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49 PSICOLOGIA JURÍDICA Unidade II 5 A FAMÍLIA E A LEI A família moderna retirou da vida comum não apenas as crianças, mas uma grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu a uma necessidade de intimidade, e também de identidade; os membros da família se unem pelo sentimento, o costume e o gênero de vida (ARIÈS, 1978, p. 278). Figura 9 Disponível em: https://bit.ly/41rJTzl. Acesso em: 24 fev. 2023. A estrutura da família e seu conceito foram se desenvolvendo ao longo da história humana. Muitos autores têm analisado o papel da família no que tange à sua importância na construção do indivíduo em muitos aspectos, como: emocionais, intelectuais, sociais, interacionais. De acordo com Souza e Miranda (apud CARVALHO, 2014, p. 209): A família é uma unidade social que passa por várias fases no desenvolvimento, diferenciando-se em diferentes culturas, mas possui raízes universais. Em todas as culturas, a família dá a seus membros o cunho de individualidade. A identidade humana tem dois elementos: um sentido de pertencimento e um sentido de separação. O laboratório em que estes integrantes são misturados e administrados é a família, considerada matriz da identidade. No processo inicial de socialização as famílias modelam e programam o comportamento e o sentido de identidade da criança. 50 Unidade II Ainda a esse respeito, Vidigal (apud SIQUEIRA; JAEGER; KRUEL, 2013) apontam: A família passa a ser considerada em dimensões estendidas e ampliadas, para além da unidade pais e filhos e passa a ser compreendida também como aquela formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Por exemplo, no antigo Código Civil brasileiro (1916), observa-se que o pai aparecia como a figura dominante da família, cabendo-lhe o pátrio poder (chefe da sociedade conjugal), resultando na denominação de família tradicional. Essa família era constituída de pai, de mãe e de filhos, gerada pelo casamento. Na antiga legislação civil a lógica era de natureza patriarcal (hierárquica em sua constituição). Nesse sentido, a mulher casada é vista como parcialmente incapaz. A incapacidade feminina refletia-se, por exemplo, na criação dos filhos, em especial dos filhos homens. Impossível imaginar a separação do casal, e quando ocorria, buscava-se investigar o culpado pelo fracasso do casamento. Portanto, a família era um código moral assimétrico sexual, perdendo sua configuração durante o século XX. Após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, muitos homens morreram na guerra, possibilitando, mundialmente, que as mulheres assumissem postos de comando. Com a invenção de meios anticoncepcionais mais seguros, a emancipação feminina desponta, tornando as mulheres mais independentes e encarando com mais facilidade uma eventual separação do casamento. Esse contexto possibilita novas formas de convívio familiar, dando lugar à família nuclear. A Constituição Federal de 1988 contempla essas mudanças, quando esboça nos artigos 226 e seguintes a nova família que está sob a proteção da lei. Ela pode ser biparental, constituída por casamento ou união estável, de natureza heterossexual ou homossexual. A seguir, veja o que está previsto na legislação: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar: devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (Carta Magna de 1998) [...] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 51 PSICOLOGIA JURÍDICA Figura 10 Disponível em: https://bit.ly/3ksCyP6. Acesso em: 24 fev. 2023. O Supremo Tribunal Federal, em 2011, reconheceu a união estável homossexual. Por Resolução do Conselho Nacional de Justiça, os cartórios do Brasil não podem mais recusar a celebração de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo. Figura 11 Disponível em: https://bit.ly/3Sub1JR. Acesso em: 24 fev. 2023. A Constituição reconhece, igualmente, a família monoparental, constituída por um dos pais e seu(s) filho(s). Portanto, a lei brasileira permite a constituição e reconstituição livre da família, não mais obrigada a seguir um único modelo previsto em lei. 52 Unidade II Diante do exposto, o pátrio poder cede lugar ao poder familiar: a uma forma mais igualitária de gerir a família. O Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 2003, prevê a igualdade dos cônjuges, admitindo a dissolução da sociedade conjugal: “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direito e deveres dos cônjuges” (Primeiro artigo do Capítulo I, Livro IV do Código Civil, Direito de Família). Além disso, a lei prognostica, apesar da separação do casal, a manutenção do vínculo de pais e filhos pela guarda compartilhada ou não. Esse vínculo é importante ao legislador, uma vez que os filhos têm o direito de convivência familiar: Art. 19. [...] toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Art. 22 [...] aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio (BRASIL, 1990). Com relação à guarda dos filhos, ela pode ser realizada de três maneiras: a guarda única ou exclusiva; a guarda compartilhada e a guarda alternada. A guarda única ou exclusiva (conferida a só um dos genitores) passou a ser insatisfatória para atender as necessidades e interesses dos pais e principalmente dos filhos. Com as mudanças na estrutura familiar, foi preciso buscar novas modalidades de guarda capazes de assegurar aos pais uma divisão igualitária da autoridade parental, bem como aos filhos, objetivando amenizar os efeitos dolorosos na maioria das separações. Surge então a guarda compartilhada ou conjunta, estabelecendo a atuação da autoridade parental aos pais que desejam continuar a relação com os filhos diante da cisão da estrutura familiar. Essa possibilidade se justifica pela necessidade de garantir o melhor interesse da criança e a igualdade entre pais e mães na responsabilização dos filhos. Nesse sentido, a continuidade do convívio da criança com ambos os pais é indispensável para seu desenvolvimento saudável. 53 PSICOLOGIA JURÍDICA Observação Comparando os dois tipos de guarda (compartilhada ou exclusiva), observa-se que as vantagens da guarda compartilhada são maiores que as desvantagens: resulta em uma melhora da autoestima do filho, melhora do rendimento escolar, diminuição da tristeza e do medo de abandono, além de permitir o acesso a ambos os pais (convivência igualitária). De acordo com Souza e Miranda (apud CARVALHO, 2014, p. 208): A guarda jurídica compartilhada é um plano de guarda onde ambos os genitores dividem a responsabilidade legal pela tomada de decisões importantes relativas aos filhos menores, conjuntas e igualmente. Significaque ambos os pais possuem exatamente os mesmos direitos e as mesmas obrigações em relação aos filhos menores. Por outro lado, é um tipo de guarda nos quais os filhos do divórcio recebem dos tribunais o direito de terem ambos os pais, divididos de forma mais equitativa possível, as responsabilidades de criarem e cuidarem dos filhos. Os mesmos autores afirmam o seguinte sobre a guarda alternada: Este tipo de guarda caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deterem a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano escolar, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia e, consequentemente, durante esse período de tempo deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder paternal. No término do período, os papéis invertem-se (CARVALHO, 2014, p. 213). A fim de contribuir com o desenvolvimento saudável dos filhos de pais separados, surge a proibição da alienação parental, caracterizada pelo ato de afastar o filho do pai ou da mãe, conduta proibida por lei. A justiça brasileira possibilita a intervenção nos casos em que ela ocorre. Saiba mais Para entender melhor o assunto, leia: ASSOCIAÇÃO DE PAIS E MÃES SEPARADOS (APASE). Síndrome da alienação parental e a tirania do guardião: aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2007. 54 Unidade II De acordo com a Apase (2007), a alienação parental é a exclusão de um “terceiro”, mantendo-o sem contato com os filhos. Dessa forma, o comportamento passa a ter uma conotação negativa, pois coloca o alienado alheio aos acontecimentos e preso ao alienador. O afastamento do progenitor que não detém a guarda ocorre progressivamente, resultando no aparecimento de dois fenômenos: • o desapego com o genitor ausente; • a simbiose forçada com o genitor presente: nesse fenômeno ocorre uma dependência em que o filho passa a nutrir os mesmos sentimentos que este em relação ao genitor afastado, podendo resultar em desamparo. Entre as características relacionadas ao alienador, destacam-se: • Instabilidade emocional. • Controle. • Ansiedade. • Agressividade. • Perversidade. • Uso da projeção como um mecanismo de defesa, projetando nos filhos todas as suas frustrações, com o objetivo de atingir o outro progenitor. • Intenção de formar com o filho uma aliança. • Desejo de destruir o outro genitor. • Ausência de reconhecimento dos filhos como seres humanos separados de si. Em decorrência dessas características, alguns comportamentos clássicos da alienação parental podem ocorrer: • Recusar chamadas telefônicas. • Organizar atividades com os filhos quando do período de visitas do outro genitor. • Apresentar o novo relacionamento como “seu pai” ou “sua mãe”, em substituição ao genitor descontínuo. • Interceptar correspondências e/ou presentes. 55 PSICOLOGIA JURÍDICA • Desvalorizar e insultar o outro genitor. • Impedir o direito de visita. • “Esquecer” de avisar o outro genitor de compromissos importantes da criança. • Ameaçar os filhos caso estes mantenham contato com o outro genitor. • Culpar o outro genitor por comportamentos inadequados dos filhos. • Superproteger, fazer falsas denúncias de abuso sexual, físico, psicológico. • Apresentar comportamento psicopático, impulsivo e agressivo injustificado. • Sempre ter certeza de suas acusações. O relacionamento desses genitores é caracterizado nos registros periciais ou no relato de testemunhas como extremamente controlador e simbiótico: as crianças são incapazes de ter autonomia no fazer e no pensar. A síndrome de alienação parental (SAP) é, portanto, uma forma de violência psicológica e deixa sequelas irreparáveis, em que o alienador é o real abusador. Ele necessita de cuidados psicológicos e até o possível afastamento da criança, embora isso possa provocar mais um desamparo para a criança. A seguir, apresentamos os principais pontos da Lei da Alienação Parental, reiterando as afirmações relatadas anteriormente: LEI N. 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a alienação parental. Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: 56 Unidade II I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso. Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas. Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. 57 PSICOLOGIA JURÍDICA § 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. § 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental. § 3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivênciade criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único. Caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. 58 Unidade II Art. 7o A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. Art. 8º A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial. 5.1 Lei Maria da Penha A violência doméstica foi reconhecida apenas na década de 1990 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela pode ser física, sexual ou psicológica, cometidas por parceiros íntimos. Alguns estudiosos como Soares (apud MOREIRA; PRIETO, 2010) acreditam que o comportamento violento é transmitido entre as gerações, afirmando que é na família que os indivíduos recebem as primeiras lições de violência. Essas lições ensinam, por exemplo, que aqueles que amam ou são amados são também aqueles que batem. Dessa forma, a violência passa a ser permissível. Com relação à violência feminina, observa-se que é, preferencialmente, na própria casa que as mulheres correm o risco de serem agredidas, estupradas, ameaçadas e mortas, vivenciando um ambiente cercado de medo, de dor e de silêncio. Essa situação pode resultar em relações patológicas que se retroalimentam em decorrência de uma progressiva onda de violência carregada de ódio e rancor, por exemplo. De acordo com Borges (apud MOREIRA; PRIETO, 2010), o medo da perda do objeto “amado” pode levar o indivíduo a utilizar como defesa atos que intimidam seu parceiro. Para Safiotti (apud MOREIRA; PRIETO, 2010), há uma escala progressiva de tipos de agressões que surge através dos anos de relacionamento: agressões verbais, ameaças de morte, agressões físicas, sexuais, homicídio. A violência contra a mulher pode ser classificada em: • Violência física: surge quando a mulher resiste à violência psicológica. Caracterizada por: empurrões, tapas, murros, queimaduras, braços torcidos, enforcamentos, socos, pontapés, puxar cabelos. O objetivo é marcar o corpo; destruir o pensamento; anular o outro como sujeito. 59 PSICOLOGIA JURÍDICA Figura 12 Disponível em: https://bit.ly/3XZV8fd. Acesso em: 24 fev. 2023. Observação Se não houver denúncia da violência, há uma escala da intensidade e frequência das agressões. • Violência psicológica: ela aparece de diversas maneiras: humilhação, questionamento quanto a competência como mãe, mulher, esposa e profissional, isolamento, impedimento de trabalhar, estudar, cativeiro, controle, ciúme patológico. Nesse tipo de violência, as vítimas têm dificuldades em percebê-la e reconhecê-la, por ser um tipo de violência de natureza imprecisa e subjetiva, propiciando significações distintas de um mesmo ato dependendo do contexto. O objetivo desse tipo de violência é controlar, solucionar conflitos e manter a mulher sob o poder do agressor. Figura 13 Disponível em: https://bit.ly/41r6Nqg. Acesso em: 24 fev. 2023. 60 Unidade II Observação Hirogoyen (apud MOREIRA; PRIETO, 2010) ressalta que não existe violência física sem que anteriormente tenha ocorrido a violência psicológica. A característica comum dos homens que praticam abusos emocionais é a habilidade em encontrar um ponto fraco na esposa. Esse ponto fraco passa a ser uma arma para mantê-la como sua propriedade. • Violência cíclica: caracterizada por um processo contínuo e repetitivo de agressões. Ela é composta de quatro fases distintas, que se retroalimentam: — Fase da construção da tensão: é uma violência não direta, caracterizada por violências verbais, silêncios hostis, olhares agressivos, ciúmes, ameaças, destruição de objetos e irritação excessiva do agressor. Este tende a responsabilizar a vítima por todos os seus problemas e frustrações. A vítima, (mulher) por sua vez, passa a atribuir a si mesma a responsabilidade pela frustração e irritação do companheiro, desenvolvendo, inconscientemente, um processo de constante autoacusação. — Fase da agressão: nessa fase, a tensão atinge seu ponto máximo. A violência física inicia-se de forma gradual, caracterizada, por exemplo, por empurrões, tapas, e a utilização de armas de fogo, além de forçar a companheira a manter relações sexuais, como forma de dominação. Observação A vítima não esboça reação, pois o terreno já foi preparado na fase da tensão, objetivando a não defesa da vítima. — Fase de desculpas: o agressor tende a minimizar seu comportamento agressivo ou até mesmo anulá-lo. Essa fase é acompanhada de arrependimento e o agressor tenta encontrar uma explicação para o seu comportamento. O objetivo dessa fase, além de responsabilizar a companheira pelo comportamento agressivo, é fazer com que ela não sinta mais raiva dele. A vítima sente-se, mais uma vez, culpada, acreditando que se for mais atenciosa, se modificar seu comportamento e evitar atitudes que aborreçam o agressor, evitará a perda de controle do agressor. — Fase da lua de mel: nessa última fase, o agressor tem medo do abandono e de perder a companheira. Dessa forma, cessam os ataques violentos, as agressões físicas, os pedidos de desculpas e as promessas. Há ausência de tensão. Surge então um comportamento amoroso do agressor. Nesse sentido, a vítima é levada a acreditar que é ela que detém o poder da relação. Ela acredita que pode corrigir o agressor com seu amor, paciência e dedicação e passa a ter esperança de que haverá uma melhora. Por isso, ela retira as queixas, tornando-se mais tolerante à agressão. 61 PSICOLOGIA JURÍDICA Observação Com a violência instalada, os ciclos (fases) se repetem e aceleram tanto no tempo quanto em intensidade: surgem as fases mais curtas e mais intensas. A Lei Maria da Penha (Lei n. 1.1340/2006) originou-se de um caso verídico. Maria da Penha é o nome de uma senhora que sofria agressões do marido, que por duas vezes tentou matá-la. Diante dessa realidade, a vítima lutou para conseguir que fosse promulgada a lei (ocorrida em 2006), que, além de punir o agressor dos crimes cometidos no lar, procura fazer com que esses crimes não aconteçam ou não sejam facilitados. A lei trata de qualquer agressão contra a mulher, como: física; verbal; psicológica; relação sexual indesejada; violência patrimonial. Dessa forma, se uma mulher se encontrar nessa situação, a justiça deve tomar medidas para, principalmente, afastar a mulher de seu parceiro agressor. A lei garante, entre outras medidas, o atendimento de uma equipe multidisciplinar que possa oferecer um tratamento. Observação A finalidade da Lei Maria da Penha é retirar a mulher não do seu lar, mas da posição de vítima, para que ela possa se tornar sujeito de sua própria ação. Pontuamos, a seguir, informações importantes a respeito da Lei n. 13.827, de 13 de maio de 2019: Art. 1. Esta Lei altera a Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha),para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça. Art. 2. O Capítulo III do Título III da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 12-C: “Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica ou familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: 62 Unidade II I – pela autoridade judicial; II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. § 1. Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. § 2. Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.” Art. 3. A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescida do seguinte Art. 38-A: “Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência. Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas.” 5.2 Feminicídio Figura 14 Disponível em: https://bit.ly/3kp7sb8. Acesso em: 24 fev. 2023. 63 PSICOLOGIA JURÍDICA Devido aos altos índices de crimes cometidos contra a mulher, houve a necessidade de leis que tratassem desse tipo de crime. Diante dessa realidade, surge, em 2015, a Lei do Feminicídio (Lei n. 13.104/15), que alterou o Código Penal brasileiro, incluindo dessa forma como qualificador do crime de homicídio o feminicídio. A lei aplica-se nos casos de violência doméstica ou familiar e quando houver menosprezo ou discriminação contra a condição de mulher. O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher pelo fato de ela ser mulher, ou seja, ele é motivado pela discriminação de gênero. Observação Quando o assassinato de uma mulher é originado de latrocínio (roubo seguido de morte) ou de uma briga entre desconhecidos ou é praticado por outra mulher, não é qualificado como feminicídio. Vejamos algumas determinações da Lei: LEI N. 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1 da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Art. 1 O art. 121 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: Homicídio simples Art. 121 [...] Homicídio qualificado § 2 [...] Feminicídio VI- contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: [...] § 2-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; 64 Unidade II II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. [...] Aumento de pena [...] § 7 A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR) Art. 2 O art. 1 da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração: “Art. 1 [...] I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado.” 5.3 Violência A violência se configura basicamente de três formas: violência velada, que engloba o assédio moral e o assédio sexual; violência doméstica; e violência intrafamiliar. O assédio moral engloba qualquer comportamento abusivo e repetitivo que afeta a plenitude física ou psíquica de uma pessoa, em especial no ambiente de seu trabalho (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016). Por se tratar de uma violência velada devido a seu caráter invisível e subjetivo, dificulta a sua constatação para uma posterior penalização. De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (2016, p. 6): O objetivo do assediador, em regra, é motivar o trabalhador a pedir desligamento, exoneração ou remoção, mas o assédio pode configurar-se também com o objetivo de mudar a forma de proceder do trabalhador simplesmente visando, por exemplo, à humilhação perante a chefia e demais colegas, como uma espécie de punição pelas opiniões, atitudes manifestadas ou por discriminação. O importante, para a configuração do assédio moral, é a presença de conduta reiterada que humilhe, ridicularize, menospreze, inferiorize, rebaixe, ofenda o trabalhador, causando-lhe sofrimento psíquico e físico. 65 PSICOLOGIA JURÍDICA Saiba mais Leia mais sobre assédio em: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Assédio moral e sexual: previna-se. Brasília: CNMP, 2016. Observação O assédio moral ainda não faz parte, expressamente, do ordenamento jurídico brasileiro quanto às empresas de iniciativa privada. Contudo, existem projetos de lei em diferentes cidades e estados a fim de regulamentá-lo, a exemplo do Projeto de Lei n. 4.591/01, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral por servidores públicos da União, Autarquias e Fundações Públicas Federais em desfavor de seus subordinados, alternado o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei n. 8112/90) (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016). Figura 15 Disponível em: https://bit.ly/3SrLEIu. Acesso em: 24 fev. 2023. Para Guimarães e Rimoli (apud MESSA, 2010), há três tipos de assédio moral: • Ascendente: uma pessoa pertence a um nível hierárquico superior da organização, se vê agredida por um ou vários subordinados. Comum quando alguém de fora é introduzido na empresa em um cargo superior, porque seus métodos ainda não são conhecidos e aceitos pelos trabalhadores ou porque o cargo é desejado por eles. Acontece também quando uma pessoa é promovida e passa a comandar seus antigos companheiros de trabalho. Pode acontecer o assédio contra os chefes que mostram características autoritárias e arrogantes. 66 Unidade II • Horizontal: acontece quando o trabalhador assedia um companheiro com o mesmo nível hierárquico. O ataque pode ocorrer por problemas pessoais, ou porque alguns não aceitam as regras aceitas pelos demais. Nesse caso, pessoas mais frágeis psicológica ou fisicamente são exploradas para causar aborrecimentos ou simplesmente passar o tempo. • Descendente: situação mais habitual que ocorre quando a pessoa que tem poder, através de depreciação, falsas acusações, insultos e ofensas, mina a esfera psicológica do assediado para se destacar ou manter sua posição hierárquica. Pode ser também uma estratégia empresarial, que força o indivíduo ao abandono voluntário do emprego (MESSA, 2010). Para Nakamura e Fernández (apud MESSA, 2010), o assediador faz uso de alguns métodos para impedir que a vítima reaja: • Desqualificação: o agressor desqualifica continuamente a vítima, levando-a a duvidar de suas próprias habilidades e percepções quando o comportamento é não verbal. • Desacreditação:o agressor desacredita a vítima publicamente. • Isolamento da vítima: facilita sua destruição psicológica pelo agressor. • Humilhação: frequente, com designação de tarefas inúteis ou degradantes. • Indução ao erro: com o propósito de criticar ou humilhar o trabalhador, oferecendo-lhe uma má imagem de si mesmo. • Assédio sexual: o agressor acredita que a vítima não pode negar suas imposições (MESSA, 2010, p. 49). Figura 16 Disponível em: https://bit.ly/3IwZNzP. Acesso em: 24 fev. 2023. 67 PSICOLOGIA JURÍDICA Complementando o tema, além dos tipos e dos métodos utilizados pelo assediador, Leymann (apud MESSA, 2010) apresenta as fases que compõem o assédio moral: • Fase de conflito: conflitos interpessoais normais entre pessoas com objetivos e interesses diferentes, gerando problemas pontuais e atritos que poderiam ser resolvidos com diálogo. Com a estigmatização desses conflitos pontuais, produz-se um ponto de partida para enfrentamentos maiores posteriores. Fase em que o indivíduo vai progressivamente perdendo a confiança em si mesmo. Envolve influência intelectual ou moral, e a pessoa passa a não reagir espontaneamente. • Fase de mobbing ou estigmatização: fase de grande duração, em que ocorre o assédio propriamente dito. O ódio do agressor, que era velado na fase anterior, torna-se manifesto. O agressor passa a humilhar a vítima, com comportamentos perversos, durante um tempo prolongado, com o objetivo de ridicularizá-la e isolá-la socialmente. O assediado não consegue acreditar no que está acontecendo e pode negar as evidências mediante passividade ou evitação do fenômeno para o resto do grupo. • Fase de intervenção da empresa: momento em que a direção da empresa toma conhecimento do conflito e, caso não se trate de uma estratégia empresarial planejada, são sugeridas soluções. As soluções podem ser positivas, no caso de a empresa investigar mais profundamente o conflito e decidir pela transferência do trabalhador ou assediador, tomando medidas de punição para que as humilhações não mais ocorram; ou negativas, em que a direção não aprofunda a investigação do caso e encara a vítima como o problema a ser resolvido, sem investigar que o problema pode estar em outro fator. Nesse caso, a direção se alia ao meio que assedia ativa ou passivamente a vítima. • Fase de marginalização ou exclusão da vida laboral: fase em que a vítima abandona seu emprego, provavelmente depois de várias licenças. Quem persiste no trabalho pode se submeter a altos níveis de estresse, comprometendo sua saúde. Alguns sofrem o agravamento do problema, dentro ou fora da empresa. Casos mais extremos podem levar ao suicídio (MESSA, 2010, p. 50). Uma outra categoria de violência velada diz respeito ao assédio sexual, que compreende uma conduta relacionada à sexualidade que acomete o espaço de uma outra pessoa, sem pedir permissão. Esse assédio ocorre em diferentes ambientes: trabalho, relações de docência; relações domésticas; religiosas ou de confiança. Frequentemente, é cometido por pessoas que apresentam condição hierárquica de superioridade do emprego, do cargo ou da função. O assediador faz uso de propostas inadequadas, causando embaraço e constrangimento para a vítima. De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (2016), os requisitos para a configuração do assédio sexual são: a) Constrangimento provocado por agente que assim age favorecido pela ascendência exercida sobre a vítima, para fins de responsabilidade penal. Do ponto de vista trabalhista, o assédio sexual entre colegas da mesma hierarquia pode ser caracterizado e gerar responsabilidade ao empregador/ Poder Público, ainda que por omissão, porque não garantiu um meio ambiente de trabalho psicologicamente saudável e isento de assédio; 68 Unidade II b) De forma dolosa; c) Pelo comportamento do agente que visa à vantagem sexual; d) Sem o consentimento da vítima (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016, p. 18). Observação As mulheres são as que mais sofrem assédio sexual, e a relação sexual é exigida pelo assediador. O assédio sexual faz parte do assédio moral e é definido na Lei n. 10.224, de 15 de maio de 2001, que introduziu no Código Penal a tipificação do crime de assédio sexual, dando a seguinte redação ao art. 216-A: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena prevista é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Ainda, o assédio sexual pode terminar em estupro. As consequências dessa violência são profundas, resultando em dificuldades no comportamento sexual, afetivo e social da vítima. De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (2016), a vítima de assédio deve: • Resistir. Dizer, claramente, não ao assediador. • Anotar, com detalhes, todas as humilhações sofridas: dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome do(a) assediador(a) e dos colegas que testemunharam os fatos, conteúdo das conversas e o que mais achar necessário. • Reunir provas, como bilhetes, e-mails, presentes e outros. • Romper o silêncio, procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que testemunharam o fato ou que já sofrem humilhações do(a) assediador(a). • Evitar conversar e permanecer sozinho(a) – sem testemunhas – com o(a) assediador(a) (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016, p. 23). Trataremos agora da denominada violência doméstica, que se diferencia da violência intrafamiliar por envolver outros membros do grupo, aqueles que não têm função parental, mas que convivem no espaço doméstico, como empregados e agregados. 69 PSICOLOGIA JURÍDICA Conforme Siqueira, Jaeger e Kruel (2013), na violência intrafamiliar, outra forma de violência, observa-se que as maiores vítimas são as crianças, os adolescentes e as mulheres. Estudos mostram que a violência é um fenômeno complexo, pois é necessário compreendê-la a partir de vários fatores. Ao mesmo tempo, é através do trabalho realizado com a família que temos a oportunidade de reconhecer como essa problemática se manifesta para, posteriormente, estruturarmos uma estratégia preventiva. Saiba mais Para saber mais sobre o tema, leia a obra a seguir, que relata os principais estudos desenvolvidos no Brasil sobre a violência contra os mais jovens: HABIGZANG, L. F.; KOLLER, S. H. Violência contra crianças e adolescentes: teoria, pesquisa e prática. Porto Alegre: Artmed, 2012. 5.4 Separações litigiosas e guarda dos filhos Figura 17 Disponível em: https://bit.ly/3IuXvkp. Acesso em: 24 fev. 2023. Em nosso mundo de furiosa “individualização”, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam – embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência (BAUMAN, 2004, p. 8). Espera-se em uma separação conjugal, em condições não litigiosas, que ela se torne uma possível solução para todos os envolvidos. No entanto, quando a separação é de natureza litigiosa, percebemos, 70 Unidade II em muitos casais, uma série de dificuldades para reorganizar suas vidas e de administrar as suas responsabilidades perante os filhos. Se as dificuldades não são resolvidas, poderão desencadear distúrbios emocionais, em especial, nos filhos do casal. Diante desse cenário, o casal decide procurar um profissional que avaliará uma ação para posteriormente prosseguir até a sentença judicial ou homologação para estabelecer, por exemplo, quem ficará com a guarda dos filhos, as formas de visita, o pagamento de alimentos e a partilha dos bens. De acordo com Antunes, Magalhães e Feres Carneiro (2007), os sujeitos que vivem litígios familiares apresentam algumas característicascomo: agressividade; postura resistente diante de intervenções; discurso que tem como base uma lógica adversarial e muitas vezes têm os filhos como objetos do pedido judicial. Dias e Souza (apud ANTUNES; MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007) afirmam que, em uma separação litigiosa, cada uma das partes tem a necessidade de comprovar sua versão, e consequentemente atribuindo à outra parte a culpa pelo término da relação conjugal para que, posteriormente, busque a absolvição do juiz. Inclusive, os autores explicam que algumas das longas disputas judiciais têm a intenção de prolongar os vínculos conjugais. Kaës (apud ANTUNES; MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007) chama a atenção para o fato de que a escolha amorosa não seria consciente porque ela obedeceria a um “determinismo familiar”. No entanto ele aponta para a possibilidade de transformação, quando da interação das subjetividades. Importante destacar, ainda, que para o autor, o vínculo do casal se concretiza a partir da identificação de características comuns, baseado no que ele denominou “noção de complementaridade”. Puget (apud ANTUNES; MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007) nos apresenta três tipologias de conjugalidade: • Dual: o autor a resume através da expressão “Somos um só”, caracterizada pelo vínculo fusional, modelo do objeto único, relação de simetria ou assimetria, e de idealização mútua. • Terceiridade limitada: é um tipo de vínculo indiscriminado, mas não autossuficiente, apresentando uma angústia catastrófica, que é amenizada pela presença de um terceiro elemento (geralmente o filho). • Terceiridade ampla: em que encontramos os egos suficientemente discriminados, oferecendo possibilidade de desfazer mal-entendidos sem a presença de angústia. Um ponto favorável a destacar é a construção de um código comum em que as dificuldades são ajustadas. Nessa tipologia, admite-se o lugar do terceiro elemento com alguns momentos de exclusão. De acordo com Puget, a exclusão possibilita que os parceiros se reencontrem e reelaborem o vínculo enquanto casal. Para Antunes, Magalhães e Feres Carneiro (2007), em uma separação conjugal ocorre o processo de “des-ilusão amorosa”, caracterizada por um desdobramento da ilusão de completude ocorrida na escolha dos parceiros. Nesse sentido, o objeto amoroso com quem a pessoa se identificou ou que foi idealizado 71 PSICOLOGIA JURÍDICA apresentará sua alteridade (natureza), promovendo uma conturbação na ilusão da completude do casal. Para o autor, a “des-ilusão amorosa” pode resultar em dois caminhos: • Um crescimento mútuo com a discriminação dos “eus” e, consequentemente, com o reconhecimento da alteridade. • Podem ser desencadeados estados patológicos da conjugalidade. Lemaire (apud ANTUNES, MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007), complementando, aponta três saídas possíveis para a ilusão do casal: • O casal que não resiste à desilusão e interrompe a relação. • Nomeada de “via perpétua”, o casal manteria o estado ilusório que sustenta o estado amoroso e a relação. • O casal se confronta com a desilusão, e esse confronto o levaria a construir uma relação menos defensiva, permitindo o fortalecimento do vínculo. Observação Para que ocorra a dissolução do vínculo, o desejo de ruptura deve se sobrepor ao desejo de complementaridade, pois, caso contrário, o casal se manterá em uma eterna tentativa de separação (ANTUNES, MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007). Posteriormente, na fase pós-separação amorosa, vivencia-se um luto, segundo Caruso (apud ANTUNES; MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007). Esse luto é vivenciado independentemente de quem promoveu a ruptura amorosa. Para o autor a separação conjugal é sentida como uma “vivência psíquica de morte”, desencadeando duas formas de luto: o primeiro diz respeito ao luto provocado com a vivência da morte do outro em sua consciência e com a constatação de sua morte na consciência do outro (dor narcísica). Para Bauman (2004, p. 46): A afinidade nasce da escolha, e nunca se corta esse cordão umbilical. A menos que a escolha seja reafirmada diariamente e novas ações continuem a ser empreendidas para confirmá-la, a afinidade vai definhando, murchando e se deteriorando até se desintegrar. A intenção de manter a afinidade viva e saudável prevê uma luta diária e não promete sossego à vigilância. Para nós, os habitantes deste líquido mundo moderno que detesta tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo nem permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode ser mais do que aquilo que estamos dispostos a exigir numa barganha. Estabelecer um 72 Unidade II vínculo de afinidade proclama a intenção de tornar esse vínculo semelhante ao parentesco – mas também a presteza em pagar o preço pelo avatar na moeda corrente da labuta diária e enfadonha. (BAUMAN, 2004, p. 46). A seguir, apresentamos a lei que regula a dissolução conjugal: Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977: Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Art. 1. A separação judicial, a dissolução do casamento, ou a cessação de seus efeitos civis, de que trata a Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977, ocorrerão nos casos e segundo a forma que esta Lei regula. CAPÍTULO I DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL Art. 2 – A Sociedade Conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pela nulidade ou anulação do casamento; III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio. Parágrafo único – O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. SEÇÃO I Dos Casos e Efeitos da Separação Judicial Art. 3 – A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido. § 1. – O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados por curador, ascendente ou irmão. 73 PSICOLOGIA JURÍDICA § 2. – O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua presença, se assim considerar necessário. § 3. Após a fase prevista no parágrafo anterior, se os cônjuges pedirem, os advogados deverão ser chamados a assistir aos entendimentos e deles participar. Art. 4 – Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges, se forem casados há mais de 2 (dois) anos, manifestado perante o juiz e devidamente homologado. Art. 5 – A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum. § 1 A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo, e a impossibilidade de sua reconstituição. (Redação dada pela Lei n. 8.408, de 1992) § 2 – O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de 5 (cinco) anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. SEÇÃO II Da proteção da Pessoa dos Filhos Art. 9 – No caso da dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art. 4.), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos. Art. 10 – Na separação judicial fundada no “caput” do art. 5, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa. § 1 – Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges: os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles. § 2 – Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idôneada família de qualquer dos cônjuges. 74 Unidade II Art. 11 – Quando a separação judicial ocorrer com fundamento no § 2 do art. 5, os filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja companhia estavam durante o tempo de ruptura da vida em comum. Art. 12 – Na separação judicial fundada no § 2 do art. 5, o juiz deferirá a entrega dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação. Art. 13 – Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais. [...] Art. 15 – Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. 6 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n. 8.069/90) e a Constituição Federal de 1988 (art. 227) enfatizam a proteção integral às questões relacionadas à infância, destacando o interesse da criança em qualquer situação: Título I Das disposições preliminares Art. 1 – Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2 – Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Art. 3 – A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 75 PSICOLOGIA JURÍDICA Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem (incluído pela Lei n. 13.257, de 2016). Art. 4 – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5 – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6 – Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. O ECA desenvolve o programa de abrigo, designando tarefas, em seu art. 92: I. preservação dos vínculos familiares; II. integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem; III. [...]. 76 Unidade II Ainda, o ECA determina, nos casos de abrigamento e desabrigamento de crianças e adolescentes: Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: [...] VII – conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98 é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de: a) conhecer de pedidos de guarda e tutela; b) conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modificação da tutela ou guarda; c) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do pátrio poder; d) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente; e) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito (BRASIL, 1990). Independentemente das teorias psicológicas, todas de alguma forma concordam e dão importância à infância. A infância deve ser compreendida e inserida em um contexto cultural, em que a criança se desenvolve e inicia o estágio de formação da sua personalidade. Portanto, a infância é uma construção cultural. O significado do que é ser criança vai se diferenciando no decorrer do tempo, como ocorre com o conceito de família, que, igualmente, pode variar com o tempo. Observação Garantir ao filho a convivência familiar significa respeitar seu direito de personalidade e dignidade, na medida em que não depende apenas materialmente de seus genitores. Hoje a criança é vista como uma cidadã, um ser humano com direitos que devem ser respeitados. No contexto jurídico ela necessita de atenção, configurada em uma rede de proteção: do Estado, da sociedade, da família. 77 PSICOLOGIA JURÍDICA No mesmo sentido, como vimos anteriormente, o ECA estende sobre a criança e o adolescente uma verdadeira rede de proteção que tem como núcleo a família e a rede familiar, passando pela comunidade, representada pelas organizações não governamentais, pela sociedade, que se faz representar nos conselhos tutelares, e finalmente pelo Estado, que ampara os direitos dos jovens pela administração pública e pela Justiça da Infância e da Juventude. Criado e decretado quase que concomitantemente com a Convenção da ONU, o ECA (BRASIL, 1990) traz mudanças significativas no trato de crianças e adolescentes que “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana” (art. 3). Merecem a atenção da família, da comunidade, da sociedade e do Estado, enfim, sua “proteção integral” (art. 1º). A Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU, 1989) destaca: • A criança é definida como todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes. • Em seu preâmbulo, a Convenção relata a importância da dignidade e dos direitos iguais e inalienáveis de “todos os membros da família humana”. • A família, nesse sentido, é entendida como “um grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças”. • Cabe aos pais, aos demais membros da família ampliada e à comunidade a responsabilidade de proporcionar à criança instrução e orientação adequadas (art. 5º). • A família e, no sentido mais amplo, a comunidade têm uma dupla função: a de inserir a criança na cultura e a de defender seus direitos, uma vez que a criança está limitada na capacidade do exercício de seus direitos. • O direito à vida (art. 6º) implica a responsabilidade do Estado de não somente garantir a sobrevivência, como também o desenvolvimento da criança. • Garante à criança um nome e uma nacionalidade; em outras palavras, uma identidade, no sentido jurídico e psíquico. • Essa identidade está estreitamente ligada à família e ao direito de “conhecer os pais e ser cuidada por eles” (art. 7º). • O Estado é obrigado, pelo art. 8º, a preservar a identidade, a nacionalidade, o nome e asrelações familiares da criança e do adolescente com suas leis e políticas públicas. • A criança tem hoje o direito de formular seus próprios pontos de vista. Deve ser ouvida em todos os assuntos que lhe dizem respeito (art. 12). 78 Unidade II • Garante como seus direitos: a liberdade de expressão, de crença, de associação, de reunião pacífica, a inviolabilidade de seu lar, de sua correspondência e de sua honra; proteção contra violência; direito à assistência, à saúde, ao lazer e à educação. • A Convenção enfatiza, em seu art. 29, o exercício dos direitos culturais, sobretudo do direito à educação. Portanto, podemos observar que o ECA amplia sobre a criança e o adolescente uma verdadeira rede de proteção que tem como núcleo a família e a rede familiar; passa pela comunidade, representada pelas organizações não governamentais; pela sociedade que se faz representar nos conselhos tutelares; e até o Estado que ampara os direitos dos jovens pela administração pública e pela Justiça da Infância e da Juventude. A ideia da função repressiva, punitiva e discriminatória do Estado cede, portanto, a outra, a da dignidade e da cidadania da criança e do adolescente. Quando o jovem entra em conflito com a lei, quem merece proteção é a criança ou o adolescente. Diferentemente da Convenção da ONU, o Estatuto faz a distinção entre a criança, “a pessoa até doze anos de idade incompletos” e o adolescente, pessoa “entre doze e dezoito anos de idade” (art. 2º). As medidas protetivas, no art. 101 do Estatuto, são aplicadas às crianças em situação de risco. O risco é descrito no art. 98 como sendo ameaça ou violação dos direitos reconhecidos no próprio estatuto. A ameaça pode partir da sociedade e do Estado, dos pais ou responsáveis ou, ainda, da “própria conduta” da criança e do adolescente. Quando a criança ou o adolescente entra em conflito com a lei, são aplicadas as medidas socioeducativas, previstas no art. 112. Observação A criança pode cometer delitos. No entanto, presume-se que a criança não sabe o que faz, enquanto o adolescente tem capacidade para saber, mas não o discernimento pleno “para entender o caráter ilícito do fato e governar a própria conduta” (AMARANTE, 2010). Para Amarante (2010), se o indivíduo passa, aos 18 anos, a entender ou não o caráter ilícito é uma questão que, até para a justiça, não está clara, portanto, não há como estabelecer um critério genérico para diferenciar se um jovem é imputável ou não. O ECA (BRASIL, 1990) prevê, portanto, para jovens infratores da lei até 18 anos, a possiblidade de “requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial” (inciso V) e da “inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente” (inciso IV do art. 101). Em casos excepcionais, esses medidas podem ser aplicadas a jovens de até 21 anos (parágrafo único do art. 2º). Espera-se, dessa forma, educação em vez de punição, tratamento em vez de disciplina, pois assim determina a lei. 79 PSICOLOGIA JURÍDICA 6.1 Adoção Figura 18 Disponível em: https://bit.ly/3Z0975Y. Acesso em: 24 fev. 2023. A adoção é um processo que deriva quando da impossibilidade dos pais biológicos de criarem seus filhos e pela disponibilidade de outras pessoas de cuidarem dessas crianças. Observação A disponibilidade de outras pessoas é baseada em diferentes razões. Não é difícil compreender o quanto a ruptura com as pessoas importantes e a institucionalização passam a ser fatores de risco para o desenvolvimento dessas crianças, cujos pais não as querem, não podem ou foram destituídos do poder de permanecer com elas. Muitas dessas crianças desconhecem, inclusive, alguns dados da própria história. O desenvolvimento inadequado pode produzir comprometimentos psicológicos e de relacionamentos, dificultando o aparecimento de vínculos afetivos. Dessa forma, a adoção passa a ser uma alternativa com o intuito de a criança reconstruir sua identidade. Observação É necessário que os pais adotivos estejam preparados para adotar uma criança, possibilitando, assim, o aparecimento de vínculos saudáveis e satisfatórios. No entanto o processo de adoção não é simples e rápido. 80 Unidade II De acordo com Messa (2010, p. 72): A fantasia de um filho perfeito pode interferir no processo de adoção e adaptação do relacionamento entre os pais e o filho adotivo. A expectativa por uma criança saudável, semelhante fisicamente e que poderá ser facilmente moldada pelos adotantes podem apontar para a necessidade de aproximação desse modelo ao processo de reprodução biológica, dificultando a aceitação do filho real. Observação O abrigo, uma alternativa a partir da destituição do poder familiar, cumpre uma função por período determinado, até que haja decisão sobre o retorno da criança à família ou sua colocação em família adotiva. Messa (2010) pontua que as motivações dos adotantes podem variar: As motivações dos candidatos podem variar e a adoção pode significar tanto a ampliação da família, como uma forma de evitar o contato com a dor psíquica da infertilidade ou a compensação pela morte do filho. A tentativa de resgatar um casamento desgastado, o desejo de praticar o bem, o cumprimento de promessa religiosa, ou mesmo situações fortuitas, em que vizinhos ou parentes deixam os filhos desamparados, e fuga da solidão podem constituir os motivos. Enfim, existe uma diversidade de argumentos que permeiam as adoções, algumas motivações são expressas, e outras são mais profundas e inconscientes e funcionam como pano de fundo para essa escolha (MESSA, 2010, p. 74) Segundo Paiva (2014), o ECA destina ao Judiciário todas as providências e procedimentos referentes à adoção. Nesse sentido, prevê e obriga a existência de uma equipe interprofissional composta, em geral, por assistentes sociais e psicólogos, ambos assumindo uma atividade pericial e avaliativa para auxiliar o juiz. Entre as atividades esperadas por esses profissionais, destacam-se: • Entrevistas com os candidatos a pais adotivos. • Entrevistas de acompanhamento com as crianças e adolescentes com perspectivas de serem colocados em lares substitutos. • Acompanhamentos dos genitores que apresentarem a alternativa de entregar o filho para a adoção ou que estão em vias de serem destituídos do pátrio poder. • Aproximação gradual dos pretendentes habilitados à adoção com crianças e adolescentes. 81 PSICOLOGIA JURÍDICA • Assessoria à recém-família formada durante o estágio de convivência. • Acompanhamento das famílias adotivas que apresentarem dificuldades. Observação O Tribunal de Justiça de São Paulo distribui em todas as Comarcas do Estado um roteiro contendo sugestões e uma relação de itens e critérios a serem contemplados no estudo psicossocial no contexto da adoção. Um estudo (apud PAIVA, 2014) realizado em 2003 descreve alguns dados estatísticos a respeito da adoção no Brasil: • Querem apenas uma criança: 76,2% • Querem crianças saudáveis: 88,2% • Preferem crianças do sexo feminino: 45,3% • São indiferentes pelo sexo: 33,5% • São indiferentes à cor da pele: 5,6% • Querem crianças menores de 2 anos: 79,6% Além disso, o ECA relata os requisitos necessários tanto aos adotantes quanto aos adotandos. A seguir, destacamos pontos importante do ECA sobre a adoção: Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009: Dispõe sobre adoção: altera as Leis n. 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 20 de dezembro de 1992: revoga dispositivos da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e da Consolidação das Leis de Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943: e dá outras providências. Art. 1 Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. 82 UnidadeII § 1 A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será prioritariamente voltada a orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada. § 2 Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal. Art. 19. [...] § 1 Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade jurídica competente, com base em relatório elaborado pela equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. § 2 A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. § 3 A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será está incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. (NR) “Art. 25. [...] Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.” (NR) “Art. 28. [...] § 1 Sempre que possível, a criança ou adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. 83 PSICOLOGIA JURÍDICA § 2 Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. § 3 Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. § 4 Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. § 5 A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia ao direito à convivência familiar. Art. 39. [...] § 1 A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. § 2 É vedada a adoção por procuração. (NR) Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. [...] § 2 Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. [...] § 4 Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. 84 Unidade II Art. 46. [...] § 1 O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a convivência da constituição do vínculo. § 2 A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. § 3 Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias. Art. 50. [...] § 3 A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. Seção VIII Da habilitação de Pretendentes à Adoção Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste: I – qualificação completa; II – dados familiares; III – cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; IV – cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; V – comprovante de renda e domicílio; VI – atestados de sanidade física e mental; VII – certidão de antecedentes criminais; VIII – certidão negativa de distribuição cível (BRASIL, 1990). 85 PSICOLOGIA JURÍDICA Finalizando, podemos destacar Ferreira (apud MESSA, 2010), que pontua o papel do psicólogo jurídico: A atuação do psicólogo, nos casos de adoção, equivale ao perito judicial e envolve atuações que visam assessorar a Justiça da Infância e da Juventude, fornecendo subsídios que auxiliem na apreciação da situação da criança, do adolescente ou da sua família. Em sua função, o psicólogo observa, investiga e conclui seu trabalho com a apresentação de um laudo, diagnosticando as situações que envolvem a criança ou o adolescente e sua família, com os encaminhamentos pertinentes ao caso. Também desempenha funções de execução, acompanhamento, orientação, encaminhamento para promover mudanças nas constatações do procedimento (MESSA, 2010, p. 75). 6.2 Pedofilia e abuso sexual A palavra pedofilia é de origem grega e significa “amar ou gostar de crianças”. Portanto, o termo, na concepção original, estava ligada a um sentimento nobre e positivo (PINHEIRO, 2016). Somente no século XIX é que o termo pedófilo surge como adjetivo para designar a atração sexual de adultos por crianças ou a prática efetiva de sexo com meninos ou meninas. Em sua obra, Pinheiro (2016) nos apresenta informações importantes a respeito desse tema. Vejamos: • Atualmente, o termo pedofilia é utilizado em seu sentido negativo, ou seja, qualquer referência ao desejo sexual por crianças e adolescentes. Isso inclui desde a fantasia e o desejo sexual até a consumação do ato sexual, propriamente dito, com crianças e adolescentes. • Com o surgimento da internet, o âmbito e o alcance das práticas pedófilas assumiram dimensões assustadoras. Na rede virtual, a pedofilia encontra suporte e impunibilidade no anonimato. Ainda, nessa rede, o comércio da pornografia infantil se expandiu. • O assédio, a pornografia, o abuso, o programa e a exploração comercial constituem crime. Todos eles estão tipificados na legislação do ECA. Observação Um aspecto importante envolvendo a pedofilia é a confusão acerca de sua caracterização: ela é um crime ou uma doença? • A pedofilia em sua concepção atual, como sendo o desejo de manter relações sexuais com crianças ou adolescentes, é considerada uma doença. 86 Unidade II • O desejo em si do pedófilo somente pode ser moral ou socialmente punido. • A lei penaliza a práticade violência sexual, ou seja, o abuso sexual. Neste sentido, é importante diferenciar o crime de abuso sexual da pedofilia. • O abuso sexual é contra menores e é crime estabelecido pelo Código Penal. • A pedofilia é um diagnóstico clínico. Isso porque uma pessoa pode ser pedófila e nunca chegar a praticar o abuso sexual. • A confusão da pedofilia como doença com a execução dos atos fantasiados pelo pedófilo, ou seja, com o abuso sexual propriamente dito, é comum entre os profissionais como médicos, psicólogos e juristas. • Da mesma forma, nem sempre aquele que comete abuso sexual é pedófilo, ou seja, se enquadra no diagnóstico clínico de pedófilo. • A mídia potencializa a confusão estabelecida entre os conceitos de pedofilia e de abuso sexual usando os termos de forma indiscriminada. Ora chama o abusador de pedófilo e ora se dirige ao pedófilo como abusador. Isto serve para beneficiar o abusador que pratica a violência sexual contra crianças e adolescentes, quando este usa a pedofilia como estratégia de defesa: se diz pedófilo em juízo para escapar da imputabilidade e da punição. Observação Mesmo que a pedofilia seja considerada doença, o pedófilo não perde, em todos os casos, a consciência crítica acerca do que é certo e errado, na perspectiva do que é socialmente compartilhado sobre o assunto. Dessa forma, o pedófilo deve tomar medidas para prevenir a prática do abuso sexual assim como tomar medidas no sentido de tratar a doença. O Código Penal e o ECA não preveem redução de pena ou da gravidade do delito se for comprovado que o abusador é pedófilo. A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes é uma violação dos direitos sexuais e pode ocorrer de duas formas: • Abuso sexual: prática do ato propriamente dito. 87 PSICOLOGIA JURÍDICA • Exploração sexual: envolve o turismo sexual, a pornografia, o tráfico e a prostituição. É um crime sexual contra crianças e adolescentes, caracterizando-se com alguma forma de pagamento. Pode envolver, além do próprio agressor, o aliciador ou o intermediário. Ela pode acontecer de quatro formas básicas: — Redes de prostituição. — Tráficos de pessoas. — Pornografia. — Turismo sexual. Entre as principais características desse crime, encontram-se: • O agressor, na maioria das vezes, é uma pessoa aparentemente normal, até mesmo querida pelas crianças. • O abusador é quem comete a violência sexual, independentemente de qualquer transtorno de personalidade. Podem ser os pais, os padrastos, os primos, os vizinhos, os professores, os pastores, os padres, por exemplo. • O espaço físico, onde ocorre a concretização do abuso é, com frequência, o da própria casa do abusado ou mesmo em um local perto da casa da vítima ou do agressor. • As vítimas e os agressores costumam ser, muitas vezes, do mesmo grupo étnico e socioeconômico. • A pedofilia não ocorre predominantemente entre pessoas de baixo nível socioeconômico. Os níveis de renda familiar e de educação não são indicadores de abuso. Cabe destacar que a violência física sexual contra crianças e adolescentes, ao contrário do que o senso comum entende, não é a mais frequente, pois a violência psicológica vem em primeiro lugar, por meio de ameaças e/ou conquista da confiança e do afeto da criança. Essa violência psicológica não somente antecede a prática da violência como também deixa sequelas. Observação O que é alarmante, no que diz respeito ao abuso sexual infantil, é que o poder público toma conhecimento de um número bem menor de abusos ocorridos do que o número real, principalmente quando há o envolvimento de familiares, pois existe pouca probabilidade de que a vítima se manifeste, seja por motivos afetivos, seja por medo do agressor. 88 Unidade II Lembrete As vítimas e os agressores costumam ser, muitas vezes, do mesmo grupo étnico e socioeconômico. Conforme Brandão e Gonçalves (2004), a violência contra a criança e o adolescente apresenta algumas características, como: • Depende de observação atenta. • Os maus-tratos e a violência são encobertos pela criança ou adolescente, principalmente quando são vítimas dos próprios pais ou parentes. • O agressor e a vítima compactuam do silêncio. • Tanto os maus-tratos quanto a violência devem ser desvendados no momento certo e com as devidas precauções do profissional, o que é denominado fase da revelação. • Parece que muitos agressores foram vítimas de violência em sua infância e adolescência e na fase adulta reproduzem esse quadro. • Muitos agressores são usuários de álcool e drogas. Os autores ainda classificam a violência em quatro tipos: • Física: com o objetivo de ferir, lesar ou destruir, deixando ou não marcas. • Sexual: consiste em todo ato sexual ou jogo, tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Pode variar desde atos em que não se produz o ato sexual até diferentes ações que incluem contato sexual visando lucros, como é o caso da prostituição e da pornografia. • Negligência: omissões dos pais ou de outros responsáveis pela criança ou adolescente (inclusive instituição), quando deixam de prover as necessidades básicas para o seu desenvolvimento físico, emocional e social. • Psicológica: trata a forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobranças exageradas, punições humilhantes e utilização da criança/adolescente para atender as necessidades psíquicas do adulto. É um dos mais difíceis de serem identificados. 89 PSICOLOGIA JURÍDICA Complementando com Siqueira, Jaeger e Kruel (2013, p. 110): O abuso sexual é compreendido como todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente. Tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Estas práticas eróticas e sexuais são impostas à criança ou ao adolescente pela violência física, por ameaças ou pela indução de sua vontade. Podem variar desde atos em que não exista contato sexual (voyeurismo, exibicionismo), até os diferentes tipos de atos com contato sexual sem ou com penetração. 6.3 O adolescente infrator Figura 19 Disponível em: https://bit.ly/3EEAVEX. Acesso em: 24 fev. 2023. O ECA determina que o adolescente infrator não receberá uma pena, e sim uma medida socioeducativa. Nesse sentido, o adolescente infrator passa a ser inimputável, porém não fica impune. Entre as medidas socioeducativas, destaca-se o art. 112 do ECA, que dispõe do grupo de medidas em meio aberto, entendidas como não privativas de liberdade, compostas de advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Ainda, no grupo de medidas privativas de liberdade, incluem-se a semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional. 90 Unidade II Como destaca Messa (2010): Ato infracional é a ação tipificada como contrária à lei que tenha sido efetuada pela criança ou adolescente, sendo que todos os menores de 18 anos são inimputáveis e não poderão ser condenados a penas. Recebem um tratamento legal diferente dos réus imputáveis, como medidas de orientação, apoio e acompanhamento temporários, frequência obrigatória em ensino fundamental, requisição de tratamento médico e psicológico, entre outros (MESSA, 2010, p. 59). Observação O ato infracional cometido pelo adolescente pode ser entendido como uma tentativa de existir e de pertencer, de fazer parte do mundo, como se através da transgressão o adolescente pudesse ser reconhecido e acolhido, seja pelo sistema jurídico, seja pela assistência social (MESSA, 2010). Para Castro (apud MESSA, 2010, p. 59): [...] a trajetória de vida destes adolescentes, via de regra, é marcada por uma sucessão de faltas e de exclusões. Repete-se, então, a fragilidade das referências familiares, o uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas pelos familiares, o convívio com famílias substitutas, maus-tratos, negligências relativas à educação
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