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OS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO AMBIENTE DA UNIVERSIDADE DA MATURIDADE DE PALMAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS (UFT) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE) MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PAOLA LAZZARETTI VICTOR
OS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS	NO AMBIENTE DA UNIVERSIDADE DA MATURIDADE DE PALMAS/TO
PALMAS/TO 2018
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PAOLA LAZZARETTI VICTOR
OS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS	NO AMBIENTE DA UNIVERSIDADE DA MATURIDADE DE PALMAS/TO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Tocantins (UFT) como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação.
Linha de Pesquisa: Estado, sociedade e práticas educativas.
Orientadora: Prof. Dra. Neila Barbosa Osório. Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Sinésio Neto.
PALMAS/TO 2018
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)FOLHA DE APROVAÇÃO
PAOLA LAZZARETTI VICTOR
OS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO AMBIENTE DA UNIVERSIDADE DA MATURIDADE DE PALMAS/TO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Tocantins (UFT), na Linha de Pesquisa Tópicos Especiais em Educação Intergeracional, foi avaliada para obtenção do título de Mestre em Educação, e aprovada em sua forma final pela Orientadora e pela Banca Examinadora.
Data da aprovação: 	/ 	/2018.
Banca Examinadora:
Dra. Neila Barbosa Osório (Orientadora/Presidente): 	
Dr. Paulo Fernando M. Martins (PPGP/JDH/UFT): 	
Dr. Luiz Sinésio da Silva Neto (PPGCS/UFT): 	
Dra. Jocyléia Santana dos Santos (PPGE/UFT): 	
Av. NS 15, ALCNO 14, Campus de Palmas, Bloco III, sala 29, 77.001-090, Palmas/TO. Telefone (63)3232-8201.
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Aos que ainda vêem o mundo com empatia e amor.
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AGRADECIMENTOS
A Deus e meus pais pelo dom da vida. Principalmente, agradeço à minha mãe: fonte de amor incondicional e de apoio irrestrito. Por tudo que é e representa pra mim. Te amo!
À minha nona, Dona Adelaide, por ser a velha mais incrível que eu conheço e, assim, fonte de inspiração para as minhas pesquisas.
Ao Dr. Nelson Coelho Filho, Juiz de Direito, por muitas vezes permitir minha ausência a fim de concluir estes estudos. Pelo homem digno, pelo caráter ilibado, pela inspiração de ética, honestidade, humildade e, sobretudo, humanidade.
À equipe do CEJUSC Palmas/TO, por “segurarem as pontas” nas minhas
faltas.
À Mariane e Gabriel, pela amizade de sempre, mesmo à distância.
Ao Marcos Felipe, pessoa inspiradora, sempre com ouvidos atentos e coração aberto. Pelas muitas conversas e paciência infinita. Sem sua amizade e apoio certamente não teria conseguido chegar até aqui.
À Universidade Federal do Tocantins, pela oportunidade de aprendizado e qualificação, especialmente aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFT).
Aos alunos da Universidade da Maturidade de Palmas/TO, pela oportunidade de pesquisa e principalmente pelos momentos incríveis de muito aprendizado e humanidade. Foi maravilhoso!
E, por fim, mas não menos especial, à minha orientadora, Dra. Neila Osório, que me acolheu neste programa mesmo sabendo das minhas limitações. Mulher altruísta que dedica sua vida a cuidar de quem precisa, que ajuda sem medidas, que idealiza que realiza, que inspira, que fortalece, que encara. Mulher que luta! Muito obrigada!
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EPÍGRAFE
“Só os apaixonados contestam, protestam, procuram a transformação. As paixões não cegam; elas iluminam, utopicamente, o destino do ser apaixonado. A paixão é o alimento da liberdade. Não pode, portanto, existir pragmática da singularidade humana, sem seres apaixonados que a realizem. A paixão é o que nos diferencia dos seres inanimados, que simulam viver olhando, indiferentemente, o mundo à espera da morte. Só os seres apaixonados têm condições de procurar viver em liberdade, de procurar vencer as tiranias culturais”. (Luis Alberto Warat)
“Amar y participar de un aula es la misma cosa. Si no se puede crear un clima mágico, lo mejor es desistir.”
(Luis Alberto Warat)
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RESUMO
O presente estudo buscou compreender a velhice no contexto social, conhecendo histórica e legislativamente os direitos e garantias do idoso, mormente no que tange ao direito ao trabalho e à educação. Objetivou compreender a existência do conflito como algo inerente às relações humanas, - com a possibilidade de uma percepção construtiva -, assim como teve o intuito de apresentar a autocomposição como meio de acesso à justiça e forma de solução de conflitos, bem como elucidar o papel desenvolvido pelo terceiro facilitador (mediador e conciliador). Ainda, objetivou propor uma estratégia de ensino na velhice mediante o desenvolvimento de um curso gerontológico de introdução à conciliação e à mediação aplicado aos alunos da Universidade da Maturidade de Palmas/TO. Tem como método a pesquisa qualitativa, com inspiração na fenomenologia, trazendo uma pesquisa bibliográfica para exploração de conceitos. Concluiu-se desta pesquisa que a vivência dos alunos como protagonistas da mediação e da conciliação ocorreu após a desconstrução negativa de conflito, e, a partir do entendimento quanto à importância da mediação e da conciliação para a pacificação social, assim como ficou demonstrada a capacidade de aprendizado na velhice, por meio de estratégias específicas.
Palavras-chave: Conflito. Conciliação. Mediação. Universidade da Maturidade.
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ABSTRACT
This study seek to understand the old age in the social context, knowing historically and legislatively the rights and guarantees of the elderly, especially with regard to the right to work and education. It aimed to understand the existence of conflict as inherent to human relations, with the possibility of a constructive perception, as well as to present self-composition as a means of access to justice and a way of solving conflicts, as well as to elucidate the role developed by the third facilitator (mediator and conciliator). In addition, it aimed to propose a strategy of teaching in old age through the development of a gerontological course of introduction to conciliation and mediation applied to students of the University of Maturity of Palmas/TO. It has as method the qualitative research, with inspiration in the phenomenology, bringing a bibliographical research for exploration of concepts. It was concluded from this research that the students' experience as protagonists of mediation and conciliation occurred after the negative deconstruction of conflict, and, based on the understanding of the importance of mediation and conciliation for social pacification, as demonstrated by the capacity of learning in old age, through specific strategies.
Keywords: Conflict. Conciliation. Mediation. University of Maturity.
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LISTA DE ILUSTRAÇÃO
Figura 1 - Recepção dos Alunos da Universidade da Maturidade no CEJUSC de Palmas/TO.
Figura 2 - Recepção dos Alunos da Universidade da Maturidade no CEJUSC de Palmas/TO.
Figura 3 - Recepção dos Alunos da Universidade da Maturidade no CEJUSC de Palmas/TO.
Figura 4 - Estudo dos conciliadores sobre o caso simulado. Figura 5 - Audiência Simulada.
Figura 6 - Audiência Simulada. Figura 7 - Audiência Simulada.
Figura 8 - Foto ao final do encontro no CEJUSC de Palmas/TO. Figura 9 - Alguns dos slides sobre conceito de conflito.
Figura 10 - Alguns dos slides sobre conceito de conflito. Figura 11 - Alguns dos slides sobre moderna teoria do conflito. Figura 12 - Alguns dos slides sobre mediação e conciliação.
Figura 13 – Alguns dos slides sobre mediação e conciliação. Figura 14 – Slides sobre princípios da mediação e conciliação.
Figura 15 – Momento de discussão em grupo de caso disponibilizado
Figura 16 – Início dos trabalhos da simulação na Universidade da Maturidade de Palmas/TO.
Figura 17 – Início dos trabalhos da simulação na Universidade da Maturidade de Palmas/TO.
Figura18 - Final da audiência simulada e último dia da pesquisa
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ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C.	Antes de Cristo
ARD	Alternative Dispute Resolution
CEJUSC	Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania CF	Constituição Federal da República Federativa do Brasil CNJ	Conselho Nacional de Justiça
CPC	Código de Processo Civil
IBGE	Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística TJTO	Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins UMA	Universidade da Maturidade
UFT	Universidade Federal do Tocantins
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)SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	14
A VELHICE NO CONTEXTO SOCIAL	17
O envelhecimento humano ao longo do tempo	17
A velhice nos dias atuais	22
A velhice e os direitos fundamentais	25
Proteção legislativa à pessoa idosa no Brasil	27
Do direito ao trabalho e a educação	29
O CONFLITO	35
A teoria do conflito	35
Métodos de resolução de conflitos	40
Autotutela	40
Processo, Tutela Jurisdicional ou Heterocomposição	41
Autocomposição	43
MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS	47
4.1. OS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO REALIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
............................................................................................................................................................... 47
A CONCILIAÇÃO	49
Conceito	49
Panorama histórico	49
Princípios	51
O papel do conciliador	51
A MEDIAÇÃO	52
Conceito	53
Panorama histórico	53
Na cultura oriental	54
Na cultura ocidental	55
4.2.1 Princípios	57
4.2.1.1 Independência e Informalidade	58
4.2.1.2 Imparcialidade	60
4.2.1.3 Autonomia da vontade	60
4.2.1.4 Confidencialidade	61
4.2.1.5 Oralidade	61
4.2.1.6 Decisão informada	61
4.3 Modelos e Escolas de Mediação	62
4.3.1 Escola de Harvard	62
4.3.2 Circular-narrativa	63
4.3.3 Transformativa (ou modelo de Bush e Folger)	63
4.3.4 Avaliativa ou Avaliadora	64
4.3.5 Waratiana	64
4.4 O Papel do Mediador	65
5 A UNIVERSIDADE DA MATURIDADE - ENTRE O PENSADO E O VIVIDO	67
5.1 Acadêmicos da Universidade da Maturidade como protagonistas da mediação e da conciliação	72
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS	98
REFERÊNCIAS	100
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1 INTRODUÇÃO
A conciliação e a mediação têm sido temas frequentes na mídia brasileira, no cenário jurídico nacional e também tem se tornado objeto de estudo por várias áreas da ciência, inclusive a Educação. A sociedade civil também se volta com atenção especial ao assunto e traz à baila sua importância para que seja discutido por toda a comunidade.
Esses métodos autocompositivos têm ganhado espaço no cenário nacional, por serem instrumentos efetivos na busca da solução pacífica de conflitos, seja qual for sua natureza. Possibilitam uma quebra de paradigmas, com benefícios à sociedade, promovendo a pacificação dos conflitos através de novas formas de pensar e agir.
Neste contexto, pode-se destacar o papel dos facilitadores destes métodos (os conciliadores e os mediadores) que têm a tarefa de contribuir para a retomada do diálogo entre os conflitantes, de maneira imparcial, proporcionando a oportunidade de uma composição, com a finalidade de pacificação social.
Vale dizer que esta pesquisadora tem esta profissão há quase nove anos, sendo uma das mediadoras judiciais mais antigas do Tocantins, tendo atuado como conciliadora junto à Defensoria Pública do Estado do Tocantins pelo período de um ano, bem como mediadora judicial no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins por sete anos, e, atualmente, sendo sócio-fundadora da Accordare Câmara de Conciliação e Mediação, em Palmas/TO.
É preciso salientar que a história de encantamento e amor desta pesquisadora para com a UMA/UFT iniciou no ano de 2014, quando teve a oportunidade de conhecer alguns alunos que participaram da Semana Nacional de Conciliação, junto ao fórum de Palmas/TO.
Naquela oportunidade, os alunos passaram por várias horas de treinamento, com aulas que abordavam conhecimentos sobre conciliação, audiências, tratamento para com as partes, além de outros atos que acompanhavam o mutirão. Após tal situação, na semana posterior, então efetivamente atuaram no papel de conciliadores e de colaboradores voluntários junto ao Poder Judiciário.
Desde o início dos trabalhos, ainda na fase de treinamento, a participação voluntária da UMA/UFT chamou a atenção desta pesquisadora, uma vez que tinha sido muito diferente do que estava acostumada a trabalhar.
Quando da Semana Nacional de Conciliação, costumeiramente eram recebidos alunos de graduação, interessados, a princípio, muito mais nas horas de certificação do que propriamente no aprendizado das novas funções. Esta foi a primeira e grande diferença perceptível quanto aos alunos da UMA/UFT. O interesse que lhes trazia ao Poder Judiciário era puramente o voluntariado, além do aprendizado, é claro. Havia carinho nas ações, amor nas palavras, atenção nos gestos. Denotou-se uma disponibilidade de aprendizado, uma voracidade pelo servir, pelo compreender, pelo pertencer e pelo viver.
Nesse instante, após muita atenção e conversa com os alunos participantes, esta pesquisadora começou a questionar-se a respeito de como deveria ser o ensinamento da conciliação e mediação aos velhos. Algumas indagações foram feitas e refeitas muitas vezes: Estou sendo uma boa instrutora para os velhos? O velho realmente aprende? A forma de ensinar algo ao velho pode ser a mesma que a um adolescente, por exemplo? Qual o melhor método para o aprendizado do velho?
Estes tantos questionamentos, então, fizeram despertar a curiosidade e o interesse desta pesquisadora em conhecer melhor a Universidade da Maturidade do campus de Palmas/TO, através do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFT), oportunidade em que foi possível ter acesso à Dra. Neila Osório, como Coordenadora deste projeto e, a partir de então, estreitar laços de mestre e aluna, a fim de que fosse possível introduzir os métodos autocompositivos neste projeto.
No que tange à profissão de conciliador e mediador, não obstante ainda seja pouco conhecida, os conciliadores e mediadores são de suma importância dentro do contexto social, por serem instrumentos de pacificação e elos facilitadores de diálogo. Capacitados para lidarem com situações controversas, têm habilidades e técnicas para contribuição na resolução de conflitos.
Assim, acreditando na validade e na eficácia desses institutos e dessa profissão, assim como na necessidade de ter cada vez mais facilitadores/pacificadores sociais, é que se propõe a presente pesquisa, a fim de que os alunos da UMA/UFT possam desenvolver essas habilidades e atuarem nesta seara.
Por outro lado, havendo tal necessidade, que gera, inclusive, oportunidades de emprego, é que se objetiva introduzir os métodos autocompositivos aos acadêmicos da Universidade da Maturidade da Universidade Federal do Tocantins, de Palmas/TO, a fim de que possam compreender a conciliação e a mediação, assim como o papel do conciliador e do mediador, no intuito de fazer com que se sintam familiarizados com o tema e aptos a protagonizarem esta profissão.
Entende-se que, além do direito à educação e de uma nova qualificação profissional, o velho que possua o conhecimento desta área, pode tornar-se instrumento de pacificação nas suas relações pessoais, profissionais e sociais.
2 A VELHICE NO CONTEXTO SOCIAL
Uma das situações atuais que mais tem despertado o interesse de pesquisadores é o prolongamento da vida dos seres humanos no planeta. Seja no âmbito social ou no mundo jurídico, o estudo da velhice ainda é tema recente.
2.1 O envelhecimento humano ao longo do tempo
Proteger o direito dos velhos é tarefa jurídica ainda a ser qualificada, apesar de avanços existirem. Assim, o presente capítulo tem por escopo discorrer sobre o envelhecimento humano ao longo do tempo, chegando aos dias atuais, visando também demonstrar a proteção jurídica existente para essa classe, assim como apresentar o trabalho realizado pela Universidade da Maturidade de Palmas/TO como forma de colocar em prática os direitos e garantias dos idosos.
Estudar o tema não é tarefa muito simples, mormente no sentido histórico, uma vez que os relatos não são fáceis de serem encontrados,pois, como explica Beauvoir (1990), os velhos não tinham uma categoria social específica e, por esse motivo, nunca intervieram no percurso do mundo. Eram, então, incorporados ao grupo dos adultos. Atualmente, pode-se perceber o aumento do número de pesquisas envolvendo a velhice, mas, como dito, nem sempre foi assim.
Beauvoir (1990) indica que a velhice era um privilégio das classes mais endinheiradas, sendo que os velhos pobres não representavam absolutamente nada; ainda assevera que pouca notícia se tem sobre mulheres velhas, sendo os registros históricos feitos basicamente dos homens e pelos homens, em razão da histórica discriminação feminina.
“A história, assim como a literatura, passa por eles radicalmente em silêncio” (BEAUVOIR, 1990, p. 111).
Com relação ao papel histórico-social do velho:
Enquanto conserva uma eficácia, ele permanece integrado à coletividade e não se distingue dela: é um adulto macho de idade avançada. Quando perde suas capacidades, aparece como outro; torna-se, então, muito mais radicalmente que a mulher, um puro objeto; ela é necessária à sociedade; ele não serve para nada: nem valor de troca, nem reprodutor, nem produtor, não passa de uma carga. Acabamos de ver que seu estatuto lhe é
outorgado: não supõe nunca, portanto, qualquer evolução. (...) Os velhos não têm arma nenhuma, e seu problema, e seu problema é estritamente um problema de adultos ativos. Estes decidem de acordo com seu próprio interesse, prático e ideológico, sobre o papel que convém conferir aos anciãos (Beauvoir, 1990, p. 110).
Especificamente tratando das sociedades ocidentais, Beauvoir (1990) menciona que o primeiro texto encontrado acerca do tema foi escrito por um filósofo egípcio, em 2.500 anos antes de Cristo, cuja descrição lastimava o declínio físico humano ocorrido através do passar dos anos.
Como é penoso o fim de um velho! Ele se enfraquece a cada dia; sua vista cansa, seus ouvidos tornam-se surdos; sua força declina; seu coração não tem mais repouso; sua boca torna-se silenciosa e não fala mais. Suas faculdades intelectuais diminuem, e lhe é impossível lembrar-se hoje do que aconteceu ontem. (...) A velhice é o pior dos infortúnios que pode afligir um homem (BEAUVOIRapudPtah-hotep, 1990, p. 114,).
Ressalta que, mesmo havendo diferenças sociais grandes dentre os povos no mundo, os registros sobre envelhecimento sempre se dão em volta do declínio orgânico do ser humano (BEAUVOIR, 1990).
No mesmo sentido, Beauvoir (1990) assevera que as narrativas bíblicas revelam uma reverência e reconhecimento às pessoas mais velhas, considerando- as até mesmo como eleitas de Deus, tratando a longevidade como a suprema recompensa da virtude.
Já na Grécia antiga, a figura do velho era muito respeitada, mormente no sentido político, pois era quem detinha riquezas e poder. Velhice tinha seu nome ligado à ideia de honra. “(...) era, portanto, em muitas das antigas cidades, uma qualificação” (BEAUVOIR, 1990, p. 123).
Não se levam em conta suas capacidades individuais, mas seus direitos. Pouco importa, portanto, que ele seja velho, débil, e até incapaz. Como a riqueza geralmente aumenta todos os anos, não são mais, portanto, os jovens, mas sim os mais idosos que ocupam o alto da escala social (BEAUVOIR, 1990, p. 125).
Citando o entendimento de Platão, Beauvoir (1990) conclui que as primeiras concepções do filósofo sobre velhice se dão a partir de suas opções políticas e que entende que os mais jovens devem obedecer aos mais velhos, insistindo na obrigação dos filhos para com os pais.
“Não podemos possuir nenhum objeto de culto mais digno de respeito do que um pai ou um avô, uma mãe ou uma avó oprimidos pela velhice” (BEAUVOIR, 1990, p. 136).
Por sua vez, o pensamento aristotélico indica que a experiência não é um fator de progresso, mas de involução, uma vez que o velho passou toda vida se enganando, e isto não poderia conferir-lhe superioridade sobre os mais jovens, já que viveram menos e não acumularam tantos erros quanto o velho. Também entendia por bem afastar os velhos do poder, porque os via como indivíduos enfraquecidos (BEAUVOIR, 1990).
Quando se trata da sociedade romana, pode-se dizer que o valor do velho se dava a partir do acúmulo de bens que detinha. O privilégio também existia dentro da família, tendo em vista que o poder patriarcal (paterfamilias) era quase sem limites. Conforme Beauvoir (1990, p. 142), o velho:
[...] tem os mesmos direitos sobre as pessoas do que sobre as coisas: matar, mutilar, vender. Esse poder não se extingue senão com a morte, ou com a capitis diminutio que – em casos extremamente raros – eliminava o cidadão da vida civil. [...] Se um jovem quisesse casar-se, era exigido não apenas o consentimento do pai, mas também o do avô, se este ainda fosse vivo: isto prova que o patriarca conservava sua autoridade até o fim.
Com o surgimento do cristianismo no berço da civilização romana, que tinha por essência a prática solidária, houve uma contribuição da igreja para a criação de asilos e hospitais, o que, de certa forma, supõe-se ter havido certa proteção e cuidado para com os velhos. No entanto, Beauvoir diz que na Idade Média os velhos foram excluídos da vida pública, estando a ideia de rejuvenescimento sempre presente; os jovens é que mantinham o controle social(BEAUVOIR, 1990).
Com a sociedade feudal, da mesma forma, a situação do velho era precária, muitas vezes chegando ao grau de mendicância, uma vez que, como camponeses, necessitando utilizarem-se da força física, não conseguiam produzir da mesma forma que os jovens (BEAUVOIR, 1990).
Com o fim da Idade Média, a sociedade evoluiu, de forma que renasceu a vida urbana e a forma de realizar negócios:
[...] a burguesia prospera. E os grandes mercadores, os grandes banqueiros adquirem títulos através de compras de terra e de casamentos: constitui-se uma nova nobreza. Vemos, assim, desenvolver-se um patriciado urbano. De
então em diante, a propriedade funda-se em contratos, e não na força física: aparece então o tipo tradicional do mercador, avesso à violência. Podem-se estocar mercadorias e o dinheiro. Essa transformação modifica, nas classes abastadas, a condição dos velhos: através da acumulação de riquezas, eles podem tornar-se poderosos. Há mais preocupação com eles (BEAUVOIR, 1990, p. 174-175).
O advento do Renascimento, que marcou o começo da Idade Moderna, trouxe a referência ao corpo e à juventude. “A Renascença exalta a beleza do corpo: o da mulher era posto nas nuvens. A feiúra dos velhos só pode parecer mais detestável ainda” (BEAUVOIR, 1990, p. 183). Inclusive, a vida sexual na velhice era tratada como algo repugnante, negado e ridículo. Socialmente aceitável era o velho que se comportava de modo a esperar a morte chegar com dignidade, afastando-se dos prazeres carnais(BEAUVOIR, 1990).
Beauvoir (1990) ressalta que desde o Egito até o Renascimento, o tema da velhice sempre apareceu de forma estereotipada, não sendo interessante estudar ou tratar do assunto, havendo a incansável tentativa de silenciar o velho, tendo-o como uma referência negativa e marginalizada.
O século XVII foi de extrema miséria e falta de higiene nos países europeus, afetando com isso, principalmente, crianças e idosos. A longevidade caiu significativamente, tendo apenas começado a mudar essa realidade a partir da segunda metade do século XVIII, quando se multiplicaram os projetos assistencialistas (BEAUVOIR, 1990).
“O Estado parecia reconhecer que todo homem tem direito à existência. [...] A Assistência pública foi reformada nesse sentido: a miséria dos deficientes e dos velhos foi um pouco atenuada” (BEAUVOIR, 1990, p. 222).
Beauvoir (1990) fala que no século XIX o contraste entre velhos explorados e velhos privilegiados ganha muita força, em razão de se trazer à baila essas contradições. Com o crescimento demográfico em razão da Revolução Industrial, o número da população idosa também aumentou de modo expressivo e, assim, não pôde mais ser ignorada.
A Revolução Industrial estabeleceu uma concentraçãoda população nas cidades. No campo, tornou-se cada vez mais difícil a sobrevivência da agricultura familiar, que assistiu, impotente, à mecanização da produção agrícola. A manutenção do papel social do trabalhador do campo dependia de suas posses. Os donos de pequenas propriedades, quando não podiam mais trabalhar na terra devido ao desgaste natural que esse tipo de trabalho gera, passavam o comando das atividades e da casa aos filhos, que muitas
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vezes os abandonavam em asilos ou, sob o mesmo teto, privavam os pais idosos dos itens básicos para a sobrevivência. Entre os grandes proprietários prevalecia o direito do pai, mesmo idoso, que tivesse dinheiro para contratar mão-de-obra e tocar os negócios. Ocorreu então um êxodo rural. Os trabalhadores que não puderam mais subsistir no campo juntaram- se à nova massa de desvalidos na cidade e engrossaram o contingente do proletariado. O trabalho dos operários era duro e extremamente desgastante, especialmente cruel para o trabalhador mais velho, que perdia o emprego por causa da idade. A literatura da época denunciou, de certo modo, a situação do idoso que vivia na miséria e os maus-tratos que sofria (BORGES, 2007, p. 12).
Beauvoir (1990) ressalta que idosos ricos e idosos pobres viviam em uma desigualdade muito grande neste novo modelo de sociedade, quase como se fossem duas espécies diferentes, podendo-se dizer que as mudanças econômicas e sociais causadas pela Revolução Industrial foram tão para uns quanto favoreceram outros.
Na pequena burguesia acontecia, acontecia frequentemente o filho ocupar na escala social uma situação superior à do pai, que acolhia com orgulho o sucesso dele: essa ascensão das gerações desarmava os ódios. Por outro lado, a sociedade nova exigia a colaboração dos jovens e dos velhos (BEAUVOIR, 1990, p. 244).
Deste modo, era necessário, então acumular a vivacidade da juventude e o conhecimento e a experiência da velhice. Essa transformação do núcleo familiar acabou por modificar a relação entre os netos e os seus avós:
Em lugar de antagonismo, fez-se entre eles uma aliança; não sendo mais chefe de família, o avô torna-se cúmplice das crianças, passando por cima dos pais, e, inversamente, as crianças encontram nele um companheiro divertido e inteligente (BEAUVOIR, 1990, p. 245-246).
Durante o século XX, em razão da melhora de vida dos camponeses, o abandono dos velhos e sua condição precária tornaram-se mais raros. Também em razão do avanço tecnológico, principalmente de áreas da medicina e da farmacologia, algumas dificuldades foram amenizadas (BEAUVOIR, 1990).
No entanto, Beauvoir (1990) assevera que as representações sociais se modificaram novamente, uma vez que o desenho da pessoa velha, que representava estabilidade e segurança, passa a ter conotação de obsolescência, retornando o idoso à margem social.
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Pode-se perceber, diante das situações apresentadas com embasamento na obra da autora Beauvoir (1990), que sempre foi escasso o interesse da sociedade em proteger os velhos e garantir seus direitos, seja no âmbito jurídico, social, econômico ou político.
No entanto, na sociedade antiga, como era composta basicamente por artesãos e camponeses, quando o velho se tornava incapaz, passava a viver com sua família, que lhe assegurava ao menos a subsistência. Desse modo, a velhice não era encarada como um problema social(BEAUVOIR, 1990).
2.2 A velhice nos dias atuais
Quando da escrita da obra, em 1970, Beauvoir (1990) relatou situações as quais denominou como “a velhice na sociedade de hoje”, refletindo o porquê a geração da velhice causa despreocupação e descaso social.
Beauvoir (1990) indica que para que haja compreensão, deve haver reciprocidade. Ou seja:
Implica 1º que o Outro seja meio de um fim transcendente; 2º que eu o reconheça como praxis, ao mesmo tempo que o integre como objeto ao meu projeto totalizador; 3º que eu reconheça seu movimento em direção aos seus fins no movimento pelo qual eu me projeto em direção aos meus; 4º que eu me descubra como objeto e instrumento de seus fins pelo próprio ato que o constitui como instrumento objetivo para os meus fins. Nessa relação, cada um rouba ao outro um aspecto do real, e lhe indica seus limites: o intelectual se reconhece como tal, diante de um trabalhador manual (BEAUVOIR, 1990, p. 266).
Para que o adulto reconheça o velho, deve haver um sentimento de reciprocidade, através do qual um deve apreender o outro:
O velho – salvo exceções – não faz mais nada. Ele é definido por uma exis e não por uma praxis. O tempo o conduz a um fim – a morte – que não é o seu fim, que não foi estabelecido por um projeto. E é por isso que a velhice inspira uma repugnância biológica; por uma espécie de autodefesa, nós a rejeitamos para longe de nós [...] (BEAUVOIR, 1990, p. 266).
Muitas vezes, por não haver esse reconhecimento, o que acontece é que os adultos tiranizam os velhos de maneira velada e os tratam como seres inferiores. Os interesses não são apenas os de ordem econômica, com o objetivo de explorar sua condição financeira, mas também de ordem moral, uma vez que a ação é no intuito
de que os velhos se conformem com a imagem que a sociedade faz deles, com regras de vestuário, comportamento, em respeito às aparências (BEAUVOIR, 1990).
O envelhecimento da população começou na França no final do século XVIII, espalhando-se, mais tarde, por outros países (BEAUVOIR, 1990).
Não somente as pessoas idosas são muito mais numerosas do que outrora, mas elas não se integram mais espontaneamente à sociedade; esta vê-se obrigada a decidir sobre o estatuto delas, e a decisão só pode ser tomada em nível governamental. A velhice tornou-se objeto de uma ação política (BEAUVOIR, 1990, p. 273).
De outro modo, quando se fala em velhice no século XXI, não se pode falar apenas em declínio biológico com pessoas chegando à idade mais avançada. É impensável falar do idoso sem analisar de maneira ampla a estrutura social vigente.
É preciso salientar que a posição que o idoso ocupa na sociedade não é apenas uma combinação das alterações biológicas e do seu impacto nas relações do indivíduo com o mundo. São inúmeras as variáveis que determinam a condição do idoso e qualquer tentativa fragmentada de investigação desse fenômeno múltiplo é míope (BORGES, 2007, p. 21).
Haddad (1986) ressalta que a posição que o idoso ocupa atualmente está ligada à ideologia da velhice como elemento básico das relações capitalistas. Num sistema cujo objetivo maior é a lucratividade, tornar-se velho é o mesmo que tornar- se improdutivo, imprestável. No entanto, se este velho acumulou riquezas durante sua vida produtiva, poderá ocupar uma posição social de prestígio, ao contrário do velho que não tem a mesma situação financeira.
Nos países regidos pelo sistema capitalista, vê-se uma negatividade na abordagem do tema envelhecimento, já que a inversão da pirâmide etária pode ser apontada como um fator que ameaça a produtividade. O Brasil, portanto, não foge à regra.
No mesmo sentido, há uma depreciação social com relação ao velho:
Percebe-se que a sociedade enxerga o ser humano admissível quando ele é ligeiro, saudável e com potencial para trabalhar velozmente. Envelhecer fisicamente reflete-se como uma incapacidade. É lógico, então, que o idoso seja considerado deficiente, incapaz, improdutivo.A coletividade confunde o envelhecer com doença a ponto de caracterizar algumas delas como próprias do idoso. Em função disso, quando ele adoece, incorpora a enfermidade à incapacidade de agir, menosprezando-se e entregando-se à própria sorte (OSÓRIO, 2002, p. 107).
Atualmente, quanto à situação do envelhecimento, não é difícil encontrar-se dados estatísticos em que se apresenta uma significativa mudança no perfil demográfico da população.
O crescente aumento da população idosa brasileira, decorrente de um processo de transição demográfica, tem sido alvo de abordagens e despertado interesse da sociedade sobre o assunto, sobretudo no meio acadêmico e midiático, pois muito se tem ouvido falar e discutiro tema. Ao redor de todo o mundo, a população está vivendo mais.
De acordo com projeções das Nações Unidas (Fundo de Populações) “uma em cada 9 pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, e estima-se um crescimento para 1 em cada 5 por volta de 2050”. [...] Em 2050 pela primeira vez haverá mais idosos que crianças menores de 15 anos. Em 2012, 810 milhões de pessoas têm 60 anos ou mais, constituindo 11,5% da população global. Projeta-se que esse número alcance 1 bilhão em menos de dez anos e mais que duplique em 2050, alcançando 2 bilhões de pessoas ou 22% da população global. [...] O envelhecimento é reflexo do mais baixo crescimento populacional aliado a menores taxas de natalidade e fecundidade” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA, 2011).
Segundo dados, o Brasil segue a tendência mundial:
A tendência de envelhecimento da população brasileira cristalizou-se mais uma vez na nova pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os idosos - pessoas com mais de 60 anos - somam 23,5 milhões dos brasileiros, mais que o dobro do registrado em 1991, quando a faixa etária contabilizava 10,7 milhões de pessoas. Na comparação entre 2009 (última pesquisa divulgada) e 2011, o grupo aumentou 7,6%, ou seja, mais 1,8 milhão de pessoas. Há dois anos, eram 21,7 milhões de pessoas. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA, 2011, grifo
nosso)
Considerando-se o envelhecimento de forma gradativa e célere, bem como historicamente o descaso com essa parcela populacional, o tema torna-se visível despertando interesse, uma vez que é preciso se pensar sobre a velhice (HADDAD, 2003).
Neste sentido, mesmo que ainda numa discussão tardia (mantendo-se a linha de pensamento paliativo e não preventivo), o envelhecimento humano tem ganhado espaço nos debates e tem sido alvo de estudos nos diferentes ramos do conhecimento, mormente no que diz respeito a proteção jurídica e garantia dos direitos fundamentais.
2.3 A velhice e os direitos fundamentais
Historicamente, como se viu, o direito e a proteção ao velho nunca foi objeto de preocupação nem de estudos. No entanto, não há dúvidas que essa parcela populacional merece e deve ter os seus direitos preservados e garantidos. Nesse ínterim é que se pode evocar os direitos fundamentais.
Quando se trata de direitos fundamentais, Miotti (2014, p. 10) fala em “um conjunto de normas de cada momento histórico que materializa as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humana da sociedade”.
A doutrina jurídica traz diferentes denominações para o tema, como direitos humanos, direitos do homem, liberdades fundamentais, entre outras (INDALENCIO, 2007).
Para Sarlet (2006), existem algumas diferenças de definições entre direitos fundamentais e direitos do homem. Os primeiros estariam ligados aos direitos reconhecidos e positivados no direito constitucional de cada Estado. Por sua vez, os segundos, teriam relação com o direito internacional, com validade universal, ou seja, seriam posicionamentos jurídicos reconhecendo o ser humano como sujeito de direitos, independente do Estado a qual pertença, valendo para todos os tempos e todos os povos, com caráter inequivocamente supranacional.
No entanto, essas diferenças ou categorias as quais os direitos são colocados representam apenas uma divergência semântica, e não serão considerados nesta pesquisa, já que o que se pretende é o reconhecimento e a proteção do ser humano como tal.
Insta salientar que o conceito de direitos humanos é concebido historicamente por cada povo, cada qual ao seu tempo, de acordo com o seu pensamento, seus costumes e seus ideais (CALERA, 1997).
Não são conceituados como valores universais e atemporais, originários de uma razão natural e fora da história, mas sim, como uma construção histórico-cultural, com base em axiomas expressos por princípios [...] (VIEIRA JÚINIOR, 2015, p. 84).
No entanto, denominam-se direitos fundamentais todos os direitos subjetivos inerentes a todos os seres humanos enquanto dotados da condição de pessoa humana,conforme explica Ferrajoli (1999, p. 36):
[...] ciudadanos o personas concapacidad de obrar; entendiendo por ‘derecho subjetivo’ cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones) adscrita a um sujeto por uma norma jurídica; y por ‘status’ lacondición de um sujeto, prevista asimismo por uma norma jurídica positiva, como presupuesto de suidoneidad para ser titular de situaciones jurídicas y/o autor de losactos que sonejercicio de éstas.
Citando Herrera Flores, Roberto e Roberto (2015) explicam que falar em direitos humanos é muito mais complexo do que aparenta, já que o tema requer não somente distribuições mais ou menos justas, mas ter como objetivo primordial a preservação da dignidade humana.
Os direitos humanos,conforme Herrera Flores (2009, p. 43):
[...] se apresentam sob o guarda-chuva protetor e globalizador da universalidade (são direitos humanos porque pertencem aos humanos). Desde o princípio, havemos de ser conscientes de que reflexão sobre os direitos está repleta de contradições internas que exigem ser desveladas para, como nos dizia Foucault, fazer visível o visível: as injustiças, opressões e exclusões contra as quais, em teoria, o conceito de direitos humanos nos deveria proporcionar instrumentos de luta e de intervenção.
Deste modo, juntamente com os estudos sobre direitos humanos surge a noção de dignidade da pessoa humana, nascendo nesse contexto de proteção e igualdade a todas as pessoas.
Sarlet (1988) ensina que a dignidade da pessoa humana pode ser uma:
[...] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 1988, p. 61).
Segundo Indalencio (2007), com o passar dos tempos houve uma evolução conceitual quanto à dignidade da pessoa humana e sua importância no contexto de um Estado Democrático de Direito, tendo se desenvolvido de uma primitiva relação
de privilégios entre castas até a busca da igualdade de tratamento dos indivíduos perante todas as formas de violência.
No ensinamento de Moraes (2001, p. 48):
[...] a dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerentes às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia(sic) de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Nesse sentido é que se trabalha com o conceito de dignidade, sendo ele o pilar da ordem política e social de um Estado, reconhecido como “a gama de relações intersubjetivas de poder, delimitando a relação entre os indivíduos e entre eles e o [...] Estado” (INDALENCIO, 2007, p. 25).
E, desta forma, como primeiro passo a fim de universalizar positivamente os direitos acima mencionados, no seu primeiro artigo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, trouxe a igualdade e a dignidade dentre seus direitos1.
Com o advento do Estado Democrático, efetivamente, o marco inicial que positivou os direitos fundamentais foi a Constituição da República Federativa, em 19882, que,além de ter como fundamento a dignidade da pessoa humana, trouxe um título específico tratando sobre os direitos e garantias fundamentais.
2.4 Proteção legislativa à pessoa idosa no Brasil
Consoante já trazido à baila, estão constitucionalmente garantidos os direitos de todos os cidadãos, tendo como estrutura o princípio da dignidade da pessoa
1Artigo I - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
2Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana.
humana. Deste modo, estão inseridos no contexto de proteção desses direitos os direitos da pessoa idosa.
No Brasil, a proteção legislativa do idoso é recente. É possível dar o exemplo da Constituição Imperial de 1824 e a da República de 1891 que nada disseram sobre o assunto (FREITAS JÚNIOR, 2015).
A Constituição de 1934 instituiu e assegurou a previdência social ao trabalhador idoso, sendo tal situação ratificada pelas Cartas Magnas de 1937, 1946 e 1967, que também somente preocuparam-se com o velho no sentido previdenciário (FREITAS JÚNIOR, 2015).
Pode-se ver, portanto, que raríssimos dispositivos referiam-se ao cuidado dos velhos dentro do contexto histórico legislativo, demonstrando uma clara despreocupação do legislador para com o tema.
A Constituição Federal de 19883, por sua vez, positivou os direitos e as garantias fundamentais referentes aos idosos, determinando que tanto a família, quanto a sociedade e o Estado são responsáveis por amparar e defender-lhes, consagrando um capítulo exclusivamente para tratar sobre o direito da família, da criança e do adolescente, assim como dos jovens e idosos.
Há, por exemplo, disposições constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos (artigo 14), à aposentadoria compulsória (artigo 40, §1º, inciso II), e à concessão de salário mínimo mensal a idoso que não tenha recursos suficientes para prover sua subsistência (artigo 203, inciso V).
Nesse sentido, Barletta (2010, p. 81):
Possuem o dever de amparar as pessoas idosas, preferencialmente em seus lares, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, seu bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida e à gratuidade dos transportes coletivos urbanos [...].
3Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
Diante do momento histórico que se vive atualmente, bem como pelos dados demográficos, pela vulnerabilidade a que estão submetidas as pessoas idosas, há uma necessidade premente de protegê-las:
(...) alcançando seu direito de amparo à condição de fundamental, para o bem delas próprias, de suas famílias, da comunidade em que se inserem, da sociedade em geral e até mesmo do Poder Público, pois, não ampará- las sob a égide de um direito fundamental poderia causar um déficit social relevantíssimo (SARLET, 2006, p. 79, grifo nosso).
A positivação desses direitos, portanto, vem amparar esta classe desassistida ao longo dos tempos. Dentre as necessidades dessas proteções, estão assegurados o direito ao trabalho e o direito a educação.
2.5 Do direito ao trabalho e a educação
Primeiramente, importa salientar que, ao existir um sistema de normas adequado, visando a adoção de um conjunto de iniciativas e políticas públicas eficazes e preocupadas em garantir os direitos do idoso, há um imperativo do princípio da dignidade da pessoa humana, fruto de um longo processo de conquistas históricas (PINHEIRO, 2012).
Tal princípio é fonte essencial de observância ao se tratar de direitos e proteção de pessoas, e a partir dele podem-se citar outros tantos. Porém, os que nos interessam para o deslinde da pesquisa, no contexto da velhice, são o direito ao trabalho e o direito a educação.
No que tange ao direito ao trabalho, que é fundamental à pessoa humana, vem positivado na Constituição Federal de 1988, independentemente do avanço do seu tempo de vida: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, [...] na forma desta Constituição”.
Do mesmo modo: “Art. 8º. Envelhecer é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social [...]” (ESTATUTO DO IDOSO, 2003).
Desta forma, além de dar proteção ao ser humano quanto ao direito de envelhecer, a legislação também lhe assegura o direito de ter educação e trabalho na velhice.
É importante salientar que a condição etária poderá ser objeto de distinção quando se tratar de benefício ao idoso, com o objetivo de inclusão, adaptação, manutenção, proteção ou aperfeiçoamento da atividade profissional. Mas não como fator negativo e prejudicial (PINHEIRO, 2012).
Desse modo, não é possível afirmar que a idade possa servir de motivação, mesmo que indiretamente, para discriminar ou excluir pessoas, em especial na esfera do trabalho (PINHEIRO, 2012).
Convém afirmar, nesse sentido, que nesta faixa etária há uma condição peculiar, que são as senescências físicas e mentais. Na medida em que envelhece, o ser humano modifica sua estrutura corporal e mental, adquirindo algumas restrições. Assim, deve haver uma adequação para a concretização dos direitos às limitações decorrentes, porquanto se sabe da vulnerabilidade deste grupo (PINHEIRO, 2012).
Evidencia-se que, em todas as situações, diante da proteção especial conferida pela lei, a atividade profissional desenvolvida, além de digna, lícita e hígida – requisitos gerais exigidos para qualquer trabalho –, há também de ser compatível com as condições da pessoa idosa – requisito específico justificado pela sua condição especial –, destacadamente:
As condições físicas, que impedem a designação de tarefas que imponham desmesurada ou desproporcional carga de esforço ou movimentos;
As condições intelectuais, que proíbem serviços que impliquem conhecimentos ou técnicas de complexidade incompatíveis com a capacidade pessoal;
As condições psíquicas, que devam atividades que acarretem inadequada pressão psicológica, intensas situações de estresse ou carga emocional acima de limites razoáveis (PINHEIRO, 2012, p. 242).
É possível aludir, por conseguinte, que a inserção dos velhos em atividades profissionais deve ser de acordo com sua faixa etária, suas condições físicas, intelectuais e psíquicas, a fim de garantir o legal exercício do trabalho. Qualquer situação diferente a isso, nega o próprio direito e se contrapõe ao princípio da dignidade humana (PINHEIRO, 2012).
Neste sentido:
 (
30
)
Essa proteção legal específica e prioritária, com efeito, destina-se a equilibrar situações sociais reconhecidamente desiguais, adversas em relação ao grupo humano identificado pela idade (os idosos), garantindo tratamento e condições especiais, a fim de que cada um dos seus integrantes, em suas variadas realidades, possa ter acesso e usufruir os bens da vida e os direitos que são fundamentais à própria dignidade – como é o trabalho -, e que assim não seria possível sem a garantia de uma tutela jurídica adequada (PINHEIRO, 2012, p. 243).
O mercado de trabalho nos dias atuais tem exigido competências cada vez mais específicas nas atividades laborais, com a necessidade de conhecimento técnico-científico, vigor físico, celeridade, raciocínio e criatividade.
Pontua-se, em observação inicial, que o cidadão-trabalhador, na realidade presente, tem sido reconhecido essencialmente pela medida de sua capacidade de produzir e de gerar rendimentos e vantagens transformados em lucro, no âmbito das atividades laborais. É esse, sem dúvida, um fator preponderante de exclusão socialna sociedade capitalista, revelando a sua inexorável faceta de perversidade, ao pautar, nem tão dissimuladamente, o valor existencial do ser humano e, pois, o acesso aos bens da vida, a medidas e padrões de conteúdo meramente econômico (PINHEIRO, 2012, p. 261).
Nesta urgência de resultados, é impossível ignorar, então, a pressão que o trabalhador na velhice sofre essas pressões do capitalismo global, que tem a maioria de suas atividades profissionais voltadas propositalmente aos jovens, na busca de resultados imediatos, baseados na falsa percepção de que o jovem é mais produtivo, ágil e adaptável a mudanças (PINHEIRO, 2012).
“Eis o fenômeno da “juvenilização do trabalho”, condenável, sob todos os ângulos, pela lente da justiça social e que tem infligido um preconceito odioso, nessa área, em relação ao idoso” (PINHEIRO, 2012, p. 244).
Os velhos deparam-se com essas questões todos os dias. Pinheiro (2012) indica que a eventual perda do vigor da pessoa idosa, ou mesmo sua lentidão, é compensada por sua estabilidade emocional, por sua vasta experiência de vida e por sua confiança. Além disso, segue de maneira categórica afirmando que não há estudos que comprovem cientificamente que idosos, numa avaliação generalizada, são piores no trabalho do que pessoas com faixa etária inferior.
Sendo assim, é imperioso que se criem mecanismos jurídicos e sociais que garantam aos idosos igual oportunidade de trabalho, com condições adequadas, uma vez que, como já visto, o aumento desta faixa populacional tem sido algo crescente e premente na nossa sociedade.
 (
31
)
Conforme elucida Pinheiro (2012, p. 245, grifo nosso):
Não basta, por isso, que a lei estabeleça [...] que “o idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas”. Há de se ter, obrigatoriamente, consequências práticas para assegurar-se a fruição desse bem jurídico fundamental.
Nesse ínterim, a fim de assegurar que a prática esteja em consonância com os ditames legislativos, o artigo 28, inciso II4, do Estatuto do Idoso propaga como dever de criação e estímulo, por parte do Poder Público, de programas e medidas de profissionalização, como forma de estimulara efetivação dos direitos de cidadania, inclusive com estímulo às empresas privadas a contratarem idosos.
Por sua vez, o direito do idoso à educação torna-se indiscutível a partir do momento em que a Constituição Federal afirma os direitos e garantias fundamentais do cidadão, dentre eles os direitos sociais, incluindo-se o direito à educação5.
No contexto da transição de um período ditatorial para um momento democrático, como já explicitado acima, o direito à educação emerge como um dos principais temas positivados constitucionalmente.
A educação para os direitos humanos, na perspectiva da justiça, é exatamente aquela educação que desperta os dominados para a necessidade da briga, da organização, da mobilização crítica, justa, democrática, séria, rigorosa, disciplinada, sem manipulações, com vistas à reinvenção do mundo, à reinvenção do poder. (FREIRE, 2001, p. 99).
No mesmo sentido, explica Ramos (2014, p.133):
Educar não significa apenas transmitir conhecimentos que interessam a quem ensina. O processo de educação é antes de tudo um processo de consciência, daí ser condição de libertação do próprio homem, daí a razão de ser considerado direito fundamental. (...) A educação é um direito de todos, inclusive dos idosos, e um dever do Estado. (grifo nosso)
A educação é fundamental para o desenvolvimento do ser humano e para a sua dignidade, fazendo com que possa desempenhar papeis de relevância em sociedade, estabelecendo convívio social, familiar, profissional, alcançando seus
4 Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de:
I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas; (...)
III – estímulo às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho.
5Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
direitos e deveres, contribuindo, inclusive, para a participação política, sobretudo noque diz respeito à educação na velhice (SOUZA; SANTANA, 2010).
É preciso contribuir para o ensino dos velhos com seriedade e respeito, com adequação dos meios,principalmente pela necessidade de muitos ainda em aprender, por estarem ativos no mercado de trabalho, ou querendo retornar a esse ambiente.
Cabe dizer, outrossim, que a educação emerge como fonte primordial ao início de um novo pensamento e até mesmo de uma mudança cultural, tanto do velho consigo mesmo, quanto da população para com a velhice (SOUZA; SANTANA, 2010). Deve haver a valorização do velho, a estimulação de sua criatividade, a busca de novos conhecimentos e até mesmo o aprimoramento desses conhecimentos, criando-se um real compromisso social com essa faixa etária.
Do mesmo modo, seguindo na ideia de proteção de direitos, é promulgada no Brasil, em 1994, a Lei nº 8.842 que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, tendo por escopo assegurar os direitos sociais do idoso, promovendo, desta forma, sua autonomia, integração e efetiva participação na sociedade (FREITAS JUNIOR, 2015).
A mencionada lei traz as finalidades, os princípios, as ações governamentais, dentre outras menções, referentes aos cuidados com os velhos, sendo que somente após oito anos, em 2002, através do Decreto 4.227, foi instituído o Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos, vinculado ao Ministério da Justiça, a fim de avaliar a Política Nacional do Idoso (FREITAS JUNIOR, 2015).
Dando continuidade ao incremento legal de proteção à pessoa idosa, em 2003, foi promulgada a Lei nº 10.741, mais conhecida como Estatuto do Idoso. Marco legal de direitos desta classe, delineado em 118 artigos, o Estatuto articulou todos os direitos fundamentais da pessoa idosa, as instituições responsáveis pela sua defesa, bem como as medidas de proteção e os crimes dos quais os idosos são vítimas por conta de sua condição etária (RAMOS, 2012).
No que tange ao direito a educação, ratificando os termos da Constituição Federal, preconiza o artigo 20: “O idoso tem direito a educação, cultura, esporte,
lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade”(ESTATUTO DO IDOSO, 2003, grifo nosso).
E continua no mesmo sentido o artigo 21: “O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados” (ESTATUTO DO IDOSO, 2003).
Portanto, há que se salientar que o direito à educação dos idosos deve ser assegurado, de modo adequado, com formas e métodos capazes de alcançarem os objetivos pretendidos, tornando eficaz o aprendizado, e, mais que isso, deve haver estímulo ao respeito e à valorização do velho.
Como se viu nesta seção, os idosos são uma parcela populacional em crescente número, tanto no Brasil, quanto no mundo todo e, historicamente, sempre foram excluídos do contexto social, principalmente quanto à garantia dos seus direitos. No entanto, atualmente o grupo possui proteção legislativa quanto aos seus direitos, sendo possível afirmar que tais positivações foram e seguem sendo de suma importância, para que cada vez mais haja uma conscientização coletiva do papel do idoso na sociedade.
3 O CONFLITO
A presente seção tem por objetivo demonstrar que, por mais que as relações sociais sejam conflituosas, estas divergências podem ser vistas sob um panorama prospectivo. Ou seja, os conflitos podem ser resolvidos de modo que os próprios conflitantes tenham autonomia para solucionar suas pendências. Neste sentido, os métodos autocompositivos da conciliação e da mediação serão estudados, a fim de elucidar seu papel no contexto social atual.
3.1 A teoria do conflito
O Estado,figura presente através do Poder Judiciário, têm feito o papel de solucionar de conflitos da sociedade, costumeiramente mediante uma prestação jurisdicional dada por um juiz. No entanto, atualmente tem-se visto algumas maneiras diferentes de acesso ao Poder Judiciário, com outras formas de resolver conflitos que não o tradicional (SPENGLER; SILVA, 2013).
Desde os tempos mais remotos da humanidade tem-se notícia da existência de conflitos nos seus mais diversos graus, já que surgem como parte integrante de qualquer relação humana (SPENGLER; SILVA, 2013).
As interações sociais podem acontecer em um ambiente social (família, grupo, comunidade, nação, civilização) onde foram desenvolvidas técnicas, regras, valores, símbolos, dentre outros meios de comunicação para que aconteçam esses convívios. Cada um dos envolvidos é uma unidade complexa e, assim, poderá tomar decisões que dizem respeito somente a si mesmo, em um plano individual, mas também pode decidir em nome de outros integrantes do grupo. Essas tomadas de decisões, tanto de forma individual, quanto nacional, podem desencadear uma luta entre diferentes interesses e valores (DEUTSCH, 1973).
Segundo Simmel, o problema da sociedade está nas relações que suas forças e formas estabelecem com os indivíduos – e se a sociedade existe dentro ou fora deles. Mesmo quem reconhece a ‘vida’ autêntica somente nos indivíduos, e identifica a vida da sociedade com seus membros individuais, não poderia negar uma variedade de conflitos reais entre indivíduo e sociedade. De um lado, porque, nos indivíduos, os elementos fundem-se no fenômeno particular denominado ‘sociedade’, e esta adquire seus próprios pilares e órgãos que se contrapõem ao indivíduo com exigências e atitudes como se fosse um partido estranho (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 41).
De outro modo, sugere-se o conflito justamente através da inerência da sociedade nos seres humanos, uma vez que os indivíduos6 são capazes de sentirem-se parte de si mesmo e parte de um ser social, estando sempre em conflito com os impulsos do seu eu, para que não haja transgressões sociais. Assim, o conflito persegue o indivíduo como luta entre as partes de sua essência também. Desta forma, não há como separar sociedade e indivíduo, pois o sujeito só existe como movimento social (GHISLENI e SPENGLER, 2011).
Muitos conflitos surgem porque as atividades ou os gostos de um indivíduo ou de um grupo chocam-se com as preferências, a sensatez ou a sensibilidade de um outro. Destarte, é importante notar que todos possuem o direito de ter suas próprias escolhas e preferências, e que apenas isso não enseja motivos suficientes para a ocorrência de um conflito. O problema surge quando o direito alheio é desrespeitado através da falaciosa convicção de que o exercício de um direito é absoluto e ilimitado, em detrimento do direito dos demais partícipes da sociedade de não terem seus direitos lesados pelo exercício exacerbado de um direito singular de um indivíduo, o que resultará em um incômodo – mola propulsora de um conflito. O excesso no exercício de um direito, ao ponto de comprometer o de outrem, é um fenômeno razoavelmente suficiente para a ocorrência de uma disputa. (DEUTSCH, 1973, p. 13).
Portanto, é natural que as pessoas divirjam entre si, entre seus grupos, culturalmente, religiosamente, politicamente, economicamente, etc., e essas diferenças podem suscitar as mais diferentes formas de disputas (CUNHA, 2008).
Da mesma forma,
o conflito pode ser definido como um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis. Em regra, intuitivamentese aborda o conflito como um fenômeno negativo nas relações sociais que proporciona perdas para, ao menos, uma das partes envolvidas (JUDICIAL, 2016, p. 47).
Simmel (2006), baseado na obra de Coser (1956), analisa o conflito na perspectiva sociológica, em termos de processos de interações sociais e afirma-o “como uma forma de socialização”. Ou seja, explica que as pessoas agrupadas em sociedade não são totalmente harmoniosas entre si. Segue explicando que a formação dos grupos é resultado de associação e dissociação, de modo que, tanto o conflito quanto a cooperação, prestam-se a uma função social. Assim, pode-se dizer que o conflito é um elemento estrutural na formação grupal.
6Simmel sugere que em termos de autor e de conflito social é que se deve definir o sujeito: ele não é um princípio que paira acima da sociedade nem o indivíduo na sua particularidade; ele é um modo de construção da experiência social, como o é a racionalidade instrumental.
Continuando no mesmo pensamento (SIMMEL, 2006), o conflito também se presta a estabelecer e manter a identidade de um grupo.
(...) estabelece fronteiras entre os grupos, fortalecendo a consciência do grupo e a consciência da separação de outros grupos. Os antagonismos recíprocos entre grupos preservam as divisões sociais e os sistemas de estratificação. Essas "repulsões" recíprocas estabelecem a identidade dos vários grupos dentro do sistema e também ajudam a manter o sistema social geral. Por exemplo, o conflito entre as castas indianas estabelece a distinção dos vários grupos e assegura a estabilidade da estrutura social geral. A distinção entre o próprio grupo e os "estrangeiros" é estabelecida dentro e por meio do conflito. Isso inclui conflitos entre classes, nações, grupos étnicos, e partidos políticos. Nas estruturas sociais onde há uma quantidade substancial de mobilidade, a hostilidade mútua entre os grupos é acompanhada pela atração dos estratos mais baixos para os estratos superiores. Tais estruturas tendem a fornecer muitas ocasiões para o conflito. (STAFF, 2005, p.28).
Ademais, o desenvolvimento social, cultural e econômico das sociedades tem provocado uma proliferação de relações jurídicas e, consequentemente, um aumento das controvérsias sociais.
A regulação dos conflitos dentro de uma sociedade se transforma no tempo e no espaço, criando os “remédios” a serem aplicados, sendo que a ineficácia em sua aplicação produz a noção equivocada de que a causa é a falta de recursos estruturais, materiais e pessoais, dentro outros. Porém, o remédio age apenas sobre a ferida, não atacando a causa. É justamente nesse contexto que se faz necessário reportar ao problema do vínculo social exposto por Freud, definido pelo jogo das competições e rivalidades geradoras do conflito. Esses podem ser inter-individuais e/ou sociais [...].
Desse modo, conforme Simmel, existe um conflito “comunitário” entre os litigantes, pois aquilo que se separa, justificando o litígio, é também o que os une, uma vez que compartilham a lide. Não se pode, então, deixar de pensar nas palavras de Freud, o qual aponta para a intensa competição entre irmãos, mas também confirma a união dos mesmos na empreitada de matar o pai. Esse conflito entre irmãos acontece nas mais diversas formas relacionais [...] (SPENGLER, 2007, p. 293, grifo nosso).
Compreender o conflito, portanto, não significa entendê-lo como um corpo estranho à sociedade, já que se trata de uma manifestação própria da natureza humana e de seu caráter social; mas como um mal que precisa ser solucionado a partir do autoconhecimento e disposição dos envolvidos (ROCHA; GUBERT, 2017).
Quanto mais próximo o relacionamento, mais intenso é o conflito, pela proximidade dos envolvidos, que leva a sentimentos fortes e, assim também, a divergências acentuadas. É compreensível que os sentimentos muito fortes levem a disputas, tanto porque o medo de um conflito intenso poderá levar os envolvidos a suprimirem seus sentimentos hostis e esse acúmulo possivelmente intensificará ainda mais o conflito quando ele vier à tona (STAFF, 2005).
Nesse contexto de relações próximas e afetivas, pode-se dizer que:
[...] essa problemática social não se restringe às relações públicas, mas se entende até os lares e inicia um processo desde a convivência familiar, restringindo os sujeitos da reflexão e reduzindo-os aos seus papeissociais. Nessa perspectiva, o conflito instala-se como uma doença, um ente maligno que arrasa tudo aquilo que toca [...] (ACOSTA JÚNIOR, 2014, p. 42).
Deutsch (1973) afirma que os conflitos podem ser percebidos de duas maneiras: na forma como realmente são e na forma com que são percebidos por seus agentes. Pode-se dizer que uma coisa é como as situações sucedem e outra é como as pessoas as vêem.
Assim, podem ser classificados em seis tipos: 1) Verídico: seria o conflito real, onde os envolvidos têm o mesmo objetivo, mas não conseguem alcançá-lo por não haver espaço para a mesma resolução que contemple ambos; 2) Contingente: é aquele em que há um modo alternativo para resolver a questão, dependendo da flexibilidade das partes para resolvê-lo. Este tipo de conflito impede que os envolvidos saiam em total desvantagem da negociação; 3) Deslocado: há uma divergência sobre a coisa errada, ou seja, há manifestação por um conflito subjacente, que não está sendo manifestamente experienciado(DEUTSCH, 1973).
Dando continuidade à classificação, Deutsch (1973) também mensura o conflito como: 4) Mal-atribuído: aqui o conflito acontece equivocadamente com as partes e não com a coisa em si; 5) Latente: existe implicitamente, mas não está exteriorizado, em razão das circunstâncias dos indivíduos. Só acontecerá a partir do momento que o agente sentir-se atingido porque a situação contraria seus ideais, valores ou crenças. Aí então, o conflito passará a ser evidente; 6) Falso: é aquele que possui falhas de comunicação entre os indivíduos, mas na verdade não existe, pois o motivo que lhe deu causa não o justifica.
No entanto, nem sempre o conflito pode ser avaliado como algo negativo e desgastante. Quando visto como uma situação inevitável, fenômeno natural das relações humanas, pode ser capaz de proporcionar aos envolvidos elaborações evolutivas e proveitosas. Esta mudança de visão consiste em uma das principais alterações da chamada moderna teoria do conflito (JUDICIAL, 2016).
Assim, segundo Deutsch (1973), os conflitos podem ser classificados como destrutivos ou construtivos. O processo destrutivo diz respeito ao enfraquecimento ou rompimento de uma relação preexistente à divergência, com a tendência de se
expandir e tornar-se cada vez mais acentuado, desenvolvendo-se independente das causas iniciais, assumindo aspectos competitivos em que os envolvidos buscam vencer a disputa, independentemente de reflexão sobre sua origem (AZEVEDO, 2004).
Os processos construtivos, por sua vez, são aqueles em que os envolvidos passam a entender a origem do conflito e acabam fortalecendo a relação social preexistente à disputa (AZEVEDO, 2004). Ou seja, há uma percepção prospectiva da disputa e o desenvolvimento de soluções criativas que sejam compatíveis com os interesses de ambos.
Os conflitos nunca desaparecem, se transformam; isso porque, geralmente, tentamos intervir sobre o conflito e não sobre o sentimento das pessoas. Por isso, é recomendável, na presença de um conflito pessoal, intervir sobre si mesmo, transformar-se internamente, então, o conflito se dissolverá (se todas as partes comprometidas fizerem a mesma coisa) (WARAT, 2004. p. 26).
Desta forma, quando o conflito é tratado de forma positiva, funciona como uma espécie de mola propulsora que começará um processo de transformação tanto nos envolvidos quanto à sua volta. É preciso que todas as partes estejam dispostas a despirem-se de seus argumentos e motivações defensivas iniciais, admitindo a fragilidade dos sentimentos, e assumirem a posição de sujeitos aprendizes (WARAT, 2004).
Essa nova perspectiva do conflito trata-se de:
[...] uma forma social possibilitadora de elaborações evolutivas e retroativas no concernente a instituições, estruturas e interações sociais, possuindo a capacidade de se construir num espaço em que o próprio confronto é um ato de reconhecimento produzindo, simultaneamente, uma transformação nas relações daí resultantes. Desse modo, o conflito pode ser classificado como um processo dinâmico de interação humana e confronto de poder no qual uma parte influencia e qualifica o movimento da outra (SPENGLER, 2010, p. 248).
Neste contexto, então, é mais importante permitir aos envolvidos conflitantes o distanciamento do confronto de vontades e o retorno ao equilíbrio consigo mesmos do que encaminhá-las para processos de negociação que tentam barganhar vontades opostas(ROCHA; GUBERT, 2017).
A atitude inovadora de aprendizagem é o contrário da disposição científica da modernidade, é sentir o conflito, sentir os sentimentos, utilizar mais o coração e menos a mente. É alojar no diálogo o amor de forma recursiva que, no seu vai-e-
vem, esvazia a mente da negatividade do conflito. Este contínuo fluxo de sensibilidade altera as percepções do entorno e acaba por modificar a perspectiva do sentir, inserindo o amor como condição de vida (ACOSTA JÚNIOR, 2014, apud WARAT, 2004).
3.2 Métodos de resolução de conflitos
Conforme se viu, os conflitos são inerentes do ser humano, tanto consigo mesmo, com suas questões internas do seu eu, assim como faz parte das relações sociais às quais pertence.
Pode-se falar em três métodos para que os conflitos sejam solucionados, explicados pela doutrina de Zamora y Castillo (2000): autotutela, processo ou tutela jurisdicional (heterocomposição) e autocomposição.
3.2.1 Autotutela
Originalmente chamada de autodefesa, é também conhecida como fazer justiça com as próprias mãos, ou vingança. É uma forma de solucionar o conflito, na situação em que um dos envolvidos impõe ao outro a solução, de modo unilateral e forçado.
A (falsa) ideia de justiça com as próprias mãos reflete os instintos mais selvagens e primatas do homem que se pretende moderno. É o momento em que há total abdicação ao “pacto” social, em que o justiceiro faz a sua própria lei, acusador e juiz a um só tempo, algoz que vinga os males cometidos pelos transgressores da lei (CAMARGO; PIRES, 2015.).
Conforme Santos (2012, p. 26): “é a forma primitiva, e ainda não totalmente extinta, de solução dos conflitos de interesses individuais ou coletivos. É o predomínio da força”.
Trata-se de uma solução primitiva e, como regra, não autorizada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
La autodefensase caracteriza porque uno de lossujetosenconflicto (trátese de persona individual, asociaciónobrera o patronal, consorcio econômico, partido político oficial, profesión o cuerpo, Estado nacional, etcétera), ayn a veceslos dos, como enella guerra, resuelven o intentan resolver elconflictopendienteconel outro, mediante suaccióndirecta, en lugar de servirse de laacción dirigida haciael Estado a través delproceso. De ahí que
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laautodefensa brinde una solución parcial y egoísta. (ZAMORA Y CASTILLO, 2000, p. 50).
Concordando com o pensamento acima descrito, descreve Bacellar (2016):
A ideia de monopólio do Estado surgiu exatamente para limitar o poder do mais forte, evitando abusos e a aplicação generalizada daquilo que se denominava autotutela pelo exercício de uma forma de aplicação da justiça privada. A importância do monopólio jurisdicional é fato incontestável e assegura aos cidadãos a tranquilidade de não precisar se armar para a luta ou fazer valer seus direitos por meio do exercício da força (BACELLAR, 2016, p. 17).
Nessas circunstâncias, o sujeito age sob a égide da força e por si próprio, a fim de que seja obtida uma situação de vantagem em relação à situação desejada. Assim, essa prática não é bem vista, por trazer uma ideia de violência (TARTUCE, 2018).
Valer-se da força sempre foi uma alternativa à falta do poder estatal e a primeira reação do indivíduo para resolver seus conflitos. Apesar de haver no ordenamento jurídico permissão excepcional para o uso da autotutela (como exemplo a legítima defesa e o estado de necessidade), no entanto, tal situação não pode ser considerada regra geral quando se está em um Estado Democrático de Direito. Assim, é dever do Poder Judiciário mitigar os conflitos, mantendo a convivência pacífica entre as pessoas,que não maisnecessitam medir forças, como em tempos passados(TARTUCE, 2018).
3.2.2 Processo, Tutela Jurisdicional ou Heterocomposição
Quando o conflito é instaurado entre dois ou mais envolvidos, estes escolhem um terceiro agente, imparcial e equidistante, para solucioná-lo. Preferem os envolvidos (ou até mesmo um deles unilateralmente), ao invés de, entre si ajustarem a solução de sua controvérsia, submeter a outrem a resolução da disputa (SENA, 2007).
El proceso apareceria así como unmedio jurídico para ladilucidaciónjurisdiccional de una pretensión litigiosa, fórmula ésta mediante la que se elude la controvertida cuestión acerca de si sirve para larealizacióndelderecho objetivo para elderecho subjetivo. [...]Constituye, a su vez, um estado de antagonismo entre unas partes que piden y unjuzgador que decide [...] (ZAMORA Y CASTILLO, 2000, p. 112).
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Para resolver a questão, não é possível a autonomia de vontade das partes nesta situação. Os envolvidos devem submeter-se necessariamente à decisão do terceiro imparcial (árbitro, na arbitragem ou juiz na jurisdição estatal).
As questões são resolvidas nos limites em que são apresentadas, e o terceiro, substituindo a livre-iniciativa da vontade das partes, decide conforme estabelecido pela lei ou pela convenção arbitral (BACELLAR, 2016).
Ainda, cabe dizer que os processos heterocompositivos estão focados na culpa dos sujeitos e são retrospectivos, de forma que a disputa necessariamente deva ter um perdedor e um ganhador; busca-se examinar o passado da relação e verifica-se uma forma de compensação de eventuais equívocos anteriores com reparações no presente. O formalismo é definido pelo julgador, possui linguagem e regras tradicionais, com objetivo a desvendar os fatos e, assim, julgar de acordo com o direito positivado (JUDICIAL, 2016).
A arbitragem, regulada pela Lei nº 9.307/96, é uma forma de método heterocompositivo. Pode ser definida como:
[...] uma ampla técnica para solução de controvérsias por meio da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial (BACELLAR, 2016, p. 130).
Pode-se dizer que a arbitragem seria uma espécie de justiça privada, onde as partes divergentes devem consentir para o fato de um terceiro, que não o Estado- Juiz, preferencialmente especialista na matéria controvertida em questão, receba poderes e julgue o mérito, com imparcialidade. “Para que se instaure a arbitragem, é essencial o consentimento das partes: enquanto o juiz retira seu poder da vontade da lei, o árbitro só o conquista pela submissão da vontade das partes” (BACELLAR, 2016, p.132).
Também se trata de método heterocompositivo a decisão judicial, que é ato exclusivo proferido por um magistrado togado7, equidistante das partes, imparcial, que irá decidir o conflito com base nas provas trazidas pelas partes aos autos, respeitando os limites legais estabelecidos.
7 O magistrado togado também é conhecido como Juiz. É o agente político que decide as causas que são submetidas ao Poder Judiciário. Deve, necessariamente, ser um bacharel em Direito, que presta concurso público junto aos Tribunais.
A jurisdição pressupõe uma organização política centralizada, pois ela somente pode ocorrer onde há a consolidação de um poder centralizado, capaz de definir certas autoridades como competentes para decidir sobre os conflitos sociais que lhe forem apresentados. Eis aqui uma das características fundamentais do modelo jurisdicional: a obrigatoriedade de submeter-se ao julgamento e acatar a decisão final. Quando uma pessoa aciona outra frente ao judiciário (tornando-se, então, autor de uma ação), o réu não pode dizer simplesmente: não reconheço a autoridade do tribunal. No modelo de adjudicação, a autoridade do tribunal é definida previamente e não depende da aceitação das partes (COSTA, 2003, p. 24.).
3.2.3 Autocomposição
A autocomposição tem explicação na sua natureza etimológica. Ou seja, por força da livre autonomia das partes, não há decisão por um terceiro estranho ao caso, sendo solucionado o conflito pelos próprios envolvidos na questão.
É a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio. É a solução altruísta do litígio. Considerada, atualmente, como legítimo meio alternativo de pacificação social(DIDIER, 2010, p.93-94).
Desta forma, pode-se dizer que a autocomposição nada mais é do que uma solução altruísta de uma situação conflituosa, cujas partes envolvidas é que resolvem o litígio de acordo com seus próprios interesses, não necessitando submeterem-se a uma terceira pessoa para julgar sua causa. Nesse ponto, os litigantes libertam-se da subserviência à decisão judicial para tomarem as rédeas do conflito, no intuito de resolvê-lo da forma que melhor entenderem.
Autocomposição é a prevenção ou solução do litígio por decisão consensual das próprias pessoas envolvidas no conflito. Distingue-se da tutela jurisdicional porque, enquanto esta é uma solução heterocompositiva exercida mediante a imposição de um terceiro imparcial, na autocomposição não há imposição e a solução é parcial (por obra dos próprios envolvidos) (CALMON, 2008, p. 53).
Se necessário for, as partes poderão contar com o auxílio de um terceiro facilitador, imparcial, porém sem poder decisório, apenas tendo a função de reestabelecer o diálogo entre os conflitantes, fazendo indagações criativas, de modo a estimulá-los a raciocinar sobre o conflito, suas nuances, com o objetivo de que os
próprios envolvidos encontrem suas respostas, e, por conseguintes a ou as soluções para o caso em questão (BACELLAR, 2016).
Importa salientar que a autocomposição é formada por duas espécies: a extraprocessual, também chamada de pré-processual e a endoprocessual.
A primeira caracteriza-se quando a transação entre as partes realiza-se antes de haver o ajuizamento de demanda judicial, ou seja, as partes ajustam o direito material de acordo com sua própria vontade, sem a necessidade de declinar ao Estado-Juiz o poder decisório do caso em questão. Aqui, ainda não há qualquer tipo de demanda processual tramitando, tratando-se de uma tentativa prévia para compor a divergência. Por outro lado, fica caracterizada a segunda espécie quando o acordo surge dentro dos próprios autos do processo, caso em que a autocomposição deixará de ser um meio de evitá-lo (embora evite a conclusão impositiva por obra de terceiro imparcial – jurisdição) para se tornar uma forma de pôr fim ao processo (CALMON, 2008).
Neste contexto, diversos são os mecanismos que visam a obtenção da autocomposição, que, dentre os mais conhecidos, estão a negociação, a mediação e a conciliação.
3.2.3.1 Negociação
É possível afirmar que a negociação é um processo e uma técnica com o objetivo de resolver diretamente desavenças de interesses e percepções:
Tem por objetivo criar, manter ou evoluir um relacionamento baseado na confiança, gerando ou renovando compromissos múltiplos e facilitando a formulação de opções e proposições para um acordo ou de novos acordos. A partir da definição inicial, pode-ser afirmar que a negociação é estabelecida	diretamente	entre	os	interessados	na	resolução	da controvérsia (negociação direta), mas pode, excepcionalmente, contar com o auxílio de terceiro (negociação assistida) (BACELLAR, 2016, p. 168).
Pode-se dizer que negociação é uma comunicação voltada para a persuasão. Os agentes são livres para transacionarem entre si, direta e livremente e detém o controle do processo e do resultado negociados. Podem escolher o momento e o local da negociação, determinam como se dará, discutem propostas, podem chegar a um acordo, abrangendo valores ou questões diretamente ligados à disputa (JUDICIAL, 2016).
Bacellar (2016) indica que é sempre válido que as os envolvidos na controvérsia sejam os responsáveis, ao menos inicialmente,

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