentes no congresso brasileiro, contudo, ainda estamos diante de um quadro acentuado de sub-representação, já que o índice de 10% foi ultrapassa- do pela primeira vez nas eleições de 2018, e ainda sim, estamos falando de apenas 15% de mulheres. Esse cenário coloca o país nos últimos lugares em termos de representação de mulheres na América Latina34 e no quadro mundial 35, sendo que mesmo após a implementação das cotas políticas para as mulheres36, o país não conseguiu atingir um patamar próximo à paridade entre os gêneros. Gráfico 3 – Porcentagem de Mulheres no Congresso Brasileiro (1990 – 2019) Especulam-se quais os fatores que contribuíram para esse lento ritmo para o Brasil. Uma das causas mencionadas em avaliações sobre os resultados das cotas foi o problema do curto período de adoção desta política no país, o que implicaria num volume pequeno de discussão e de experiência, e tornaria os compromissos partidários pouco efetivos (ARAÚJO, 2001). Sem desconsiderar o fator tempo como elemento de acúmulo de experiência, e a possibilidade de que, num prazo ao total de anos ocupando cargos de presidente/a ou primeira/o ministra/o nos últimos 50 anos; razão mulheres /homens nos cargos ministeriais e razão mulheres/homens ocupando cadeiras no parlamento. 34 Posição do Brasil no Ranking da América Latina: 34° dentre as 36 regiões consideradas- Fonte: http://estadisticas.cepal.org/cepalstat/WEB_CEPALSTAT/estadisticasIndicadores 35 Posição do Brasil no Ranking mundial: 155° - Fonte: http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm36 Lei 9.504/1997 UNICESUMAR 115 mais longo, produzam-se alterações nas percepções dos atores políticos e nos seus referenciais simbólicos em relação às mulheres, é, no entanto, pouco provável que esse aspecto seja decisivo para a análise dos resultados das cotas. Isto porque a comparação com experiências noutros países mostra que muitos resultados favo- ráveis ocorreram desde o início e não dependeram deste fator (ARAÚJO, 2001). Outro item muito citado, mas que mereceria ser melhor contextualizado, é o da denominada “resistência partidária” à inclusão de mulheres na competição eleitoral (ARAÚJO, 2001). Sem desconhecer a existência de preconceitos e dis- criminações que operam como força de inércia e das possíveis resistências daí decorrentes, trata-se de considerá-las no interior da dinâmica e da lógica política predominantes. Esta abordagem tende, ainda, a supor a existência de um amplo universo de mulheres aptas e dispostas a concorrer, que não encontrariam da parte dos dirigentes partidários, sejam eles de esquerda, centro ou direita, qual- quer respaldo ou portas abertas para tanto (NORRIS, 2011). De acordo com o Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA, a Reforma Política é uma grande oportunidade para se discutir mecanismos que promovam a presença das mulheres no Legislativo e Executivo, entre elas estão: pelo menos 20% do tempo de propaganda partidária destinadas a promover a participação política das mulheres, o tempo de mídia é um recurso essencial para a valorização da participação feminina e para combater preconceitos existentes na sociedade; adoção do sistema de listas fechadas, que é a lista de candidatos organizada pelo partido, segundo uma ordem preestabelecida; adoção das cotas por sexo na formação da lista (pelo menos 30% e no máximo 70%), porém sem a indicação do lugar por sexo na lista; e apoio financeiro, sendo proposto que do total do fundo partidário destinado às Fundações e Institutos (atualmente 20%) pelo menos 30% sejam destinados a instâncias partidárias dedicadas ao estimulo e crescimento da participação política feminina. Outro fator determinante para a baixa participação feminina nas candida- turas partidárias é a própria ineficácia da lei, que, ao prever um número mínimo de vagas para cada sexo, aumentou consideravelmente o número de vagas (150% do total de cadeiras disputadas) e também não estabeleceu nenhuma sanção ao partido que não preencher a cota mínima de candidatas mulheres. O único incon- veniente que o partido sofre ao não preencher o percentual mínimo de 30% das vagas com mulheres é simplesmente que não poderá preenchê-las com homens. 116 Por isso, a maioria dos partidos não conseguiu ainda preencher o percentual mínimo de vagas destinadas às candidaturas femininas. Entretanto, a política de cotas lançada no Brasil apresenta algumas questões pendentes, entre elas a não obrigatoriedade de preenchimento dos percentuais estabelecidos; mesmo se o partido não preencher o número de vagas destinado às mulheres, pode lançar as candidaturas sem problema; o percentual do número de candidatos que pode ser lançado referente ao número de vagas em disputa passou a ser de 150% a partir de 1997. Por exemplo, se o partido tem 20 candidatos, ele pode aumentar esse número para 30 e reservar 6 vagas para as mulheres. Essa medida minimizou o efeito das cotas, uma vez que aumenta em 50% o número total de candidatos referentes ao número de vagas. A Lei não estabelece a obrigatoriedade de preenchimento das vagas para mulheres e também não incide ao partido um ônus pelo não preenchimento das cotas, facilitando o lançamento de candidatas fictícias (ARAÚJO, 2001). Ficou incluída na lei uma brecha que favorece uma manipulação para diminuir os efeitos sobre as votações. Tornar mais visível a questão a pouca representação política da mulher é um ponto positivo da política de cotas, pois trouxe à tona a discussão, os questionamentos relativos à exclusão da mulher nas esferas de poder. Esses parâmetros tornam a lei de cotas no Brasil de baixa qualidade (SCHWINDT-BAYER, 2016). Leslie Schwindt-Bayer (2016) compôs um índice de qualidade das políticas de cotas por uma classificação entre baixa, média e alta por meio da avaliação UNICESUMAR 117 de três requisitos: tamanho da cota, ordem na lista (“placement mandate”) e sanções. O tamanho da cota diz respeito à porcentagem reservada para as mu- lheres nos partidos ou nos lugares dos parlamentos, podendo variar de 20 a 50% dependendo do país, assim, quanto mais alta a porcentagem, melhor sua avaliação. Sobre o segundo item, se existe na lei de cotas alguma regra que estabeleça que nas listas disponibilizadas pelos partidos há obrigatoriedade de alguma ordem em específico baseada nos gêneros, assim, a presença de um “placement mandate” melhora a avaliação. E, por último, as sanções, sua existência ou não, e as que existem sendo fortes ou fracas, quanto mais forte a sanção para quem transgredir a lei de cotas, melhor a classificação. Assim, uma lei de cota com qualidade baixa é aquela que impõe baixa porcentagem de obrigatoriedade de mulheres (até uns 20%), sem reserva de lugar na lista e com ausência de sanção ou sanções fracas. E já uma alta possui porcentagem elevada entre 40-50%, com ordem na lista e com sanções fortes. Sendo assim, apesar de acompanhar a tendência da criação de políticas contra a desigualdade política entre os gêneros, propostas pelas conferências, tratados e projetos da ONU como vimos acima, ainda sim, o país caminha a passos lentos quando se trata da inserção das mulheres no congresso nacional. Dessa maneira, necessária a revisão das medidas até então adotadas, pois tem se demonstrado insuficiente e essa deve ser uma preocupação para um país no qual as mulheres ocupam papeis fundamentais na manutenção e estruturação da sociedade. 118 REFERÊNCIAS AGENDA 2030. Objetivo 5 Igualdade de Gênero. Agenda 2030, on-line. Disponível em: http:// www.agenda2030.com.br/ods/5/. Acesso em: 22 jan. 2021. ARAÚJO, C. Potencialidade e limites da Política de Cotas no Brasil. Revista Estudos Feminista, Florianópolis, v. 9, n. 1, 2001, p. 231-252. BRASIL. Lei n. 9.100, de 29 de setembro de 1995. 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Monografia (es- pecialização) - Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), da Câmara dos Deputados, Curso de Especialização em Processo Legislativo, 2008. 120 CONFERÊNCIAS NACIONAIS DO MEIO AMBIENTE E SUA RELEVÂNCIA NA LEGISLAÇÃO NACIONAL E GESTÃO PÚBLICA37. Wilian D’Agostini Ayres Antes de iniciar um processo de apontamentos de cunho conceitual, será necessá- rio introduzir o assunto; nesse tocante, vamos a uma breve apresentação históri- ca? A temática relacionada ao meio ambiente é fruto de uma série de publicações científicas que alertavam governos e sociedade para uma grave crise natural em proporções globais. Nestas publicações, os autores da área apresentavam previ- sões até então apocalípticas para o planeta, considerando a escassez de recursos naturais caso o modelo econômico vigente continuasse a exploração em tal ritmo e formatos desenfreados e sem qualquer preocupação socioambiental. Após a conscientização popular e reconhecimento da necessidade de debater o assunto, a Organização das Nações Unidas – ONU convocou os líderes dos países que a compunham para se reunirem e tratarem do assunto; para isso, foi utilizado o formato de reunião governamental conhecido como “Conferências”. De acordo com o Ministério Público do Paraná (2019, on-line), as conferências são: “ São espaços amplos e democráticos de discussão e articulação coleti- vas entorno de propostas e estratégias de organização. Sua principal característica é reunir governo e sociedade civil organizada para deba- ter e decidir as prioridades nas Políticas Públicas nos próximos anos. 37 Artigo baseado em anterior pesquisa de mestrado finalizada, que contempla dados levantados pelo autor. UNICESUMAR 121 Esta metodologia das Conferências já era bastante popular e utilizada pela ONU para tratar de temas de grande relevância para o contexto internacional, como foi o caso do Meio Ambiente. Este assunto, por sua importância, é o recorte temático objeto deste estudo. No que se refere ao Meio Ambiente, a primeira conferência utilizada para tratar acerca do tema foi em 1972, em Estocolmo, na Suécia, a qual fora nomeada Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que, na ocasião, os chefes de Estados e Instituições Internacionais se aliaram para estabelecer a agenda sobre o assunto. Naquele primeiro momento, o Brasil não tinha um interesse em dialogar sobre a temática, ou seja, a preservação ao meio ambiente, e a participação do país se restringiu a minimizar os obstáculos ao seu desenvolvimento econômico. Logo, o engajamento do Brasil com o tema só mu- daria em 1992, quando viria a modificar essa primeira impressão, demonstrando engajamento com o tema ao sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como ECO 92. A referida conferência foi realizada no Rio de Janeiro. É pertinente dizer que o tema Meio Ambiente, naquele momento, já tinha tomado um novo formato ao englobar as vertentes sociais e econômicas neste processo, e passou a ser tratado como Desenvolvimento Sustentável. O êxito do Brasil naquela ocasião foi tamanho, que o protagonismo nacional para o debate do tema novamente seria feito em 2012, também na cidade do Rio de Janeiro, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, conheci- da como Rio +20, pois ocorreu 20 anos após sua antecessora a Eco92. Percebe-se que, nessa contextualização, o país tomou frente nesta temática e incorporou, com isso, o modelo de Conferências a sua realidade nacional, realizando, no âmbito interno, as conferências nacionais do meio ambiente, que ocorreram, respectiva- mente, nos anos de 2003, 2005, 2008 e 2013. Aqui já temos alguns pontos-chave para este texto, sendo um deles o uso do formato de Conferências para promover instrumentos que possibilitem uma gestão pública capaz de proporcionar políticas públicas condizentes com o tema tratado. Este estudo considera em seu objetivo que o Meio Ambiente é o ponto de partida de todos os temas tratados na agenda, porém, com o seu desenrolar na agenda nacional e internacional, o termo “Desenvolvimento Sustentável” é utili- zado para tratar de assuntos que incorporam questões sociais e econômicas que afetam direta ou indiretamente o meio ambiente. Deste modo, o ponto central de maior relevância é verificar o impacto que as Conferências desempenharam 122 na produção legislativa nacional, ou seja, as leis, decretos, portarias e todos os dispositivos legais que surgiram, no Brasil, no decorrer das Conferências Nacio- nais do Meio Ambiente (CNMA’s), pois, ao acessar os relatórios finais de cada um dos eventos, é possível perceber que as deliberações direcionam a múltiplos instrumentos que contemplam as políticas públicas necessárias no tema e, assim, é possível travar uma linearidade entre os temas e as legislações. Na metodologia de gestão pública desenvolvida nas Conferências Nacio- nais do Meio Ambiente, foi levada em consideração a participação da sociedade civil nestes eventos como forma de accountability, este termo indica a partici- pação sérvio como fator de reconhecimento da viabilidade das decisões, assim como engajamento da sociedade civil em colocar em prática as ações para ob- ter os resultados almejados. Além disso, é conexo adiantar que a participação proporcionou um formato de gestão horizontalizado, o qual aumenta o grau de aceitação popular no processo decisório de políticas e, principalmente, no desenvolvimento de legislações que correspondam amplas necessidades. Como o Brasil lidou com o tema meio ambiente? Considera-se que, nas décadas 60 e 70, o surgimento de um momento histórico marcou o início das discussões sobre a necessidade de preservação do Meio Am- biente; com a globalização, a velocidade no processo de distribuição das informa- ções a nível global tornou bem mais rápido o advento das novas tecnologias de comunicação e informação. Assim, a opinião pública da época foi impactada com os alertas de cientistas da área que chamaram a atenção para possíveis catástrofes ambientais em consequência ao esgotamento de recursos ambientais que estavam sendo extraídos em larga escala da natureza para suprir as necessidades da indústria e comércio, ou seja, atores centrais da economia. Desta forma, a autocapacidade de recuperação destes recursos não seguia a mesma velocidade com a qual se fazia a extração; causando grande sensibilização social, as publicações científicas chama- ram também a atenção dos governos, pois, segundo Lago (2006, p. 28): “ A repercussão de obras como Silent Spring (1962), de Rachel Car- son, e This Endangered Planet (1971), de Richard Falk, ou de ensaios e livros de Garret Hardin, como The Tragedy of Commons (1968) e UNICESUMAR 123 Exploring New Ethics fo Survival (1972), tiveram forte impactona opinião pública da época(...) The Limits to Growth (1972) de The Club of Rome. Uma instituição que teve vital importância nesse processo foi o Clube de Roma, uma instituição acadêmica que reunia diversos autores da área de Meio Ambiente, e dado as suas publicações, mencionadas anteriormente, ganharam a atenção dos governos da época sobre a importância de falar sobre a preservação ambiental para as gerações futuras. Deste modo, a Organização das Nações Unidas, por meio dos seus Estados membros, levantaram a necessidade de se reunirem para orquestrar métodos eficientes de tratar a temática. Com este intuito, no ano de 1972, ocorreu a primeira Conferência que trataria sobre o assunto em caráter governamental, em Estocolmo, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Muito foi falado sobre o contexto internacional sobre o andamento histó- rico da temática, porém, e no ambiente interno? “Como o Brasil estava lidan- do com isso?”. O país estava em um momento cujo foco era expressamente o desenvolvimento econômico a qualquer custo, para isso, qualquer obstáculo que surgisse deveria ser contornado. E assim foi feito com o Meio Ambiente, na Conferência Internacional de Estocolmo, o país tratou o tema como um en- trave para suas metas, então “o objetivo brasileiro na Conferência era remover obstáculos ao seu crescimento na esfera internacional, e logo o país ganharia o status de vilão de Estocolmo” (MOREIRA; OLIVEIRA, 2012, p. 103), o impacto na imagem nacional foi negativo e só viria a ser desmistificado anos depois, como será dito logo mais adiante. Foi possível identificar aqui dois fatores centrais neste processo, o Meio Ambiente com sua necessidade de preservação e a economia com a demanda de prosseguir com suas atividades. Considerando estes fatores, em 1983, fora criada a Comissão sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD), que apresentaria, em 1987, o Relatório Brundtand, que se tornou um marco no andamento dos processos ao reunir os temas ambientais e econômicos em um conceito único chamado Desenvolvimento Sustentável, que modificaria o estig- matizado ambientalismo e daria um novo aspecto ao tratamento do tema. E não foi só isso que mudou, o Brasil, por meio de seus representantes na época, viu uma oportunidade em modificar a imagem que havia deixado em Estocolmo, e assim surgiu o interesse em sediar um evento, mais precisamente uma Confe- 124 rência, que contemplaria este novo conceito em trabalhar a preservação do Meio Ambiente e o Desenvolvimento da Economia. De fato ocorreu como proposto, foi realizada, no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou Cúpula da Terra, que ficaria conhecida como Eco 92 e/ou RIO 92 (MOREIRA; OLIVEIRA, 2012). Contudo, a característica de maior relevância naquele momento foi que o conceito Desenvolvimento Sustentável agregaria os temas Economia e Meio Am- biente, também nesse processo o social estava presente, formando o Tripé da Sustentabilidade (Econômico, Social e Ambiental). Como a sociedade se tornou uma peça-chave neste processo, nada mais digno que consultar a sociedade ci- vil sobre como deveria ser conduzido o Desenvolvimento Sustentável. Assim, a participação da sociedade se tornou uma característica presente no processo de construção de ferramentas para resultados eficientes na gestão pública desta área, diminuindo a distância entre governo e sociedade civil (AYRES, 2018). Os idealizadores do evento incorporaram a sociedade nacional no processo de construção da Conferência, para isso “foi criado um fórum de discussão prévio entre governo e sociedade para formar a agenda do país na Conferên- cia, deixando o debate ambiental mais rico” (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012, p. 105), percebam a diferença de postura da gestão pública neste momento em comparação a anterior em Estocolmo, nesta estava explícito um interesse de protagonismo no evento e para com a temática, além disso, o aporte também se modificou de um caráter de decisões governamentais impositivas para consul- tivas, ou seja, um formato horizontalizado de gestão. Para entender melhor este funcionamento do processo decisivo, Lago (2007 apud OLIVEIRA; MOREIRA, 2012, p. 105) descreve com as seguintes palavras: “ Estes temas, provenientes muitas vezes da agenda internacional, e introduzidos de maneira parcial e “de cima para baixo “na agen- da interna, passaram a ser discutidos “de baixo para cima”, graças à maior participação da sociedade civil nos planos político, social e econômico. Assim, o meio ambiente conquistou, progressivamente, maior legitimidade nos países em desenvolvimento. Essa perspectiva descrita pelo referido autor demonstra como funciona o pro- cesso decisório de um governo ao estabelecer formas de relacionamento com a UNICESUMAR 125 sociedade civil, ou seja, quando temos decisões verticalizadas que seguem um formato “de cima para baixo”, o governo impõe suas decisões à sociedade, mui- tas vezes sem analisar a fundo a forma que a sociedade recepciona esta decisão e se ela será contemplada em sua magnitude quando entra em contato com as múltiplas realidades sociais. Para entender melhor sobre esta pontuação nos au- xilia Avritzer (2008 apud LOSEKANN, 2012, p. 187) “a Conferência está muito dependente da vontade política dos governantes”. Quando o tratamento é diferente e se torna horizontalizado, não significa que a sociedade assume o papel de tomador de decisões diretas, mas sim de partici- pante ativo, sendo ouvida e contemplada em maior percentual, pois considera as suas particularidades. Quando falamos de efetividade, estamos nos referindo à concordância, ou seja, consentir sobre uma decisão de meu interesse (como cidadão), é como ilustra Losekann (2012, p. 181): “à sociedade civil caberia uma influência indireta sobre o Estado, através de uma esfera pública pensada como ‘caixa de ressonância’ produtora de ‘opinião pública’, mas sem poder de decisão”, a sociedade caberia falar aos governantes as suas necessidades e serem contempla- das em sua maior parte, para isso a gestão pública proporcionou espaço e meio de corresponder a estes anseios. Agora que ilustramos o cenário da realização da Conferência Rio 92 no Brasil, é necessário pontuar que o país foi além do processo de adaptação a esta temá- tica, como vimos nesta cronologia até agora; o Brasil “começou de novo” a sua participação neste processo de diálogo com o Meio Ambiente, ou melhor, como Desenvolvimento Sustentável. Afinal, ao trazer a Conferência da ONU para o âmbito nacional, além de modificar sua imagem negativa outrora deixada em Estocolmo, o país ganharia espaço no sistema internacional e traria para a gestão pública uma nova missão, a de “ser sustentável”, pois, “para o país, o seu maior êxito foi ter conseguido modificar sua imagem no exterior, passando de grande vilão ambiental à grande defensor do desenvolvimento sustentável” (OLIVEIRA; MOREIRA, 2012, p. 107). Tanto é que este interesse em ter um papel ativo na construção do debate sobre o desenvolvimento sustentável novamente voltaria a ser discutido vinte anos depois, com a realização da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, ou também conhecida como Rio +20, que foi também sediada no Rio de Janeiro, em 2012. Com isso, a contextualização histórica contempla as necessidades deste estu- do, e traz a necessidade de falarmos sobre outras questões, são elas, a importância 126 da participação da sociedade civil nas Conferências, porém agora é indispensável restringi-las para o âmbito nacional, ou seja, as Conferências Nacionais do Meio Ambiente – CNMAs, e alguns fatores que devem ser colocados em pauta neste processo, são eles a accountability e o formato horizontalizado do processo deci- sório, além da legislação, pois esta será utilizada como verificador de efetividade. Novo cenário e novas formas de tratar o tema meio ambiente Comovimos até agora, a postura da gestão pública brasileira foi modificada de uma ocasião para outra, de Estocolmo para o Rio, e neste processo surgiram novos valores e realidades, por sua vez, mais condizente à proposta de desenvol- vimento sustentável. Aproximando um pouco a abordagem para a gestão pública, temos a utilização da accountability no processo de construção de políticas e instrumentos que contemplem as necessidades do Desenvolvimento Sustentável, está é um instrumento que possibilita uma gestão pública mais horizontalizada, que contemple a sociedade civil no processo de formulação de políticas e leis que correspondam às necessidades de uma sociedade que caminha para o desen- volvimento sustentável. Para melhor elucidar o conceito mencionado, Campos (1990, p. 37) nos apresenta: “ A accountability é uma forma de controle social, de sujeição do poder público a estruturas formais e institucionalizadas de cons- trangimento de suas ações à frente da gestão pública, tornando-o abrigado a prestar contas e a tornar transparente sua administração. Mas não é somente a dimensão legal da accountability que de ser levada em conta. É preciso dar ênfase à dimensão política, devendo, para tanto, haver uma conscientização da classe política em torna da necessária comunicação com a sociedade, não só na implementa- ção das políticas públicas como também na aferição dos resultados conforme as expectativas da sociedade. Seria esta, então, a faceta utilizada nas Conferências que se iniciaram no Brasil, a partir da ECO 92, e incorporadas às práticas conferenciais nacionais. Contudo, é importante dizer que o uso de Conferências para debater assuntos de rele- UNICESUMAR 127 vância governamental e que impactam na gestão pública não se restringiram à agenda de Meio Ambiente. De acordo com Pogrebinschi (2012, p. 10) “Entre 1988 e 2009, foram realizadas no Brasil 80 conferências nacionais de políticas públicas com caráter deliberativo, normativo e nacional”, então é possível pre- sumir que, com tal informação, o país já tinha uma tendência pelo uso deste formato de evento governamental. Quando se aproximam as práticas de governo com o papel da gestão pública em alocação de recursos do Estado, surge a necessidade de correlacionar o concei- to de accountability apresentado anteriormente com uma prática muito utilizada pelas áreas da gestão e administração, qual seja a gestão horizontal. Esta prática é comum nas áreas de negócios, e já é utilizada pelas empresas para alcançarem melhores resultados organizacionais com seus colaborados. Contudo, no caso da gestão pública, sua aplicabilidade é explicada como: “ A gestão horizontal pode ser definida como a coordenação e gestão de um conjunto de atividades entre duas ou mais unidades organi- zacionais, esquemas em que as unidades em questão não exercem controle hierárquico sobre as outras e cujo objetivo é gerar resulta- dos que não podem ser alcançados isoladamente por elas. As estru- turas e os processos usados para se lograr essa coordenação podem variar de redes informais a secretarias conjuntamente administra- das. Os meios usados para implementar e administrar iniciativas horizontais também podem variar e são tipicamente descritos por termos como “coordenação”, “colaboração” e “parcerias” (BAKVIS; JUILLET, 2004, p. 16). Deste modo, o formato de Conferências foi utilizado como catalizador de possibi- lidades em alcançar melhores resultados na gestão pública de acordo com os temas de pertinência tratados em tais momentos. Entretanto, considerando o mencionado por Pogrebinschi (2012), as Conferências tinham diversas finalidades com as de- liberações, que, após diversas discussões e debates sobre os temas, dão origem às propostas. Contudo, como os recursos são limitados para tantas necessidades, há a necessidade de votar e escolher as de maior necessidade, deliberando-as. Nesse sentido, além das deliberações, as Conferências geram normas que são expostas em um documento final, o qual reúne os temas deliberados e considera- dos no decorrer do evento; por fim, as conferências têm um caráter de proporções 128 nacionais, ou seja, acontecem desde o nível municipal, caminha para o estadual e, finalmente, atinge o nível nacional, contemplando as várias proporções da ad- ministração pública/formato de governo (AYRES, 2018). Após apresentadas as justificativas históricas e delimitados os conceitos que proporcionam hipóteses prévias para responder a pergunta central: “As confe- rências impulsionaram a produção legislativa para a área de Meio Ambiente?” se caminha para a revisão bibliográfica/documental. Para isso, foi analisado os documentos gerados em cada uma das Conferências Nacionais do Meio Ambien- te representadas pela sigla CNMA, verificando os direcionamentos dados nestas ocasiões. Reconhecendo a relação causal entre Conferências e Legislativo, a au- tora Pogrebinschi (2012, p. 39) indica que, com base na “legislação aprovada pelo Congresso, as conferências nacionais são bem-sucedidas em pautar a sua agenda, impelindo-o a deliberar sobre determinados temas em determinados momentos, e inserir novos temas que não se encontravam em apreciação”, reconhecendo, assim, o vínculo linear entre método (Conferência) e Resultado (Legislação). Conferências nacionais do meio ambiente, da teoria à prática A partir daqui, faz-se necessário realizar uma análise pontual de cada uma das CNMAs, as quais foram realizadas nos anos de 2003, 2005, 2008 e 2013. Para tanto, no decorrer da análise de vínculo entre Conferência e material legislativo correspondente a ela, foi levado em consideração alguns pontos, como as áreas estratégicas adequadas aos eixos temáticos que foram formulados para delimitar a agenda de cada uma das conferências; estes temas que compunham a referida agenda foram consultados nos documentos finais de cada uma das CNMAs. Contudo, como realizar um levantamento de tamanha abrangência, no que se refere aos materiais legislativos? Para isso, foi levado em consideração o infor- mado pelo MMA – Ministério do Meio Ambiente, que disponibiliza um banco de dados38 para mensurar os resultados legislativos das Conferências, além de contemplar as necessidades da política ambiental do país. Para demonstrar o 38 Disponível em: http://www.mma.gov.br/legislacao-mma. Acessado em: 12 jan. 2017. UNICESUMAR 129 interesse desta análise, será necessário a ênfase a uma afirmação, esta presente no Texto-Base da I CNMA (MMA, 2003a, p. 5): “ [...] torna-se estratégica a parceria entre governo e sociedade na construção e na implementação das políticas públicas. Para isso, os órgãos governamentais devem atuar de forma coordenada e ter a disposição instrumentos adequados, legislação consolidada e von- tade política para “socioambientalizar a consciência brasileira” rumo a um padrão mais justo e sustentável. Dito isso, foram levantadas as justificativas que a gestão pública do Meio Am- biente era pautada em uma distribuição de responsabilidades, que utilizava as Conferências como um método inclusivo e que enxerga a necessidade de par- ticipação/representação da sociedade civil para uma gestão eficiente de caráter horizontalizado, que considere múltiplas necessidades e corresponda; além disso, ao novo modelo econômico pautado no Desenvolvimento Sustentável, assim os eventos foram baseados em agendas, ou seja, um conjunto de temas relevantes naquele momento histórico e que foi colocado em discussão com a tentativa de chegar a resultados que correspondam a maior quantidade de necessidades apresentadas pela sociedade naquele momento. Veja o caso da primeira Conferência Nacional do Meio Ambiente, que fora realizada em setembro de 2003, cuja agenda foi pautada no tema central “Fortale- cendo o Sistema Nacional do Meio Ambiente”. Na ocasião, o evento estava sendo contemplado pela gestão que corresponde ao primeiro mandato presidencial do governo Luiz Inácio Lula da Silva,desta forma, no Ministério do Meio Ambiente, a responsável por esta temática foi a então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Como habitual em algumas Conferências, foi realizada por uma comissão técnica que desenvolveu a agenda por meio de concepções que estão expressas nos princípios do Texto-Base da I CNMA (MMA, 2003a, p. 3): “ O ministério do Meio Ambiente – MMA e suas entidades vincu- ladas assumiram o desafio de implementar esse dever constitucio- nal, convidando a população a participar da primeira Conferência Nacional do Meio Ambiente, com o tema Vamos Cuidar do Brasil. 130 Esse processo pretende ampliar o debate sobre a sustentabilidade ambiental do país à luz do aperfeiçoamento e de vida nas dimensões ambiental, econômica, social, cultural e ética. Nesta menção, o referido “dever constitucional” está indiretamente se referindo ao Artigo 225 da Constituição Federal que trata de aspectos relacionados ao Meio Ambiente. Para isso, como indica a temática central do evento, o Sistema Nacional do Meio Ambiente, também conhecido como SISNAMA, era a prioridade na- quele momento, pois este órgão seria o responsável pela aplicação das diretrizes nacionais para este tema, o vínculo entre este e o poder legislativo era claro, pois, de acordo com a Tese I da CNMA (MMA, 2003b, p. 36), o foco era “fortalecer a gestão participativa com clara definição das atribuições dos conselhos de meio ambiente em relação ao Poder Legislativo, de forma a evitar conflitos”, com isso, a agenda para o evento seguia este direcionamento. A metodologia aplicada no desenvolvimento do evento foi baseada no atri- buto nacional, como tratado em anterior tópico deste texto. O andamento se deu em fases, de acordo com os níveis governamentais do país, ou seja, “[...] a meto- dologia escolhida foi a realização de pré-conferências nacionais e conferências estaduais abertas a qualquer pessoa acima de 16 anos [...] essas foram precedidas por encontros regionais e/ ou municipais” (MMA, 2003b, p. 6). Como o formato de tais eventos são amplos e demorados, a conferência não se restringiu a datas específicas informadas nos documentos, aquelas são correspondentes ao último nível, o nacional, estas se iniciaram cerca de um ano da etapa nacional, inician- do-se nos municípios. Entretanto, ao fazer uma relação temporal, o referido Sistema Nacional do Meio Ambiente também já existia antes da Conferência, uma ferramenta que deveria ser melhorada com base em princípios mais eficientes; mas consideran- do que o SISNAMA foi criado pela lei nº 6.938, de 31 de agosto de 198139, que contempla a política nacional do meio ambiente e tem uma peculiaridade que distribui de acordo com os níveis hierárquicos do governo a responsabilidade de preservação ambiental, ou seja, que direitos e deveres são de incumbência da União, Estados, Distrito Federal, município e sociedade civil, no que tange à responsabilidade sobre o meio ambiente (MMA, 2003a). Então, com isso, a Con- 39 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm. Acessado em: 08 ago. 2017. UNICESUMAR 131 ferência possibilitou uma organização e até reformulação do referido órgão, que passou a trabalhar de acordo com uma distribuição de competências. Contudo, um evento de tal magnitude não poderia se restringir a uma mera reunião de distribuição de responsabilidades de acordo com competências. Este teve como caráter o debate de alguns temas que foram previamente deli- mitados para compor a agenda, temos como listagem básica, de acordo com o Texto-Base (MMA, 2003a): 1. Sistema Nacional do Meio Ambiente; 2. Recursos Hídricos; 3. Biodiversidade e espaços territoriais protegidos; 4. Agricultura, Pecuária, recursos pesqueiros e florestais; 5. Infraestrutura: transportes e energia; 6. Meio Ambiente Urbano; 7. Mudanças Climáticas. Mesmo que todos os temas não tenham sido contemplados em formas legislativas, a agenda da primeira conferência demonstrou ousadia ao amplificar formatos de debates e retomar assuntos que eram pontuais desde as Conferências Interna- cionais. Outra característica presente no Texto-Base na I CNMA (MMA, 2003a) era a presença dos sete temas já mencionados, estes compunham a agenda para evento, porém, em levantamento realizado nas deliberações do evento, foi possível identificar outros temas que passaram a compor a agenda durante o evento, pos- sivelmente dado a indicações da participação da sociedade civil, são eles: 8. Descentralização, Participação e Controle Social; 9. Mecanismos Econômicos e Financeiros; 10. Informação, Comunicação, Capacitação e Educação Ambiental. Desta forma, como é possível ver na listagem numérica, a agenda atingiu 10 pontos de debate, indo além do programado. Como é de interesse no desenvol- vimento, a participação social foi característica mais que presente no processo de desenvolvimento do evento, pois, de acordo com o Texto-Base de I CNMA (MMA, 2003a), na etapa nacional foram somados 1.500 representantes da socie- dade civil e, se contemplado todos os níveis de governo, foi possível chegar a 65 mil participantes no andamento da Conferência; um número expressivo para um 132 primeiro momento; porém, o que demonstrará a correspondência da proposta será a análise de logo mais adiante com a verificação legislativa. Dando andamento no processo de desenvolvimento destes eventos, a segunda conferência nacional do meio ambiente aconteceria de 10 a 13 de dezembro de 2005, não muito tempo depois da primeira, mais precisamente dois anos. Para esta ocasião, o tema central da agenda foi delimitado como “Política Ambiental Integrada e Uso Sustentável dos Recursos Naturais”. Como o intervalo de tempo entre os dois eventos foi pequeno, ainda estávamos sob o mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, e assim como a anterior, quem estava representando o Ministério do Meio Ambiente ainda era a Ministra Marina Silva, que se man- tinha no cargo desde o evento anterior. Para esta Conferência, não havia apenas a temática principal, mas também surgiria a utilização de uma frase norteadora, que também pode ser entendida como um slogan: “Vamos cuidar do Brasil”. Outra característica deste evento, como esperado de uma segunda rodada de debate, era a avaliação dos resultados obtidos na primeira CNMA, iniciando pela consideração da atuação da Secretaria Especial de Meio Ambiente, que chegava a ser ainda mais antiga que o próprio Sistema Nacional do Meio Ambiente, pois era datada de 1973, mas a consideração se deve aos princípios centrais que levariam a este novo evento, são eles: “ [...] a primeira vez que, em ampla mobilização, ambientalistas, em- presários, governos, estudiosos, comunidades tradicionais, indíge- nas, sindicatos, entre outros, segmentos da sociedade se reuniram para compartilhar propostas à política pública de meio ambiente do País (MMA, 2005, p. 7). Como na Conferência anterior o SISNAMA foi o contemplado com os direciona- mentos necessários para o processo de uma gestão pública pautada nos princípios do Desenvolvimento Sustentável, este compartilhamento de responsabilidades possibilitou uma maior eficiência nos processos práticos. Como é possível identi- ficar no Texto-Base da II CNMA (MMA, 2005, p. 7) “[...] à execução das delibera- ções, vem procurando viabilizar as condições objetivas de ordem administrativa, financeira, jurídica, política e institucional que permitam a implementação das decisões da Conferência”, além deste fato, como temos aqui o interesse em iden- tificar a expansão dos meios legislativos, é importante ressaltar que a legislação UNICESUMAR 133 possibilita ações mais pontuais como punições de empresas e indivíduos que não respeitem os princípios debatidos nestes eventos. Como dito: “ [...] Cabe destaque à gestão compartilhada entre Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, Ministério da Justiça e Polícia Federal na realização de um intenso trabalho de investigação que tem cul- minado na deflagraçãode grandes operações policiais que estão desmontando quadrilhas especializadas em crimes ambientais no Brasil (MMA, 2005, p. 7). Desta forma, é possível identificar que uma legislação que contemple as neces- sidades do Meio Ambiente é constrangedora de um modelo social que deve ser reformulado. Pensando nesta lógica, é possível identificar, nos eixos temáticos que contemplaram a agenda da II CNMA, que o direcionamento era exatamente este, voltar-se a questões de caráter conjunto, como recursos naturais, pois, de acordo com o Texto- Base na II CNMA (MMA, 2005), os eixos foram: 1. Biodiversidade em Florestas; 2. Qualidade ambiental nos Assentamentos Humanos; 3. Água e Recursos Hídricos; 4. Elementos de uma Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável; 5. Fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SIS- NAMA); 6. Controle Social. Novamente, a participação social se tornou presente e, desta vez, o conceito já demonstrava que a sociedade também era responsável pelo controle e acompa- nhamento das decisões das CNMAs. Também considerando o quantitativo de participações, houve um crescimento considerável, passando para 1.700 indiví- duos na etapa nacional, e em todas as etapas do processo conferencial chegou a 86 mil participantes, de acordo com o Texto-Base da II CNMS (MMA, 2005). Com os dados levantados até este ponto, percebe-se que a gestão pública procurou expandir o arcabouço técnico e operacional do processo conferencial. E isso foi perceptível também na terceira Conferência Nacional do Meio Ambiente, que ocorreu em sua etapa nacional de 7 a 10 de maio de 2008. É pertinente dizer 134 que, assim como as demais, a etapa nacional aconteceu em Brasília – DF, dado que atingiria o nível governamental federal. Como a anterior, esta nova oportunidade foi embasada no slogan “Vamos Cuidar do Brasil”, e a agenda foi pautada no tema norteador “Mudanças Climáti- cas”, e fechando um ciclo de três conferências, essa ainda ocorreu sob o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considerando que ele havia iniciado um segundo mandato. Como o governo federal havia se mantido, também se mante- ve a representação do Ministério do Meio Ambiente, que estava novamente nas mãos da Ministra Marina Silva. Nesta segunda edição da CNMA, havia uma nova métrica, que a agenda seria tratada de acordo com sua natureza, ou seja, os eixos temáticos seriam divididos de acordo com a forma que seriam trabalhados, como consta no Texto-Base da III CNMA (MMA, 2008), são: • Mitigação: Nesta divisão eram contemplados os eixos que tinham a finalidade de reduzir, remediar ou amenizar certos comportamentos, pois almeja uma melhor eficiência dos futu- ros resultados que gerariam as deliberações finais da III CNMA, neste foram tratados os eixos: 1. Energia, Qualidade do ar e Mudanças Climáticas; 2. Resíduos Especiais, resíduos tóxicos e áreas contaminadas; 3. Edificações; 4. Industria; 5. Transportes; • Adaptação: Como tudo aquilo que não atingiu um nível de eficá- cia necessário não poderia ser mantido como estava, nesta divisão se enquadrava os eixos que deveriam ser adaptados à nova deman- da, ou que não tinham atingido o resultado esperado. São estes: 6. Meio Rural e Agropecuária; 7. Fortalecimento do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; 8. Saúde; 9. Zona Costeira e Marinha; 10. Assentamentos Humanos; 11. Ecossistemas Naturais; UNICESUMAR 135 Mesmo com todas estas divisões, o evento trouxe a necessidades de mais três eixos que completariam a agenda da III CNMA (MMA, 2008), cuja finalidade era suprir as temáticas que ainda não tinham sido abordadas em amplitude nas edições anteriores. São eles: 12. Pesquisa e desenvolvimento tecnológico; 13. Educação e cidadania ambiental; 14. Institucionalização da conferência nacional do meio am- biente. Neste último item, é perceptível uma programação para as próximas conferên- cias, gerando parâmetros que norteariam eventos futuros. Além disso, este eixo determinou o princípio da transparência, em que os órgãos responsáveis apre- sentariam seus resultados no domínio público, ou seja, a página do Ministério do Meio Ambiente, o qual serviu de base para este estudo. Nesta conferência, a par- ticipação social também obteve um aumento quantitativo, passando a somar em todas as etapas de realização o total de 115 mil participantes, e na etapa nacional a quantidade foi de 1.800 indivíduos, prosseguindo com a cultura de diálogo com a sociedade no processo de construção de uma gestão horizontalizada (MMA, 2008). Estes dados demonstram um crescimento significativo na participação da sociedade civil, de uma edição para outra. Após apresentadas as três primeiras Conferências, por fim se chega a quarta edição da CNMA, que aconteceu de 24 a 27 de outubro de 2013, e viria a ser a última edição realizada até o momento deste texto, pois até o ano de 2019, não ocorreu a quinta edição das CNMAs. Voltando o foco para o referido evento, este, já de início, apresentou uma mudança substancial, pois neste momento histórico, a presidência se encontrava sob o mandato da presidente Dilma Vana Roussef, e assim como o governo federal, o MMA estava sob nova tutela, tendo como a nova ministra do Meio Ambiente Izabella Mônica Vieira Teixeira. Além dessa quebra de constância, a nova edição da CNMA foi realizada após um intervalo de tempo maior do que ocorrera anteriormente, ou seja, quatro anos após a an- terior. O slogan anterior foi mantido, mas, para esta ocasião, o tema da agenda seria “Resíduos Sólidos” (MMA, 2013). Como o tema para esta Conferência não havia sido tratado nas anteriores de forma ampla, este evento tinha a missão de voltar a uma questão que vinha desde 136 os primórdios do debate sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, pois o problema com lixo era uma realidade constante, que ameaçava o bom desempenho da gestão pública sustentável. Contudo, o termo abrange mais que o lixo, abrange todo tipo de resíduo que impacta ao meio ambiente. Assim como o tema, o processo de realização do evento também se modificaria, buscando melhor rapidez e eficácia, pois como descrito no Relatório Final da IV CNMA (MMA, 2013, p. 5): “ [...] Foram 224 Conferências Livres que reuniram 25 mil pessoas em 26 estados. Já a Conferência Virtual, que aconteceu de 26 de agosto a 10 de setembro de 2013 por meio do Portal e-Democracia da Câmara dos Deputados, parceira do Ministério do Meio Ambien- te, contou com a participação de três mil pessoas. E outra grande contribuição para o debate da PNRS foi a organização da CNMA em painéis temáticos. Com este novo formato, o andamento da Conferência em suas etapas iniciais corresponderia a uma proporção maior de participação social, pois, com o uso da tecnologia, alcançaria ainda mais indivíduos e grupos de interesse. Contudo, no desenvolvimento da leitura do Relatório Final da IV CNMA (MMA, 2013), já foi possível identificar que, diferentemente da divisão utilizada nas conferên- cias anteriores, por meio de eixos temáticos que compunham a agenda, a quarta conferência fez a divisão em apenas quatro ações prioritárias, são elas: 1. Produção e Consumos Sustentáveis; 2. Redução dos Impactos Ambientais; 3. Geração de Trabalho, Emprego e Renda; 4. Educação Ambiental. Essa limitação trouxe um alerta no desenvolvimento da análise, pois a forma da gestão pública trabalhar foi diferente, porém será que impactaria nos resultados? Já foi possível ter a primeira resposta ao identificar que ocorreram apenas 15 deliberações para cada um destes temas. A crítica a este último evento foi grande dado à pouca contemplação de conteúdos levantados, reduzindo a qualidade do processo participativo, que seguiu o parâmetro das edições anteriores e teve um UNICESUMAR 137 crescimento considerável, em sua fase nacional que atingiu 2 mil participantes, e em todas as suas fases dado que a metodologia inovadora reuniu um totalde 200 mil indivíduos participantes (MMA, 2013). Após encerrar este levantamento histórico, ainda será necessário responder a inquietação desta pesquisa: “as conferências foram efetivas?”. Para tanto, faz-se necessário utilizar como métrica de análise os materiais legislativos que surgiram no decorrer destas Conferências. O impacto das CNMAs nas legislações direcionadas ao meio ambiente Desde o título deste estudo, é possível identificar que o método utilizado para testagem na efetividade do processo de conferências, no que diz respeito à área de Meio Ambiente, seria o levantamento quantitativo das ferramentais legislativas, ou seja, a quantidade de leis, decretos, portarias e outros formatos legislativos que contemplam em seu texto formas de amparo à temática. Entende-se que todo esse aparato legislativo possibilita uma gestão pública eficiente, o desenvolvimento de políticas públicas e, o mais importante, a proteção e amparo ao Meio Ambiente. Também, reconhece-se que traçar uma linearidade entre número de delibera- ções e número de legislações nunca alcançaria uma proporção considerável, afinal de contas, nem toda deliberação é contemplada por uma lei, podendo também gerar projetos, políticas públicas e entre outros formatos que correspondem as necessidades de tal deliberação. Além disso, não foi diferenciado o impacto legis- lativo de acordo com a natureza do instrumento, ou seja, se é uma lei vale mais que um decreto, e vice e versa, aqui todos foram tratados com o mesmo peso. Contudo, ao ponto central que trouxe a inquietação neste processo foi dado a seguinte informação: “[...] As Conferências Nacionais impulsionaram a atividade legislativa do Congresso Nacional, fortalecendo, por meio de uma prática parti- cipativa e deliberativa, a democracia participativa no Brasil” (MMA, 2013, p. 7). Este trecho enfático, presente no Relatório Final da última CNMA, trouxe consigo uma série de questionamentos; porém, considerando o princípio da transparência que nos foi apresentado no Texto-Base da III CNMA (MMA, 2008), foi possível acessar as informações pertinentes para realizar o levantamento necessário para responder este ponto. 138 Deste modo, o Ministério do Meio Ambiente disponibiliza o acesso público a todos os dados pertinentes às Conferências Nacionais do Meio Ambiente, além de realizar o acompanhamento constante do andamento constante das ações que contemplem as deliberações que foram feitas nos eventos, isso não seria diferente com a Legislação, dado que “o processo legislativo deve obedecer ao princípio da publicidade. Os atos praticados durante o processo de elaboração da lei são públicos” (FACHIN, 2012, p. 447). Neste ponto, deve-se levar em consideração que os Órgãos Governamentais responsáveis pela Competência Legislativa do Meio Ambiente são o Congresso Nacional e o Respectivo Ministério (MMA), pois “o poder legislativo brasileiro é exercido pelo Congresso Nacional, o qual tem a atribuição constitucional para legislar sobre todas as matérias de competência da União (art. 48)” (FACHIN, 2012, p. 423). Na página de acesso público do Ministério do Meio Ambiente, a legislação está em destaque, além disso, as ferramentas que surgiram no decorrer das Conferências são distribuídas de acordo com eixos temáticos, porém estes não correspondem exatamente aqueles utilizados nas CNMAs, mas sim representam um grau de simi- laridade de acordo com tema abordado, por exemplo, uma lei que protege áreas de manancial está alocada no tema água, e assim respectivamente. Como a distribuição não é relevante neste momento, foi apenas feito um levantamento quantitativo e distribuído de acordo com a correspondente edição conferencial, a qual fora repre- sentada pela data de publicação da conferência (AYRES, 2018). Além disso, foi possível identificar leis que precedem as próprias confe- rências, e também possibilitaram a existência delas, como a lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que corresponde à criação do SISNAMA, que como dito no decorrer de nosso estudo, foi uma ferramenta de extrema relevância nos eventos e fora deles (MMA, 2013). Após o acesso ao material legislativo informado pelo MMA, considerando neste processo a natureza de cada uma das legislações, assim como a Conferên- cia a qual corresponde, de acordo com a data de publicação e tema, surgiu uma relação de extensão acentuada (AYRES, 2018). Então, os dados levantados foram mensurados e calculados, e para trazer melhor didática aos leitores, e também contemplar as necessidades de uma análise qualitativa, os resultados alcançados foram transformados em proporcionalidades, que são apresentadas por meio de porcentagens (%) quantitativas de uma edição para outra das conferências, assim surge o quadro abaixo: UNICESUMAR 139 Quadro 1: Porcentagem de variação quantitativa de legislações produzidas de uma edição das Con- ferências Nacionais do Meio Ambiente para outra, em dois métodos comparativos. Entre as edições, respeitando a ordem cronológica: I CNMA (2003) para II CNMA (2005) Declínio de 13,88 % II CNMA (2005) para III CNMA (2008) Crescimento de 145,16 % III CNMA (2008) para IV CNMA (2013) Declínio de 97,36 % Comparação entre edições pares e ímpares, e da primeira para a última: I CNMA (2003) para III CNMA (2008) Crescimento de 111,11 % II CNMA (2005) para IV CNMA (2013) Declínio de 93,54 % I CNMA (2003) para IV CNMA (2013) Declínio de 94,44% Fonte: Dados analisados pelo autor através dos dados presentes informados pelo MMA. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/legislacao-mma>. Acessado em: 27 de jul. 2017. No processo de contagem, e posteriormente ao mensurar os dados para a análise, foi possível chegar aos números, porém, ao convertê-los em variações porcentuais é que a realidade se torna clara. Ao considerar a ordem cronológica, é possível visualizar uma breve variação da primeira para segunda edição, e um elevado crescimento da segunda para a terceira, contudo, da terceira para a quarta, o de- clínio foi acentuado, não atingindo um nível considerável de ganho, ao contrário não houve quantidades irrisórias (AYRES, 2018). Em um segundo método comparativo, em que foi pulado algumas edições, comparando-se primeiramente as de numeração ímpares, ou seja, da primeira para terceira, foi possível identificar um crescimento relevante, que em compa- ração com as edições pares, ou seja, da segunda para a quarta edição, é possível verificar uma queda quantitativa no número de legislações que corresponde, aproximadamente, ao contrário do que ocorreu nas edições ímpares. Por fim, foi realizada a comparação entre a primeira e última edição e foi possível verificar que as quantidades comparadas são discrepantes, considerando uma queda de 94,44% de uma edição para outra (AYRES, 2018). Foi possível analisar, nesta breve apreciação, que as conferências demons- traram uma grande relevância no processo de criação e legislações que con- templassem as necessidades dos temas abordados nestes eventos, no entanto, 140 é discrepante a variação quantitativa quando comparada uma edição com a outra. E percebe-se uma proposta ousada por parte da gestão pública ao tra- balhar esta metodologia, além de que no decorrer da apresentação histórica realizada, foi possível verificar um alto percentual de crescimento na partici- pação, porém, ao realizar a análise do ponto legislativo, não foi possível chegar a números similares (AYRES, 2018). A motivação não é clara, dado que o engajamento foi alto, e se a temática (Meio Ambiente) recebe fôlego e novas necessidades com o passar dos anos e de acordo com o contexto histórico da época, a legislação no que corresponde as suas quantidades deveria manter uma linearidade, ou estar em constante processo de crescimento e não sofrer elevadas oscilações, como foi possível verificar no quadro anteriormente apresentado. Considerações Finais Após a análise apresentada, é possível verificar que a metodologia das Conferên- ciaspara o processo de construção de uma política de meio ambiente se tornou um marco da área dste suas primeiras concepções no âmbito das Nações Unidas, estas se tornaram uma cultura da área e que o Brasil reforçou ao trazer para sua gestão interna. Este formato de lidar com temas de relevância social demonstrou trazer um elevado grau de efetividade qualitativa ao processo e incorporou fato- res como a accountability e a gestão horizontalizada às nuances desta temática. Deste modo, a participação social teve engajamento em ambos os lados, com o Governo proporcionando novos espaços de fala para a sociedade, como foi dito na IV CNMA com as Conferências digitais. Foi possível utilizar a tecnologia para obter indicativos de deliberações para temas de elevada relevância nos eventos, além disso, com o crescimento quantitativo de indivíduos participando, algo que se manteve em constante crescimento de uma edição para outra, é possível concluir que, neste ponto, as conferências alcançaram um positivo resultado na temática Meio Ambiente. No decorrer desta explanação, foi dito que as três primeiras conferências ocorreram durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e como representante do Ministério do Meio Ambiente para o mesmo perío- do tínhamos como Ministra Marina Silva, que acompanhou a realização das UNICESUMAR 141 Conferência. Por sua vez, estes dados não demonstraram impacto relevante nas características das CNMAs, salva o fechamento de parâmetros que foi perceptível na última edição, que nesta ocasião já estava sob o mandato da presidente Dilma Roussef e no MMA a anterior ministra tinha sido substituída para Ministra Iza- bella Teixeira. Há uma ressalva durante os anos de 2007 e 2008, o Ministério es- teve representado pelo Ministro Carlos Minc, porém, este dado não tem impacto relevante, pois ele não estava à frente desta casa no ato da realização dos eventos. Faz-se necessário enfatizar que as porcentagens demonstradas na tabela apre- sentada, não só chama a atenção pela alta oscilação numérica, como também demonstra que a metodologia descrita para a última conferência acabou por limitar não só o processo deliberativo, ao restringir eixos e quantidades, como estagnou o crescimento das legislações para a área. O que começou com grande expectativa, dado ao grande número de participantes e aos métodos inovadores, acabou por não trazer acentuada relevância neste ponto (legislação), pois acabou por não promover crescimento significativo. Conclui-se, deste modo, que as conferências nacionais são uma caracterís- tica nacional herdada pelas anteriores em caráter internacional, e incorporadas ao país, aqui se frutificaram em diversas áreas de interesse, porém, para o Meio Ambiente, tornaram-se até um sinônimo de formato eficaz, ao proporcionar um espaço de debate com a sociedade civil, a mais interessada no andamento destes processos decisórios. Este modelo de gestão horizontalizada tinha o interesse em aumentar a efetividades das instâncias deliberativas e reduzir os ruídos de resistências ao processo de mudança, mudanças estas que caminhariam para uma sociedade mais sustentável e que se trata o Meio Ambiente com o devido zelo, a qual se espera de um tema tão delicado que até o momento não atingiu um patamar desejado em caráter nacional e internacional. Com esta informação, é necessário considerar a necessidade de uma nova edi- ção, que, até o presente momento deste estudo, não foi realizada e, se possível, ousar na afirmação, novas conferências do tema. Elas demonstraram ser importante mo- tor catalizador no processo de desenvolvimento legislativo, além de outros métodos que aqui não foram tratados, por isso, tem extrema relevância, dado que eram uma grande promessa para a administração pública e acabaram por perderem a essência com tantas restrições e a perca do engajamento governamental. 142 REFERÊNCIAS AVRITZER, L. Conferências nacionais: ampliando e redefinindo os padrões de participação so- cial no Brasil. Texto para discussão 1739, IPEA, Brasília, 2012. v.1, p. 7-24. Disponível em: http:// www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/td_1739.pdf. Acesso em: 22 jan. 2021. AYRES, W. D. Conferências Nacionais do Meio Ambiente: efetividade e participação social. Maringá, 2018. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2018. BAKVIS, H.; JUILLET, L. O desafio horizontal: ministérios setoriais, órgãos centrais e li- derança. Brasília: ENAP, 2004. 94p. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bits- tream/1/717/1/O%20desafio%20horizontal.pdf. Acesso em: 22 jan. 2021. CAMPOS, A. M. Accountability: quando devemos traduzi-la para o português? Revista de Ad- ministração Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, 1990. 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III Conferência Nacional do Meio Ambiente: Mudanças climáticas. Texto-base consolidado, 2008. Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/ secex_cnma/_arquivos/texto_base_consolidado2008.pdf. Acessado em: 20 ago. 2017. MOREIRA, P. G.; OLIVEIRA, N. C. O Brasil e as Três Conferências das Nações Unidas sobre meio ambiente. História e Economia, v. 9, p. 99-116, 2012. 144 RELAÇÕES SIMÉTRICAS E ASSIMÉTRICAS NA COMUNIDADE DE POLÍTICA PÚBLICA: O PROCESSO DE FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Márcia de Souza Introdução Ao analisar as relações que se desenvolve nos espaços de participação, sob a pers- pectiva da dependência da trajetória (path dependence)140, tanto das organizações da sociedade civil como para a própria política nacional de assistência social, por ocasião da pesquisa de dissertação de mestrado, encontramos uma rica oportu- nidade de perceber como se dá essa relação, se simétrica ou assimétrica. Escolhemos a pesquisa documental como fonte para compreender a tra- jetória de duas OSCs estudadas. Encontramos um vasto material para aquele estudoe as variáveis foram dimensionadas com base no interesse definido de estudo quanto a análise sobre atores, processos e trajetória, no campo da po- lítica nacional de assistência social (SOUZA, 2018). Ao observar a política de assistência em seus 30 anos de história, buscamos perceber como organizações integrantes da comunidade de políticas públicas assimilaram e atuaram na implementação daquela política. Para o presente trabalho, retomaremos as bases da primeira pesquisa, com ênfase aos achados do campo de pesquisa, pela qual se observou as mudanças e 1 Skocpol e Pierson, 2002; Hall e Taylor, 2003; Bernini, 2015. UNICESUMAR 145 permanências na prestação de serviços, na linguagem utilizada e na atuação das organizações nos ambientes de deliberação da política nacional de assistência social e nos dedicamos a entender se nesse processo identificamos simetria ou assimetria naquelas relações. Consideraremos as palavras simétrico e assimétrico para a análise que segue, configurando em relações de igualdade e desigualdade no processo de decisão ou influencia na comunidade de política pública que atuou na implementação da assistência social enquanto política no país. O estudo seguiu permeado por questionamentos sobre o quanto os aspectos de simetria e assimetria seriam características ou resultado da reciprocidade no ambiente estudado. A análise das relações nos ambientes de formulação e implementação da po- lítica nacional de assistência social se relaciona diretamente à proposta da LOAS (Lei Organiza de Assistência Social) – Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que preconiza as seguintes diretrizes em seu artigo 5º: “ I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Dis- trito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II - participação da população, por meio de organizações repre- sentativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da polí- tica de assistência social em cada esfera de governo. Considerando esta diretriz, identificamos, já de início, a inexistência de assi- metria no sentido de que o Estado mantém para si as obrigações, inclusive, de promover a participação da população e seus representantes, ao tomar por primazia a sua responsabilidade. Em um ambiente nacional de incertezas quanto ao desenvolvimento, proces- sos de continuidade e da já sinalizada ruptura dos espaços de participação social, entendemos como necessários os estudos que apoiarão a defesa das políticas públicas do período pós Constituição de 1988. 146 Relações simétricas e assimétricas, impactos recíprocos e participação social Perseguimos, durante dois anos de estudos, identificar aspectos da relação entre sociedade civil e a política nacional de assistência social em seu processo de implementação, a partir de 1988 com a Constituição, com o intuito de perceber os impactos recíprocos existentes naquela relação, permeada pelos atos sequen- ciais desde a Lei Orgânica da Assistência Social até a Tipificação Nacional de Serviço Socioassistencial. Para contribuir com a compreensão do que se entende por impactos recípro- cos, temos conforme Souza (2018, p. 76): “ [...] impactos no sentido da existência de um conjunto de normas da política de assistência social no Brasil as quais as organizações precisam se adequar; e recíprocos, no sentido de que essas normas são construídas num ambiente de participação social que incen- tiva a construção de acordos dessas coletividades no desenho e implementação da política. Além desta definição que compreendemos importante, contamos com um es- pecial referencial teórico que nos orientou naquele percurso de pesquisa, por exemplo as análises de Gohn (2010) que, em um balanço dos movimentos sociais241 contemporâneos, observava que até a década de 80 existira uma forte articula- ção de movimentos populares que se posicionavam contra o regime opressor dos militares, que coibira a expressão popular. No mesmo processo de análise, a autora também apresentava as transformações desses movimentos populares já no início dos anos 90, em que as manifestações de rua diminuíram com base nas conquistas do ato constitucional e do novo contexto que se desenhava. Assim como os estudos da dissertação, este estudo permanece com a pers- pectiva proposta pela linha teórica do institucionalíssimo histórico, sob o aspecto de dependência da trajetória e coadunando com a análise de Gohn (2010). Ob- servamos que no período pós 88, há um fortalecimento das ações de parcerias 2 Compreendemos movimentos sociais, na perspectiva de Diani (2003 apud TATAGIBA, 2007): coletivida- des formadas por uma rede de interações informais entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações, engajados em um conflito político ou cultural, com base em identidades compartilhadas. UNICESUMAR 147 entre poder público e as organizações da sociedade civil já impulsionadas por políticas de Estado. Para além disso, Gohn (2010) ainda reforça o papel que as organizações, que eram constituídas legalmente conforme a legislação vigente À época, atuavam como apoio aos movimentos sociais, nas palavras da autora “ [...] tomaram a dianteira na organização da população, no lugar dos movimentos. [...] Apoiados por recursos financeiros, privados e públi- cos (oriundos dos numerosos fundos públicos criados) e por equipes de profissionais competentes – previamente escolhidos não por suas ideologias, mas por suas experiências de trabalho –, essas organizações passaram a trabalhar de forma diferente de como os movimentos sociais atuavam até então. O terceiro setor passou a atuar com populações tidas como vulneráveis, focalizadas, grupos pequenos, atuando por meio de projetos, com prazos determinados. Novos conceitos foram criados para dar suporte às novas ações, tais como responsabilidade social, compro- misso social, desenvolvimento sustentável, empoderamento, protago- nismo social, economia social, capital social etc. (GOHN, 2010, p. 342). Perceber simetria ou assimetria na relação das organizações da sociedade civil com a política pública recém iniciada, há uma primeira percepção que pode ser uma chave para esta análise. Percebe-se que já no início da definição sobre qual grupo poderá desenvolver essa relação de prestação de serviço junto à política, está pre- sente um corte à participação social, realizada pelo próprio modelo de participa- ção estabelecida. Participariam as organizações sociais que estavam legalmente constituídas, sob uma perspectiva desenhada pelo aparato Estatal e não aqueles movimentos que haviam por décadas perseguido o direito popular à participação. Esta definição conduz a perceber, no caso das organizações que estudamos, que o alinhamento daquelas Organizações da Sociedade Civil (OSCs)3 com os movimentos sociais não esteve claro. No caso do Lar Escola, que estava fortemen- te relacionado à igreja católica, foi possível perceber uma relação mais aproxima- da aos movimentos daquele período da igreja, no entanto, no estudo realizado 3 As organizações estudadas foram: Lar Escola da Criança de Maringá, associação beneficente de assistência social, fundada em 1959, destinada ao atendimento de crianças e adolescentes para os quais desenvolve o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos e; a Rede Feminina de Com- bate ao Câncer (RFCC), associação beneficente de assistência social, fundada em 1983 e destinada ao apoio de pessoas diagnosticadas com câncer e que vivem em situação de vulnerabilidade social aos quais oferece seu serviço de Casa de Apoio. 148 com a RFCC, essa aproximação com os movimentos populares não fica evidente. Ambas as organizações estiveram permanentemente presentes e atuantes na co- munidade de políticas públicas do município de Maringá. A compreensão que temos sobre comunidade de políticas públicas está orien- tada por Kingdon (2006)442,mas em especial por Wampler (2010), em que uma comunidade de política pública se dá “ [...] a partir da reunião de especialistas em políticas (policy experts), burocratas, gestores públicos e líderes comunitários, para desenvol- ver uma linguagem e uma base de conhecimento comuns, a fim de permitir-lhes tratar dos problemas de forma coletiva e semelhante. Os líderes comunitários são, então, incluídos nos debates políticos, enquanto que, anteriormente, tinham pouca ou nenhuma partici- pação (WAMPLER, 2010, p. 395). Ainda no mesmo sentido, Wampler (2010) colabora com um pensar especial em relação onde, de fato, a política pública acontece. Onde se dão as relações desses líderes em um ambiente de comunidade, de chão da política pública, e aqui acrescentaríamos, frente ao objetivo desse estudo, onde as relações podem ser observadas como simétricas ou assimétricas. Wampler (2010) compreende que estes participantes da comunidade são “ [...] os ativistas da sociedade civil trabalham dentro de suas co- munidades de origem (mais frequentemente uma vila ou favela), ou em arenas de políticas públicas (por exemplo, habitação ou saúde), para organizar as demandas dos cidadãos interessados (WAMPLER, 2010, p. 395). Sobre este ambiente de participação configurado num primeiro momento pelos movimentos sociais e que a posteriori se apresentou como espaço de participação de agentes representantes de grupos sociais legalmente constituídos, são obser- vados, também, por Skocpol (1992, p. 54) em que 4 Comunidade de políticas públicas como o conjunto de indivíduos e atores que promovem visões e interesses em determinada área de política, ou ainda como um grupo de especialistas, não apenas integrantes dos governos, que objetivam atuar e influenciar em políticas públicas. UNICESUMAR 149 “ [...] a estrutura de instituições políticas oferece acesso e influência para alguns grupos e alianças, estimulando e recompensando assim os seus esforços para moldar as políticas do governo e, ao mesmo tempo, negando acesso e influência para outros grupos e alianças que atuam na mesma comunidade política (polity) nacional. No Brasil, com a implementação da assistência social enquanto política pública, as escolhas de participação se amoldaram sob a perspectiva da representativi- dade, constituída em forma de Conselhos nas esferas Municipais, Estaduais e Federal, aos quais é delegada a autoridade de deliberação daquela política, o que definiu, em conjunto com conferencias e atos governamentais, a trajetória da política. Ocorre que estes espaços deliberativos e participativos estão permeados de condicionalidades, já que se configuram em compartilhamento de poder entre sociedade civil e Estado. Sobre esta perspectiva, Almeida (2015 apud SOUZA, 2018, p. 73) apresenta que “ Nos Conselhos Gestores, organizações da sociedade civil não exer- cem apenas o controle social sobre as ações estatais, pois elas são investidas oficialmente do poder de deliberar sobre recursos pú- blicos e sobre os conteúdos das políticas públicas. Na condição de conselheiras, elas integram o sistema estatal de produção e controle de políticas e alcançam essa posição por intermédio de uma nova modalidade de representação política. Observando a trajetória do Lar Escola e da RFCC, percebemos que nos diversos momentos de suas histórias, direta ou indiretamente, este espaço de participa- ção estivera ocupado pelas OSCs, no entanto, a condição de simetria esteve com clareza presente a partir de 2010, quando o desenho da política impactara pro- fundamente nas escolhas feitas nos processos de gestão das OSCs. Conforme postulado por Souza (2018) quanto ao posicionamento das OSCs relacionadas aos ambientes de participação “ [...] no contexto local e nacional, a participação das OSCs tem alto grau de importância para a implementação da PNAS, já que o pro- pósito de ambiente participativo foi consolidado e é um legado do pós Constituição de 1988. Aspectos como a tensão no ambiente 150 de conselhos para as conquistas como a classificação do serviço prestado pela Rede Feminina ou a redefinição do atendimento do Lar Escola estão somadas ao desenho que temos hoje de PNAS. Este é um ambiente airado e a análise da trajetória das duas OSCs nos indica que não há oportunidade de prescindir à participação da sociedade civil nos ambientes de formulação das políticas que impactam a vida do cidadão (SOUZA, 2018, p. 87). Confluindo para a mesma perspectiva analítica, conforme apresentado por Sou- za (2018), Almeida e Tatagiba (2012) ressaltam as contribuições dos Conselhos Gestores das políticas públicas para o processo de democratização do Estado; no entanto, alertam que estas tarefas e esforços não são exclusivos dessas instâncias. Segundo as autoras, elas [...] são peças estratégicas no interior de um projeto de democratização do Estado e da sociedade, mas não podemos responsabilizá-los por todas as tarefas e esforços que exigem a construção daquele projeto [...] (AL- MEIDA; TATAGIBA, 2012, p. 74). Nesta perspectiva, passamos a uma nova etapa desse nosso estudo, que é pensar o próprio projeto de redemocratização. Há, com clareza, uma perspectiva de ampliação dos espaços participativos devotado diretamente sobre o ato cons- titucional de 1988; no entanto, este desenho esteve marcado sobremaneira pelo processo que territorializou a participação. Isto é, os ambientes de participação estão no “quintal” do cidadão e dos grupos sociais, aqui, no caso, comunidades de participação. Estes ambientes estão marcados pelo próprio relacionamento das bases, tanto das OSCs como dos agentes públicos da política de assistência ou da política representativa. Observamos, no estudo das duas OSCs, o quanto cada uma delas esteve pre- sente no ambiente da política representativa nos vários níveis. Este viés de análise nos faz pensar se, de fato, estes dois casos estudados representariam uma parcela significativa de OSCs, já que as trajetórias dessas organizações estavam marcadas pela presença de agentes públicos de alto grau de decisão e, nesse caso, pensar simetria e assimetria remeteria a perceber estes aspectos. Outro aspecto importante de ser observado é quanto ao tipo de serviço pres- tado e seu impacto sob a atuação do próprio município na área da assistência. Ainda que não revelado de forma contundente no primeiro estudo, cabe aqui ressaltar que a prestação de serviço daquelas OSCs está marcada por particula- UNICESUMAR 151 ridades, e no caso da RFCC, por aspectos de exclusividade no serviço, o que gera uma conflituosa percepção sobre simetria e assimetria. Souza (2018) destaca dois aspectos que apoiam esta perspectiva. Vejamos: “ No que tange ao processo de profissionalização das ações dessa política, havia maior clareza no ambiente governamental quanto a estrutura de equipe mínima e o processo de estruturação de equipes técnicas, para as OSCs impactara aspectos como captação de recur- sos e decisões administrativas muito mais impactantes que para os governos (SOUZA, 2018. p. 86). E ainda, “ [...] o Lar Escola promoveu com sua adesão, foi à materialização de 3 décadas de construção de uma política pública. LOAS, PNAS, SUAS, Tipificação de Serviço Socioassistencial estão validados na perspec- tiva do Lar Escola. De forma ainda mais intensa na segunda metade da década de 2000, quando o desenho da política estava mais claro e havia uma articulação mais direta do governo federal (PT) com as políticas sociais. Na sua tomada de decisão, impactou o Estado, sina- lizando sua ciência de que sabia de quem era a obrigação primeira e com a redução de sua capacidade de prestação de serviço, o cidadão estaria demandado às ações do Estado (SOUZA, 2018, p. 86). Contudo, ainda que houvesse ciência e escolha das OSCs por atuar na assistência social, e ainda que elas estivessem acompanhadas de agentes do ambiente da política representativa, chamou a atenção o fatode que nos registros analisados naqueles dois casos, as OSCs não apresentavam ter ciência do quanto o ambiente dos Conselhos, Conferencias e fóruns são responsáveis por gerar simetria entre as relações pró política nacional. Retomando aqui o art. 5º da LOAS, a primazia da responsabilidade é do Estado em seus vários níveis, e a condução dos processos de implementação da política, ainda que em espaços estabelecidos conforme também consta na diretriz, segue orientado pela ação da estrutura estatal. Ainda que nos anos finais do período analisado o posicionamento tenha sido de garantir o espaço de participação e, ainda, de estar nesses espaços apresen- 152 tando suas decisões gerenciais e confrontando deliberações em desacordo com estas definições da gestão das OSCs, a própria percepção de representatividade de segmentos pareceu ausente. Isto é, se a lógica dos espaços deliberativos é pela segmentação e defesa de grupos, não foi possível observar nos estudos que estas OSCs estivessem alinhadas aos seus grupos de origem, até 2017, quando do sur- gimento de uma associação543 que congregava os interesses de OSCs integrantes da comunidade da política pública de assistência social. Compete dizer que este esforço em congregar os interesses pareceu-nos como um esforço para promover a simetria nas relações com o Estado, mais diretamen- te com os grupos designados à política de assistência social. Nesse sentido, Souza (2018, p. 88) cita que “ As interferências foram reais, não apenas no campo daquela polí- tica pública, mas interferiram na conformação de grupos como no caso da AMOSC, que simbolizam a articulação da sociedade civil para melhorar o seu processo de participação social. Tanto RFCC, quanto Lar Escola figuram com forte presença e respeito das demais OSCs da cidade e pela proporção de seus serviços, são altamente consideradas no ambiente social e político. É possível que, em alguma medida, o Lar Escola tenha se aproximado de estado simétrico, contando com a vantagem de contar com apoio internacional na sua gestão, que estabeleceu uma conexão dinâmica com a política nacional, tendo conduzido a trajetória da OSC por um caminho alinhado à política nacional, que a tornou, em alguma medida, modelo às demais OSCs do mesmo serviço. Conforme Souza (2018, p. 84), “ A KNH atuou como uma mediadora dos processos de participa- ção na construção da política de assistência social e sua presença permeou e influenciou a comunidade de políticas públicas ao passo que o Lar Escola se apresenta como ator e validador dos processos estabelecidos por aquela política. Em sua trajetória, as escolhas e decisões da OSC estabeleceram uma conexão com a implementação da política nacional de assistência social. 5 AMOSC – Associação Maringaense de Organizações da Sociedade Civil. UNICESUMAR 153 Ainda que deliberativo e com autonomia administrativa, tanto as OSCs quanto o Conselho de Assistência permanecem, assim como em toda sua história, em um estado de dependência das atividades governamentais, seja na destinação de espaço físico para o funcionamento, seja pela efetivação de investimento dos recursos públicos. Veja, Conselhos funcionam com assessoria nomeada e mantida pelo Estado; cada uma das OSCs estudadas também mantiveram níveis parecidos de relação com o ente estatal. Não há a pretensão de contradizer todo empenho em ampliar os espaços de participação. Temos apenas constatado que a percepção sobre a assimetria se aprofunda com a análise de cada percurso da política de assistência ou da história das OSCs. Outrossim, identificamos sinais de esforços por equilibrar e, ao que compete ao espaço de participação, contribuir com o desenho da política, sem uma perseguição por desenvolver o mesmo nível de decisão. Consideração Finais As relações são assimétricas! Iniciamos com esta afirmativa para aproveitarmos este espaço para inferir a ausência de simetria. A política não nasce para ser assi- métrica em suas relações, apesar de toda a expectativa do momento constituinte de ampliação da participação popular. A ausência de simetria nos coloca diante de uma dúvida que, por hora, é sanada com a perspectiva de que o dever da execução e a configuração de dever do Estado na proteção e garantia de direitos ao cidadão, entre elas o direito à livre manifestação; esclarece que o Estado assume primeiro sua obrigação e, por este ato, permite, na sequência, que o cidadão participe. Lembremos, aqui, que o momento em que se promulga Constituição Federal de 1988 e os demais atos fruto deste remetem ao endereçamento do desenho de um novo modelo de Estado, aquele que promove o direito e atua para sua garantia. Este Estado tem sua legitimidade garantida pela manifestação popular e a esta manifestação quer garantir espaço, organizando e fomentando a escuta à vontade popular na implementação do seu atendimento. Compreendemos que a própria construção da política trilha um caminho que é validada pela ação popular que se apresenta por meio das associações presta- doras de serviço, com uma divisão clara de competências. OSCs solicitam, Con- 154 selhos deliberam e, ainda assim, a estrutura estatal executa, em suas condições, tempo e interesse. As OSCs também executam conforme suas escolhas, porém estas estão imersas na configuração da política pública. Em período recente (2019), a assistência social no país sofre um momento de grandes incertezas no que refere à participação e a sua própria existência. Definições da política de governo confrontam a história da própria política in- centivada por governos populares e dão sinais de que os espaços de participação social estão ameaçados. Diante desse momento, com a constatação de que a re- lação entre OSCs e políticas públicas é assimétrica, o sentimento é de vivenciar momentos de retrocesso na relação entre Estado, Governo, políticas públicas e o cidadão, representado por associações ou por meio de fóruns, consultas públicas ou demais instrumentos de participação social. 155 REFERÊNCIAS ALMEIDA, C.; CARLOS, E.; SILVA, R. A efetividade da participação na política de assistência so- cial: institucionalização, deliberação e representação nos conselhos gestores dos municípios brasileiros. II Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas. UNI- CAMP, Campinas (SP). De 27 a 30 de abril, 2015. ALMEIDA, C.; TATAGIBA, L. Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspecti- vas. Serv. Soc. Soc. [online]., n. 109, 2012, pp.68-92. BERNINI, C. I. As inflexões no campo da Responsabilidade Social das Empresas: o caso da promoção dos direitos da criança e do adolescente. Campinas, SP: [s.n.], 2015. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. BRASIL. LOAS. Lei Orgânica da Assistência Social. Brasília: Presidência da República: Centro Gráfico, 1993. GOHN, M. da G. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâ- neo. Petrópolis: Vozes, 2010. HALL, P. A.; TAYLOR, R. C. R. As três versões do neo-institucionalismo. Lua Nova [online]., n. 58, 2003, pp.193-223. KINGDON, J. Juntando as coisas. In: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (Orgs). Políticas Públicas, Bra- sília: ENAP, 2006, Volume 1. SKOCPOL, T. Protecting soldiers and mothers: the political origins of social /policy in the United States. Cambridge: Belknap Press, 1992. SKOCPOL, T.; PIERSON, P. “Historical Institutionalism in Contemporary Political Science”. In: KATZNELSON, I.; MILNER, H. V. Political Science: State of the Discipline. New York: W.W. Nor- ton; 2002. pp. 693-721 SOUZA, M. de. Impactos recíprocos entre políticas públicas e sociedade civil: o caso da assistência social no âmbito local. DCS UEM - Maringá, 2018. WAMPLER, B. Transformando o estado e a sociedade civil por meio da expansão das comuni- dades políticas, associativas e de políticas públicas. In: AVRITZER, L. A dinâmica da participa-ção local no Brasil. Belo Horizonte, Cortez, 2010. 156 PRECISAMOS FALAR SOBRE CONSELHOS: TRIAN- GULAÇÃO DE TÉCNICAS PARA COLETAS DE DA- DOS PRELIMINARES SOBRE O FUNCIONAMENTO DE CONSELHOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM MU- NICÍPIO BRASILEIRO DE MÉDIO PORTE Éder Rodrigo Gimenes Desde a instauração da República, em 1889, o Brasil foi cenário de muitas re- voltas, lutas e mobilizações sociais, como a revolta da vacina, os primeiros mo- vimentos grevistas e as pressões que culminaram na criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – até a década de 30. Dentre vitórias substanciais de demandas sociais, destaca-se, especialmente, a Consolidação das Leis do Tra- balho (CLT), aprovada na década de 40. Para além desses resultados positivos, o país sofreu um período de retração no acesso a direitos e à mobilização social entre 1964 e meados da década de 80, por conta do regime militar que, dentre outras ações, extinguiu partidos políticos e proibiu manifestações públicas relacionadas à política. Naquele contexto, setores da população se organizaram em torno da resistência política à ditadura e passaram a encampar lutas tanto por pautas específicas quanto pela retomada da democracia. As manifestações por “Diretas já!”, o fim do bipartidarismo e a aprovação da retomada do voto direito para presidente foram passos importantes à redemo- cratização, que tem na Constituição de 1988 sua principal base. Tal Carta Magna ficou conhecida como “Constituição cidadã” por conta de aspectos que amplia- ram os direitos dos brasileiros e os mecanismos de participação social, dentre os quais se destacam os conselhos de políticas públicas. UNICESUMAR 157 No momento em que se completam três décadas da promulgação do texto constitucional brasileiro, é relevante compreender como o referido mecanismo opera, uma vez que há expectativa de que, enquanto um dos instrumentos conhe- cidos como instituições participativas, os conselhos de políticas públicas contri- buam ao fortalecimento e ampliação da democracia no Brasil. Nesse sentido, este artigo busca responder à seguinte questão: como funcio- nam os conselhos de políticas públicas em municípios brasileiros de porte médio? Ainda que pareça simples, tal problema remete à necessidade de realização de pesquisa de campo e de definição de objetivos claros à pesquisa. Para tanto, definiu-se como objetivo geral compreender aspectos pertinentes ao funcionamento de conselhos de políticas públicas em um município brasileiro de médio porte, tendo como objetivos específicos os seguintes: [a] realizar um levantamento teórico acerca da conformação e caracterização dos conselhos de políticas públicas; [b] coletar dados por meio de distintas técnicas de pesquisa, a fim de reunir evidências capazes de permitir responder com qualidade o proble- ma destacado anteriormente; e [c] analisar os dados à luz do referencial teórico, de modo a contribuir para a construção do conhecimento sobre o tema. Além desta seção introdutória, o presente artigo é composto, ainda, por mais três seções. O próximo tópico é dedicado à apresentação do quadro teórico que trata das instituições participativas e dos conselhos de políticas públicas em diá- logo com a importância de tais aspectos ao regime democrático. A terceira seção aborda aspectos metodológicos da pesquisa, com foco nos procedimentos para coleta de dados, a delimitação do objeto analisado e os resultados decorrentes da investigação. Por fim, a quarta seção diz respeito às considerações finais deste artigo. Democracia, instituições participativas e conselhos de políticas públicas Um governo democrático seria aquele responsivo aos cidadãos, ou seja, que oferece respostas às necessidades e demandas dos cidadãos, os quais devem ter oportunidades de formular e expressar suas preferências, de maneira individual e coletiva, bem como de ter tais preferências consideradas pelo governo quando da elaboração de ações e da gestão da máquina pública (DAHL, 1997). 158 Bobbio (1998, p. 326) corrobora a concepção do autor anteriormente mencio- nado ao postular a democracia como “um método ou um conjunto de regras de procedimento para a constituição de governo e para a formação das decisões polí- ticas (ou seja, das decisões que abrangem toda a comunidade) mais do que de uma determinada ideologia”. Nesses termos, outra distinção fundamental desse regime é a proteção e garantia de direitos humanos e sociais, de liberdades individuais de expressão e manifestação e de participação social, política, cultural e religiosa. Em termos empíricos, é possível vislumbrarmos três diferentes maneiras por meio das quais governos democráticos se desenvolvem. A primeira maneira é a de- mocracia direta, que remete à Ágora grega e diz respeito à possibilidade de que, para cada assunto de interesse público, os cidadãos possam participar de discussões e votar. A segunda maneira é a democracia indireta, também conhecida como repre- sentativa, que corresponde àqueles regimes nos quais os indivíduos participam da escolha dos representantes, por meio do voto, e depois são os eleitos que de- liberam em nome e (espera-se) em favor da coletividade. A terceira maneira é denominada democracia semidireta e reúne caracterís- ticas dos modelos direto e semidireto, de modo que permite a participação e en- volvimento nas discussões e deliberações de maneira ampliada, por meio do voto e de instrumentos, como plebiscitos, audiências e conferências (BOBBIO, 1998). O presente artigo se insere no campo de estudos que versam sobre a demo- cracia semidireta, uma vez que tem como objeto analítico um instrumento de envolvimento dos cidadãos com a política. Nesse sentido, os tópicos desta seção versam sobre as instituições participativas, de modo geral, e os conselhos de po- líticas públicas, de maneira mais específica. Instituições participativas As instituições participativas, também denominadas como modalidades de par- ticipação institucional, são relevantes mecanismos de articulação de interesses e enquanto repertório de ação política, bem como se destacam como inovação político-administrativa brasileira, cujo início se deu em meio à redemocratiza- ção nacional na década de 80 e, especialmente, após o fortalecimento de ações coletivas e da participação individual nesse processo histórico (GIMENES, 2018). UNICESUMAR 159 Com relação à sua materialidade, as instituições participativas são amplas e multifacetadas, de modo que “a diversidade dos experimentos pode ser vista nos níveis de governo em que são aplicados, nas áreas de políticas públicas e nos contextos políticos e regionais [...]” (ALMEIDA, 2013, p. 12) e que são diversos os conceitos que buscam expressar tal fenômeno, de modo que remetem também a instrumentos de controle social (LÜCHMANN, 2011). De modo geral, é possível inferir que a participação institucional diz respeito ao conjunto de mecanismos legais, por meio dos quais o Estado promove a interação com a sociedade, a fim de formular políticas públicas e redistribuir bens e serviços, em atendimento aos direitos sociais previstos na Constituição. Segundo Avritzer e Santos (2003) e Avritzer (2009), instituições participativas promovem o relaciona- mento entre Estado e sociedade por meio da operação de princípios de participação e de representação de maneira simultânea, com destaque a dois aspectos. Primeiramente, saliente-se que há uma crise de representatividade em curso, na qual os partidos políticos e sua capacidade de representação dos interesses dos indivíduos são amplamente questionados em democracias ao redor do mundo, inclusive no Brasil, por conta da pluralidade de demandas. Em segundo lugar, e em decorrência do primeiro ponto, há a necessidade de emergência de mecanismos de participação que equalizem complexidades e a pluralidade social, de modo que “tais manifestações retomam a importância da participação ativa do cidadão na vida política, fazendo surgir mediações entre Estado e sociedadepara além do momento tradicional do voto” (ALMEIDA, 2013, p. 11), de modo que a democratização da democracia passaria pela comple- mentariedade entre representação e participação (AVRITZER; SANTOS, 2003). Segundo Almeida (2013, p. 11), “esse movimento em direção à sociedade civil e a crescente força de suas manifestações não são privilégios do contexto nacio- nal”, uma vez que há experiências de participação institucional, também, em ou- tros países (CASTIGLIONE; WARREN, 2006; DELESPOSTE; GIMENES, 2015; GIMENES, 2015), mas o caso nacional se destaca como modelo e exemplo do desenvolvimento de modalidades de participação institucional (GIMENES, 2017). Para além do controle do Estado, os mecanismos de participação institucio- nal representam, também, espaços para a tomada de decisões coletivas acerca de políticas públicas de diferentes áreas, e representam uma importante alteração 160 democrática: o Brasil passou, nas duas últimas décadas do século XX, da condição de país com baixa propensão à participação associativa à nação de destaque por conta de mecanismos de participação institucional (AVRITZER, 2015). Esse é o contexto em que operam instituições participativas, como conselhos, conferên- cias, audiências públicas e orçamentos participativos (OPs). Tomadas em conjunto, as instituições participativas representam avanço à democracia por proporcionarem aumentos dos espaços e das possibilidades de apresentação e defesa de demandas, bem como pela diversidade de modalidades existentes – em termos de burocratização, desenho institucional, formas de aces- so, direito de voz etc. –, o que permite, aos indivíduos, estabelecer contato com o Estado por mecanismos diferentes. Além disso, é benéfica ao regime democrático, também, a disseminação da participação institucional nas três esferas de governo, em ampla gama de áreas de políticas públicas e pluralidade de contextos socioeconômicos e políticos. Diante do exposto, dado o escopo deste artigo, a atenção recai especialmen- te sobre os conselhos de políticas públicas, sobre os quais se trata o próximo tópico desta seção. Conselhos de políticas públicas Os conselhos de políticas públicas se constituem em espaços politicamente or- ganizados, nos quais são discutidos aspectos relacionados a políticas públicas específicas. De modo geral, Castro (2012) define suas funções como sendo as seguintes: formular, acompanhar, monitorar e deliberar sobre questões relacio- nadas a políticas públicas. A expressiva maioria dos conselhos existentes atualmente foram criados em decorrência da Constituição de 1988 com vistas à garantia de direitos sociais e à abertura da política institucional à participação cidadã, sendo que o levanta- mento de dados da Secretaria Geral da Presidência da República apontou, até o ano de 2014, a existência de 62.562 conselhos municipais em funcionamento no país (GIMENES, 2017). No entanto, conforme pesquisa nacional no âmbito do Projeto Democracia Participativa (PRODEP, 2011), apenas cerca de 2% dos brasileiros participaria de conselhos municipais de políticas públicas. Em se tratando de características, os conselhos existem nas esferas municipal, estadual e federal, sendo obrigatórios para algumas áreas de políticas públicas – UNICESUMAR 161 como assistência social, saúde e direitos da criança e do adolescente – e facultati- vos para as demais áreas. O primeiro grupo está presente em praticamente todo o território nacional, ainda que com constituição meramente formal, uma vez que o recebimento de recursos do Estado para o desenvolvimento de determinadas ações depende da existência desse mecanismo de participação institucional. Os conselhos das demais áreas podem se constituir com diferentes composi- ções, desde específicos para cada política – como de combate às drogas, de defesa do meio ambiente, de transportes, de turismo, de desenvolvimento urbano, de direitos da mulher, da comunidade negra, de arborização urbana etc. – até mesmo àqueles que reúnem grupos com algum aspecto em comum, como conselhos de direitos de minorias – incluídas demandas e temáticas referentes a mulheres, minorias étnicas, população LGBT, idosos e deficientes físicos, por exemplo. Outra característica relevante dos conselhos é seu desenho institucional, para o qual não há padrão determinado. Conforme Lüchmann, Almeida e Gimenes (2016), em estudo acerca de 140 conselhos das áreas de assistência social, saúde e meio ambiente nas três esferas de governo e entre todas as regiões do país, de acordo com a esfera de governo e a área de política pública há diferenças na composição (se paritária ou com maior presença de representantes da sociedade civil ou do governo), no método de escolha dos representantes da sociedade civil (se por eleição, indicação do setor, por entidade ou por indicação do governo), na competência (se deliberativo, normativo ou apenas consultivo) e no perfil dos membros (quanto ao gênero, trajetória, vínculo e experiência conselhista, por exemplo). Além desses aspectos, há que se destacar, ainda, a maneira como os temas são discutidos: se em assembleia diretamente ou primeiramente entre comissões de estudos e somente depois entre a totalidade dos membros. Por fim, destaque-se uma característica relevante dos conselhos municipais, relacionada às duas distintas maneiras por meio das quais ocorre a participação da sociedade: a primeira diz respeito à ocupação de cadeira como membro do conselho, que cabe aos representantes definidos conforme a legislação, e majo- ritariamente recai sobre indivíduos engajados em ações coletivas – como orga- nizações do Terceiro Setor, movimentos sociais ou associações, mas também de usuários de serviços da política pública –, os quais têm direito a voz e voto; e o segundo corresponde à população em geral, que pode assistir às reuniões do conselho, mas necessita de autorização para manifestação oral (salvo exceções e conforme determinações em legislação específica). 162 Considerando as características apontadas, autores como Lüchmann, Al- meida e Gimenes (2016) apontam alguns pontos positivos dos conselhos gesto- res, dentre os quais dois se destacam. O primeiro trata da independência de sua existência frente à circulação de poder entre grupos políticos, especialmente conselhos compulsórios. O segundo aspecto positivo diz respeito à possibilida- de de representação plural de interesses, respeitadas as especificidades de cada área, mas podendo as cadeiras do Estado serem ocupadas por eleitos (prefeito, vice-prefeito ou vereadores), servidores públicos ou técnicos; e dentre os re- presentantes da sociedade civil haverem aqueles decorrentes de grupos, como associações comunitárias, usuários de políticas públicas, servidores públicos e/ou privados que atuam na área, empresários do setor, membros de sindicatos e/ou associações profissionais etc. Em contrapartida, destacam-se três pontos negativos. Primeiramente, como anteriormente mencionado, em muitos municípios, os conselhos existem apenas formalmente, especialmente para recebimento de recursos e financiamentos de esferas superiores, mas também pela ausência de membros da sociedade civil interessados e/ou sofisticados politicamente a ponto de discutir sobre políticas públicas, o que contribui para que tal mecanismo seja utilizado para legitimação das ações do poder público. Em segundo lugar, há que se considerar o risco do conselheiro da socie- dade civil se autonomizar de seu grupo (aquele que representa ou deveria re- presentar) e/ou se aproximar da máquina estatal, visando cargo político, e/ou se candidatar posteriormente, aos moldes do conceito clássico de elitismo de Robert Michels (1982 [1911]). Por fim, assim como para outras modalidades de participação, o envolvi- mento em conselhos de políticas públicas – bem como em outras instituições participativas – também requer disponibilidade de recursos, como tempo livre, dinheiro, cognição e redes de contatos. Como os dadosdo PRODEP (2011) apon- tam que aqueles que participaram de conselhos, conferências e/ou OPs atuam, politicamente, também por meio de outras atividades, é possível inferir que o modelo de repertório de ação política inclui as modalidades institucionalizadas, o que representaria, em alguma medida, limitação do alcance dessas práticas par- ticipativas, já que há características recorrentes entre aqueles que mais se engajam politicamente no Brasil – homens, brancos e pessoas mais jovens têm maior chan- ce de participar, além de que quanto maiores o nível de escolarização, a renda e o UNICESUMAR 163 tempo livre, maior também a probabilidade de envolvimento (GIMENES; BOR- BA, 2014; BORBA; GIMENES; RIBEIRO, 2015; RIBEIRO; BORBA; HANSEN, 2016; CARREIRÃO et al., 2018). Por outro lado, minorias com relação a gênero e etnia, com menores recursos financeiros e nível educacional menor têm menor propensão ao envolvimento. Ademais, carece de atenção o risco da utilização dos mecanismos participativos institucionais, como modo de captação de votos e/ou de desenvolvimento de práticas clientelistas ou personalistas. Procedimentos metodológicos A presente pesquisa foi realizada por meio de um estudo de caso, técnica que se caracteriza pela investigação aprofundada de um objeto, de modo a permitir um maior conhecimento acerca do assunto. Quanto à sua utilidade, Gil (1996) diz que o estudo de caso é mais comum em pesquisas exploratórias, sendo recomendável em fases iniciais de pesquisas complexas por sua flexibilidade e também aplicado em situações em que o objeto de estudo já é suficientemente conhecido. De acordo com Almeida (2016, p. 60): “ O pressuposto é que o estudo intenso de um fenômeno complexo, segundo diferentes perspectivas, é capaz de revelar planos estrutu- rais que também podem ser encontrados em outros casos. Mais do que uma ferramenta específica de produção de dados, trata-se de uma estratégia que mobiliza diferentes metodologias, sobretudo as de caráter qualitativo (como observação participante, entrevistas em profundidade, histórias de vida etc.), mas também quantitativo (surveys, dados quantitativos secundários, mapeamentos etc.). Assim, a realização de uma pesquisa adotando a metodologia de estudo de caso exige, necessariamente, a utilização de algumas fontes para coleta de dados. Nos tópicos a seguir, são expostos aspectos pertinentes à delimitação do objeto desta pesquisa, com ênfase àqueles objetos especificamente investigados por meio de cada uma das três técnicas expostas neste tópico, bem como detalhes acerca das referidas técnicas. 164 Delimitação da pesquisa A pesquisa de campo foi realizada no município de Maringá, terceiro maior no estado do Paraná, o qual se destaca como polo de sua região metropolitana e possui, atualmente, 34 conselhos municipais em funcionamento, quais sejam (em ordem alfabética): Conselho da Cidadania de Maringá, Conselho de De- senvolvimento Econômico de Maringá, Conselho de Gestão Fiscal, Conselho de Segurança Pública de Maringá, Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habi- tação de Interesse Social, Conselho Gestor do programa Pró-Catador, Conselho Municipal da Cultura, Conselho Municipal da Juventude, Conselho Municipal da Mulher, Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Pro- fissionais da Educação, Conselho Municipal de Agricultura, Conselho Municipal de Alimentação Escolar, Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Conselho Muni- cipal de Combate à Poluição e de Defesa do Meio Ambiente, Conselho Municipal de Contribuintes, Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, Conselho Municipal de Desenvolvimento Social, Conselho Municipal de Editoração da Secretaria Municipal de Cultura, Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal de Esporte e Lazer, Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas, Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, Conselho Municipal de Proteção ao Consumidor, Conselho Municipal de Proteção e Bem-Estar Animal, Conselho Municipal de Saúde, Conselho Municipal de Transparência e Con- trole Social, Conselho Municipal de Transportes Públicos Urbanos, Conselho Municipal de Turismo, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Ado- lescente, Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Conselho Municipal dos Direitos do Idoso, Conselho Municipal dos Feirantes e Conselho Municipal Gestor do Fundo de Defesa do Consumidor. A fim de compreender a dinâmica de funcionamento destes conselhos, optou-se por selecionar alguns conselhos para realização de observação parti- cipante e aplicação de questionários, bem como de buscar contato com algum ente da administração pública que tivesse experiência conselhista para obten- ção de relato de trajetória. UNICESUMAR 165 Técnica utilizada Para Bruyne, Herman e Schoutheete (1982), o estudo de caso, visando reunir informações tão numerosas e detalhadas quanto seja possível, recorre às mais diversas técnicas de coleta de informações, que são igualmente variadas. Diante de tais considerações, adotou-se três distintas técnicas para a coleta de dados nesta pesquisa: aplicação de questionários, observação participante e entrevista com relato de trajetória de vida temática. Os questionários se compõem de conjuntos de perguntas elaboradas com vistas à coleta de informações específicas, de modo que podem conter questões objetivas e/ou discursivas, a depender do objeto e do problema de pesquisa sob investigação, podendo ser autoaplicáveis ou aplicados por um pesquisador/cole- tor (TEIXEIRA; ZAMBERLAN; RASIA, 2008; BARBETTA, 2011; KELLSTEDT; WHITTEN, 2015; LIMA, 2016; TORINI, 2016). De acordo com Gimenes (2019), a análise realizada com o objetivo de com- preender como as normas, os hábitos e os padrões sociais são vivenciados pelos indivíduos em sociedade compõe a técnica de observação participante. De acordo com Alonso (2016, p. 10), tal técnica “é um estudo das rotinas sociais, do que parece trivial e óbvio, mas que, por ser muito disseminado, estrutura as relações sociais”. Por fim, a técnica de pesquisa baseada na construção de narrativas de traje- tória de vida por meio de relatos pessoais é amplamente utilizada em estudos de áreas como Educação, Ciências Sociais, Sociologia e História, por exemplo. Nesse sentido, optou-se pela obtenção de um relato temático, o qual, segundo Spindola e Santos (2003), tem por objetivo apreender e compreender a vida conforme ela é relatada e interpretada pelo próprio relator, sendo que o recorte anteriormente destacado é imperioso, pois, conforme Queiroz (1988, p. 24), “[...] o aproveita- mento da biografia ou da autobiografia se faz no sentido de buscar como estão ali operando as relações do indivíduo com seu grupo, com sua sociedade”. Em se tratando dos objetos analisados, a observação participante foi utilizada em paralelo à aplicação dos questionários, uma vez que o relato apresentado neste artigo decorreu de um dos momentos que o acadêmico/autor participou de uma reunião de um dos conselhos de políticas públicas destacado. Com relação aos questionários, estes contemplaram 72 questões objetivas, cujas temáticas abordaram características sociodemográficas, modalidades de participação política, relação dos conselheiros com o Estado e/ou a sociedade 166 civil, cultura política (dados sobre refinamento político e adesão à democracia) e suas percepções acerca do funcionamento dos conselhos. Por fim, o relato temático de trajetória foi coletado junto a um(a) secretário(a) municipal que tem vivências tanto no âmbito da administração pública quanto acerca das dinâmicas dos conselhos e da gestão de organizações da sociedade civil. Conselhos de políticas públicas em Maringá: análise dos dados e interpretação dos resultados Em se tratando da pesquisa de campo, cabe, inicialmente,destacar os conselhos selecionados para aplicação de questionários, bem como as justificativas que le- varam às escolhas dos mesmos: dentre aqueles das áreas com maior estruturação em termos de políticas públicas nos níveis federal, estadual e local, investigou-se o Conselho Municipal de Assistência Social, de caráter obrigatório nos municípios brasileiros; também obrigatório, porém com menor estruturação, selecionou-se o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; optou-se pelo Conselho Municipal da Mulher dentre aqueles voltados a direitos de minorias por conta da organização sistemática e do destaque às lutas e pautas femininas; e, por fim, dentre os conselhos que pautam políticas públicas que não tratam exclusivamente de políticas sociais, escolheu-se o Conselho Municipal de Plane- jamento e Gestão Territorial, onde interesses de mercado também se destacam nas discussões. Em conjunto, os conselhos selecionados possuem 88 cadeiras. Para a aplicação dos questionários, os pesquisadores estabeleceram contato prévio com a Presidência dos conselhos e obtiveram aceite à participação nas reuniões, nas quais o questionário foi rapidamente explicado antes de sua en- trega aos respondentes. O instrumento de coleta de dados era autoaplicável e foi recolhido na reunião seguinte de cada conselho. Ao todo, obteve-se 23 respostas, as quais serão analisadas em conjunto, a fim de garantir o anonimato dos participantes da pesquisa. Contudo, antes da análise, cabe destacar o baixo interesse dos conselheiros em responder ao questionário, o que revela seu desengajamento ou ausência de preocupação em contribuir à me- lhoria das condições de funcionamento dos conselhos, uma vez que tal preocu- pação foi destacada quando da fala de sensibilização aos possíveis respondentes. UNICESUMAR 167 Recolheu-se respostas de 12 representantes do governo – sendo 9 do poder público municipal e 3 de outras esferas de poder (estadual ou federal) – e de 11 representantes da sociedade civil – 8 advindos de entidades sociais (movimentos, associações ou organizações da sociedade civil), 2 de sindicatos e 1 de usuários. Em se tratando do perfil dos conselheiros, 14 homens e 9 mulheres respon- deram, o que reflete a discrepância na composição dos espaços de participação investigados, uma vez que a observação quando da entrega dos questionários demonstrou disparidade na distribuição de cadeiras entre os sexos e, ademais, aplicou-se o questionário, inclusive, em um espaço em que havia apenas con- selheiras. Outro ponto de destaque, este positivo e captado pelas respostas, é a heterogeneidade dos conselheiros em termos de idade, sendo que se coletou respostas de indivíduos desde os 26 até 74 anos. Ademais, duas características do perfil sociodemográfico são elitistas: assim como no conselho, praticamente todos os respondentes são brancos (22); e 19 respondentes possuem ensino superior completo ou pós-graduação, o que se revela extremamente destoante com relação à taxa de altamente escolarizados no país e nos permite questionar quem define as políticas públicas municipais – será que, de fato, são aqueles que utilizam tais políticas? De modo geral, 20 respondentes se definiram como interessados por política e 22 entendem que a política é muito importante, enquanto 22 concordaram com a afirmação de que a política é complexa e deve ser deixada aos políticos. Entretan- to, se em termos de relacionamento com a política o segmento dos respondentes não os diferencia, ao lançar-se o olhar sobre a experiência de participação, o cenário é bem distinto: dentre os representantes do governo, praticamente todos circulam e/ou já circularam pelo conselho no qual foram entrevistados e/ou por outros por mais de uma gestão, além desta atual, o que significa o acúmulo de experiência e o desenvolvimento ainda mais apurado de habilidades relacionadas aos trâmites e termos legais específicos, por exemplo. Já entre os representantes da sociedade civil, a experiência é menor, especialmente por conta da limitação de mandatos e das especificidades das cadeiras destinadas em cada conselho, o que dificulta a circulação e, consequentemente, o desenvolvimento das habilidades destacadas entre os representantes do governo. Em se tratando dessa disparidade, também apontada pela literatura, destaco, a seguir, um trecho de minhas anotações de pesquisa de campo, das quais omiti 168 informações que possibilitassem a identificação do município, período ou con- selho sobre o qual trata o relato: “ Cheguei por volta de 15 minutos antes do horário previsto para o início da reunião e assisti à chegada, à movimentação e à organiza- ção dos membros e dos demais ouvintes. Conforme chegavam, os conselheiros me cumprimentavam sem questionamentos sobre a minha presença, o que me parecer um indício de que há rotatividade entre os ouvintes, pois não estranharam o fato de eu estar na sala onde ocorreria a reunião e não me abordaram em momento algum. Ainda com relação à maneira como adentravam a sala, percebi que os membros do conselho que representavam o governo chegaram com mais antecedência que os representantes da sociedade civil e que muitos chegaram em pares ou trios. Ao ocuparem suas cadeiras, demarcadas por placas identificadas nas mesas com nomes e seg- mento representado, pude perceber também que os representantes do governo ocupavam as cadeiras mais próximas à da presidência do conselho. Não me pareceu uma coincidência, principalmente por considerar o fato de que uma servidora do próprio órgão executivo municipal era responsável pela disposição dos assentos. Já os representantes da sociedade civil chegaram praticamente to- dos sozinhos, sentaram-se em suas cadeiras após cumprimentos corriqueiros e pouco se falavam, o que me pareceu um indício ex- pressivo de sua desarticulação enquanto segmento, ainda que eu estivesse observando, naquele momento, uma prática informal de sua convivência. [...] Iniciada a reunião pela presidência do conselho, o primeiro item de pauta foi a leitura da ata, de cujo conteúdo chamou-me a atenção imediatamente um trecho com o relato de que, na reunião anterior, que um conselheiro solicitou que os membros mais antigos do con- selho utilizassem uma linguagem menos técnica ao se manifestar nas reuniões, a fim de possibilitar que os novos membros entendes- sem de que se tratava suas falas. Ali percebi os apontamentos teóricos sobre os quais discorro como limitações de espaços de participação institucional materializados, UNICESUMAR 169 uma vez que um ponto negativo dos conselhos (e demais mecanis- mos de participação institucional) é a linguagem técnica que faz do espaço, que deveria ser dialógico, um lócus de concentração de poder e de informações. Tal solicitação representou a mim também uma clara estratégia dos membros mais antigos do conselho para concentrar o poder sobre as discussões e deliberações, uma vez que aqueles que não enten- diam o que estava em pauta pouco poderiam opinar, argumentar ou contribuir para a tomada de decisões. Ademais, considerando a disparidade entre os fatores que permeiam a permanência de representantes do governo e da sociedade civil nos conselhos – os primeiros podem ocupar diferentes cadeiras do segmento ao longo dos anos e participam das reuniões sem afetar sua condição salarial, já que majoritariamente o fazem em horário de trabalho e a serviço de seu empregador; os segundos abrem mão da realização de outras atividades, inclusive com restrições aos seus ganhos financeiros em alguns casos e têm sua participação circuns- crita ao nicho a que pertencem no interior do segmento da socieda- de civil – é de se esperar que aqueles que mais dominem a oratória e a terminologia técnica sejam os representantes do governo. Assim, mais articulados, dotados de domínio dos mecanismos buro- cráticos e com maior traquejo linguístico no ambiente dos conselhos, seriamuito difícil que os representantes da sociedade civil conse- guissem encaminhar pautas que não fossem de interesse do governo. De modo geral, os respondentes entendem que os conselhos são instrumentos democráticos de participação (21), mas também afirmam que o conhecimento técnico é decisivo para as deliberações (20) e que, apesar de não haver um grupo que domine as falas nas plenárias, os representantes do governo pautam em maior medida as reuniões (14), sendo que apenas entre alguns membros desse grupo se observou o sentimento de que podem influenciar as decisões do conselho, ainda que com menor expressividade (5). Com relação à vivência no âmbito dos conselhos, o(a) secretário(a) entre- vistado(a) afirmou que, a despeito das reuniões convocadas de maneira formal, ocorre também repasses de informações e realização de discussões em reuniões informais (denominadas internas), atividades que permitam constatar que mui- 170 tos que possuem vagas nos conselhos apenas ocupam o espaço, participam da reunião e assinam a ata, sem um envolvimento maior com tal instancia participa- tiva, o que significa que não desempenham o papel como deveriam. De maneira mais detalhada, verificou-se ao longo da vivência de mais de duas décadas que, se um determinado assunto não for de conhecimento do conselheiro, por vezes ele apenas ouve, não opina, e concretiza seu voto, quando é o caso, sem entender realmente a relevância ou não da discussão. Nas palavras do(a) entrevistado(a): “ Muitas organizações não têm ciência do real valor de participa- ção nos conselhos e apenas designam alguém como representante, sem considerar a real condição dessa pessoa para a situação a ser enfrentada. Querem ocupar o espaço, mas não têm pessoas quali- ficadas para se fazerem presentes em todos os conselhos nos quais precisam participar e, então, apenas definem alguém para ocupar o espaço sem clareza com relação à uma representação legítima, o que leva à ocupação de cadeiras nos conselhos por representantes que ali participam, em grande medida, por obrigação, mais do que por consciência de como podem influenciar as decisões e os rumos das políticas públicas como conselheiros. Para Sipioni e Silva (2013), é importante atentar-se para o fato de que a partici- pação nos conselhos se dá pela representação. Nesse sentido, somente uma socie- dade civil articulada, informada e ativa seria capaz de fazer chegar aos conselhos seus anseios e opiniões; caso contrário, a pessoa eleita para representar não terá representatividade alguma na esfera de decisões, sendo absorvida pelos interesses daqueles com maior capacidade de influência. Faria e Lins (2017) apontam que os indivíduos com estabilidade econô- mica, dotados de recursos organizacionais e capazes de compreenderem com maior facilidade as informações, independentemente do segmento que repre- sentam dentro de um conselho, são mais ouvidos, verbalizam suas posições com mais veemência e impactam mais no rumo das decisões tomadas. De acordo com o(a) entrevistado(a): “ [...] os conselheiros que promovem alguma articulação prévia a uma decisão importante são aqueles advindos da academia e que possuem maior capacidade de exposição oral e conhecimento do que defen- UNICESUMAR 171 dem ou representantes com vasta atuação no segmento pelo qual o assunto discutido é abarcado e que também manifestam uma postura pessoal e profissional pautadas na segurança e propriedade sobre o assunto. São pessoas que tem coragem de se expor frente ao grupo ou fora dele para buscar apoio ao posicionamento que defendem. Em termos empíricos, Faria e Lins (2017) afirmam ainda que não basta aos con- selhos apenas cumprir a paridade entre atores governamentais e da sociedade civil, pois o que se observa é que não há igualdade de vozes e isso resulta em certo desequilíbrio interno, uma vez que alguns setores se fazem representar por pessoas com conhecimento, com propriedade para falar e até mesmo conseguir impor sua opinião – quer porque ela seja forte e verdadeira ou por falta de opo- sição e questionamento –, enquanto outros setores, especialmente os usuários, mas também das organizações da sociedade civil, são representados por pessoas não empoderadas suficientemente para expressar os anseios do público que re- presentam, o que compromete a repercussão das decisões tomadas. De acordo com a experiência do(a) entrevistado(a): “ [...] na primeira participação em conselho o novo conselheiro não tem dimensão do tamanho de sua responsabilidade, do poder que lhe é atribuído, do quanto pode influenciar decisões abrangentes que se tornarão políticas públicas e terão impacto na vida de muitas pessoas. Essa consciência se constrói com o tempo, com a partici- pação em discussões de temas polêmicos, com a frequência em su- cessivas plenárias e reuniões de comissões, de modo que a vivência possibilita o engajamento e a compreensão do significativo papel do conselheiro no controle social. Desta maneira, constata-se empiricamente que a participação ativa contribui para um bom desempenho individual e, consequentemente, influencia a coletividade. Assim, a circulação de representantes do governo entre os conselhos lhes oferece maior vivência no âmbito de tais instituições participativas, o que reflete, no caso dos conselhos analisados nesta pesquisa, tanto na conformação das pautas quanto das deliberações, conforme destacado pelas respostas ao questionário. Para o(a) entrevistado(a): 172 “ A representação do usuário acaba comprometida quando o eleito para tanto não tem postura para se manifestar e está sujeito à opres- são da opinião de quem melhor se expressa. Além da manipulação, deve-se atentar também ao papel dos representantes governamen- tais, que fomentam a participação de seus aliados e correligionários, de modo que possam garantir resultados favoráveis em votações de temas polêmicos. Novamente, reforço que aqueles que detêm mais conhecimento do funcionamento do conselho e mais conhecimento técnico influenciam os demais, articulam e conduzem as votações de forma a obter resultado favorável à linha que defendem. [...] Conhecer a dinâmica do conselho, o que pode, o que deve, seus limites e como funciona tecnicamente é primaz para uma boa re- presentação. É importante destacar que a convivência dentro dos conselhos mostra que não é suficiente à pessoa ter experiência em gestão, por exemplo, para ser um bom Presidente, já que, especifi- camente essa função, requer vivencia dentro do conselho e conhe- cimento prático de seu funcionamento. Ainda sobre a questão do tempo despendido à participação em conselhos, este é recorrentemente mencionado como um fator complicador, já que além de reu- niões ordinárias e de comissões, de capacitações e de conferências, há também o envolvimento para a solução de problemas, que podem exigir visitas e discussões além do próprio conselho. Tal complicação afeta especialmente os representan- tes da sociedade civil e reforça a desigualdade da participação (PIRES, 2014; SILVA, 2018), já que representantes do governo participam, majoritariamente, das reuniões em seu horário de trabalho, o que não lhes gera custos adicionais, enquanto os demais cidadãos precisam despender tempo e recursos financeiros para o deslocamento e participação nas reuniões. Diante de tais resultados, pode-se inferir que, a despeito dos aspectos positivos relacionados aos conselhos de políticas públicas, neste estudo de caso realizado em um município brasileiro de médio porte, as debilidades do funcionamento de tal instituição participativa são claras e reforçam, de maneira empírica, aspectos teóricos abordados pela literatura que se debruça sobre o tema. UNICESUMAR 173 Considerações Finais O presente artigo buscou responder à questão: como funcionam os conselhos de políticas públicas em municípios brasileiros de porte médio? Para tanto, realizou- -se um levantamento da literatura existentesobre democracia, políticas públicas e instituições participativas, a fim de elaborar, de maneira mais específica, um qua- dro teórico acerca dos conselhos de políticas públicas, objeto desta investigação, que se debruçou sobre quatro casos em um município de médio porte brasileiro. Por meio de distintas técnicas de coleta de dados, foram reunidas as percep- ções de conselheiros, de um membro do poder público municipal e do acadêmico que assina este artigo acerca do funcionamento das referidas instituições, o que permitiu a sistematização de resultados apresentados na seção anterior. Nestas considerações finais, cabe retomar brevemente os principais resultados encontrados, quais sejam: [a] baixo interesse e engajamento dos conselheiros em contribuir para melhorar a dinâmica de funcionamento das referidas instituições participativas; [b] elitismo entre os respondentes (homens, brancos, com alta escolarização) e concentração da experiência entre representantes do governo; [c] dificuldade dos representantes da sociedade civil de compreenderem e de participarem, com qualidade, dos conselhos; e [d] necessidade de repensar o quão democráticos, de fato, são os conselhos de políticas públicas brasileiros, tendo como exemplo este estudo de caso realizado em um município de médio porte. Diante do exposto, os resultados permitem concluir que, a despeito da lite- ratura afirmar que as instituições participativas se constituem como exemplo de ampliação dos espaços de promoção de engajamento popular na discussão sobre ações e políticas públicas e, em conjunto com outras modalidades de participa- ção, contribuem para a pluralização de vozes e de possibilidades de acesso dos cidadãos ao Estado, quando se debruça sobre seu funcionamento no âmbito local, aspectos como dificuldade de articulação entre os representantes da sociedade civil, concentração do conhecimento sobre a dinâmica das reuniões, a linguagem técnica e distribuição desigual de recursos financeiros e de tempo disponível dificultam sobremaneira a participação dos representantes da sociedade em tais espaços, de modo que se encontra ainda incipiente o caráter democrático difun- dido na literatura e na legislação pertinentes aos conselhos de políticas públicas. 174 REFERÊNCIAS ALMEIDA, D. R. 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São Paulo: Serviço Social do Comércio/Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 2016. p. 52-75. 178 A ADESÃO AUTOMÁTICA NA PREVIDÊNCIA PRIVA- DA: POLÍTICA PÚBLICA DE INDUÇÃO A UM COM- PORTAMENTO PREVIDENTE Deomar Adriano Gmach Monica Cameron Lavor Francischini Visando adequar a previdência social ao novo cenário econômico e político que cerca o Brasil, é necessário que o gestor público conheça ferramentas que, se do ponto de vista privado são mais eficientes e geram maior circulação do capital, do ponto de vista social conseguem manter o desiderato mor da previdência social. Qual seja: proteger o cidadão em suas mazelas. Nesse sentido, o presente artigo visa apresentar e discutir a ferramenta estuda- da pela economia comportamental que, aplicada à condução da política pública da previdência social, pode atingir esse fim. Sendo assim, o artigo começa trazendo uma breve análise do desenvolvi- mento da Previdência social ao redor do mundo, com o objetivo de demonstrar como fatores econômicos impactam na construção e manutenção do modelo previdenciário de um País. Logo após relacionar direito e economia no contexto da previdência social, o texto se preocupa em demonstrar como o gestor público pode observar os efeitos dessa correlação. O desenvolvimento das diversas discussões em torno do Wel- fareStates (Estado do bem-estar social) demonstra que este é um fenômeno que, para além de ser visto sob seu aspecto econômico e seu aspecto jurídico, deve ser visto pelo seu aspecto social; de implementação de políticas públicas. Se para o economista o desenvolvimento do WelfareStates se relaciona com política macroe- conômica; para o gestor público, o Estado do bem-estar social serviu de chancela para validar uma gama enorme de políticas públicas de distribuição de rendas. UNICESUMAR 179 Embora o Welfarestates, em sua vertente mais garantista, tenha servido de parâmetro para a criação do nosso atual modelo previdenciário, as várias alte- rações econômicas, políticas e culturais pelas quais o Brasil passou demonstram que é necessária uma revisitação ao modelo previdenciário, visando adequá-lo. Nesse sentido, o artigo passa a discutir a evolução da previdência privada no Brasil, com o objetivo de demonstrar que essa pode também ser utilizada como ferramenta para promover o bem-estar social dos indivíduos, uma vez que, ao lado do modelo público, deve ser considerada um direito social. Fixadas as premissas da posição Constitucional da Previdência privada (ou complementar) e da sua importância para a sociedade e para a economia de um País, o artigo apresenta um problema sério que assola o Brasil: o problema da falta de cultura de poupança que tem o Brasileiro. O comportamento imprevidente do brasileiro desembocará, na velhice, na seguridade social (seja na previdência, seja na assistência social ou mesmo na saúde). A previdência complementar pode (deve) ser usada para combater este problema, vez que o acúmulo de riqueza, dentro de um plano de previdência pri- vada, para além de criar riqueza para o indivíduo evitando a miséria na terceira idade, fomenta a riqueza de seu País. É na economia comportamental que o gestor público encontrará ferramentas para, por meio da previdência privada, criar políticas públicas que estimulem um comportamento previdente no cidadão, visando mitigar efeitos deletérios da miséria na terceira idade. Com base nessa premissa, o artigo passará a falar um pouco sobre economia comportamental. Essa, estudando o comportamento econômico dos indivíduos, catalogou vários vieses cognitivos que podem preju- dicar a tomada de decisão do indivíduo. Dentre esses vieses, encontram-se o viés do status quo, o qual será melhor abordado ao longo do texto. Em previdência privada, o viés do status quo tem como consequência de- sestimular a participação do indivíduo nesse tipo de “investimento”, sendo um dos motivos pelos quais o Brasil possui um nível baixo de investimentos em previdência privada. A previdência privada, no Brasil, funda-se no princípio da facultatividade, ou seja, é não obrigatória, demandando que o indivíduo tome por si próprio a decisão de se filiar a um plano de previdência. É nesse momento que a vontade de permanecer inerte, de permanecer no status quo prevalece. Investir em previdência privada requer que o indivíduo faça todo um esforço cognitivo, buscando entender os prós e os contra de uma decisão sua. Em vez de fazer esse 180 esforço, buscando uma posição que traga mais conforto na velhice, os indivíduos tendem a permanecer inertes. Nesse sentido, a economia comportamental, visando combater esse viés cog- nitivo, criou ferramenta que pode estimular o cidadão a tomar outra direção. É através dos Nudges, ou pequenos empurrões, que o gestor público ajudará o cidadão a tomar melhores decisões. No âmbito da previdência privada, é possível visualizar a aplicação de Nudge no incremento de políticas de adesão automática a um plano de previdência. No último tópico, será abordado como o Governo Federal, por meio da Lei nº 13.183/2015, implementou a ferramenta da adesão automática na previdência privada do servidor público. O objetivo será demonstrar para o gestor público como essa ferramenta, para além de fomentar a Previdência privada como meio de incremento à previdência pública, pode ser usada para fomentar a economia regional e promover proteção social aos indivíduos na velhice. Breve análise histórica sobre a previdência social A previdência social – política pública que visa atender o cidadão quando este venha a sofrer com alguma contingência social que lhe impeça gerar renda para a manutenção da sua família – é fruto das intensas transformações pela qual o mundo vem passando desde o início da revolução industrial. O modelo de previdência, inicialmente proposto, foi apresentado ao Mundo por Otto Von Bismark, na Alemanha do século XIX. A previdência social teve início devido às fortes pressões políticas que cercavam o Chanceler de Ferro, após um ciclo de guerras do antigo Império Prussiano, visando à unificação da Ale- manha. Otto Von Bismark, vendo os movimentos sociais e o Partido Comunista ganhar força, propôs, visando manter-se no poder, a partir de 1883, uma série de Leis que protegiam a classe trabalhadora quando esta se encontrava impos- sibilitada de trabalhar.O modelo Bismarkiano, no entanto, guardava algumas peculiaridades. Dentre elas, cita-se o fato de não ser universal (não ser extensível a todos, mas somente aqueles que contribuíam para o sistema) e o fato de ter pouquíssima participação estatal. O modelo de proteção social implantado por Bismark, de fraca participa- ção estatal e forte intervenção privada, começa a perder força com o declínio UNICESUMAR 181 do Laissez-faire1. A partir do fim da primeira Guerra, o mundo percebe que é necessária uma maior intervenção estatal na proteção do cidadão. Fruto dessa visão é a Constituição Mexicana (1917) e a Constituição Alemã (1919) que determinam, já em seu bojo, uma forte participação estatal na proteção dos indivíduos (BOLLMANN, 2009). Outros dois marcos importantes na guinada da previdência como política pú- blica de proteção social é a intervenção dos Estados Unidos na economia pós crise de 1929 e, na Inglaterra, o Plano Beveridge de 1942. O plano apresentado pelo Lord Willian Henry Beveridge propunha um amplo e complexo sistema de pro- teção social, universal, que visava atender toda a população não somente em suas contingências previdenciárias, mas também de saúde e de Assistência Social. Estão aí lançadas as premissas do que se convencionou chamar de Seguridade Social2 Embora tenha sido esse o modelo adotado pela Constituição Federal Brasi- leira em seu texto original (um modelo amplo de proteção social), uma rápida olhada pelos eventos políticos e econômicos, nesta seara, ao redor do mundo e no Brasil nos últimos 20, 30 anos, é possível observar que várias mudanças aconteceram. Cite-se, a título ilustrativo, as reformas previdenciárias ocorridas na Alemanha (1992, 2007, 2014), Suécia (1994, 1998) e Japão (1994, 2000, 2016). Se o modelo Beveridgiano, de forte intervenção estatal, por si só, não se susten- ta mais, o retorno a um modelo Bismarkiano, de fraca ou nenhuma intervenção estatal, também não parece ser a melhor resposta para as mazelas da sociedade. Política pública e previdência social O Estado do bem-estar social, ou Welfarestate, do ponto de vista econômico, é política de macroeconomia. No campo macroeconômico, foram as ideias do Britânico John Maynard Keynes que introduziram essa política na economia Norte Americana pós crise de 1929. 1 Expressão francesa usualmente utilizada para simbolizar a versão mais pura do liberalismo econômico. Nessa versão, o mercado deve funcionar livremente, sem nenhuma interferência estatal nas taxas, nas subvenções ou dando subsídios ao mercado. O mercado, por essa versão, deveria ter regras que dissessem respeito apenas ao direito de propriedade. 2 Pelo artigo 194 da nossa atual Constituição, a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 182 Em apertada síntese, Keynes entendia que o capitalismo individualista ba- seado no laissez-faire trazia instabilidades macroeconômicas permanentes que teriam como consequências pioras progressivas na distribuição de renda (ponto de vista econômico) e favorecia uma classe financista, especuladora e rentista (ponto de vista político). A saída então seria um aumento da intervenção pública controlando a oferta de moeda e de crédito e oferecendo políticas públicas que favorecem a distribuição de renda. Para Keynes, a solução para as crises econô- micas seria a expansão da riqueza, por meio da implantação de suas políticas, de tal forma que o dinheiro na sociedade existisse de maneira tão abundante que o mundo entraria em um status de felicidade universal onde todos usufruiriam de tudo de bom que a vida tem a oferecer (ALMEIDA, 2010). A crítica, dentre as várias possíveis, que se faz a esse pensamento, é que não é criando dinheiro fantasiosamente que se resolverá os problemas econômicos do mundo3. Por outro lado, o caractere de ofertas de políticas públicas que favoreçam a distribuição de renda da teoria Keynesiana oportunizou um complexo desen- volvimento intelectual da teoria do Estado do bem-estar social, no campo das ciências sociais e da Política. Como bem observa Marcelo Medeiros (2001, p. 7): “ Além de instrumento de política macroeconômica, o WelfareState é também um mecanismo de regulação política da sociedade. A partir do momento em que a negociação coletiva dos níveis salariais e das condições de trabalho se generaliza na sociedade, o processo de barganha entre capitalistas e trabalhadores passa a ser tratado como assunto público. A par de qualquer crítica que se queira fazer das ideias econômicas de Keynes, é inegável que, no campo das políticas públicas de distribuição de renda e diminuição das desigualdades sociais, o Welfarestate proporcionou uma guinada no processo de barganha entre capital e trabalho em prol de um maior equilíbrio social. 3 Exemplo histórico é o da crise de 1929 nos EUA. O sistema de reserva fracionária praticado pelo FED (prática hoje adotada na maioria dos países do mundo, que permite aos bancos fazerem empréstimos ou investimentos em valor muito superior ao valor dos depósitos sob sua guarda, desde que mantenham como reserva uma determinada fração do valor desses depósitos) acabou sendo uma das dinamites da crise. Em 1929, com o grande crash, as pessoas não encontraram o seu dinheiro nos bancos, pois ele simplesmente não existia (ROQUE, 2017). UNICESUMAR 183 De acordo com Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 241), políticas públicas “são programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, afirma que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos. Visando esses objetivos é que o artigo 6º da referida Constituição apresenta uma série de direitos sociais que devem ser implementados pelo Estado na busca desse desiderato. Dentre esses direitos sociais, encontra-se o direito à previdência social. Nesse sentido, a Previdência Social é um objetivo socialmente relevante e politi- camente determinado, que deve ser promovido por meio de ações governamentais. Contudo, como já mencionado, tendo em vista as mudanças paradigmáti- cas que atingem o arcabouço estrutural da previdência social, é preciso que a implementação de políticas públicas nessa área tenha também capacidade de evolução, de desenvolvimento. Como bem menciona Cristiane Derani (2009, p. 131), o desenvolvimento de políticas públicas se deve ao “fenômeno oriundo de um determinado estágio de desenvolvimento da sociedade. É fruto de um Estado complexo que passa a exercer uma interferência direta na construção e reorientação dos comportamentos sociais”. Assim como há uma estreita relação entre o fenômeno econômico e o fe- nômeno social, existe uma estreita relação entre políticas públicas e os direitos previdenciários. “Políticas públicas podem ser vistas como estratégias para con- solidar os direitos previdenciários previstos na Constituição e nos demais atos normativos do Estado” (REYMÃO; CAÇAPIETRA, 2018). Se a ideia do Constituinte originário, baseada em todo um fundo social e econômico daquela época, era a criação de um forte mecanismo de proteção social, com baixíssima intervenção privada, para atingir objetivos socialmente relevantes, as próprias reformas constitucionais pelas quais tem passado o Es- tado Brasileiro (verba gratia, Emenda Constitucional nº 20/98) mostram que é necessário uma reflexão a respeito da proteção previdenciária do indivíduo, adaptando-a a uma nova realidade econômica, sem, contudo, esquecer-se das premissas Constitucionais assumidas pelo Estado. 184 O caráter social da previdência complementar A seguridadesocial, após ser elevada ao nível constitucional pela atual Consti- tuição Brasileira, serviu para o fortalecimento dos direitos sociais albergados em seu âmago. Nesse sentido, a previdência social, direito social que junto da saúde e da assistência social compõem o arcabouço protetivo da seguridade social, ganhou especial destaque no texto Magno. Os direitos sociais previdenciários garantidos na Constituição ajudaram na construção, que perpassa o discurso retórico e atinge com objetividade material toda a população brasileira, da noção cultural de Constituição cidadã. A previdência privada4, no limiar de outubro de 1988, não mereceu tanto destaque assim. O texto Constitucional originário trazia, em seu artigo 201, pa- rágrafo 7º e 8º, a previdência privada como um apêndice da previdência pública. Contudo, tal cenário mudou em 1998, com a promulgação da Emenda Cons- titucional nº 20. A referida emenda, ao suprimir os incisos 7ª e 8ª do artigo 201, os quais tratavam da previdência privada no mesmo escopo da previdência pública, deu àquela primeira um artigo inteiro na atual Constituição, qual seja: o artigo 202. Neste momento, é importante observar que o artigo 194 da Constituição Federal assevera que a Seguridade social é um conjunto de ações que, além de demandar iniciativas do Estado, demanda também da sociedade. Com a nova redação do artigo 202, a previdência privada esta inserida, de forma autônoma, na seção Constitucional que cuida da Previdência social. Pas- sando, ainda, a integrar o sistema de Seguridade social. Nesse sentido, quando se fala em Previdência, como política pública garan- tidora de direitos sociais, é necessário compreender que estar-se-á a falar da previdência oferecida e gerenciada pelo Estado de maneira obrigatória (leia-se: Regime Geral de Previdência Social e Regimes Próprios de Previdência Social) e pela oferecida pelos particulares no regime de previdência complementar - em especial a oferecida pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar EFPC - (BARROS, 2012). 4 Embora a Constituição Federal utilize a denominação Previdência Complementar para se referir ao modelo previdenciário complementar ao modelo público, é muito comum a doutrina utilizar também da denominação Previdência privada para expressar o mesmo cenário. No presente trabalho, as duas nomenclaturas serão utilizadas indistintamente. UNICESUMAR 185 Importante observar também que, entendendo que o artigo 194 da Consti- tuição Federal conclama que toda a sociedade, em conjunto com o Estado, deve participar das ações de seguridade social, não resta incompatível a participação da iniciativa privada na concretização dessas políticas. Desta forma, não é difícil compreender o caráter social da previdência privada (MARTINS, 2018). Por derradeiro, partindo das premissas aqui expostas, quando da leitura do artigo 6º da Constituição Federal, deve-se entender que dentro do direito social à previdência está inserido a previdência pública e, de maneira complementar, a previdência privada. Algumas considerações sobre a previdência complementar como direito social Como já mencionado, a Previdência Social no Brasil, enquanto direito social constitucionalmente garantido, subdivide-se em um modelo público e em um modelo privado. Dentro do modelo privado ainda existe outra classificação muito relevante: a que divide a previdência complementar em aberta e fechada. As entidades abertas de previdência complementar são acessíveis a qualquer pessoa física, não obstante à possibilidade de existir planos coletivos de previdência complementar aberta. São operadas - necessariamente - por sociedades anônimas, não obstante à equiparação feita pelo artigo 36 da Lei complementar nº 109/2001 às sociedades seguradoras que operem exclusivamente no ramo vida (REIS, 2014). As entidades fechadas de previdência complementar somente são acessíveis a indivíduos que possuam um vínculo empregatício, estatutário ou associativo com determinadas pessoas jurídicas. As referidas entidades são constituídas por funda- ções ou sociedades civis e o fim último dessas entidades é, de fato, previdenciário; é formar um capital para gozo futuro, não possuem finalidade lucrativa (REIS, 2014). No Brasil, as entidades abertas de previdência complementar não passam de meras oferecedoras de produtos bancários. Uma vez que, ao oferece-los a qual- quer pessoa física, o seu objetivo maior é o lucro, tendo a manutenção da quali- dade de vida do beneficiário na velhice como fim secundário. Como bem esclarece o professor Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub (2005, p. 94): “a correta classificação das entidades [entre abertas e fechadas] é 186 importante, pois os objetivos de cada segmento são característicos, e influenciam deveras no aspecto jurídico”. Entre as várias outras diferenças que poderiam ser apontadas para diferen- ciar Entidades abertas e Entidades fechadas de Previdência privada, as anterior- mente apresentadas são suficientes para entender que as entidades abertas de previdência complementar, no Brasil, são meros produtos bancários, devendo receber o suporte legal concedido no tratamento da relação advinda da compra de um produto bancário.5 Por seu turno, são as entidades fechadas de previdência complementar (e todo o arcabouço de normas e relações subjacentes) que devem ser consideradas como ferramentais úteis a concretização dos direitos sociais. Por questões pedagógicas, no presente trabalho, quando a abordagem se refe- rir à Previdência privada como concretizadora de direitos sociais, não será feita a diferenciação anteriormente narrada. Contudo, ela é necessária para se evitar confusões científicas. O papel da previdência complementar para a economia e para a sociedade O caráter contributivo do modelo de previdência adotado no Brasil – seja ela pública ou privada – salta aos olhos na análise de seus contornos Constitucionais. A distinção primordial entre as três políticas da seguridade social (saúde, assis- tência e previdência), do ponto de vista contributivo, é que a saúde é de acesso universal e independe de qualquer tipo de contribuição. A assistência social será oferecida a quem dela necessitar, ainda que sem contrapartida direta. Por seu turno, a previdência social – indiferente se pública ou privada – só será fornecida àqueles que contribuírem para tanto. A previdência pública tem como objetivo proteger o cidadão de certos riscos sociais que o atinjam. Para Fabio Zambitte Ibrahim (2011, p. 28), riscos sociais devem ser vistos “como todo evento coberto pelo sistema protetivo, com o intuito de fornecer ao segurado algum rendimento substituidor de sua remuneração, como indenização por sequelas ou em razão de encargos familiares”. 5 Talvez por isso a atual súmula 563 do STJ esclarece que: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas.” UNICESUMAR 187 No atual ordenamento constitucional, os riscos sociais protegidos pela pre- vidência estão descritos no artigo 201 da Carta magna.6 Ainda que não se nega a incomensurável importância da previdência pública para o brasileiro, uma observação deve ser feita: os benefícios pagos, principal- mente pelo RGPS7, sofrem limitações, não representam, na inatividade, o real ganho do trabalhador na atividade. De acordo com a Portaria 9/2019, salvo as exceções previstas em lei, nenhum benefício pago pelo RGPS pode ter valor su- perior a R$ 5.839,45 (cinco mil, oitocentos e trinta e nove reais e quarenta e cinco centavos). Tal limite se justifica, pois o objetivo do modelo público é “manter os meios necessários para a manutenção do trabalhador e de sua família, mas não o padrão de vida do mesmo, adquirido na ativa” (IBRAHIM, 2011, p. 770). Caso o cidadão deseje manter o referido padrão de vida deverá, por sua conta, buscar tal objetivo. Uma vez que este foge ao proposto pelaprevidência pública. Daí a importância da previdência complementar que, de acordo com o artigo 202 da Constituição Federal – além de possuir natureza facultativa e ser autônoma em relação ao modelo público –, visa complementar os benefícios concedidos por este último (IBRAHIM, 2011). Desse modo, um papel importante da previdência com- plementar é propiciar ao indivíduo, por meio da criação/fomento de uma poupança pessoal, a manutenção da sua qualidade de vida quando da sua aposentadoria. Contudo, é importante observar que os benefícios da Previdência complementar extrapolam os sujeitos diretamente envolvidos e podem favorecer toda a socieda- de. Diferentemente do modelo público, que funciona sobre o regime de repartição simples, o modelo privado funciona sobre o regime da capitalização. “No regime de capitalização (funding), cada pessoa forma um fundo (individual ou coletivo) onde são investidos pecúlios destinados exclusivamente à sua aposentadoria, havendo extratos individuais dos valores capitalizados” (WEINTRAUB, 2005, p. 51-52). 6 Segundo o artigo 201 da Constituição Federal, somente são protegidos os seguintes riscos sociais: doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio- reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes. 7 Nos regimes próprios de Previdência Social, regulamentando pelo artigo 40 da CF, ainda é possível o pagamento de benefícios em valores superiores ao teto do RGPS. A regra Constitucional, estabelecida pelo artigo 40, §14 é que os benefícios pagos pelo RPPS só poderão sofrer a limitação do teto do RGPS a partir do momento que o Ente público criar Regime de Previdência Complementar que complemente os valores pagos pelo RPPS já com a devida limitação. Embora no âmbito federal a Lei nº 12.618/2012 já tenha criado o Regime de Previdência Complementar para os servidores públicos dos 3 poderes, ainda existem muitos Estados e Municípios que não cumpriram o preceito Constitucional. 188 Nesse sentido, além de buscar promover uma melhor qualidade de vida na velhice, a previdência privada, por meio do estímulo ao acúmulo de capital e seu in- vestimento, pode promover as seguintes vantagens para a sociedade como um todo: “ • Criação de Poupança estável de longo prazo, com geração de inves- timentos e empregos, promovendo o desenvolvimento econômico e social do País, substituindo a necessidade de endividamento externo; • Desenvolvimento da cultura previdenciária, com o objetivo de cons- cientizar a população acerca da importância de planejar o futuro; • Ampliação e melhoria da proteção social; • Poupança com finalidade social para recebimento de renda pre- videnciária na aposentadoria; • Desenvolvimento da Economia, possibilitando investimentos em infraestrutura, surgimento de novas empresas e geração de empre- gos, diretos e indiretos, com inclusão social (BRASIL, 2014, p. 20). Parece haver um consenso entre os estudiosos a respeito dos benefícios da pre- vidência privada para a sociedade. Maria Cibele de Oliveira Ramos (2005, p. 23), afirma que: “ O desenvolvimento da previdência privada, propicia o desenvolvi- mento econômico e social da sociedade. Por meio da capitação de recursos, é sua capitalização, busca o desenvolvimento econômico que desembocara em uma melhor qualidade de vida de todos os cidadãos. Em obra coletiva sobre o assunto, Adacir Reis, Ana Carolina Ribeiro de Oliveira Mendes e Lara Correa Sabino Bresciani reconhecem a importância da previdência privada para toda a sociedade brasileira, e fazem esse reconhecimento baseado em duas premissas básicas, quais sejam: a) O modelo privado constitui um importante mecanismo de poupança aos trabalhadores brasileiros com finalidade de proteção previdenciária, e b) a previdência privada impulsiona a economia nacional por meios dos investimentos que realiza (BRESCIANI; MENDES; REIS, 2017). UNICESUMAR 189 O problema da poupança interna brasileira Em meados de 2015, o Brasil possuía, em reservas de poupança interna repre- sentada por investimentos em fundos de pensão, algo em torno de 250 mi- lhões de dólares. Isso, em valores absolutos, pode representar uma cifra alta. No entanto, se comparado com o PIB produzido em solo brasileiro, esse valor representa apenas 12% deste. Quando essa mesma comparação é feita com outros países, descobre-se que a Colômbia poupa cerca de 19,8% de seu PIB, que a Jamaica poupa 21,7% do seu PIB, a Austrália poupa 113,1% do seu PIB e que os moradores dos Países Baixos poupam incríveis 161,1% do seu PIB (CARVALHO, 2015). Foi-se ao extremo nessa análise de dados (de Países me- nos desenvolvidos aos mais desenvolvidos) para se evitar o discurso falacioso de que a falta de cultura de poupança do brasileiro está intrinsecamente ligada com as condições sociais e econômicas do País. A previdência privada, além de desempenhar importante papel na formação da poupança interna, pode ajudar muito no desenvolvimento econômico de uma nação, na medida em que os seus recursos podem ser canalizados, para além do mercado financeiro, também para o setor produtivo. No entanto, para que isso ocorra, é relevante o papel do Estado no incremento de políticas e ações governa- mentais que, além de incentivar o uso produtivo do dinheiro investido, trabalhe no fomento dessa cultura de poupança (AMARAL et al., 2004). O problema cultural da falta de pensamento de longo prazo do brasileiro vai além de ser somente um problema econômico, reflete diretamente na esfera social. Poupando pouco, o indivíduo terá poucas fontes - ou nenhuma - para se socorrer em um evento futuro e imprevisível. Tal situação desembocará diretamente no sistema de seguridade social, seja na saúde, na previdência pública ou na assistência social. Objetivando achar saídas, ou mecanismos que mitiguem tal efeito, o jurista não deve se utilizar somente do ferramental proposto pelo direito. Deve também se socorrer do ferramental econômico. “ O Direito é, por excelência, um indutor de condutas; [...] a inter- seção entre os fenômenos econômicos e jurídicos deve perseguir o mesmo ideal de todas as áreas do conhecimento, qual seja, pro- mover a justiça e a equidade do sistema social como um todo (PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 17). 190 O nudge e a tomada de decisão Está ultrapassado nos estudos econômicos a ideia de que o indivíduo, como ser racional que é, toma sempre a melhor decisão do ponto de vista econômico. É fácil compreender como a irracionalidade humana impacta nas decisões econômicas quando se constata, por exemplo, a aversão dos indivíduos, ainda que irracional do ponto de vista econômico, a perdas. No exemplo do jogo de cara ou coroa, temos dois cenários: no primeiro, se der cara, o indivíduo ganha R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), e se der coroa, o indivíduo perde R$ 100,00 (cem reais). No segundo cenário, se der cara o indi- víduo ganha R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) e se der coroa ele perde os mesmos R$ 100,00 (cem reais). Estudos demonstram a inclinação das pessoas pelo segundo cenário, ainda que as chances de perda sejam as mesmas, haja vista a sua aversão a perdas (ECONOMIA COMPORTAMENTAL, 2019). O que, do ponto de vista da economia clássica, não faz o menor sentido. A econômica comportamental, utilizando a psicologia para explicar esses desvios no comportamento racional humano, tem servido de suporte acadêmico para os mais variados estudos, inclusive no implemento de políticas públicas. Na tomada de decisão, objetivando maximizar os retornos, o sujeito deve considerar uma grande quantidade de informações e relacioná-las de maneira sistêmica, tendo como suporte para tanto a sua limitada racionalidade. Da es- sência do ser humano, é bastante comum o uso de atalhos para, de forma prática e como melhor custo benefício, chegar-se a decisões de qualidade. Ocorre que, em determinadas situações, o emprego de atalhos pode levar o indivíduo a acei- tar como verdadeira uma hipótese única e simplesmente por ser a de mais fácil compreensão, permanecendo, assim, o indivíduo em erro, mesmo este estando convicto do acerto de sua decisão (TABAK; AMARAL, 2018). Essa redução do esforço cognitivo, essa tomada de atalhos, acaba geran- do vieses de pensamento (viés cognitivo). Um círculo vicioso de tomadas de decisões que desconsidera a lógica ou a probabilidade sobre fatos pretéritos, violando, costumeiramente, a racionalidade e produzindo decisões ruins. (REY- MÃO; CAÇAPIETRA, 2018). UNICESUMAR 191 “ Com os diversos estudos sobre vieses da cognição, percebe-se que (i) pessoas agem irracionalmente de forma sistemática e previsível e (ii) pequenas intervenções, mesmo as mais sutis, podem fazer a diferença para neutralizar os efeitos negativos dos vieses (TANGE- RINO; CABRAL; OLIVE, 2018, p. 326-367) Em se tratando de políticas públicas, são vários os vieses que podem influenciar na tomada de decisão do sujeito. Dentre eles, os principais são os seguintes: viés da confirmação, viés da ancoragem, viés do enquadramento, desconto hiperbó- lico, viés da retrospectiva, viés da ação, heurística de disponibilidade, excesso de confiança e viés do status quo (TABAK; AMARAL, 2018). O viés do status quo está intrinsecamente ligado com a inércia. Frente à ne- cessidade de se tomar uma decisão, em que o indivíduo não tenha a menor ideia do que escolher, ele adotara a escolha padrão dentre as oferecidas. Quanto mais incerto está o indivíduo, maior é a sua propensão ao default (BIJOS; FRANCO; TABAK, 2017). Ainda que de forma imperceptível, frente a uma tomada de deci- são, os indivíduos tendem a manter o status atual, ao menos que os resultados de uma mudança sejam expressivos a priori e de fácil compreensão. Dessa forma, o viés decisório pelo status quo pode gerar escolhas (sendo a inércia uma escolha) irracionais (TABAK; AMARAL, 2018). Na implementação de políticas públicas, visando promover pequenas inter- venções para propiciar a redução do viés do status quo, mostra-se interessante os estudos propostos pelo economista, vencedor do prêmio Nobel de 2017, Richard H. Thaler. O referido economista, ao propor o uso de ferramentas da psicologia no estudo da economia (Economia Comportamental), apresentou ao mundo o conceito de Nudge. Richard H Thaler, após descrever o motivo por ter substituído o termo pa- ternalismo libertário por Nudge, o exemplifica da seguinte forma: “Se alguém nos pergunta como chegar à estação metropolitana mais próxima e lhe damos as indicações corretas, estamos a agir paternalisticamente [...]. Usamos a palavra libertário como adjetivo que significa tentar ajudar desta maneira, mas sem res- tringir as escolhas” (THALER, 2016, p. 230). 192 Em uma possível tradução para o português, Nudge pode ser lido como “em- purrãozinho”, um “gatilho” para incentivar um comportamento econômico no indivíduo. “Os nudgessão técnicas de controle comportamental que podem ser utilizados por instituições púbicas ou privadas com o fito de alcançar determi- nados objetivos sem colocar em prejuízo a liberdade do indivíduo que é o alvo” (SOUZA; RAMOS; PERDIGÃO, 2018, p. 234-250). Com relação à defesa de Richard Thaler sobre se os empurrões promoveriam um paternalismo (influência direta na tomada de decisões), o que seria incom- patível com a sua utilização pelo Estado na implementação de políticas públicas, tendo em vista a necessidade de se preservar a autonomia do indivíduo em sua tomada de decisões, é importante observar que: “ O nudgeé compatível com a democracia brasileira e pode ser aplicado desde que sejam respeitados os princípios constitucionais e democrá- ticos. Dessa forma, é necessário afastar qualquer ação que possa ma- nipular o pensamento e as atitudes do cidadão, ele deve ser livre para optar por qual caminho seguir, ou seja, a sua liberdade deve estar em primeiro lugar. Para isso, é necessário que o caminho a ser percorrido até se implantar o nudgeseja guiado pelo Princípio da Transparência, informando a sociedade dos objetivos esperados, requerendo a opinião dos cidadãos e demonstrando os resultados alcançados “permitindo ao cidadão o acesso às informações não apenas individuais, mas de interes- se coletivo e difuso (SOUZA; RAMOS; PERDIGÃO, 2018, p. 234-250) Exemplo que deixa claro a não interferência direta de empurrõezinhos da tomada de decisão do indivíduo é o da Lei nº 10.982/2016 do Município de Belo Hori- zonte, que atenta aos males para a saúde do consumo excessivo de sal, decidiu restringir (mas sem proibir) o uso de sal nos estabelecimentos comerciais da Ci- dade. Pela referida Lei, bares, restaurantes, lanchonetes e similares estão proibidos de disponibilizar sal aos clientes de maneira indiscriminada. Caso algum cliente deseje consumir sal, ele deverá solicitar ao estabelecimento, que disponibilizará o produto em saches individuais, evitando a exposição excessiva e desestimulando o seu consumo (SOUZA; RAMOS; PERDIGÃO, 2018). Trazendo para a discussão aqui proposta, é possível constatar que, no campo da Previdência Privada, a Lei nº 13.183/2015 foi um Nudge ao fomento da cultura de poupança do Brasileiro. UNICESUMAR 193 A adesão automática como política pública indutiva A Previdência Privada, de acordo com o “caput” do artigo 202 da Constituição Federal, é facultativa. O cidadão precisa manifestar o seu interesse para poder participar de um fundo de pensão, poupando, assim, dinheiro para um evento futuro. Isto é, o cidadão precisa fazer um esforço mental para tomar a decisão de participar ou não de uma previdência complementar. Fernando Henrique Correa Custódio (2015) defende que o caráter facultativo da previdência privada decorre de seu caráter complementar em relação ao regime geral da previdência social. Entretanto, no âmbito da previdência privada dos servidores públicos fede- rais, instituído pela Lei nº 12.618/2012, a Lei nº 13.183/2015 inseriu o instituto da adesão automática no ordenamento pátrio. O artigo 1º parágrafo 2º da referida Lei afirma que os servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive para os membros do Poder Judiciário, do Mi- nistério Público da União e do Tribunal de Contas da União com remuneração superior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que venham a ingressar no serviço público a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata esta Lei, serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar desde a data de entrada em exercício. A priori, a referida Lei pode parecer inconstitucional por ferir o caráter facul- tativo da previdência privada. No entanto, em uma ação estatal salutar, a adesão automática, ao fazer com que o cidadão tenha de manifestar alguma vontade em 90 dias, sob pena de ratificação tácita da referida adesão, inverte a lógica da facultatividade da previdência privada. Ela continua sendo facultativa, contudo, agora, exige-se a manifestação do indivíduo, fazendo com que mesmo aquele sujeito que não faz nenhuma ponderação sobre o seu futuro, que não faz nenhu- ma reserva de poupança, tenha que refletir sobre as vantagens e desvantagens de poupar dinheiro em um fundo de pensão, tenha de sair da inércia. Muito diferente é a proposta feita, em 2005, pelo professor Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub, para vencer a inércia do indivíduo na decisão de aderir ou não a um fundo de pensão. O professor propôs que, para obrigar o trabalha- dor ingressar em um fundo de pensão, bastaria estipular isso em uma convenção coletiva de trabalho. Assim, o trabalhador daquela categoria profissional seria obrigado a participar da previdência privada (WEINTRAUB, 2005). 194 A sugestãodo professor é inconstitucional, pois fere a liberdade de escolha do indivíduo. A abordagem proposta pelo professor vai ao encontro do denominado paternalismo estatal, já abordado no presente artigo. O instituto da adesão automática visa dar esse empurrãozinho no compor- tamento do servidor dizendo que, ao entrar em exercício no serviço público, ele será inscrito automaticamente em um fundo de pensão específico, poupando, assim, para o seu futuro. Estudos em economia comportamental indicam que o sujeito tem a predis- posição em manter-se no que os economistas chamam de viés do status quo. O indivíduo, mesmo com uma ótima possibilidade de ganhos reais na previdência privada, uma vez que essa conta com vantagens tributárias e contra partida direta do empregador (copatrocínio), tende a optar pela inércia a ter de refletir sobre o que é melhor para o seu futuro. Nesse sentido, a adesão automática tende a mitigar esse comportamento irracional do ser humano que, mesmo frente a mudanças significativas em seu futuro econômico, tende a manter-se inerte (FILHO, 2015). Evidente que o presente artigo não afasta de sua ponderação os diversos pro- blemas que levam o indivíduo a se comportar de maneira imprevidente com o seu futuro, no que concerne à previdência privada (em especial as provas de fraude e corrupção envolvendo os fundos de pensão). Evidente também que a previdência privada não é a única forma de economia previdenciária, entretanto é o foco do presente trabalho. Desde a Emenda nº 20/98, a previdência privada vem crescendo, em importância e tamanho, no país. Junto com esse crescimento vem também a criação e ampliação dos mecanismos de proteção do dinheiro investido. Nesse diapasão, o desenho de políticas públicas para fomentar a participação dos indivíduos na previdência privada pode servir de mecanismo para também aumentar a confiabilidade nesse investimento. UNICESUMAR 195 Considerações Finais Com a Emenda Constitucional nº 20/98, a previdência privada deixou de ser um apêndice do regime público, ganhando maior relevo como direito social. Nesse sentido, o Estado deve utiliza-la para buscar dar o máximo de concretude aos direitos previdenciários do cidadão. Uma ótima forma de solucionar o problema se dá por meio de medidas pre- ventivas. Acontecendo na vida do cidadão uma das contingências sociais protegi- das pela Constituição (doença, idade avançada, reclusão etc.), ele precisará menos do Estado, se tiver sido previdente. Contudo, isso não deve servir de sucedâneo para afastar a responsabilidade do Estado. Como o texto constitucional já garante: a previdência privada é complementar à pública. Políticas públicas que incentivem um comportamento de poupança da popu- lação brasileira, além de, na área previdenciária, colaborar com o Estado na efe- tividade dos direitos sociais, também são importantes para melhorar a condição econômica do País em diversos outros aspectos, trabalhando como ferramenta excepcional no desenvolvimento econômico da nação como um todo. Embora, atualmente, a adesão automática esteja restrita à previdência privada dos servidores públicos federais, espera-se que logo ela seja ampliada para toda a estrutura dos fundos de pensão do Brasil, de modo que, além de fomentar a poupança interna e a economia, sirva como ferramenta de reforço à participação da sociedade no desenvolvimento da previdência privada no país. 196 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rodrigo Bonecini; PEREIRA, Leandro Ramos. A Utopia Keynesiana: os princípios po- líticos e econômicos de John Maynard Keynes. Campinas, Unicap, 2010. Disponível em: http:// www.anpec.org.br/encontro2010/inscricao/arquivos/247-5e5566e256850fa7bdd3a16da- 63d16a2_.pdf. Acesso em: 26 jan. 2021. AMARAL, Hudson Fernandes; BARBOSA, Camila Figueiredo Marques; BRESSAN, Valeria Gama Fully; VILAÇA, Caroline Sales Issa. Fundos de pensão como formadores de poupança interna: uma alternativa para o financiamento da atividade econômica. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 8, n. 2. 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Nesse sentido, consiste na intervenção governamental o dispêndio de recur- sos direcionados à educação, saúde, habitação, transporte, segurança, infraes- trutura, entre outros, que retornam às receitas públicas na forma de tributação, sendo reaproveitados para novos investimentos. O governo utiliza essas ações, chamadas de política fiscal, como instrumento de estabilização econômica, de modo que seu planejamento se torna essencial. Este artigo utiliza como área de abrangência a Região Metropolitana de Marin- gá (RMM), identificada por aspectos que a caracterizam como espaço funcional: existência de uma metrópole líder e influente, conurbação dada pela proximidade espacial, densidade de pessoas e superfícies construídas; espaços que requerem, portanto, ações coordenadas pelas demandas que possuem (CHIRNEV, 2015). Por esses e outros fatores, aliar tributação com gastos públicos demonstra ser uma rígida tarefa, logo, há preocupação sobre a sua influência nos níveis de crescimento de longo prazo. Questiona-se, portanto: qual a relação existente entre 200 crescimento econômico e a política fiscal praticada pelas prefeituras da RMM? Quais os graus de impacto das variáveis que compõem a política fiscal sobre os diferentes segmentos de sua economia metropolitana? Com o intuito de responder a esses questionamentos, o presente artigo estuda a política fiscal conduzida pelas prefeituras durante os anos de 2006 a 2016 e men- sura a sua influência no nível de crescimento econômico. Para isso, é montado um painel com os dados divulgados pelas prefeituras a respeito dos impostos arrecadados e gastos públicos executados. Justifica-se a sua elaboração ao situar as demandas populacionais desses municípios e permitir que se abra espaço para que outras políticas beneficiem a sociedade em geral. Além desta seção introdutória, este artigo está dividido em mais quatro se- ções. A seção 2 aborda a fundamentação teórica a respeito da nova teoria do cres- cimento e suas implicações em pensamentos subsequentes sobre política fiscal, bem como alguns resultados empíricos sobre essa relação. A seção 3 apresenta os procedimentos metodológicos, isto é, a modelagem econométrica, a descrição dos dados e a contextualização do território. Sequencialmente, a seção 4 expõe e analisa os resultados obtidos e, por fim, a seção 5 traz as considerações finais. Nova teoria do crescimento e política fiscal Na literatura sobre crescimento econômico, popularizou-se, a partir da década de 80, uma corrente de modelos focados em fatores não econômicos, capital hu- mano e falhas de mercado, oriunda da tentativa de explicar o fator tecnológico discutido exógenamente no modelo de Solow (1956) e conhecida como nova teoria do crescimento (SILVA FILHO; CARVALHO, 2001). O trabalho de Romer (1986) é tido como um de seus expoentes, pois traz as discussões sobre externalidades positivas criadas por investimentos governa- mentais em pesquisa, valorizando o conhecimento pelo capital humano. Lucas (1988) enfatizou que treinamentos e qualificações incentivadas pela educação formal afeta o nível de produtividade da economia, ideia novamente reforçada por Romer (1990), que discute o progresso tecnológico em função da criação de estoques de conhecimento, projetos e capital. Esses autores fizeram ressurgir o interesse pelo tema e influenciaram os mo- delos de Grossman e Helpman (1991) sobre a modernização dos produtos ba- UNICESUMAR 201 seada em gerações anteriores que fornece mais serviços do que a predecessora, de Aghion e Howitt (1992), sobre criação de tecnologias inovadoras e subjugadoras que dão às firmas poder de mercado e ganhos de lucro temporário, entre outros. Em complemento aos estudos da nova teoria do crescimento, o trabalho de Barro (1990) é tido como um dos principais referenciais teóricos para estudos sobre política fiscal, pois se aprofunda em cada forma de insumo que é produzido pelos investimentos governamentais, além de como estes afetam a utilidade dos habitantes e entram na função de produção da economia. Para o autor, os bens públicos oferecidos pelo governo são absorvidos pelo setor privado e impulsionam sua produtividade. Contudo, o governo deve se atentar para que a oferta de bens públicos seja majoritariamente direcionada para o setor produtivo, uma vez que a função utilidade do indivíduo necessita de financiamentos que demandam crescentes alíquotas de impostos, o que causa, consequentemente, diminuição da taxa de crescimento. Isto é, o autor sugere que existe um nível ótimo para a participação do governo na economia, que deve ser encorporado pelas autoridades representantes para o fomento de suas atividades. Para tanto, Barro (1990) classifica os gastos públicos como produtivos e im- produtivos. Ações governamentais voltadas para a educação, cultura, saúde, sa- neamento, infraestrutura etc, bem como a imposição de uma carga tributária não distorciva, são fatores que maximizam a utilidade dos indivíduos e incentivam a geração de novas ideias, sendo produtivas porque podem servir de proveito para grande parte da economia local. Por outro lado, são gastos improdutivos aqueles que o setor público executa em áreas que rivalizam com o setor privado, pois esta concorrência pode gerar conflitos de interesse e apropriação indevida de recursos, somados ao fato de que ambos atuam em velocidades diferentes. Nesse cenário, abre-se espaço para a ineficiência produtiva, logo, este tipo de gasto não afeta o crescimento econômico de longo prazo, e os motivos para sua existência são a falta de preparo técnico do pessoal, incertezas, deficiências do processo orçamentário, corrupção, paralisação de obras, entre outros (CÂNDIDO JÚNIOR, 2001). Para financiar seus gastos, o governo age por meio da imposição de impostos, atribuindo diferentes alíquotas para os diferentes bens e serviços. Isso tende a obstruir o crescimento, uma vez que se retira recursos de setores que poderiam gerar um maior nível de produto. No entanto, isso pode não ocorrer se o governo realocar tais recursos em bens públicos que beneficiema população. Caso um 202 aumento em receitas tributárias se reverta em gastos eficientes na economia, o resultado da tributação seria um aumento do nível de renda, conforme o princí- pio do multiplicador do orçamento equilibrado (COSTA; LIMA; SILVA, 2014). Um tipo de cobrança praticada a nível municipal é a indireta, que consiste na incidência de impostos em atividades comerciais e consumo, venda ou posse de propriedades (REZENDE, 2001). O Imposto Predial Territorial e Urbano (IPTU) é cobrado de pessoas físicas e jurídicas possuidoras de propriedades imobiliárias localizados em áreas urbanas do município, que pode ser imputado regularmente em função do ato de posse ou titularidade desta. A autoridade municipal possui a autonomia de flexibilizar as alíquotas, formas de pagamento, parcelamento, descontos etc., bem como pra- ticar ações estratégicas como cobranças elevadas em áreas urbanas desocupadas, visando evitar o processo de especulação imobiliária e a valorização dos ativos, por exemplo (REZENDE, 2001; DE TONI, 2010). O Imposto Sobre Serviços (ISS) também está na competência do município e incide sobre a prestação de serviços realizada por empresas ou profissionais autônomos, sendo cobrado no âmbito do produtor, do prestador ou em todas as etapas do processo de produção. A lista sujeita à incidência passa por segmentos, como informática, saúde, arquitetura, consultoria, custódia, jornalismo, hospe- dagem, vigilância, instalação, entre outros (REZENDE, 2001). Em geral, os montantes de IPTU e ISS representam grande parte da arreca- dação tributária total de um município, assim sendo comumente utilizados em estudos que visam relacionar a política fiscal ao crescimento de municípios e regiões. Sobre esses, destacam-se alguns trabalhos que utilizaram como indicador de crescimento o PIB Per Capita, onde aumentos de 10% nas modalidades de gastos públicos impactaram-no em diferentes graus. Araújo, Monteiro e Cavalcante (2010) estudaram os municípios cearenses e obtiveram como conclusões que aumentos de 10% em gastos com planejamento, com assistência previdenciária e com saúde e saneamento geraram retornos de 0,57%, 0,17% e 0,63% para o PIB Per Capita, respectivamente. Também para os municípios cearenses, o estudo de Irffi et al. (2008) concluiu que o PIB Per capita aumentou em 4,48% por consequência da elevação em 10% do capital humano, representado como gastos em educação, e em 1,88% por consequência da elevação em 10% do capital físico, mensurado pelo consumo de energia elétrica comercial e industrial. UNICESUMAR 205 Quadro 1 – Relação das variáveis utilizadas no modelo econométrico Variável dependente – PIB Per Capita municipal Variável explicativa Descrição Efeito esperado educcul Gasto municipal com Educação e Cultura + saudsan Gasto municipal com Saúde e Saneamento + iptu Arrecadação tributária municipal de IPTU - iss Arrecadação tributária municipal de ISS - densdem Densidade demográfica municipal (hab/km²) + ou - Fonte: os autores. Como indicador de crescimento econômico, tem-se a variável dependente PIB Per Capita municipal. As variáveis explicativas envolvem as duas práticas de po- lítica fiscal, que são os gastos públicos e a tributação. Foram escolhidas por re- presentar a síntese do tema proposto, ao passo que delas se espera efeito positivo ou negativo, conforme as seguintes considerações: Gastos em educação e cultura têm o propósito de promover a geração de novas ideias por meio do conhecimento e, assim, possibilitar o desenvolvimento de novas tecnologias, sendo essenciais para o crescimento econômico conforme pregam os modelos endógenos de Romer (1986) e Lucas (1988). Gastos em saúde e saneamento visam conceder à população melhores con- dições de atendimento e qualidade de vida. Arrecadação de IPTU tem por natureza efeito distorcivo sobre o crescimento econômico por encarecer o preço de terrenos em função da política local e reco- lher recursos que a priori fazem parte de investimentos. Arrecadação de ISS afeta os lucros de diversos segmentos importantes para a economia do município, sendo considerado um imposto que atinge os rendi- mentos do trabalho e do capital (BARRO, 1990). A densidade demográfica, medida pela razão entre o número de habitantes e a área territorial do município, mensura as implicações da dinâmica metropolitana pertencentes a RMM, explanadas a seguir. 206 Território metropolitano e nível de integração Segundo Rodrigues, Godoy e Souza (2015), uma região metropo- litana pode ser classificada em termos funcionais como um ter- ritório integrado ao longo da escala de produção, distribuição e acumulação de riqueza e reprodução social. Nesse sentido, a dinâ- mica das metrópoles consiste no processo de urbanização, capaz de gerar concentração e difusão de elementos econômicos, políticos, sociais e culturais, em que a maior ou menor ocorrência dessas características é determinante para o patamar de cada município. Há aqueles de maior representatividade no que se refere à or- ganização funcional dos espaços, concentração e/ou distribuição de população, produto e rendimentos, bem como os fluxos de mer- cadorias, população e serviços, que se derivam de condições de infraestrutura urbana e da ocupação territorial. Tal capacidade está atribuída ao município-polo, detentor dos melhores recursos e o mais avançado em termos de urbanização, e que consegue irradiar esses elementos ao restante da região metropolitana. Especifica- mente a RMM, Maringá é o município que se consolida como polo ao concentrar, aproximadamente, 50% da população total da região (RODRIGUES; SOUZA, 2015). De sua dinâmica fazem parte outros 25 municípios, que apre- sentam características distintas nas relações econômicas com Maringá. Mede-se em quais setores e em que escala se integram por meio do indicador do nível de integração intrametropolitano. A Figura 1 apresenta a distribuição dos municípios conforme sua classificação quanto ao nível de integração com o município polo, Maringá. UNICESUMAR 207 Figura 1 – Mapeamento do nível de integração dos municípios da RMM Fonte: Observatório das Metrópoles (2012). De autoria do Observatório das Metrópoles (2012), os municípios são classi- ficados de acordo com a seguinte escala de integração: muito alta, alta, média, baixa e muito baixa. Os elementos do processo de metropolização considera- dos pelo indicador envolvem as categorias populacional (população residente, proporção da população residente em áreas urbanas, densidade populacional em setores urbanos e taxa de crescimento), produtiva (trabalhadores em ocu- pação não agrícola, total dos rendimentos dos habitantes do município e PIB) e de mobilidade (somatória de pessoas que entraram ou saíram do município para estudar ou trabalhar e porcentagem desta em relação ao total de pessoas residentes do respectivo município). De acordo com Rodrigues, Godoy e Souza (2015), os municípios menores da RMM se caracterizam por ser, em grande parte, moradia da força de trabalho rural e pela menor oferta de empregos urbanos, pois a atividade econômica, o trabalho e a disponibilidade de serviços estão concentrados na cidade-polo. 208 Nesse contexto, ocorre o processo de movimento pendular, em que certo contingente de pessoas se desloca para o local de trabalho fora do município em que reside, fazendo o caminho de ida e volta diariamente. Sarandi, único classificado na escala de integração mui- to alta, concentra um número maior de habitantes em relação aos municípios do entorno de Maringá e apresenta essa característica, que ocorre também nas proximidades, como Paiçandu, Marialva e Mandaguaçu, ao passo que estas relações socioeconômicas demons- tram ser como uma extensão multifuncional para o polo. Assim, o Observatório das Metrópoles (2012) indica que os municípios com nível de integração médio fazem parte da configuração da RMM como unidades não metropolitanas ou metropolitanas, cujo perí- metro