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A arte de ter razão

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Este pequeno tratado, verdadeira pérola oculta nos escrito·, 
póstumos de Schopenhauer, foi elaborado "como uma 
dissecação limpa" para conferir uma sistematização formal ao·, 
"artifícios desonestos recorrentes nas disputas". Schopenhauw 
apresenta 38 estratagemas, lícitos e ilícitos, aos quais é 
possível recorrer para "obter" razão: para defendê-la quando 
ela estiver do nosso lado, e para conquistá-la quando estivei 
do lado do adversário. Leitura atraente e muito útil: com 
frieza classificatória, Schopenhauer nos indica "os caminhos 
oblíquos e os truques de que se serve a natureza humano 
em geral para ocultar seus defeitos".
,1 wmfmartinsfont··
JÇoleçãò. Öbras de Schopenhauer m
'iö objetivo desta coleção é côlocar aó y 
Alcance do leitor brasileiro a experiênci 
i de Schopenhauer, que faz parte da 
} consciência moderna e que e uma das 
^fontes do niilismo europeu.
cÂrthur Schopenhauer V|g|
< Nasceü em Dantzig, Prússia (atual Polônia)*- 
em 1788, e fafeceu em T860 em Frankfurt^! 
* Alemanha. ,
f t
Também conhecido como “filósofo do '>? 
pessimismo“, foi importante expoente da 1¡¿ 
. doutrina metafísica da vontade, em reação 
' ao idealismo hegeliano. Seus escritos -|T 
influenciaram a filosofia existenciaristá e â 
a psicanálise freudiana.
(■> ©Editora WMF · : | |
- ft /editorawmfmàrfinsfoh^É
A ARTE DE TER RAZÃO
A ARTE DETER RAZÃO
Exposta em 38 estratagemas
Arthur Schopenhauer
Organização e ensaio 
FRANCO VOLPI
Tradução
(alemão)
ALEXANDRE KRUG 
(italiano)
EDUARDO BRANDÃO
Revisão da tradução 
KARINA JANNINI
A presente tradução foi revista pelo organizador
FRANCO VOLPI
,1
wm/rnartinsfontes
SÃO PAULO 2014
Esta obra fo i publicada originalmente em alemão com o título 
ERISTIK, IN ARTHUR SCHOPENHAUERS HANDSCHRIFTLICHER NACHLAß, 
por Julius Frauenstädt Brockhaus, em Leipzig, em 1864.
Copyright © Adelphi Edizioni s p a ., Miläo, 1991. 
para as notas, apresentação e ensaio de Franco Volpi.
Copyright © 2001, Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
São Paulo, para a presente edição.
1? edição 2001 
3! edição 2009 
3! tiragem 2014
Revisão da tradução
Karina Jannini 
Revisões gráficas 
Helena Guimarães Bittencourt 
Sandra Garcia Cortes 
Diñarte Zorzanelli da Silva 
Produção gráfica 
Geraldo Alves 
Paginação/Fotolitos 
Studio 3 Desenvolvimento Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na PubHcação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasfl)
Schopenhauer, Arthur, 1788-1860.
A arte de ter razão : exposta em 38 estratagemas / Arthur 
Schopenhauer ; organização e ensaio Franco Volpi ; tradução 
(alemão) Alexandre Krug, (italiano) Eduardo Brandão ; revisão da 
tradução Karina Jannini; a presente tradução foi revista pelo orga­
nizador Franco Volpi. - ed. - São Paulo: Editora WMF Martins 
Fontes, 2009. - (Obras de Schopenhauer)
Título original: Eristik, In Arthur Schopenhauers 
Handschriftlicher Nachlaß.
ISBN 978-85-7827-110-7
1. Filosofia alemã 2. Razão I. Volpi, Franco. II. Título. ΠΙ. Série.
09-02434 CDD-193
índices para catálogo sistem ático:
1. Filosofía alemã 193
Todos os direitos desta edição reservados à 
Editora WMF Martins Fontes Ltda.
Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325.030 São Paulo SP Brasil 
Tel. (11) 3293.8150 Fax (11) 3101.1042 
e-mail: info@wmfmartinsfontes.comb r http://www.wmfmartinsfontes.combr
ín dice
Advertência ........................— ..................................... VII
Cronologia..................................................................... XI
A ARTE DE TER RAZÃO............................................. 1
Adendos.............*........................................................... 57
Notas....................................................... 6l
Schopenhauer e a dialética,
por Franco Volpi.......... ............................................... 69
A dvertência
A arte de ter razão é um pequeno tratado que Scho­
penhauer levou a uma redação quase definitiva, sem, no 
entanto, publicá-lo. Sua composição remonta muito pro­
vavelmente ao final do período berlinense, por volta de 
1830-31. O texto manuscrito, sem título, compreende oito 
folhas duplas, tamanho ofício, numeradas, mais uma acres­
centada e outras duas meias folhas, num total de 44 pá­
ginas encadernadas e pertencentes ao legado do filóso­
fo. O conteúdo permite relacionar esse texto com o te­
ma tratado nas lições berlinenses sobre a “dianoiologia”, 
isto é, a “teoria do inteiro pensar”, em particular no ca­
pítulo sobre a lógica (Philosophische Vorlesungen, Franz 
Mockrauer, org., Munique, Piper, 1913). Aliás, tal relação 
é confirmada por indícios materiais, como o tipo de pa­
pel usado, que é o mesmo em ambos os casos.
Acenos à dialética e, portanto, observações, notas e 
materiais sobre o tema, que confluent por fim no peque­
no tratado, encontram-se de todo modo em muitos luga­
res da obra schopenhaueriana, nos manuscritos juvenis 
(a partir de 1817), depois em O mundo, nas lições ber-
VII
linenses e nas cartas póstumas. A remissão mais signifi­
cativa se encontra em Parerga eparalipomena, onde, no 
capítulo sobre “Lógica e dialética” (tomo II, cap. 2, par. 
26), é retomada a parte inicial do pequeno tratado, com 
a exposição dos primeiros nove estratagemas. Sempre 
no mesmo texto, depois de ter contado a gênese do seu 
interesse pelo tema, Schopenhauer indica os motivos 
que o levaram a desistir de publicar a pequena obra qua­
se concluída: “Reuni os artifícios desonestos mais recor­
rentes nas controvérsias e representei claramente cada 
um deles na sua peculiaridade, ilustrando-o com exem­
plos e atribuindo-lhe um nome; por fim, acrescentei tam­
bém os meios a serem utilizados contra tais artifícios, por 
assim dizer as defesas contra tais simulações; o resulta­
do foi uma verdadeira dialética erística... Porém, na re­
visão ora empreendida desse meu trabalho passado, acho 
que um estudo tão exaustivo e minucioso das vias indi­
retas e dos truques de que se vale a natureza humana 
comum para ocultar seus defeitos não é mais conforme 
ao meu temperamento e, por isso, deixo-o de lado.” E 
pouco adiante: “Eu havia, portanto, reunido e desenvol­
vido cerca de quarenta desses estratagemas. Mas pôr-me 
agora a ilustrar todas essas escapatórias da limitação e 
da incapacidade, irmãs da obtusidade, da vaidade e da 
desonestidade, causa-me náuseas; por isso, detenho-me 
nestes ensaios e ressalto com energia ainda maior as ra­
zões alegadas acima, para que se evitem as discussões 
com pessoas como quase todos são.”
________________________Arthur Schopenhauer________________________
VIII
O pequeno tratado foi publicado pela primeira vez, 
com o título Erístik, por Juliüs Frauenstädt em Arthur Scho­
penhauers handschriftlicher Nachlaß, Leipzig, Brockhaus, 
1864. A edição definitiva, que é a que deve ser conside­
rada, devenios a Arthur Hübscher; ela consta da sua edi­
ção das Cartas inéditas do filósofo (tradução italiana pela 
editora Adelphi): Der handschriftlicher Nachlaß, 5 vol., 
Frankfurt a.M., Kramer, 1966-1975 (depois Munique, Deuts­
cher Taschenbuch Verlag, 1985), vol. Ill, pp. 666-95- Por 
fim, uma terceira edição, aliviada de algumas notas de 
caráter erudito e adaptada às exigências da leitura fácil, 
foi publicada por Gerd Haffmans em sua editora (Eris- 
tische Dialektik oder Die Kunst, Recht zu behalten, in 38 
Kunstgriffen dargestellt, Zurique, Haffmans, 1983). As va­
riantes no título da obra provêm do fato de que, como 
aludimos, o manuscrito não traz título algum. Ele é de­
duzido do próprio texto 6 do que Schopenhauer diz no 
trecho supracitado dos Parerga eparalipomena, em que 
recorda o pequeno tratado uma primeira vez como Dia­
lética erística e urna segunda como Linhas gerais do que 
é essencial em todas as disputas (Umriß des Wesentlichen 
jeder Disputation).
A presente edição baseia-se na de Arthur Hübscher, 
com uma única modificação. As folhas separadas e não 
numeradas (as chamadas “Nebenbogen”), acrescentadas 
à primeira das oito folhas numeradas de que consta o 
manuscrito,foram colocadas por Arthur Hübscher em 
sua edição crítica no início do texto, de forma que cons-
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
IX
titui seu exordio. De fato, elas contêm alusões históricas 
às origens e às principais concepções da dialética e cons­
tituem o material reunido por Schopenhauer, tendo em 
vista a redação de uma verdadeira introdução para o tra­
tado. No entanto, o caráter fragmentário e inacabado de 
tais indicações fez com que preferíssemos para a presen­
te edição, não crítica, uma colocação diferente, isto é, no 
final, com a indicação explícita de que se trata de “aden­
dos” As inserções do organizador da edição estão entre 
colchetes; estas, além da tradução de expressões ou ci­
tações em língua estrangeira, fornecem as referências re­
lativas aos trechos de clássicos citados por Schopenhauer, 
conforme o costume crítico e as edições atualmente em 
uso. As nòtas assinaladas com algarismos arábicos são de 
Schopenhauer, as assinaladas com asterisco são do orga­
nizador da edição.
_______________________ Arthur Schopenhauer________________________
Franco Volpi
X
Cronologia
1788. Nasce Arthur Schopenhauer em Dantzig (Gdansk). 
Kant: Kritik der praktischen Vernunft [Crítica da ra­
zão prática].
1790. Kant: Kritik der Urteilskraft [Crítica da faculdade de 
julgar],
1794. Fichte: Grundlage der gesamten Wissenschaftslehre 
[Fundamentos da doutrina da ciência em seu con­
juntó].
1800. Schelling: System des transcenderitalen Idealismus 
[Sistema do idealismo transcendental].
1800-5. Destinado por seu pai ao comércio, Schopenhauer 
realiza uma série de viagens pela Europa ocidental: 
Austria, Suíça, França, Países Baixos, Inglaterra. Isso 
lhe rende um Diário de viagem e um excelente co­
nhecimento do francês e do inglês.
1805. Morre seu pai. Schopenhauer renuncia à carreira 
comercial para dedicar-se aos estudos nos liceus de 
Gotha e de Weimar.
1807. Hegel: Die Phänomenologie des Geistes [A fenome­
nología do espírito].
1808. Fichte: Reden an die deutsche Nation [Discurso à 
nação alemã], Goethe: Die Wahlverwandtschaften 
[As afinidades eletivas] e Faust (primeira parte).
XI
Arthur Schopenhauer
1809-13. Schopenhauer prossegue seus estudos nas uni­
versidades de Göttingen e de Berlim.
1813. Schopenhauer: Ueberdie vierfache Wurzel des Satzes 
vom zureichenden Grunde [Da quádrupla raiz do 
princípio de razão suficiente] (tese de doutorado).
1814. Morre Fichte.
1815. Derrota de Napoleão em Waterloo. O Congresso de 
Viena reorganiza a Europa sob o signo da Santa 
Aliança.
1816. Schopenhauer: Ueberdas Sehen und die Farben [Da 
visão e das cores].
1818. Hegel na universidade de Berlim, onde lecionará 
até sua morte.
1819. Schopenhauer: Die Welt als Wille und Vorstellung 
[O mundo como vontade e representação],
1820. Schopenhauer começa a lecionar em Berlim com o 
título de privat-dozent. Fracassa.
1825. Nova tentativa na universidade de Berlim. Novo frá- 
casso. Schopenhauer renuncia à docência e passa 
a viver daí em diante com a herança paterna.
1830. Hegel: Enzyklopädie der philosophischen Wissen­
schaften in Grundiss [Enciclopédia das ciências fi­
losóficas] (edição definitiva).
1831. Morre Hegel.
1832. Morre Goethe.
1833· Schopenhauer estabelece-se em Frankfurt, onde re­
sidirá até sua morte.
1836. Schopenhauer: Ueber den Willen in der Natur [Da 
vontade na natureza],
1839- Schopenhauer recebe um prêmio da Sociedade No-
XII
A arte de ter razão
rueguesa de Ciências de Drontheim por uma dis­
sertação sobre “A liberdade da vontade”
1840. A dissertação “Sobre o fundamento da moral” não 
recebe o prêmio da Sociedade Real Dinamarquesa 
de Ciências de Copenhague.
1841. Schopenhauer publica suas duas dissertações de 
concurso sob o título de Die beiden Grundprobleme 
der Ethik [Os dois problemas fundamentais da ética], 
Feuerbach: Das Wesen des Christentums [A essência 
do cristianismo].
1843. Kierkegaard: FrygtogBoeven [Temor e tremor].
1844. Schopenhauer: O mundo como vontade e represen­
tação, segunda edição acompanhada de Suplemen­
tos. Stirner: Der Eiuzige und sein Eigentum [O único 
e sua propriedade], Marx e Engels: Die heilige Fa­
milie oder Kritik der kritischen Kritik gegen Bruno 
Bauer und Konsorten [A sagrada família ou Crítica 
da crítica crítica contra Bruno Bauer e sócios].
1846. Comte: EHscours sur ¡’espritpositif [Discurso sobre 
o espírito positivo].
1848. Marx e Engels: Manifest der Kommunistischen Par­
tei [Manifesto do Partido Comunista]. Revolução na 
França e na Alemanha. Sua correspondência confir­
ma que Schopenhauer desejou e apoiou a repres­
são em Frankfurt.
1851. Schopenhauer: Parerga und Paralipomena [Pa- 
rerga e Paralipomena]. Êxito e primeiros discípulos, 
Frauenstãdt, Gwinner etc.
1856. Nasce Freud.
1859- Darwin: On the Origin o f Species [A origem das es­
pécies].
I860. Morre Schopenhauer.
XIII
A ARTE DE TER RAZÃO
Exposta em 3 8 estratagem as
A dialética erística1 é a arte de disputar, mais precisa­
mente a arte de disputar de maneira tal que se fique com 
a razão, portanto, per fa s et nefas2 [com meios lícitos e 
ilícitos]. De fato, é possível ter razão objetiva na questão 
em si e, no entanto, aos olhos dos presentes, por vezes 
mesmo aos próprios olhos, não ter razão. Isso ocorre 
quando o adversário refuta minha argumentação e vale 
como se tivesse refutado a própria afirmação, para a qual, 
porém, podem ser dadas outras provas; nesse caso, na­
turalmente, a relação é inversa para o adversário: ele fica 
com a razão, não a tendo objetivamente. Portanto a ver­
dade objetiva de uma proposição e sua validade na apro­
vação dos litigantes e ouvintes são duas coisas distintas. 
(À segunda está direcionada a dialética.)
De onde se origina isso? Da maldade natural do gê­
nero humano. Se ela não existisse, se fôssemos inteira­
mente honestos, em todo debate visaríamos apenas a tra­
zer a verdade à luz, sem sequer nos preocuparmos se 
ela corresponde à opinião apresentada de início por nós 
ou à alheia: seria indiferente ou, pelo menos, totalmen-
3
te secundário. Mas agora vem o principal. A vaidade ina­
ta, particularmente suscetível no que concerne à inteli­
gência, não quer que nossa afirmação inicial resulte fal­
sa e a do adversário, correta. Se fosse assim, cada um de­
veria meramente esforçar-se para julgar apenas de modo 
justo: portanto deveria primeiro pensar e depois falar. 
Porém à vaidade inata associam-se, na maioria dos indi­
víduos, uma verbosidade e uma desonestidade também 
inata. Falam antes de pensar e, mesmo se depois perce­
bem que sua afirmação é falsa ̂ e que não têm razão, tal 
situação deve parecer contrária. O interesse pela verda­
de, que na maioria dos casos foi o único motivo para sus­
tentar a proposição considerada verdadeira, acaba ceden­
do totalmente ao interesse da vaidade: o verdadeiro deve 
parecer falso, e o falso, verdadeiro.
Entretanto, mesmo tal desonestidade, a persistência 
numa proposição que a nós mesmos já parece falsa, ain­
da encontra uma justificativa: muitas vezes, no início es­
tamos firmemente convencidos da verdade de nossa afir­
mação, porém o argumento do adversário parece come­
çar a derrubá-la: logo cedemos à sua causa, mas é comum 
depois acharmos que na verdade tínhamos razão; nossa 
evidência era falsa, mas podia haver uma verdadeira para 
aquela afirmação: o argumento salvador não nos ocor­
reu de imediato. Sendo assim, surge então em nós a má­
xima de continuar a combater o argumento contrário* 
mesmo quando ele parece correto e decisivo, na crença 
de que sua própria exatidão seja apenas aparente e que
----------------------------------- Arthur Schopenhauer________________________
4
durante a disputa ainda nos ocorrerá outro argumento 
pará derrubar aquele ou confirmar nossa verdade de ou­
tra forma:: somos assim quasê obrigados - òu pelò me­
nos facilmente induzidos - à desonestidade ná disputa. 
Desse modo, as fraquezas de nosso intelecto e a perver­
são de nossa vontade apóiam-sereciprocamente. Por con­
seguinte, aquele que disputa, de maneira geral, não luta 
pela verdàde, mas em defesa de sua própria tesè, agindo 
como que pro ara et fócis [pelos altares e pelos lares] e 
per fa s et nefas, pois, como demonstramos, não pode 
proceder de outro modo.
Em geral, cada um tentará, portanto, impor sua pró­
pria asserção, mèsmo quando naquele instánte ela lhe 
parecer falsa ou duvidosa3. Os meios para se ter êxito são, 
em certa medida, oferecidos a cada um pela sua própria 
esperteza e maldadé: é o que ensina a experiência diá­
ria no ato de disputar. Cada indivíduo tem, portanto, sua 
dialética natural, bem como sua lógica natural. Porém 
ã primeira nãò nos guia por muito tempo com tanta se­
gurança como á ségunda. Ninguém irá pensar ou inferir 
tão facilmente contra as leis da lógica: falsos juízos são 
freqüentes, falsos silogismos, raríssimos. Sendo assim, 
não é tão coímum alguém demonstrar carência de lógica 
natural: em contrapartida, é mais fácil que demonstre ca­
rência de dialética natural. Esta é ürrt dom natural distri­
buído desigualmente (nesse aspecto, idêntica à capaci­
dade de julgar, que é distribuída de modo bastante de­
sigual, e o mesmo ocorre na verdade com a razão). Pois\
_________________________ A arte de ter ra zão________________________
5
muitas vezes nos deixamos confundir ou refutar por argu­
mentações apenas aparentes, quando na verdade temos 
razão, ou o inverso: e quem sai vencedor de um litígio 
deve-o freqüentemente muito menos à exatidão da sua 
capacidade de julgar ao expor a própria tese do que à 
esperteza e à habilidade com que a defendeu. Nesse 
caso, como em todos os outros, o inato é o melhor: no 
entanto, o exercício e a reflexão sobre as expressões com 
as quais se derrota o adversário, ou que ele geralmente 
utiliza para derrotar, podem contribuir muito para tornar 
alguém mestre nessa arte4. Portanto, ainda que talvez a 
lógica não possa dispor propriamente de nenhuma utili­
dade prática, a dialética, sem dúvida, pode tê-la. A mim 
parece que Aristóteles também apresentou sua verdadei­
ra lógica (analítica) principalmente como base e prepa­
ração para a dialética, tendo sido esta o principal fator 
para ele. A lógica ocupa-se da mera forma das proposi­
ções, enquanto a dialética, de sua substância ou matéria, 
do conteúdo: justamente por isso a consideração dayòr- 
ma - como consideração do geral - deveria preceder à 
dó conteúdo - como consideração do particular.
Aristóteles não define o objetivo da dialética de modo 
tão rigoroso como eu: embora ele dê a disputa como fi­
nalidade principal, indica ao mesmo tempo a descober­
ta da verdade (Tópicos, I, 2). Em seguida, diz novamente 
(Tópicos, I, 12): as proposições devem ser consideradas 
filosoficamente segundo a verdade, dialeticamente segun­
do a aparência ou aprovação, a opinião alheia (δόξα).
________________________Arthur Schopenhauer________________________
6
Apesar de ter consciência da distinção e da separação en­
tre a verdade objetiva de uma proposição e sua validação 
ou a obtenção de aprovação, não as mantém separa­
das com clareza suficiente para poder atribuir à dialéti­
ca somente a segunda finalidade5. Por isso, às suas re­
gras para alcançar este objetivo são freqüentemente mis­
turadas aquelas empregadas na obtenção do primeiro. Eis 
por que tenho a impressão de que ele não cumpriu sua 
tarefa de modo claro.
Com o espírito científico que lhe é característico, Aris­
tóteles atacou a exposição da dialética nos Tópicos de 
modo bastante metódico e sistemático, o que merece ad­
miração, embora o objetivo, manifestadamente prático, 
não tenha sido de todo alcançado. Depois de ter consi­
derado nos Analíticos os conceitos, juízos e silogismos 
segundo a form a pura, ele passa para o conteúdo, no 
qual precisa lidar, na verdade, apenas com os conceitos, 
pois é neles que reside a substância6. Proposições e si­
logismos são, por si mesmos, mera forma: os conceitos 
são sua substância. O procedimento é o seguinte: toda 
disputa possui uma tese ou um problema (estes diferem 
apenas na forma) e proposições que devem servir para 
resolvê-los. Trata-se sempre da relação dos conceitos en­
tre si. Essas relações são primeiramente quatro, ou seja, 
de um conceito buscamos ou 1) Sua definição, ou 2) seu 
gênero, ou 3) sua particularidade, sua característica es­
sencial, o proprium, ο Ίδιον, ou 4) seu accidens, isto é, 
qualquer qualidade, não importando se é particular e
_________________________ A arte de ter ra zã o ___________________ ______
7
exclusiva ou não, em suma, um predicado. A uma des­
tas relações deve ser reconduzido o problema de cada 
disputa. Esta é a base de toda a dialética. Nos oito livros 
dos Tópicos, Aristóteles apresenta todas as relações que 
os conceitos podem ter entre si naqueles quatro aspec­
tos e indica as regras para cada relação possível; ou seja, 
como um conceito tem de se relacionar com outro para 
ser o seu proprium , o seu accidens, o seu genus, o seu 
definitum ou definição: quais erros são facilmente come­
tidos na apresentação e, portanto, o que se deve observar 
toda vez que estabelecemos tal relação (κατασκευάζειν) 
e, depois que o outro a estabelece, o que se pode fazer 
para derrubá-la (άνασκευάζειν). Ele chama de τόπος, lo­
cus, a apresentação de cada uma dessas regras ou de 
cada uma de tais relações genéricas daquelas classes de 
conceitos entre si, e indica 382 de tais τόποι, de onde re­
sulta o termo Tópicos. A estes ele acrescenta ainda algu­
mas regras gerais - sobretudo no que concerne à dispu­
ta - que, no entanto, não são exaustivas.
Ο τόπος, portanto, não é puramente material, não diz 
respeito a um objeto ou a um conceito determinado, mas 
refere-se sempre a uma relação entre classes inteiras de 
conceitos, que pode ser comum a inumeráveis conceitos, 
tão logo estes são considerados um em relação ao outro 
num dos quatro aspectos mencionados, o que acontece 
em toda disputa. E esses quatro aspectos possuem, por 
sua vez, classes subordinadas. Desse modo, a considera­
ção nesse caso ainda é formal em certa medida, porem
_______________ :________ Arthur Schopenhauer________________________
8
não tão puramente formal como na lógica, uma vez que 
se ocupa com o conteúdo dos conceitos, mas de uma ma­
neira formal, ou seja, indicando como o conteúdo do 
conceito A deve se comportar em relação ao conteúdo 
do conceito B para que este possa ser apresentado como 
o geniis daquele, ou como o seu proprium (caráter dis­
tintivo), ou o seu accidens, ou a sua definição, ou segun­
do as rubricas subordinadas a estes, de oposição, άντι- 
κείμενον, causa e efeito, propriedade e privação etc. Em 
torno de tal relação deve girar toda disputa. A maioria 
das regras que Aristóteles indica como τόποι sobre essas 
relações são as que residem na natureza das relações de 
conceitos, da qual todo indivíduo por si só é consciente 
e cuja observância por parte do adversário esse mesmo 
indivíduo exige espontaneamente, tal como ocorre na 
lógica, sendo que nos casos particulares é mais fácil ob­
servar essas regras ou perceber seu descuido do que se 
lembrar do τόπος abstrato correspondente: justamente por 
isso a utilidade prática dessa dialética não é grande. Aris­
tóteles quase sempre diz coisas que se entendem por si 
mesmas e que a razão saudável também consegue ob­
servar por si mesma. Exemplos: “Quando se afirma o ge­
nus de uma coisa, a ela também deve convir alguma spe­
cies deste genus·, se esta não existir, então a afirmação é 
falsa. Por exemplo: afirma-se que a alma é dotada de mo­
vimento-, conseqüentemente, deve ser-lhe própria algu­
ma espécie determinada do movimento, do vôo, da mar­
cha, do crescimento, da redução etc. Se não for assim,
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
9
ela também não terá movimento. Portanto, a quem não 
couber nenhuma species, também não caberá o genus·. 
este é ο τόπος” [Tópicos, II, 4, 111a 33 - b 11]. Este τόπος 
vale tanto para estabelecercomo para derrubar proposi­
ções. Trata-se do nono τόπος. E inversamente: se o ge­
nus não couber, também não caberá nenhuma species. 
Por exemplo: alguém (afirma-se) teria falado mal de ou­
tra pessoa; se comprovarmos que ele não falou em ab­
soluto, também não terá falado mal, pois onde não há o 
genus também não pode haver a species.
Sob a rubrica da particularidade, o propñum , o locus 
215 diz o seguinte: “Primeiramente, para derrubar propo­
sições: quando o adversário indica como particularidade 
algo que só pode ser percebido sensorialmente, a indi­
cação é ruim, pois tudo o que é sensorial torna-se incer­
to assim que sai do âmbito dos sentidos. Por exemplo, 
ele expõe como particularidade do Sol a característica de 
ele ser o astro mais brilhante a passar sobre a Terra: não 
serve, pois quando o Sol se põe não sabemos se ele pas­
sa sobre a Terra, uma vez que está fora do alcance dos 
sentidos. Em segundo lugar, para estabelecer proposi­
ções: a particularidade é corretamente indicada quando 
se apresenta algo que não é reconhecido sensorialmen­
te, ou, se o é, que existe necessariamente. Por exemplo, 
que se indique primeiramente, como particularidade da 
superficie, que ela tem cor; esta é, por certo, uma carac­
terística sensorial, mas evidentemente sempre presente 
e, portanto, correta” [Tópicos, V, 5, 131 b 19-36]. Isso já
________________________Arthur Schopenhauer------------------------------------
10
é o suficiente para lhes dar uma idéia da dialética de Aris­
tóteles. A mim não parece que ela alcance o objetivo: 
portanto tentei de outra forma. Os Tópicos de Cícero são 
uma imitação de memória dos aristotélicos: extremamente 
superficiais é pobres. Cícero não possui absolutamente 
nenhum conceito claro do que seja e tenha por objetivo 
um topus, e assim apanha ex ingenio todo tipo de dis­
curso e o adorna abundantemente com exemplos jurídi­
cos. Um dos seus piores escritos.
A fim de apresentar claramente a dialética, devemos, 
independentemente da verdade objetiva (que é assunto 
da lógica), contemplá-la simplesmente como a arte de f i ­
car com a razão, o que, sem dúvida, será tanto mais fácil 
quando se tiver objetivamente razão. Porém a dialética, 
enquanto tal, deve apenas ensinar como se defender de 
ataques de qualquer espécie, em particular os desonestos, 
e igualmente como se pode atacar o que o outro afirma 
sem contradizer a si mesmo e, sobretudo, sem ser refu­
tado. Devemos separar nitidamente a descoberta da ver­
dade objetiva e a arte de validar as próprias proposições 
como verdadeiras: aquela é objeto de uma πραγματεία 
[tratado] totalmente diferente, é obra do discernimento, 
da reflexão, da experiência, e por isso não há para ela 
nenhuma arte específica. A segunda, todavia, é o objeti­
vo da dialética. Esta última foi definida como a lógica das 
aparências: é falso porque, nesse caso, ela teria utilidade 
apenas na defesa de proposições falsas. No entanto, mes­
mo quando se tem razão, a dialética é necessária para
_________________________ A arte de ter ra zã o _________________________
u
defendê-la, e deve-se conhecer os estratagemas deso­
nestos para poder énfrentá-los: muitas vezes, até mesmo 
utilizá-los para derrubar o adversário com as mesmas ar­
mas. Eis por que na dialética a verdade objetiva deve ser 
colocada de lado ou ser vista como acidental: e a única 
preocupação deve ser com a defesa das próprias afirma­
ções e a derrota das alheias. Ao se estabelecerem as re­
gras da dialética, não se pode considerar a verdade ob­
jetiva, pois, em geral, não se sabe onde ela se encontra. 
É comum não sabermos se temos razão ou não; muitas 
vezes acreditamos tê-la e nos enganamos; com freqüên­
cia ambas as partes acreditam: pois ventas est in puteo 
(έν βυύω ή άλήύεια [a verdade está no fundo], Demócri- 
to, segundo Diógenes Laércio, IX, 72). Quando nasce o 
litígio, em geral cada um acredita ter a verdade a seu 
lado; em seguida, ambos ficam em dúvida: é somente o 
final que deve constituir e confirmar a verdade. A dialéti­
ca não deve, portanto, aventurar-se na verdade, do mes­
mo modo como o mestre de esgrima não leva em con­
sideração quem de fato está com a razão no litígio que 
causou o duelo: acertar e defender, eis o que interessa. 
O mesmo vale na dialética: ela é uma esgrima intelec­
tual; somente quando entendida desse modo puro pode 
ser apresentada como uma disciplina própria» pois, se 
nos colocamos como meta a pura verdade objetiva, re­
tornamos à mera lógica; se, por outro lado, nos coloca­
mos a realização de proposições falsas, temos então a 
mera sofistica. E em ambas seria pressuposto que já sou-
------------------------------------ Arthur Schopenhauer________________________
12
A arte de ter razão
béssémos o que é objetivamente verdadeiro e falso, po­
rém é raro que haja certeza sobre issó de antèmãb. O ver­
dadeiro conceito da dialética, portanto, é o apresentado: 
esgrima intelectual para se ficar com a razão ao dispu­
tar; Embora o nome erística seja mais apropriado, o mais 
correto seria dialética erística: dialéctica 'erística. E ela é 
de grande utilidade: é sem razão qué tem sido despre­
zaria ém tempos recentes.
Nesse sentido, a dialética déve simplesmente ser um 
resumo e uma exposição, reconduzidos a um sistema e 
a regras, daquelas artes Sugeridas pela natureza e utili­
zadas pela maioria das pessoas para- ficar com a razão, 
mesmo quando, numa contenda, percebe que a verdade 
não está do seu lado. É por isso também que séria mui­
to inoportuno se rta diàlética científica quiséssemos le­
var em consideração a verdade objetiva e a sua revela­
ção, uma vez que não é isso o que acontece naquela dia­
lética original é natural, cujo objetivó é simplesmente o 
fato de ter razão. Por conseguinte, a dialética científica, 
no modo como a entendemos, tem como tarèfa princi­
pal estabelecer e analisar aqueles estratagemas da deso­
nestidade na disputa, para que nös debates reais eles 
possam ser logo identificados e aniquilados. Justamente 
por isso, em sua exposição, ela deve assumir declarada­
mente como objetivo final apenas o fato de ter razão, 
não a verdade objetiva.
Não me consta que se tenha realizado algo nesse sen­
tido, embora èu tenha feito umà pesquisa minuciosa a
13
respeito7: trata-se, portanto, de um campo ainda inculto. 
Para se alcançar tal objetivo, seria necessário criar a partir 
da experiência, observar, nos debates que com freqüên­
cia ocorrem no relacionamento social, o modo como 
este ou aquele estratagema é utilizado por uma e outra 
parte e, em seguida, reconduzir à sua estrutura geral os 
estratagemas que retornam sob outras formas, a fim de 
expor certas stratagemata gerais, que seriam então úteis 
tanto para uso próprio quanto para frustrar os mesmos 
artifícios quando utilizados pelo adversário.
O que segue deve ser visto como uma primeira ten­
tativa.
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14
A base de toda a dialética
Antes de mais nada, deve-se observar a essência de 
toda disputa, o que de fato se passa nela.
O adversário (ou nós mesmos, não importa) apresen­
ta uma tese. Para refutá-la, existem dois modos e dois ca­
minhos.
1) Os modos: a) ad rem, b) ad hominem ou ex con- 
cessis: isto é, demonstramos que a proposição não con­
corda com a natureza das coisas, com a verdade objetiva 
absoluta, ou com outras afirmações e assentimentos do 
adversário, ou seja, com a verdade subjetiva relativa: esta 
última é uma demonstração apenas relativa e em nada 
afeta a verdade objetiva.
2) Os caminhos·, a) refutação direta, b) indireta. A di­
reta ataca a tese em seus fundamentos; a indireta, em suas 
implicações: a direta mostra que a tese não é verdadeira; 
a indireta, que ela não pode ser verdadeira.
a) Ña refutação direta, podemos agir de duas manei­
ras. Ou mostramos que os fundam entos de sua afirmação 
são falsos (nego majorem; minorem), ou então admiti­
mos os fundamentos, porém mostrando que a afirmação
15
não resulta deles(nego consequentiam.), ou seja, ataca­
mos a conseqüência, a forma da inferência.
b) Na refutação indireta, utilizamos a apagogia ou a 
instância.
á) Apagogia;. aceitamos a proposição dp adversário 
como verdadeira: depois mostramos o que resulta quam 
do,. vinculada a alguma outra proposição reconhecida 
como verdadeira, a utilizamos como premissa para um si­
logismo do qual se origina uma conclusão evidentemen­
te falsa, na medida em que contradiz a natureza das coi­
sas ou as outras, afirmações do próprio adversário, sen­
do, portanto, falsa ad rem ou ad hominem (Sócrates in. 
Hippia maj. et alias) : logo, a: proposição também era fal­
sa, pois de premissas verdadeiras só podem resultar pro­
posições verdadeiras, embora de premissas falsas nem 
sempre resultem proposições falsas. (Se ela de fato con­
tradisser uma verdade totalmente indubitável, então tere­
mos levado o adversário ad absurdum .)
ß) A instância, ένστασις, exemplum in contraríum: re­
futação da proposição genérica mediante indicação dire­
ta de casos isolados, compreendidos em seu enunciado, 
para os quais, porém, ela não vale. Desse modo, a pro­
posição genérica é necessariamente falsa.
Este é o arcabouço básico, o esqueleto de toda dispu­
ta: temos, portanto, a sua osteología. De fato, é para ele 
que se dirige fundamentalmente toda disputa. No entan­
to, tudo isso pode se dar de modo real ou apenas apa­
rente, com motivos legítimos ou ilegítimos: e porque não
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16
é fácil determinar com segurança algo a respeito é que os 
debates são tão longos e obstinados. Ao dar instruções, 
também não podemos separar o verdadeiro do aparente, 
pois, a esse respeito, nem mesmo os próprios litigantes 
têm certeza previamente. Sendo assim, ofereço os estra­
tagemas sem levar em conta o fato de se ter objetiva­
mente razão ou não, pois nem mesmo nós podemos sa- 
bê:lo com certeza: isso só deve ser estabelecido mediante 
o litígio. De resto, em toda disputa ou argumentação em 
geral, deve-se estar de acordo em relação a alguma coi­
sa que se toma como princípio para julgar a questão a 
ser tratada: contra negantemprincipia non est disputan- 
dum [não se deve disputar com quem, logo de início, 
nega os princípios].
_________________________A arte de ter ra zã o _________________________
ESTRATAGEMA 1
A expansão. Levar a afirmação do adversário para 
além de seu limite natural, interpretá-la da maneira mais 
genérica possível, tomá-la no sentido mais amplo possí­
vel e exagerá-la; inversamente, concentrar a própria afir­
mação no sentido mais limitado, no limite mais restrito 
possível: pois, quanto mais genérica se torna uma afirma­
ção, a mais ataques ela fica exposta. O antídoto é a co­
locação exata dos puncti ou status controversiae.
Exemplo 1. Eu disse: “Os ingleses são a primeira na­
ção no gênero dramático.” O adversário qüis experimen-
17
tar uma instantia e retrucou: “É sabido que eles não con­
seguiram criar nada na música, logo também não na ópe­
ra.” Eu o rechacei com a lembrança “de que a música 
não está compreendida no gênero dramático; este desig­
na apenas a tragédia e a comédia”: o que ele bem sabia, 
tendo apenas procurado generalizar minha afirmação para 
que ela compreendesse todas as representações teatrais, 
conseqüentemente também a ópera e a música, para en­
tão bater-me com segurança.
Se, por outro lado, a expressão usada por nós o favo­
recer, salva-se a própria afirmação, restringindo-a para 
além do primeiro propósito.
Exemplo 2. A diz: “A paz de 1814 restituiu a indepen­
dência até mesmo a todas as cidades hanseáticas ale­
mãs.” B dá a instantia in contrariam de que, com aque­
la paz, Danzig perdeu a liberdade que Bonaparte lhe 
concedera. A salva-se da seguinte forma: “Eu disse todas 
as cidades hanseáticas alemãs: Danzig era uma cidade 
hanseática polonesa.”
Esse estratagema já era ensinado por Aristóteles: Tó­
picos, VIII, 12.
Exemplo 3. Lamarck (Philosophie zoologique. Paris, 
1809, vol. 1, p. 203) nega aos pólipos qualquer sensação, 
uma vez que eles não possuem nervos. Ora, é certo, po­
rém, que eles possuem percepção, pois buscam a luz en­
quanto se deslocam artificialmente de ramo em ramo e
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18
apanham sua presa. Por essa razão, fez-se a suposição 
de que a sua massa nervosa estaria uniformemente es­
palhada pela massa do corpo inteiro, como que fundida 
a este, pois eles evidentemente têm percepções sem ter 
órgãos sensoriais específicos. Como isso derruba a hipó­
tese de Lamarck, ele argumenta dialeticamente da se­
guinte maneira: “Nesse caso, todas as partes do corpo 
dos pólipos deveriam ser capazes de todo tipo de sensa­
ção, movimento, vontade e pensamento; nesse caso, o 
pólipo teria em cada ponto do seu corpo todos os ór­
gãos do animal mais perfeito: cada ponto poderia ver, 
cheirar, saborear, ouvir etc., até mesmo pensar, julgar, 
deduzir: cada partícula do seu corpo seria um animal 
completo, e o pólipo em si estaria acima do homem, 
uma vez que cada célula sua teria todas as faculdades 
que o homem possui apenas em seu conjunto. Além dis­
so, não haveria motivo para não se estender o que se 
afirma sobre os pólipos à mónada, o mais imperfeito de 
todos os seres, e por fim também às plantas, que afinal 
também vivem, e assim por diante.” Com o uso de tais 
estratagemas dialéticos, um escritor revela que em seu 
íntimo está consciente da sua falta de razão. Uma vez 
que se disse “Seu corpo inteiro é sensível à luz, portan­
to é de natureza nervosa”, ele deduz que o corpo intei­
ro pensa.
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19
ESTRATAGEMA 2
Utilizar a homonímia para estender a afirmação colo­
cada também para aquilo que, fora da palavra idêntica, 
pouco ou nada tem em comum com o assunto em ques­
tão; em seguida, refutá-lo de maneira luculenta para, des­
se modo, dar a si mesmo a impressão de ter refutado a 
afirmação.
Observação: synonyma são duas palavras que indi­
cam o mesmo conceito; homonyma são dois conceitos 
designados pela mesma palavra (cf. Aristóteles, Tópicos, 
I, 13). Profundo, cortante, alto são homonyma utilizados 
ora para corpos, ora para sons. Honrado e honesto são 
synonyma.
Pode-se considerar esse estratagema idêntico ao sofis­
ma ex homonymia: no entanto, o sofisma óbvio de ho­
monímia não iludirá seriamente.
Omne lumen potest extinguí;
Intellectus est lumen\
Intellectus potest extinguí *
Nesse caso, nota-se de imediato a existência de qua­
tro term ini: lumen no sentido concreto e lumen no sen­
tido figurado. Porém, em casos sutis, isso certamente ilu­
de, sobretudo onde os conceitos designados pela mes-
* Toda luz p o d e ser apagada; / A inteligência é luz; / A inteligência 
p o d e ser apagada.
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20
ma expressão são congêneres e se sobrepõem um ao 
outro.
Exemplo 1. (Os casos intencionalmente engendrados 
nunca são refinados o bastante para poder iludir; deve­
mos, portanto, colhê-los da própria experiência real. Se­
ria muito bom se tivéssemos a possibilidade de dar a 
cada estratagema um nome conciso e apropriado, ao qual 
pudéssemos recorrer, no momento oportuno, para des­
cartar instantaneamente o uso deste ou daquele estra­
tagema.)
A: “Ó senhor ainda não foi iniciado nos mistérios da 
filosofia kantiana.”
B: “Ora, o que é cheio de mistérios não me interessa 
em nada.”
Exemplo 2. Censurei como insensato o princípio da 
honra, segundo o qual quem sofre uma ofensa é deson­
rado, a menos que a responda com outra injúria maior ou 
a lave com sangue, do adversário ou o próprio. Como 
fundamento, aleguei que a verdadeira honra não pode 
ser ferida por aquilo que se padece, mas exclusivamen­
te por aquilo que se faz-, pois a qualquer um pode suce­
der de tudo. O adversário atacou diretamente minha ra­
zão: mostrou-me de modo luculento que, se caluniasse 
um comerciante,dizendo que ele trapaceia ou comete 
ilegalidades, ou que é negligente em seu negócio, isso 
seria um ataque à sua honra, que seria ferida unicamen-
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21
te pelo que ele padece e que ele apenas poderia restau­
rar se impusesse penalidade e retratação a tal agressor.
Nesse caso, portanto, ele utilizou a homonímia para 
substituir a honra civil, também chamada de bom nome, 
e cuja ofensa ocorre por difamação, pelo conceito da 
honra cavalheiresca, igualmente conhecida como point 
d ’honneur, e cuja ofensa ocorre por meio de injúrias. E 
uma vez que um ataque à primeira não deve ser descon­
siderado, mas repelido mediante refutação pública, um 
ataque à segunda não deveria, com o mesmo direito, per­
manecer ignorado, mas ser repelido com injúria maior e 
com o duelo. Uma mescla, portanto, de duas coisas es­
sencialmente diferentes, realizada pela homonímia da pa­
lavra honra: e com isso a homonímia dá origem a uma 
mutatio controversiae.
________________________Arthur Schopenhauer________________________
ESTRATAGEMA 3
Tomar a afirmação8 apresentada de modo relativo, 
κατά τι, relative, como se fosse genérica, simpliciter, 
άπλώς, absolute, ou pelo menos compreendê-la sob um 
aspecto totalmente diferente, refutando-a então nesse sen­
tido. O exemplo de Aristóteles é: o mouro é negro, po­
rém tem dentes brancos, portanto é negro e ao mesmo 
tempo não-negro. Esse é um exemplo inventado que não 
iludirá ninguém a sério: tomemos, ao contrário, um da 
experiência real.
22
Exemplo. Num diálogo sobre filosofia, admiti que meu 
sistema protege e louva os quietistas. Logo em seguida 
a conversa recaiu sobre Hegel, e afirmei que a maior 
parte das coisas que ele escrevera não tem sentido ou, 
pelo menos, que muitas passagens de seus escritos são 
tais que o autor coloca a palavra e é o leitor quem deve 
dar-lhes o sentido. O adversário não empreendeu uma 
refutação ad rem, mas contentou-se em apresentar o ar­
gum entum ad hominem de que eu acabara de louvar os 
quietistas, e estes haviam igualmente escrito muita coisa 
sem sentido.
Consenti a esse respeito, retificando, porém, que eu 
não louvo os quietistas como filósofos e escritores, ou 
seja, por suas produções teóricas, mas apenas como se­
res humanos, por suas ações, em sentido meramente prá­
tico·. quanto a Hegel, porém, estaríamos falando de pro­
duções teóricas. Desse modo, o ataque foi detido.
Os três primeiros estratagemas são congêneres: têm 
em comum o fato de o adversário realmente falar de algo 
diferente do que foi afirmado; incorreríamos, portanto, 
numa ignoratio elenchi (ignorância da refutação) se nos 
deixássemos liquidar por tais estratagemas, pois, em to­
dos os exemplos apresentados, o que o adversário diz é 
verdadeiro: não se encontra em contradição efetiva com 
a tese, mas apenas aparente; portanto, quem é atacado 
por ele nega a conseqüência da sua dedução, ou seja, 
que da verdade da sua proposição se origine a falsidade
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23
da nossa. Desse modo, trata-se de uma refutação direta 
da sua refutação per negationem consequentiae.
Não admitir premissas verdadeiras porque se antevê 
a conseqüência. Contra isso, usar os dois seguintes re­
cursos, estratagemas 4 e 5.
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ESTRATAGEMA 4
Quando se quer fazer uma dedução, não se deve dei­
xar que ela seja antevista, mas, em vez disso, fazer com 
que o adversário admita sem perceber as premissas uma 
por vez e de modo esparso, do contrário, ele tentará toda 
espécie de argúcia; ou então, quando não se tem certe­
za de que o adversário as admitiria, devem-se apresen­
tar as premissas dessas premissas e fazer pré-silogismos; 
fazer com que as premissas de vários desses pré-silogis­
mos sejam aceitas de modo desordenado e confuso, 
ocultando, portanto, o próprio jogo até que tudo o que 
se necessita esteja admitido. Conduza-se, pois, de longe 
o assunto. Tais regras são dadas por Aristóteles nos Tó­
picos, VIII, 1.
Não são necessários exemplos.
ESTRATAGEMA 5
Para comprovar nossa proposição, podemos também 
utilizar premissas falsas, isto é, no caso de o adversário
24
não admitir as verdadeiras, seja porque não reconhece a 
sua verdade, seja porque vê que a nossa tese resultaria 
imediatamente delas: tomem-se então proposições que 
são em si falsas, porém verdadeiras ad hominem, e ar­
gumente-se ex concessis a partir do modo de pensar do 
adversário. De fato, o verdadeiro também pode resultar 
de premissas falsas, ainda que o falso nunca resulte de 
premissas verdadeiras. Igualmente, pode-se refutar fal­
sas proposições do adversário por meio de outras pro­
posições falsas, que ele, no entanto, considera verdadei­
ras: afinal, é com ele que estamos lidando e precisamos 
utilizar a sua maneira de pensar. Por exemplo: se ele for 
adepto de alguma seita com a qual não simpatizamos, po­
demos empregar contra ele, como principia , as senten­
ças dessa seita. Aristóteles, Tópicos, VIII, 9· (Retoma o 
estratagema precedente.)
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
ESTRATAGEMA 6
Faz-se uma petitio principa oculta ao se postular o 
que se deseja comprovar: 1) sob outro nome, por exem­
plo, bom nome em vez de honra, virtude em vez de vir­
gindade etc., ou também com conceitos intercambiáveis: 
animais de sangue quente em vez de animais vertebra­
dos; 2) ou fazendo com que seja concedido em geral o 
que no caso particular é controverso, por exemplo, afir­
mar a incerteza da medicina, postulando a incerteza de 
todo o conhecimento humano; 3) quando, vice-versa,
25
dois fatores resultam mutuamente um do outro, e se deve 
demonstrar o primeiro postulando o segundo; 4) quan­
do se deve comprovar o universal, fazendo com que se 
aceite cada fator individual (o contrário do n? 2). (Aris­
tóteles, Tópicos, VIII, 11.)
Sobre o exercício da dialética, o último capítulo dos 
Tópicos de Aristóteles contém boas regras.
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ESTRATAGEMA 7
Quando a disputa for conduzida de modo mais rigo­
roso e formal e houver o desejo de se fazer entender 
bastante claramente, aquele que propôs a afirmação e 
deve comprová-la procede contra seu adversário fazen­
do-lhe perguntas, a fim de concluir a verdade da afirma­
ção a partir das próprias concessões do outro. Este mé­
todo erotemático era particularmente habitual entre os 
antigos (chama-se também “socrático”): a ele se refere o 
presente estratagema e alguns que seguem mais adiante 
(todos livremente elaborados a partir do capítulo 15 do 
Liber de elenchis sophisticis de Aristóteles').
Fazer muitas perguntas de uma só vez e de modo por­
menorizado, a fim de ocultar o que na verdade se quer 
ver admitido. Em contrapartida, expor rapidamente a 
própria argumentação a partir do que foi admitido: pois 
aqueles que são lentos de compreensão não conseguem 
acompanhar com exatidão e deixam passar as eventuais 
falhas e lacunas na argüição.
26
ESTRATAGEMA 8
Provocar raiva no adversário, pois, tendo raiva, ele não 
estará em posição de julgar corretamente nem de perce­
ber a própria vantagem. Para deixá-lo com raiva é pre­
ciso ser injusto com ele, de modo declarado, atormen­
tando-o e comportando-se, em geral, com impudência.
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ESTRATAGEMA 9
Fazer as perguntas não na ordem exigida pela conclu­
são, mas com transposições de todo gênero: desse modo, 
o adversário não saberá aonde se quer chegar e não po­
derá precaver-se: podemos então também usar suas res­
postas para obter conclusões diversas, até mesmo opos­
tas, conforme o que for respondido. Tal estratagema é 
congênere com o quarto no que diz respeito a mascarar 
o próprio procedimento.
ESTRATAGEMA 10
Quando percebemos que o adversário respondepro- 
positadamente com negações às perguntas, cuja respos­
ta afirmativa poderia ser utilizada para nossa proposição, 
devemos perguntar-lhe o contrário da proposição que 
nos serve, como se quiséssemos sua aprovação, ou pelo
27
Arthur Schopenhauer
menos apresentar ambas para que o outro escolha, de 
modo que ele não descubra qual proposição queremos 
ver respondida afirmativamente.
ESTRATAGEMA 11
Se realizamos uma indução e o adversário admite os 
casos particulares por meio dos quais ela deve ser colo­
cada, não devemos perguntar se ele também concede a 
verdade genérica resultante desses casos, mas introduzi- 
la em seguida como já estabelecida e reconhecida, pois 
algumas vezes ele mesmo acreditará que a admitiu, e a 
mesma impressão terão os ouvintes, porque eles se lem­
bram das várias perguntas sobre os casos particulares, as 
quais, no entanto, deverão ter conduzido ao objetivo.
ESTRATAGEMA 12
Se a conversa for sobre um conceito geral que não pos­
sua o seu próprio nome, mas que, à maneira de um tro­
po, deva ser designado por uma semelhança, devemos 
escolher prontamente tal semelhança, de modo que ela 
favoreça nossa afirmação. Assim, por exemplo, na Espa­
nha, os nomes que designam os dois partidos políticos, 
serviles e liberales, foram seguramente escolhidos por 
estes últimos.
28
O nome “protestantes” foi escolhido por estes, assim 
como o nome “evangélicos”; o nome “hereges”, porém, 
foi escolhido pelos católicos.
Isso vale para o nome das coisas, mesmo quando elas 
forem mais apropriadas: por exemplo, se o adversário 
propôs uma modificação, nós a chamaremos de inova­
ção, pois esta palavra é odiosa. Devemos nos compor­
tar de modo contrário se somos nós a propô-la. No pri­
meiro caso, deve-se chamar a contraposição de “ordem 
vigente”, no segundo, de “empecilho” O que alguém de­
sinteressado e imparcial talvez denominasse “culto” ou 
“dogma público” seria chamado de “devoção” ou “pie­
dade” por quem fosse a favor, ou de “bigotismo”, “su­
perstição” pelo seu adversário. No fundo, trata-se de uma 
sutil petitio principii: aquilo que se quer demonstrar é co­
locado de antemão na palavra, na denominação, a par­
tir da qual ele resulta mediante um simples exame ana­
lítico. O que um chama de “assegurar-se da sua pessoa”, 
“colocar sob custódia”, o adversário denomina “aprisio­
nar” Muitas vezes, um orador delata antecipadamente 
seu propósito por meio dos nomes que dá às coisas. Um 
diz “o clero”, o outro diz “os padres” Dentre todos os 
estratagemas, este é o mais usado, de modo instintivo. 
Fervor religioso = fanatismo; deslize ou galantería = adul­
tério; ambigüidades = indecências; dificuldades financei­
ras = bancarrota; “por influência e conhecimento finan­
ceiros” = “por suborno e nepotismo”; “reconhecimento 
sincero” = “bom pagamento”
_________________________ A arte de ter ra zã o _________________________
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ESTRATAGEMA 13
Para fazer com que o adversário aceite uma proposi­
ção, devemos apresentar-lhe a tese oposta e deixar que 
ele faça sua escolha; nosso modo de exprimir tal opos­
to deve ser tão ofuscante a ponto de fazê-lo sentir a ne­
cessidade de consentir com nossa proposição - que, por 
sua vez, parece muito provável -, se não quiser cair em 
contradição. Por exemplo: ele deve admitir que deve­
mos fazer tudo o que nosso pai manda. Então pergun­
tamos: “Deve-se em todas as coisas ser obediente ou de­
sobediente com os próprios pais?” Ou, se a respeito de 
alguma coisa se disser “freqüentemente”, devemos per­
guntar se com “freqüentemente” devem-se compreender 
poucos ou muitos casos: ele dirá “muitos” É como co­
locar o cinza ao lado do preto e chamá-lo de branco e, 
junto ao branco, chamá-lo de preto.
________________________Arthur Schopenhauer________________________
ESTRATAGEMA 14
Um golpe insolente ocorre quando, após o adversário 
ter respondido a várias perguntas sem favorecer a con­
clusão que temos em mente, apresentamos como com­
provada a conclusão a que queremos chegar, embora 
ela não resulte absolutamente das suas respostas, e a ex­
clamamos triunfantes. Se o adversário é tímido ou tolo e 
nós temos uma boa dose de impertinência e uma boa
30
voz, o golpe pode funcionar muito bem. Esse estratage­
ma pertence à fa llada non causae ut causae [engano me­
diante o reconhecimento da não-causa como causa].
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
ESTRATAGEMA 15
' Quando a proposição que colocamos é paradoxal e 
estamos embaraçados quanto à sua comprovação, apre­
sentamos ao adversário uma tese correta, mas não total­
mente evidente, para que ele aceite ou rejeite, como se 
a partir dela quiséssemos produzir a comprovação: se ele, 
por desconfiança, a rejeita, levamo-la ad absurdum e 
triunfamos; se, porém, a aceita, teremos pelo menos afir­
mado algo razoável e deixamos para ver depois o que 
acontece. Ou então inserimos o estratagema anterior e 
afirmamos que dessa maneira fica comprovado o nosso 
paradoxo. Para tanto, é necessária a máxima impertinên­
cia: ocorre, porém, na realidade, e há pessoas que fazem 
tudo isso instintivamente.
ESTRATAGEMA 16
Argumenta ad hominem ou ex concessis. Diante de 
uma afirmação do adversário, temos de pesquisar se ela 
porventura não está de algum modo - conforme o caso 
até apenas aparentemente - em contradição com algu-
31
ma coisa que ele tenha dito ou admitido anteriormente, 
ou com os dogmas de uma escola ou seita que ele tenha 
louvado e sancionado, ou ainda com as ações dos adep­
tos dessa seita, mesmo que sejam falsos e aparentes, ou 
com seu próprio comportamento. Se ele, por exemplo, 
defende o suicídio, logo lhe gritam: “Por que você não 
se enforca?” Ou se afirma que Berlim é um lugar desa­
gradável para morar, bradam-lhe como resposta: “Por que 
você não parte logo com a primeira diligência?”
No entanto, de algum modo ainda se poderá encon­
trar algum aborrecimento.
________________________Arthur Schopenhauer------------------------------------
ESTRATAGEMA 17
Quando o adversário nos pressiona com uma contra- 
prova, freqüentemente podemos nos salvar por meio de 
uma diferenciação sutil - na qual certamente não havía­
mos pensado antes -, desde que o assunto permita al­
gum duplo significado ou duplo caso.
ESTRATAGEMA 18
Se percebemos que o adversário adotou uma argu­
mentação que nos derrotará, não podemos deixá-lo che­
gar ao ponto de concluí-la, mas devemos interromper, 
afastar ou desviar a tempo o andamento da disputa, a
32
fim de conduzi-la a outras questões: em resumo, prepa­
rar uma mutatio controversiae.
_________________________ A arte de ter ra zã o _________________________
ESTRATAGEMA 19
Se o adversário exigir expressamente que apresente­
mos algo contra um determinado ponto da sua afirma­
ção, mas nós não temos nada de adequado, precisamos 
então tratar o assunto de maneira genérica e, em segui­
da, falar contra tal generalidade. Devemos dizer por que 
não se pode confiar numa determinada hipótese física: 
sendo assim, discursamos sobre o caráter enganoso do 
saber humano e o comentamos de todas as formas.
ESTRATAGEMA 20
Depois de perguntarmos ao adversário a respeito das 
premissas e ele as admitir, não devemos, por exemplo, 
perguntar-lhe também qual a conclusão que delas resul­
ta, mas deduzi-la nós mesmos; ou melhor, mesmo que 
ainda esteja faltando uma ou outra das premissas, nós a 
tomamos como igualmente admitida e extraímos a conclu­
são. Tal fato constitui, portanto, um uso da fa lla d a non 
causae ut causae.
33
ESTRATAGEMA 21
Se percebemos que o adversário faz uso de um argu­
mento meramente aparente ou sofístico vislumbrado por 
nós, certamente podemos anulá-lo, analisando sua natu­
reza capciosa e ilusoria, porém é melhor enfrentá-lo com 
um contra-argumento igualmente sofístico e aparente e, 
desse modo, derrubá-lo. Pois o que importa não é a ver­
dade, mas a vitória. Se ele, por exemplo, apresenta um 
argumentum ad hominem, basta infirmá-lo com um con­
tra-argumento ad hominem (ex concessis):em geral, é 
mais breve apresentar um argumentum ad hominem, 
quando este se oferece, do que uma longa análise da 
verdadeira natureza do assunto.
________________________Arthur Schopenhauer_______________________
ESTRATAGEMA 22
Se o adversário exigir que admitamos alguma coisa da 
qual imediatamente resultaria o problema em litígio, de­
vemos recusá-la, fazendo-a passar por uma petitio prin­
cipa-, pois ele e os ouvintes facilmente considerarão idên­
tica ao problema uma proposição estreitamente afim: e 
assim nós lhe subtraímos o seu melhor argumento.
34
ESTRATAGEMA 23
A contradição e o litígio estimulam o exagero da afir­
mação. Podemos, portanto, usar objeções para incitar o 
adversário a expandir para além da verdade uma afirma­
ção que, em si e dentro de um certo âmbito, poderia ser 
verdadeira: e uma vez refutada essa exageração, seria 
Gomo se tivéssemos refutado também a sua proposição 
original. Em contrapartida, quando nos contradizem, de­
vemos tomar cuidado para não exagerar ou estender nos­
sa proposição. Com freqüência, o próprio adversário logo 
tentará expandir nossa afirmação para além dos extre­
mos em que a inserimos: devemos detê-lo imediatamen­
te, reconduzindo-o aos limites da nossa afirmação com 
um “até aqui foi o que eu disse, e nada além”
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
ESTRATAGEMA 24
A fabricação de conseqüências. A partir da proposi­
ção do adversário, usam-se falsas deduções e deturpação 
de conceitos para forçar proposições que nela não estão 
contidas e que não correspondem absolutamente à opi­
nião do adversário, sendo, pelo contrário, absurdas ou 
perigosas: como então da sua tese parecem resultar tais 
proposições, que são contraditórias entre si ou em rela­
ção a verdades reconhecidas, isso passa como uma refu­
tação indireta, apagogia: é um novo emprego da falla­
d a non causae ut causae.
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ESTRATAGEMA 25
Este estratagema refere-se à apagogia por meio de 
uma “instância”, exemplum in contrarium. A έπαγωγή, 
inductio, requer uma grande quantidade de casos para 
poder compor seu princípio universal: a άπαγωγή preci­
sa apenas apresentar um único caso ao qual o princípio 
não corresponda e este será derrubado: tal caso chama- 
se “instância”, ένστασις, exemplum in contrarium, ins­
tantia. Por exemplo, a proposição: “Todos os ruminan­
tes possuem chifres” é derrubada mediante a única ins­
tância dos camelos.
A “instância” é um caso de aplicação da verdade ge­
nérica, algo a ser subsumido no conceito principal de tal 
verdade, para o qual, porém, ela não vale, sendo por 
isso inteiramente derrubada. Entretanto, podem ocorrer 
enganos: desse modo, nas instâncias feitas pelo adversá­
rio, temos de observar o seguinte: 1) se o exemplo é 
realmente verdadeiro: existem problemas cuja única so­
lução autêntica é que o caso não seja verdadeiro, como 
ocorre com muitos milagres, histórias de espíritos etc.; 2) 
se ele realmente está compreendido no conceito da ver­
dade apresentada: com freqüência isso é apenas aparen­
te, podendo ser esclarecido por meio de uma distinção 
precisa; 3) se ele está realmente em contradição com a 
verdade apresentada: isso também é muitas vezes apenas 
aparente.
________________________Arthur Schopenhauer------------------------------------
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ESTRATAGEMA 26
Um golpe brilhante é a retorsio argumenti: quando 
o argumento que o adversário quer usar em seu favor 
pode ser mais bem utilizado contra ele. Por exemplo, 
ele diz: “É uma criança, não devemos levá-la tão a mal”, 
retorsio·. “Justamente por se tratar de uma criança deve­
mos castigá-la, a fim de que não persevere em seus 
maus hábitos.”
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
ESTRATAGEMA 27
Se o adversário inesperadamente se zanga diante de 
um argumento, devemos insistir energicamente nele: não 
apenas porque é bom provocar-lhe a ira, mas também 
porque é de supor que tenhamos tocado o lado fraco do 
seu raciocínio e que poderemos provavelmente atingi-lo 
nesse ponto ainda mais do que se pode entrever num 
primeiro momento.
ESTRATAGEMA 28
Este estratagema é utilizável principalmente quando 
eruditos disputam diante de ouvintes leigos. Quando não 
se dispõe de nenhum argumentum ad rem, muito menos 
de um ad hominem, faz-se um ad auditores, isto é, uma
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objeção inválida, cuja inconsistência, porém, só pode ser 
vislumbrada por alguém versado no assunto: assim é o 
adversário, mas não os ouvintes. Aos olhos deles, por­
tanto, ele é vencido, sobretudo se a nossa objeção de al­
gum modo der à sua afirmação uma luz ridícula. Para o 
riso as pessoas estão sempre prontas, e aqueles que riem 
estarão do nosso lado. Para demonstrar a nulidade da 
objeção, o adversário teria de fazer uma longa exposição 
e remontar aos princípios da ciência, ou algo do gêne­
ro: para tanto, ele não conseguirá facilmente atenção.
Exemplo. O adversário diz: na formação da crosta ro­
chosa primária, a massa da qual se cristalizou o granito e 
toda a rocha restante tornou-se fluida por calor, ou seja, 
derreteu: o calor devia atingir cerca de 200° R*: a massa 
se cristalizou sob a superfície do mar que a cobria. Colo­
camos o argumentum ad auditores de que com tal tem­
peratura, ou melhor, com muito menos, aos 80° R, o mar 
já teria evaporado há muito tempo e flutuaria no ar em 
forma de vapor. Os ouvintes riem. Para nos derrotar, ele 
teria de demonstrar que o ponto de ebulição não depen­
de apenas do nível de calor, mas igualmente da pressão 
atmosférica, e esta, tão logo aproximadamente metade 
da água do mar evaporasse, aumentaria tanto que nem 
mesmo a 200° R haveria ebulição. Porém ele não dispo-
■* Graus Réaumur. A escala de Réaumur (1683-1757) possui 80 graus 
entre os pontos de solidificação e ebulição da água. (N. do T.)
_______________________ Arthur Schopenhauer________________________
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rá de tempo para chegar a essa formulação, uma vez que, 
para quem não sabe nada de física, seria necessário fa­
zer um tratado.
_________________________ A arte de ter ra zã o -------------------------------------
ESTRATAGEMA 29
Se percebermos que seremos vencidos, devemos fa­
zer uma digressão, isto é, começamos de repente com 
algo totalmente diferente, como se pertencesse ao as­
sunto e fosse um argumento contra o adversário. Tal es­
tratégia deve ser realizada com certa reserva se a digres­
são continuar a se referir ao thema questionis em geral; 
se disser respeito apenas ao adversário, sem tocar abso­
lutamente no assunto, deve ser realizada com insolência.
Por exemplo: eu elogiava o fato de que na China não 
há nenhuma nobreza hereditária e os cargos são confe­
ridos unicamente em função de examina. Meu adversá­
rio afirmou que a erudição capacitava tão pouco para 
exercer cargos quanto os méritos do nascimento (que ele 
tinha em certa conta). Mas saiu-se mal. Imediatamente 
fez uma digressão, dizendo que na China todas as clas­
ses são punidas com bastonadas, o que ele relacionou 
com o costume de beber muito chá, censurando os chi­
neses por ambas as coisas. Ora, quem se embrenhasse 
em tudo isso estaria deixando-se desviar e teria per­
mitido que lhe arrebatassem das mãos a vitória já asse­
gurada.
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A digressão é insolente quando abandona totalmente 
o assunto em questão e principia mais ou menos assim: 
“Sim, e o senhor também afirmou recentemente etc.” De 
fato, nesse aspecto ela pertence, em certa medida, ao 
“tornar-se ofensivo”, sobre o qual se falará no último es­
tratagema. A rigor, ela é um nível intermediário entre o 
argumentum ad personam, a ser tratado justamente no 
último estratagema, e o argumentum ad hominem.
Qualquer disputa entre pessoas comuns demonstra o 
quanto esse estratagema é, de certo modo, inato, pois, 
quando alguém faz críticas pessoais a um outro, este não 
responde, digamos, por sua refutação, mas com críticas 
pessoais que ele faz ao primeiro, deixando intocadas e, 
portanto, praticamente admitindo aquelas dirigidas a ele 
mesmo. Ele age como Cipião,que atacou os cartagine­
ses não na Itália, mas na África. Tal digressão pode fun­
cionar na guerra em determinadas épocas. Numa discus­
são, ela é nociva porque não suscita reação contra as crí­
ticas recebidas, e quem ouve fica sabendo dos defeitos 
de ambas as partes. Na disputa é usada em geral fau te 
de mieux.
ESTRATAGEMA 30
O argumentum ad verecundiam. Em vez de motiva­
ções utilizam-se autoridades segundo os conhecimentos 
do adversário. Diz Séneca: unusquisque mavult credere
________________________Arthur Schopenhauer_______________________
40
quam judicare [cada um prefere crer a julgar. De vita 
beata, I, 4]. Trata-se, portanto, de um jogo fácil quando 
se tem do próprio lado uma autoridade que o adversá­
rio respeita. Para ele, porém, a autoridade será tanto mais 
legítima quanto mais limitados forem sêus conhecimen­
tos e suas capacidades. Se estes forem de primeira or­
dem, haverá para ele pouquíssima, quase nenhuma au­
toridade. Eventualmente, ele aceitará a autoridade de pes­
soas especializadas em alguma ciência, arte ou ofício que 
ele conheça pouco oü ignore por completo, e mesmo 
assim com desconfiança. Pessoas comuns, ao contrário, 
têm profundo respeito por especialistas de qualquer tipo. 
Elas não sabem que aqueles que fazem de um assunto 
sua profissão não amam o assunto, mas os seus ganhos: 
também não sabem que quem ensina um assunto rara­
mente o conhece a fundo, pois, em geral, quem o estu­
da a fundo não tem tempo para ensiná-lo. Somente para 
o vulgus existem muitas autoridades que merecem res­
peito: se não se possui uma que seja totalmente adequa­
da, deve-se tomar uma que aparente como tal e citar o 
que alguém disse em outro sentido ou em outras circuns­
tâncias. Autoridades que o adversário não entende são, 
em geral, as que mais funcionam. Os incultos têm um 
particular respeito pelas expressões retóricas gregas e la­
tinas. Sendo necessário, é possível não apenas distorcer 
as autoridades, mas também falsificá-las ou até mesmo 
citar aquelas que foràm totalmente inventadas: geralmen­
te o adversário não tem o livro à mão e tampouco sabe
_________________________A arte de ter ra zã o _________________________
41
utilizá-lo. A esse propósito, o mais belo exemplo é dado 
pelo francês Curé, que, para não ser obrigado a pavimen­
tar a rúa diante de sua casa como os outros cidadãos, 
alegou uma citação bíblica: paveant illi, ego non pavebo 
[que temam aqueles, eu não temerei]*. Isso foi o sufi­
ciente para convencer os administradores da comunida­
de. Também podem ser utilizados preconceitos gerais 
como autoridades, pois, com Aristóteles, creio que na Éti­
ca a Nicômaco, a maioria pensa: à μέν πολλόϊς δοκεΐ 
ταύτα γε είναι φαμέν [chamamos de justas as coisas que, 
para muitos, aparentam como tal. Ética a Nicômaco, X, 
2, 1172 b 36]; sim, por mais absurda que possa ser, não 
há opinião de que o homem não tenha se apropriado, 
tão logo tenha sido convencido de que tal opinião é um ­
versalmente aceita. O exemplo age sobre o seu pensa­
mento, bem como sobre a sua ação. São ovelhas que se­
guem o carneiro-guia para onde quer que ele as condu­
za: para elas é mais fácil morrer do que pensar. É muito 
curioso que o caráter geral de uma opinião tenha tanto 
peso para essas pessoas, uma vez que podem de fato ver 
em si mesmas como as opiniões são aceitas sem nenhum 
julgamento e apenas por força do exemplo. Mas isso elas 
não vêem, pois lhes falta todo conhecimento de si mes­
mas. Apenas os melhores dizem, com Platão, τοίζ πολλοίς 
πολλά δοκει [a maioria tem muitas opiniões. República,
_______________________ Arthur Schopenhauer________________________
* A anedota se encontra em Claude Adrien Helvétius, De Vesprit, II, 
cap. XIX.
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IX, 576 c], ou seja, o vulgus tem muitas patranhas na ca­
beça, e, se quiséssemos nos importar com elas, teríamos 
muito o que fazer.
A universalidade de uma opinião, tomada seriamen­
te, não constitui nem uma prova, nem um fundamento 
provável da sua exatidão. Aqueles que a afirmam devem 
considerar que: 1) o distanciamento no tempo rouba a 
força comprobatoria dessa universalidade; do contrário, 
precisariam evocar todos os antigos equívocos que algu­
ma vez foram universalmente considerados verdade: por 
exemplo, estabelecer o sistema ptolemaico ou o catolicis­
mo em todos os países protestantes; 2) o distanciamen­
to no espaço tem o mesmo efeito: caso contrário, a uni­
versalidade de opinião entre os que professam o budis­
mo, o cristianismo e o islamismo os constrangerá. (Segun­
do Jeremy Bentham, Tactique des assemblées legislatives, 
Genebra-Paris, 1816, vol. 2, p. 76.)
O que então se chama de opinião geral é, a bem da 
verdade, a opinião de duas ou três pessoas; e disto nos 
convenceríamos se pudéssemos testemunhar como se 
forma tal opinião universalmente válida. Acharíamos en­
tão que foram duas ou três pessoas a supor ou apresen­
tar e a afirmar num primeiro momento, e que alguém 
teve a bondade de julgar que elas teriam verificado real­
mente a fundo tais colocações: o preconceito de que es­
tes seriam suficientemente capazes induziu, em princípio, 
alguns a aceitar a mesma opinião: nestes, por sua vez, 
acreditaram muitos outros, aos quais a própria indolên-
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
43
da aconselhou: melhor acreditar logo do que fazer con­
troles trabalhosos. Desse modo, dia após dia cresceu o 
número de tais adeptos indolentes e crédulos: pois, uma 
vez que a opinião já contava com uma boa quantidade 
de vozes do seu lado, os que se seguiram o atribuíram 
ao fato de que ela só podia ter conquistado tais votos 
graças à consistência dos seus fundamentos. Os que ain­
da restaram foram constrangidos a concordar com o que 
já era considerado válido por todos, a fim de não serem 
considerados cabeças irrequietas que se rebelam contra 
opiniões universalmente aceitas, nem garotos intrometi­
dos que querem ser mais inteligentes do que o mundo 
inteiro. A essa altura, o consenso tornou-se uma obriga­
ção.. A partir de então, os poucos que têm capacidade 
de julgar precisam calar, e os que podem falar são aque­
les completamente incapazes de ter opinião e julgamen­
to próprios, são o mero eco da opinião alheia: contudo 
são também defensores tanto mais zelosos e intransigen­
tes dela. Pois, naquele que pensa de outro modo, odeiam 
menos a opinião diferente que ele professa do que o 
atrevimento de querer julgar por conta própria, experiên­
cia que eles mesmos nunca fazem e da qual, no seu ín­
timo, têm consciência. Em suma, muito poucos sabem 
pensar, mas todos querem ter opiniões: o que mais lhes 
resta a não ser, em vez de criá-las por conta própria, 
aceitá-las totalmente prontas de outros? Uma vez que as­
sim sucede, quanto poderá valer a voz de cem milhões 
de pessoas? Tanto quanto um fato histórico que se en-
_______________________ Arthur Schopenhauer________________________
44
contra em cem historiadores, mas que depois se compro­
va ter sido transcrito por todos, um após outro, motivo 
pelo qual, no fim das contas, tudo reflui ao depoimento 
de um único homem (segundo Pierre Bayle, Pensées sur 
les comètes [4? edição, 1704], tomo I, p. 10).
Díco ego, tu diets, sed denique dixit et Ule:
Dictaque post toties, nil nisi dicta vides.*
Não obstante, quando se discute com pessoas comuns, 
pode-se fazer uso da opinião geral como de uma auto­
ridade.
O que se encontra em geral é que, quando duas cabe­
ças comuns disputam entre si, a arma que costumam es­
colher na maioria das vezes são as autoridades: é com elas 
que uma golpeia a outra. Se uma cabeça melhor tiver de 
lidar com alguma do gênero, o mais aconselhável é que 
se adapte a essa arma, selecionando-a conforme as fra­
quezas de seu adversário. Pois, contra a arma dos funda­
mentos, este é, ex hypothesi, um verdadeiro Siegfried**, 
imerso no fluxo da incapacidade de pensar e julgar.
_________________________ A artel de ter ra zã o ________________________
“Eu o digo, tu o dizes, mas, ao final, aqueletambém o diz: / Depois 
que o disseram tantas vezes, não se vê outra coisa a não ser o que foi dito.” 
Mote que se encontra em exergo na “Parte polêmica” da Farbenlehre [Teo­
ria das cores], de Goethe.
** No original, literalmente, “Siegfried de chifres”, uma das alcunhas 
do mítico herói germânico. Alude-Se aqui provavelmente à sua virtual in­
vencibilidade. (N. do T.)
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No tribunal, as disputas na verdade se realizam so- 
mente por meio de autoridades; a autoridade das leis 
que não suscita dúvidas: a tarefa do discernimento é des­
cobrir a lei, isto é, a autoridade que encontra aplicação 
no caso dado. A dialética, porém, possui margem de ma­
nobra suficiente quando, se necessário, o caso e uma lei 
que não estão propriamente em correspondência são in­
vertidos até que se passe a vê-los como adequados um 
ao outro: o inverso também ocorre.
_______________________ Arthur Schopenhauer________________________
ESTRATAGEMA 31
Quando não se souber apresentar nada contra os fun­
damentos expostos pelo adversário, com sutil ironia de­
vemos nos declarar incompetentes: “O que o senhor diz 
ultrapassa minha fraca capacidade de compreensão: sem 
dúvida estará certíssimo, mas não consigo entender e re­
nuncio a qualquer julgamento.” Com isso, insinuamos 
aos ouvintes, junto aos quais temos prestígio, que se tra­
ta de um disparate. Foi o que fizeram os professores da 
antiga escola eclética por ocasião do surgimento da Crí­
tica da razão pura, ou melhor, do início do seu contur­
bado prestígio, ao declararem “nós não a entendemos”, 
acreditando com isso tê-la liquidado. Quando, porém, al­
guns adeptos da nova escola demonstraram a esses pro­
fessores que eles tinham razão e que realmente não a ti­
nham compreendido, eles ficaram de péssimo humor.
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Esse estratagema só pode ser utilizado quando se es­
tiver seguro de ter um prestígio decididamente mais alto 
que o do adversário junto aos ouvintes. Por exemplo, um 
professor contra um estudante. Na verdade, essa situa­
ção pertence ao estratagema anterior e é uma maneira 
particularmente maliciosa de fazer valer a própria auto­
ridade em vez das razões. O contragolpe é: “Se me per­
mite, com seu grande acume, deve ser-lhe muito fácil 
compreender este assunto, só podendo ser culpa de mi­
nha defeituosa exposição”, e então esfregar-lhe na cara 
o tema, de modo que ele, nolens volens, tenha de enten- 
dê-lo, e que fique claro que antes era ele quem de fato 
não havia entendido. Sendo assim, retorquimos: ele quis 
nos insinuar “incongruência”: nós lhe comprovamos sua 
“incompreensão” Tudo com a mais bela cortesia.
-------------------------------------- A arte de ter ra zã o ________________________
ESTRATAGEMA 32
Um modo prático de afastar ou pelo menos colocar 
sob suspeita uma afirmação do adversário contrária a nós 
é submetê-la a uma categoria odiada, ainda que a relação 
entre elas seja a de uma vaga semelhança ou de total in­
coerência. Por exemplo: “Isto é maniqueísmo; isto é aria- 
nismo; isto é pelagianismo; isto é idealismo; isto é espi- 
nosismo; isto é panteísmo; isto é brownianismo; isto é 
naturalismo; isto é ateísmo; isto é racionalismo; isto é es­
plritualismo; isto é misticismo etc.” Com isso supomos
47
duas coisas: 1) que aquela afirmação é realmente idênti­
ca à categoria ou que ao menos está contida nela, o que 
nos leva a exclamar: “Ah, isso nós já conhecemos!”, 2) 
que essa categoria já foi completamente refutada e não 
pode conter nenhum termo verdadeiro.
________________________Arthur Schopenhauer________________________
ESTRATAGEMA 33
“Isto pode ser correto na teoria; na prática é falso.” 
Com esse sofisma admitem-se os fundamentos, porém 
negam-se suas conseqüências, em contradição com a re­
gra a ratione ad rationatum valet consequentia [de uma 
razão ao seu efeito vigora a conseqüência!. A afirmação 
citada gera uma impossibilidade: o que é correto na teo­
ria deve valer também na prática: se isso não se confir­
ma é porque há alguma falha na teoria; algo passou des­
percebido e não foi levado em consideração e, por con­
seguinte, é falso também na teoria.
ESTRATAGEMA 34
Se o adversário não dá nenhuma resposta ou informa­
ção direta a uma pergunta ou a um argumento, mas es­
quiva-se por meio de outra pergunta ou de uma respos­
ta indireta, ou mesmo por meio de algo que não per­
tence ao tema e demonstra querer tratar de um assunto
48
totalmente diferente, isso é um sinal seguro de que atin­
gimos (às vezes sem saber) um ponto frágil: trata-se de 
um emudecimento relativo da parte dele. Devemos, por­
tanto, insistir no ponto em que tocamos e não permitir 
que o adversário o abandone, mesmo quando ainda não 
conseguimos ver em que consiste a debilidade que 
atingimos.
_________________________ A arte de ter ra zã o _________________________
ESTRATAGEMA 35
o qual, tão logo seja praticável, torna dispensáveis todos 
os outros: em vez de agir sobre o intelecto por meio de 
fundamentos, deve-se agir sobre a vontade por meio 
de motivações, e o adversário, bem como os ouvintes, 
caso tenham o mesmo interesse que ele, são ¡mediatamen­
te conquistados para a nossa opinião, ainda que esta te­
nha sido tirada do manicômio: pois, em geral, meia onça 
de vontade pesa mais do que uma tonelada de entendi­
mento e convicção. Evidentemente, isso só é possível sob 
circunstâncias particulares. Se pudermos fazer o adver­
sário sentir que a sua opinião, caso fosse válida, causa­
ria um visível prejuízo a seu interesse, ele a abandonará 
tão depressa quanto um ferro quente que tivesse agarra­
do por descuido. Por exemplo, um religioso defende um 
dogma filosófico: nós o fazemos notar que este está in­
diretamente em contradição com um dogma fundamen­
tal da sua igreja, e ele o deixará de lado.
49
Um proprietário de terras afirma a excelência da me­
canização na Inglaterra, onde uma máquina a vapor rea­
liza o trabalho de muitas pessoas: devemos dar-lhe a en­
tender que em breve os carros também serão puxados 
por máquinas a vapor, de modo que os cavalos das suas 
numerosas estrebarias fatalmente cairão de preço; e en­
tão veremos. Em tais casos, o sentimento de cada um é 
regra: quam temere in nosmet legem sancimus iniquam 
[com quanta leviandade enunciamos uma lei iníqua con­
tra nós mesmos. Horácio, Sátiras, I, 3, 67].
Deve-se agir do mesmo modo quando os ouvintes, 
mas não o adversário, pertencerem à mesma seita, cor­
poração, ofício, clube etc. que nós. Mesmo que sua tese 
esteja correta, basta aludirmos ao fato de ela contrariar os 
interesses comuns da referida corporação etc., para to­
dos os assistentes acharem seus argumentos fracos e de­
ploráveis, ainda que. sejam excelentes, e os nossos, ao 
contrário, verdadeiros e exatos, ainda que tirados do nada; 
o coro se proclamará em voz alta a nosso favor, e o ad­
versário abandonará o campo envergonhado. Ou me­
lhor, na maioria das vezes, os ouvintes acreditarão ter 
dado sua aprovação por pura convicção. Pois aquilo que 
nos é desvantajoso geralmente parece absurdo ao inte­
lecto. Intellectus luminis sicci non est recipit infusionem 
a volúntate et afflectibus [o intelecto não é uma luz que 
arde sem óleo, mas é alimentado pela vontade e pelas 
paixões. Francis Bacon, Novum Organon, I, 491. Esse es­
tratagema poderia ser caracterizado pela expressão “agar-
_______________________ Arthur Schopenhauer------------------------------------
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rar a árvore pela raiz”: geralmente ele é chamado de ar­
gumentum ab utili.
_________________________ A arte de ter ra zã o ________________________
ESTRATAGEMA 36
Assustar e desconcertar o adversário com um palavrea­
do sem sentido. Isso baseia-se no fato de que
Gewöhnlich glaubt der Mensch, wenn er nur Worte hört,
Es müsse sich dabei doch auch was denken lassen*
Se ele então tiver intimamente consciência da própria 
debilidade, se estiver acostumado a escutar coisas que 
não entende, porém agindo como se as entendesse, po­
demos impressioná-lo ao tagarelar com expressão séria 
algum disparate que soe erudito

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