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PORTUGUÊSPORTUGUÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página I C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página II Leia o texto seguinte, escrito em meados da década de 1970 pelo médico Mozart Tavares de Lima Filho, da Escola Paulista de Me di ci na, e responda às questões de números 1 e 2. 1. (UNESP) – Com respeito ao uso de medicamentos, o fragmento sustenta que há mudanças significativas, na forma de tratar a tuber - culose, nos dias atuais. Aponte uma expres são, usada no segundo parágrafo do texto, em que o adjetivo expri me claramente essa modi - ficação, esclare cendo-a convenien temente. RESOLUÇÃO: O autor informa, no primeiro parágrafo transcrito, que os medica - men tos empregados contra a tuberculose eram vários e de uso contínuo. Uma das “mudanças signi ficativas” mencio na das no segundo parágrafo diz respeito ao “uso intermitente de drogas”, expressão em que o adjetivo intermitente esclarece a modificação ocorrida. Intermitente: em que ocorreu interrupções; que cessa e reco meça por intervalos; descontínuo. 2. (UNESP) – No fragmento, há um distanciamento do enunciador, que se traduz pelo emprego constante da voz passi va sin té tica, na qual aparece a palavra se. Com base nessa cons tatação, reescreva o último período do texto, passando-o para esse tipo de voz passiva. Explique por que razão o recurso de distanciamento é usado nesse texto. RESOLUÇÃO: Passando-se o último período para a voz passiva sin tética, tem-se: Condena-se a antiga superali men tação. O enunciador optou pelo distanciamento porque o teor do texto — puramente referencial, informativo, objetivo — não se coa du na com nenhuma forma de intromissão pessoal. A impessoali dade é expressa de várias formas, sendo uma delas a voz passiva prono - minal. Com os medicamentos disponíveis é possível curar pratica mente todos os casos de tuberculose. Entre tanto, a longa duração do trata - men to, a necessidade do emprego de vários medicamentos em associa ção e o seu uso contínuo fazem com que a terapêutica seja pouco prática. As pesquisas atuais vão em dois sentidos: um, a duração, e outro, o emprego intermitente de drogas. Os resultados obtidos até agora são animadores. (...) A elevação da resistência geral do paciente constituiu até há poucos anos a base do tratamento da tuberculose. Aconselhava-se o repouso absoluto no leito durante as 24 horas, aliado à superalimen - tação. Embora o repouso continue a ser fundamental, a ma neira de encará-lo mudou bastante. Indica-se um repou so relativo, permitindo que o paciente deixe o leito para sua toilette. Além disso, é essencial o repouso psíquico, procurando iniciar a psicoterapia e a reabili tação do pa ciente desde o início do tratamento. A duração deste repou so dependerá do tipo de lesão e da constituição psicossomática do pacien te, havendo tendência cada vez maior à sua redução. No que se refere à alimentação, aconselha-se uma dieta balan - ceada, de acordo com as necessidades ener géticas do paciente. Em caso de anorexia, rara mente há necessidade de medicação especial, pois com o uso da isoniazida verifica-se rápido retorno do apetite. A antiga superalimentação é condenada. (Atualização terapêutica) – 1 P O R T U G U ÊS MÓDULO 11 Estudos Linguísticos – III FRENTE 1Gramática C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 1 2 – P O R T U G U ÊS 2. (SANTA CASA-2021) – Examine a tira do cartunista argentino Quino. (Cada um no seu lugar, 2005.) a) O que a reação dos personagens ao texto do folheto publicitário indica? RESOLUÇÃO: O profissional de publicidade mostra ao empresário o “folheto de publicidade” criado para a empresa e, ao ler o texto que divulga os produtos, ambos caem na gargalhada. Obvia mente o conteúdo da propaganda é fraudulento, por isso nenhum dos dois consegue disfarçar o espanto hilariante diante da propaganda enganosa: “materiais selecionados de primeira qualidade”. b) Considerando o contexto, reescreva o texto do folheto publicitário na voz ativa. RESOLUÇÃO: Fabricamos nossos produtos com materiais selecionados de primeira qualidade. O verbo “ser” não aparece na ativa, mas deve-se manter o tempo verbal em que ele aparece: presente do indicativo. Leia o trecho inicial do romance O Ateneu, de Raul Pompeia (1863- 1895), para responder à questão 4. 4. (UNESP) – Identifique os sujeitos dos verbos “houvesse” e “viesse”, destacados no segundo parágrafo. RESOLUÇÃO: O sujeito da forma verbal “houvesse perseguido” é simples: “a mesma incerteza de hoje”; de “viesse” é também simples: “a enfiada das decepções”. “Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.” Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico; diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 2 Texto para as questões 5 e 6. 5. (FUVEST) – De acordo com o texto, o “mito político” a) prejudica o entendimento do mundo real. b) necessita da abstração do tempo. c) depende da verificação da verdade. d) é uma fantasia desvinculada da realidade. e) atende a situações concretas. RESOLUÇÃO: Conforme o texto, “mito político” caracteriza-se como uma narrativa que “responde a uma necessidade prática de uma sociedade em determinado período”; portanto, esse fenômeno “atende a situações concretas”. Resposta: E 6. (FUVEST) – Sobre o sujeito da oração “em que vivem” (L. 12), é correto afirmar: a) Expressa indeterminação, cabendo ao leitor deduzir a quem se refere a ação verbal. b) Está oculto e visa evitar a repetição da palavra “circunstâncias” (L. 9-10). c) É uma função sintática preenchida pelo pronome “que” (L. 10). d) É indeterminado, tendo em vista que não é possível identificar a quem se refere a ação verbal. e) Está oculto e seu referente é o mesmo do pronome “os” em “fazê- los” (L. 10). RESOLUÇÃO: O sujeito do verbo “viver” está oculto, referindo-se a “indivíduos”, que, por sua vez, é retomado pelo pronome oblíquo “os” em “fazê- los”. Resposta: E Leia o texto de Bernadette Siqueira Abrão para responder às questões 7 e 8. 7. (SANTA CASA) – Segundo o texto, caso aplicada, a hipótese de Rousseau resultaria em uma sociedade que a) acirra o confronto entre direitos e deveres. b) garante a permanência do estado de natureza. c) superestima o individualismo. d) privilegia a vontade do grupo sobre a vontade individual. e) independe das leis, pois todos têm os mesmos direitos. RESOLUÇÃO O texto de Bernardette Siqueira Abraão refere-se a Do Contrato, de Rousseau, em que ele aponta a necessidade de o homem viver em sociedade para garantir sua sobrevivência, mas, para tanto, ele deve respeitar as regras do grupo em detrimento de sua vontade. Resposta: D 8. (SANTA CASA) – “os obstáculos à sua conservação sobrepujaram as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se” (1.o parágrafo) Passada à voz passiva, a oração centrada no termo sublinhado apresentará a forma verbal a) foram sobrepujadas. b) são sobrepujadas. c) sobrepujam. d) sobrepujaram. e) eram sobrepujadas. RESOLUÇÃO A forma verbal “sobrepujaram” encontra-se no pretérito perfeito do indicativo. Passando-se o verbo para a voz passiva analítica, deve-se impor esse tempo verbal (pretérito perfeito) ao auxiliar ser e o verbo sobrepujar deve ficar no particípio: foram sobrepujados. Resposta: A Mito, na acepção aqui empregada, não significa mentira, falsidade oumistificação. Tomo de empré stimo a formulação de Hans Blumenberg do mito político como um processo contínuo de trabalho de uma narrativa que responde a uma necessidade 5 prática de uma sociedade em determinado período. Narrativa simbólica que é, o mito político coloca em suspenso o problema da verdade. Seu discurso não pretende ter validade factual, mas também não pode ser percebido como mentira (do contrário, não seria mito). O mito político confere um sentido às circunstân- 10 cias que envolvem os indivíduos: ao fazê-los ver sua condição presente como parte de uma história em curso, ajuda a compreender e suportar o mundo em que vivem. (ENGELKE, Antonio. O Anjo Redentor. Piauí, ago. 2018, ed. 143, p. 24.) Rousseau explica, em Do Contrato, a saída do estado de natureza apelando para uma hipótese: os homens teriam chegado a um ponto em que os obstáculos à sua conservação sobrepujaram as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se. Não têm outra saída, portanto, a não ser se unir, para juntar suas forças. Mas, como a força e a liberdade de cada indivíduo são os instrumentos primordiais de sua conservação no estado de natureza, a solução prevista leva a um impasse: como empenhá-las sem prejudicar e sem negligenciar os cuidados que a si mesmo cada um deve? Para resolver a questão e efetuar o pacto, o homem precisa encontrar “uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo, a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”. Esse pacto exige a alienação1 total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade. Mas “cada um dando-se a todos não se dá a ninguém”, e recebe o equivalente a tudo o que alienou e maior força para conservar o que tem. Todos ganham e ninguém perde, e o homem deixa o estado de natureza para ingressar na sociedade civil, em que são necessárias regras para a sobrevivência. (História da Filosofia, 1999.) 1alienação: renúncia, abandono. – 3 P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 3 4 – P O R T U G U ÊS 1. (FUVEST) – Leia o texto e responda ao que se pede. a) No texto, o autor retifica o que corriqueiramente se entende por “morte natural”? Justifique. RESOLUÇÃO: O autor argumenta que a ideia de morte natural (“morrer de esgotamento em virtude uma extre ma velhice”) é na verdade uma exceção, pou cas vezes acontece, sendo, portanto, pouco na tural. Também salienta que é natural morrer de aci den tes ou de doenças, já que não vai contra a natureza do homem fa lecer ao sofrer algum trauma físico. b) A que palavra ou expressão se referem, respecti vamente, os pronomes destacados no trecho “Vejo que os filósofos lhe assinam um limite bem menor do que o fazemos comumente”? RESOLUÇÃO: O pronome pessoal oblíquo “lhe” refere-se a “du ração da vida”; o pronome demonstrativo “o” refere-se a “limite”. 2. (FUVEST) – Leia o texto e responda ao que se pede. a) O emprego do diminutivo nas palavras “vozinha” e “sorrisinho”, consideradas no contexto, produz o mesmo efeito de sentido nos dois casos? Justifique. RESOLUÇÃO: O emprego do diminutivo não produz o mesmo efeito de sentido nas palavras indicadas. Em “vozinha”, minimiza-se a contestação de Prometeu à ordem vigente no Olimpo, comparando essa rebeldia à do movimento estudantil de maio de 1968. Quanto a “sorrisinho”, o di minutivo evi dencia que o jacaré percebeu a cilada prepa rada pelos outros animais e, de forma irô nica, não gargalha, apenas sorri, quebrando a expectativa de seus provocadores. b) Reescreva o trecho “Os outros decidem fazer uma festa para fazê- lo rir (...). Todos fazem coisas engraçadas”, substituindo o verbo “fazer” por sinônimos adequados ao contexto em duas de suas três ocorrências. RESOLUÇÃO: Reescrevendo, tem-se: “Os outros decidem promo ver (produzir, efetuar) uma festa para levá-lo (estimulá-lo, incentivá-lo) a rir (…). Todos rea lizam (praticam, elaboram) coisas engraçadas”. Há outras possibilidades e somente dois verbos deve riam ser substituídos. DA IDADE Não posso aprovar a maneira por que entendemos a duração da vida. Vejo que os filósofos lhe assinam* um limite bem menor do que o fazemos comumente. (...) Os [homens] que falam de uma certa duração normal da vida, estabelecem-na pouco além. Tais ideias seriam admissíveis se existisse algum privilégio capaz de os colocar fora do alcance dos acidentes, tão numerosos, a que estamos todos expostos e que podem interromper essa duração com que nos acenam. E é pura fantasia imaginar que podemos morrer de esgotamento em virtude de uma extrema velhice, e assim fixar a duração da vida, pois esse gênero de morte é o mais raro de todos. E a isso chamamos morte natural como se fosse contrário à natureza um homem quebrar a cabeça numa queda, afogar-se em algum naufrágio, morrer de peste ou de pleurisia; como se na vida comum não esbarrássemos a todo instante com esses acidentes. Não nos iludamos com belas palavras; não denominemos natural o que é apenas exceção e guardemos o qualificativo para o comum, o geral, o universal. Morrer de velhice é coisa que se vê raramente, singular e extraordinária e portanto menos natural do que qualquer outra. É a morte que nos espera ao fim da existência, e quanto mais longe de nós menos direito temos de a esperar. (Michel de Montaigne, Ensaios. Editora 34. Trad. de Sérgio Milliet.) *assinar: fixar, indicar. Um tema frequente em culturas variadas é o do desafio à ordem divina, a apropriação do fogo pelos mortais. Nos mitos gregos, Prometeu é quem rouba o fogo dos deuses. Diz Vernant que Prometeu representa no Olimpo uma vozinha de contestação, espécie de movimento estudantil de maio de 1968. Zeus decide esconder dos homens o fogo, antes disponível para todos, mortais e imortais, na copa de certas árvores — os freixos — porque Prometeu tentara tapeá-lo numa repartição da carne de um touro entre deuses e homens. ——————-————————–––––––—————————- Na mitologia dos Yanomami, o dono do fogo era o jacaré, que cuidadosamente o escondia dos outros, comendo taturanas assadas com sua mulher sapo, sem que ninguém soubesse. Ao resto do povo – animais que naquela época eram gente – eles só davam as taturanas cruas. O jacaré costumava esconder o fogo na boca. Os outros decidem fazer uma festa para fazê-lo rir e soltar as chamas. Todos fazem coisas engraçadas, mas o jacaré fica firme, no máximo dá um sorrisinho. (Betty Mindlin, O fogo e as chamas dos mitos. Revista Estudos Avançados. Adaptado.) MÓDULO 12 Estudos Linguísticos – IV C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 4 – 5 P O R T U G U ÊS 3. (UNICAMP) – Leia o excerto abaixo, adaptado do ensaio Para que servem as humanidades?, de Leyla Perrone-Moisés. a) As expressões “agregar valor” e “cultivo de valores”, embora aparentemente próximas pelo uso da mesma palavra, produzem efeitos de sentido distintos. Explique-os. RESOLUÇÃO: “Agregar valor”, no contexto, tem sentido quan titativo, pois se refere às informações e conheci mento que o indivíduo adquire sem apro fun da men to. “Cultivo de valores” implica a aquisição de saberes por meio de posicionamentos críticos e reflexivos constantes, que se desenvol vem não apenas ao longo da vida acadêmica, mas por toda a existência. b) Na última oração do texto, são utilizados dois elemen tos coesivos: “eles” e “à qual”. Aponte a que se refere, respectivamente, cada um desses elementos. RESOLUÇÃO: Os elementos coesivos “eles” e “à qual” referem-se, respecti - vamente, a “os cursos de humanidades” e “sociedade”, assim a ideia que se estabelece é a de que os cursos de humanidades estudam a socie dade e a ela servem. Leia o texto de Claudia Wallin para responder às questões de 4 a 6. 4. (FAMEMA) – Quanto aos recursos formais e ao conteúdo, o texto a) utiliza padrões de formalidade adequados à descrição de povos desconhecidos, por reverência regimental tanto a tais povos quanto ao leitor do relato. b)emprega linguagem simples e objetiva a fim de mimetizar o comportamento simplório dos dirigentes do povo retratado no relato. c) critica a falta de formalidade e a pobreza linguística do povo retratado, utilizando os padrões de linguagem da norma culta. d) elogia a rígida formalidade com que se comportam os dirigentes do povo retratado, utilizando no relato um padrão de linguagem elevado. e) contrapõe ironicamente a simplicidade do compor ta mento de membros da população retratada à linguagem rebuscada e cheia de reverências utilizada no relato. RESOLUÇÃO O texto contém vocativos, como “Vossas excelências”, utilizados em espaços institucionais de grande formalidade e de uso protocolar entre parlamentares. Esse emprego e a linguagem rebuscada do texto contrastam com o simplicidade de vida do povo retratado no texto: os suecos. Resposta: E As humanidades servem para pensar a finalidade e a qualidade da existência humana, para além do simples alongamento de sua duração ou do bem-estar baseado no consumo. Servem para estudar os problemas de nosso país e do mundo, para humanizar a globalização. Tendo por objeto e objetivo o homem, a capacidade que este tem de entender, de imaginar e de criar, esses estudos servem à vida tanto quanto a pesquisa sobre o genoma. Num mundo informatizado, servem para preservar, de forma articulada, o saber acumulado por nossa cultura e por outras, estilhaçado no imediatismo da mídia e das redes. Em tempos de informação excessiva e superficial, servem para produzir conhecimento; para “agregar valor , como se diz no jargão mercadológico. Os cursos de humani dades são um espaço de pensamento livre, de busca desinteressada do saber, de cultivo de valores, sem os quais a própria ideia de universidade perde sentido. Por isso merecem o apoio firme das autoridades universitárias e da sociedade, que eles estudam e à qual servem. (Adaptado de Leyla Perrone-Moisés, Para que servem as humanidades? Folha de São Paulo, São Paulo, 30 jun. 2002, Caderno Mais!.) Vossas excelências, ilustríssimos senhores e senhoras, trago notícias urgentes de um reino distante. É mister vos alertar, Vossas Excelências, que nesta estranha terra os habitantes criaram um país onde os mui digníssimos e respeitáveis representantes do povo são tratados, imaginem Vossas Senhorias, como o próprio povo. Insânia! Dirão que as histórias que aqui relato são meras alucinações de contos de fada, pois há neste rico reino, que chamam de Suécia, rei, rainha e princesas. Mas não se iludam! Os habitantes desta terra já tiraram todos os poderes do rei, em nome de uma democracia que proclama uma tal igualdade entre todos, e o que digo são coisas que tenho visto com os olhos que esta mesma terra um dia há de comer. Nestas longínquas comarcas, os mui distintos parlamentares, ministros e prefeitos viajam de trem ou de ônibus para o trabalho, em sua labuta para adoçar as mazelas do povo. De ônibus, Eminências! E muitos castelos há pelos quatro cantos deste próspero reino, mas aos egrégios representantes do povo é oferecido abrigo apenas em pífias habitações de um cômodo, indignas dos ilustríssimos defensores dos direitos dos cidadãos e da democracia. Este reino está cercado por outros ricos reinos, numa península chamada Escandinávia, onde também há príncipes e reis, e onde os representantes do povo vivem como sobrevive um súdito qualquer. E isto eu também vi, com os olhos que esta terra há de comer: em um dos povos vizinhos, conhecido como o reino dos noruegueses, os nobres representantes do povo chegam a almoçar sanduíches que trazem de casa, e que tiram dos bolsos dos paletós quando a fome aperta. É preciso cautela, Vossas Excelências. Deste reino, que chamam de Suécia ainda pouco se ouve falar. Mas as notícias sobre o igualitário reino dos suecos se espalham. Estocolmo, 6 de janeiro de 2013. (Um país sem excelências e mordomias, 2014. Adaptado.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 5 6 – P O R T U G U ÊS 5. (FAMEMA) – Assinale a alternativa em que ocorre um pleonasmo. a) “Dirão que as histórias que aqui relato são meras alucinações de contos de fada” b) “em sua labuta para adoçar as mazelas do povo” c) “trago notícias urgentes de um reino distante” d) “o que digo são coisas que tenho visto com os olhos que esta mesma terra um dia há de comer” e) “Os habitantes desta terra já tiraram todos os poderes do rei” RESOLUÇÃO: Pleonasmo ou redundância é a repetição desnecessária de uma expressão ou palavra já mencionada, como é o caso de “visto” e “com os olhos”. Resposta: D 6. (FAMEMA) – “Os habitantes desta terra já tiraram todos os poderes do rei”. Assinale a alternativa que expressa, na voz passiva, o conteúdo dessa oração. a) Todos os poderes do rei já tiraram os habitantes desta terra. b) Os habitantes desta terra já tiram todos os poderes do rei. c) Os habitantes desta terra já foram tirados por todos os poderes do rei. d) Todos os poderes do rei já foram tirados pelos habitantes desta terra. e) Todos os poderes do rei já são tirados pelos habitantes desta terra. RESOLUÇÃO: A frase do enunciado está na voz ativa. Seu objeto direto “Todos os poderes do rei” passa na voz passiva a sujeito; a forma verbal “tiraram” recebe o verbo ser como auxiliar: “foram tirados”; o sujeito “Os habitantes desta terra” passa a agente da passiva introduzido pela preposição por. Resposta: D Examine a tira do cartunista André Dahmer. (Quadrinhos dos anos 10, 2016.) 7. (UNESP) – O conselho presente na primeira fala sugere falta de a) compaixão. b) paciência. c) ganância. d) malícia. e) cinismo. RESOLUÇÃO: O conselho do pai ao filho, para que este evite o contato com pedintes famintos, sugere a ausência de sentimento de piedade diante da tragédia alheia. Resposta: A C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 6 – 7 P O R T U G U ÊS Texto para a questão 1. 1. (FUVEST) a) Explique por que o axioma formulado por Roberto de Oliveira Campos tornaria possível “construir mundos maravilhosos”. RESOLUÇÃO: O axioma criado por Roberto Campos, “a igno rância não tem limite inferior”, denota o sarcasmo com que seu criador se referiu à ignorância como manifestação capaz de surpreender pela ausência de limite, o que pode gerar ironicamente “mundos maravilhosos”, porque a falta de conhecimento fornece material inesgotável para a galhofa, o deboche, o escárnio, além de possibilitar a inven ção de realidades disparatadas: “A quantidade de sandices ditas no longo discurso com o ar de quem estava inventando o mundo.” b) Identifique o trecho do texto que explica o emprego da expressão “oratória de alta visibilidade”. RESOLUÇÃO: O trecho que trata da “oratória de alta visibili dade” é o que se refere ao gestual de alguns deputados durante seu discurso: “com os dois braços agitados tentando encontrar uma ideia”. Texto para a questão 2. 2. (FUVEST) – Com base no texto, é correto afirmar: a) A “campanha nacional” a que se refere o autor tem por objetivo banir da língua portuguesa os verbos terminados em “ilizar”. b) O autor considera o emprego de verbos como “reinicializando” (L. 7) e “viabilizar” (L. 13) uma verdadeira “doença”. c) A maioria dos verbos terminados em “(i)lizar”, presentes no texto, foi incorporada à língua por influência estrangeira. d) O autor, no final do primeiro parágrafo, acaba usando involuntariamente os verbos que ele condena. e) Os prefixos “des” e “in”, que entram na formação do verbo “desincompatibilizar” (L. 15), têm sentido oposto, por isso o autor o considera um “palavrão”. RESOLUÇÃO: Segundo o autor, a recorrência de verbos terminados em “-ilizar”, em nossa língua, advém da ação de “maus tradutores de livros de marketing e administração”, que incorporam anglicismos à língua portuguesa, desconsiderando o uso de termos vernáculos com a mesma acepção. Resposta: C LIMITE INFERIOR Aprendi muito com o economista filósofo Roberto de Oliveira Campos, particularmente quando tive a honra e a oportunidade de conviver com ele duranteanos na Câmara dos Deputados. Sentávamos juntos e assis tía mos aos mesmos discursos, alguns muito bons e sábios. Frequentemente, diante de alguns incontroláveis colegas que exerciam uma oratória de alta visibilidade, com os dois braços agitados tentando encontrar uma ideia, Roberto me surpreendia com a afirmação: “Delfim, acabo de demonstrar um teorema”. E sacava uma mordaz conclusão crítica contra o incauto orador. Um belo dia, um falante e conhecido deputado ensur deceu o plenário com uma gritaria que entupiu os ouvidos dos colegas. A quantidade de sandices ditas no longo discurso com o ar de quem estava inventando o mundo fez Roberto reagir com incontida indignação. Soltou de supetão: “Delfim, construí um axioma, uma afirmação preliminar que deve ser aceita pela fé, sem exigir prova: a ignorância não tem limite in ferior”. E completou, com a perversidade de sua imensa inteligência: “Com ele poderemos construir mundos maravilhosos”. (Antonio Delfim Netto, Folha de S. Paulo, 17/09/2014. Adaptado.) Sim, estou me associando à campanha nacional contra os verbos que acabam em “ilizar”. Se nada for feito, daqui a pouco eles serão mais numerosos do que os terminados simplesmente em “ar”. Todos os dias os maus tradutores de 5 livros de marketing e administração disponibilizam mais e mais termos infelizes, que imediatamente são operacionalizados pela mídia, reinicializando palavras que já existiam e eram perfeitamente claras e eufônicas. A doença está tão disseminada que muitos verbos honestos, 10 com currículo de ótimos serviços prestados, estão a ponto de cair em desgraça entre pessoas de ouvidos sensíveis. Depois que você fica alérgico a disponibilizar, como você vai admitir, digamos, “viabilizar”? É triste demorar tanto tempo para a gente se dar conta de que “desin compatibilizar” sempre foi um 15 palavrão. (FREIRE, Ricardo. Complicabilizando. Época, ago. 2003.) MÓDULO 13 Estudos Linguísticos – V C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 7 8 – P O R T U G U ÊS Leia o trecho inicial do artigo “Artifícios da inteligência”, do físico brasileiro Marcelo Gleiser (1959- ), para responder às questões 3 e 4. 3. (UNESP) a) Para o físico Marcelo Gleiser, o que distingue as tecnologias transumanas daquelas apenas corretivas? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: Segundo o texto, as tecnologias corretivas regula rizam deficiências físicas existentes, não têm como objetivo a ampliação de características cognitivas, como é o caso do transumanismo. b) Cite dois termos empregados em sentido figurado no primeiro parágrafo do artigo. RESOLUÇÃO: São exemplos de termos empregados em sentido figurado: “engavetado”, metáfora que se refere a estar preso no congestionamento, e “navegar”, também metáfora, referindo-se a passar de um sítio para outro na internet. Considere a seguinte situação: você acorda atrasado para o trabalho e, na pressa, esquece o celular em casa. Só quando engavetado no tráfego ou amassado no metrô você se dá conta. E agora é tarde para voltar. Olhando em volta, você vê pessoas com celular em punho conversando, mandando mensagens, navegando na internet. Aos poucos, você vai sendo possuído por uma sensação de perda, de desconexão. Sem o seu celular, você não é mais você. A junção do humano com a máquina é conhecida como “transumanismo”. Tema de vários livros e filmes de ficção científica, hoje é um tópico essencial na pesquisa de muitos cientistas e filósofos. A questão que nos interessa aqui é até que ponto essa junção pode ocorrer e o que isso significa para o futuro da nossa espécie. Será que, ao inventarmos tecnologias que nos permitam ampliar nossas capacidades físicas e mentais, ou mesmo máquinas pensantes, estaremos decretando nosso próprio fim? Será esse nosso destino evolucionário, criar uma nova espécie além do humano? É bom começar distinguindo tecnologias transumanas daquelas que são apenas corretivas, como óculos ou aparelhos para surdez. Tecnologias corretivas não têm como função ampliar nossa capacidade cognitiva: só regularizam alguma deficiência existente. A diferença ocorre quando uma tecnologia não apenas corrige uma deficiência como leva seu portador a um novo patamar, além da capacidade normal da espécie humana. Por exemplo, braços robóticos que permitem que uma pessoa levante 300 quilos, ou óculos com lentes que dotam o usuário de visão no infravermelho. No caso de atletas com deficiência física, a questão se torna bem interessante: a partir de que ponto uma prótese como uma perna artificial de fibra de carbono cria condições além da capacidade humana? Nesse caso, será que é justo que esses atletas compitam com humanos sem próteses? Poderia parecer que esse tipo de hibridização entre tecnologia e biologia é coisa de um futuro distante. Ledo engano. Como no caso do celular, está acontecendo agora. Estamos redefinindo a espécie humana através da interação – na maior parte ainda externa – com tecnologias que ampliam nossa capacidade. Sem nossos aparelhos digitais – celulares, tabletes, laptops – já não somos os mesmos. Criamos personalidades virtuais, ativas apenas na internet, outros eus que interagem em redes sociais com selfies arranjados para impressionar; criações remotas, onipresentes. Cientistas e engenheiros usam computadores para ampliar sua habilidade cerebral, enfrentando problemas que, há apenas algumas décadas, eram considerados impossíveis. Como resultado, a cada dia surgem questões que antes nem podíamos contemplar. (Folha de S.Paulo, 01.02.2015. Adaptado.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 8 4. (UNESP) a) De acordo com o físico, nós já podemos ser considerados transumanos? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: Segundo o autor, o transumanismo, “hibridismo entre tecnologia e biologia”, já está ocorrendo. Marcelo Gleiser considera que os seres humanos estão ampliando sua capacidade por meio de tecnologias que os redefinem de modo que as pessoas já não são as mesmas, caso percam o acesso aos aparelhos eletrônicos, tal como acontece no caso do celular. b) Dêiticos: expressões linguísticas cuja interpretação depende da pessoa, do lugar e do momento em que são enunciadas. Por exemplo: “eu” designa a pessoa que fala “eu”. (Ernani Terra. Leitura do texto literário, 2014.) Cite dois dêiticos empregados nos dois primeiros parágrafos do texto. RESOLUÇÃO: O pronome de tratamento “você” foi empregado em sentido generalizante, pois não se refere a uma pessoa em particular, mas a todos os que já vivenciaram as situações descritas no primeiro parágrafo. No segundo parágrafo, o pronome pessoal oblíquo “nos” refere-se ao próprio autor do texto, é usado como plural de modéstia. O pronome possessivo “nossa” refere-se à espécie humana. Texto para a questão 5. (André Dahmer. Malvados, 2019.) 5. (FMABC-2021) – Depreende-se da tira que os artistas a) perderam a sensibilidade em razão da dificuldade fi nan ceira. b) vivem acima de suas possibilidades financeiras. c) importam-se unicamente com a própria arte. d) encontram dificuldade em sobreviver da própria arte. e) encontram inspiração na dificuldade financeira. RESOLUÇÃO: O diálogo na tirinha refere-se aos artistas como seres “atormentados”, mas não pela sensibilidade, e sim pelo fato material de terem de pagar aluguel. Assim, o tormento que eles sofrem não se refere à arte, mas a problemas financeiros, sugerindo que os artistas não conseguem viver da arte que produzem. Resposta: D – 9 P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 9 P O R T U G U ÊS Você já sabe que a oração que não funciona como um termo de outra oração do mesmo período chama-se oração inde pen dente. As orações independentes vêm coordenadas entre si e classifi cam-se co mo mostra o quadro seguinte. ORAÇÕES COORDENADAS não funcionam como termos de outras orações ASSINDÉTICAS não vêm introduzidas por con junção SINDÉTICAS vêm introduzidas por con junção Classificação aditivas – relação de soma: e, nem, não só...mas também, tanto... como etc. adversativas – relação de oposi ção: e (= mas), porém, todavia, contu do, en tre tan to, no entanto etc. alternativas – relação de alter nân cia: ou, ou ... ou, ora ... ora, já ... já, quer ... quer etc. conclusivas – relação de conclu são: logo, portanto, por isso, pois (após o verbo), de modo que, por conseguinte etc. explicativas – relação de expli cação: pois (antes do verbo), porque, porquanto, que etc. Observe que a conjunção pois pode ser empregada em uma oração coordenada sindética • explicativa, quando explica a declaração contida na oração an terior. Nesse caso, aparece antes do verbo e pode ser subs tituída pela conjunção porque; • conclusiva, quando exprime a conclusão de um racio cínio. Nesse caso, geralmente aparece depois do verbo e pode ser substituída pela conjunção portanto. MÓDULO 14 Orações Coordenadas 1. Indique a relação que a oração sublinhada estabelece com outra oração do período. Relações: a) soma, adição b) oposição c) alternância d) conclusão e) explicação f) assindética Classifique as orações coordenadas grifadas. I. ( a ) Acalma-te, que eu estou aqui. II. ( d ) A energia já voltou; acenda, pois, as luzes. III. ( b ) Corri como um louco, e não consegui chegar na hora. IV. ( f ) Tudo muda, tudo passa, Deus permanece. V. ( e ) Não reclames tanto; porque haverá outra seleção. VI. ( c ) Ora a menina corria até a porta, ora ia até a janela. VII. ( d ) És muito capaz; daí, procura ficar mais tranquilo. VIII. ( a ) “Não é chuva, não é vento, nem é gente, com certeza.” C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 10 – 11 P O R T U G U ÊS Texto para a questão 2. 2. (FUVEST) a) Qual o sentido das palavras “cravou” e “planilhar” destacadas no texto e qual o efeito que elas produzem? RESOLUÇÃO: O verbo “cravar” indica, no contexto, “afirmar categoricamente”; o verbo “planilhar” tem o sen tido de “organizar dados de maneira padroni zada”. O primeiro apresenta uma constatação de que os super-heróis, para atingir seu objetivo, acabam provocando também a morte de inocen tes. O segundo comprova essa ideia, por meio de um levantamento de dados numéricos feito com 20 longas de super-heróis. b) Substitua os dois-pontos do trecho “Vale dizer que o usuário contabilizou apenas mortes relevantes à história: só entraram na planilha vítimas que tinham, pelo menos, nome antes de baterem as botas” por uma conjunção e indique qual a relação de sentido estabelecida por ela? RESOLUÇÃO: Os dois pontos introduzem uma explicação sobre a condição que Tom95 leva em conta para que uma morte seja considerada relevante na Saga Vingadores: ter-se abatido sobre uma personagem que tenha nome. Dessa forma, esse sinal de pontuação pode ser substituído por uma conjun ção explicativa como pois, porque. Texto para a questão 3. 3. Os enunciados que compõem os textos encadeiam- se por meio de elementos linguísticos que contribuem para construir diferentes relações de sentido. No trecho “Em vielas sinuosas, portanto, estaríamos livres de assombrações malditas”, o conector “portanto” estabelece a mesma relação semântica que ocorre em a) “[...] talvez as favelas cariocas fossem lugares nobres e seguros [...].” b) “[...] acreditava-se por lá, assim como em boa parte do Oriente [...].” c) “[...] elas podem ser também solução para uma série de desafios das cidades hoje.” d) “Contanto que não sejam encaradas com olhar pitoresco ou preconceituoso.” e) “As favelas são, afinal, produto direto do urbanismo moderno [...].” RESOLUÇÃO: O conector “portanto” estabelece com o período relação de conclusão, tal qual o conectivo “afinal”. Em a, “talvez” indica dúvida; em b, “assim como”, comparação; em c, “também”, inclusão; em d, “contanto que”, condição. Resposta: E Tio Ben cravou pouco antes de falecer: “grandes poderes nunca vêm sozinhos”. E não há responsabilidade maior do que tirar a vida de alguém. Isso, no entanto, não significa que super-heróis tenham a ficha completamente limpa. Na verdade, uma olhada mais atenta nos filmes sobre os personagens confirma uma teoria não tão inocente – a grande maioria deles é homicida. Foi pensando nisso que um usuário do Reddit, identi ficado como T0M95, resolveu planilhar os assassinatos que acontecem nos filmes da Marvel. Nos 20 longas, que saíram nos últimos 10 anos, foram 65 mortes – e 20 delas deixaram sangue nas mãos dos mocinhos. Vale dizer que o usuário contabilizou apenas mortes relevantes à história: só entraram na planilha vítimas que tinham, pelo menos, nome antes de baterem as botas. Nada de figurantes ou bonecos criados em computação gráfica só para dar volume a uma tragédia. Ficaram de fora, por exemplo, as centenas que morreram durante a batalha de Wakanda, em “Vingadores: Guerra Infinita”, ou a cena de “Guardiões da Galáxia” que se consagrou como o maior massacre da história do cinema. (https://super.abril.com.br/cultura/quantosassassinatoscadaheroievilaodamarv elcometeunoscinemas. Adaptado.) Para os chineses da dinastia Ming, talvez as favelas cariocas fossem lugares nobres e seguros: acreditava-se por lá, assim como em boa parte do Oriente, que os espíritos malévolos só viajam em linha reta. Em vielas sinuosas, portanto, estaríamos livres de assombrações malditas. Qualidades sobrenaturais não são as únicas razões para considerarmos as favelas um modelo urbano viável, merecedor de investimentos infraestruturais em escala maciça. Lugares com conhecidos e sérios problemas, elas podem ser também solução para uma série de desafios das cidades hoje. Contanto que não sejam encaradas com olhar pitoresco ou preconceituoso. As favelas são, afinal, produto direto do urbanismo moderno e sua história se confunde com a formação do Brasil. (CARVALHO, B. A favela e sua hora. Piauí, n. 67, abr. 2012.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 11 12 – P O R T U G U ÊS Texto para a questão 4. 4. O emprego adequado dos elementos de coesão contribui para a construção de um texto argumentativo e para que os objetivos pretendidos pelo autor possam ser alcançados. A análise desses elementos no texto mostra que o conectivo a) “ou seja” introduz um esclarecimento sobre a diminuição da quantidade de lixo. b) “mas” instaura justificativas para a criação de novos tipos de reciclagem. c) “também” antecede um argumento a favor da reciclagem. d) “afinal” retoma uma finalidade para o uso de matérias-primas. e) “então” reforça a ideia de escassez de matérias-primas na natureza. RESOLUÇÃO: O elemento de coesão ou seja é explicativo. Resposta: A Texto para a questão 5. 5. (FGV) – Assinale a alternativa em que esse trecho está reescrito adequadamente, considerando-se os aspectos de coesão e coerência textual. a) Nos últimos anos, muitos brasileiros viajaram para os Estados Unidos e aproveitaram as férias, conquanto pagassem mais barato por artigos eletrônicos, utilidades domésticas, roupas e acessórios para bebês, entre outros itens. b) Nos últimos anos, muitos brasileiros viajaram para os Estados Unidos, embora aproveitassem as férias, também pagaram mais barato por artigos eletrônicos, utilidades domésticas, roupas e acessórios para bebês, entre outros itens. c) Nos últimos anos, muitos brasileiros viajaram para os Estados Unidos para aproveitar as férias e também para pagar mais barato por artigos eletrônicos, utilidades domésticas, roupas e acessórios para bebês, entre outros itens. d) Nos últimos anos, muitos brasileiros viajaram para os Estados Unidos, que aproveitaram as férias, inclusive para pagar mais barato por artigos eletrônicos, utilidades domésticas, roupas e acessórios para bebês, entre outros itens. e) Nos últimos anos, muitos brasileiros viajaram tanto para os Estados Unidos que aproveitaram as férias, inclusive para pagar mais barato por artigos eletrônicos, utilidades domésticas, roupas e acessórios para bebês, entre outros itens. RESOLUÇÃO: Tanto na frase do enunciado quanto na da alternativaapontada, a relação que se estabelece entre as orações é de finalidade e de adição. Resposta: C Nos últimos anos, muitos brasileiros viajaram para os Estados Unidos para – além de aproveitar as férias – pagar mais barato por artigos eletrônicos, utilidades domésticas, roupas e acessórios para bebês, entre outros itens. RECICLAR É SÓ PARTE DA SOLUÇÃO O lixo é um grande problema de sustentabilidade. Literalmente: todos os anos, cada brasileiro produz 385 kg de resíduos – dá 61 milhões de toneladas no total. O certo seria tentar diminuir ao máximo essa quantidade de lixo. Ou seja, em vez de ter objetos recicláveis, o ideal seria produzir sempre objetos reutilizáveis, o que diminui os resíduos. Mas, enquanto isso não acontece, temos que nos contentar com a reciclagem. E é aí que vem um detalhe perigoso: reciclar o lixo também polui o ambiente e gasta energia. Reciclar vidro, por exemplo, é 15% mais caro do que produzi-lo a partir de matérias- primas virgens. Afinal, é feito basicamente de areia, soda e calcário, que são abundantes na natureza. Então, nenhuma empresa tem interesse em reciclá-lo. Já o alumínio é um supernegócio, porque economiza muita energia. HORTA, M. Disponível em: http://super.abril.com.br. Acesso em 25 maio 2012. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 12 – 13 P O R T U G U ÊS Você já aprendeu que a oração subordinada depen de de outra oração do período, pois funciona como um termo dessa oração, como se estivesse encaixada nela. A oração subordinada pode ser substituída por um substantivo (ou pronome substantivo), adjetivo ou palavra ou expressão com valor de advérbio, compondo, dessa maneira, a oração principal. Para saber se uma oração é subordinada, verifique • se ela é introduzida por uma conjunção ou por um pronome relativo; ou • se não introduzida por conjunção ou pronome relativo, apresenta o verbo no gerúndio, particí pio ou infinitivo (esses casos serão estudados mais tarde); • se pode ser substituída por um substantivo (ou pro nome substantivo), adjetivo ou palavra ou expressão com valor de advérbio, compondo, desta maneira, a oração principal. Exemplos Meu professor, que nasceu na França, fala bem o português. Meu professor, francês, fala bem o português. No caso, a oração subordinada – que nasceu na França – • é introduzida por pronome relativo (que); • pode ser substituída por um adjetivo (francês) que passa a compor a oração principal. Observei que eles estão contentes. Observei o contentamento deles. Observei isso. A oração subordinada – que eles estão contentes – • é introduzida por uma conjunção (que); • pode ser substituída por um substantivo (conten tamento) ou pronome substantivo (isso) que passa a compor a oração principal. Quando anoiteceu, ele chegou. À noite, ele chegou. No caso, a oração subordinada – quando anoiteceu – • é introduzida por conjunção (quando); • pode ser substituída por uma expressão com valor de advérbio (à noite) que passa a compor a oração prin cipal. Para saber se uma oração é principal, verifique • se ela assimila o substantivo, adjetivo, advérbio ou expressão com valor de advérbio equivalente à transformação da oração subordinada. Exemplos Observei que eles estão contentes. Observei o contentamento deles. Observei isso. A oração principal – Observei – assimilou o substan tivo contentamento (ou o pronome isso), equiva lente à oração subordinada transformada. O termo contentamento deles (ou isso) funciona como objeto direto da nova oração. A oração subordinada substantiva desempenha fun ção sintática própria do substantivo. Pode ser subs tituída por um substantivo ou pronome substantivo. Às vezes, não encontramos um substantivo ade quado, que não altere o sentido da frase, para fazer a substituição. Mas sempre podemos substituir a oração subordinada substan - tiva pelo pronome substantivo isso (ou contração do pronome com conjunção, como disso, nisso). ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS desempenham função sintática própria do substantivo Funcionam como • sujeito da principal — subjetiva • objeto direto da principal — objetiva direta • objeto indireto da principal — objetiva indireta • predicativo do sujeito da principal — predicativa • complemento nominal da principal — completiva nominal • aposto da principal — apositiva MÓDULO 15 Orações Subordinadas Substantivas C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 13 14 – P O R T U G U ÊS 1. Analise a função sintática do termo grifado em I e, a seguir, em II, transforme esse termo na oração subor dinada subs tan tiva correspondente, classifican do-a. Preste atenção na correlação entre o verbo da principal e o verbo da subordinada. a) I. O patrão exigia a lealdade dos funcionários. II. O patrão exigia que os funcionários fossem leais.____________________________________________________________________________ Oração Principal Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta____________________________ b) I. O orfanato depende da doação do terreno. II. Os orfanato depende de que o terreno seja doado.______________________________________________________________________ Oração Principal Oração Subordinada Substantiva Objetiva Indireta______________________________ c) I. Tenho certeza de sua omissão na tragédia. II. Tenho certeza de que você se omitiu na tragédia.____________________________________________________________________________ Oração Principal Oração Subordinada Substantiva Completiva Nominal___________________________________ d) I. O essencial é a nossa confiança no sistema jurídico. II. O essencial é que confiemos no sistema jurídico.__________________________________________________________________________ Oração Principal Oração Subordinada Substantiva Predicativa___________________________ e) I. É imprescindível a leitura das obras indicadas. II. É imprescindível que as obras indicadas sejam lidas. OU que se leiam as obras indicadas._______________________________________________________________________ Oração Principal Oração Subordinada Substantiva Subjetiva___________________________ f) I. O advogado enfatizou uma Cláusula do contrato: a rescisão iminente. II. O advogado enfatizou uma Cláusula do contrato: que a rescisão era iminente._____________________________________________________ Oração Principal Oração Subordinada Substantiva Apositiva_________________________ ( Aposto ) ( S ) ( PS ) ( CN ) ( OI ) ( OD ) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 14 – 15 P O R T U G U ÊS 2. Classifique as orações subordinadas substantivas extraídas de Dom Casmurro, de Machado de Assis. (1) objetiva direta (2) subjetiva (3) objetiva indireta (4) completiva nominal (5) predicativa a) "Vi que a emoção dela era outra vez grande, mas não recuava de seus propósitos..." ( ) b) "De repente, cessando a reflexão, fitou em mim os olhos de ressaca, e perguntou-me se tinha medo." ( ) c) "Se me acudisse ali uma injúria grande ou pequena, é possível que a escrevesse também..." ( ) d) "Ao mesmo tempo tomei-me do receio de que alguém nos pudesse ouvir..." ( ) e) "O bonito é que cada um de nós queria agora as culpas para si..." ( ) f) "No dia seguinte, arrependi-me de haver rasgado o discurso... ( ) Pensei em recompô-lo, mas só achei frases soltas..." ( ) RESOLUÇÃO: a) 1; b) 1; c) 2; d) 4; e) 5; f) 3, 3. Texto para a questão 3. (Laerte. “Piratas do Tietê”. Folha de S.Paulo, 20.09.2016) 3. (FGV-Economia) – a) Explique o que significa, no contexto da tira, a frase “Anda vendo muito filme, cidadão.” RESOLUÇÃO: A frase “Está sendo abduzido” induz o persona gem a associar a ação aos aliens e imaginar como isso se daria, segundo os filmes hollywoodianos. b) Reescreva a fala do quarto quadrinho na forma afirmativa, substituindo “Eu não deveria...”por “Eu supunha que...” e o verbo “flutuar” por “dirigir-se”. RESOLUÇÃO: Eu supunha que seria transportado pelo ar, dirigindo-me para uma nave espacial. Tira para a questão 4. Disponível em: <http://portancredo.blogspot.com.br/>. Acesso em: 30 maio 2016. 4. (UFAL) – Dadas as afirmativas a respeito da tira, I. O recurso linguístico utilizado pelo personagem é o discurso direto. II. As falas do personagem exemplificam o uso da linguagem em função predominantemente fática, uma vez que o elemento da comunicação centralizado é o canal. III. O vocábulo que em: “Não é justo que uma mulher trabalhe...” introduz uma oração subordinada substantiva subjetiva. IV. Em se tratando de noção temporal, o pronome isso em: “Por que não faz isso à noite?...”, de 2ª pessoa do discurso, indica tempo presente ou momento pontual. verifica-se que estão corretas a) I e II, apenas. b) I e III, apenas. c) II e IV, apenas. d) III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. RESOLUÇÃO: Todas corretas. Em I, a fala é apresentada pela própria personagem (discurso direto); em II, a indicação da função predominantemente fática é adequada, já que há, apenas, a intenção de interação entre os falantes; em III, “que” é conjunção integrante, introduz, portanto, oração subordinada substantiva; em IV, a indicação temporal relaciona-se ao tempo presente porque “isso” refere-se ao que a mulher estava executando no momento da fala de Hagar. Resposta: E NÃO É JUSTO QUE UMA MULHER TRABALHE TANTO COM UM SOL DESSES! POR QUE NÃO FAZ ISSO À NOITE?... C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 15 16 – P O R T U G U ÊS 5. (UNIFESP-2018) – “De acordo com essa teoria, não cabia aos homens modificar a ordem social.” (1.° parágrafo) O trecho destacado exerce a função sintática de a) objeto indireto. b) objeto direto. c) adjunto adnominal. d) sujeito. e) adjunto adverbial. RESOLUÇÃO: A oração “modificar a ordem social” funciona como sujeito (oração subordinada substantiva subjetiva) da principal. Assim o trecho poderia ser reescrito da seguinte forma: “De acordo com essa teoria, modificar a ordem social não cabia aos homens”. Resposta: D 6. (UNIFESP-2019) – A forma verbal destacada deve sua flexão ao termo sublinhado em: a) “Deu-me lá alguma cousa para guardar?” b) “Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário.” c) “Desempenhou outra função importante na economia brasileira: foi também banco.” d) “os grandes proprietários, nos seus zelos exagerados de privativismo, enterraram dentro de casa as joias e o ouro do mesmo modo que os mortos queridos.” e) “Às vezes dinheiro dos outros, de que os senhores ilicitamente se haviam apoderado.” RESOLUÇÃO: “Sucedeu” é a oração principal que vem seguida de sujeito oracional. Nesse caso, o verbo da oração prin cipal fica sempre na 3a. pessoa do singular. Em a, o verbo concorda com o sujeito oculto “você”, indicado na oração anterior; em c, concorda com o sujeito também oculto “a casa-grande”, indicado no período anterior; em d, concorda com o sujeito simples plural “os grandes proprietários”; em e, com o sujeito também simples no plural, “os senhores”. Resposta: B OBSERVAÇÕES I. Frequentemente, a oração subordinada subs tan tiva é introdu zida pela conjunção integrante que, conforme visto nos exemplos anteriores. II. A oração subordinada substantiva também pode ser intro du zi da pela conjunção integrante se. Exemplo: Não sei se ela estranhou o calor da minha alegria (...) (Rubem Braga). Nesse caso, não ocorre a mesma correlação entre verbos da oração principal e da subordinada vista no empre go da conjunção integrante que. III. Embora a Nomenclatura Gramatical Brasi leira não registre, o agente da passiva também pode apa recer em forma de oração. Exemplo: As or dens são dadas por quem pode. (F. Namora) IV. As orações subordinadas substantivas que não são intro du zi das pelas conjunções integrantes que e se (conectivas) são cha ma das de justa postas, por estarem colocadas junto às orações prin ci pais. São iniciadas por pronomes e advérbios inter rogativos (quem, quantos, por que, quando, como, onde etc.) que exercem fun ção sintática. Exemplos Não se sabe quem cometeu o crime. oração subordinada substantiva subjetiva quem: sujeito da oração subordinada A polícia investiga por que mataram o empresário. oração subordinada substantiva objetiva direta por que: adjunto adverbial de causa da oração subordinada Tinha medo de quantos o cercavam. oração subordinada substantiva completiva nominal quantos: sujeito da oração subordinada C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 16 – 17 P O R T U G U ÊS 1. (FUVEST) – “É da história do mundo que (1) as elites nunca introduziram mudanças que (2) favorecessem a sociedade como um todo. Estaríamos nos enganando se achássemos que (3) estas lideranças empresariais aqui reunidas teriam motivação para fazer a distribuição de poderes e rendas que (4) uma nação equilibrada precisa ter.” O vocábulo que está numerado em suas quatro ocorrências, nas quais se classifica como conjunção integrante e como pronome relativo. Assinalar a alternativa que registra a classificação correta em cada caso, pela ordem: a) 1. pronome relativo, 2. conjunção integrante, 3. pronome relativo, 4. conjunção integrante b) 1. conjunção integrante, 2. pronome relativo, 3. pronome relativo, 4. conjunção integrante c) 1. pronome relativo, 2. pronome relativo, 3. conjunção integrante, 4. conjunção integrante d) 1. conjunção integrante, 2. pronome relativo, 3. conjunção integrante 4. pronome relativo e) 1. pronome relativo, 2. conjunção integrante, 3. conjunção integrante, 4. pronome relativo RESOLUÇÃO: O vocábulo “que” introduz orações subordinadas substantivas e adjetivas, sendo que o primeiro e o terceiro iniciam uma subor - dinada substantiva subjetiva e objetiva direta, respectivamente; logo, funcionam como conjunção integrante. Já o segundo e o quarto introduzem orações subordinadas adjetivas restritivas; portanto, são pronomes relativos. Resposta: D 2. (PUC-RJ – modificada) – Frequentemente, frases como as apre - sentadas abaixo são proferidas em conversações informais. Num texto formal escrito, porém, são ina dequadas. Reescreva-as, sem modificar o seu sentido e pontuação, mas adequando-as ao padrão da língua escrita. a) O garoto que eu gosto dos olhos dele ainda não chegou. RESOLUÇÃO: O garoto de cujos olhos eu gosto ainda não chegou. b) O homem que eu telefonei para ele ontem não estava em casa. RESOLUÇÃO: O homem para quem eu telefonei ontem não estava em casa. c) A rua que eu gosto de correr é toda arborizada. RESOLUÇÃO: A rua em que (onde) eu gosto de correr é toda arborizada. Os pronomes relativos são assim chamados porque se relacionam a um termo – o antecedente (termo anterior). VARIÁVEIS INVARIÁVEISMASCULINO FEMININO Singular Plural Singular Plural o qual os quais a qual as quais que cujo cujos cuja cujas quem quanto quantos onde MÓDULO 16 Emprego do Pronome Relativo “As perguntas que fazemos revelam o ribeirão onde queremos ir beber...” (Rubem Alves) antecedente pronome antecedente pronome relativo relativo C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 17 18 – P O R T U G U ÊS 3. (ACAFE-2018) – Preencha as lacunas com pronomes relativos que, quem, onde, cujo/cujos/cuja/cujas, precedidos ou não de preposição, conforme exige o contexto frasal. I. Devido à linha estiagem, a vida na fazenda _____________________ sempre tirou o seu sustento tornava-se cada vez mais difícil. II. As minas de ouro _____________________ profundezas foram retiradas as mais valiosas pepitas há alguns anos são improdutivas atualmente. III. Os novos escritores _____________________ a academia deseja prestar homenagens na sessão de amanhã são de Teresina (PI) e de Cabedelo (PB), respectivamente. IV. Os policiais que foram encarregados de investigar o furto dos celulares no hangar doGaleão querem descobrir _________________ as câmaras de monitoramento não capturaram nenhuma imagem dos criminosos. V. A clorofila, _____________________ existe nas plantas, é responsável pela fotossíntese. RESOLUÇÃO: Na frase I, “na fazenda” é advérbio de lugar e, como tal, é possível a substituição pelo pronome relativo “onde”, precedido pela preposição “de” (de onde tirou / retirou de + a fazenda). Na frase II, de “cujas” exprime ideia de posse / pertencimento (profundezas das minas de ouro). Na frase III, a academia deseja prestar homenagem a quem? (aos escritores). Na IV, “[...] descobrir por que as câmaras [...], isto é, [...] por qual motivo as câmaras [...]. Na frase V, o pronome “que” retoma e substitui “clorofila”, ou seja “a clorofila existe nas plantas”. Resposta: B 4. Diante do número de óbitos provocados pela gripe H1N1 – gripe suína – no Brasil, em 2009, o Ministro da Saúde fez um pronunciamento público na TV e no rádio. Seu objetivo era esclarecer a população e as autoridades locais sobre a necessidade do adiamento do retorno às aulas, em agosto, para que se evitassem a aglomeração de pessoas e a propagação do vírus. Fazendo uso da norma padrão da língua, que se pauta pela correção gramatical, seria correto o Ministro ler, em seu pronunciamento, o seguinte trecho: a) Diante da gravidade da situação e do risco de que nos expomos, há a necessidade de se evitar aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. b) Diante da gravidade da situação e do risco a que nos expomos, há a necessidade de se evitarem aglomerações de pessoas, para que se possam conter o avanço da epidemia. c) Diante da gravidade da situação e do risco a que nos expomos, há a necessidade de se evitarem aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. d) Diante da gravidade da situação e do risco os quais nos expomos, há a necessidade de se evitar aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. e) Diante da gravidade da situação e do risco com que nos expomos, tem a necessidade de se evitarem aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. Resposta: C Texto para a questão 5. 5. (FUVEST) a) Para que o emprego da palavra “onde”, sublinhada no texto, seja considerado correto, a que termo antecedente ela deve se referir? Justifique sua resposta. RESOLUÇÃO: O pronome relativo “onde” refere-se a lugar, retomando a expressão “álbum de fotografia”, o que permite a seguinte relação de ideias: “víamos as imagens no álbum de fotografias”. b) Reescreva a frase “Todas as outras, que ideia.”, substituindo os dois sinais de pontuação nela empregados por outros, de tal maneira que fique mais evidente a entonação que ela tem no contexto. RESOLUÇÃO: O excerto em destaque expressa uma condenação às inúmeras fotografias que se popularizam na forma de selfies. Assim, a pontuação adequada a essa postura crítica seria: “Todas as outras? Que ideia!” A PRAGA DOS SELFIES De uma coisa tenho certeza. A foto pelo celular vale apenas pelo momento. Não será feito um álbum de fotografias, como no passado, onde víamos as imagens, lembrávamos da família, de férias, de alegrias. As imagens ficarão esquecidas em um imenso arquivo. Talvez uma ou outra, mais especial, seja revivida. Todas as outras, que ideia. Só valem pelo prazer de fazer o selfie. Mostrar a alguns amigos. Mas o significado original da foto de família ou com amigos, que seria preservar o momento, está perdido. Vale pelo instante, como até grandes amores são hoje em dia. É o sorriso, o clique, e obrigado. A conquista: uma foto com alguém conhecido. (W. Carrasco, “A praga dos selfies”. Época, 26.09.2016) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 18 6. (FGV-Direito-2019) a) Para obter ênfase na mensagem, o redator desse texto emprega, de modo reiterado, um determinado recurso expressivo. Identifique- o e justifique. RESOLUÇÃO: O recurso expressivo é a repetição enfática do trecho “que a gente gostaria de”, que mantém o paralelismo sintático e semântico do texto. b) Na frase “Aproximamos as pessoas com quem a gente gostaria de conviver”, o redator do texto seguiu as regras da norma-padrão da língua portuguesa escrita ao usar a preposição “com” exigida pelo verbo “conviver”. Em outras frases, no entanto, faltou a preposição exigida pelos respectivos verbos. Reescreva duas destas frases, inserindo, nelas, a preposição adequada. RESOLUÇÃO: Produzimos os eventos a que a gente gostaria de ir. Investimos nos negócios de que a gente gostaria de participar. Conectamos as marcas com que a gente gostaria de trabalhar. 7. (VUNESP) – Considere a frase: Completam correta e respectivamente a frase, as prepo sições a) a – dos b) sobre – nos c) para – nos d) por – aos e) de – aos Resposta: E 8. (UNISA) – A expressão com que preenche corretamente a lacuna da frase. a) O controle _____________ gostamos de exercer sobre a vida alheia é um indício do autoritarismo que há dentro de nós. b) É imensa a força ______________ os governos autoritários costumam subjugar as pessoas e inibir as iniciativas libertárias. c) A realidade _______________ George Orwell imaginou seria regida pelo poder de um governo absolutista e burocrático. d) Todo o interesse _______________ as pessoas vêm demons trando pelo programa Big Brother prova que há autorita rismo nas raízes da sociedade. e) O autor do texto parece repudiar esse interesse ________________ vem recebendo do grande público um programa como o Big Brother. RESOLUÇÃO: As demais alternativas aceitam apenas o pronome relativo que. Resposta: B NOSSO MANIFESTO Produzimos os eventos que a gente gostaria de ir. Geramos o conteúdo que a gente gostaria de consumir. Construímos os lugares que a gente gostaria de frequentar. Criamos os produtos que a gente gostaria de comprar. Investimos nos negócios que a gente gostaria de participar. Aproximamos as pessoas com quem a gente gostaria de conviver. Conectamos as marcas que a gente gostaria de trabalhar. Simples assim. (Meca Journal, n.° 12, julho.2017) Este é o cientista renomado _________ quem lhe falei, e os resultados das pesquisas __________ quais ele aludiu, durante sua palestra, são bastante promissores. – 19 P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 19 20 – P O R T U G U ÊS 1. Classifique as orações adjetivas destacadas, colo cando R para as restritivas e E para as explicativas. Coloque vírgula antes da oração adjetiva, quando se tratar de explicativa. a) Muitas crianças morrem por doenças que podiam ser evitadas. ( R ) b) Os cremes faciais que são criados com recurso da na notecno - logia atingem as camadas mais profun das da pele. ( R ) c) A África que concentra os maiores bolsões de miséria do pla - neta tem obstáculos quase intrans poníveis ao desenvol vimento. ( E ) 2. (FGV) – Compare as duas frases, observando sua pontuação. Assinale a alternativa correta quanto ao sentido dessas frases. a) A primeira afirma que somente as meninas feias serão beijadas; as bonitas não. b) A primeira afirma que todas as meninas da festa são feias – e serão beijadas. c) A segunda afirma que todas as meninas da festa são feias – e serão beijadas. d) A segunda afirma que somente as meninas bonitas serão beijadas; as feias não. e) As duas frases afirmam que as meninas bonitas serão beijadas. PRONOMES RELATIVOS QUE Substitui um termo da oração anterior. É antecedido por preposição se o nome ou verbo a que se associa a exigir. Exemplos: Contou a novidade que todos já conhe - ciam. Comprou o carro de que gostara. Chegaram os livros com que vou terminar meu trabalho. O QUAL Usa-se, preferencialmente, depois de pre po sições com mais de uma sílaba. Substitui o que para evitar ambiguidade. É antecedido por preposição se o nome ou verbo a que se associa a exigir. Exemplos: A testemunha falou a verdade ao juiz perante o qual depôs. O guia da tur ma, o qual se atra sou, era novo na empre sa. (Repare, neste último exemplo, que o uso do que acarretaria ambi gui da - de.) QUEM Usa-se com referência a pessoas. Substitui aquele que. De preferência, concorda com o verbo na terceira pessoa do singular. É antecedido por preposição se o nome ou verbo a que se associa a exigir. Exemplos: João foi quem me defendeu. Foi embora Júlia, por quem todos se apaixo naram. ONDE Usa-se com referência a lugar. Substitui em que, na qual. Exemplos: Esta é a rua onde moro. Va mos seguir o caminho por onde passo to dos os dias. CUJO Indica posse. Substitui substantivo ou pronome prece dido da preposição de. É antecedido por pre posição exigida pelo verbo que o segue. Exemplos: Recordava apenas dos escri tores de cujos livros havia gostado. Visi tava sempre as primas em cuja casa passara a infância. ORAÇÃO SUBORDINADA ADJETIVA encaixa-se na principal, equivalendo a um adjetivo RESTRITIVA EXPLICATIVA • delimita ou define mais cla ra mente o seu ante - ce dente • não é separada por vír - gu la • apresenta uma explica - ção ou pormenor do an - te cedente • é separada por vírgula RESOLUÇÃO: A África, que concentra os maiores bolsões de miséria do planeta, tem obstáculos quase intransponíveis ao desen volvimento. Nesta festa, só beijarei as meninas, que são feias. Nesta festa, só beijarei as meninas que são feias. RESOLUÇÃO: Quando separada por vírgula, como no primeiro período, a oração subordinada adjetiva "que são feias" é explicativa, ou seja, ela se refere a uma propriedade do conjunto ("as meni nas") retomado pelo pronome rela tivo. Portanto, no primeiro período, afirma-se que "as meninas (sem restrição) são feias", e todas serão beija - das. No segundo período, sem vírgula, a oração adjetiva é restritiva, ou seja, demarca apenas um subconjunto do grupo a que o pronome relativo se refere. Portanto, no segundo período, o sentido é que parte das meninas são feias, e apenas estas serão beijadas. Resposta: B MÓDULO 17 Orações subordinadas adjetivas e função sintática do pronome relativo C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 20 – 21 P O R T U G U ÊS 3. (FUVEST-transferência) – Considere os seguintes frag mentos: A explicação correta para a presença da vírgula, antes de “que”, no segmento I, e para a ausência, no segmento II, é: a) Em I e em II, o uso da vírgula é opcional, por tratar-se do emprego do mesmo pronome relativo. b) Em I, o “que” separa o sujeito do respectivo verbo e, em II, sujeito e verbo estão próximos. c) Em I, inserem-se termos que designam tempo e lugar e, em II, não há inserção de termos. d) Em I e em II, constrói-se o significado por meio da entonação promovida pelo uso ou não da vírgula. e) Em I, o “que” introduz uma explicação, e, em II, restringe o sentido do termo antecedente. Resposta: E 4. (UNIFESP) – Em “Podemos [...] elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos”, o termo em destaque exerce a mesma função sintática do trecho destacado em: a) “[...] todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem.” b) “Esse ingresso tardio deveria repercutir intensamente em seus destinos [...].” c) “[...] somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.” d) “É significativa, em primeiro lugar, a circunstância de termos recebido a herança através de uma nação ibérica.” e) “Assim, antes de perguntar até que ponto poderá alcançar bom êxito a tentativa [...].” RESOLUÇÃO: O pronome relativo “que”, no enunciado, exerce a função sintática de objeto direto (representamos a civilização). Em e, a oração destacada funciona também como objeto direto (oração subordinada substantiva objetiva direta) do verbo perguntar. Resposta: E 5. (UNESP) – Em “Tales também previu um eclipse solar que ocorreu no dia 28 de maio de 585 a.C.”, o termo destacado exerce função de a) adjunto adnominal. b) adjunto adverbial. c) sujeito. d) objeto indireto. e) objeto direto. RESOLUÇÃO: O pronome relativo que funciona como sujeito do verbo ocorrer, porque retoma “um eclipse solar”. Resposta: C Texto para a questão 6. 6. (BARRO BRANCO) – O pronome relativo que exerce a função de objeto direto, e não de sujeito, apenas no trecho a) que ouço com frequência (linha 3). b) que nada tem de simples (linha 4). c) que não pode ser esclarecido (linha 8). d) que avança e recua no espaço (linha 12). e) que não exclui a disciplina (linha 13). Resposta: A 7. (FGV) – Na frase “Como a voz de um negro que canta num saveiro o samba que Boa-Vida fez”, o pronome relativo “que”, em relação ao verbo “canta”, exerce a função de ___________ e, em relação ao verbo “fez”, exerce a função de ___________. Essas lacunas dessa frase devem ser preenchidas, respectivamente, por: a) sujeito; objeto indireto. b) sujeito; objeto direto. c) objeto direto; sujeito. d) objeto direto; objeto indireto. e) objeto indireto; objeto direto. RESOLUÇÃO: No primeiro segmento, o pronome relativo “que” refere-se a “negro”: um negro canta num saveiro, e funciona sintaticamente como sujeito do verbo cantar. No segundo segmento, o pronome relativo refere-se a “samba”: Boa-Vida fez o samba, e funciona sintaticamente como objeto direto do verbo fazer. Resposta: B — Como nasce um conto? Um romance? Qual é a raiz de um texto seu? — São perguntas que ouço com frequência. Procuro então simplificar essa matéria que nada tem de simples. Lembro que algumas ideias podem nascer de uma simples imagem. Ou de uma frase que se ouve por acaso. A ideia do enredo pode ainda se originar de um sonho. Tentativa vã de explicar o inexpli cá vel, de esclarecer o que não pode ser esclarecido no ato da cria ção. A gente exagera (...) no fundo sabemos disso per fei tamente — tudo é sombra. Mistério. O artista é um visionário. Um vidente. Tem passe livre no tempo que ele percorre de alto a baixo em seu trapézio voador que avança e recua no espaço: tanta luta, tanto empenho que não exclui a disciplina. (Clarice Lispector. Entrevistas, 2007.) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 I. “A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar”. II. “vinham choros abafados de crianças que ainda não andam”. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 21 22 – P O R T U G U ÊS Leia o soneto “Alma minha gentil, que te partiste”, do poeta português Luís de Camões (1525?-1580), para responder à questão 1. 1. (UNESP) Os termos destacados constituem a) pronomes. b) conjunções. c) uma conjunção e um advérbio, respectivamente. d) um pronome e uma conjunção, respectivamente. e) uma conjunção e um pronome, respectivamente. RESOLUÇÃO: No primeiro segmento, a palavra “se” é conjunção adverbial, condicional e pode ser substituída por caso. O verbo consentir significa permitir, aprovar, é transitivo direto e está na voz passiva sintética, sendo o se pronome apassivador. Resposta: E 2. (PUC-PR) – Assinale a alternativa que estabeleça o mesmo tipo de relação existente na oração destacada no parágrafo abaixo. a) À medida que se aproximavam do rio, mais mosquitos apareciam. b) Medidas urgentes precisam ser tomadas a fim de que a falência da empresa possa ser evitada. c) Naquela manhã, estava muito dispersivo porque dormira pouco. d) Embora estivesse muito cansado, decidiu prosseguir a viagem. e) Acredito que virá, apesar de ter-me avisado que não viria. RESOLUÇÃO: O período em questão tem em sua estrutura uma oração subordinada causal e uma oração principal (com sentido de consequência). A alternativa correta, portanto, é c, que traz uma oração subordinada causal: “porque dormira mal“. Resposta: C ORAÇÕES SUBORDINADAS ADVERBIAIS exercem a função de adjunto adverbial em relação à oração principal causais – relação de causa: porque, visto que, como, uma vez que, já que, porquanto etc. Ex.: Como você chamou, eu vim. consecutivas – relação de consequência: [tanto] que, [tão...] que, [de tal forma] que, [tamanho] que, de sorte que etc. Ex.: Correu tanto que chegoucansado. concessivas – relação de concessão: embora, apesar de, ainda que, se bem que, conquanto, posto que etc. Ex.: Embora não me conheça bem, confia em mim. comparativas – relação de comparação: tal, como, quanto [mais...] do que, [menos...] do que, [tanto...] quanto etc. Ex.: Ele observa mais do que fala. conformativas – relação de conformidade: como, confor - me, segundo etc. Ex.: Conforme afirmaram os meteorologistas, hoje cho - veria. condicionais – relação de condição: se, salvo se, caso, contanto que, desde que, a menos que, sem que etc. Ex.: Comprarei o livro desde que encontre uma edição revisada. proporcionais – relação de proporção: à proporção que, à medida que, quanto mais... etc. Ex.: Quanto mais falava, mais se confundia. temporais – relação de tempo: quando, enquanto, logo que, assim que, depois que, até que, apenas, mal, que [= quando] etc. Ex.: Assim que entrei, ele saiu. finais – relação de finalidade: a fim de que, para que, que [= para que], porque [= para que] etc. Ex.: Eles apresentaram a carteirinha a fim de obterem um desconto. Se lá no assento etéreo, onde subiste, memória desta vida se consente, não te esqueças daquele amor ardente que já nos olhos meus tão puro viste. (Sonetos, 2001.) Visto que estavam enfraquecidos pela contraofensiva aliada, austríacos e turcos se renderam em outubro de 1918. (Superinteressante. São Paulo, ed. 49, p. 15, jun. 2014) “Se lá no assento etéreo, onde subiste, memória desta vida se consente,” (2.a estrofe) MÓDULO 18 Orações subordinadas adverbiais C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 22 – 23 P O R T U G U ÊS Texto para a questão 3. 3. (FGV-Eco) – A locução ainda que e o advérbio muito estabelecem, nesse enunciado, relações de sentido, respectiva mente, de a) restrição e quantidade. b) causa e modo. c) tempo e meio. d) concessão e intensidade. e) condição e especificação. RESOLUÇÃO: "Ainda que” é uma locução conjuntiva de sentido conces sivo; "muito” intensifica o adjetivo “alto ”. Resposta: D Texto para o teste 4. 4. O texto, que narra uma parte do jogo final do Campeonato Carioca de futebol, realizado em 2009, contém vários conectivos, sendo que a) após é conectivo de causa, já que apresenta o motivo de a zaga alvinegra ter rebatido a bola de cabeça. b) enquanto tem um significado alternativo, porque conecta duas opções possíveis para serem aplicadas no jogo. c) no entanto tem significado de tempo, porque ordena os fatos observados no jogo em ordem cronológica de ocorrência. d) mesmo traz ideia de concessão, já que “com mais posse de bola”, ter dificuldade não é algo naturalmente esperado. e) por causa de indica consequência, porque as tentativas de ataque do Flamengo motivaram o Botafogo a fazer um bloqueio. RESOLUÇÃO: A circunstância indicada por mesmo é de concessão, já que “o time dirigido por Cuca tinha grande dificuldade de chegar à área” do adversário, apesar de ter “mais posse de bola”. Resposta: D 5. (ALBERT EINSTEIN) – “– É para satisfazer nosso apetite que a natureza é generosa, pondo seus frutos ao nosso alcance, desde que trabalhemos por merecê-los.” Considerado no contexto, o trecho sublinhado expressa ideia de a) causa. b) consequência. c) condição. d) concessão. e) conclusão. RESOLUÇÃO: A oração destacada estabelece relação de condição com a oração anterior. Poder-se-ia substituir a conjunção condicional “desde que” por “se, caso, a menos que, a não ser que”. Resposta: C 6. (UNIFESP-2020) – “Deus me livre das bobagens de Lamarck como ‘tendência ao progresso’, ‘adaptações a partir do esforço dos animais’, — porém minhas conclusões não diferem muito das dele — embora a forma da mudança difira inteiramente — creio que descobri (que presunção!) a maneira simples pela qual as espécies se adaptam a várias finalidades.” No contexto em que se insere, o trecho sublinhado expressa ideia de a) comparação. b) causa. c) conclusão. d) consequência. e) concessão. RESOLUÇÃO: A oração introduzida pela conjunção “embora” é subordinada adverbial concessiva em relação à anterior. Esse conectivo pode ser substituído por “ainda que”, “mesmo que”, “se bem que”. Resposta: E Ainda que endureçamos os nossos corações diante da vergonha e da desgraça ex pe rimentadas pelas vítimas, o ônus do analfabetismo é muito alto para todos os demais. O Flamengo começou a partida no ataque, enquanto o Botafogo procurava fazer uma forte marcação no meio-campo e tentar lan ça - mentos para Victor Simões, isolado entre os zagueiros rubro-negros. Mesmo com mais posse de bola, o time dirigido por Cuca tinha grande dificuldade de chegar à área alvinegra por causa do bloqueio montado pelo Botafogo na frente da sua área. No entanto, na primeira chance rubro-negra, saiu o gol. Após cruzamento da direita de Ibson, a zaga alvinegra rebateu a bola de cabeça para o meio da área. Kléberson apareceu na jogada e cabeceou por cima do goleiro Renan. Ronaldo Angelim apareceu nas costas da defesa e empurrou para o fundo da rede quase que em cima da linha: Flamengo 1 a 0. (Disponível em: http://momentodofutebol.blogspot.com – adaptado.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 23 Texto para a questão 7. 7. (3.a Aplicação) – Na letra da canção, percebe-se uma interlocução. A posição do emissor é conciliatória entre as tradições do samba e os movimentos inovadores desse ritmo. A estratégia argumentativa de concessão, nesse cenário, é marcada no trecho a) “Mas não me altere o samba tanto assim”. b) “Olha que a rapaziada está sentido a falta”. c) “Sem preconceito / Ou mania de passado”. d) “Sem querer ficar do lado / De quem não quer navegar”. e) “Leva o barco devagar” RESOLUÇÃO: A estratégia argumentativa de concessão é nítida na frase “Mas não me altere o samba tanto assim”, como se pode depreender pelo uso dos termos “mas”, “não”, “tanto”, “assim”, que restringem a ação dada pelo verbo “alterar”. Resposta: A Leia o poema “Sou um evadido”, do escritor português Fernando Pessoa, para responder à questão 8. 8. (UNIFESP-2019) – Os termos sublinhados constituem a) pronomes, somente. b) conjunção, pronome e pronome, respectivamente. c) conjunções, somente. d) pronome, conjunção e conjunção, respectivamente. e) conjunção, conjunção e pronome, respectivamente. RESOLUÇÃO: Em “se a gente”, o “se” é conjunção subordinativa condicional, que pode ser substituída por “caso”. O verbo “cansar” é pronominal e o pronome funciona como parte integrante do verbo. Resposta: B 9. (FGV-Economia) – Na passagem “A obsessão é tão grande que os resultados chegam a formar uma caricatura dos jovens.”, entre as informações, há relação de sentido de a) explicação. b) consequência. c) oposição. d) finalidade. e) conformidade. RESOLUÇÃO: A oração iniciada pela conjunção que é adverbial consecutiva, apresenta uma consequência da causa manifestada na primeira oração. Resposta: B “Se a gente se cansa Do mesmo lugar, Do mesmo ser Por que não se cansar?” (2a. estrofe) ARGUMENTO Tá legal Eu aceito o argumento Mas não me altere o samba tanto assim Olha que a rapaziada está sentido a falta De um cavaco, de um pandeiro e de um tamborim Sem preconceito Ou mania de passado Sem querer ficar do lado De quem não quer navegar Faça como o velho marinheiro Que durante o nevoeiro Leva o barco devagar. PAULINHO DA VIOLA. Disponível em: http://www.paulinhodaviola.com.br. Acesso em: 6 dez. 2012. 24 – P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 24 – 25 P O R T U G U ÊS FRENTE 2Literatura MÓDULO 21 Introdução ao Realismo-Naturalismo 1. Contexto histórico-cultural � A Revolução Industrial – O Materialismo – O Cientificismo Da segunda metade do século XIX ao início do século XX, o mundo ocidental assistiu ao triunfo da Revo - lução Industrial, à con so li dação e ao fortalecimento da bur guesia como classe dominante e à expansão do capitalismo industrial às antigas áreas coloniais da Amé rica, da África e da Ásia, agorasob a denominação de capitalismo avan ça do, alicerçan do-se no avanço cien tífico e tecnoló gico (locomotiva a vapor, eletrici dade, telégrafo sem fio etc.). Surge a civilização indus trial e acentuam-se os seus des dobramen tos: a explosão urbana, as massas trabalhadoras, os sindicatos, as reivin di - cações do proletariado (socialismo utópico de Proudhon, o socialismo científico de Marx e Engels). Ciência, Progresso e Razão pas - sam a ser as palavras de ordem da classe dominante, interessada na estabilização de suas conquistas, substituindo o ímpeto revolucionário, contestatório e individualista da épo ca romântica. A paixão e o impulso pessoal cedem lugar à reflexão, à observação, à análise e à disciplina. As ideias avançadas do cientifi- cismo e do materialismo europeu contaminam a elite brasileira, ainda que nossa realidade social e eco - nômica fosse diferente da situação europeia. Éramos ainda uma socie - dade agrária, recém-saída do escra - vagismo, fundada na produção agrí cola (café, açúcar, borracha) e gover nada por uma República Oli - gárquica, instável e frequentemente abalada por conflitos de interesses no seio da própria classe dominante (aristo cra cia decadente da cana-de- açúcar, aristocracia ascendente do ca - fé, as oligarquias regionais e a apari ção de novos ato res na cena política — os militares). Porém, nossa elite pen sava segundo os modelos europeus e procurava assimilar os costumes ci - vilizados de Paris e de Londres. Opondo-se ao idealismo e ao es - piritualismo românticos, os realis tas fazem da ciência e do materia lismo uma nova religião. Nada que não pu - des se ser visto, apalpado, me di do e examinado por meio dos sentidos de - veria merecer atenção do cientista e do artista. Assim, as noções de alma, de religião, de Deus, de trans cen dên - cia, tão caras aos românticos, são abandonadas. Tor nam-se co muns o anticlerica lismo e a crítica ao cris - tianismo (Guerra Jun queiro, Eça de Queirós, Inglês de Sousa, Aluísio Azevedo, dentre outros, fizeram dos padres os vilões de suas obras). Dentre as correntes científicas e filosóficas em voga no Realismo e no Naturalismo, destacam-se: • o Positivismo de Auguste Com - te, propondo o primado da ciên cia positiva no conhecimento do ho mem e do mundo; • o Evolucionismo de Charles Darwin e de Herbert Spencer, sub me - tendo o homem às leis da Biolo gia e à evolução natural das es pé cies. O homem passa a ser visto co mo um animal, submetido às mes mas leis que regem todos os ani mais. Daí a pre ferência pelos aspec tos bioló gi - cos, fisiológi cos e ins tin tivos que de terminam as ações das per sona - gens, supe rando a vontade e a ra zão. A realidade passa a ser interpre - tada como um todo orgânico em que o universo, a natureza e o homem estão intimamente associados e su jeitos, em igualdade de condi ções, aos mesmos princípios, leis e finalidades; • o Determinismo de Hippolyte Taine, o qual propõe que o com por - tamento humano seja deter minado pelos fatores biológicos (instinto, raça, hereditariedade), socioló gi cos e ambientais (Ecologia, Geo grafia, meio ou classe social), além das circuns - tâncias históricas. Em sín tese: deter - minismo de raça, meio e mo mento. � Os antecedentes europeus Em sentido amplo, a atitude rea - lista sempre existiu, em todos os tempos e em todas as es colas literá - rias, como um dos polos da criação ar - tística, voltada para a tendência de re produzir nas obras os traços observa - dos no mundo rea l, seja nas coisas, seja nas pessoas ou nos sentimentos. Essa atitude rea lista, universal no tem - po e no es pa ço, opõe-se à atitude romântica (tam bém universal), carac te - ri za da pela fanta sia, pela tendência a inventar um mundo novo, dife ren te e muitas vezes oposto às leis do mun do real. Os autores e as modas literá rias oscilam incessante men te entre am bas as atitudes e é da sua combi nação, mais ou menos variada, que se faz a Literatura. A ficção moderna constitui-se jus - tamente da tendência de se bus car, cada vez mais, comu ni car ao leitor o sentimento da reali dade, por meio da observação exata do mundo e dos seres. Nesse sen ti do, o roman ce romântico esteve pleno de realismo. Autores como Stendhal e Balzac, na França, Dickens, na Inglaterra, Gogol, na Rússia, todos da primeira metade do século XIX, ainda que frequente - mente relaciona dos ao Roman tis mo, foram os verda deiros fundado res do Realismo na ficção contem po rânea. 2. Características � Objetivismo Preocupação com a verdade não apenas verossímil, mas exata, apoia - da na observação e na análise. � Predomínio das sensações A realidade é captada e trans crita por meio de impressões sen so riais nítidas, precisas. Daí o predo mí nio da descrição objetiva e minu cio sa. Os detalhes são da maior impor tância: nada é desprovido de interesse na reconstituição exata da realidade. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 25 26 – P O R T U G U ÊS Enquanto o romântico capta o mundo por meio do coração, do senti - mento, o realista é, sobretudo, sensorial. O amor perde a conotação espi ritualizante, para privilegiar o aspecto físico. Ocorre uma “sexuali - zação” do amor, e o sexo torna-se tema quase obrigatório. � Temas contemporâneos Só o presente interessa; desa - parece o romance histórico. A ficção centra-se na crítica social (contra a burguesia, contra o clero, contra o capitalismo selvagem, contra o obs - curantismo) e na análi se psico lógica, voltada para a investigação das causas profundas das ações humanas. � Impassibilidade – Contenção Emocional O autor ausenta-se da narrativa, assumindo uma posição neutra, im - parcial, desinteressado pelo destino das personagens, fotografadas “por dentro” (Machado de Assis) e “por fora” (Aluísio Azevedo). Busca-se uma explicação lógica e cientifi camente aceitável para o compor tamento e para as ações das perso nagens. � Personagens esféricas Opondo-se à linearidade das per - sonagens românticas (herói x vilão), as personagens realistas são com plexas, multiformes, imprevisí veis, re pelindo qualquer simplifica ção. São também dinâmicas, por que evo luem e têm profundidade psico lógica. � Materialismo – Cientificismo A realidade é de caráter exclu - sivamente material. Oposição à me ta - física e à religiosidade. � Narrativa lenta Ao se valorizarem as minúcias, a ação e o enredo perdem a importân cia para a caracterização das perso na gens e dos ambientes. � Romance social, psicológi co e de tese; poesia urbana e agres - te (Carvalho Júnior, Bernar dino Lopes, Cesário Verde); poesia filosófico-científica (Sílvio Ro - me ro); poesia social (Antero de Quen tal, Guerra Junqueiro e Teófilo Braga). � Preocupação formal Buscam-se a clareza, o equilí brio, a harmonia da composição. � Correção gramatical Purismo, vernaculidade, econo mia vocabular, precisão lexical. � Predomínio da denotação A metáfora cede lugar à meto - nímia. Linguagem simples, direta. Preferência pela narração. Uma contribuição importante do Realismo foi a superação do tom excessiva - mente declamatório e do verbalismo adjetival dos românticos. 3. O Naturalismo Surgiu na França, e seu criador e principal teóri co foi Émile Zola (Thérèse Raquin, Germinal). Foi Zola que cunhou a ex pres são romance ex - pe rimental como de sig nativa de suas aproxi mações com as ciências. Ainda no âmbito das propostas rea listas, o Naturalismo representou uma exacerbação, uma radicali zação do cien ti ficismo, do mate ria lismo e do determi nis mo. Bus cou anali sar o comportamento hu mano à luz das teorias científicas do fim do século XIX, ressaltando os aspectos instinti - vos e biológi cos do homem, sub - metido ao peso dos fatores que de terminavam sua conduta: a here - ditariedade, a raça, o meio am - biente e a sociedade. Inspirado no experimentalis mo científico de Claude Bernard (a Medicina Experimental), o Natu ralismo assimi lou a objetividade das Ciências Naturais, fazendo do ro - mance uma espécie de labora tório da vida,e encarando o ho mem como um “caso” a ser ana lisado. Daí decorre a visão mais me canicista, mais de ter - minis ta, e o enquadra mento do ho - mem como produto das leis da Bio logia; da hereditariedade, da Socio - lo gia e da Ecologia, contra as quais a ra zão e a vontade huma na nada podem. Sua preferência são os temas esca brosos, pela patologia huma na e social (taras, vícios, sedução, adul - tério, incesto, assas sinato). A aborda - gem dos as pec tos degra dantes da condição huma na implica certo mo - ralismo, não im portando a opinião sobre os atos, mas os atos em si mesmos. É frequente a zoomorfização, ou seja, a aproximação, por meio de sí miles, entre o homem e o animal, com propósito depreciativo em rela ção ao homem-larva, ao homem-besta, regido pelo instinto cego e brutal: Rita Baiana... uma cadela no cio E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minho car, a esfer vilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que pa re cia bro tar espontânea, ali mes mo, da que le la meiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. Leandra... a “Machona”, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do cam po. (Aluísio Azevedo, O Cortiço) Focaliza, de preferência, as camadas sociais inferiores, o proletariado e os marginaliza dos. Denuncia os aspectos degra dantes, com o propósito de tomada de consciência, visando à redenção moral e social do homem. Arte enga jada, a serviço de ideais políticos e sociais. O Naturalismo peca, quase sempre, pelo reducionismo e pelo esquematismo, restringindo-se às explicações mecanicistas, à exte rio - ridade, aos condicionamentos, inca pa - zes de apreender o homem em toda a sua complexidade. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 26 – 27 P O R T U G U ÊS Textos para a questão 1. 1. (UNESP) – Os dois trechos transcritos, que pertencem a romances de José de Alencar (1829-1877) e Aluísio Azevedo (1857-1913), têm em comum o fato de descreverem persona gens femininas. Um confronto entre as duas descrições permite detectar não somente diferenças nos planos físico e psicológico das duas mulheres, mas também no modo como cada uma é concebida pelo respectivo narrador, segundo os princípios estéticos do Romantismo e do Naturalismo. O resultado final, em termos de leitura, é o surgimento de duas personagens completamente distintas, vale dizer, duas mulheres que causam impressões inconfundíveis ao leitor. Levando em conta essas informações, procure relacionar a diferença essencial entre as duas perso nagens com os princípios estéticos do Romantismo e do Natu - ralismo. RESOLUÇÃO: O Romantismo baseava-se numa visão idealizadora da realidade; o Naturalismo orientava-se pela observação da realidade, segundo uma visão materialista. No texto de José de Alencar, a descrição caracteriza o perfil romântico da mulher ideal: “não é possível idear nada mais puro”; “Uma altivez de rainha cingia-lhe a fronte, como diadema cintilando na cabeça de um anjo”. No texto de Aluísio Azevedo, a descrição salienta o apelo sensual, acentuando os traços carnais da mulher: “Era muito bem feita de quadris e de ombros”; “... suave pro tu be rância dos seios”; “beiços polpudos e viçosos, à maneira de uma fruta que provoca o apetite e dá vontade de mor der”. Não é possível idear nada mais puro e harmonioso do que o perfil dessa estátua de moça. Era alta e esbelta. Tinha um desses talhes flexíveis e lançados, que são hastes de lírio para o rosto gentil; porém na mesma delicadeza do porte esculpiam-se os contornos mais graciosos com firme nitidez das linhas e uma deliciosa suavidade nos relevos. Não era alva, também não era morena. Tinha sua tez a cor das pétalas da magnólia, quando vão desfalecendo ao beijo do sol. Mimosa cor de mulher, se a aveluda a pubescência juvenil, e a luz coa pelo fino tecido, e um sangue puro a escumilha de róseo matiz. A dela era assim. Uma altivez de rainha cingia-lhe a fronte, como diadema cintilando na cabeça de um anjo. Havia em toda a sua pessoa um quer que fosse de sublime e excelso que a abstraía da terra. Contemplando-a naquele instante de enlevo, dir-se-ia que ela se preparava para sua celeste ascensão. (ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: Saraiva, 1959. p. 17.) Era muito bem feita de quadris e de ombros. Espartilhada, como estava naquele momento, a volta enérgica da cintura e a suave protuberância dos seios produziam nos sentidos de quem a contemplava de perto uma deliciosa impressão artís tica. Sentia-se-lhe dentro das mangas dos vestidos a trêmula candura dos braços; e os pulsos apareciam nus, muito bran cos, chamalotados de veiazinhas sutis, que se prolongavam serpeando. Tinha as mãos finas e bem tratadas, os dedos longos e roliços, a palma cor-de-rosa e as unhas curvas como o bico de um papagaio. Sem ser verdadeiramente bonita de rosto, era muito sim pá - tica e graciosa. Tez macia, de uma palidez fresca de ca mélia; olhos escuros, um pouco preguiçosos, bem guarnecidos e penetrantes; nariz curto, um nadinha arrebitado, beiços polpudos e viçosos, à maneira de uma fruta que provoca o apetite e dá vontade de morder. Usava o cabelo cofiado em franjas sobre a testa, e, quando queria ver ao longe, tinha de costume apertar as pálpebras e abrir ligeiramente a boca. (AZEVEDO, Aluísio. Casa de Pensão. 20. ed. São Paulo: Martins, [s.d.]. p. 87.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 27 28 – P O R T U G U ÊS No trecho a seguir, o narrador, ao descrever a personagem, critica sutilmente um outro estilo de época, o Romantismo: 2. A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador ao Romantismo está transcrita na alternativa: a) “... o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas...” b) “... era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça...” c) “Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno...” d) “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos...” e) “... o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.” RESOLUÇÃO: [ENEM] O narrador afasta-se da idealização sentimental do Romantismo quando afirma que seu texto não “sobredoura a realidade” e não “fecha os olhos às sardas e espinhas”. Fica patente, portanto, que o narrador vai registrar também aspectos que contrariam qualquer idealização — aspectos “realistas”, para os quais os autores românticos fechariam os olhos. Resposta: A Texto para o teste 3. 3. Alinhado às concepções do Naturalismo, o fragmento do romance de Adolfo Caminha, de 1893, identifica e destaca nas personagens um(a) a) compleição moral condicionada ao poder aquisitivo. b) temperamento inconstante incompatível com a vida conjugal. c) formação intelectual escassa relacionada a desvios de conduta. d) laço de dependência ao projeto de reeducação de inspiração positivista. e) sujeição a modelos representados por estratificações sociais e de gênero. RESOLUÇÃO: [ENEM] No trecho, associa-se a figura feminina de um estrato social humilde a um modelo virtuoso apropriado ao casamento, “porque é nas classes pobres que se encontra mais vergonha e menos bandalheira”. Ocorre, portanto, sujeição das personagens a “modelos representados por estratificações sociais e de gênero”. Resposta: E Quanto às mulheres de vida alegre, detestava-as; tinha gasto muito dinheiro, precisava casar, mas casar com uma menina ingênua e pobre, porque é nas classes pobres que se encontra mais vergonha e menos bandalheira. Ora, Maria do Carmo parecia-lhe uma criatura simples, sem essa tendência fatal das mulheres modernas para o adultério, uma menina que até chorava na aula simplesmente por não ter respondido a uma pergunta do professor! Uma rapariga assim era um caso esporádico, uma verdadeira exceção no meio de uma sociedade roída por quanto vício há no mundo. Ia concluir o curso e, quando voltasse ao Ceará, pensaria seriamente no caso. A Maria do Carmo estava mesmo a calhar: pobrezinha, mas inocente...(Adolfo Caminha, A Normalista) Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. (MACHADO DE ASSIS, J. M. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Jackson, 1957.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 28 – 29 P O R T U G U ÊS 1. Características do Realismo português Os modelos literários do Rea lis mo português foram franceses: Balzac e Sten dhal, advindos do Roman tis mo, e, especialmente, Gus tave Flaubert e Émile Zola, autores que o viés positivista e a crítica social fize ram paradigmáticos da nova escola. Podemos sintetizar o sentido ideo - lógico de construção da escrita do Realismo-Naturalismo português nos seguintes pontos: • crítica ao tradicionalis mo vazio da sociedade portuguesa, produto, segundo eles, da educação romântica, muito convencional e distante da realidade. Há um com pro - misso ético do escritor em relação à realidade, a ser representada com toda a veracidade, e o seu papel é semelhante ao de um profeta, com uma missão a cumprir; • crítica ao conservadoris mo da Igreja, uma instituição vol ta da para o passado e que impedia o de - senvolvimento natural da socie dade; • visão objetiva e natural da realidade: o escritor deveria cons truir suas personagens utili zan do tipos concretos exis ten tes na vida social, observando suas rela ções com o meio. A perso na li dade desses tipos seria a do meio ambiente, em menor escala, pelos seus com po nen tes psicofisio lógi cos, isto é, pela influência dos órgãos e glân dulas do corpo humano em sua conduta; • preocupação com a re for ma (e não com a revolução) da so ciedade, com o objetivo de demo cra tizar (sobretudo numa pers pectiva republicana) o poder político e de instituir amplas reformas sociais. Procuravam diagnosticar os proble - mas da vida social e apontar solu ções reformistas, de caráter às vezes socialista, mas mantendo-se a estru - tura do regime capitalista; • representação da vida con - temporânea, procurando mos trar todos os seus detalhes signifi cativos. Há a preocupação de se es ta belecer conexões rigorosas de cau sa e efeito entre os fenômenos obser va dos, já que as leis naturais são equi valentes, por exemplo, nos cam pos da Física, Química e Biolo gia. 2. A Questão Coimbrã � Antecedentes Romântico, no começo do sé culo XIX, já não era somente o literato filiado à Escola, mas designava um estado de alma: misto de me lan - colia, tédio, abandono da vi da, inquietação — tudo em com - portamento liricamente cho roso. Em oposição, o século XIX ama - durecia em conquistas científi cas: de um lado crescia a industrialização, trazendo novos hábitos de vida; de outro, firmavam-se a Física, Química, Biologia, Psi cologia, promovendo novos co nhe cimentos e exigindo alterações de base do homem diante da vida. A literatura, nutrida dessas no vas concepções, abandona o Ro man tis mo — comple tamente divor cia do da realidade da vida —, e surge o Rea - lismo, preo cu pado em ser objeti vo e exa to. Sur giram novas ideias sobre poesia, ro mance, crítica, filo sofia. Em Coimbra, um grupo de rapa - zes vivia em pleno tumulto mental. Identifi ca dos com a reno vação que vinha da França, exaspe ra vam-se diante da indi ferença do resto do país. Em Lisboa, pontificava Cas tilho. Era o mentor de um grupo de poetas e crí ticos, reunidos no mun do do “elogio mútuo”. Bem se poderia dizer: Coimbra simbolizava a reno vação, a ideia nova, o Realismo; Lis boa, o passado, o pieguismo, o Roman tismo. A primeira desavença entre os dois grupos sur giu quando Castilho, pre fa cian do o poema D. Jaime, de Tomás Ribeiro, declarou que Os Lusíadas já não tinham mais razão de ser; que nenhum poeta de seu tem po subscre veria uma única oitava de to dos os dez cantos. João de Deus insurgiu-se contra o “dita dor das letras” e achou que a atitude do leviano crí tico era a de pro fanação. Esse fato foi a pri meira clarinada do combate. � A Questão Coimbrã ou a polêmica Bom Senso e Bom Gosto (1865) A contrarresposta de Castilho apareceu em sua Carta que acom - panhava, como posfácio, o Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas. Tal poema, ingênuo e ultrarromân tico, explora assunto ba nal e gasto: Artur, enamorado de Ema, é traído por ela. Bate-se em duelo com o rival e se desgraça, a si e à amante... Mas Castilho conside rou-o excelso; lou vou o poema, discutiu política, filo sofia, estética e educação. E, em tudo, sempre, ironicamente, fez refe rências desairosas aos moços de Coimbra e aos seus impulsos moder nizadores. Antero de Quental foi quem respondeu à Carta de Castilho, no célebre folheto Bom Senso e Bom Gosto. O moço foi desabrido e irre - verente, não respeitando as cãs de seu antigo professor de primeiras letras: “queremos puxar-lhe as orelhas”, diz. Cerca de quarenta opúsculos circularam durante a contenda. Os moços de Coimbra, em verdade, não “derrubaram” o Ro man - tis mo, mas prepararam o campo ideo - lógico no qual o Realismo cres ceu imponente e fértil. Castilho simboliza o Romantismo em agonia; Antero é profeta dos novos tempos, e o Realismo não foi só um “momento” literário, mas o sinal da nova civilização, alicerçada nas conquistas do século XIX. A Questão Coimbrã é con si - dera da o marco inicial do Realismo por tuguês. � As Conferências do Cassi no Lisbonense Realizadas na primavera de 1871, foram consequência da Ques tão Coimbrã, espécie de aplicação das ideias defendidas, arregimentação prática dos gênios da época. Realizaram-se quatro conferên - cias. Anunciada a quinta, o Cassino foi fechado pela polícia. Antero de Quental fez-se socialista; Teófilo Braga, positivis ta e republicano; Eça de Quei rós, Ramalho Ortigão, Guer ra Jun queiro e Oliveira Martins, crí ti cos e negativistas: todos esses consti tuí am MÓDULO 22 Realismo em Portugal (I): Antero de Quental C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 29 30 – P O R T U G U ÊS o conhecido Grupo dos Ven cidos da Vida, marcado pelo ceti cismo risonho e conformista. Em bora “vence do res”, em termos de re co nhe cimento social, conside ravam-se “vencidos” em termos de ideais. E em alegres jantares come moravam a crise e o desalento ideo lógico. 3. Antero Tarquínio de Quental (1842-1891) � Vida Formado em Direito por Coimbra, ainda como estudante liderou a chamada Campanha do Bom Senso e Bom Gosto (Questão Coimbrã), publicando os folhetos Bom Senso e Bom Gosto e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, ambos em 1865. Interessado no mo vi mento ope - rário, instalou-se em Paris, como tipógrafo, para acompanhar o movi - mento operário francês. Organizou as Conferências Democráticas do Cassino Lis - bonense (1871), proferindo a con - ferência “A Causa da Deca dência dos Povos Peninsulares”. Publicou, além disso, artigos em jor nais republicanos e folhetos de pro - pa ganda socialista para as orga niza - ções operárias. Fundou, com José Fontana, a seção portuguesa da Organização Internacional dos Tra ba - lhadores. Oscilando sempre entre o mate - ria lismo e o idealismo, entre a dúvida e a fé, teve vida agitada. Acometido de uma psicose de - pressiva, suicidou-se. � Obras • Prosa – Bom Senso e Bom Gosto – A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais – Tendências Gerais da Filo sofia na Segunda Metade do Século XIX – Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Sécu - los XVII e XVIII • Poesia a) Primeira Fase: O Idea lis mo – O Lirismo Amoroso – As Apro ximações com o Ro - man tis mo Em Primaveras Românticas e emalguns momentos de Raios da Extinta Luz, Antero parece buscar a trans - cendência do amor espiritual. Na linha de Petrarca e de Camões, en con - tramos o dualismo psico lógico quanto ao amor: a beleza espiri tual x a atração carnal, o amar x o querer. Antero es piritualiza a mulher a ponto de projetar nela a excelência e a pureza da figura materna, da irmã, da criança: IDEAL Aquela, que eu adoro, não é feita De lírios nem de rosas purpurinas, Não tem as formas lânguidas, divinas Da antiga Vênus1 de cintura estreita... Não é a Circe2, cuja mão suspeita Compõe filtros mortais entre ruínas, Nem a Amazona3, que se agarra às crinas Do corcel4 e combate satisfeita... A mim mesmo pergunto e não atino Com o nome que dê a essa visão, Que ora amostra, ora esconde o meu [destino... É como uma miragem que entrevejo, Ideal, que nasceu da solidão... Nuvem, sonho impalpável do Desejo... Vocabulário e Notas 1 – Vênus: deusa do amor. 2 – Circe: feiticeira lendária. 3 – Amazona: mulher guerreira que montava a cavalo. 4 – Corcel: cavalo. b) Segunda Fase: A Poesia de Combate – O Socialismo – O Humanitarismo Nas Odes Modernas, a visão cristã do mundo é substituída por uma religiosidade naturalista, pan - teísta (= identificação de Deus com o mundo concreto). A revolução é vista em termos dessa religiosidade: ideais como liberdade, igualdade e justiça são transformados em valo res santificados. O próprio ato de escre - ver transforma-se em um ato de fé re volucionária, uma utopia que o es - critor procura alcançar se guin do o humanismo proudhoniano: TESE E ANTÍTESE I Já não sei o que vale a nova ideia, Quando a vejo nas ruas desgrenhada, Torva no aspecto, à luz da barricada, Como bacante1 após lúbrica2 ceia! Sanguinolento o olhar se lhe incendeia... Aspira fumo e fogo embriagada... A deusa de alma vasta e sossegada Ei-la presa das fúrias de Medeia3! Um século irritado e truculento Chama à epilepsia pensamento, Verbo ao estampido de pelouro e obus4... Mas a ideia é um mundo inalterável, Num cristalino céu, que vive estável... Tu, pensamento, não és fogo, és luz! Vocabulário e Notas 1 – Bacante: integrante do cortejo de Baco. 2 – Lúbrico: sensual. 3 – Medeia: figura mitológica; abandonada pelo marido, Jasão, vinga-se assas si nan do os filhos de maneira horrenda. 4 – Pelouro e obus: munição e peça de arti lharia, respectivamente. c) Terceira Fase: O Pes si mis mo – A Poesia Dile mática e Me ta fí - si ca – O Trans cenden ta lis mo – A Morte e a Busca de Deus Nas partes finais dos Sonetos Completos, agrava-se a divisão do poeta, já expressa nas fases ante - riores, entre o Ideal (que leva ao Absoluto, a Deus) e o Real (que leva às ciências experi men tais). Os poe - mas dilemá ticos dessa fase oscilam entre a sensação de aniquila mento (“O Palácio da Ventura”, “A Ger mano Meire les” etc.) e o conformismo mís - tico (“Na Mão de Deus”): O PALÁCIO DA VENTURA Sonho que sou um cavaleiro andante. Por desertos, por sóis, por noite escura, Paladino do amor, busco anelante O Palácio encantado da Ventura! Mas já desmaio, exausto e vacilante, Quebrada a espada já, rota1 a armadura... E eis que súbito o avisto, fulgurante Na sua pompa e aérea formosura! Com grandes golpes bato à porta e brado: Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais! Abrem-se as portas d’ouro, com fragor2... Mas dentro encontro só, cheio de dor, Silêncio e escuridão — e nada mais! Vocabulário e Notas 1 – Roto: estragado. 2 – Fragor: estrondo, barulho. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 30 – 31 P O R T U G U ÊS Texto para as questões 1 e 2. No ano de 1865, em Portugal, inicia-se uma grande polêmica. De um lado, Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875); de outro, Antero Tarquínio de Quental (1842-1891). Em posfácio ao livro Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, Castilho referiu-se com pouco caso e algum deboche aos jovens poetas que, em Coimbra, defendiam ideias novas. Antero, um dos mencionados por Castilho, faz logo publicar uma carta em resposta ao velho mestre, na qual retribui as ironias, ao mesmo tempo em que faz ataque cerrado e contundente a Castilho. Em pouco tempo, cada um ganha adeptos e com isso se produz uma das mais ricas polêmicas da história da literatura portuguesa. Tal episódio ficou conhecido como a Questão Coimbrã ou também pelo título recebido pela publicação de Antero: Bom Senso e Bom Gosto. Com base nessas informações e consi de rando o texto dado, responda ao que se pede: 1. (UNESP – adaptada) – O que representavam Antônio Feliciano de Castilho e Antero de Quental nessa polêmica? RESOLUÇÃO: Antônio Feliciano de Castilho representava o Romantismo, e Antero de Quental representava o Realismo. 2. (UNESP – adaptada) – O que marca a Questão Coimbrã na história da literatura portu guesa? RESOLUÇÃO: A Questão Coimbrã marca o aparecimento do Realismo em Portugal, em oposição ao Romantismo nostálgico e defensor da tradição, do nacionalismo, do sentimento individual. A defesa do Realismo significava o acolhimento das novas ideias cientificistas e a adoção de uma estética mais objetiva e racional. BOM SENSO E BOM GOSTO (...) Concluo daqui que a idade não a fazem os cabelos brancos, mas a madureza das ideias, o tino e a seriedade: e, neste ponto, os meus vinte e cinco anos têm-me as verduras de V. Exa. convencido valerem pelo menos os seus sessenta. Posso, pois, falar sem desacato. Levanto-me quando os cabelos brancos de V. Exa. passam diante de mim. Mas o travesso cérebro que está debaixo e as garridas e pequeninas coisas que saem dele, confesso não me merecerem nem admiração, nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança. V. Exa. precisa menos cinquenta anos de idade, ou então mais cinquenta de reflexão. É por esses motivos todos que lamento do fundo da alma não me poder confessar, como desejava, de V. Exa. Nem admirador nem respeitador Antero de Quental (QUENTAL, Antero de. Poesia e Prosa. São Paulo: Cultrix, 1974. p. 129.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 31 32 – P O R T U G U ÊS Texto para os testes 3 e 4. 3. (BARRO BRANCO – modificado) – O sentido do poema é perpassado pelo/a a) idealismo, que remete os sentimentos do eu lírico a uma dimensão de perfeição. b) transcendentalismo, que faz que o eu lírico tenha uma visão espiritualizada da vida e do amor. c) pessimismo, que se manifesta na dualidade do eu lírico observada na análise melancólica que faz da vida. d) desencanto, que sugere um eu lírico descrente e confuso em relação a suas experiências de vida. e) apatia, que revela um eu lírico resignado diante das experiências negativas que marcaram sua vida. RESOLUÇÃO: Os versos marcam-se pelo pessimismo de um eu lírico ambíguo, dividido entre uma consciência desencantada e um coração que, apesar do sofrimento vivenciado, afirma que, em nome do “Amor”, tudo valeu a pena. Resposta: C 4. (BARRO BRANCO – modificado) – Entende-se a resposta do coração ao eu lírico como uma a) confirmação de que sua vida foi de fato só sofrimento. b) suspeição de que sua vida tenha sido só sofrimento. c) ressalva de que sua vida poderia ter sido só sofrimento. d) refutação de que sua vida tenha sido só sofrimento. e) hipótese de que sua vida poderia ter sido só sofrimento. RESOLUÇÃO: O coração refuta, ou seja, nega o ponto de vista do eu lírico, ao reconhecer que, além do desengano e do sofrimento, também houve a experiência do “Amor”. Resposta: D Disse ao meu coração: Olha por quantos Caminhos vãos andamos! Considera Agora, d’esta altura fria e austera, Os ermos que regaram nossos prantos… Pó e cinzas, onde houve flor e encantos! E noite, onde foi luz de primavera! Olha a teus pés o mundo e desespera, Semeador de sombras e quebrantos! Porém o coração, feito valente Na escola da tortura repetida, E no uso do penar tornado crente, Respondeu: D’esta altura vejo o Amor! Viver não foi em vão, se é isto a vida, Nem foi demais o desenganoe a dor. (Antero de Quental, Antologia) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 32 – 33 P O R T U G U ÊS 1. José Maria Eça de Queirós (1845-1900) � Vida “Eu sou apenas um po bre homem de Póvoa do Var zim.” Assim Eça de Queirós se apre sen tava. Em 1866, forma-se em Direito, pela Universidade de Coim bra. Exer ce o cargo de advogado, influen cia do pelo pai, que era juiz de direito. É sim ples espectador da Ques tão Coimbrã, ligando-se aos rea listas em Lisboa, no grupo Cenáculo. Viaja, em 1869, para o Egito; partici pa, em 1871, das Conferências do Cas sino; vai para Leiria, como admi nistrador do conse - lho. Em 1873, vai como cônsul para Ha va na; viaja pela Amé rica e, finalmente, segue para a Inglaterra e depois para a Fran ça, onde, já casado, vem a falecer. � Obras a) Primeira fase: de 1866 a 1875. Há apego romântico e fan ta sioso. Es - cre veu folhe tins na Gazeta de Portugal, depois reunidos no vo lume Prosas Bárbaras. Ainda a essa fase perten cem O Mistério da Estra da de Sintra, romance origina líssimo, escrito em parceria com Ramalho Ortigão. Eça estava em Lisboa. Ra malho, em Liz. Durante dois meses, sem nenhum plano da obra, cada escritor remetia um fo lhetim ao jornal Diário de Notí - cias, continuando o enredo. Também da primeira fase é Uma Campanha Alegre, coletânea de seus artigos publicados em As Farpas — perió dico de combate, que analisava e criticava Portugal em todos os seto res de atividade: política, educação, arte, lite - ratura, saúde, finanças. b) Segunda fase: de 1875 a 1888, quando Eça se integra na técnica realista (“Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”), e apare cem os romances: • O Crime do Padre Amaro Este livro é o introdutor do roman - ce realista em Portugal. A obra tem a preocupação de fixar instantâneos da vida provinciana. A sociedade leiriense é o cenário, com os serões da Sra. Joa neira. Romance ma licioso, farto de obser vações agudas e belos quadros psico lógicos. O herói é o pa dre Amaro, que mantém relações ínti mas com Amélia, e depois a abandona. • O Primo Ba sí lio Análise da fa mília burgue sa. Neste romance, Eça cria tipos de finitivos. O Conselheiro Acá cio, que é o forma - lismo oficial: “Era alto, magro, ves tido todo de preto, com o pescoço enta - lado num cola rinho di reito. O rosto, agu çado no queixo, ia-se alargan do até a calva, vasta e polida, um pouco amolgada no alto. (...) Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras. (...) Fora, outrora, diretor-geral do Ministério do Reino e sempre que dizia — El-Rei! erguia-se um pouco na cadeira. Os seus gestos eram medi - dos, mesmo a tomar rapé. Nunca usa - va palavras triviais, não dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e empre ga - va resti tuir.” Luísa, a heroína que se entre gara, durante a ausência do ma - rido, aos amores de um primo con - quis tador, Basílio, encarna o papel da adúltera que sofre desesperadamen - te. Juliana, a cria da, que “perso nifi ca o desconten tamento azedo e o tédio da profissão”, possuía car tas compro - metedoras da ama, e ex plo rou plena - mente a situa ção, pondo a patroa no trabalho e maltratando-a. Eça decla ra: “A família lisboeta é pro duto do na - moro, reu nião desagra dá vel de egoís - mos que se contra dizem, e, mais tar de ou mais cedo, são cen tros de bam bochata. Uma so ciedade sobre estas falsas bases não está na verdade: atacá-la é um dever”. • O Mandarim Romance de influência orienta - lista. As lutas de consciência tra vadas em um homem que substitui o trabalho pelo enriquecimento ines - crupuloso. • Os Maias Romance de crítica social, último da série pertencente à segunda fase do autor. É a história do amor inces - tuoso de Carlos da Maia com sua irmã, Maria Eduarda, e, ao mesmo tempo, uma ampla crônica da alta sociedade lisboeta. Se, em O Crime do Padre Amaro (1875), Eça foca lizou a vida devota da Província, e, em O Primo Basílio (1878), retratou a classe média da Capital, com Os Maias (1888) o escritor retrata a vida das altas esferas da política, do go verno, da aristocracia e dos literatos, em meio a jogos e festas. • A Relíquia A Relíquia saiu em folhetins na Gazeta de Notícias e foi publicado em 1887. A trama é a viagem do narrador- personagem Teodorico Raposo a Jerusalém, de onde prometera trazer à sua tia — beata e riquíssima — uma relíquia. No entanto, o que acaba por trazer é uma camisa de dormir de uma amante, resultando na perda da herança que lhe deixaria a sua tia. É durante a sua viagem à Terra Santa que a dupla face de Teodorico mais se evidencia, seja pelo fato de, no seu percurso por lugares sagrados, também visitar bordéis, seja por carregar consigo dois embrulhos, sendo um a relíquia prometida à tia (um galho de uma árvore com espinhos, supostamente da coroa de espinhos de Jesus Cristo) e o outro a mencionada peça íntima de uma amante. Foi no domingo de Páscoa que se soube em Leiria que o pároco da Sé, José Miguéis, tinha morrido de madrugada com uma apoplexia1. O pároco era um homem san guíneo e nutrido, que passava entre o clero diocesano pelo comilão dos comi lões. Contavam-se histórias singula res da sua voracidade. O Carlos da botica — que o de tes tava — costu ma va dizer, sempre que o via sair de pois da sesta, com a face afo gueada de sangue, muito enfartado: — Lá vai a jiboia esmoer2. Um dia estoura! Com efeito estou rou, depois de uma ceia de peixe — à hora em que defronte, na casa do Dr. Godinho, que fazia anos, se polcava3 com ala rido. Ninguém o lamen tou, e foi pouca gente ao seu enterro. Em geral não era estimado. Era um aldeão; tinha os modos e os pulsos de um cavador, a voz rouca, cabelos nos ouvidos, palavras muito rudes. Nunca fora querido das devotas; arrotava no confessionário e, tendo vivido sempre em fre gue - sias da aldeia ou da ser ra, não com preendia cer - tas sensibilidades requin tadas da devo ção: per de ra por isso, logo ao prin cípio, quase todas as confes - sadas, que tinham pas sado para o polido Padre Gusmão, tão cheio de lábia! E quando as beatas, que lhe eram fiéis, lhe iam falar de escrú pulos de visões, José Miguéis es can dalizava-as, rosnando: TEXTO I MÓDULO 23 Realismo em Portugal (II): Eça de Queirós (I) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 33 34 – P O R T U G U ÊS — Ora histórias, santinha! Peça juízo a Deus! Mais miolo na bola! As exagerações dos jejuns so bre tudo irritavam-no: — Coma-lhe e beba-lhe — costu mava gritar —, coma-lhe e beba-lhe, criatura! Era miguelista — e os partidos liberais, as suas opiniões, os seus jornais enchiam-no duma cólera irracionável: — Cacete! cacete! — exclama va, me - neando o seu enorme guarda-sol vermelho. (O Crime do Padre Amaro, cap. I) Vocabulário e Notas 1 – Apoplexia: derrame cerebral. 2 – Esmoer: fazer a digestão. 3 – Polcar: dançar a polca. Luísa espreguiçou-se. Que seca ter de se ir vestir! Dese ja ria estar numa banheira de mármore cor-de-rosa, em água té pida1, perfumada e adormecer! Ou numa rede de seda, com as janelinhas cerradas2, embalar-se, ouvindo música! (...) Tornou a espreguiçar-se. E saltando na ponta do pé des calço, foi buscar ao aparador por detrás de uma compota um livro um pouco enxovalhado3, veio estender-se na voltaire4, quase deitada, e, com o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a ler toda interessada. Era a Dama das Camélias5. Lia muitos ro - mances; tinha uma assinatura, na Baixa, ao mês. (O Primo Basílio, cap. I) Vocabulário e Notas 1 – Tépido: morno. 2 – Cerrado: fechado. 3 – Enxovalhado: manchado, sujo. 4 – Voltaire: cadeira de encosto alto, muito con - fortável. 5 – Dama das Camélias: romance de Ale xan dre Dumas Filho, publicado em 1848. Luísa desceu o véu branco, calçou devagar as luvas de peau de suède1 claras, deu duas pancadinhas fofas ao espelho na gravata de renda e abriu a porta da sala. Mas quase recuou; fez “ah!”, toda escarlate2. Tinha-o reconhecido logo. Era o primo Basílio. Houve um shake-hands demorado, um pouco trêmulo. Estavam amboscalados; ela com todo o sangue no rosto, um sorriso vago; ele fitando-a muito, com um olhar admirado. Mas as palavras, as perguntas vieram logo, muito precipitadamente: — Quando tinha ele chegado? Se sabia que ele estava em Lisboa? Como soubera a morada dela? Chegara na véspera no paquete3 de Bordéus. Perguntara no ministério; disseram-lhe que Jorge estava no Alentejo; deram-lhe a adresse... — Como tu estás mudada, Santo Deus! — Velha? — Bonita! — Ora! E ele, que tinha feito? Demorava-se? Foi abrir uma janela, dar uma luz larga, mais clara. Sentaram-se. Ele no sofá muito languidamente; ela ao pé, pousada de leve à beira de uma poltrona, toda nervosa. Tinha deixado o “degredo”4 — disse ele. — Viera respirar um pouco à velha Europa. Estivera em Constantinopla, na Terra Santa, em Roma. O último ano passara-o em Paris. Vinha de lá, daquela aldeola de Paris! — Falava devagar, recostado, com um ar íntimo, estendendo sobre o tapete, comodamente, os seus sapatos de verniz. Luísa olhava-o. Achava-o mais varonil, mais trigueiro. No cabelo preto anelado havia agora alguns fios brancos; mas o bigode pequeno tinha o antigo ar moço, orgulhoso e intrépido5; os olhos, quando ria, a mesma doçura amolecida, banhada num fluido. Reparou na ferradura de pérola da sua gravata de cetim preto, nas pequeninas estrelas brancas bordadas nas suas meias de seda. A Bahia não o vulgarizara. Voltava mais interessante! — Mas tu, conta-me de ti — dizia ele com um sorriso, inclinado para ela. — És feliz, tens um pequerrucho... — Não — exclamou Luísa, rindo. — Não tenho! Quem te disse? — Tinham-me dito. E teu marido demora-se? — Três, quatro semanas, creio. Quatro semanas! Era uma viuvez! Ofereceu-se logo para a vir ver mais vezes, palrar6 um momento, pela manhã... (O Primo Basílio, cap. III) Vocabulário e Notas 1 – Peau de suède (francês; pronúncia: pô de süéd): couro acamurçado e macio. 2 – Escarlate: vermelho. 3 – Paquete: navio a vapor. 4 – Degredo: exílio, afastamento; local onde vive o degredado. 5 – Intrépido: arrojado, corajoso. 6 – Palrar: conversar. Que noite para Luísa! A cada momento acordava num sobres salto, abria os olhos na penumbra do quarto, e caía-lhe logo na alma, como uma punhalada, aquele cuidado pun gen - te: Que havia de fazer? Como havia de ar ranjar dinheiro? Seis centos mil-réis! As suas joias valiam talvez duzentos mil-réis. Mas de pois, que diria Jorge? Tinha as pratas... Mas era o mesmo! A noite estava quente, e na sua inquie - tação a roupa escorregara; apenas lhe restava o lençol sobre o corpo. Às vezes a fadiga readorme cia-a de um sono superficial, cortado de sonhos muito vivos. (...) Quem lhe poderia valer? — Sebastião! Sebastião era rico, era bom. Mas mandá-lo chamar e dizer-lhe ela, ela Luísa, mulher de Jorge: — Empreste-me seiscentos mil-réis. — Para quê, minha senhora? E podia lá responder: para resgatar umas cartas que escrevi ao meu amante. Era lá possível! Não, estava perdida. Restava-lhe ir para um con - vento. (O Primo Basílio, cap. Vlll) Enfim, num domingo de manhã, estando a chuviscar, chegamos a um casarão, num largo cheio de lama. O Senhor Matias disse-me que era Lisboa; e, abafando-me no meu xale-manta, sentou-me num banco, ao fundo de uma sala úmida, onde havia bagagens e grandes balanças de ferro. Um sino lento tocava à missa; diante da porta passou uma companhia de soldados, com as armas sob as capas de oleado. Um homem carregou os nossos baús, entramos numa sege1, eu adormeci sobre o ombro do Senhor Matias. Quando ele me pôs no chão, estávamos num pátio triste, lajeado de pedrinha miúda, com assentos pintados de preto; e na escada uma moça gorda cochichava com um homem de opa2 escarlate, que trazia ao colo o mealheiro3 das almas. Era a Vicência, a criada da tia Patrocínio. O Senhor Matias subiu os degraus conversando com ela, e levando-me ternamente pela mão. Numa sala forrada de papel escuro, encontra mos uma senhora muito alta, muito seca, vestida de preto, com um grilhão de ouro no peito; um lenço roxo, amarrado no queixo, caía-lhe num bioco4 lúgubre sobre a testa; e no fundo dessa sombra, negrejavam dous óculos defumados. Por trás dela, na parede, uma imagem de Nossa Senhora das Dores olhava para mim, com o peito trespassado de espadas. — Esta é a Titi — disse-me o Senhor Matias. — É necessário gostar muito da Titi... É necessário dizer sempre que sim à Titi! Lentamente, a custo, ela baixou o carão chupado e esverdinhado. Eu senti um beijo vago, de uma frialdade de pedra; e logo a Titi recuou, enojada. — Credo, Vicência! Que horror! Acho que lhe puseram azeite no cabelo! Assustado, com o beicinho já a tremer, ergui os olhos para ela, murmurei: — Sim, Titi. (A Relíquia, cap. I) Vocabulário e Notas 1 – Sege: carruagem antiga, com duas rodas e um só assento. 2 – Opa: capa sem mangas e com aberturas para enfiar os braços. 3 – Mealheiro: cofre, caixa de esmolas. 4 – Bioco: mantilha ou envoltório para tapar o rosto e a cabeça, por pudor ou modéstia. TEXTO II TEXTO III TEXTO IV TEXTO V C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 34 – 35 P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1 – Canapé: espécie de sofá com encosto e braços. 2 – Baeta: tecido de lã ou algodão, de textura felpuda, com pelo em ambas as faces. 3 – Galguinha: referente à raça de cães altos, esguios e de pelagem curta. 1. (INSPER) – No romance O Primo Basílio, Eça de Queirós tece críticas à sociedade de Lisboa. No trecho, isso fica evidente com a descrição feita da sala do Conselheiro, a qual sugere a) um ambiente simples, porém arranjado com bom gosto. b) um mal-estar decorrente de uma decoração lúgubre do local. c) a arrumação minuciosa do local oposta à descrição da serviçal. d) o refinado senso estético e o gosto artístico do anfitrião. e) o mau gosto pelo exotismo na combinação das cores das peças. RESOLUÇÃO: Na minuciosa descrição do ambiente, o narrador dá destaque às cores, numa combinação de “mau gosto”, dos objetos: “um canapé de damasco amarelo”, “um tapete onde um chileno roxo caçava ao laço um búfalo cor de chocolate”, “uma pintura tratada a tons cor de carne”, “capa de baeta verde”. Resposta: E Texto para o teste 2. 2. (FUVEST – modificado) – Observando-se os recursos de estilo presentes na composição desse trecho, é correto afirmar que a) o acúmulo de pormenores induz a uma percepção impessoal e neutra do real. b) a descrição se baseia em impressões que o ambiente provoca, conferindo-se dimensão subjetiva à caracterização do espaço. c) as descrições veiculam as impressões do narrador, e o monólogo interior, as da personagem. d) a carência de adjetivos confere caráter objetivo e imparcial à representação do espaço. e) o predomínio da descrição confere caráter expressionista ao relato, eliminando-se seus resíduos subjetivos. RESOLUÇÃO: Expressões como “cheiro mole e salobro”, “coava a luz suja” e “chorar doloroso” são evidências de uma descrição de caráter subjetivo, pois essas expressões traduzem as sensações experimentadas por aquele que observa o espaço descrito. Resposta: B Na quinta-feira, os três [Jorge, Sebastião e Julião], que se tinham encontrado na Casa Havanesa, eram introduzidos por uma rapariguita vesga, suja como um esfregão, na sala do Conselheiro. Um vasto canapé1 de damasco amarelo ocupava a parede do fundo, tendo aos pés um tapete onde um chileno roxo caçava ao laço um búfalo cor de chocolate; por cima uma pintura tratada a tons cor de carne, e cheia de corpos nus cobertos de capacetes, representava o valente Aquiles arrastando Heitor em torno dos muros de Troia. Um piano de cauda, mudo e triste sob a sua capa de baeta2 verde, enchia o intervalo das duas janelas. Sobre uma mesa de jogo, entre dois castiçais de prata, uma galguinha3 de vidro transparente galopava; e o objeto em que se sentia mais o calor do uso era uma caixa de música de dezoito peças! (Eça de Queirós, O Primo Basílio) A carruagem parou ao pé de uma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole e salobro enojou-a.A escada, de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía, e a umidade fizera nódoas. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás de uma portinha, ao lado, sentia-se o ranger de um berço, o chorar doloroso de uma criança. (Eça de Queirós, O Primo Basílio) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 35 36 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 3. 3. (FUVEST) – No texto, o emprego de artigos definidos e a omissão de artigos indefinidos têm como efeito, respectiva mente, a) atribuir às personagens traços negativos de caráter; apontar Oliveira como cidade onde tudo acontece. b) acentuar a exclusividade do comportamento típico das perso nagens; marcar a generalidade das situações que são objeto de seus comentários. c) definir a conduta das duas irmãs como criticável; colocá-las como responsáveis pela maioria dos acontecimentos na cidade. d) particularizar a maneira de ser das manas Lousadas; situá-las numa cidade onde são famosas pela maledicência. e) associar as ações das duas irmãs; enfatizar seu livre acesso a qualquer ambiente na cidade. RESOLUÇÃO: Os artigos definidos substantivam os adjetivos esquadrinhadoras, espalha doras e tecedeiras, acentuando o comportamento típico das Lousadas, irmãs extremamente mexeriqueiras. Os substantivos nódoa, pecha, bule, coração, algibeira, janela, poeira, vulto e bolo não são definidos por artigo, generalizando-se, assim, as situações que são objeto dos comentários das duas irmãs, a quem nenhum detalhe da vida alheia passava despercebido. Resposta: B As duas manas Lousadas! Secas, escuras e gárrulas como cigarras, desde longos anos, em Oliveira, eram elas as esquadrinhadoras de todas as vidas, as espalhadoras de todas as maledicências, as tecedeiras de todas as intrigas. E na desditosa cidade, não existia nódoa, pecha, bule rachado, coração dorido, algibeira arrasada, janela entreaberta, poeira a um canto, vulto a uma esquina, bolo encomendado nas Matildes, que os seus quatro olhinhos furantes de azeviche sujo não descortinassem e que a sua solta língua, entre os dentes ralos, não comentasse com malícia estridente! (Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 36 – 37 P O R T U G U ÊS � Obras (continuação) c) Terceira fase: a partir de 1897. É considerada a fase de maturidade, em que Eça retorna aos valores tradicionais portugueses. Sua obra, agora, tem preo cupação moral. A sátira corrosiva é substituída por uma ironia con descen dente. Em lu gar do pessimismo, entra um oti mis mo es - peran çoso. Abando nam-se os es que - mas natura listas. Perten cem a essa fase os romances: • A Ilustre Casa de Ramires Publicado em 1897, e de forma com pleta em 1900, o romance con - fronta a realidade do século XIX com o universo heroico e fantasioso dos ro - mances da Idade Média. Desse con - traste surge, por um lado, a ironia e, por outro, o sentimento de amor à ter - ra, à gente e à paisagem portu guesa. Em A Ilustre Casa de Ramires ocorrem duas histórias parale las: a primeira é a história central, ambien - tada no século XIX, que focaliza os valores da aristo cra cia decadente, representada pelo protagonista Gon - çalo Mendes Ramires; a segunda é a novela me dieval, escrita por esse mesmo prota gonista, que narra a vida de seu ante passado, Tructe sin do. Temos assim uma história dentro da outra. Ambas são narradas em ter ceira pessoa, por narradores onisci entes. As diferen ças estão no compor tamento dos dois per so na gens (o primeiro é covarde e ganancioso, e o segundo, heroico e honrado), no tempo (século XIX e XII) e na linguagem das duas narrativas (a primeira é realista, e a segunda, de caráter épico, parodia os roman ces históricos, à moda de Hercula no). No final do romance, Gonçalo parte para a África em busca de fortuna, viagem que significará sua reden ção moral e, numa ale goria ao antigo im pério portu guês de ultramar, a reno va ção das ener gias ancestrais do país. Desde as quatro horas da tarde, no calor e silêncio do domingo de junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena1 de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa, trabalhava. Gonçalo Mendes Ramires (que naquela sua velha aldeia de Santa Ireneia, e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila-Clara, e mesmo na cidade, em Oliveira, todos conheciam pelo “Fidalgo da Torre”) trabalhava numa Novela Histórica, A Torre de D. Ramires, destinada ao primeiro número dos Anais de Literatura e de História, revista nova, fundada por José Lúcio Castanheiro, seu antigo camarada de Coimbra, nos tempos do Cenáculo Patriótico, em casa das Severinas. A livraria, clara e larga, escaiolada2 de azul, com pesadas estantes de pau-preto onde repousavam no pó e na gravidade das lombadas de carneira3 grossos fólios de convento e de foro, respirava para o pomar por duas janelas, uma de peitoril e poiais4 de pedra almofadados de veludo, outra mais rasgada, de varanda, frescamente perfumada pela madressilva que se enroscava nas grades. Diante dessa varanda, na claridade forte, pousava a mesa — mesa imensa de pés torneados, coberta com uma colcha desbotada de damasco vermelho e atravancada nessa tarde pelos rijos volumes da História Genealógica, todo o Vocabulário de Bluteau, tomos soltos do Panorama, e ao canto, em pilha, as obras de Walter Scott sustentando um copo cheio de cravos amarelos. E daí, da sua cadeira de couro, Gonçalo Mendes Ramires, pensativo diante das tiras de papel almaço, roçando pela testa a rama de pena de pato, avistava sempre a inspiradora da sua Novela — a Torre, a antiquíssima Torre, quadrada e negra sobre os limoeiros do pomar que em redor crescera, com uma pouca5 de hera no cunhal6 rachado, as fundas frestas gradeadas de ferro, as ameias7 e a miradoura bem cortadas no azul de junho, robusta sobrevivência do Paço acastelado, da falada Honra de Santa Ireneia, solar dos Mendes Ramires desde os meados do século X. Gonçalo Mendes Ramires (como confessava esse severo genealogista, o morgado de Cidadelhe) era certamente o mais genuíno e antigo Fidalgo de Portugal. Raras famílias, mesmo coevas8, poderiam traçar a sua ascendência, por linha varonil e sempre pura, até aos vagos Senhores que entre Douro e Minho mantinham castelo e terra murada quando os barões francos desceram, com pendão e caldeira, na hoste do Borguinhão. E os Ramires entroncavam limpidamente a sua casa, por linha pura e sempre varonil, no filho do Conde Nuno Mendes, aquele agigantado Ordonho Mendes, senhor de Treixedo e de Santa Ireneia, que casou em 967 com Dona Elduara, Condessa de Carrion, filha de Bermudo, o Gotoso, Rei de Leão. (A Ilustre Casa de Ramires, cap. I) Vocabulário e Notas 1 – Quinzena: jaquetão comprido. 2 – Escaiolado: que recebeu escaiola (re ves - timento feito de gesso e cola). 3 – Carneira: pele curtida de carneiro. 4 – Poial: assento de madeira, pedra etc. unido à parede ou a muro de entrada de uma casa. 5 – Uma pouca: um pouco. 6 – Cunhal: pilastra de pedras lavradas na junção de duas paredes; cada uma dessas pedras. 7 – Ameia: cada um dos parapeitos denteados no alto de muralhas ou torres de castelos. 8 – Coevo: que é da mesma época de outro; contemporâneo. • A Cidade e as Serras Publicado em 1901, um ano após a morte do autor, A Cidade e as Serras é seu último ro mance, desen volvido a partir do conto “Civi lização” (1892). Desen can tado com a civili za ção urbana, Eça com põe um hino à natureza e à vida rural. Como o próprio título indica, a obra baseia-se em uma antítese, dividindo-se em duas partes. A primeira, que vai até a metade do capítulo oita vo, narra a vida de Ja cinto em Paris. A se gunda, que encerra a obra, relata a ida de Jacinto para o campo e seu encontro com os ideais da vida rústica, o amor e a felicidade. Neste romance, Eça critica a elite por - tuguesa afrance s a da e defende um retorno às raízes e à cultura lusitana. Aobra é estruturada de forma dialética. Semelhante a um silogis mo, apresenta uma tese, a antítese e a síntese. Primeiro, o protagonista Ja cin - to proclama a vida na cidade como o suprassumo da civilização; depois, passa a contestar o artificia lismo da vida urbana, voltando-se para as delí - cias do campo. Por fim, a cidade e as serras se conciliam, e a personagem usa as conquistas da civilização para melhor aproveitar a vida rural. TEXTO I MÓDULO 24 Realismo em Portugal (III): Eça de Queirós (II) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 37 38 – P O R T U G U ÊS O romance é narrado na primeira pessoa por Zé Fernandes, amigo íntimo de Jacinto. Trata-se de um narrador-testemunha, que apresenta os fatos segundo sua óptica, ou seja, subjetivamente, de acordo com o seu humor, sua simpatia ou antipatia. A ação passa-se no período que vai de 1820 a 1893. O protagonista, Jacinto, tinha o apelido de “Príncipe da Grã-Ventura”, devido à sua ri que za, saúde e sorte. Vivendo em Paris, no palacete número 202 da Avenida Campos Elíseos e convivendo com a alta classe local, seu ideal de vida era expresso na “equação metafí sica”: suma ciência X } = suma felicidade suma potência No entanto, decorrido algum tem - po, ele começa a enfadar-se de sua vida repleta de luxo e riqueza, mas pobre de espírito. Atacado por uma melancolia crescente que afeta sua saúde, Jacinto parte para o campo, indo viver em sua pro priedade na Serra de Tormes, em Portugal. Em contato com a natureza e o trabalho rural, ele recupera o antigo vigor e disposição. O amor de Joaninha completa o quadro de sua felicidade. No entanto Jacinto, desesperado com tantos desastres humilhadores — as torneiras que dessoldavam, os elevadores que emperravam, o vapor que se encolhia, a eletricidade que se sumia —, decidiu valorosamente vencer as resistências finais da matéria e da força por novas e mais poderosas acumulações de mecanismos. E nessas semanas de abril1, enquanto as rosas desabrochavam, a nossa agitada casa, entre aquelas quietas casas dos Campos Elísios, que preguiçavam ao sol, incessantemente tremeu, envolta num pó de caliça2 e de empreitada, com o bruto picar de pedra, o retininte3 martelar de ferro. Nos silenciosos corredores, onde me era doce fumar antes do almoço um pensativo cigarro, circulavam agora, desde madrugada, os ranchos4 de operários, de blusas brancas, assobiando o Petit-Bleu5, e intimidando meus passos quando eu atravessava em fralda6 e chinelas para o banho ou para outros retiros... Cada dia estacava7 diante do portão alguma lenta carroça, de onde os criados, em mangas de camisa, descarregavam caixotes de madeira, fardos de lona, que se despregavam e se descosiam8 numa sala asfaltada, ao fundo do jardim, por trás da sebe9 de lilases. E eu descia, reclamado pelo meu Príncipe, para admirar uma nova máquina que nos tornaria a vida mais fácil, estabelecendo de um modo mais seguro nosso domínio sobre a substância. Durante os calores, que apertavam depois da ascensão10, ensaiamos esperançadamente, para refrescar as águas minerais, a Soda Water11 e os Medocs12 ligeiros13, três gelei ras14, que se amontoaram na copa sucessiva mente desprestigiadas. Com os morangos novos apareceu um instrumentozinho astuto, para lhes arrancar os pés, delicadamente. Depois recebemos outro, prodigioso, de prata e cristal, para remexer freneticamente as saladas; e, na primeira vez que experimentei, todo o vinagre esparrinhou15 sobre os olhos do meu Príncipe, que fugiu aos uivos! Mas ele teimava... Nos atos mais elementares, para aliviar ou apressar o esforço, se socorria Jacinto da dinâmica. E agora era por intervenção de uma máquina que abotoava as ceroulas. (A Cidade e as Serras, cap. V) Vocabulário e Notas 1 – No mês de abril é primavera na Europa. 2 – Pó de caliça: argamassa ressequida. 3 – Retininte: ruidoso. 4 – Rancho: grupo (de pessoas). 5 – Petit-Bleu (francês; pronúncia aproxima da: peti blö – ö = som e com lábios arredon dados de o): canção popular francesa. 6 – Em fralda: vestido somente de camisa comprida. 7 – Estacar: parar. 8 – Descoser: descosturar. 9 – Sebe: cerca. 10 – Ascensão: entrada da primavera. 11 – Soda Water: refrigerante; soda. 12 – Medoc: vinho dessa região francesa. 13 – Ligeiro: leve. 14 – Geleira: equivalente à atual geladeira. 15 – Esparrinhar: espirrar. Neste trecho de A Cidade e as Serras, Jacinto e Zé Fernandes ob - servam a cidade de Paris do alto de uma colina. Essa visão panorâ mica encoraja Zé Fernandes a falar sobre os males da civilização urbana: — Sim, é talvez tudo uma ilusão... E a cidade a maior ilusão! (...) Certamente, meu Príncipe, uma ilusão! E a mais amar ga, porque o homem pensa ter na cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. (...) Na cidade findou a sua liberdade moral; cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremes sa para uma dependência; pobre e subal terno, a sua vida é um constante soli citar, adular, vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como um Jacinto, a sociedade logo o enreda em tradições, precei tos, etiquetas, ceri mô nias, praxes, ritos, servi ços mais disciplina res que os dum cárcere ou dum quartel... (...) Os sentimen - tos mais genuinamente hu ma nos logo na cidade se desuma nizam! (...) Mas o que a cidade mais deteriora no homem é a inte ligência, porque ou lha arregi menta dentro da bana lidade ou lha empurra para a extra vagância. Nesta densa e pairan te camada de ideias e fórmulas que constitui a atmosfera mental das cidades, o homem que a respira, nela envolto, só pensa todos os pensamentos já pensados, só expri me todas as expressões já expri midas (...) Todos, inte lectualmente, são carneiros, trilhando o mesmo trilho, balando1 o mesmo balido, com o focinho pendido para a poeira onde pisam, em fila, as pe gadas pisadas; e alguns são macacos, saltando no topo de mastros vistosos, com esgares2 e cabriolas3. Assim, meu Jacin to, na cidade, nesta criação tão antinatural onde o solo é de pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e a gente vive acamada nos prédios como o paninho nas lojas, e a cla ridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através de arames, o homem aparece como uma criatura anti-humana... (...) E aqui tem o belo Jacinto o que é a bela cidade! E ante estas encanecidas4 e vene ráveis invectivas5, (...) o meu Príncipe vergou6 a nuca dócil, como se elas brotassem, inespe radas e frescas, duma revelação superior, naqueles cimos de Montmartre: — Sim, com efeito, a cidade... É talvez uma ilusão perversa! (A Cidade e as Serras, cap. VI) Vocabulário e Notas 1 – Balar: o mesmo que balir: berrar co mo ove - lha, soltar balidos. 2 – Esgar: trejeito, careta. 3 – Cabriola: cambalhota. 4 – Encanecido: de encanecer: embranque cer os cabelos; experiente; antigo. 5 – Invectiva: ataque, crítica feroz. 6 – Vergar: curvar, dobrar. Entre as demais obras de Eça de Queirós, estão A Capital, A Tragédia da Rua das Flores, Con tos e Cartas de Inglaterra. TEXTO II TEXTO III C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 38 – 39 P O R T U G U ÊS Texto para as questões 1 e 2. O trecho anterior é o primeiro parágrafo de um conto de Eça de Queirós. Exprime uma situação de contraste entre um acontecimento humano e a natureza e está na forma de comunicação direta entre duas personagens: o narrador e um suposto ouvinte. 1. (UFSCar – modificada) – Descreva a situação, explicando o contraste. RESOLUÇÃO: A situação é a da espera do enterro de um conhecido numa “linda tarde”. O contraste dá-se entre a beleza do dia e a tristeza do evento aguardado. 2. (UFSCar – modificada) – Identifique os elementos gramaticais que denotam a inclusão do narrador no fato narrado e a presença de um suposto ouvinte. RESOLUÇÃO: O narrador é indiciado nos verbos conjugados na primeira pessoa do singular (estou, encontrei), assim como nos pronomes de primeira pessoa (meu, minha). O suposto ouvinte é referido na expressão “meu amigo”, usada duasvezes, primeiro como vocativo, depois como sujeito. Linda tarde, meu amigo!... Estou esperando o enterro do José Matias — do José Matias d’Albuquerque, sobrinho do Visconde de Garmilde... O meu amigo certamente o conheceu — um rapaz airoso, louro como uma espiga, com um bigode crespo de paladino sobre uma boca indecisa de contemplativo, destro cavaleiro, de uma elegância sóbria e fina. E espírito curioso, muito afeiçoado às ideias gerais, tão penetrante que compreendeu a minha Defesa da Filosofia Hegeliana! Esta imagem do José Matias data de 1865: porque a derradeira vez que o encontrei, numa tarde agreste de janeiro, metido num Portal da R. S. Bento, tiritava dentro duma quinzena cor de mel, roída nos cotovelos, e cheirava abominavelmente a aguardente. (EÇA DE QUEIRÓS, J. M. José Matias. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; RÓNAI, Paulo. Mar de Histórias (5). 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 266.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 39 40 – P O R T U G U ÊS Leia o trecho do conto “O Mandarim”, de Eça de Queirós, para responder ao teste 3: 3. (UNIFESP) – Ao descrever a sua vida de milionário, o narrador a) reconhece que as pessoas se aproximam dele com mais respeito e cautela, fato que o deixa desconfortável, por sua natureza humilde. b) sente-se lisonjeado pelo tratamento cerimonioso de que é alvo constante, sobretudo porque as pessoas são honestas em seu proceder. c) ironiza as relações de interesse decorrentes da sua nova condição social, deixando evidente que as pessoas se humilham perante ele. d) ignora a forma como os mais pobres o interpelam, pois não consegue identificar os contatos sem interesses monetários. e) despreza a falta de veneração à sua pessoa, principalmente pelos mais bem nascidos, que não o veem como pertencente à aristocracia. RESOLUÇÃO: Teodoro, bacharel, amanuense do Ministério do Reino e narrador do conto “O Mandarim”, após apertar uma campainha, recebe a herança de Ti Chin Fu e enriquece. Sua vida, antes pobre e obscura, transforma-se repentinamente, sendo, então, Teodoro idolatrado por todos que esperavam obter vantagens ao lado dele: “todos vinham suplicar, de lábio abjeto, a honra do meu sorriso e uma participação no meu ouro”. Assim, suas relações sociais e afetivas giram em torno de sua situação economicamente favorável, chegando à idolatria de se atribuir a Teodoro uma adjetivação que é motivo da ironia do narrador: “Os jornalistas esporeavam a imaginação para achar adjetivos dignos de minha grandeza.” Resposta: C Então começou a minha vida de milionário. Deixei bem depressa a casa de Madame Marques — que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz-doce, e ela mesma me servia, com o seu vestido de seda dos domingos. Comprei, habitei o palacete amarelo, ao Loreto: as magnificências da minha instalação são bem conhecidas pelas gravuras indiscretas da Ilustração Francesa. (...) (...) O pátio do palacete estava constantemente invadido por uma turba: olhando-a enfastiado das janelas da galeria, eu via lá branquejar os peitilhos da Aristocracia, negrejar a sotaina do Clero, e luzir o suor da Plebe: todos vinham suplicar, de lábio abjeto, a honra do meu sorriso e uma participação no meu ouro. (...) Os jornalistas esporeavam a imaginação para achar adjetivos dignos da minha grandeza; fui o sublime Sr. Teodoro, cheguei a ser o celeste Sr. Teodoro; então, desvairada, a Gazeta das Locais chamou-me o extraceleste Sr. Teodoro! (...) (Eça de Queirós) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 40 – 41 P O R T U G U ÊS 1. Localização histórico-cultural � O contexto brasileiro O período realista foi o primeiro, em nossa literatura, a apresentar um panorama completo da vida literária, com todos os gêneros moder nos florescendo, com a multipli cação das instituições culturais e dos órgãos de imprensa (A Revista Brasileira, A Gazeta Literária, A Se ma na, entre outros). Esse incremento na vida cultural projetou a maturação da naciona li da de e a dinamização e consolidação da vida nacional (modernização das cida des, codificação racional das leis, mo - dernização do equipamento técnico e do ensino superior, pene tração nas zonas internas, estabiliz a ção das fron - teiras com os países limítrofes). O escritor passa a ser social men - te reconhecido. Nesse sentido, a fun - da ção da Academia Brasi leira de Letras (1897) veio, de certo modo, oficializar a literatura, logran do o re co - nhe cimento do mun do oficial e da opinião pública e exer cendo a inter me - diação entre a pro du ção intelectual, o poder e o pú blico, papel exercido, timi - damente, no Roman tismo, pelo Ins - tituto Histó rico e Geográfico. Se, por um lado, a Academia deu respeitabilidade à literatura perante o corpo social, por outro lado, acabou gerando o academicismo (no mau sentido), dando à literatura um cunho oficial e ajustando-a aos ideais da classe dominante. Ao lado da tendência acadê mi ca, respeitosa do decoro, que tem em Machado de Assis um verda deiro paradigma de sobrie dade, equilíbrio e dignidade, surge a figura do escritor boêmio, à margem dos pa drões burgueses, livre e sem pre con ceito, cujo exemplo mais vivo é o de Emílio de Meneses. Mas o seg men to boêmio e irreverente aca ba va sempre absorvido pela respei ta bili da de acadêmica. Até o irreve ren te Emí lio de Meneses acabou elei to pa ra a Academia. A importância desse período completa-se com o relevo adquirido pela oratória civil (Rui Barbosa); pelos estudos históricos (Joaquim Nabuco, Capistrano de Abreu e Oliveira Lima); pelo jornalismo (José do Patrocínio e Alcindo Guanabara); pelos estudos de gramática (Júlio Ribeiro e João Ribeiro); pela crítica literária (Sílvio Romero, José Verís simo e Araripe Júnior) e pelo ensaís mo (Tobias Barreto, Farias Brito, Eu cli des da Cunha e Clóvis Bevilácqua). � Os antecedentes literários brasileiros No Brasil, especialmente na ficção regionalista e urbana, os auto res românticos procuraram a des cri ção da vida social e a observa ção do am bien - te, contrabalançando os exa ge ros da imaginação e da fantasia. José de Alencar, em Se nho ra, desmascarou e pôs a nu certas idea li - zações da moral burguesa, aprofun - dando a análise psicológica e a críti ca social; Bernardo Gui ma rães, em O Seminarista, descreveu o amor com acentuada franqueza, ante ci pando aspectos do determi nis mo bio ló gico dos natura lis tas; Taunay, em Ino cên - cia, foto grafou, com muita f i de li dade, os costumes e a paisa gem do sertão de Mato Grosso; Franklin Távora, nas Cartas a Cincinato, censurou duramen te José de Alencar pela falta de observação adequada dos costumes e da paisa gem e pelas inverdades, que são comuns em O Sertanejo, O Gaúcho e A Guerra dos Mascates; Manuel Antônio de Almeida, em Memó rias de um Sar - gento de Milícias, focalizou, com sur - preen dente impar cia lidade, os costu - mes do Rio de Janeiro, no fim da Era Colonial. � Observação importante No Brasil, os movimentos realis - ta, naturalista e parnasianista são simultâneos, e não suces sivos. Os três ocorreram no mesmo período cronológico: 1881-1893. O Rea lismo inaugura-se em 1881, com a publi - cação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. O Naturalismo aparece tam bém em 1881, com a publicação de O Mulato, de Aluísio Azevedo. Costu ma-se iden - ti ficar como marco inicial do Par - nasianismo o apare cimento, em 1882, do livro de poemas Fanfar ras, de Teófilo Dias. É comum, portanto, designar-se como pe ríodo realista o conjunto des ses três movimentos ou cor - rentes: o Realis mo propriamente dito, o Natu ra lis mo (ou Realismo Natura - lista) e o Parnasia nis mo. Esse período irá desdobrar-se muito além de seus limites cronoló - gicos estritos, projetando-se no Pré- -Modernismo (Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Lima Barreto) e fun - dindo-se, por vezes, com a prosa de cunho impressionista. A atitude rea lis - ta de obser vação direta e de crí t i ca social será retomada,em ple no Modernismo, pela ficção regio na lista do Nordeste (Neorrea lis mo), na década de 1930. Essa atitu de realista, modernizada quanto ao código linguístico e tornada mais agu da quan - to ao propósito de análise e crí ti ca da sociedade, é evidente nos au to res regionalistas, ou neorrealis tas, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queirós, Jorge Amado e José Amé ri co de Almeida. MÓDULO 25 Realismo no Brasil (I): Machado de Assis (I) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 41 42 – P O R T U G U ÊS 2. Machado de Assis (Rio de Janeiro, 1839-1908) � Vida Machado de Assis aos 45 anos. Machado de Assis é o grande representante do Realismo no Brasil. De origem humilde, foi autodidata, venceu limitações pessoais (era ga go e epilético) e sociais (era mulato e pobre). Foi aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional, sob as ordens e proteção de Manuel An tô nio de Almeida (o autor de Memórias de um Sargento de Milícias) e iniciou sua car - reira literária aos dezesseis anos. Ocupou cargos públicos impor tan tes e foi o fundador e pri mei ro presi den te da Academia Bra sileira de Letras. Considerado um agudo “ana lis ta da alma humana”, Machado de Assis começou escrevendo poesia e prosa romântica. Em 1881 inaugura o Rea - lismo, com o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, um dos livros mais extraordinários de nossa língua. Seus contos chegam a ser tão importantes quanto seus mais no tá - veis romances. Escreveu também pe - ças teatrais, mas no teatro, assim como na poesia, não conseguiu ele var- se acima do nível mediano da produção de seu tempo. Como cro nis - ta e como crítico literário publicou páginas notá veis, que estão entre o que se escre veu de melhor nesses gêneros no Brasil. � A ficção machadiana A) Conto O contista Machado de Assis, para muitos, supera o romancista. Coube a ele dar ao conto densidade e excelência insuperáveis em nossa literatura, fundando esse gênero e abrindo caminhos, pelos quais, mais tarde, iriam trilhar Mário de Andrade e Clarice Lispector, para ficarmos em apenas dois contistas moder nos. Distinguem-se duas fases: a pri- mei ra, dita romântica, com os livros Contos Fluminenses e Histórias da Meia-Noite; a segunda, realista, inclui os melhores contos: Papéis Avulsos, Histórias sem Data, Várias Histórias e Relíquias de Casa Velha. A1) Na fase romântica, a angús - tia, oculta ou patente, das persona gens é determinada pela necessida de de obtenção de status, quer pela aquisi ção de patrimônio, quer pela conse cu ção de um matrimônio com parcei ro mais abonado. “Segredo de Augusta” e “Miss Dollar” antecipam a temática de A Mão e a Luva: o dinhei ro como móvel do casamento. O tema da trai ção (suposta ou real), antes de aparecer em Dom Casmur ro, já estava nos contos “A Mulher de Preto” e “Confis sões de uma Viúva Moça”. Nessa primeira fase, a mentira é punida ou desmascarada. Há nisso um laivo de moralismo romântico, na pregação de casos exemplares. Mas essa linha será, a seguir, superada, ainda na fase romântica. Em “A Para - sita Azul”, o enganador triunfa pela primeira vez. O cálculo frio, o cinis mo, a máscara e o jogo de inte res ses constituem o cerne desse prag matis - mo ou utilitarismo para o qual pen dem especialmente as per so nagens femininas, capazes de suf o car a pai xão e o amor em nome da “fria elei ção do espírito”, da “se gun da nature za, tão imperiosa como a pri meira”. A segunda natureza do corpo é o status, a sociedade que se in crus ta na vida. A2) Na fase realista, a partir dos contos de Papéis Avulsos, Machado começa a cunhar a fórmula mais permanente de seus contos: a con tra - dição entre parecer e ser, entre a máscara e o desejo, entre a vida pú bli - ca e os impulsos escuros da vida interior, desembocando sempre na fatal capitulação do sujeito à apa rên cia dominante. Machado procura roer a substân - cia do “eu” e do fato moral consi de ra - dos em si mesmos, mas deixa nua a relação de dependência do mundo interior em face da conve niência do mais forte. É dessa rela ção que se ocupa, enquanto nar rador. É a móvel combinação de de sejo, interesses e valor social que funda - men ta as estranhas teorias do com - por tamento expressas nos contos “O Alienista”, “Teoria do Medalhão”, “O Segredo do Bonzo”, “A Sereníssima República”, “O Espelho”, “A Causa Secreta”, “Conto Alexandrino”, “A Igreja do Diabo”. É exatamente isso que nos diz o mais sábio dos bonzos: Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhe ci - mentos em um sujeito solitário, re mo to de todo contato com outros ho mens, é como se eles não exis tis sem. Os frutos de uma laranjeira, se nin guém os gostar, valem tanto como as urzes e as plantas bravias, e, se nin guém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há espetáculo sem espectador. (“O Segredo do Bonzo”) B) Poesia Em Crisálidas, Falenas e Ameri - ca nas, livros que encerram a poesia romântica de Machado de Assis, são evidentes as sugestões temá ticas e formais da poesia de Gon çal ves Dias, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela: o lirismo senti mental, a poe - sia indianista, a natu reza americana. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 42 – 43 P O R T U G U ÊS Já Ocidentais revela maior apuro formal e contenção de lin guagem, aproximando-se das dire trizes do Parnasianismo. A poesia de cunho filosófico, a reflexão sobre o ser, o tempo e a moral constituem os mo - mentos mais bem realizados do livro, que são os poemas: “So neto de Natal”, “Suave Mari Magno”, “A Mosca Azul”, “Círculo Vicioso”, “No Alto” e “Mundo Interior”. É sempre uma poesia discreta, sem arrebata- mentos, reflexiva e densa, culta, teó - rica, correta, mas quase sempre ca rente de emoções e vibração. C) Teatro Quase todas as comédias de Machado são da década de 1860, con - temporâneas, por tanto, das pro du - ções “român ticas” na poesia. São mais contos dialogados que propria - mente peças teatrais; revelam-se me - lhores quando lidas do que quan do encenadas. Essas comédias foram repre sen - tadas com algum êxito durante a vida do seu autor, e são: A Queda que as Mulheres Têm para os Tolos, Desen - cantos, Quase Ministro, O Ca minho da Porta, O Protocolo, Não Consultes o Médico, Os Deuses de Casaca e Tu, só Tu, Puro Amor, ins pirada no episódio de Inês de Castro, de Os Lusíadas, e ence nada em co me - moração do tri cen tenário da morte do poeta portu guês. D)Crônica Machado de Assis militou na imprensa diária do Rio de Janeiro durante quase toda a sua vida: pas sou pelas redações, entre outras, do Correio Mercantil, do Diário do Rio de Janeiro, da Gazeta de Notícias, de O Século. As crônicas que escre veu iam da linguagem sarcástica, dos tem pos de militância liberal, ao inti mismo das páginas de Relíquias de Casa Velha. Nomeado funcionário público, subordinado à Secretaria de Estado, não pôde atuar de forma mais ostensiva no Movimento Aboli cio - nista, o que serviu de base a ideias de que ele não teria tido in teresse na sorte dos escravos, dos quais descendia pelo lado paterno. As crônicas, pela maior liberda de que permitem, revelam a tendên cia de Machado para o diver tissement, a brincadeira, o texto leve e divertido. Vão do corriqueiro ao sublime, do cotidiano ao clássico, do pequeno ao grandioso, do real ao imaginário. E) Crítica Apesar de pequena, a produção machadiana no gênero revela hones ti - dade, senso estético, fina capaci da de analítica e indepen dência intelec tual, que o colocaram acima dos modis mos de sua época. Entre seus melhores trabalhos, in - cluem-se as apreciações sobre os poemas de Castro Alves (em carta a José de Alencar), as considerações sobre a pouca originalidade da poe sia arcádica e o estudo sobre Eça de Queirós, que suscitou verdadeira po - lê mi ca. F) Romance F1) A Fase Romântica Os primeiros romances de Ma - cha do de Assis (Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia) po dem ser considerados experiên cias pa ra o salto qualitativo que viria com MemóriasPóstumas de Brás Cubas (1881), que inaugura a fase realista de Machado. O caráter de “experiência” fica evi dente na “Advertência” com que Machado apresenta a primeira edi ção do romance Ressurreição: Não sei o que deva pensar des te livro; ignoro sobretudo o que pen sará dele o leitor. A benevo lên cia com que foi recebido um volume de contos e nove las, que há dois anos publiquei, me animou a escrevê-lo. É um ensaio. Vai des pre - tensio sa mente às mãos da crí tica e do público, que o tra tarão com a justiça que mere cer. E, concluindo a “Advertência”: Minha ideia ao es crever este livro foi pôr aque le pen samento de Shakespeare: Our doubts are traitors, And make us lose the good we oft might win, By fearing to attempt1. Não quis fazer romance de costu mes; tentei o esboço de uma situa ção e o contraste de dois carac teres; com esses simples elementos busquei o interesse do livro, a crítica decidirá se a obra corresponde ao intuito, e so bre tudo se o operário tem jeito para ela. É o que peço com o coração nas mãos. 1 – Nossas dúvidas são traidoras / E fazem-nos perder o bem que muitas vezes poderíamos obter, / Por medo de tentar. Ainda que se tenha vulgarizado a designação de romances “român ti - cos”, essas primeiras experiências com a ficção de maior fôlego não se enquadram nos estreitos limites da ficção propriamente romântica: a idea li - za ção das personagens cen trais não é total, reservando lugar para aspec tos problemáticos de sua con duta, e a tensão bem versus mal, herói versus vilão, não é nítida. Caberia melhor a designação de romances “convencio - nais”. Já exis tem nesses romances os traços que serão cons tantes na fase realista: a observação psicoló gica e o inte resse como o mó vel principal das ações humanas. Mesmo as heroí nas ditas “român ti cas” de Machado de Assis agem movidas pelo interesse, pelo desejo de ascen são social, e não pelo amor. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 43 44 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. Obra que inaugura o Realismo na literatura brasileira, Memórias Póstumas de Brás Cubas condensa uma expressividade que caracterizaria o estilo machadiano: a ironia. Descrevendo a moral de seu cunhado, Cotrim, o narrador-personagem Brás Cubas refina a percepção irônica ao a) acusar o cunhado de ser avarento para confessar-se injustiçado na divisão da herança paterna. b) atribuir a “efeito de relações sociais” a naturalidade com que Cotrim prendia e torturava os escravos. c) considerar os “sentimentos pios” demonstrados pela personagem quando da perda da filha Sara. d) menosprezar Cotrim por ser tesoureiro de uma confraria e membro remido de várias irmandades. e) insinuar que o cunhado era um homem vaidoso e egocêntrico, contemplado com um retrato a óleo. RESOLUÇÃO: [ENEM] Atribuir a “efeito de relações sociais” a crueldade de Cotrim no tratamento dispensado aos escravos é irônico. Brás Cubas exclui do cunhado a índole bárbara, sanguinária, banalizando o mal da sociedade escravista. Resposta: B Texto para os testes 2 e 3. 2. (FMABC-2021) – No trecho, o narrador compara-se a a) uma senhora. b) Capitu. c) uma visita. d) uma criada. e) uma ama. RESOLUÇÃO: A comparação entre o narrador e “uma visita” pode ser inferida a partir do verbo que ele emprega, em sua analogia, para se referir às visitas que, enganadas por uma mentira, vão embora, “descem”, bem como para se referir a si mesmo, que, após ter ouvido uma suposta mentira proferida por Capitu, afirma: “eu não desci triste nem zangado”. Resposta: C 3. (FMABC-2021) – No último parágrafo, além da mentira, o narrador também personifica a) a explicação. b) a cumplicidade. c) o pecado. d) o arrependimento. e) a verdade. RESOLUÇÃO: O narrador afirma: “A verdade não saiu, ficou em casa, no coração de Capitu, cochilando o seu arrependimento.” Há, portanto, personificação da verdade. Resposta: E Talvez pareça excessivo o escrúpulo do Cotrim, a quem não souber que ele possuía um caráter ferozmente honrado. Eu mesmo fui injusto com ele durante os anos que se seguiram ao inventário de meu pai. Reconheço que era um modelo. Arguíam- no de avareza, e cuido que tinham razão; mas a avareza é apenas a exageração de uma virtude, e as virtudes devem ser como os orçamentos: melhor é o saldo que o deficit. Como era muito seco de maneiras, tinha inimigos que chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado neste particular era o de mandar com frequência escravos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue; mas, além de que ele só mandava os perversos e os fujões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não se pode honestamente atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais. A prova de que o Cotrim tinha sentimentos pios encontrava-se no seu amor aos filhos, e na dor que padeceu quan do morreu Sara, dali a alguns meses; prova irrefutável, acho eu, e não única. Era tesoureiro de uma confraria, e irmão de várias irmandades, e até irmão remido de uma destas, o que não se coaduna muito com a reputação da avareza; verdade é que o benefício não caíra no chão: a irmandade (de que ele fora juiz) mandara-lhe tirar o retrato a óleo. (MACHADO DE ASSIS, J. M. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.) — Está bom, acabou, disse eu finalmente; mas, explique-me só uma coisa, por que é que você me perguntou se eu tinha medo de apanhar? — Não foi por nada, respondeu Capitu, depois de alguma hesitação... Para que bulir nisso? — Diga sempre. Foi por causa do seminário? — Foi; ouvi dizer que lá dão pancada... Não? Eu também não creio. A explicação agradou-me; não tinha outra. Se, como penso, Capitu não disse a verdade, força é reconhecer que não podia dizê-la, e a mentira é dessas criadas que se dão pressa em responder às visitas que “a senhora saiu”, quando a senhora não quer falar a ninguém. Há nessa cumplicidade um gosto particular; o pecado em comum iguala por instantes a condição das pessoas, não contando o prazer que dá a cara das visitas enganadas, e as costas com que elas descem... A verdade não saiu, ficou em casa, no coração de Capitu, cochilando o seu arrependimento. E eu não desci triste nem zangado; achei a criada galante, apetecível, melhor que a ama. (Machado de Assis, Dom Casmurro) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 44 – 45 P O R T U G U ÊS Texto para o teste 4. 1 – Trebelhos: peças do jogo de xadrez. 4. O fragmento do romance Esaú e Jacó mostra como o narrador concebe a leitura de um texto literário. Com base no trecho, tal leitura deve levar em conta a) o leitor como peça fundamental na construção dos sentidos. b) a luneta como objeto que permite ler melhor. c) o autor como único criador de significados. d) o caráter de entretenimento da literatura. e) a solidariedade de outros autores. RESOLUÇÃO: [ENEM] O texto literário caracteriza-se por apresentar possibilidades diversas de leitura, sua linguagem tende à conotação e é plurissignificativa. No fragmento de Esaú e Jacó, de Machado de Assis, evidencia-se, dadas as características do texto literário, a relevância do papel do leitor. Assim, produção e recepção são componentes indissociáveis para o entendimento de uma obra literária. Resposta: A Ora, aí está justamente a epígrafe do livro, se eu lhe quisesse pôr alguma e não me ocorresse outra. Não é somente um meio de completar as pessoas da narração com as ideias que deixarem, mas ainda um par de lune tas para que o leitor do livro penetre o que for menos claro ou totalmente escuro. Por outro lado, há proveito em irem as pessoas da minha história colaborando nela, ajudando o autor, por uma lei de solidariedade, espécie de troca de serviços, entre o enxadrista e os seus trebelhos1. Se aceitas a comparação, distinguirás o rei e a da ma, o bispo e o cavalo, sem que o cavalo possa fazer de torre, nem a torre depeão. Há ainda a diferença da cor, branca e preta, mas esta não tira o poder da marcha de cada peça, e afinal umas e outras podem ganhar a par tida, e assim vai o mundo. (Machado de Assis, Esaú e Jacó) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 45 46 – P O R T U G U ÊS MÓDULO 26 Realismo no Brasil (II): Machado de Assis (II) F2) O Romance Realista É a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado atinge o ponto mais alto e equilibrado da ficção brasileira. Alinhavamos, a seguir, alguns aspectos da ficção ma - chadiana. � A ruptura com a narrativa linear Os fatos e as ações não se guem um fio lógico ou cronológico; obede - cem a um ordenamento inte rior, são relatados à medida que afloram à cons ciência ou à memória do narra - dor, num processo que se aproxima do impressionismo as sociati vo. � A organização metalinguí s tica do discurso narrativo É comum, na ficção machadiana, que o narrador interrompa a narrativa para, com saborosa e bem-humora da bisbilhotice, comentar com o leitor a pró pria escritura do romance, fa zen do- o participar de sua constru ção; ou, ainda, para dialogar sobre uma per so - nagem, refletir sobre um epi só dio do enredo ou tecer suas digres sões so bre os mais variados assuntos. Machado assume a posição de quem escreve e, ao mesmo tempo, se vê escrevendo. Esses comen tários à margem da narração têm interesse central, pois neles se encontram im - portantes ideias do autor sobre sua arte — sobre a narrativa e sua rela-ção com a vida. � O universalismo Machado captou, na sociedade carioca do século XIX, os grandes temas de sua obra. O seu interesse jamais recaiu sobre o típico, o pito res - co, a cor local, o exótico, tão ao gos to dos românticos. Buscou, na so cie dade do seu tempo, o uni ver sal, a essência humana, os grandes te mas filosóficos: a essência e a aparên cia, o caráter relativo da mo ral hu ma na, as convenções so ciais e os impulsos interiores, a normalidade e a loucura, o acaso, o ciúme, a irracio nalidade, a usura, a crueldade. A pobreza de descrições, a qua se ausência da paisagem são ainda desdobramentos dessa con cen tra ção na análise psicológica e na refle xão filosófica. As tramas dos roman ces machadianos poderiam, sem gran des prejuízos à narrativa, ser trans plan ta - das para qualquer época e qualquer cidade. � As influências Machado de Assis esteve acima dos modismos da época. Enquanto Gustave Flaubert, pai do Realismo, defendia a superioridade do “ro man - ce que narra a si mesmo”, ocultando por completo a figura do narrador, Machado subverte essa regra, intrometendo o narrador na nar rativa, fazendo que o leitor o iden tifique sempre, por trás e acima das convenções de verossimilhança (= aparência de realidade) da ficção. Autodidata, Machado adquiriu sólida formação clássica: Shakes - peare, Dante Alighieri, Cervantes e Goethe eram suas leituras obriga - tórias. Mas os modelos que seguiu mais de perto foram os do século XVIII: Voltaire, com sua ironia cor tante, além do refi nado sense of humor dos autores in gleses Sterne e Swift. � Os grandes arquétipos Uma das linhas mestras da ficção machadiana parte do apro vei tamento dos arquétipos (arquétipo = mo delo de seres criados; padrão, exem plar; imagens psíquicas do incons ciente cole tivo e que são o patrimônio co - mum a toda a huma ni dade), re mon - tando à tradição clás sica e aos textos bíblicos. Assim, o conflito dos irmãos Pe dro e Paulo, em Esaú e Jacó, remon ta ao arquétipo bíblico da rivalidade entre Caim e Abel; a psicose do ciúme de Bentinho, em Dom Cas murro, aproxi - ma-se do drama de Otelo e Desdêmona, de Shakes peare. � O pessimismo Machado revela sempre uma vi - são desencantada da vida e do ho - mem. Não acreditava nos valores do seu tempo e, a rigor, não acreditava em nenhum valor. Mais do que pes - simista ou negativista, sua postura é “niilista” (nihil = nada). O desmasca - ramento do cinismo e da hipocrisia, do egoísmo e do interesse, que se camu - flavam sob as convenções so ciais, é o móvel de grande parte da ficção machadiana, como se lê nas Memórias Póstumas de Brás Cubas, no capítulo “Das Negativas”: Não tive filhos, não transmiti a ne nhu - ma criatura o legado de nossa mi séria. � A ironia, o humor negro A forma de revolta de Machado era o riso, quase sempre um riso amar go, que exteriorizava o desen - canto e o desalento ante a miséria fí - sica e moral de suas personagens: “... Em verdade vos digo que toda sabedoria humana não vale um par de botas curtas. Tu, minha Eugênia, é que não as descalçaste; foste aí pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor, triste C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 46 – 47 P O R T U G U ÊS como os enterros pobres, solitária, calada, laboriosa, até que vieste também para esta outra men sa gem... O que eu não sei é se a tua existência era muito necessária ao século. Quem sabe? Talvez um com parsa de menos fizesse patear a tra gédia humana.” “Antes cair das nuvens que de um terceiro andar.” “Deus, para a felicidade do ho mem, criou a religião e o amor. Mas o demônio, invejoso do sucesso de Deus, fez com que o homem confun disse a religião com a Igreja, e o amor com o casamento.” � O psicologismo Ação e enredo perdem a impor - tân cia para a caracterização das per - sonagens. Os acontecimentos exteriores são considerados somente à medida que revelam o interior, os motivos pro - fundos da ação, que Machado de vas sa e apresenta detalhada men te. Daí a narrativa lenta, pois o menor deta lhe e o menor gesto são signifi ca tivos na composição do quadro psicoló gico; nada é desprovido de inte resse. Essa fixação pelo por me nor é o que se denomina micror rea lis mo. � O estilo machadiano Machado prima pelo equilíbrio, pela disciplina clássica, corre ção gra - matical, concisão e economia vo ca - bular. Ao contrá rio da nossa con gê nita tendência ao uso imoderado do adjetivo e do advérbio, tão ao gosto de Castro Alves, de Alencar, de Rui Barbosa etc., Machado é par ci mo - nioso, sóbrio, quase “britânico”. Não é, contudo, uma linguagem simétrica e mecânica, porém medida pelo seu ritmo interior, donde o segredo da unidade da obra. São frequentes as experiências narrativas antecipadoras da moder ni dade, pelo aspecto irônico e antina r rativo. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, em vez de narrar a morte de D. Eulália Damasceno de Brito, Brás Cubas “fotografa” seu epitáfio, trans - po ndo o ícone, a inscrição tumular: Capítulo CXXV Epitáfio AQUI JAZ D. EULÁLIA DAMASCENO DE BRITO MORTA AOS DEZENOVE ANOS DE IDADE ORAI POR ELA! � Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) Neste romance, em primeira pessoa, o narrador-personagem Brás Cubas relata sua vida a partir de uma estranha situação: já está morto, sendo, por isso, como ele mesmo diz, um “defunto autor”. Com um texto cheio de digressões e de humor, narra o grande projeto de sua vida, criar o “emplasto anti-hipocon dríaco Brás Cubas”, esperança frus trada de renome e riqueza. Brás Cubas conta sua infância, fala da família, de Marcela — a primeira amante — e de Virgília, que foi sua namorada e que acaba se casando com o deputado Lobo Neves, homem ambicioso. Virgília, que se torna amante de Brás Cubas, é uma das grandes perso na - gens femininas de Machado. Nessa obra já aparece o filósofo-mendigo Quincas Borba, que será a persona - gem principal do romance seguinte de Machado. Fundamentalmente pes - simista, Brás Cubas é também um homem cínico, até cruel, figura ele - gante e típica da ociosa elite cario ca do século XIX. Ilustração de Cândido Portinari para a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas. � Dom Casmurro (1899) Dom Casmurro é considerado um romance sobre o adultério. Nem o adul tério é fato certo na história, nem o tema do romance se limita a ele. É antes a abordagem da vaidade mas cu - lina, e do vazio das ins ti tui ções que domina, e do mistério da mulher. Assim, todo o conjunto de certezas da realidade (e do Realismo) torna-se frágil, ilusório e engana dor. Todos os acontecimentos nar rados na obra ganham esta aura de dúvida por cau sa do ciúme que o próprio nar rador-per - so nagem — Bentinho, um ser me dío - cre — tem de Capitu, ami gui nha de infância, depois namorada, noiva e, enfim, esposa. Não há nenhu ma pro va conclusiva do adultério de Capitu; ao contrário, a relação inter tex tual do ro - mance com Otelo, de Shakespeare, parece advertir que tanto a realidade quanto as perce p ções humanas são abala das pelas paixões. Assim, todas as “provas” e, em particular, a seme - lhança de Ezequiel, o filho do casal, com Esco bar, o su pos to aman te, são relativas, duvi dosas. Machado atinge o objetivo de mostrar que a realidade é algo móvel e enganador. Capitu, de “olhos de ressaca”, “oblí qua e dis - simulada”, brilha entre todas as personagens de Machado, não só as femininas. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 47 48 – P O R T U G U ÊS � Quincas Borba (1891) Quincas Borba é continuação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, pois, como vimos, o filósofo-men di go, personagem que dá nome a este ro - man ce, e a sua filosofia, o Humani tis - mo, já tinham aparecido nas Memó rias, nas quais, na verdade, há um pe río do de tempo em que Quin cas Borba desaparece, só voltando para morrer na casa de Brás Cubas. O romance Quincas Borba narra em ter - ceira pessoa as aventu ras de Quincas nesse intervalo, nas quais in terveio, novamente, o acaso: Quincas recebeu uma herança e foi viver num local tranquilo, Barbacena, mais ade quado à sua filosofia. Lá se pas saram os fatos principais da história. Apai xo nado e recusado por Maria Pie dade, Quincas adoeceu e foi tratado por Rubião, seu amigo. Este, a quem Quincas tentara explicar o Humanitis mo, se interes - sava na ver dade pela fortuna do outro. E Rubião, de fato, tornou-se herdeiro universal do filó sofo sob a condição de cuidar de seu cão (que se chama também Quincas Borba). Despre - parado para a rique za, ele é explorado pelo casal Sofia e Cris tiano Palha. Apaixona-se por ela, que é incentivada pelo mari do a ser recep tiva a seus favo res. Aos pou cos, vai perdendo tudo, sem con quis tar o amor de Sofia, e enlou quece, como Quincas. Nesse roman ce, é desen vol vida a teoria do Huma nitismo e sua máxima, “ao ven - cedor, as bata tas”. Tra ta-se de satiri - zação de correntes filosóficas da épo ca, como o Positi vis mo e o Evolucio nismo. � Esaú e Jacó (1904) O título alude à famosa passa gem do Antigo Testamento, em que dois irmãos disputam o pri vi légio da bên - ção do pai. Machado, utilizando a ideia da rivalidade en tre irmãos, cons trói as persona gens Pedro e Paulo, cujo de - sen ten dimento e inimi zade não têm explicação racional. Briga vam des de o útero materno. Flora é a mu lher que se apaixona pelos dois, e que ambos amavam. Nem a morte dela nem a de sua própria mãe os reconcilia. Seu ódio destruía as pes soas em redor. Nessa obra já apa rece o Conse lheiro Aires, persona gem central do romance seguinte, o último de Machado de Assis. � Memorial de Aires (1908) Neste romance em forma de diário, o narrador, Aires, diplomata, relata episódios de sua vida após se apo sentar, o retorno ao Brasil, a vidi nha em Petrópolis. Por meio de Fidé lia, Aires e sua irmã, Rita, entram em con - tato com o casal de velhinhos Aguiar e Carmo e o drama de sua vida, a im - possibilidade de ter filhos. Conso lam- se no amor paternal que dedi cavam a um afilhado, Tristão. De ses peram-se quando este vai para a Europa e reencontram alegria com Fidé lia, até que de novo a fatalidade intervém: Tristão casa-se com Fidélia e a leva consigo para a Europa. Memorial de Aires é apontado como o romance mais projetivo da per sonalidade e da vida de Machado de Assis. Escrito após a morte de sua es po sa, Carolina, revela uma visão me lan cólica da velhice, da solidão e do mundo. D. Carmo, esposa do velho Aguiar, seria a projeção da própria esposa de Machado, já falecida. A iro nia e o sarcasmo dos livros ante rio res são substituídos por um tom com pas sivo e melancólico, as per so na gens são simples e bon dosas, muito dis tan tes dos paranoicos e psicóti cos dos ro - mances anteriores. Alguns veem no Memorial de Aires uma obra de retrocesso a concep ções romanti za das do mundo; outros tomam o ro man ce como o testa men to literário e humano de Machado de Assis. O “Panelinha”, grupo que reunia importantes intelectuais do início do século XX, como Machado de Assis (sentado, segundo da esquerda para a direita), Artur Azevedo (em pé, segundo da esquerda para a direita) e Olavo Bilac (em pé, quarto da esquerda para a direita). A fotografia é de um almoço, em 1901, no Hotel Rio Branco, que ficava na Rua das Laranjeiras n.o 192. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 48 – 49 P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. A filosofia de Quincas Borba — a Humanitas — contém princípios que, con for me a explanação da personagem, consideram a cooperação entre as pessoas uma forma de a) lutar pelo bem da coletividade. b) atender a interesses pessoais. c) erradicar a desigualdade social. d) minimizar as diferenças individuais. e) estabelecer vínculos sociais profundos. RESOLUÇÃO: [ENEM] Pela explicação apresentada pela personagem, o esforço coletivo (produto da interação de indiví duos) tem como finalidade a satisfação do indivíduo. Resposta: B Texto para o teste 2. 2. Quincas Borba situa-se entre as obras-primas do autor e da literatura brasileira. No fragmento apresentado, a peculiaridade do texto que garante a universalização de sua abordagem reside a) no conflito entre o passado pobre e o presente rico, que simboliza o triunfo da aparência sobre a essência. b) no sentimento de nostalgia do passado devido à substituição da mão de obra escrava pela dos imigrantes. c) na referência a Fausto e Mefistófeles, que representam o desejo de eternização de Rubião. d) na admiração dos metais por parte de Rubião, que, metaforicamente, representam a durabilidade dos bens produzidos pelo trabalho. e) na resistência de Rubião aos criados estrangeiros, que reproduz o sentimento de xenofobia. RESOLUÇÃO: [ENEM] Rubião tem de se afastar de sua origem pobre e mineira, assim como dos gestos que traz dela, para corresponder às exigências de representação que, segundo o amigo Palha, a nova situação social lhe impõe. Resposta: A (...) Quincas Borba mal podia encobrir a satisfação do triunfo. Tinha uma asa de frango no prato e trincava-a com filosófica serenidade. Eu fiz-lhe ainda algumas objeções, mas tão frouxas, que ele não gastou muito tempo em destruí-las. — Para entender bem o meu sistema, concluiu ele, importa não esquecer nunca o princípio universal, repartido e resumido em cada homem. Olha: a guerra, que parece uma calamidade, é uma operação conveniente, co mo se disséssemos o estalar dos dedos de Humanitas; a fome (e ele chupava filosofi camente a asa do frango), a fome é uma prova a que Humanitas submete a própria víscera. Mas eu não quero outro documento da subli - midade do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por um africano, suponhamos, importado de An go la. Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio construído de madeira cortada no mato por dez ou doze ho mens, levado por velas, que oito ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, executados com o único fim de dar mate ao meu apetite. (MACHADO DE ASSIS, J. M. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.) Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se explica este par de figuras que aqui estána sala: um Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher, escolheria a bandeja — primor de argentaria, execução fina e acabada. O criado esperava teso e sério. Era espanhol; e não foi sem resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por mais que lhe dissesse que estava acostumado aos seus crioulos de Minas, e não queria línguas estrangeiras em casa, o amigo Palha insistiu, demonstrando-lhe a necessidade de ter criados brancos. Rubião cedeu com pena. O seu bom pajem, que ele queria pôr na sala, como um pedaço da província, nem o pôde deixar na cozinha, onde reinava um francês, Jean; foi degradado a outros serviços. (MACHADO DE ASSIS, J. M. Quincas Borba. In: Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993. v. 1.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 49 50 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 3. 3. (UEL – MODELO ENEM) – Ao definir a paz como “destruição” e a guerra como “conservação”, o autor do texto a) serve-se de um recurso argumentativo incompatível com a realidade a que se refere. b) critica aqueles que sentem repugnância ou pedem misericórdia para os povos derrotados na guerra. c) baseia-se em uma forma de raciocínio relacionada a uma situação hipotética específica. d) procura comprovar que, embora pareça ser uma solução, a guerra traz grandes prejuízos à humanidade. e) refere-se à guerra para destacar as diferenças entre o funcionamento da economia nas sociedades primitiva e moderna. RESOLUÇÃO: A partir de uma situação hipotética específica — duas tribos que, por uma questão de sobrevivência, devem disputar o alimento suficiente para suprir as necessidades de apenas uma delas —, o narrador analisa a imposição e vantagem da guerra, em detrimento da paz, no caso apresentado. Resposta: C (...) Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas. (Machado de Assis, Quincas Borba) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 50 – 51 P O R T U G U ÊS MÓDULO 27 Realismo no Brasil (III): Machado de Assis (III) Análise crítica Nesta aula, você lerá trechos de um texto de Antônio Cândido que versa sobre alguns dos temas pre sen - tes e característicos da obra de Machado de Assis. No texto, origi - nalmente uma palestra proferida em 1968, o crítico ressalta a impor tân cia e modernidade das “situações ficcio - nais” criadas por Machado de Assis, citando, respectivamente, alguns de seus contos e romances: Nas obras dos grandes escrito res é mais visível a polivalência do verbo literário. Elas são grandes por que são extremamente ricas de significado, permitindo que cada grupo e cada época encontrem as suas obsessões e as suas neces si da des de expres são. Por isso, as suces sivas gera ções de leitores e críticos brasileiros foram encon trando níveis diferentes em Machado de Assis, estimando-o por motivos di ver sos e vendo nele um grande escritor devi do a qualidades por vezes contra ditórias. O mais curioso é que prova velmente todas essas interpre tações são justas, porque ao apanhar um ângulo não podem deixar de ao me nos pressentir os outros. (...) Muitos dos seus contos e alguns dos seus romances parecem abertos, sem conclusão necessária, ou per - mitindo uma dupla leitura, como ocorre entre os nossos contempo - râneos. (...) Talvez possamos dizer que um dos problemas fundamentais da sua obra é o da identidade. Quem sou eu? O que sou eu? Em que medida eu só existo por meio dos outros? Eu sou mais autêntico quando penso ou quando existo? Haverá mais de um ser em mim? Eis algumas perguntas que parecem formar o substrato de muitos dos seus contos e romances. Sob a forma branda, é o problema da divisão do ser ou do desdo bramento da personalidade, estu dado por Augusto Meyer. Sob a forma extrema é o problema dos limites da razão e da loucura, que desde cedo chamou a atenção dos críticos, como um dos temas prin cipais de sua obra. � “O Alienista” Quanto ao problema da loucura, podemos citar o conto “O Alienista”. (...) Um médico funda um hospício para os loucos da cidade e vai diagnos - ticando todas as manifestações de anormalidade mental que observa. Aos poucos o hospício se enche; dali a tempos já tem a metade da população; depois quase toda ela, até que o alienista sente que a verdade, em consequência, está no contrário da sua teoria. Manda então soltar os internados e recolher a pequena minoria de pessoas equilibradas, porque, sendo exceção, esta é que é realmente anormal. A minoria é submetida a um tratamento de “segunda alma”, para usar os termos do conto precedente: cada um é tentado por uma fraqueza, acaba cedendo e se equipara deste modo à maioria, sendo libertado, até que o hospício se esvazia de novo. O alie nis - ta percebe então que os germes de desequilíbrio prospe raram tão facil - mente porque já estavam laten tes em todos; portanto, o mérito não é da sua terapia. Não haveria um só homem normal, imune às solici ta ções das ma - nias, das vai da des, da falta de pon - deração? Analisando-se bem, vê que é o seu caso; e resolve inter nar-se, só no casarão vazio do hos pí cio, onde morre meses depois. E nós per gun tamos: quem era louco? Ou se riam todos loucos, caso em que nin guém o é? Notemos que este con to e o anterior manifestam, no fim do sé culo XIX, o que faria a voga de Piran dello a partir do decênio de 1920. � Dom Casmurro Outro problema que surge com frequência na obra de Machado de Assis é o da relação entre o fato real e o fato imaginado, que será um dos eixos do grande romance de Marcel Proust, e que ambos analisam princi - palmente com relação ao ciúme. A mes ma reversibilidade entre a razão e a loucura, que torna impossível de mar - car as fronteiras e, portanto, de fini-las de modo satisfatório, existe entre o que aconteceu e o que pensamos que aconteceu. (...) Uma estudiosa norte- americana, Helen Caldwell, no livro The Brazilian Othello of Machado de Assis, le van tou a hipótese viável, porque bem macha diana, de que na verdade Capitu não traiu o marido. Como o livro é narrado por este, na primeira pessoa, é preciso convir que só conhecemos a sua visão das coisas, e que para a furiosa “cris - talização” negativa de um ciumento, é possível até encontrar semelhan ças inexis ten tes, ou que são produ tos do acaso (como a de Capitu com a mãe de Sancha, mulher de Escobar). Mas o fato é que, dentro do universo ma - cha diano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a conse quência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói a sua casa e a sua vida. E con cluí mos que neste romance, co mo nou tras situa - ções da sua obra, o real pode ser o que parece real. � Esaú e Jacó Neste caso, que sentido tem o ato? Eis outro problema funda mental em Machado de Assis, que o apro - xima das preocupações de escri tores como o Conrad de Lord Jim ou de The C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 51 52 – P O R T U G U ÊS Secret Sharer, e que foi um dos temas centrais do existencia lismo literário contempo râneo, em Sartre e Camus, por exemplo. Serei eu algu ma coisa mais do que o ato que me exprime? Será a vida mais do que uma cadeia de opções? Num dos seus melhores romances, Esaú e Jacó, ele retoma,já no fim da car reira, este problema que pontilha a sua obra inteira. Retoma-o sob a for ma sim bó lica da rivalidade perma nente de dois irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, que representam invaria velmente a alter na tiva de qualquer ato. Um só faz o contrário do outro, e evidentemente as duas possibili da des são legítimas. O gran de proble ma suscitado é o da validade do ato e de sua relação com o intuito que o sustém. Através da crônica aparen - temente cor riqueira de uma família da bur guesia carioca no fim do Império e começo da Re pú blica, surge a cada instante este deba te, que se comple - ta pelo terceiro per sona gem-chave, a moça Flora, que ambos os irmãos amam, está claro, mas que, situada entre eles, não sa be como escolher. É a ela, como a outras mulheres na obra de Machado de Assis, que cabe encarnar a deci são ética, o com pro - misso do ser no ato que não volta atrás, porque uma vez pra ticado defi ne e obriga o ser de quem o praticou. Os irmãos agem e optam sem parar, porque são as alter nativas opostas; mas ela, que deve identificar-se com uma ou com outra, se sentiria redu zida à metade se o fizesse, e só a posse das duas metades a realizaria; isto é impos sível, porque seria suprimir a própria lei do ato, que é a opção. Simbo licamente, Flora morre sem escolher. � “Um Homem Célebre” Parece evidente que o tema da op ção se completa por uma das obses sões fundamentais de Macha do de Assis, muito bem analisada por Lúcia Miguel-Pereira — o tema da per - fei ção, a aspiração ao ato com pleto, à obra total, que encon tramos em di ver - sos contos e sobre tudo num dos mais belos e pun gentes que escre veu: “Um Homem Célebre”. Trata-se de um compositor de polcas, Pestana, o mais famoso do momento, reconhecido e louvado por onde vá, procurado pelos editores, abastado materialmente. No entanto, Pestana odeia as suas polcas que toda a gente canta e executa, porque o seu desejo é compor uma peça erudita de alta qualidade, uma so na ta, uma missa, como as que admira em Beethoven ou Mozart. À noite, posta - do no piano, leva horas solici tando a inspiração que resiste. De pois de mui - tos dias, começa a sentir algo que prenuncia a visita da deusa e a sua emoção aumenta, sente quase as no - tas desejadas brotando nos dedos, atira-se ao teclado e... compõe mais uma polca! Polcas e sempre polcas, cada vez mais bri lhan tes e populares é o que faz até morrer. A alternativa é negada tam bém a ele; só lhe resta fazer como é possível, não como lhe agradaria. � Conclusão Isto é dito para justificar um con - selho final: não procuremos na sua obra uma coleção de apólogos nem uma galeria de tipos singulares. Pro - curemos sobretudo as situações fic - cionais que ele inventou. Tanto aque las onde os destinos e os acon te - ci mentos se organizam segundo uma espécie de encantamento gra tui to; quanto as outras, ricas de sig nifi cado em sua aparente simplicida de, mani - festando, com uma engana dora neu - tralidade de tom, os con flitos essen ciais do homem consigo mes - mo, com os outros homens, com as classes e os grupos. A visão resul tante é po de rosa, como esta palestra não seria capaz sequer de sugerir. O melhor que posso fazer é aconselhar a cada um que esqueça o que eu disse, com pen diando os críticos, e abra direta men te os livros de Macha do de Assis. (ANTÔNIO CÂNDIDO. Esquema de Machado de Assis. In: Vários Escritos. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970.) Rio de Janeiro, Av. Central (mais tarde Av. Rio Branco), 1900. A pai sa - gem urba na contemporânea aos últimos anos de Machado de Assis. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 52 – 53 P O R T U G U ÊS Para responder aos testes de números 1 e 2, leia o trecho a seguir, de Machado de Assis. Trata-se da parte final do conto “Noite de Almi ran te”. Deolindo saíra a trabalho em viagem marítima, deixando em terra Genoveva. Ambos haviam feito jura de fidelidade. Ao voltar, Deolindo encontra sua amada já morando com outro. Após o momento inicial de ira e desespero, seus ânimos arrefecem: 1. (UNIFESP) – A desilusão amorosa de Deolindo aparece, no final do texto, sob a forma de a) tristeza por ter de mentir sobre a realidade, que lhe aparece injusta e incontornável. b) vergonha por ter de mentir sobre a noite que teve, já que tentou matar-se por Genoveva. c) resignação por não conseguir transformar a situação, sublimando-a na sua resposta aos amigos. d) agressividade em relação à mulher amada e seu companheiro, por causa do adultério. e) indiferença em relação à amada, pelo fato de ela já estar com outro companheiro. RESOLUÇÃO: A resignada sublimação da frustração amorosa é explicitada no final do texto, parafraseado na alternativa c. É uma forma de racionalizar o sofrimento, mecanismo psicológico que visa a atenuar as situações conflitantes e angustiantes. Resposta: C 2. (UNIFESP) – O desfecho do conto retoma um dos grandes temas machadianos, a saber, a questão a) da solidão, retratando-a por meio de romances conflituosos e mal resolvidos. b) da desilusão amorosa, reafirmando a triste realidade daqueles que sofrem por amor. c) do adultério, confirmando que as relações amorosas são instáveis e, por isso, o amor passa por mudanças. d) da máscara social, revelando o jogo de mentira e verdade a que as pessoas estão sujeitas. e) do amor, mostrando que as pessoas, mesmo após muito tempo, ainda guardam os sentimentos puros. RESOLUÇÃO: A alternativa d identifica uma das constantes da ficção macha - diana: o conflito entre ser e parecer, entre a essência e a aparência sob a qual a verdade se esconde. Resposta: D Texto para o teste 3. 3. O jornal impresso é parte integrante do que hoje se compreende por tecnologias de informação e comu - nicação. Nesse texto, o jornal é reconhecido como a) objeto de devoção pessoal. b) elemento de afirmação da cultura. c) instrumento de reconstrução da memória. d) ferramenta de investigação do ser humano. e) veículo de produção de fatos da realidade. RESOLUÇÃO: [ENEM] O trecho “recomposição do extinto, a revivescência do passado” evidencia que o jornal é tido como “instrumento de reconstrução da memória”. Resposta: C Deolindo seguiu, praia fora, cabisbaixo e lento, não já o rapaz impetuoso da tarde, mas com um ar velho e triste, ou, para usar outra metáfora de marujo, como um homem “que vai do meio do caminho para terra”. Genoveva entrou logo depois, alegre e barulhenta. Contou à outra a anedota dos seus amores marítimos, gabou muito o gênio do Deolindo e os seus bonitos modos; a amiga declarou achá-lo grandemente simpático. — Muito bom rapaz, insistiu Genoveva. Sabe o que ele me disse agora? — Que foi? — Que vai matar-se. — Jesus! — Qual o quê! Não se mata não. Deolindo é assim mesmo; diz as coisas, mas não faz. Você verá que não se mata. Coitado, são ciúmes. Mas os brincos são muito engraçados. — Eu aqui ainda não vi destes. — Nem eu, concordou Genoveva, examinando-os à luz. Depois guardou-os e convidou a outra a coser. — Vamos coser um bocadinho, quero acabar o meu corpinho azul... A verdade é que o marinheiro não se matou. No dia seguinte, alguns dos companheiros bateram-lhe no ombro, cumprimentando-o pela noite de almirante, e pediram-lhe notícias de Genoveva, se estava mais bonita, se chorara muito na ausência, etc. Ele respondia a tudo com um sorriso satisfeito e discreto, um sorriso de pessoa que viveu uma grande noite. Parece que teve vergonha da realidade e preferiu mentir. BONS DIAS! 14 de junho de 1889 Ó doce, ó longa, ó inexprimível melancolia dos jornais velhos! Conhece-se um homem diante de um deles. Pessoa que não sentir alguma coisa ao ler folhas de meio século, bem pode crer que não terá nunca uma das mais profundas sensações da vida, — igual ou quase igual à que dá a vista das ruínas de uma civilização. Não é a saudade piegas, mas a recomposição do extinto, a revivescência do passado. (MACHADO DE ASSIS, J. M. Bons Dias! (Crônicas 1885-1839). Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Hucitec, 1990.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp03/02/2022 17:24 Página 53 54 – P O R T U G U ÊS 1. Naturalismo no Brasil Caracterizando-se como um Rea l is - mo mais extremado, o Naturalismo tem como elemento funda mental o determinismo cientifi cista, que diver - ge do determinismo sociopolítico, tí pi - co do Realismo. No final do sé culo XIX, junto ao avanço da ciência sur ge uma nova visão de mundo, di ver sa da idealização romântica: Ver dade, Razão e Ciência são agora os ideais. Observação e análise são seus métodos. Produzir uma arte do - cumental é seu objetivo. O autor na - turalista constrói enredo, trama e per sonagens com a intenção de com - pro var certas teorias, nas quais acre - dita, sobretudo aquelas das ciên cias biológicas: Evolucionismo, Ge nética, Patologia. A nova visão teó rica repercute na prática política de vários autores, por meio da qual se mani - festam as preocupações so cia lis tas, ati vidades abolicionistas e a ten dên - cia anticlerical. Os principais autores naturalistas bra sileiros foram Aluísio Azevedo, Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Do min - gos Olímpio e Inglês de Sousa. Todos se guiram o mestre francês Émile Zola, o mais importante escri tor des se mo - vi mento. O Naturalismo, no Brasil, tem início em 1881 (assim como o Realis - mo), com a publicação de O Mulato, de Aluísio Azevedo. 2. Aluísio Azevedo (1857-1913) � Vida Filho de vice-cônsul português em São Luís, transfere-se para o Rio de Janeiro após ter atacado a con ser - vadora sociedade maranhense com a publicação de O Mulato. No Rio, juntou- se ao irmão, o famoso co me diógrafo Artur Azevedo. Foi jorna lista e escreveu romances, contos, opere tas e revistas teatrais. Era também bom desenhista, hábil na arte da caricatura. Esse seu talento, aliás, tem relação com a força plás tica de suas descrições. Tentou so - breviver de sua profissão de escritor e, para isso, teve de aceitar encomen das de editores, que lhe pediam ro mances românticos ao gosto do pú blico, em completo contraste com seus ideais literários. Aos 38 anos aban donou a carreira literária, in gres sando na di plo - macia. Aluísio Azevedo. � Os folhetins romanescos Decorrem da atividade de Aluísio Azevedo como escritor profissional; têm escasso valor literário e repre sen - tam meras concessões ao gosto do leitor da época. Escritos sem mui to cuidado, para publicação na im pren sa diária, o próprio autor reco nhecia a fragilidade desses traba lhos. Essas obras são: Uma Lágrima de Mulher, Condessa Vésper, Girân dola de Amores, Filomena Borges e A Mortalha de Alzira. � Os romances realistas-naturalistas Constituem o segmento apreciá - vel da obra de Aluísio Azevedo, ainda que seja um conjunto bastante hete - rogêneo, sem resíduos românti cos, com documentação realista, experi - men tação naturalista etc. O Mulato, Casa de Pensão, O Coruja, O Ho mem, O Cortiço e O Livro de uma So gra são as obras dessa vertente. 3. Características das obras � Obra heterogênea Alterna romances naturalistas, de vigor crítico e estofo cientificista, com melodramas românticos, publicados em folhetins pela imprensa e que foram, durante algum tempo, o ga nha- pão do autor. � Romance social Nos livros mais bem realizados, Aluísio Azevedo revela extraordinário poder de dar vida aos agrupamentos humanos, às habitações coletivas, on - de os prota gonistas vão, social e moral mente, se degradando, por for - ça da opressão social e econô mi ca e dos impulsos irreprimíveis da sexuali - dade, das taras e dos vícios. � Visão rigorosamente determinista Para o autor, o Homem e a socie - da de estavam submetidos às leis inexo ráveis da raça (instinto, heredi - tarie da de), do meio (geográfico, so - cial) e do momento (circuns tân cias his tó ricas). � Influências de Eça de Queirós e Émile Zola Utilizou a técnica do tipo, defor - man do, pelo exagero, os traços, crian - do verdadeiras caricaturas. Não conseguiu criar personagens que pudessem transcender as condições sociais que as geraram. As persona - gens são psicologicamente superfi - ciais e subsistem apenas em função de contextos predeterminados. Não há drama moral; os protago nistas são vistos “de fora”, e a tragédia em que as tramas desembocam decorre ape - nas do fatalismo das doutrinas deter - ministas. Não há o refinamento estilístico de Machado de Assis, nem a potên cia verbal de Raul Pompeia, mas os diá - logos se salvam pela vivacidade, pela frase sempre incisiva. Há visível ten - dência lusitanizante, o que se explica pela origem luso-mara nhen se do autor. MÓDULO 28 Naturalismo: Aluísio Azevedo C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 54 – 55 P O R T U G U ÊS � O Mulato (1881) Obra de crítica ao preconceito racial e à Igreja. O mulato Raimundo, educado na Europa, retorna a São Luís para conhecer suas origens. Apai xo na-se por sua prima Ana Rosa, mas a família lhes impede o casa mento. Pre tendem fugir, mas Raimun do é per seguido e morto a mando do pa dre Diogo, que repre sen ta a de gra dação do clero. Ana Rosa acaba se ca sando com o assassino, com quem viverá de modo feliz. � Casa de Pensão (1884) Narrativa intermediária entre o romance de personagem (O Mulato) e o romance de espaço ou de cole tividade (O Cortiço). Inspirado em um caso verídico, a Questão Capis trano, crime que sensibilizou o Rio de Janei ro entre 1876 e 1877, expressa uma visão determinista. Amâncio Vascon ce los, personagem central, tem suas ações e comporta mento de termi nados pela formação (a educa ção severa, a superpro teção mater na, a sífilis contraída da ama de leite). Ele, um jovem e rico mara nhen se, chega ao Rio de Janeiro para estudar Medicina. Boêmio e extrava gan te, hospeda-se na pensão de João Coqueiro, que trama casá-lo com sua irmã, Amélia, para apossar-se da fortuna de Amâncio. Com a recu sa do rapaz, Coqueiro o denun cia falsa men te por violência sexual contra a irmã, é derrotado na justiça e, incon formado, mata Amâncio. � O Cortiço (1890) Ambientado no Rio de Janeiro, este romance narra o nascimento, vida e morte de um cortiço, meio pelo qual seu dono, o português João Romão, pretende enriquecer. Ao la do, há um sobrado, que sim boliza um nível social mais elevado e cujo proprietário é também um português, o comendador Miranda. Os portu gue - ses conseguem ascen são econô mi ca e social rápidas, que obtêm por meio da exploração do brasileiro, re pre - sentado coletiva men te pelo po vo do cortiço. É nesse espaço social que as leis ambientais interferem no indi ví duo e determinam seu compor ta men to. O cortiço e a negra Berto leza, amásia de João Romão, só lhe inte ressam enquanto lhe são úteis. Quan do João Romão se casa com Zulmira, a filha do comendador, e atin ge a posição social desejada, nem Bertoleza, que o ajudara a subir na vida, nem o cortiço, com o qual enriquecera, são mais necessários: o cortiço sofre um incêndio e passa por remodelação, e Bertoleza, rejei tada e denunciada à polícia (era uma es cra va foragida), suicida-se. 4. Características de O Cortiço � Romance social Desistindo de montar um enredo em função de pessoas, [Aluísio] ate ve-se à sequência de descrições mui to pre ci sas onde cenas coletivas e ti pos psi co logica mente primários fa - zem, no conjunto, do cortiço a per so - na gem mais convincente do nosso ro man ce naturalista. (Alfredo Bosi, His tória Con cisa da Literatura Bra - sileira) Todas as existências se entrela - çam e repercutem umas nas outras. O cortiço é o núcleo gerador de tudo e, feito à imagem de seu proprietário, cresce, desenvolve-se e se trans forma com João Romão. � A crítica ao capitalismo selvagem O tema é a ambição e a explora - ção do homem pelo próprio homem. De um lado, João Romão, que aspi ra à riqueza, e Miranda, já rico, que aspira à nobreza. Do outro, a “gentalha”, caracterizada como um con junto de animais, movidos pelo ins tinto e pela fome: E naquela terra encharcada e fu - megante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a fervi lhar, a crescer um mundo, uma coisa viva, umageração que parecia brotar espon tânea, ali mesmo, da que le lamei ro e multiplicar-se como larvas no esterco. (...) As corridas até a venda repro du ziam-se num verminar de formigueiro assanhado. A redução das criaturas ao nível animal (zoomorfismo) é carac te rís tica do Naturalismo e revela a in fluência das teorias da Biologia do século XIX (darwinismo, lamarquis mo) e do determinismo (raça, meio, momento): ... depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da car - roça, estrompado como uma bes ta. Leandra... a “Machona”, portugue sa feroz, berradoura, pulsos ca be lu dos e grossos, anca de animal do campo. Rita Baiana... uma cadela no cio. � A força do sexo O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do sexo, típica do determinismo biológico e do Naturalismo, conduz Aluísio a buscar quase todas as formas de patologia sexual: desde o “aca nalhamento” das relações matri moniais até o adul tério, prostituição, lesbianismo etc. � A situação da mulher As mulheres são reduzidas a três condições: a primeira, de objeto, usa - das e aviltadas pelo homem: Berto - leza e Piedade; a segunda, de obje to e sujeito, simultaneamente: Rita Baiana; a terceira, de sujeito — são as que independem do ho mem, prostituindo-se: Léonie e Pom binha. Os Britadores de Pedra (1849), de Gustave Courbet (1819-1877), óleo sobre tela, coleção particular, Milão. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 55 56 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. No romance O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, as personagens são observadas como elementos coletivos caracterizados por condicionantes de origem social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o confronto entre brasileiros e portugueses revela prevalência do elemento brasileiro, pois a) destaca o nome de personagens brasileiras e omite o de personagens portuguesas. b) exalta a força do cenário natural brasileiro e considera o do português inexpressivo. c) mostra o poder envolvente da música brasileira, que cala o fado português. d) destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário à tristeza dos portugueses. e) atribui aos brasileiros uma habilidade maior com instrumentos musicais. RESOLUÇÃO: [ENEM-2011] O Determinismo é um dos elementos mais importantes na composição da narrativa de O Cortiço. A música, manifestação cultural do povo, carrega as características essenciais que o formam. A música brasileira seria mais envolvente porque repleta de sensualidade exacerbada, fruto de uma terra exuberante e quente. O fado português, ao contrário, conteria uma tristeza considerada típica do seu povo. Resposta: C Texto para o teste 2. 2. Influenciada pelo ideário cientificista do Natura lismo, a obra destaca o modo como o mulato era visto pela sociedade de fins do século XIX. No trecho, Manuel traduz uma concepção em que a a) miscigenação racial desqualificava o indivíduo. b) condição econômica anulava os conflitos raciais. c) discriminação racial era condenada pela sociedade. d) escravidão negava o direito da negra à maternidade. e) união entre mestiços era um risco à hegemonia dos brancos. RESOLUÇÃO: [ENEM] É evidente no trecho a concepção segundo a qual a mistura de “raças” (a miscigenação) desqualifica o indivíduo. Resposta: A Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o cavaquinho de Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam vibrantemente com um chorado baiano. Nada mais que os primeiros acordes da música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E seguiram-se outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a correrem serpenteando, como cobras numa floresta incendiada; eram ais convulsos, chorados em frenesi de amor: música feita de beijos e soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer, fazendo estalar de gozo. (AZEVEDO, A. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983.) — Recusei a mão de minha filha, porque o senhor é... filho de uma escrava. — Eu? — O senhor é um homem de cor!... Infelizmente esta é a verdade... Raimundo tornou-se lívido. Manuel prosseguiu, no fim de um silêncio: — Já vê o amigo que não é por mim que lhe recusei Ana Rosa, mas é por tudo! A família de minha mulher sempre foi muito escrupulosa a esse respeito, e como ela é toda a sociedade do Maranhão! Concordo que seja uma asneira; concordo que seja um prejuízo tolo! O senhor porém não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!... Nunca me perdoariam um tal casamento; além do que, para realizá-lo, teria que quebrar a promessa que fiz a minha sogra, de não dar a neta senão a um branco de lei, português ou descendente direto de portugueses! (AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Escala, 2008.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 56 – 57 P O R T U G U ÊS Texto para o teste 3. 3. (FUVEST) – Para entender as impressões de Jerônimo diante da natureza brasileira, é preciso ter como pressuposto que há a) um contraste entre a experiência prévia da personagem e sua vivência da diversidade biológica do país em que agora se encontra. b) uma continuidade na experiência de vida da personagem, posto que a diversidade biológica aqui e em seu local de origem são muito semelhantes. c) uma ampliação no universo de conhecimento da personagem, que já tinha vivência de diversidade biológica semelhante, mas a expande aqui. d) um equívoco na forma como a personagem percebe e vivencia a diversidade biológica local, que não comporta os organismos que ele julga ver. e) um estreitamento na experiência de vida da personagem, que vem de um local com maior diversidade de ambientes e de organismos. RESOLUÇÃO: Jerônimo, português recém-chegado ao Brasil, encontra no país uma realidade totalmente diferente da que deixara em Portugal e acaba deixando-se seduzir pelos encantos e sensualismo de Rita Baiana. “Abrasileira-se”, trocando seus hábitos de aldeão português pelos costumes locais, desde a alimentação até ao código moral. Resposta: A E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhes as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno de Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. (...) (Aluísio Azevedo, O Cortiço) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 57 58 – P O R T U G U ÊS MÓDULO 29 Raul Pompeia 1. Raul Pompeia (Angra dos Reis-RJ, 1863 – Rio de Janeiro, 1895) Raul Pompeia. � Vida Nascido em Angra dos Reis (RJ), em 1863, Raul Pompeia estudou Direito e ocupou cargos públicos. Militou no movimento abolicionista e no republi ca - no e colaborou na Gaze ta de Notí cias, de José do Patrocínio. Envolveu-se em diversas polêmicas e num due lo com Olavo Bilac. Suici dou-se na noite de Natal de 1895, aos 32 anos. � Obra A) Prosa – Uma Tragédia no Amazonas (romance) – Microscópicos (contos) – AsJoias da Coroa (romance) – O Ateneu (romance) – Agonia (romance inacabado e inédito) B) Poesia – Canções sem Metro (poemas em prosa) � O Ateneu: crônica de saudades A) O romance O Ateneu, Crônica de Saudades (1888) focaliza a vida em um internato, apresentando pe ne - trante análise social e psicoló gica das personagens: Aristarco, o diretor (que personifica o poder), profes so res, funcionários e alunos, e a escola como microcosmo da sociedade. “Vais encontrar o mundo” é a pri meira sentença do livro. Narrado em primeira pessoa por Sérgio, um homem que revê seu passado e conta passagens de sua vida de menino, o romance estrutura- se por meio de “manchas de re corda - ção”, ou seja, de uma suces são de epi sódios, cujo fio condutor é a me - mó ria do personagem-narrador. A evocação do passado faz que a se - quência cronológica de fatos (o tem po objetivo) seja entrecortada por associações e semelhanças subcons - cien tes (o tempo subjetivo, a dura ção interior). Esse procedimento evidencia certa ruptura do romance com os modos realista e naturalista de mera observação objetiva da vida. B) Há uma superposição de diversos estilos, o que torna probl e - má tica a vinculação de O Ateneu a uma determinada corrente estética. Assim, podemos identificar: – elementos expressio nis tas: a linguagem do livro aproxi ma-se da técnica expressionista, que con sis te na deformação grotesca e mór bi da do que se descreve. Apre senta enor me poder para a carica tura (dis tor ção ou ênfase dos ele mentos do mi nantes de um objeto ou de uma pes soa) e grandes recur sos de ima gens visuais e sonoras. A frase trans mite uma forte carga emo cional. O estilo é nervoso, ágil. A redução das perso na gens a carica turas pare ce prove nien te da inten ção de defor mar, de exagerar, como se Raul Pom peia estivesse se “vin gando” de tudo e de todos: Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que divertia. O Gualtério, miú do, re don do de costas, cabelos revoltos, motili dade brusca e caretas de símio palhaço dos outros, como dizia o professor. O Nascimento, o bi can ca, alongado por um modelo ge ral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como uma foice; (...) o Negrão, de ventas acesas, lábios inquietos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso... – elementos impressionis tas: evidenciam-se no trabalho da memó - ria como fio condutor. O pas sado é recriado por meio de “man chas” de recordação — daí a exis tência de um certo esfuma ça mento da realidade, pois o internato é reconstituído por meio das impres sões, mais subje tivas que objetivas. A técnica impressionista que Pompeia utiliza consiste em destacar antecipadamente do objeto que descreve um ou mais traços e seu efeito no observador. Há quem, por isso, rotule O Ateneu de romance impressionista: C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 58 – 59 P O R T U G U ÊS Transformara-se em anfiteatro uma das grandes salas da frente do edifício, exatamente a que servia de capela; paredes estucadas de sun tuo sos rele vos, e o teto aprofundado em largo me dalhão, de magistral pin tura, onde uma aberta de céu azul despe nha va aos cachos deli cio - sos anjinhos, ostentando atrevi mentos róseos de carne, agitando os minús culos pés e, as mãozinhas, desatan do fitas de gaza no ar. – elementos naturalistas: decor- rem da concepção instintiva e animalesca das personagens, cujo comportamento é determinado pela sexualidade, condição social etc. Há um certo gosto “naturalista” pelas “perversões”. É o que ocorre nas des - crições de Ângela e na tensão do homossexualismo que existe nas relações de Sérgio com Sanches, Bento Alves e Egbert: Ângela tinha cerca de vinte anos; parecia mais velha pelo desen vol vi mento das proporções. Grande, car nu da, san guí - nea e fogosa, era um des ses exem pla res excessivos do sexo que parecem conformados ex pres samente para espo - sas da mul tidão — protestos revolu - cionários con tra o monopólio do tálamo. Mas é um naturalismo dis siden te, que nada tem a ver com o aprio rismo ou com o esquematismo carac terís ti - cos dessa corrente. O doutor Cláu dio, conferencista que algumas ve zes pon - tifica no internato, e que exterio ri za algumas ideias artísticas do pró prio Raul Pompeia, define a arte co mo o processo sub jetivo da “evolu ção se cu lar do ins tinto da espécie”. Seria possível rastrear, em O Ateneu, aproximações também com o Parnasianismo, com o Simbolismo e, até, antecipações modernistas. C) O comportamento sexual é o traço mais valorizado na persona li dade dos adolescentes do internato, divididos em “machos” e “fêmeas”, em dominadores e dominados. Ob ser - ve o que diz o narrador em rela ção ao seu colega Bento Alves: Estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me po dia valer, porque me respeitava, qua se tímido, como se não tivesse âni mo de ser amigo. Para me fitar espe ra va que eu tirasse dele os meus olhos. D) Raul Pompeia projeta no internato toda a problemática do mundo adulto. O Ateneu é uma redução, em escala, da visão que o autor tinha da sociedade como um todo. O móvel das ações de Aristarco era o di nhei ro, e os alunos eram tratados pelo diretor conforme o segmento social a que pertenciam seus pais. Raul Pompeia não deixa ao arbí trio dos futuros intérpretes o trabalho de decifrar o sistema de ideias que se poderia depreender. 1.a) Fala sobre a cultura brasi - leira, em que os desejos republica- nos de Pompeia se mostram, investigando o “pântano das almas” da vida emocional, sob a “tirania mole de um tirano de sebo”. 2.a) Fala sobre a arte, entendida pré-freudianamente como “educa ção do instinto sexual”, e ante ci pan do também Nietzsche como “expres são dionisíaca”: Cruel, obscena, egoísta, imoral, in - dômita, eternamente selvagem, a arte é a superioridade humana acima dos preceitos que se combatem, aci ma da ciência que se corrige: “embria guez como a orgia e como o êxtase”. 3.a) Fala sobre as relações entre a escola e a sociedade: (...) Não é o internato que faz a so - ciedade; o internato a reflete. A corrupção que ali viceja vai de fora. (...) (...) A edu ca ção não faz as almas; exercita-as. (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XI) Música estranha, na hora cálida. Devia ser Gottschalk1. Aquele esforço agonizante dos sons, lentos, pun gidos, angústia deliciosa de extremo gozo em que pode ficar a vida porque fora uma conclusão triunfal. Notas graves, uma, uma; pausas de silêncio e treva em que o instrumento sucumbe e logo um dia claro de renascença, que ilumina o mundo como o momento fantástico do relâm pago, que a escuridão nova mente abate... Há reminiscências sonoras que ficam per pétuas, como um eco do pas sado. Recorda-me, às vezes, o piano, ressurge- me aquela data. Do fundo repouso caído de convales - cente, serenidade extenua da em que nos deixa a febre, infan tilizados no enfraquecimento como a recomeçar a vida, inermes contra a sensação por um requinte mórbido da sensibilidade — eu aspirava a música como a embriaguez dulcís sima de um perfume funesto; a músi ca envolvia-me num contágio de vibração, como se houvesse nervos no ar. As notas distantes cresciam-me n’alma em ressonância enorme de cisterna; eu sofria, como das palpitações fortes do coração quan do o sentimento exacerba-se — a sensualidade dissolvente dos sons. Lasso, sobre os lençóis, em con forto ideal de túmulo, que a vontade morrera, eu deixava martirizar-me o encanto. A imaginação de asas cres cidas fugia solta. (...) (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XII) Vocabulário e Notas 1 – Gottschalk: Louis Moreau Gottschalk (1829- 1869), pianista e compositor nascido em Nova Orleans (EUA) e falecido no Rio de Janeiro. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 59 60 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1 – Réclame: palavra francesa do gênero feminino que deu origem à palavra reclame, em português,e cujo significado é “anúncio publicitário”. 1. Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção social do colégio demarcada pela a) ideologia mercantil da educação, repercutida nas vaidades pessoais. b) interferência afetiva das famílias, determinantes no processo educacional. c) produção pioneira de material didático, responsável pela facilitação do ensino. d) ampliação do acesso à educação, com a negociação dos custos escolares. e) cumplicidade entre educadores e famílias, unidos pelo interesse comum do avanço social. RESOLUÇÃO: [ENEM-2015] A “ideologia mercantil da educação” que repercute na vaidade pessoal personifica-se em Aristarco, diretor do Ateneu. Isso fica evidente no trecho “Afamado por um sistema de nutrida réclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa”. Resposta: A Texto para o teste 2. 1 – Encetar: começar. 2 – Preleção: palestra com finalidade educativa. 2. (MACKENZIE) – Nesse fragmento, a) o narrador, em terceira pessoa, relata o cotidiano do internato, em que pedagogos respeitados educavam adolescentes. b) o trecho “narrava-nos a vida” (linha 3) revela juízo de valor positivo em relação à figura do Dr. Cláudio. c) as indagações dão a conhecer as restrições feitas por pessoas que condenavam o Ateneu, críticas negadas pelo Dr. Cláudio. d) a palavra “vulgar” (linha 6) expressa o julgamento negativo que o Dr. Cláudio fazia das pessoas incultas que criticavam o Ateneu. e) acompanha-se o diálogo agressivo que o Dr. Cláudio estabeleceu, um dia, com aqueles que censuravam o internato. RESOLUÇÃO: Nesse trecho adaptado, fica claro que as palestras do Dr. Cláudio fugiam do ramerrão hipocritamente moral das preleções de Aristarco. Dr. Cláudio falava de outros temas e com outro enfoque, o que é avaliado positivamente em “narrava-nos a vida” — diferentemente de Aristarco, que falava banalmente a respeito de abstrações. Resposta: B Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos e eu parti. Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação. Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrida réclame1, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa, o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais; sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios. O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à sustância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito. (POMPEIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.) O Dr. Cláudio encetou1 uma série de preleções2 aos sábados, à imitação das que fazia às quintas Aristarco sobre lugares-comuns de moralidade. O doutor narrava-nos a vida. Falava uma vez sobre educação. 5 Discutiu a questão do internato. Divergia do parecer vulgar, que o condena. É uma organização imperfeita, aprendizagem de corrupção, ocasião de contato com indivíduos de toda origem? O mestre é a tirania, a injustiça, o terror? O mereci- 10 mento não tem cotação...? Tanto melhor, é a escola da sociedade. (Raul Pompeia, O Ateneu: crônica de saudades – adaptado) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 60 – 61 P O R T U G U ÊS Texto para o teste 3. 3. Reconhecido pela linguagem impressionista, Raul Pompeia desenvolveu-a na prosa poética, em que se observa a) imprecisão no sentido dos vocábulos. b) dramaticidade como elemento expressivo. c) subjetividade em oposição à verossimilhança. d) valorização da imagem com efeito persuasivo. e) plasticidade verbal vinculada à cadência melódica. RESOLUÇÃO: [ENEM-2019] A plasticidade verbal, observada no uso de metáforas que associam paisagem e sentimentos, vincula-se à cadência melódica, resultante da pontuação e do uso de assonâncias e aliterações. Resposta: E Inverno! inverno! inverno! Tristes nevoeiros, frios negrumes da longa treva boreal, descampados de gelo cujo limite escapa-nos sempre, desesperadamente, para lá do horizonte, perpétua solidão inóspita, onde apenas se ouve a voz do vento que passa uivando como uma legião de lobos, através da cidade de catedrais e túmulos de cristal na planície, fantasmas que a miragem povoam e animam, tudo isto: decepções, obscuridade, solidão, desespero e a hora invisível que passa como o vento, tudo isto é o frio inverno da vida. Há no espírito o luto profundo daquele céu de bruma dos lugares onde a natureza dorme por meses, à espera do sol avaro que não vem. (POMPEIA, R. Canções sem Metro. Campinas: Unicamp, 2013.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 61 62 – P O R T U G U ÊS MÓDULO 30 Parnasianismo 1. Origens O Parnasianismo remete-nos ao mesmo contexto histórico-cul tu ral do Realismo e do Naturalis mo e compartilha, com esses dois movi - men tos, de alguns ideais e de algu - mas atitudes: a negação do sub je tivismo, a postura antir ro mân - tica e a luta contra “o uso pro fis - sional e imoderado das lá grimas”. O movimento parnasiano surgiu na França em 1866, com a edição da anto - logia Le Parnasse Contem porain. Abrigando poetas de ten dên cias diversas, como Théophile Gautier, Leconte de Lisle, Charles Baudelaire, Heredia, Banville, havia em comum a oposição ao senti men talismo romântico. A denominação Parnasia nismo remete-nos à antiguidade greco- romana (Monte Parnaso = região da Fócida, na Grécia, que a mitologia contemplava como a mo rada dos deuses e poetas, ali isolados do mundo para dedicarem-se exclusi va - men te à arte). Isso sugere a apro - ximação às fontes e aos ideais clássicos da arte (o Belo, o Bem, a Verdade, a Perfeição, o Equilíbrio, a Disciplina e o rigor formal, a obe - diência às regras e aos modelos, a arte como imitação da natureza — a mimese aristotélica). 2. Características � A arte pela arte – O esteticismo Sintetizada na forma latina ars gratia artis (arte pela arte), a poesia parnasiana propõe que a beleza formal justifica a existência do poema, e que a arte não deve ter ou - tros compromissos senão com o belo, com a perfeição formal. Negando a poesia realista, filosó - fico-científica e socialista de seus precursores, os parnasianos impõem uma atitude de distanciamento da vida, de afastamento do cotidiano, de alienação dos problemas do mundo, de des pre zo pela plebe e pelas aspi rações populares e de recusa de temas vulgares. Assim, os parnasianos se fecham em suas “torres de mar fim”, en tre - gues ao puro fazer poético: Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino1 escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! (Olavo Bilac, “A um Poeta”) Vocabulário 1 – Beneditino: abnegado como um monge beneditino. � A impassibilidade – A contenção lírica Para desidentificar-se da anti- quíssima síntese entre eu e mundo, introduzindo um hiato entre essas duas instâncias do real, o narrador par - nasiano (o eu lírico) procura trans - formar apoesia em puro traba lho, artefato, construção. Daí a aproximação com os ideais das artes plásticas: o poeta-ourives, o poeta-escultor, o poeta-arquiteto, o poeta-pin tor; o poeta que modela pacien temen te sua obra, sem confundir-se com ela: Torce, aprimora, alteia1, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta2 a rima, Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito. (...) (Olavo Bilac, “Profissão de Fé”) Vocabulário e Notas 1 – Altear: elevar. 2 – Engastar: encravar, embutir. � Perfeição formal Centrados no puro fazer poético, os parnasianos instauram o mate rialismo da forma. A palavra é tra balhada como matéria-prima, que deve ser lapidada, burilada, cin ze lada. A poesia deve ser fruto do es for ço intelectual, da elaboração. Por isso, os parnasianos, exímios conhe cedo res da língua, são “poetas de di cio ná rio”, rigoroso quanto à cor reção gramatical, à pureza da lin guagem, à verna cu li - dade, pela seleção voca bular. Outro aspecto desse formalismo é a valorização de alguns procedi men - tos, tais como: • o culto das rimas ricas, raras e preciosas; • a preferência pelos versos alexandrinos (12 sílabas métricas) e a metrificação rigorosa; • o gosto pelas formas fixas, especialmente o soneto (quase aban - donado pelos românticos), além da sextina, da balada e do rondó; • o emprego de enjambements — palavra fran cesa que se pronuncia ãjãbemã — como meio de quebrar a monotonia rítmica. O enjambement cor responde ao prolongamento sin táti - co e semântico de um verso no verso seguinte: E, de súbito, paramos na estrada Da vida, longos anos, presa à minha A tua mão, a vista deslumbrada Tive, da luz que seu olhar continha. (Olavo Bilac, “Nel Mezzo del Camin”) � A poesia descritiva, plástica e visual Os parnasianos pretendem apre - en der descritivamente o real, por meio de impressões sensoriais nítidas, apo i ando-se em imagens vi - suais, que se convertem em verda - dei ros cromos, tal a in ten sidade das cores e do brilho. Concentram-se na descrição de fenômenos da natureza (o anoi tecer, a primavera, as árvores); na fixa ção de cenas históricas e mito lógicas (“O Incêndio de Roma”, “O Triunfo de Afrodite”); na contem pla ção de objetos de arte, exó ticos e requintados (“O Vaso Grego”, “O Leque”, “A Está tua”), privilegian do, também, a beleza física da mulher. � O Kitsch O gosto pelo exótico, pelo diferente, o prazer da raridade visa especialmente a satisfazer “o bom gosto” burguês, sua ânsia pelo raro, pelo prestigioso, pela negação da vulgaridade. Buscando o raro e o requintado, o parnasiano cai, muitas vezes, na superficialidade, na obsessão do adorno, esquecido da essência. É nesse sentido que se alinham algumas objeções à atitude parnasiana: • privilegiando a organização léxica e gramatical do discurso poé-tico, os parnasianos se esquecem de que a C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 62 – 63 P O R T U G U ÊS grande poesia consiste “na linguagem carregada de signi-ficação no mais alto grau possível” (Ezra Pound); • diz-se que um artista pratica o Kitsch quando ele mistura formas e truques para impressionar o aprecia - dor, sugerindo, por meio de efeitos previamente estudados, conotações prestigiosas, ostentando falsa rique za ou cultura. 3. A tríade parnasiana � Olavo Bilac (Rio de Janeiro, 1865-1918) Olavo Brás Martins dos Guima rães Bilac, já no próprio nome um alexan - drino perfeito, cursou Medicina e Direi to, sem concluir nenhum dos cur - sos. Viveu como jornalista, funcio ná rio público, boêmio e poeta de lar go pres - tígio no seu tempo. Foi eleito em 1913, pela revista Fon-Fon, o Prín cipe dos Poetas Brasi lei ros. Ativista nas campanhas abolicio - nista, republicana, civilista, pelo ser - viço militar obrigatório, pela vaci na obrigatória, pela reurbani zação do Rio de Janeiro, pela entrada do Brasil na Primeira Grande Guerra; autor da letra do Hino à Bandeira, Bilac dei xou, além da obra poética que vere mos, crônicas, novelas, poesias in fan tis, conferências literárias e um tratado de versificação. Estreou em 1888 com Poesias, livro saudado com entusiasmo por Alberto de Oliveira e Raimundo Cor - reia, que formariam, com Bilac, a “Trindade Parnasiana”. Poesias, além de uma introdu ção em verso, chamada “Profissão de Fé” — espécie de manifesto parna sia no —, continha três partes distintas: • Panóplias: poemas descritivos, obedecendo rigorosamente aos câ no - nes parnasianos, aproveitando su ges - tões da antiguidade greco-roma na. • Via-Láctea: 35 sonetos, tematizando o lirismo amo roso platônico, com o aproveita mento de sugestões românticas e clássicas. O título Via-Láctea alude a uma constante na poesia de Bilac: as estrelas (“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo / Per deste o senso!”). • Sarças de Fogo: poemas eróti - cos, centrados na beleza física da mu - lher e no amor carnal, reduzido a um jogo bem arranjado de pala vras, buscando mais o efeito que a genuí na sensualidade. Em 1902, às Poesias foram acres - centados três outros livros: Alma Inquie ta e Viagens, marcados por um veemente temperamento romântico, controlado pela disciplina formal aprendida com os parnasianos fran - ceses (Gautier, Leconte de Lisle e Heredia), além do poema épico- patriótico “O Caçador de Esmeraldas”, escrito em sextilhas e alexan dri nos, evocando a figura de Fernão Dias Pais, apoiado na tradição ufanista e motivado pelo civismo, que Bilac praticou na frequente exalta ção da pátria, de seus símbo los e heróis. • Em 1919, aparece o livro pós - tu mo Tarde, em que o poeta se em - pe nha em um maior comedimento, quer do ímpeto romântico, quer do con ven cionalismo parnasiano, valo ri - zando o aspecto reflexivo e filo sófico e as ce nas da natureza, vazado em lingua gem simples e acessível, já dis - tante do artificialis mo dos livros anteriores: CANTILENA Quando as estrelas surgem na tarde, surge [a esperança... Toda alma triste no seu desgosto sonha um [Messias: Quem sabe? o acaso, na sorte esquiva, [traz a mudança E enche de mundos as existências que [eram vazias! Quando as estrelas brilham mais vivas, [brilha a esperança... Os olhos fulgem; loucas, ensaiam as asas frias: Tantos amores há pela terra, que a mão alcança! E há tantos astros, com outras vidas, para [outros dias! Mas, de asas fracas, baixando os olhos, o [sonho cansa; No céu e na alma, cerram-se as brumas, [gelam as luzes: Quando as estrelas tremem de frio, treme a [esperança... Tempo, o delírio da mocidade não reproduzes! Dorme o passado: quantas saudades e [quantas cruzes! Quando as estrelas morrem na aurora, [morre a esperança... � Alberto de Oliveira (Palmital de Saquarema-RJ, 1857 – Niterói-RJ, 1937) Foi o mais ortodoxo dos nos sos parnasianos e o que seguiu com maior rigor as propostas da escola: objeti vis - mo, impassibi lidade, preo cu pação esteticis ta, rigor formal e tecnicismo. VASO GREGO Esta de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que a suspendia Então, e, ora repleta ora esvazada, A taça amiga aos dedos seus tinia, Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mais o lavor da taça admira, Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa voz de Anacreonte fosse. � Raimundo Correia (São Luís-MA, 1859 – Paris, 1911) Em Primeiros Sonhos, livro de es - treia (1879), que reúne a poesia de ado lescência, revela a aproximação com o Romantismo, na idealização da mulher, recorrendo a formas e moti - vos que se aproximam de Casimiro de Abreu e dos românticos menores. Sinfonias marca a adesão do poeta ao Parnasianismo, reunindo seus melhores e mais conhecidos poe mas: “As Pombas” e “Mal Secre to”. MAL SECRETO Se a cólera que espuma, a dor que mora N’alma e destrói cada ilusão que nasce, Tudo o que punge,tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse; Se se pudesse o espírito que chora Ver através da máscara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse! Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo, Como invisível chaga cancerosa! Quanta gente que ri talvez existe, Cuja ventura única consiste Em parecer aos outros venturosa! C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:24 Página 63 64 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. Composição de formato fixo, o soneto se tornou um modelo particularmente ajustado à poesia parnasiana. No poema de Raimundo Correia, remete(m) a essa estética a) as metáforas inspiradas na visão da natureza. b) a ausência de emotividade do eu lírico. c) a retórica ornamental desvinculada da realidade. d) o uso da descrição como meio de expressividade. e) o vínculo a temas comuns à Antiguidade Clássica. RESOLUÇÃO: [ENEM-2019 – 2.a aplic.] Uma das características do Parnasianismo é a descrição de objetos, cenas históricas, fenômenos naturais. O soneto de Raimundo Correia descreve o pôr do sol por meio de impressões sensoriais, cujas imagens valorizam a intensidade das cores. Resposta: D Texto para o teste 2. 2. Publicado em 1904, o poema “A Pátria” harmoniza-se com um projeto ideológico em construção na Primeira República. O discurso poético de Olavo Bilac ecoa esse projeto, à medida que a) a paisagem natural ganha contornos surreais, como o projeto brasileiro de grandeza. b) a prosperidade individual, como a exuberância da terra, independe de políticas de governo. c) os valores afetivos atribuídos à família devem ser aplicados também aos ícones nacionais. d) a capacidade produtiva da terra garante ao país a riqueza que se verifica naquele momento. e) a valorização do trabalhador passa a integrar o conceito de bem-estar social experimentado. RESOLUÇÃO: [ENEM-2015] A descrição grandiloquente que Olavo Bilac faz da terra brasileira induz a imaginar que a prosperidade em qualquer setor prescinde de políticas governamentais, pois, na representação da pátria, focaliza-se, sobretudo, a generosidade de uma terra que tudo oferece a quem souber explorá-la. Resposta: B A Esbraseia o Ocidente na agonia O sol... Aves em bandos destacados, Por céus de ouro e púrpura raiados, Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia... Delineiam-se além da serrania Os vértices de chamas aureolados, E em tudo, em torno, esbatem derramados Uns tons suaves de melancolia. Um mundo de vapores no ar flutua... Como uma informe nódoa avulta e cresce A sombra à proporção que a luz recua. A natureza apática esmaece... Pouco a pouco, entre as árvores, a lua Surge trêmula, trêmula... Anoitece. (CORREIA, R. Disponível em: www.brasiliana.usp.br. Acesso em: 13 ago. 2017.) A PÁTRIA Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! não verás nenhum país como este! Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! A Natureza, aqui, perpetuamente em festa, É um seio de mãe a transbordar carinhos. Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos, Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! Vê que grande extensão de matas, onde impera, Fecunda e luminosa, a eterna primavera! Boa terra! jamais negou a quem trabalha O pão que mata a fome, o teto que agasalha... Quem com o seu suor a fecunda e umedece, Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece! Criança! não verás país nenhum como este: Imita na grandeza a terra em que nasceste! (BILAC, O. Poesias Infantis. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 64 – 65 P O R T U G U ÊS Textos para o teste 3. 3. A partir da comparação entre os poemas 1 e 2, verifica-se que, a) no texto de Bilac, a construção do eixo temático se deu em linguagem denotativa, enquanto no de Tigre, em linguagem conotativa. b) no texto de Bilac, as estrelas são inacessíveis, distantes e, no texto de Tigre, são próximas, acessíveis aos que as ouvem e as entendem. c) no texto de Tigre, a linguagem é mais formal, mais traba lha da, como se observa no uso de estruturas como “dir-vos-ei sem pejo” e “entendê-las”. d) no texto de Tigre, se percebe o uso de linguagem meta linguística no trecho “Uma boca de estrela dando beijo / é, meu amigo, assunto pra um poema”. e) no texto de Tigre, a visão romântica apresentada para alcançar as estrelas é enfatizada na última estrofe de seu poema, com a recomendação de compreensão de outras línguas. RESOLUÇÃO: [ENEM-2009] Este teste busca verificar o conhecimento das funções da linguagem e a discriminação da função em causa — a metalinguística. Resposta: D Texto 1 OUVIR ESTRELAS “Ora, (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda noite, enquanto A Via-Láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir o Sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.” (Olavo Bilac, in Tarde, 1919) Texto 2 OUVIR ESTRELAS Ora, direis, ouvir estrelas! Vejo Que estás beirando a maluquice extrema. No entanto o certo é que não perco o ensejo De ouvi-las nos programas de cinema. Não perco fita; e dir-vos-ei sem pejo Que mais eu gozo se escabroso é o tema. Uma boca de estrela dando beijo É, meu amigo, assunto pra um poema. Direis agora: Mas, enfim, meu caro, As estrelas que dizem? Que sentido Têm suas frases de sabor tão raro? Amigo, aprende inglês para entendê-las, Pois só sabendo inglês se tem ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas. (TIGRE, B. In: Becker, I. Humor e Humorismo: antologia. São Paulo: Brasiliense, 1961.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 65 66 – P O R T U G U ÊS MÓDULO 31 Simbolismo (I): introdução, características e simbolistas portugueses 1. Conceito e âmbito � A reação antimaterialista, antipositivista e antirrealista A ciência e a técnica permitiram ao homem do fim do século XIX um extraordinário conforto material (tele - fo ne, motor a explosão, microfone, fo - nó grafo, raios X, cinematógrafo, telé grafo, lâmpada incandescente), pro vocando enorme euforia. O espí rito cien tífico, o materialismo, o positi vis - mo, o determinismo transfor maram-se numa verdadeira religião. Contudo, alguns intelectuais, dis - tan ciados dessa euforia, começa ram a expressar a necessidade de supe rar a visão racionalista e mecanicista do universo, colocando questões que transcendem a possibi li dade de com - provação objetiva, na busca de um modo suprarracional de conheci - mento, que pudesse penetrar as ca - ma das profundas do “eu” e traduzir os “mistérios” da vida. A oposição ao racionalismo, às pre tensões cientificistas e ao pro gres - sismo da sociedade industrial tem como precursores alguns filóso fos — como Schopenhauer e Kierkegaard — e alguns escritores e poetas “es tra - nhos”, como o ame ri cano Edgar Allan Poe. Charles Baudelaire, gran de poeta que se afasta dos pa drões do Parnasianis mo de seu tempo, é um dos pais da nova poé ti ca, de que serão expoentes Stéphane Mallarmé, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud. O desenvolvimento da ciência, em fins do século XIX e início do século XX, orientou-se para caminhos seme lhan - tes aos trilhados por aqueles grandes pensadores e poetas. Assim, a física relativista de Einstein colocou em questão alguns postu lados bási cos da ciência tradi cio nal, enquanto Freud inaugurou o estudo do incons ciente e abalou crenças fundamen tais a res - peito da lógica do compor tamento humano. � Decadentismo e Simbolismo O termo decadentismo foi aplica - do às primeiras manifestações da lite - ratura simbolista, que ocor reram em Paris, em torno dos anos 1880-90. A designação perdeu acono tação pejo - rativa inicial, que lhe foi atribuída pelos opositores da nova literatura, e passou a designar um conjunto de ele mentos típicos como: gosto por signos do refinamento e da ele gância intelectual de certas épocas tidas como “decadentes” (o helenis mo de Alexandria, o fim do Império Roma no); a predileção por experiên cias raras, sutis, artificiosas, “proi bidas”; a recu - peração de um ideal esgotado de be le za; a evocação de um Oriente mis te rioso e sensual; o desprezo pe las ideias humanitárias e socialís ti cas; a recusa do positivismo bur guês; a exaltação do irracional e o interesse no esotérico, no oculto, na ascese mís - tica ou, no outro extremo, no inferno do submundo da prosti tui ção e da mar ginalidade. Um exemplo des se clima decadentista na litera tu ra de língua portuguesa se encontra na narrativa A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Car neiro. Tam bém Fer - nando Pes soa, con tem po râ neo e ami - go de Sá-Car nei ro, ini cia a obra de seu hete rô ni mo Ál varo de Campos com um grande poe ma de ex plí cito teor de - ca den tista, “Opiá rio”, confis são de um viciado em ópio que viaja por um Oriente fan tás tico (“um Orien te ao orien te do Orien te”). Coinciden te men - te, aquele que é talvez o maior poe ta simbolista da literatura de língua por - tuguesa, Camilo Pessanha, foi viciado em ópio e viveu no Oriente (China). O nome simbolismo, que veio a subs tituir decadentismo, foi proposto por Jean Moréas, em manifesto pu bli - cado em 1886 em defesa da nova escola. � As propostas do Simbolismo • Características a) O Simbolismo pode ser consi - de rado um prolongamento ou uma radicalização do Romantismo: reto ma o subjetivismo, o indivi dua lismo, o espiritualismo, o sen tido con fli - tuoso “eu x mundo”, e leva às últimas consequências a concep ção de mundo inaugurada com as dou - trinas romântico-liberais. Mas, contrariamente aos român ti - cos, os simbolistas entendiam que a poesia não é somente emo ção, mas a tomada de cons ciên cia dessa emoção; que a atitude poética não é unica mente afe tiva, mas ao mesmo tempo afe tiva e cognitiva. Por outras palavras: a poesia car rega em si uma certa ma neira de conhecer. b) O mergulho no “eu pro - fundo”, no inconsciente, a in tuição, a sugestão. Buscando as esferas incons cien - tes, o “eu profundo”, os simbo listas iniciam a exploração do mundo inte - rior, rompendo os níveis do razoá vel, do lógico e atingindo os estratos mentais anteriores à fala e à lógica. Mais do que tocar os desvãos do inconsciente, pretendiam senti-los, examiná-los. O problema mais difícil era o de como transportar as vivências abis sais para o plano do consciente a fim de comunicá-las a outrem. Era ne ces sário inventar uma linguagem nova, fundada numa gramática e numa sintaxe psicológica, utilizando arcaís - mos, termos exóticos e litúr gicos, re - cor rendo a neologismos, a inespera- das combinações voca bu lares e a recursos gráficos (maiús culas alego ri - zantes, uso de cores na impressão dos poemas). Para tentar traduzir as mensa gens cifradas do “eu profundo”, das partes C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 66 – 67 P O R T U G U ÊS nebulosas do ser, os simbo listas apelaram para a evocação, para a sugestão, empregando uma linguagem indi re ta que apenas suge - risse os conteú dos emo tivos e sentimentais, sem narrá-los ou des - cre vê-los. A metáfora e o símbolo ganharão, a partir daí, nova estrutura e fisionomia, bus cando as múltiplas relações entre a essência do “eu profundo”, a pala vra e o objeto. c) A teoria das correspon - dências – a sinestesia. Propunha Baudelaire: “tudo, for - ma, movimento, número, cor, per fu - me, no [mundo] espiritual, co mo no natural, é significativo, recí pro co, conversível, corres pon den te”: CORRESPONDÊNCIAS A natureza é um templo onde vivos pilares Podem deixar ouvir confusas vozes: e estas Fazem o homem passar através de florestas De símbolos que o veem com olhos familiares. Como os ecos além confundem seus rumores Na mais profunda e mais tenebrosa unidade, Tão vasta como a noite e como a claridade, Harmonizam-se os sons, os perfumes e as [cores. Há perfumes frescos como carnes de criança, Doces como os oboés, verdes como as [campinas, E outros, corrompidos, mas ricos e triunfantes, Que possuem a efusão das coisas infinitas Como o sândalo1, o almíscar2, o benjoim3 e [o incenso, Que cantam o êxtase do espírito e dos [sentidos. (Charles Baudelaire, trad. de Jamil A. Haddad) Vocabulário e Notas 1 – Sândalo, 2 – Almíscar, 3 – Benjoim: subs tân - cias aro má ticas. A teoria das correspondên cias propõe um processo cósmico de aproximação entre as realidades que se expressam por meio de si nes te sia, um tipo de metáfora que con sis te na transferência (ou “cru za men to”) de percepção de um senti do para outro, ou seja, a fusão, num só ato de percepção, de dois sentidos ou mais. É o que ocorre em “ruído áspero” (audição e tato); “música do ce” (audição e gustação); “som colo rido” (audição e visão). d) A música antes de tudo – as aliterações e assonâncias. Para os simbolistas, a música ocupa o primeiro lugar entre todas as artes porque, liberta de toda referên - cia específica aos diversos objetos da vontade, poderia exprimi-la em sua essência. É o que propõe Verlaine: ARTE POÉTICA Antes de tudo, a Música. Preza Portanto o Ímpar. Só cabe usar O que é mais vago e solúvel no ar, Sem nada em si que pousa ou que pesa. Pesar palavras será preciso, Mas com algum desdém pela pinça: Nada melhor do que a canção cinza Onde o Indeciso se une ao Preciso. Uns belos olhos atrás do véu, O lusco-fusco no meio-dia, A turba azul de estrelas que estria1 O outono agônico2 pelo céu! Pois a Nuance é que leva a palma, Nada de Cor, somente a nuance! Nuance, só, que nos afiance3 O sonho ao sonho e a flauta na alma! Foge do Chiste4, a Farpa mesquinha, Frase de espírito, Riso alvar5, Que o olho do Azul faz lacrimejar, Alho plebeu de baixa cozinha! A eloquência? Torce-lhe o pescoço! E convém empregar de uma vez A rima com certa sensatez Ou vamos todos parar no fosso! Quem nos dirá dos males da rima! Que surdo absurdo ou que negro louco Forjou em joia este toco oco Que soa falso e vil sob a lima? Música ainda, e eternamente! Que teu verso seja o voo alto Que se desprende da alma no salto Para outros céus e para outra mente. Que teu verso seja a aventura Esparsa ao árdego6 ar da manhã Que enchem de aroma o timo7 e a hortelã... E todo o resto é literatura. (Verlaine, trad. de Augusto de Campos) Vocabulário e Notas 1 – Estriar: riscar. 2 – Agônico: aflito. 3 – Afiançar: garantir. 4 – Chiste: gracejo. 5 – Alvar: grosseiro. 6 – Árdego: impetuoso. 7 – Timo: tomilho. Visando à sugestão, à nuan ce, ao indeciso dos estados da al ma, ao vago do coração, ao ne buloso, ao quimé rico, ao mís ti co, ao inexprimível, ao trans cen dente, os simbolistas que rem tocar o ouvido, sem feri-lo, por meio de procedimentos sonoros, tais como d1) a rima aproximativa, nem rica nem agressiva. d2) as aliterações: (sequên cia de fonemas consonantais idênticos ou de mesma área de arti culação, dentro do mesmo verso): E as cantilenas de serenos sons amenos fogem fluidas fluindo à fina flor dos fenos. (Eugênio de Castro) Vozes veladas veludosas vozes Volúpias dos violões, vozes veladas. (Cruz e Sousa) d3) as assonâncias (se quên cia dos mesmos fonemas vocáli cos nas sílabas tônicas de palavras su cessivas ou próximas): Ó formas Alvas, brAncas, formas clAras (Cruz e Sousa) d4) as onomatopeias (com bi na - ção ou repetição de palavras cu jos sons, numa espécie de har mo nia imitativa, transmitem ideias aproximadas ou exatas do objeto ou ação a que se refere o texto): A catedral ebúrnea do meu sonho Aparece na paz do céu risonho Toda branca de sol, E o sino canta em lúgubres responsos: “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 67 68 – P O R T U G U ÊS d5) as palavras rarase mu sicais, escolhidas pela sonori dade: arcaís - mos, neologismos, termos litúr gicos, com bi nações vocabulares ines pera - das, numa verdadeira verbo ma nia: “clep sidra”, “litanias”, “antífona”, “turíbu los”, “a ras”, “cabalístico”, “quiméri co”, “hialino”, “ebúrneo”, “cinamomos”, “quintes sências” etc. Esta musicalidade do Sim bo lis mo apoia-se na valorização do su ges tivo e na diminuição do sig nificado lógico das pala vras: à medida que não enten demos o sig ni fi cado de uma frase, tendemos a pres tar mais atenção a seu aspecto sonoro. e) A alquimia do verbo – o ilogismo – o hermetismo. O verso simbolista é obscuro, hermético, distanciando-se do vul gar e do profano. Construído por su ces si - vas implicações de sentidos de sons, de ritmos, vale pelas su ges tões, e não por suas descri ções ou explica ções. e1) Rimbaud, antecipando ca mi - nhos que os modernistas retoma ram, propunha a palavra poética aces sível a todas as significações; a fixação do inexpri mível; a alquimia do verbo, buscando a Beleza por meio da vertigem, do de lírio, da aluci nação senso rial, daí a alucinação e o mistério da palavra. “... ser vidente por meio de um longo, imenso e racional desregra - mento de todos os sentidos; buscar a si, esgotar em si todos os venenos, a fim de só reter a quintessência.” e2) Cabe ressaltar que os simbo - lis tas tinham verdadeira fixação pela no tação cromática, especial mente pe - la cor branca e suas variáveis se - mânticas: cisne, lírio, linho, neve, né voa, nívea, alvo; ou por objetos trans lúci dos (astros, sol, luz, lua). e3) Stéphane Mallarmé re pre - senta o ponto mais radical que atin gi - ram as experiências simbolis tas. Aban do nando a retórica e a discursi - vidade romântica e parnasia na, sua poesia espanta pela inten sidade e pelas inovações. Apoiado nas cor res - pon dên cias sinestésicas (sons / cores / imagens / sentimento), propõe uma instrumentação verbal, uma poesia nem descritiva nem narrativa, mas sugestiva; “nomear um objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que é feito da felicidade de adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o sonho, (...) pois deve haver sempre enigma em poesia, e é o objetivo da literatura — e não há outro — evocar os objetos”. f) Espiritualismo, misti cis mo, subjetivismo intenso, ocul tis mo. Ânsia de superação, de fuga do terreno, comunhão com os Astros, o Espírito, o Alto, a Alma, o Infinito, a Essência, o Desco nhecido. Fixação pela Idade Mé dia e por vocabulário litúrgico de am biên cia eclesiástica (antífona, missal, ladainha, hinos, bre - viá rio, turíbulos, aras, incenso). g) As maiúsculas alegori zantes. Os simbolistas empregavam, sis - te mati camente, substantivos comuns escritos com inicial maiúscula, no interior do verso, para realçá-los semanticamente, aumentando a sua expressividade: Indefiníveis músicas supremas, Harmonia da Cor e do Perfume... Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Réquiem do sol que a Dor da luz resume (Cruz e Sousa) h) É frequente o uso de reticên - cias, sugerindo a vaguidão, o inde fi - nível, o inefável. i) Pontos de contato com o Parnasianismo: – preocupação formal, culto da rima, preferência pelo soneto (não sistematicamente); – distanciamento das ques tões mundanas (os poetas das “torres de marfim”, os “nefeli - ba tas”). j) Antecipações da moder ni - dade: – ruptura com o descritivo e linear; – monólogo interior, captação do fluxo de consciência; – desarticulação sintática e se - mân tica; – sondagem infinitesimal da memória. 2. Simbolismo português � O contexto histórico A Proclamação da República parece ter definido certas tendências pré-simbolistas, numa atmosfera neorromântica, que correspon deriam a duas posições ideológicas: a monárquica e a republicana. À primeira, monárquica, correspon de ria o neogarrettismo (ou na cio na lis mo, integralismo), re pre sen tado por Alberto de Oliveira e Afonso Lopes Vieira. À segunda, republica na, estaria ligado o sau dosismo de Teixeira de Pas coaes, repre sen tando o misti cis - mo panteísta que já impregnara a Geração de 1970 (Guerra Junqueiro, entre ou tros). Essa vertente sau do - sista serviu de apro ximação entre o neor roman tis mo, o simbolismo e o moder nismo da revista Orpheu, o orfismo. A afirmação mais radical do este- ticismo simbolista repelia, contudo, as correntes saudosista, nacio na lista ou regionalista, encami nhando-se para a arte “pura”, sem qualquer compromisso, a não ser com sua própria elaboração. A influência francesa foi fundamental para a divulgação das novas expe riências rítmicas e estilísticas, por meio de duas revistas editadas em Coimbra, em 1889, Insubmissos e Boêmia Nova, e da obra que serve de marco inaugural da nova estética — Oaristos, de Eugênio de Castro, de 1890. � Antônio Nobre (Porto, 1867-1900) Autor de Primeiros Versos, Des - pe didas e Só, representa a vertente simbolista de raízes neorromânticas. Esse retorno ao Romantismo evidencia-se não só na recuperação da tradição literária, na influência de Garrett, como no tom acentuada - mente subjetivista, marcado pela saudade e pela tristeza. Suas poesias comunicam ao lei tor intensa depressão e profu n do pessimismo. O tempe ra mento de artista tuberculoso, descrente de tudo C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 68 – 69 P O R T U G U ÊS e de todos, desalentado, dava às suas poesias um estranho sabor de amargura e infelicidade. O “so sis mo” (expressão que deriva do título do livro Só) criou uma legião de imi tadores idólatras e tem ressonân cia, no Brasil, na poesia de Manuel Ban deira e Ribeiro Couto, entre ou tros. Antônio Nobre afastou-se do pre - ciosismo vocabular de seus contem - po râ neos, utilizando o registro colo quial da linguagem, inspirado na dicção po pular, no decadentismo francês (Jules Laforgue) e na lírica romântica de Garrett. A caracterização de ambientes pro vin cianos, as recordações da in fân - cia, a atmosfera crepuscular, a nos tal - gia, o pessimismo, a evasão do pre sente e a projeção na sua infância dos mitos pátrios são ainda aspectos dessa aproximação de Antônio Nobre ao Romantismo: Ó Virgens que passais, ao Sol-poente, Pelas estradas ermas, a cantar! Eu quero ouvir uma canção ardente, Que me transporte ao meu perdido Lar. Cantai-me, nessa voz onipotente, O Sol que tomba aureolando o Mar, A fartura da seara reluzente, O vinho, a Graça, a formosura, o luar! Cantai! cantai as límpidas cantigas! Das ruínas do meu Lar desenterrai Todas aquelas ilusões antigas Que eu vi morrer num sonho, como um ai... Ó suaves e frescas raparigas, Adormecei-me nessa voz... Cantai! � Camilo Pessanha (Coimbra, 1867 – Macau, 1926) Filho natural de um estudante e uma moça do povo, nasceu em Coim - bra, onde cursou Direito. For ma do, segue para a China, onde se orien - talizou e se viciou em ópio. Viveu como funcionário público no Oriente, publicando esporadica mente nos jor - nais de província alguns poemas. Numa visita a Portugal, em 1915, ditou a João de Castro Osório as com - posições que viriam a ser cole ta das no volume Clepsidra, aparecido em 1920. Consumido pelo ópio, morre em Macau. Obra Clepsidra – 1920 China – Coleção de artigos sobre a cultura chinesa, reunidos em 1944. Foi o poeta mais autenti ca - mente simbolista de Portugal, e um grande inovador da poética de seu país, cuja influência se estende até os modernistas, como Fernando Pessoa. Afastou-se do discursivismo neorromântico dos poetas do seu tempo (Antônio Nobre, Augusto Gil, Afonso Lopes Vieira) e inovou a es cri - ta poética, incorporando proce di men - tos próximos aos do deca dentismo de Verlaine, em especial no que se refere à aproximação entre a poesia e a música. • Uma poética da desagregação A percepção de mundo em Camilo Pessanha é fragmentária, apa - rente men te desarticulada, ex pres sa por meio de sensações que o poeta con si dera sem sentido. A desagre - gação formal parece corres ponder à desa gre ga ção do próprio poeta opiô - mano, hiper sen sível e inadaptado. Lírico da desesperança, da dor e da ilusão, seu pessimismo tem laivos do decadentismo francês e do budismo que conheceu em Macau. É constante a sensação de estranheza diante do mundo, da alu ci nação, expressas numa lingua gem poderosa, sugestiva, tecida com me tá foras insólitas, símbolos, si nes tesias e intensa mu si ca li da de (alterações, assonâncias etc.). Aproximou-se do rigor formal de Mallarmé, sem a determinação intelectual do poeta francês. A intelectualização dos poemas de Camilo Pessanha é marcada pelo pessimismo em relação ao mundo, que lhe parecia em degene res cên cia. A adesão do poeta à estética de - cadentista-simbolista não era sim ples modismo — era existencial: CAMINHO I Tenho sonhos cruéis; n’alma doente Sinto um vago receio prematuro. Vou a medo na aresta do futuro, Embebido em saudades do presente... Saudades desta dor que em vão procuro Do peito afugentar bem rudemente, Devendo, ao desmaiar sobre o poente, Cobrir-me o coração dum véu escuro!... Porque a dor, esta falta d’harmonia, Toda a luz desgrenhada1 que alumia As almas doidamente, o céu d’agora, Sem ela o coração é quase nada: Um sol onde expirasse a madrugada, Porque é só madrugada quando chora. II Encontraste-me um dia no caminho Em procura de quê, nem eu o sei — Bom dia, companheiro — te saudei, Que a jornada é maior indo sozinho. É longe, é muito longe, há muito espinho! Paraste a repousar, eu descansei... Na venda em que pousaste, onde pousei, Bebemos cada um do mesmo vinho. É no monte escabroso2, solitário. Corta os pés como a rocha dum calvário E queima como a areia!... Foi no entanto Que choramos a dor de cada um... E o vinho em que choraste era comum: Tivemos que beber do mesmo pranto. Vocabulário e Notas 1 – Desgrenhado: desordenado. 2 – Escabroso: escarpado. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 69 70 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. Os poetas simbolistas valorizaram as possibilidades expressivas da língua e sua musicalidade. Aprofundaram a expressão individual até o nível do subconsciente. Desse esforço resultou, quase sempre, uma visão desencantada e pessimista do mundo. Nas estrofes destacadas do poema “Violoncelo”, as características do Simbolismo revelam-se na a) expressão do sofrimento diante da brevidade da vida. b) combinação das rimas que funde estados de alma opostos. c) pureza da alma feminina, representada pelo ritmo musical do poema. d) relação entre sonoridade e sentimento explorada nos versos musicais. e) temática do texto, retomada da vertente sentimentalista do Romantismo. RESOLUÇÃO: A reiterada aliteração do fonema consonantal /v/ ao longo dos versos e a referência ao “choro” do violoncelo correspondem ao estado de ânimo do eu lírico, também convulsionado, num estado despedaçado. Resposta: D Texto para os testes 2 e 3. 1 – Epígrafe: inscrição colocada no ponto mais alto; tema. 2 – Clepsidra: relógio de água. 3 – Pedra do quadrante: parte superior de um relógio de sol. 2. A imagem contida em “lentas gotas de som” (verso 2) é retomada na segunda estrofe por meio da expressão a) “tanta ameaça”. b) “som de bronze”. c) “punhado de areia”. d) “sombra que passa”. e) “somente a Beleza”. RESOLUÇÃO: [ENEM-2003] “Gotas de som” é uma metáfora sinestésica (porque envolve percepções sensoriais de órgãos diversos — visão e audição) que indica as badaladas de um relógio a marcar a passagem do tempo. A mesma referência ao relógio ocorre em “som de bronze”. Resposta: B 3. Nesse poema, o que leva o poeta a questionar determinadas ações humanas (versos 6 e 7) é a a) infantilidade do ser humano. b) destruição da natureza. c) exaltação da violência. d) inutilidade do trabalho. e) brevidade da vida. RESOLUÇÃO: [ENEM-2003] O tema do poema transcrito é a passagem do tempo (“assim se escoa a hora”) e a frágil finitude da vida (“assim se vive e morre...”), sendo a duração da vida comparada a um “punhado infantil de areia ressequida”. Resposta: E EPÍGRAFE1 Murmúrio de água na clepsidra2 gotejante, Lentas gotas de som no relógio da torre, Fio de areia na ampulheta vigilante, Leve sombra azulando a pedra do quadrante3 Assim se escoa a hora, assim se vive e morre... Homem, que fazes tu? Para que tanta lida, Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça? Procuremos somente a Beleza, que a vida É um punhado infantil de areia ressequida, Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa... (Eugênio de Castro, Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa) VIOLONCELO Chorai, arcadas Do violoncelo! Convulsionadas Pontes aladas De pesadelo... De que esvoaçam, Brancos, os arcos... Por baixo passam, Se despedaçam, No rio, os barcos. (PESSANHA, Camilo. “Violoncelo”. In: GOMES, Á. C. O Simbolismo. São Paulo: Editora Ática, 1994. p. 45.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 70 – 71 P O R T U G U ÊS MÓDULO 32 Simbolismo (II): Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens 1. Simbolismo no Brasil � Limites cronológicos • Início: 1893 Publicação de Missal (poemas em prosa) e Broquéis (poesia), de Cruz e Sousa. • Término: 1902 Em sentido amplo, os limites do Sim bolismo se estendem até a Se - mana de Arte Moderna, em 1922, e, em sentido estrito, até 1902, quando se reconhece a publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e de Canaã, de Graça Aranha, como mar - cos iniciais de um novo período lite - rário, o Pré-Modernismo, cujo ad vento não significou a interrupção do Simbolismo. No Brasil, os movimentos artísti - cos finisseculares (fins do século XIX e início do século XX) são muito mais si - multâneos que sucessivos, o que torna problemáticos os já em si pre - cários critérios de periodização. For - çoso é admitir que os limites cronoló gicos do Realismo, Natu - ralismo, Par nasianismo, Im pres sionis - mo, Simbo lismo e Pré-Moder nismo são quase sem pre discutí veis, dada a simulta neida de em que esses movimentos se de sen volvem. O primeiro núcleo simbolista no Brasil formou-se no jornal carioca Fo - lha Popular, por volta de 1890-1891, reunindo Bernardino Lopes, Emi - liano Perneta e Oscar Ro sas, liderados por Cruz e Sousa, que, a propósito do ambiente intelec tual daquela época, diria: Era uma politicazinha engenho sa de medíocres, de tacanhos, de per feitos imbecilizados ou cínicos, que faziam da Arte um jogo cap cio so, maneiroso, para arranjar relações e prestígio no meio, de jeito a não ofender, a não fazer corar o diletan tis mo das suas ideias (...). No Brasil, o Simbolismo foi “su - focado” pelo prestígio que, entre nós, gozou o Parnasianismo, cujos poe tas, de mais fácil leitura e dóceis ao regime, gozavam de inequívoca pre - ferência da elite “culta” dos salões li - te rários e do poder público. O Par na sianismo era a poesia “oficial”, que condicionou, pelo seu prestígio, a fun dação da Academia Brasileira de Letras, e que não deixou margem a que se reco nhecesse o valor e alcan - ce do movimento simbolista. “O Simbolismo Brasileiro, apesar de ter produzido um Cruz e Sousa e um Alphonsus de Guimaraens, foi su - focado (...) e, só hoje recebe a devida con sideração, negligenciado como era sob o regime artificialmente pro lon - gado do Parnasianismo. (...) O Modernismo, Simbo lismo inconsciente a meu ver, possibilitou a transformação do Simbolismo priva do em poesia pública.” (Otto Maria Carpeaux) Apelidados de nefelibatas (ou se - ja, “habitantes das nuvens”), os sim - bolistas eram, pejorati va mente, iden tificados pelos parnasianos como so nhadores, que se valiam de uma lin - guagem de conotação impon derá vel, puramente suges tiva, estra tosférica. Além de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, pode ser estudado também Au gusto dos Anjos, que não foi propria mente sim - bolista, mas as simi lou grande in fluência dessa es tética. Augusto dos Anjos será estu dado no Pré-Mo der nismo. 2. Cruz e Sousa (Desterro-SC, 1861 – Sítio-MG, 1898) � Vida Filho de escravos al forriados, Cruz e Sousa foi edu cado na cidadenatal, Desterro, atual Flo ria nópolis, Santa Catarina, como crian ça branca, graças ao tutor, um ma rechal que o protegeu até a ado lescência. Ponto de companhia teatral, pu bli - ca seus primeiros versos na im pren sa catarinense, e, em 1885, com Vir gílio Várzea, Tropos e Fantasias, al ternando páginas sentimentais e poe sias contra a escravidão, à ma neira do condo - reirismo de Castro Al ves. Impedido de assumir o cargo de promotor da cidade de Laguna, por causa do preconceito, muda-se para o Rio de Janeiro, onde forma o pri meiro grupo simbolista brasileiro, com Ber - nardino Lopes e Oscar Ro sas, cola bo - rando também com a Fo lha Popular. Casa-se com uma jovem negra, Gavita, com quem teve três filhos. Vi - vendo aperturas econômicas, mina do pela tuberculose, abalado com a lou - cura da esposa, morre em Sítio, esta - ção climática, em Minas Gerais, aos 36 anos de idade. Cruz e Sousa. � Obras Missal (poemas em prosa) Broquéis (poesias) Evocações (poemas em prosa) Faróis (poesias) Últimos Sonetos (poesias recolhi - das por Nestor Vítor, amigo e admira - dor do poeta; obra publicada em 1905) � Características • Não convém ler a poesia de Cruz e Sousa do ponto de vista da biografia sentimental. Ocorre que, ain da que sua visão trágica da exis tência tenha íntima relação com a sua vida, não há alusões diretas à auto biografia e à confissão: a trans figu ração das experiências ma nifes ta-se em seus textos nas alu sões a realidades sociais degra dan tes e de gradadas, como a doença, a lou cura, a miséria e o preconceito de cor. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 71 72 – P O R T U G U ÊS • Resíduos Parnasianos Na predileção pelo soneto, pelas ri mas ricas, pela chave de ouro, pelo vocabulário raro, especialmente em Broquéis (broquel era um tipo de es - cudo espartano, bem ao gosto par na - siano de reviver objetos raros e an tigos). • Formação Filosófica e Cien - tífica, Realista e Naturalista No emprego de termos cientí fi cos e na visão pessimista, combi nada com as imprecisões e musicali dades vagamente espiri tualistas do Simbo - lismo e com um individualismo neorromântico, na transfigu ração de seus impulsos pes soais. • Influência de Baudelaire A quem deve o domínio do poe ma em prosa, certo satanismo, o sen so dos contrastes e das cor respon - dências (sinestesias), além do gosto pela forma lapidar. • O culto da noite, o pendor pela poesia filosófica e a tensão medita ti va o aproximam de Antero de Quen tal. • O crítico Antônio Cândido ressaltou, como traço fundamental, a po tência verbal de Cruz e Sousa, apro xi - mando-o de Raul Pompeia e Coelho Neto, e que terá como desdo bra men to radical a poesia de Au gus to dos Anjos. Para essa potência verbal contri - buem o verbalismo requin tado e ora - tório, o senso exaltado de me lodia da palavra e o poder de criar imagens de grande beleza que reves tem a con - cepção trágica da vida e a busca da trans cen dên cia. • Imbuído de alto fervor quanto à missão do poeta, é, a um só tempo, poeta expressivo e construtivo, harmonizando seus impulsos pes soais e a consciência estética dos pro - cedimentos estilísticos adequa dos à expressão. É esse equilíbrio que faz de Cruz e Sousa, segundo Roger Bas tide, um dos três maiores nomes do Simbolismo mundial. • A cosmovisão de Cruz e Sou sa lembra o Barroco: o mundo ter reno é um grande cárcere de dor e infortú nio; o homem, um ser opri mi do, vil e desprezível. A única solução se ria a fuga, a separação, a trans cen den ta li - zação, a ascensão para outro mundo, espiritual, puro, etéreo, bran co. Da tensão “eu” versus “mun do” de corre o empare damento, a sen sação agu da de que a existên cia é uma prisão. O próprio poeta autode finia-se como o “grande triste”: LONGE DE TUDO É livres, livres desta vã matéria, Longe, nos claros astros peregrinos, Que havemos de encontrar os dons divinos E a grande paz, a grande paz sidérea1. (Cruz e Sousa) Vocabulário 1 – Sidéreo: celeste. • É co mum iden tifi carem-se em sua trajetória espiritual es tes marcos bem defi ni dos: 1 – a re volta contra a condição hu - ma na, espe cialmente os negros, os hu mi lhados, os miseráveis (a dor de ser ho mem); 2 – a bus ca da trans cendência, aceitação da dor (a dor e a glória de ser espírito). • A Obsessão do Branco Roger Bastide, crítico e ad mira dor incondicional de Cruz e Sousa, locali zou em sua obra a aparição, por 169 vezes, de imagens apoiadas na cor branca e em palavras as socia das à área semântica do bran co, do bri lho, da transcendência (“lírio”, “li nho”, “neve”, “névoa”, “nuvem”, “lumi no so”, “bri lhante”, “marfim”, “espu ma”, “opa co”, “pérola”, entre outros exem plos). Procurou-se uma explicação psi co - lógica para essa recorrência à cor branca: seria uma forma compen sa tó - ria à negritude, que o poeta teria se recusado a assumir; um instru mento de “clarificação”, de ascensão so cial. Essa interpretação tem sido refu - tada. Ocorre que a cor branca, além de simbolizar, na liturgia religiosa, a pureza, a espiritualidade, é, de velha data, símbolo da ânsia de totalidade, de transcendentalização, de supera ção da dor pela elevação espiritual, atitudes que o poeta assumiu com fervor. Como místico excepcional, faz da Dor motivo para a superação es - piritual, para a grandeza moral, para a purificação e o êxtase. ANTÍFONA Ó Formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras... (Cruz e Sousa) FLORES DA LUA Brancuras imortais da Lua Nova, Frios de nostalgia e sonolência... Sonhos brancos da Lua e viva essência Dos fantasmas noctívagos1 da Cova. (Cruz e Sousa) Vocabulário 1 – Noctívago: que vagueia de noite. SIDERAÇÕES Para as Estrelas de cristais gelados As ânsias e os desejos vão subindo, Galgando azuis e siderais noivados De nuvens brancas a amplidão vestindo... (Cruz e Sousa) • O Emparedamento – A Dor e a Revolta Em Faróis e Evocações, o este ti cis - mo dos primeiros livros trans for ma-se num lirismo trágico, tétrico, mór bido. Basta um inventário nos títulos para termos uma ideia do mundo que povoa estes poemas: “Tristeza do Infinito”, “Sem Esperança”, “Cavei ra”, “A Flor do Diabo”, “Música da Morte”, “A Ironia dos Vermes”, “Con denado à Morte”, “Dor Negra”, “Anjos Rebe la - dos”, “No Inferno”, “Talvez à Morte?”, “Abrindo Féretros”, “O Emparedado”, “Tédio”. Segundo um crítico: (...) do ponto de vista da aceitação social, a bio gra fia do preto Cruz e Sousa, poeta “mal dito”, é o inverso da do mulato Ma cha do de Assis, que te ve a sua car reira de es cri tor glorifi cada pelo po der cultural (...). Considerando-se o “emparedado de uma raça”, Cruz e Sousa registrou em Evocações “a batalha formidável de um temperamento fatalizado pelo sangue”. Daí a aproximação com Baude laire, com a poesia enraizada no san gue e na carne, a mesma que Au gusto dos Anjos irá retomar pouco depois. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 72 – 73 P O R T U G U ÊS TÉDIO Vala comum de corpos que apodrecem, Esverdeada gangrena Cobrindo vastidões que fosforescem Sobre a esfera terrena. (...) Mudas epilepsias, mudas, mudas, Mudas epilepsias, Masturbações mentais, fundas, agudas, Negras nevrostenias1. Flores sangrentas do soturno vício Que as almas queima e morde... Música estranha de letal suplício, Vago, mórbido acorde... (...) (Cruz e Sousa) Vocabulário 1 – Nevrostenia: irritação dos nervos. • “Vê como a dor te trans cen - dentaliza” – A maturidade dos Últimos Sone tos Se nos primeiros livros o sensua lis - mo forte, o desejo carnal, é direta men - te estetizado (sem sublimação), com os Últimos Sonetos é que o poe ta ob - tém em maior grau a espiri tua lização sublimatória da experiên cia dos sen ti - dos. O eu lírico forceja por libertar-se da carne. A caridade e a pie dade insinuam-se como o ca mi nho de sal - vação e conforto. Liber to dos apeti tes sensuais e sociais, o poeta se des poja, se humilha rendido, pondo-se nu diante do Mistério, cujo recesso almeja conhecer inte gral mente. Nessa etapa, a palavra e a subs - tância poética, o tecido expres sivo, fundem-se numa só entidade, rea li - zando o ideal simbolista de explorar até o seu limite último o conteúdo se - mântico e musical das palavras. SORRISO INTERIOR O ser que é ser e que jamais vacila Nas guerras imortais entra sem susto, Leva consigo esse brasão augusto Do grande amor, da grande fé tranquila. Os abismos carnais da triste argila Ele os vence sem ânsias e sem custo... Fica sereno, num sorriso justo, Enquanto tudo em derredor oscila. Nessa mesma linha, você deve ler outros sonetos de Cruz e Sousa, tais como “Cárcere das Almas”, “Assim Seja!” e “Alma das Almas”. 3. Alphonsus de Guimaraens (Ouro Preto-MG, 1870 – Mariana-MG, 1921) � O Solitário de Mariana – O Trovador Enfermiço – O Poeta Lunar Afonso Henriques da Costa Gui - ma rães era o nome real do poeta. Perdeu, aos 18 anos, uma prima — Constança — de quem se ena mo - ra ra, e cuja presença é constante em sua lírica. Alphonsus de Guimaraens. Cursou Direito em São Paulo e, formado, exerceu a magistratura em Mariana, Minas Gerais, isolado da agi - tação dos grandes centros, com catorze filhos, que sustentou a du ras penas. Burocrata, boêmio, levan do uma vida pacata, “entre a rotina e a quimera”, realizou uma poesia sem desníveis — das mais puras que a nossa lírica conheceu. � Obras • Poesia Kiriale (publicado somente em 1902) Setenário das Dores de Nossa Senhora (1899) Câmara Ardente (1899) Dona Mística (1899) Pauvre Lire (1921) Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923)* Escada de Jacó (1938)* Pulvis (1938)* • Prosa Os Mendigos (1920) • Tradução Nova Primavera (de Heine) (1938)* * Publicações póstumas. � O Amor e a Morte Alphonsus de Guimaraens foi um poeta monotemático. Quase tudo que escreveu gravita em torno do amor e da morte, da morte da amada (a prima Constança) ou da Virgem Maria, com quem esse ca - tólico mariano e devoto termina por identificar a amada perdida. O tom lírico predominante é o ele gíaco, perpassado pela tris teza das cidades antigas de Minas, das quais o verso plangente de Alphon - sus nunca destoou, com suas igrejas, catedrais, procissões, réquiens, fins de tarde, flores roxas. Quando o fantasma da amada morta assola o poeta, a morte se lhe repropõe como a presença do corpo morto, como o luto circunstante — os círios, o cantochão, o esquife, o féretro, os panos roxos, o réquiem, o sepultamento no campo santo, as orações fúnebres. Kiriale é um dobre de finados, até pelos títulos dos poe - mas: “Luar sobre a Cruz da Tua Co va”, “À Meia-Noite”, “Ocaso – Im pres sões de Véspera de Finados”, “Spectrum”, “Ossea Mea”. O platonismo místico conduz ao de salento do amor que não se cum - priu e que jamais se cumprirá, salvo além-túmulo ou na esfera transcen - dente. Daí o elogio da morte que se materializa numa simbologia fune rária. A obsessão da morte não tem em Alphonsus o caráter negativo de horror, de fobia. Ela é desejada, an - siada, porque encarna a possibi li da de de aproximação da amada e/ou do Absoluto, representado por Deus, C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 73 74 – P O R T U G U ÊS oferecendo-lhe o tão procu ra do apa zi - guamento e a superação da vida, vista como miséria, pó, infâmia, lama e podridão. Observe os frag mentos: Foi-lhe a vida um eterno mês de maio, Cheio de rezas brancas a Maria, Que ela vivera como num desmaio. Tão branca assim! Fizera-se de cera... Sorriu-lhe Deus, e ela, que lhe sorria, Virgem voltou como do céu descera. (“Pulchra ut Luna” — expressão latina que pode ser traduzida por “bela como a lua”.) (...) A lua, que lhe foi mãe carinhosa, Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la Entre lírios e pétalas de rosa. Os meus sonhos de amor serão defuntos... E os arcanjos dirão no azul, ao vê-la, Pensando em mim: — “Por que não vieram [juntos?” (“Hão de Chorar por Ela os Cinamomos”) � A poesia mística – A lírica mariana Foi o maior poeta místico da Litera tura Brasileira, não apenas pela par te diretamente referente à liturgia católica e à exaltação da Virgem, mas também pela atmosfera de so nho e mistério, pela tonalidade me dieval, pelo tom de ternura e melan colia. Sobre Alphonsus de Guimaraens, afirmou-se: O fato de ter transformado a reli gião numa experiência profunda lhe possibilitou não só adotar a moda simbolista da poesia litúrgica, mas vivê-la interiormente, tornando-se o único a exprimir uma religiosidade que não parece receita da escola. (Antônio Cândido) No poeta mineiro, passadista e decadente, há um homem preso às franjas de uma religiosidade espan tada, cujo fim último é evocar o fan tasma da morte para reprimir os as sal tos obsedantes dos três “inimigos da alma”: diabo, carne e mundo. (Alfredo Bosi) Como lírico religioso, es - sencialmente mariano, coloca-se co - mo um emotivo da religio si da de, simples e devoto. Esse veio ele gíaco irá ramificar, no Modernis mo, em certas páginas de Manuel Ban deira, Ribeiro Couto, Henriqueta Lisboa e, especialmente, em Cecília Meireles: Mãos que os lírios invejam, mãos eleitas Para aliviar de Cristo os sofrimentos, Cujas veias azuis parecem feitas Da mesma essência astral dos óleos bentos: Mãos de sonho e de crença, mãos afeitas A guiar do moribundo os passos lentos, E em séculos de fé, rosas desfeitas Em hinos sobre as torres dos conventos (Setenário das Dores de Nossa Senhora) � Trabalhou com a mesma quali dade as redondilhas medievais e as formas e gêneros arcaicos da medida velha, bem como os de - cassílabos, em sonetos de gran de expressividade. ISMÁLIA Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario1 seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu Ruflaram2 de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar... (Pastoral dos Crentes do Amor e da Morte) Vocabulário 1 – Desvario: loucura. 2 – Ruflar: agitar-se. A CATEDRAL Entre brumas1, ao longe, surge a aurora. O hialino2 orvalho aos poucos se evapora, agoniza o arrebol3. A catedral ebúrnea4 do meu sonho aparece, na paz do céu risonho, toda branca de sol. E o sino canta em lúgubres5 responsos6: “Pobre Alphonsus, pobre Alphonsus!” O astro glorioso7 segue a eterna estrada. Uma áurea seta lhe cintila8 em cada refulgente raio de luz. A catedral ebúrnea do meu sonho, onde os meus olhos tão cansados ponho, recebe as bênçãos de Jesus. E o sino clama em lúgubres responsos: “Pobre Alphonsus, pobre Alphonsus!” Por entre lírios e lilases desce a tarde esquiva: amargurada prece põe-se a luz a rezar. A catedral ebúrnea do meu sonho aparece na paz do céu tristonho toda branca de luar. E o sino chora em lúgubres responsos: "Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!" O céu é todo trevas: o vento uiva. Do relâmpago a cabeleira ruiva vem açoitar9 o rosto meu. E a catedral ebúrnea do meu sonho afunda-se no caos do céu medonho como um astro que já morreu. E o sino geme em lúgubres responsos: “Pobre Alphonsus, pobre Alphonsus!” (Pastoral dos Crentes do Amor e da Morte) Vocabulário 1 – Bruma: nevoeiro. 2 – Hialino: transparente como o vidro. 3 – Arrebol: vermelhidão ao nascer do Sol. 4 – Ebúrneo: de marfim. 5 – Lúgubre: triste, fúnebre. 6 – Responso: conjunto de versículos pronun - ciados ou cantados alternada mente. 7 – Astro glorioso: o Sol. 8 – Cintilar: brilhar. 9 – Açoitar: chicotear. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 74 – 75 P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. (UNIFESP) – Considerando essa breve caracterização, assinale a alternativa em que se verifica o trecho de um poema simbolista. a) É um velho paredão, todo gretado,Roto e negro, a que o tempo uma oferenda Deixou num cacto em flor ensanguentado E num pouco de musgo em cada fenda. b) Erguido em negro mármor luzidio, Portas fechadas, num mistério enorme, Numa terra de reis, mudo e sombrio, Sono de lendas um palácio dorme. c) Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, Casualmente, uma vez, de um perfumado Contador sobre o mármor luzidio, Entre um leque e o começo de um bordado. d) Sobre um trono de mármore sombrio, Num templo escuro e ermo e abandonado, Triste como o silêncio e inda mais frio, Um ídolo de gesso está sentado. e) Ó Formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras... RESOLUÇÃO: Nos versos que iniciam o poema “Antífona”, de Cruz e Sousa, há linguagem sugestiva, vaga, o elemento místico (“Incensos dos turíbulos das aras...”) e maiúscula alegorizante, buscando-se, assim, atingir o metafísico e o transcendente. É uma linguagem que se opõe à precisão do período realista. Resposta: E Texto para o teste 2. 2. Os elementos formais e temáticos relacionados ao contexto cultural do Simbolismo encontrados no poema “Cárcere das Almas”, de Cruz e Sousa, são a) a opção pela abordagem, em linguagem simples e direta, de temas filosóficos. b) a prevalência do lirismo amoroso e intimista em relação à temática nacionalista. c) o refinamento estético da forma poética e o tratamento metafísico de temas universais. d) a evidente preocupação do eu lírico com a realidade social, expressa em imagens poéticas inovadoras. e) a liberdade formal da estrutura poética, que dispensa a rima e a métrica tradicionais em favor de temas do cotidiano. RESOLUÇÃO: [ENEM-2009] O refinamento estético e o tratamento metafísico de temas universais, no caso a transcendência e a perenidade da alma, são características evidentes do poema simbolista “Cárcere das Almas”. Resposta: C O Simbolismo é, antes de tudo, antipositivista, antinaturalista e anticientificista. Com esse movimento, nota-se o despontar de uma poesia nova, que ressuscitava o culto do vago em substituição ao culto da forma e do descritivo. (Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa, 1994. Adaptado.) CÁRCERE DAS ALMAS Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, Soluçando nas trevas, entre as grades Do calabouço olhando imensidades, Mares, estrelas, tardes, natureza. Tudo se veste de uma igual grandeza Quando a alma entre grilhões as liberdades Sonha e, sonhando, as imortalidades Rasga no etéreo o Espaço da Pureza. Ó almas presas, mudas e fechadas Nas prisões colossais e abandonadas, Da Dor no calabouço, atroz, funéreo! Nesses silêncios solitários, graves, Que chaveiro do Céu possui as chaves Para abrir-vos as portas do Mistério?! (CRUZ E SOUSA, J. Poesia Completa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 75 76 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 3. 3. Com uma obra densa e expressiva no Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa transpôs para seu lirismo uma sensibilidade em conflito com a realidade vivenciada. No soneto, essa percepção traduz-se em a) sofrimento tácito diante dos limites impostos pela discriminação. b) tendência latente ao vício como resposta ao isolamento social. c) extenuação condicionada a uma rotina de tarefas degradantes. d) frustração amorosa canalizada para as atividades intelectuais. e) vocação religiosa manifesta na aproximação com a fé cristã. RESOLUÇÃO: [ENEM-2014] O “sofrimento tácito” (calado) é expresso em “silêncio escuro”, e a “discriminação” tematizada no poema tem sua causa sugerida no grande número de palavras que, desde o título, remetem à condição do homem negro, filho de escravo. Resposta: A VIDA OBSCURA Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, Ó ser humilde entre os humildes seres, Embriagado, tonto de prazeres, O mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silêncio escuro A vida presa a trágicos deveres E chegaste ao saber de altos saberes Tornando-te mais simples e mais puro. Ninguém te viu o sentimento inquieto, Magoado, oculto e aterrador, secreto, Que o coração te apunhalou no mundo, Mas eu que sempre te segui os passos Sei que cruz infernal prendeu-te os braços E o teu suspiro como foi profundo! (CRUZ E SOUSA, J. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1961.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 76 – 77 P O R T U G U ÊS MÓDULO 33 Pré-Modernismo (I): Euclides da Cunha e Lima Barreto 1. Conceito e âmbito O Pré-Modernismo não con fi gura um estilo literário ou uma escola, com um programa definido, com propostas estéticas específicas. Não é como o Romantismo, Realis mo, Sim bo lismo etc. Trata-se de um período cro - nológico marcado pelo sincre tis mo (= fusão, mistura) de diversas ten dên - cias, identificado primeiramente por Tristão de Ataíde (Alceu de Amo roso Lima), que cu nhou a expressão Pré- Moder nis mo pa ra designar um conjunto de auto res que, entre 1902 (Os Sertões, de Euclides da Cunha, e Canaã, de Gra ça Aranha) e 1922 (Semana de Arte Moderna), repre - sentam a alian ça ou transição entre as correntes do fim do século XIX e as antecipações da modernidade. Assim, as chamadas correntes pré-modernistas marcam-se por uma antinomia: o moderno versus o an - timoderno, a renovação ver sus o conservadorismo, aliando (= sin - cretizando) tendências diver sas. • O aspecto conservador, an - timoderno, pode ser localizado na sobrevivência da mentalidade posi ti - vis ta e determinista dos rea listas (naturalistas) e parnasianos, e no estilo, no código, na lingua gem, que, com poucas ousadias, perma neceram fiéis aos modelos realistas (Machado, Aluísio, Eça, Zola, Flau bert, Balzac). Vale observar que o Modernismo de 1922 repre sentou, so bretudo, uma ruptura em termos de linguagem, do código, e, nesse sen tido, os pré- modernistas fo ram, em diferentes medidas, antimo dernos. • O aspecto antecipador da modernidade localiza-se mais no nível do conteúdo, na proble ma tização da realidade brasileira, na crítica às instituições arcaicas, no regionalismo crítico e vigo roso e no espírito inconfor mis ta e rebelde que, de diversas ma nei ras, pode ser rastreado em Eucli des da Cunha, Lima Barreto, Montei ro Lobato e Graça Aranha. O período pré-modernista convi - veu com diversas correntes do sécu lo XIX, que já se iam esgotando quan do da “explosão” modernista de 1922. Daí o caráter de estagnação, de imobilismo que impregnou a litera tura oficial das academias e salões literá - rios, que assistiram (= ampararam) os últimos suspiros do Parnasia nismo (Alberto de Oliveira, Raimun do Correia, Bilac, Vicente de Carva lho ainda escreviam); do Neopar na sia nismo (Amadeu Amaral e Martins Fontes); da prosa tradi cio nalista de feitio clássico (Rui Barbosa e Joaquim Nabuco); do regionalismo realista- natura lis ta (Simões Lopes Neto, Valdomiro Silveira, Afonso Arinos) e até neo clás sicos e neorromânticos en - contraram espaço para suas tardias manifes ta ções. Em síntese, quanto à lingua gem e ao estilo, os pré-moder nistas expres - sam-se como realis tas, na tu ralis tas, impres sionis tas e simbolistas, assimilando em graus diferentes as características des ses estilos. Quanto aos temas, ao conteúdo, é que se aproximam dos mo dernos, pelo compromisso com a realidade brasileira: o sertão da Bahia (Eu clides da Cunha); o su búr bio ca rioca (Lima Barreto); o Va le do Pa raíba paulista (Mon tei ro Loba to); a adaptação do imi grante ao trópico (Graça Ara nha). 2. Contexto histórico As primeiras décadas do século XX têm como marca a contradição entre a pos tura tradicionalista da oli - gar quia rural e a inquietação dos se - tores ur ba nos, esta última matizada de diver sas ten dências assimiladas da Améri ca do Norte e da Europa, pelo imi grante, pela classe média, pelo ope rariado e pelo subproletariado, novos atores que, ainda timidamente, se projetam na cena política. Entre os fatos históricosque mar - cam o período, destacamos: a Revo lu - ção de Canudos, o fenômeno do can gaço e do fanatismo religioso, no Nor deste; a Revolta da Chibata, a revolta contra a vacina obrigatória, no Rio de Janeiro; a Guerra do Contes - tado, em Santa Catarina; as greves operárias dos imigrantes do Brás e da Mooca, em São Paulo (1917). 3. Euclides da Cunha (Cantagalo-RJ, 1866 – Rio de Janeiro, 1909) "Misto de celta, de tapuia e grego", como se autodefinia, Eu cli - des da Cunha foi militar (expulso do Exército), engenheiro, jornalista, pro - fes sor, acadêmico e grande es critor. Acompanhou, como correspon - den te do jornal A Província de São Paulo (hoje O Estado), as operações do Exército contra os rebeldes de Canudos, permanecendo no Sertão da Bahia de agosto a outubro de 1897. Em 1898 e 1901, escreveu, pri - mei ro em Descalvado, depois em São José do Rio Pardo, Os Sertões, cuja publicação, em 1902, alcançou reper - cus são nacional. Além de Os Sertões, deixou ou - tros livros sobre problemas brasilei ros: Contrastes e Confrontos, À Mar gem da História, Peru versus Bolívia, Re - latório sobre o Alto Purus. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 77 78 – P O R T U G U ÊS � Características • O cientista e o artista Pri meiro grande pensador social bra sileiro, Euclides da Cunha harmo - niza o rigor científico, a erudi ção, a formação positivista e deter mi nista, a exatidão do ma te má tico e engenheiro, com a pai xão pela palavra e a potên cia verbal, provando que a arte e a ciência não se opõem. • Crítica Sua obra Os Ser tões analisa e procura compreender o fenô me no do fanatismo reli gioso no sertão, es pe cial - mente o caso Ca nu dos. Apresen ta visão determinista: A Terra, O Ho mem, A Luta (meio, raça, mo mento). Primeira denúncia vigorosa que se faz na cultura brasileira con tra a miséria e o aban do no em que vive o sertanejo. Abaixo, transcreve-se um trecho da obra: O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raqui tismo exaustivo dos mestiços neuras - tênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao pri mei ro lance de vista, revela o con trário. Falta-lhe a plástica impe cável, o desem peno1, a estrutura corretís sima das orga ni zações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo2, reflete no aspecto a fealdade3 típica dos fracos. O andar sem fir - meza, sem aprumo4, quase gingante e sinuoso, apa renta a trans lação de mem bros desarticu la - dos. Agrava-o a postura normal men te aba tida, num manifestar de displicência5 que lhe dá um caráter de hu mil dade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que en con tra; a cavalo, se sofreia6 o ani mal para trocar duas palavras com um conhe cido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a es penda7 da sela. Caminhando, mes mo a passo rápido, não traça traje tória retilínea e firme. Avança celere mente8, num bam bolear caracterís tico, de que parecem ser o traço geomé trico os mean dros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pe lo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atraves sando largo tempo numa posição de equi líbrio instável, em que todo o seu cor po fica sus penso pelos dedos gran des dos pés, sen - tado sobre os calca nhares, com uma sim - plicidade a um tempo ridícula e adorável. É o homem per ma nentemente fa ti gado. Reflete a preguiça invencível, a atonia9 muscular perene10, em tudo: na palavra re mo - rada11, no gesto con tra feito, no andar desa pru - mado, na ca dência langorosa12 das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude. Entretanto, toda esta aparência de can saço ilude. (Os Sertões) Vocabulário 1 – Desempeno: elegância. 2 – Hércules: figura mitológica, sím bo lo de força física. Quasímodo: o corcunda de Notre-Dame, sím bolo de feiura. 3 – Fealdade: feiura. 4 – Aprumo: elegância, altivez. 5 – Displicência: tédio, apatia. 6 – So - frear: refrear. 7 – Espenda: parte da sela sobre a qual assenta a coxa. 8 – Celeremente: rapi - damente. 9 – Atonia: fraqueza. 10 – Perene: eterno. 11 – Remorado: demorado. 12 – Lan - goroso: lânguido, lento, arrastado. 4. Lima Barreto (Rio de Janeiro, 1881-1922) � Obras Recordações do Escrivão Isaías Caminha (romance) – 1909 Triste Fim de Policarpo Quares ma (romance) – 1911 (em folhetins) e 1915 (em livro) Numa e Ninfa (romance da vida contemporânea) – 1915 Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (romance) – 1919 Histórias e Sonhos (contos) – 1956 Cemitério dos Vivos (incompleto) – 1956 Clara dos Anjos (romance) – 1948 � Apreciação crítica Recordações do Escrivão Isaías Ca minha, romance em primeira pes - soa, autobiográfico, retrata a vida de um grande jornal da época. Sátira a figurões da imprensa e das letras. Extrava sa mento de suas de cep ções e revoltas. Romance em terceira pessoa, Triste Fim de Policarpo Quaresma mos tra com clareza o ridículo e paté tico de um nacionalismo fanatizante e ana crônico. O maior sonho de Poli car po é “o tupi como língua oficial no Bra sil”. Clara dos Anjos, romance auto bio - gráfico, é a triste ruína de um ho mem que se entrega à embriaguez. A seguir, um trecho de Triste Fim de Policarpo Quaresma: A casa estava em silêncio; do la do de fora, não havia a mínima bu lha1. Os sapos tinham suspendido um ins tante a sua orquestra noturna. Qua resma lia; e lembrava-se que Darwin escutava com prazer esse concerto dos charcos. Tudo na nossa terra é extraordinário! pensou. Da des pen sa, que ficava junto a seu apo sento, vinha um ruído estranho. Apurou o ouvido e prestou atenção. Os sapos recome - çaram o seu hino. Havia vo zes baixas, outras mais altas e estri dentes; uma se seguia à outra, num dado instante todas se juntaram num uníssono sustentado. Suspen deram um ins tan - te a música. O major apu rou o ouvido; o ruído continuava. Que era? Eram uns estalos tênues; pa recia que quebravam gravetos, que deixavam outros cair ao chão... Os sapos recomeçaram; o regente deu uma martelada e logo vieram os bai xos e os tenores. Demoraram mui to; Qua res - ma pôde ler umas cinco pági nas. Os batráquios2 para ram; a bulha continuava. O ma jor levantou- se, agar rou o castiçal e foi à depen dên cia da casa donde partia o ruído, assim mesmo como estava, em ca misa de dormir. Abriu a porta; nada viu. Ia pro curar nos cantos, quando sentiu uma ferroada no peito do pé. Quase gri tou. Abaixou a vela para ver melhor e deu com uma enorme saúva agarra da com toda a fúria à sua pele ma gra. Descobriu a origem da bulha. Eram formigas que, por um buraco no assoalho, lhe tinham invadido a des - pensa e carregavam as suas re ser vas de milho e feijão, cujos reci pientes tinham sido deixados abertos por inadver tência3. O chão estava ne gro, e, carregadas com os grãos, elas, em pelo tões cerrados, mergu lha vam no solo em busca da sua ci da de subter rânea. (Triste Fim de Policarpo Quaresma) Vocabulário 1 – Bulha: barulho. 2 – Batráquio: sapo. 3 – Inadvertência: descuido. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 78 – 79 P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. (MACKENZIE – modificado) – A partir do fragmento de Os Sertões, pode-se dizer que todas as afirmações estão corretas, exceto: a) O autor compõe seu texto com traços tanto de uma prosa científica, quanto de uma prosa literária. b) A constante utilização de termos eruditos e técnicos, como “envergadura”, “cumeadas” e “taludes”, compromete o valor literário da obra. c) Destacam-se contrastes geográficos do Brasil, como evidenciado no trecho: “Mas ao derivar para as terras setentrionais diminui gradualmente de altitude” (linhas 5 e 6). d) Há uma detalhada descrição da região embasada no conhecimento das Ciências Naturais. e) A opção pela utilização de mais de um adjetivo para caracterizar o substantivo, como em “escarpasinteiriças, altas e abruptas” (linha 2), está vinculada à ideia de precisão científica. RESOLUÇÃO: Em Os Sertões, Euclides da Cunha faz uso de termos eruditos e técnicos, além de regionalismos que em nada comprometem o valor literário da obra, considerada, por muitos, uma epopeia da língua portuguesa. Resposta: B Texto para o teste 2. 2. (2020) – Nessa petição da pitoresca personagem do romance de Lima Barreto, o uso da norma-padrão justifica-se pela a) situação social de enunciação representada. b) divergência teórica entre gramáticos e literatos. c) pouca representatividade das línguas indígenas. d) atitude irônica diante da língua dos colonizadores. e) tentativa de solicitação do documento demandado. RESOLUÇÃO: [ENEM-2020] O trecho transcrito de Triste Fim de Policarpo Quaresma apresenta a tentativa de Policarpo Quaresma, protagonista, de reivindicar a mudança da língua nacional do português para o tupi-guarani. Como se trata de um contexto formal, uma vez que se dirige ao Congresso Nacional, ele utiliza em seu requerimento a modalidade culta da língua portuguesa. Resposta: A O planalto central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças, altas e abruptas. Assoberba os mares; e desata-se em chapadões nivelados pelos visos das cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a Minas. 5 Mas ao derivar para as terras setentrionais diminui gradualmente de altitude, ao mesmo tempo que descamba para a costa oriental em andares, ou repetidos socalcos, que o despem da primitiva grandeza afastando-o consideravel - mente para o interior. 10 De sorte que quem o contorna, seguindo para o norte, observa notáveis mudanças de relevos: a princípio o traço contínuo e dominante das montanhas, precintando-o, com destaque saliente, sobre a linha projetante das praias; depois, no segmento de orla marítima entre o Rio de Janeiro e o 15 Espírito Santo, um aparelho litoral revolto, feito da envergadura desarticulada das serras, riçado de cumeadas e corroído de angras, e escancelando-se em baías, e repartindo-se em ilhas, e desagregando-se em recifes desnudos, à maneira de escombros do conflito secular que ali se trava entre os 20 mares e a terra; em seguida, transposto o 15.° paralelo, a atenuação de todos os acidentes — serranias que se arredondam e suavizam as linhas dos taludes, fracionadas em morros de encostas indistintas no horizonte que se amplia (...). (Euclides da Cunha, Os Sertões) Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma — usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. (LIMA BARRETO, A. H. Triste Fim de Policarpo Quaresma. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 26 jun. 2012.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 79 80 – P O R T U G U ÊS Leia a seguir uma passagem do romance Canaã, do escritor pré- modernista Graça Aranha, e responda ao teste 3: 3. (2020) – No trecho, o narrador mobiliza recursos de linguagem que geram uma expressividade centrada na percepção da a) relação entre a natureza opressiva e o desejo de libertação da personagem. b) confluência entre o estado emocional da personagem e a configuração da paisagem. c) prevalência do mundo natural em relação à fragilidade humana. d) depreciação do sentido da vida diante da consciência da morte iminente. e) instabilidade psicológica da personagem face à realidade hostil. RESOLUÇÃO: [ENEM-2020] É perceptível, no texto, que o estado psicológico da personagem influencia diretamente a apreensão que ela tem do cenário natural, como exemplifica a passagem “na sua imaginação perturbada sentia a natureza toda agitando-se para sufocá-la”. Essa identidade entre o mundo interior e o exterior é explicitada na alternativa b. Resposta: B Na sua imaginação perturbada sentia a natureza toda agitando-se para sufocá-la. Aumentavam as sombras. No céu, nuvens colossais e túmidas rolavam para o abismo do horizonte... Na várzea, ao clarão indeciso do crepúsculo, os seres tomavam ares de monstros... As montanhas, subindo ameaçadoras da terra, perfilavam-se tenebrosas... Os caminhos, espreguiçando-se sobre os campos, animavam-se quais serpentes infinitas... As árvores soltas choravam ao vento, como carpideiras fantásticas da natureza morta... Os aflitivos pássaros noturnos gemiam agouros com pios fúnebres. Maria quis fugir, mas os membros cansados não acudiam aos ímpetos do medo e deixavam-na prostrada em uma angústia desesperada. (GRAÇA ARANHA, J. P. Canaã. São Paulo: Ática, 1997.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 80 – 81 P O R T U G U ÊS MÓDULO 34 Pré-Modernismo (II): Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos 1. Monteiro Lobato (Taubaté, 1882 – São Paulo, 1948) � Vida Nasceu na chácara do Visconde de Tremembé, seu avô materno, ho - je conhecida como Chácara do Pica- Pau Amarelo. Formou-se em Direito em São Paulo, tendo parti cipado in ten - samente de atividades políticas es tu - dantis. Fundou a Com pa nhia Edi tora Nacional; incentivou as cam pa nhas do petróleo e do ferro, fun dan do, em 1931, a Cia. Petróleo do Bra sil. Foi preso por escrever carta ao di tador Getúlio Vargas sobre o proble ma do petróleo brasileiro. Mudou-se para a Argentina, regres sando no ano seguinte, 1947. � Obras Urupês (doze histó rias tiradas do sertão paulista) – 1918 Ideias de Jeca Tatu – 1918 Cidades Mortas – 1919 Negrinha (contos) – 1920 O Macaco que se Fez Homem – 1923 A Barca de Gleyre (correspon dên - cia com Godofredo Rangel) – 1944 • Literatura Infantil Reinações de Narizinho Viagem ao Céu O Pica-Pau Amarelo Emília no País da Gramática etc. � Apreciação crítica A sua obra é variada: contos, crô - ni cas e artigos, ensaios quase pan - fletários, e literatura infantil. Des ta ca-se aqui o sentido da obra do contista de feitio regionalista. Ela está presa à experiência no interior, com - preen dido sobretudo nos limites da região que se denominaria das “cida - des mortas”, onde brilhou o fausto das grandes fazendas de café do sé - culo passado [XIX]. Constitui-se assim de fla grantes bem apanhados do ho - mem e da paisagem, embora toma dos nos seus aspectos exteriores, pa ra nos comunicar a sugestão de ma ras - mo e indolência reinantes. E não disfarça inteira mente o propósito de denúncia de uma situação de indiferença, deplorável. Por exemplo, Urupês e Cidades Mortas, os dois pri - meiros livros que deram consa gração e popularidade ao A. (Antônio Cândido e J. A. Castello, Presença da Literatura Brasileira II) Lobato criti cou a indolência do caboclo, “sem pre de cócoras enquan - to o Brasil es perava por ele”, na famosa figura de Jeca Tatu; depois se desculpou, fa lando das difíceis condições da vi da do cam ponês. Atacou publica men te o Mo dernismo, no artigo “Pa ra noia ou Mis tifi ca ção?”, de 1917, es crito a propó sito de uma exposição de Anita Malfatti. Também lançou crítica a Oswald de Andrade, porém mais tarde se reconciliam. A principal carac te rística de sua lin guagem literária é a oralida de. UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos ho mens. Honestíssimo, com um defeito ape nas: não dar o mínimo valor a si pró - prio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. Nunca fora nada na vida, nem ad mitia a hipótese de vir a ser algu ma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-separa terra melhor. Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o depere cimento1 visível de sua Itaoca. — Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons, agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula2 ordinário co mo o Tenório. Nem circo de cavali nhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho3. De ci didamente, a minha Itaoca está- se acabando... João Teodoro entrou a incubar4 a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira abso luta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. — É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está per dido, que Itaoca não vale mais na da de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui. Um dia aconteceu a grande novi dade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem rece beu a notícia como se fosse uma ca cetada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada... Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seriís sima. Não há car go mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que man - da dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa co los sal ser delegado — e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itao ca!... João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pen sando e arrumando as malas. Pe la madrugada botou-as num burro, mon tou no seu cavalinho magro e partiu. Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador. — Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens? — Vou-me embora; respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca che gou mesmo ao fim. — Mas, como? Agora que você está delegado? — Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus. E sumiu. (Monteiro Lobato, Cidades Mortas) Vocabulário 1 – Deperecimento: definhamento. 2 – Rábula: advogado de limitada cultura. 3 – Restolho: resto, sobra. 4 – Incubar: planejar. 2. Augusto dos Anjos (Cruz do Espírito Santo-PB, 1884 – Leopoldina-MG, 1914) � Vida Paraibano, desde a infância en fer - miço e nervoso, é, a rigor, um poe ta inclassificável. Sua obra é cons tituída TEXTO C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 81 82 – P O R T U G U ÊS de um único livro — Eu (1912) —, que, reeditado em 1919, passou a chamar-se Eu e Outras Poesias. Transformado em catecismo dos pessimistas e em bíblia dos aza rados e malditos, o livro Eu é de uma insti - gante popularidade, resis tente a to dos os modismos, im permeável às re - taliações da crítica e aos vermes do tempo. Foi o poeta mais original de nossa literatura, no período que vai de Cruz e Sousa aos moder nistas. � “Eu, filho do carbono e do amoníaco” As leituras precoces de Darwin, Häckel, Lamarck, Schopenhauer e outros, feitas na biblioteca de seu pai, fundamentaram a postura exis ten cial do poeta, a adesão ao Evolu cionismo de Darwin e Spencer e a an gústia fun - da, letal, ante a fatali da de que arrasta toda a carne para a decom posição. Fundem-se a visão cós mica e o deses - pero radical, pro du zindo uma poesia violenta e nova em língua portugue sa. Combinou ino va ções arroja das com elementos provindos do Parna - sianismo e do Sim bolismo. A IDEIA De onde ela vem?! De que matéria bruta Vem essa luz que sobre as nebulosas Cai de incógnitas criptas misteriosas Como as estalactites duma gruta?! Vem da psicogenética e alta luta Do feixe de moléculas nervosas, Que, em desintegrações maravilhosas, Delibera, e depois, quer e executa! Vem do encéfalo1 absconso2 que a [cons tringe, Chega em seguida às cordas da laringe, Tísica, tênue, mínima, raquítica... Quebra a força centrípeta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra No molambo3 da língua paralítica! Vocabulário 1 – Encéfalo: cérebro. 2 – Absconso: recôndito, oculto. 3 – Molambo: trapo. BUDISMO MODERNO Tome, Dr., esta tesoura, e… corte Minha singularíssima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coração, depois da morte?! Ah! um urubu pousou na minha sorte! Também, das diatomáceas1 da lagoa A criptógama2 cápsula se esbroa3 Ao contato de bronca destra forte! Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma célula caída Na aberração de um óvulo infecundo; Mas o agregado abstrato das saudades Fique batendo nas perpétuas grades Do último verso que eu fizer no mundo! Vocabulário 1 – Diatomácea: micro-organismo que tem ca - pa cidade de sinteti zar substân cias orgâni cas a par tir de substâncias inor gânicas. 2 – Criptógama: espécie vegetal que não se reproduz por meio de flores: as algas, os musgos, os liquens e as samambaias. 3 – Esbroar: reduzir(-se) a pequenos frag men - tos, a pó. � “Não sou capaz de amar mulher alguma!” “Se algum dia o prazer vier procurar-me, dize a este monstro que fugi de casa!” O asco do prazer é expresso de maneira contundente; a relação entre os sexos é apenas “a matilha espan - tada dos instintos”, ou, “parodiando saraus cínicos, / bilhões de centros so - mas apolínicos / na câmara pro mís cua do vitellus”. Reduzindo o amor humano à ce ga e torpe luta de células, cujo fim não é senão criar um projeto de ca dáver, o poeta aspira, como Cruz e Sousa, à imortalidade gélida, mas lu mi nosa, de outros mundos onde não lateje a vida- instinto, a vida-car ne, a vida-corrupção. As minhas roupas, quero até rompê-las! Quero, arrancado das prisões carnais, Viver na luz dos astros imortais, Abraçado com todas as estrelas! (“Queixas Noturnas”) � “As palavras se desinte gram na minha boca como cogumelos mofados.” (von Hofmannsthal) Augusto dos Anjos vale-se mui tas vezes de técnicas expressio nistas na montagem de seus textos. O Expressionismo, corrente esté tica situada nos limiares do Moder nismo, representou uma reação con tra o impressionismo, contra o gosto pela nuance, contra o refinamento e sutileza na captação do momento. A imagem é intencionalmente de - formada e agrupada de maneira des - concertante, por meio da transfigu- ra ção da realidade. Em lugar da delica - deza e da suavidade, a ima gem é deformada, por meio de um dese nho violento, que acentua e bar ba riza a forma, aproximando-se, às vezes, do grotesco e da caricatura. Daí o “mau gosto”, o “apoético” que, em Augusto dos Anjos, são con - vertidos em poesia. O jargão cien tífi co e o termo técnico, tradicio nal mente pro - saicos, não devem ser abs traídos de um contexto que os exige e os justifica. Fazia-se mister uma sim biose de ter - mos que definis sem toda a estrutura da vida (voca bu lário físi co, químico e biológico) e termos que exprimissem o asco e o horror ante a existência. Apoiando-se na hipérbole, no pa - radoxo e na exploração de efeitos so - noros, Augusto dos Anjos funde a in flexão simbolista e a retórica cienti fi - cista, criando uma dicção singular, que projeta a hipersensibilidade e a vi são trágica e mórbida da existên cia. Observe, nos versos a seguir, o jogo de aliterações e efeitos sonoros: “Tísica, tênue, mínima, raquítica...”, “Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento”, “Cinzas, caixas cranianas, cartilagens” , “De aberratórias abstrações abstrusas”, “Bruto, de errante rio, alto e hórrido, o urro / reboava”, “À híspida aresta sáxea áspera e abrupta.” C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 82 – 83 P O R T U G U ÊS Texto para os testes 1 e 2. 1. (UNIFESP) – No soneto de Augusto dos Anjos, é evidente a) a visão pessimista de um “eu” cindido, que desiste de conhecer-se, pelo medo de constatar o já sabido de sua condição humana transitória. b) o transcendentalismo, uma vez que o “eu” desintegrado objetiva alçar voos e romper com um projeto de vida marcado pelo pessimismo e pela tortura existencial. c) a recorrência a ideias deterministas que impulsionam o “eu” a superar seus conflitos, rompendo um ciclo que naturalmentelhe é imposto. d) a vontade de se conhecer e mudar o mundo em que se vive, o que só pode ser alcançado quando se abandona a desintegração psíquica e se parte para o equilíbrio do “eu”. e) o uso de conceitos advindos do cientificismo do século XIX, por meio dos quais o poeta mergulha no “eu”, buscando assim explorar seu ser biológico e destino metafísico. RESOLUÇÃO: São bem conhecidas as fontes cientificistas da poesia de Augusto dos Anjos e é fato que diversos de seus poemas são construídos em torno de conceitos oriun dos dessas fontes. Observe-se, porém, que o soneto transcrito, embora contenha expressões provindas do cientificismo (“alva flama psíquica”, “feixe de mônadas”), pode ser entendido sem o recurso a conceitos cientificistas, pois se trata de uma meditação em torno da fragilidade da carne e da inexorabilidade da morte, temas obsessivos do poeta. Resposta: E 2. (UNIFESP) – No plano formal, o poema é marcado por a) versos brancos, linguagem obscena, rupturas sintáticas. b) vocabulário seleto, rimas raras, aliterações. c) vocabulário antilírico, redondilhas, assonâncias. d) assonâncias, versos decassílabos, versos sem rimas. e) versos livres, rimas intercaladas, inversões sintáticas. RESOLUÇÃO: No poema, a seleção rigorosa do vocabulário pode ser comprovada pela escolha de palavras como “alva”, “flama”, “desagrega-se”, “flâmeo”, “efêmero”, “dardejar”, “relampejantes”. O exemplo mais significativo de rima rara constrói-se com as palavras “rosto” e “sol-posto”. Há também diversos exemplos de rimas ditas ricas, ou seja, rimas entre palavras de classes gramaticais diferentes. Exemplos: “batalha” (substantivo) / “estraçalha” (verbo); trabalha (verbo) / mortalha (substantivo). Há uma profusão de aliterações, por exemplo: “Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas”; “Diafragmas, decompondo-se, ao sol-posto.” Resposta: B Além de escrever Dom Quixote das Crianças, Monteiro Lobato também leva o “cavaleiro errante” para o Sítio do Pica-Pau Amarelo: 3. (UNICAMP) – Na cena narrada, a) Dona Benta mostra a Dom Quixote que a história dele não é, de forma alguma, uma mistificação. b) Dona Benta convence Dom Quixote de que as gravuras não refletem a história dos fatos. c) Dona Benta concorda com Dom Quixote e critica o fato de a História ser fruto de interesses. d) Dona Benta opõe-se a Dom Quixote e critica a forma como a história dele é narrada nos livros. RESOLUÇÃO: Dona Benta concorda com Dom Quixote, que acredita ser “mistificação” a obra que Cervantes escreveu sobre o herói. Ela lhe explica que a História, relato verdadeiro dos fatos, não dispensa a “mistificação”, ou seja, a “história” em letra minúscula, que se refere ao relato inventado em favor dos que têm interesse na adulteração dos fatos. Resposta: C APÓSTROFE À CARNE Quando eu pego nas carnes do meu rosto, Pressinto o fim da orgânica batalha: — Olhos que o húmus necrófago estraçalha, Diafragmas, decompondo-se, ao sol-posto. E o Homem — negro e heteróclito composto, Onde a alva flama psíquica trabalha, Desagrega-se e deixa na mortalha O tato, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto! Carne, feixe de mônadas bastardas, Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas, A dardejar relampejantes brilhos, Dói-me ver, muito embora a alma te acenda, Em tua podridão a herança horrenda, Que eu tenho de deixar para os meus filhos! (Augusto dos Anjos, in Obra Completa) Lá na varanda Dom Quixote conversava com Dona Benta sobre as aventuras, e muito admirado ficou de saber que sua história andava a correr mundo; escrita por um tal de Cervantes. Nem quis acreditar; foi preciso que Narizinho lhe trouxesse a edição de luxo ilustrada por Gustavo Doré. O fidalgo folheou o livro muito atento às gravuras, que achou ótimas, porém falsas. — Isso não passa duma mistificação! — protestou ele. — Esta cena aqui, por exemplo. Está errada. Eu não espetei este frade, como o desenhista pintou — espetei aquele lá. — Isto é inevitável — disse Dona Benta. — Os historiadores costumam arranjar os fatos do modo mais cômodo para eles; por isto a História não passa de histórias. (Adaptado de Monteiro Lobato, O Pica-Pau Amarelo. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 18.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 83 84 – P O R T U G U ÊS MÓDULO 35 Modernismo em Portugal e Fernando Pessoa ortônimo 1. Contexto histórico No início do século XX, o mundo vive o otimismo da Belle Époque: uma minoria abastada festeja, satis fei ta e deslumbrada, as desco bertas e inven - ções que se sucedem num rit mo fre - né tico e que tornam a vida mais con fortável. Em contrapar tida, qua se um terço da população mun dial perma - nece subdesenvolvi da, mor rendo de peste ou de fome antes dos trinta anos, à margem desse im pressionante progresso material, nu ma situação sórdida, miserável e de gradante. Em 1914, a crise, latente desde o final do século XIX, explode selva gem e brutal. É a Primeira Guerra Mun dial, que deixará 1.400.000 víti mas. Em meio a esse desconcerto, ocorre a Re volução Russa de 1917, que des - perta esperanças em todo o mundo, e surge o homem novo que levaria a boa palavra e melhores condições de vida à humanidade. Após a guerra, vem um período de descompressão, os anos loucos, que atravessarão a crise de 1929, sen do violentamente interrompidos por um novo apocalipse. O geno cí dio, a tortura, as deportações em massa da Segunda Guerra Mundial manifes tam, em plena civilização, o absurdo e o horror da barbárie. É nesta atmosfera de euforia e de - sencanto que devemos armar o es - pírito para acompanhar a suces são de ismos, característica da arte do início do século XX. � Os “ismos” europeus Expressionismo: estilo artís ti co no qual a comunicação direta da emoção é objetivo fundamental. As obras expres si o nis tas, para refletir desespero, ansie da de, tormento e exaltação, distorcem as imagens do mundo real, por meio de colorido subjetivo, contraste inten so, linhas fortes, alteração de formas. O expressionismo é associado à arte a le - mã e dos países do norte da Eu ro pa no final do século XIX e no século XX: Van Gogh, Munch, Ensor, Kan dins ky, na pintura; Murnau, Fritz Lang, Pabst, no cinema; Schönberg, Alban Berg, na música; Strindberg, Brecht, na literatura. Futurismo: movimento artísti co criado na Itália em 1909 pelo poeta Filippo Tommaso Marinetti. Reagindo violentamente contra a tradição, exal - ta va os aspectos dinâmicos da vida contemporânea: velocidade e me ca ni - zação. Os poetas e pintores tenta vam flagrar o movimento e a simulta - neidade dos objetos: aqueles, por meio de pontuação, sintaxe, for ma e significados novos; estes, pela repe - tição das formas, ausência de divi são entre objetos e espaço, e ênfase em linhas de força. Os futu ris tas foram os primeiros a utilizar ruí dos na músi ca e, crítica e humoris ti ca mente, cria ram até um “teatro sin tético futu ris ta”, com peças cujos atos dura vam me nos de cinco mi nutos. Cubismo: nome da teoria do gru - po de pintores liderados por Bra que e Picasso em Paris, a partir de 1906. Influenciados por esculturas pri - mitivas e por Cézanne, criaram um tipo de pintura que eliminou a pers - pec tiva, multiplicando os pontos de vista num mesmo quadro. Esco lhen - do objetos fami liares, facil mente re - co nhecíveis, os cubistas os pin ta vam, não como os viam, mas como os entendiam estruturalmente: reor ga ni zavam os constituintes formais des ses objetos em composi - ções geo métricas, representando si - mul ta ne amente seus vários aspec tos. Al guns textos de Oswald de Andrade fo ram influenciados pelo Cubismo. Dadaísmo ou Dadá: movi men to antiburguês de arte e literatura que se espalhou pela Europa após a Primeira Guerra. Rejeitava os valo res morais e estéticos tradicio nais, le vando essa rejeição ao absurdo, mas abrindo caminho para novos mo dos e meios de expressão. Surgiu em Zuri que, em 1916, e reuniu artis tas como Tristan Tzara, Francis Pica bia, Marcel Duchamp. Surrealismo: originou-se em Pa - ris, em 1924,sob a liderança de An dré Breton, e teve muito em co mum com o Dadá. Tendo apoio da Psi canálise, procurava incluir na criação artística os meios de elabo ração do inconsciente, supe rar a rea lidade tal como ela é perce bida coti dia na mente. Na litera tu - ra, criaram o pro cesso “da escrita auto mática”, uti lizando-se da livre asso ciação de palavras. Na pintura, representavam imagens do incons - ciente e do sonho. Além de André Breton, são surrealis tas os escritores Paul Éluard, Antonin Artaud e Louis Aragon. Salvador Dalí notabilizou-se na pintura e Luis Buñuel, no cinema. Num mundo em que os setores do conhecimento — ciências, artes, filo so fia — são interdependentes, um tra ço fundamental é comum a todas essas esferas: a instabilidade. A Arte se “des realiza”, torna-se abstrata ou não figu rativa, abandona a repro du ção imi tativa dos seres e objetos reais, para, em vez disso, criar seus pró - prios ob je tos. A Arte Moderna assume posição de constante ruptura, assimilando em seu próprio organismo a frag men ta ção de uma época marcada pela des - continuidade e pelo caos inven ti vo e demolidor. Na Física, surgem as des co ber tas de Max Planck (Teoria dos Quan ta, 1900: a energia radiante tem, co mo a matéria, estrutura descon tí nua) e de Albert Einstein (Teoria da Rela tivi da de, 1905: a duração do tempo não é a mesma para dois ob ser va dores que se deslocam um em rela ção ao outro). Na Filosofia e Psiquiatria, desen - vol vem-se as pesquisas de Henri Bergson e Sigmund Freud, respec ti va - mente. Bergson, em Matéria e Me mó - C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 84 – 85 P O R T U G U ÊS ria (1907), afirma que a intuição é o único meio de conhe ci men to da duração dos fenô me nos e da vida. Freud, na Introdu ção à Psi ca nálise (1916/1917), pro mo ve a inves tigação psicológica no trata men to das neuro - ses, por meio da pro cu ra de tendên - cias reprimidas no incons ciente do in di víduo e do seu retorno consciente pela análise. 2. A poesia moderna A poesia moderna rompe a sin ta - xe, o encadeamento lógico; é elíp tica, alu siva, não tem limitações nor ma - tivas, e o ritmo é criado a cada mo - men to, como descargas de vivên ci as profundas, delí rios emocionais, vio - lentando nosso im pulso natural de bus car as coisas fá ceis, sobretudo nos domínios da expressão através da língua. � A integração poética da civilização material Escreveu Wilson Martins: À sociedade nova, aqui e alhu res, correspondia, necessariamente, li te ratura nova — eis o que não se can saram de repetir, desde o primei ro instante, todos os teóricos e ar tistas; (...) Como é natural, estes tomaram consciência muito mais cedo que os demais do que significavam os pro gres sos técnicos e científicos do co meço do século [XX]; eles perce beram des de logo que a própria natureza e a própria qualidade do espírito humano iam se modificar ao impacto da máquina; esta última não repre - sen tava apenas um acrés cimo à vida cotidiana, mas um fator catalítico de alcance impre visível. (MARTINS, Wilson. O Modernismo. A Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix. vol. VI. p.13.) O rápido desenvolvimento tecno- lógico, que marca os albores do sé cu lo XX, traz, ao lado da modi fi ca ção que provoca na moda, variações no gosto estético e uma ânsia pela novi dade; torna-se necessário enfati zar a cren ça de que o novo é sempre me lhor. A técnica traz consigo o dina mis mo também nas atitudes diante da vida. � O verso livre O verso livre não implica ausên cia de ritmo, mas a criação do “ritmo a cada momento”. Sabemos que, em português, a técnica do verso depre - ende, tradicionalmente, esque mas que vão de duas a doze sílabas, com acen tos regularmente distri buí dos. Já o que caracteriza o verso livre é, sobretudo, uma mudança de atitu de: sua unida de de medida deixa de ser a sílaba e passa a basear-se na com bi - nação das entoações e das pau sas. O ritmo decorre, pois, da suces são dos gru pos de força valori za dos pela entoa ção, pela maior ou menor rapidez da enunciação. Exemplos “O Sr. tem uma escavação no pulmão [esquerdo e o pulmão direito infiltrado.” (Manuel Bandeira) Preso à minha classe e a algu mas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias esprei tam-me. Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me? (Carlos Drummond de Andrade) A nova técnica aparece pela primeira vez, de forma ainda tímida, com Arthur Rimbaud, em junho de 1886, mas é com Walt Whitman que o verso livre começa a vencer. � Outras constantes da poe sia moderna – A dessacralização da obra de arte, com o predomínio da concep ção lúdica sobre a concepção mági ca. – A presença do humor, com o poema-piada, como forma de apro fun - damento da percepção do ho mem e do mundo. – Cosmopolitismo do processo lite rário, que se traduz na intercomu - ni cação entre os artistas. – Antiacademicismo, anti con ven - cionalismo, abolição da distinção en tre temas “poéticos”, “anti poé ti cos” e “apoéticos”. – “Imagens crescentemente mo - de ladas em linguagem cotidiana.” – Ausência de inversões, de após trofes bombásticas. – Ausência e/ou revitalização de rimas convencionais. – Sequência de imagens ba sea - das na livre associação, aban do nan do - se a lógica de causa e efeito. – “Ênfase no habitual, e não no cósmico.” – Interesse maior pelo incons - cien te. – Interesse pelo homem comum. Na prosa modernista, observam-se os seguintes traços marcantes: – O autor ausenta-se da narrati va. – A ação e o enredo perdem im - portância em favor das emo ções, es - tados mentais e reações das perso nagens. – A temática passa dos assun tos universais para os particulares, in di vi - duais e específicos. – O princípio de seleção do ma te - rial expande-se, para incluir todos os motivos e assuntos. – A caracterização das persona - gens varia; aumenta o inte res se pe los estados mentais, pela vida pro fun da do “eu”, em detrimento das ações exteriores. – Por outro lado, a maneira de apre sentação é diferente: a análise e a cons trução dos caracteres se fazem por acu mulação, em rápidos instan tes sig nificativos, ou pela apresenta ção da própria consciência em ope ra ção, isto é, do flu xo de cons ciên cia (stream of consciousness). O autor não faz o retrato da perso na gem: es ta vive, e o leitor a conhece e jul ga. – A literatura torna-se cada vez mais subjetiva, interiorizada e abstra - ta, construída de experiências men - tais, da vida do espírito. – A sugestão e a associação, a expressão indireta, passam a ser os meios de se veicular a experiência. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 85 86 – P O R T U G U ÊS 3. Modernismo em Portugal O Modernismo português teve início em 1915, com a publicação da revista Orpheu, da qual participaram Fernando Pessoa, Mário de Sá-Car - neiro, Santa Rita Pintor, Cortes-Rodri - gues, Alfredo Guisado, Ronald de Carvalho e Eduardo Guimarães. Pre ten - diam causar escândalo para de molir heranças literárias dog matiza das e eram unidos pelo in con for mis mo e pelo desejo de renovar a Lite ratura Portuguesa. Causaram es cân dalo, foram combatidos, e a revis ta foi logo extinta. Contudo, conse guiram levar para Por tugal influxos da nova arte (futu ris mo, um cubismo decadentista etc.). Em 1927, a criação de uma nova revista — Presença — deu novo ânimo ao Modernismo português. Seus fun dadores, José Régio, Bran - quinho da Fonseca e João Gaspar Simões, além de valorizarem criti - camente a ge ração de Orpheu, continuavam a luta contra o acade - micismo. 4. Fernando Pessoa (Lisboa, 1888-1935) � Vida Nasceu em Lisboa. Em 1893, tornou-se órfão de pai. A mãe casou-se novamente e a família viajou para a África do Sul. Fez o curso primário e secundário em Durban, alcançando prêmio de redação em inglês. Em 1905, voltou para Lisboa. Matriculou-se na faculdade de Letras e foi correspondente comercial em lín guas estrangeiras, função que exer ce u até a morte. Em 1912,colaborou com a Águia, como crítico. Em 1915, liderou o grupo da revista Orpheu. O se gundo número da revista é de 1916, e o terceiro não chegou a sair, pois Mário de Sá-Carneiro, que a fi nan ciava, suicidou-se. Fernando Pessoa iniciou então a pu - blicação de parte de sua obra em re - vistas: Centauro, Atena, Contemporâ- nea, Presença. Em 1934, candi da tou-se a um prêmio de poesia com Men sa - gem, único livro, em por tu guês, publi - cado em vida, alcan çan do o se gun do lugar. Com Mensa gem, Fer nan do Pessoa fez uma épi ca moder na, a partir de sugestões ca mo nia nas, mas vendo todo o sé cu lo quinhen tista por uma pers pec ti va crítica. � Obras Mensagem (1934) é a única obra em português publicada em vida. Tem linguagem extremamente ela bo ra da, num estilo semelhante, como se verá, ao do heterônimo Ricardo Reis. Mensagem, ao contrá rio de Os Lusíadas, de que é relei tura, celebra, não grandezas, mas fantásticas ir rea - lidades e loucuras de heróis da lenda e da história do país, como Ulisses, Viriato, D. Se bas tião, Vieira etc. Mensagem consti tui-se de 44 poe - mas, dispostos em três partes: “Brasão”, “Mar Portu guês” e “O Enco berto”. Tratam, respec ti va men te, das figuras históri cas e len dá rias que permitiram a ascensão de Por tugal, do apogeu de Portugal com as navegações e do declínio por tu guês. � Outras Obras – Poemas de Alberto Caeiro – Odes de Ricardo Reis – Poesias de Álvaro de Campos – Poesias de Fernando Pessoa – Poemas Dramáticos – O Mari - nheiro – Quadras ao Gosto Popular – Poemas Ingleses – Poe mas Franceses – Poemas Traduzidos – Poesias Inéditas Em prosa (textos recolhidos, es - tabelecidos e organizados por vá rios autores): – O Livro do Desassossego, por Bernardo Soares – Páginas Íntimas e de Auto- Interpretação – Páginas de Estética e de Teo- ria e Crítica Literária – Textos Filosóficos – Sobre Portugal – Introdução ao Problema Nacional – Da República – Ultimatum e Páginas de Socio- logia Política – Cartas de Amor – Textos de Crítica e Interven ção � Considerações Realiza uma poética den sa men te experimental, que, partindo das for - mas líricas tradicionais, ultra pas sa -as de forma criativa, evoluindo atra vés de diversas etapas: o sau dosismo esotérico, o pau lis mo, o futu rismo, o inter sec ci o nis mo e o sensa cio - nismo. O poeta desdobra-se em várias “máscaras”. Uma delas, Fernando Pes soa, ele-mesmo, constrói a poe sia ortonímica, assinada pelo pró prio Fernando Pessoa. As outras “más - caras” constituem os heterô nimos do poeta, dentre os quais se desta - cam: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, além de ou tros, menos desenvolvidos: Ber nar do Soares, Alexandre Search, An tônio Mora, G. Pacheco e Vicente Guedes. Cada uma dessas “máscaras” ou heterônimos constitui uma atitude, uma experiência assumida por Fer - nando Pessoa, e desemboca em um jogo infinito de lingua gens/seres, re ve - lador de uma poderosa cons ciên cia crítica do fenômeno poético e de uma densa posição metalin guística. As “máscaras” assumidas pelo poeta dialogam entre si, correspondem-se e indicam as con tradições existentes entre elas. Multiplicando-se em vários poe tas — Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos —, seus heterônimos, além da poesia que realiza sob seu próprio nome, Fer - nando Pessoa propõe um jogo infinito da linguagem, oscilando entre o sentir e o pensar, entre o ser e o não ser, entre o rosto e a máscara. “Tudo o que em mim sente está pensando”, diz de si o poeta, propondo uma chave para penetrar - mos no labirinto em que ele nos en - C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 86 – 87 P O R T U G U ÊS reda através da multiplicidade de linguagem e de cosmovisões: Caeiro é um mestre bucólico, Reis é um neo - clássico estoico, Campos é um fu tu - rista neurótico e angustiado e Fer nan do Pessoa “ele-mesmo” pare - ce ser o heterônimo de algum outro ser/poeta, instalado entre um heterô - nimo e outro, nos intervalos, nos interstícios, sim ples “ficção do inter - lúdio”. A explosão dos heterônimos as pi - ra va ao universal como esperança de unidade: Sentir tudo de todas as ma nei ras, / Viver tudo de todos os lados, / Ser a mesma coisa de todos os mo dos possíveis ao mesmo tempo, / Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos / Num só mo men to difuso, profuso, completo e longín quo. (Álvaro de Campos, “Passagem das Horas”) Mas essa esperança de unidade desemboca no esfacelamento. A so - ma dos heterônimos, que tinham no - me, biografia, profissão e traços ca rac terísticos, deveria produzir o Todo. Mas entre um sujeito e outro desponta o Outro, o Neutro, o Fluido. É o Negativo “ele-mesmo” quem triunfa, recobrindo a afirmação e negando-a. A modernidade de Fernando Pes - soa principia pela negação do sen - timento puro como conteúdo poé tico (“Tudo o que em mim sente está pensando”). A essência de sua lin - guagem nova reside na constante re - versão do sentimento em pen sa men to, na constante alquimia do sen tido em outra coisa que o excede. � Fernando Pessoa “ele-mesmo” Fernando Pessoa ortônimo (“ele- mesmo”) diverge muito de Caeiro e Reis, porque não inculca uma norma de comportamento; nele há quase apenas a expressão musical e sutil do frio, do tédio e dos anseios da alma, de es ta dos quase inefáveis em que se vislumbra por instantes “uma coisa linda”, nostalgia dum bem perdido que não se sabe qual foi, oscilações qua se imperceptíveis duma in te ligência extremamente sen sível, e até vivências tão profun - das que não vêm “à flor das frases e dos dias”, mas se insi nu am pela eufonia dos versos, pe las reticências, numa lin gua gem finíssima. Fernando Pessoa ortônimo re to - ma motivos e formas da lírica por - tuguesa, desde a Idade Média. É on de mais se projeta o naci o na lis ta místico, o sebastianista ra cio nal que o poeta se dizia, es pe ci al mente no poema esotérico Men sagem, réplica não sistemática de Os Lusíadas. I POBRE VELHA MÚSICA! Pobre velha música! Não sei por que agrado Enche-se de lágrimas Meu olhar parado. Recordo outro ouvir-te. Não sei se te ouvi Nessa minha infância Que me lembra em ti. Com que ânsia tão raiva Quero aquele outrora! E eu era feliz? Não sei: Fui-o outrora agora. (Fernando Pessoa ortônimo) II D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL Louco, sim, louco, porque quis grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? (Fernando Pessoa ortônimo, in Mensagem) III ULISSES O mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo — O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. (Fernando Pessoa ortônimo, in Mensagem) IV AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama o coração. (Fernando Pessoa ortônimo) TEXTOS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 87 88 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. (UNESP-2021) – Verifica-se a influência dessa vanguarda artística nos seguintes versos do poeta português Fernando Pessoa: a) Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante! Outra vez a obsessão movimentada dos ônibus. E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos [os comboios De todas as partes do mundo, De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios, Que a estas horas estão levantando ferroou afastando-se [das docas. b) O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp’rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte — Os beijos merecidos da Verdade. c) O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas... Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso... E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso... d) Não me compreendo nem no que, compreendendo, faço. Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim. É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço. Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim. e) Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassossegos grandes. Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, E sempre iria ter ao mar. RESOLUÇÃO: Os versos do heterônimo Álvaro de Campos que registram a influência futurista do manifesto de Filippo Tommaso Marinetti, na exaltação da máquina e da beleza da velocidade, são: “Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!”, “Outra vez a obsessão movimentada dos ônibus”, “E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios” e “De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios”. Resposta: A Texto para o teste 2. 2. Fernando Pessoa é um dos poetas mais extraordinários do século XX. Sua obsessão pelo fazer poético não encontrou limites. Pessoa viveu mais no plano criativo do que no plano concreto e criar foi a grande finalidade de sua vida. Poeta da “Geração Orfeu”, assumiu uma atitude irreverente. Com base no texto e na temática do poema “Isto”, conclui-se que o autor a) revela seu conflito emotivo em relação ao processo de escritura do texto. b) considera fundamental para a poesia a influência dos fatos sociais. c) associa o modo de composição do poema ao estado de alma do poeta. d) apresenta a concepção do Romantismo quanto à expressão da voz do poeta. e) separa os sentimentos do poeta da voz que fala no texto, ou seja, do eu lírico. RESOLUÇÃO: [ENEM-2009] Em sua obra dita ortônima (isto é, atribuída ao seu nome, não a seus heterônimos), como é o caso do poema transcrito, Pessoa separa analiticamente a emoção expressa no poema (isto é, a emoção do eu lírico) da experiência real do poeta, como fica explícito nesse poema e no célebre “Autopsicografia” (“O poeta é um fingidor...”). Resposta: E Futurismo. O Manifesto Futurista, de autoria do poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), foi publicado em Paris em 1909. Nesse manifesto, Marinetti declara a raiz italiana da nova estética: “queremos libertar esse país (a Itália) de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários”. Falando da Itália para o mundo, o Futurismo coloca-se contra o “passadismo” burguês e o tradicionalismo cultural. A exaltação da máquina e da “beleza da velocidade”, associada ao elogio da técnica e da ciência, torna-se emblemática da nova atitude estética e política. (Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br. Adaptado.) ISTO Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê! (PESSOA, F. Poemas Escolhidos. São Paulo: Globo, 1997.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 88 Texto para o teste 3. 3. (UNIFESP) – Extraído do livro Mensagem, o poema pode ser considerado nacionalista, já que o eu lírico a) apresenta Portugal como uma nação decadente, que não faz jus a seu passado de heroísmo e glórias. b) se inspira no passado de heroísmo do povo português, que, no presente, já não acredita em sua história. c) busca reviver o sonho de uma nação grandiosa, cantando um Portugal almejado por seus feitos gloriosos. d) reconhece o desejo do povo português de glorificar seus heróis, o que não fora possível até seu presente. e) descreve o Portugal de seu tempo como uma nação gloriosa e marcada por histórias de heroísmo. RESOLUÇÃO: É nítido o caráter nacionalista do poema “Prece”, de Fernando Pessoa, em que o eu poemático faz um apelo pungente para que Portugal ultrapasse a noite tormentosa, o momento de decadência por que passava no início do século XX, e ressurja glorioso como no passado das Grandes Navegações. Resposta: C SEGUNDA PARTE MAR PORTUGUÊS XII PRECE Senhor, a noite veio e a alma é vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam-nos hoje, no silêncio hostil, O mar universal e a saudade. Mas a chama, que a vida em nós criou, Se ainda há vida ainda não é finda. O frio morto em cinzas a ocultou: A mão do vento pode erguê-la ainda. Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —, Com que a chama do esforço se remoça, E outra vez conquistaremos a Distância — Do mar ou outra, mas que seja nossa! (Fernando Pessoa, in Mensagem) – 89 P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 89 90 – P O R T U G U ÊS MÓDULO 36 Fernando Pessoa: heterônimos 1. Fernando Pessoa: heterônimos � Alberto Caeiro Pessoa situou em 1889 a data do nascimento de Alberto Caeiro. Ele é, portanto, um pouco mais novo que o próprio Pessoa, mas é o seu mestre, como é o mestre dos demais hete - rônimos. Isso é paradoxal, porque Caeiro é, dentre eles, o menos culto e sua poesia é a menos elaborada formalmente. Trata- se de um homem simples, criado no campo e nele vivendo, alheio à alta sofisticação cultural que marca os poetas que o tomam por mestre. E de que Caeiro é mestre? Fernando Pessoa nos res - ponde: é mestre de paganismo, quer dizer, de uma visão não cristã, não judaica, não espiritualizada da vida e do mundo. Caeiro nos ensina que o mundo não é um enigma, um misté rio que devemos tentar desvendar, nem o que vemos tem um sentido oculto por trás das aparências: O que nós vemos das coisas são as coisas Por que veríamos nós uma coisa se hou - [vesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludir-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir? O essencial é saber ver. Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa. Mas isso (tristes de nós que trazemos a [alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender E uma sequestração na liberdade [daquele convento De que os poetas dizem que as estrelas [são as freiras eternas E as flores as penitentes convictas de um [só dia1, Mas onde afinal as estrelas não são senão [estrelas Nem as flores senão flores, Sendo por isso que lhes chamamos [estrelas e flores. Nota 1 – Observar a crítica a algumas imagens con - ven cionais da poesia de fundo romântico, espi - ri tualizada, que Caeiro rejeita. Assim, nossa dificuldade em cap - tar o mundo tal como ele é deve-se ao nosso vício de interpor o pen sa mento entre nós e as coisas. Nós somos como que doentes de pensa mento. Em vez de nos rela cio narmos com os objetos em sua singulari da de, que é a sua realida de, nós gene ralizamos, e destruí mos com isso a realidade das coisas. Diz Caeiro: Compreendi que as coisas são reais e todas [diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o [pensamento. Compreender isto com o pensamento seria [achá-las todas iguais. Já se viu em Caeiro semelhança com o zen-budismo, especialmente em sua insistência no não pensa mento como condição da experiên cia exis - tencial verdadeira. Caeiro defende um pensamento contra o pensamento, uma filosofia antifilosófica (“Com filosofia não há árvores, há ideias apenas” ) e nega qualquer forma de espiritualismo ou de trans cendência, ou seja, nega a ideia de qualquer rea- lidade além daquela que constitui nossa experiência concreta e ime dia - ta das coisas, com as quais nosso corpo se relaciona: Se quiserem que eu tenha um misticismo, [está bem, tenho-o. Sou místico, mas só com o corpo. A minha alma é simples e não pensa. O meu misticismo é não querer saber. É viver e não pensar nisso. Não sei o que é a Natureza: canto-a. Vivo no cimo dum outeiro1 Numa casa caiada e sozinha, E essa é a minha definição. Vocabulário 1 – Outeiro: colina, morro. Também em relação à poesia Caeiro é polêmico, porque suas ideias geram uma poesia “antipoética”, que nega a transcendência: O luar através dos altos ramos, Dizem os poetas todos que ele é mais Que o luar através dos altos ramos. Mas para mim, que não sei o que penso, O que o luar através dos altos ramos É, além de ser O luar através dos altos ramos, É não ser mais Que o luar através dos altos ramos. Alberto Caeiro. Pormenor do mu ral de Almada Negreiros, na Fa culdade de Le tras da Universidade de Lisboa (1958). Os poemas de Caeiro, que falam da concretude do mundo, da rea li da de única das sensações, são na verda de poemas abstratos, quase inteiramen te carentes de imagens do mundo, por - que o que o poeta faz é defender uma teoria — uma curiosa teoria que con - dena todas as teorias. Seu livro cha - ma-se O Guardador de Rebanhos, mas, como ele diz, “o rebanho é os meus pensamentos / e os meus pensamentos são todos sensações”. Sua poesia, contudo, é mais de pensamentos que de sen sações. C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 90 – 91 P O R T U G U ÊS O caráter paradoxal da teoria de Caeiro se manifesta também no plano estilístico: seus poemas evitam tudo o que se costuma tomar por poesia. Seus versos parecem prosa, pois são uma forma ritmicamente frouxa de ver - so livre, cujo andamento dá a im pres - são de naturalidade, de es pon ta nei dade sem qualquer preme dita ção artís tica (o que é, na verdade, um efeito artís tico dessa poesia). Seu voca bu lário é restrito e as mesmas palavras e expressões se repetem com peque no intervalo, sem nenhum esforço apa - rente de evitar o que é tradicional men - te considerado “po bre za de estilo”. Também do ponto de vista estrita men - te linguístico e gra matical, a escrita de Caeiro é menos culta e menos rigorosa que a de seus “discípulos”. Com tudo isso, a pequena obra singular e singela de Alberto Caeiro alcança, com recursos de simplici dade extrema, momentos de verda deira mágica poética, nos quais a sensação é realmente vívida e não apenas pretexto para a discussão de ideias. É o caso do poema seguinte, que pode ser tomado, de fato, como a expressão de um momento de iluminação zen-budista: Leve, leve, muito leve, Um vento muito leve passa, E vai-se, sempre muito leve. E eu não sei o que penso Nem procuro sabê-lo. O GUARDADOR DE REBANHOS (1910/1911 – fragmentos) V Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do Mundo? Sei lá o que penso do Mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Que ideia tenho eu das coisas? Que opinião tenho sobre as causas e os [efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas). O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos Começa a não saber o que é o Sol E a pensar muitas coisas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o Sol E já não pode pensar em nada, Porque a luz do Sol vale mais que os [pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do Sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas [árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz [pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem? “Constituição íntima das coisas...” “Sentido íntimo do Universo...” Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em coisas [dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e [pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão. Pensar no sentido íntimo das coisas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes. O único sentido íntimo das coisas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as [coisas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas [ensina.) Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma [missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e [luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e [montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si [próprio?). Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e [montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora. VI Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou... Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos!... XXXVI E há poetas que são artistas E trabalham nos seus versos Como um carpinteiro nas tábuas!... Que triste não saber florir! Ter que pôr verso sobre verso, como quem [constrói um muro E ver se está bem, e tirar se não está!... Quando a única casa artística é a Terra toda Que varia e está sempre bem e é sempre a [mesma. Penso nisto, não como quem pensa, mas [como quem respira, E olho para as flores e sorrio... Não sei se elas me compreendem Nem se eu as compreendo a elas, Mas sei que a verdade está nelas e em mim E na nossa comum divindade De nos deixarmos ir e viver pela Terra E levar ao colo pelas Estações contentes E deixar que o vento cante para adormecermos E não termos sonhos no nosso sono. TEXTOS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 91 92 – P O R T U G U ÊS � Ricardo Reis Ricardo Reis é cultor dos clás si cos gregos e latinos. Seu paganismo deri - va da lição dos escritores da Anti gui - dade, mas revela também in flu ên cia de Alberto Caeiro, no amor pela vida rústica e no apego à Natureza. Sua poesia, porém, distan cia-se mui to da de Caeiro por ser cultíssima, mar cada por sintaxe lati ni zante (gran des inver - sões, enorme liberdade na ordem das palavras, regências desu sadas) e vocabulário raro, por vezes também tomado ao latim. Sua poesia aborda os temas clássicos da brevi dade da vida, da necessidade de go zar o presente, que é a única reali dade acessível dian te da fatalidade da morte que sem pre nos aguarda. Esta atitude he donista (voltada para o prazer), ou epicurista (decorrente da filosofia de Epicuro), é associada a uma postura estoica, que propõe a auste ri dade na fruição dos prazeres, pois seremos tanto mais feli zes quan to me nores forem nossas ne cessi da des. Ricardo Reis tem no poe ta latino Horácio (século I a.C.) seu modelo literário, e seus poemas são odes à maneira antiga, com grande rigor de cons - trução, com estrofes que alter nam versos longos e breves, demé tri ca perfeita e sem rimas. Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a Lua toda Brilha, porque alta vive. (Ricardo Reis) Tanto quanto vivemos, vive a hora Em que vivemos, igualmente morta Quando passa conosco, Que passamos com ela. (Ricardo Reis) Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero. Em ti como nos outros creio deuses mais velhos Só te tenho por não mais nem menos Do que eles, mas mais novo apenas. Odeio-os sim, e a esses com calma aborreço, Que te querem acima dos outros teus iguais [deuses. Quero-te onde tu ‘stás, nem mais alto Nem mais baixo que eles, tu apenas. Deus triste, preciso talvez porque nenhum [havia Como tu, um a mais no Panteão e no culto, Nada mais, nem mais alto nem mais puro Porque para tudo havia deuses, menos tu. Cura tu, idólatra exclusivo de Cristo, que a vida É múltipla e todos os dias são diferentes dos [outros, E só sendo múltiplos como eles ‘Staremos com a verdade e sós. (Ricardo Reis) Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e [aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos [enlaçadas. (Enlacemos as mãos.) Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do [Fado, Mais longe que os deuses. Desenlacemos as mãos, porque não vale a [pena cansarmo-nos, Quer gozemos, quer não gozemos, passamos [como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassossegos grandes. Sem amores, nem ódios, nem paixões que [levantam a voz, Nem invejas que dão movimento demais aos [olhos, Nem cuidados, porque se os tivesse o rio [sempre correria, E sempre iria ter ao mar. (...) (Ricardo Reis) � Álvaro de Campos É em Álvaro de Campos, nas ci - do em 1890, que encon tra mos a in - quietação metafísica de Pessoa e seu lado “moderno”, caracte ri za do pela vontade de conquista, pelo amor à civi lização e ao pro gres so (e ao mesmo tempo cons ciên cia desse mundo) e por uma lin gua gem de tom irreverente. Essa “mo der - nidade” tem ligações claras com o cosmopolita Cesário Verde, com Walt Whit man e com o Futuris mo. Sen tindo e inte lec tualizando suas sen sações (sentir e pensar), Cam pos per cebe a impos si bilidade de não pensar, observa criti camente o mundo e a si próprio, angustiando- se diante do tempo inexo rável e do ab sur do da vida. “Poeta sensaci o - nista e por vezes es can da lo so” (qua lifica ti vos da carta de Pessoa a A. Casais Monteiro), Cam pos é o pri - meiro a fazer um retrato de si e a referir cir cunstâncias biográficas, o que refor ça a simula ção que daria ao próprio Fernando Pessoa estí mulos para se manter na pele do heterô ni - mo. Des creve-se de “mo nó culo e ca saco exagerada mente cintado”, “franzino e civiliza do”, “pobre enge - nhei ro preso a su ces sibilíssimas vi - tó rias”. Escreve, febril, “à dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fá brica”, ou no “cubículo”, ouvindo “o tic-tac estalado das máquinas de es crever”. É o outro radical, moderno, en ge - nheiro, paradoxal, sadoma so quis ta, inconciliado, “neurótico”. Vale-se de uma prosa disposta em forma poética, com versos frequen te - mente desencadeados e assimé tri cos, além de caracteres tipográ ficos, sobrecarga de sinais de pon tuação e outras “anomalias” discur sivas. Entre seus poemas mais co nhe - cidos, citam-se: “Tabacaria”, “Lisbon Re vi sited”, “Saudação a Walt Whitman”, “Opiário”, “Ode Triunfal”, “Ode Marí tima” e “Poema em Linha Reta”. TEXTOS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 92 – 93 P O R T U G U ÊS LISBON REVISITED (1923) Não: não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer. Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica! Não me apregoem sistemas completos, não [me enfileirem conquistas Das ciências (das ciências, Deus meu, das [ciências!) — Das ciências, das artes, da civilização moderna! Que mal fiz eu aos deuses todos? Se têm a verdade, guardem-na! Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro [da técnica. Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo o direito a sê-lo, ouviram? Não me macem1, por amor de Deus! Queriam-me casado, fútil, cotidiano e tributável? Queriam-me o contrário disto, o contrário de [qualquer coisa? Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a [vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Vão para o diabo sem mim, Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que havemos de ir juntos? Não me peguem no braço! Não gosto que me peguem no braço. Quero [ser sozinho. Já disse que sou sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja da [companhia! Ó céu azul — o mesmo da minha infância — Eterna verdade vazia e perfeita! Ó macio Tejo ancestral e mudo, Pequena verdade onde o céu se reflete! Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! Nada me dais, nada me tirais, nada sois que [eu me sinta. Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca [tardo... E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero [estar sozinho! (Álvaro de Campos) Vocabulário 1 – Macem: do verbo maçar (chatear). TABACARIA Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos [do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo [que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada [constantemente de gente, Para uma rua inacessível a todos os [pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, [desconhe cidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das [pe dras e dos seres, Com a morte a pôr umidade nas paredes e [cabelos brancos nos homens. Com o Destino a conduzir a carroça de tudo [pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a [ver dade Estou hoje lúcido, como se estivesse para [morrer. E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa [e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma [partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um [ranger de ossos na ida. Estou hoje perplexo, como quem pensou e [achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa [real por fora, E à sensação de que tudo é sonho, como coisa [real por dentro. (...) Fiz de mim o que não soube, E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não [desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó [que não tinha tirado. Deitei fora a máscara e dormi no vestiário Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo E vou escrever esta história para provar que [sou sublime. Essência musical dos meus versos inúteis, Quem me dera encontrar-te como coisa que eu [fizesse, E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de [defronte, Calcando aos pés a consciência de estar [existindo, Como um tapete em que um bêbado tropeça Ou um capacho que os ciganos roubaram e [não valia nada. (...) (Álvaro de Campos) POEMA EM LINHA RETA Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido cam peões [em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, [tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência [para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos [tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, [sub misso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido [mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos [moços de fretes, Eu, quetenho feito vergonhas finan cei ras, [pedido emprestado sem pagar; Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me [tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas [coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste [mundo. (...) (Álvaro de Campos) TEXTOS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 93 94 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. 1. (MACKENZIE) – No contexto da obra do poeta, a ima gem “alma vestida” (verso 6) pode ser correta men te compreendida assim: a) desde a infância o indivíduo incorpora valores culturais com os quais define sua percepção de mundo e da vida. b) o ser humano é fundamentalmente mesquinho: nunca se revela sincero nos relacionamentos. c) porque nascemos com o pecado original, a realização religiosa estará sempre comprometida. d) a essência da alma humana é inatingível. e) nosso espírito está sempre protegido dos apelos mundanos. RESOLUÇÃO: Componente central da poesia de Alberto Caeiro, heterônimo- mestre de Fernando Pessoa, é a denúncia dessa “alma vestida” que nos priva da visão verdadeira das coisas. Resposta: A Leia o poema de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, e responda aos testes 2 e 3: 1 – Adônis: na mitologia grega, um jovem de notável beleza, o favorito da deusa Afrodite. 2 – Volucre: efêmero, transitório. 3 – Apolo: na mitologia grega, o deus do Sol. 4 – Insciente: não ciente, ignorante. 2. (ALBERT EINSTEIN-2021) – No poema, o eu lírico aspira à a) beleza das rosas. b) inconsciência das rosas. c) imortalidade dos deuses. d) transitoriedade da luz. e) indiferença dos deuses. RESOLUÇÃO: As rosas do jardim de Adônis são inconscientes, inscientes a respeito da duração de sua existência efêmera. Nascem e morrem enquanto há a luminosidade do sol, não conhecem o lado noturno, sombrio da existência. Nesse poema de Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, a inconsciência sobre a efemeridade da vida é a postura que o eu lírico sugere a Lídia, convidando-a a não ter preocupação com o lado agônico e sombrio da existência, ainda que a vida seja breve. Resposta: B 3. (ALBERT EINSTEIN-2021) – Em “Que em o dia em que nascem” (verso 3), os termos sublinhados referem-se, respectivamente, a a) “jardins” e “rosas”. b) “rosas” e “rosas”. c) “rosas” e “dia”. d) “jardins” e “dia”. e) “rosas” e “jardins”. RESOLUÇÃO: O primeiro pronome relativo que, no início do verso 3, substitui o antecedente “rosas”, no final do verso 2. O segundo pronome relativo substitui a palavra “dia”. Resposta: C O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê, Nem ver quando se pensa. Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender. (...) (Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa) As rosas amo dos jardins de Adônis1, Essas volucres2 amo, Lídia, rosas, Que em o dia em que nascem, Em esse dia morrem. A luz para elas é eterna, porque Nascem nascido já o Sol, e acabam Antes que Apolo3 deixe O seu curso visível. Assim façamos nossa vida um dia, Inscientes4, Lídia, voluntariamente Que há noite antes e após O pouco que duramos. (Fernando Pessoa, Obra Poética) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 94 – 95 P O R T U G U ÊS Texto para as questões de 1 a 3. 1. O romance A Falência (1901) costuma ser vinculado ao Pré-Moder - nismo, pois veicula uma análise crítica da realidade brasileira de sua época. Tendo-se em mente que a trama desse romance se passa em 1891, ou seja, nos anos iniciais da Primeira República, que evento histórico é enfocado no trecho em análise e que será de vital importância para a narrativa de Júlia Lopes de Almeida? RESOLUÇÃO: O diálogo em análise permite perceber que o contexto da narrativa é o do Encilhamento, mais especificamente a Crise do Encilha mento, que se deu no início da República do Brasil. Trata-se de uma política econômica engendrada por Rui Barbosa, Ministro da Fazenda da época, que tinha como intenção estimular o desenvolvimento brasileiro, por meio do incentivo ao acesso ao crédito a industriais através do aumento da emissão de papel-moeda. No entanto, essa política não foi bem estruturada e controlada, o que provocou o crescimento desenfreado da especulação financeira, a ponto de criar uma bolha de crédito. A consequência foi uma crise política e econômica generalizada, na qual vai se ver o protagonista do romance, Francisco Teodoro, que vai à bancarrota, se matar. 2. A ponderação de Francisco Teodoro revela sua visão de mundo, responsável pela situação em que se encontra no momento enfocado no trecho, primeiro capítulo de A Falência. Explique, com base na fala do protagonista, de que maneira ele avalia que deva ser o processo de enriquecimento. RESOLUÇÃO: Francisco Teodoro expressa, em seu discurso direto, a descrença no enriquecimento repentino, ou seja, por meio de especulação, como dizem que ocorrera com Gama Torres, que estocara café esperando a alta dessa commodity. Para o protagonista — e a personagem baseia-se em experiência pessoal —, o enriquecimento é fruto do empreendimento no comércio. Depois de um riso fraco e desafinado, ouviu-se a vozinha aflautada do Inocêncio, perguntando a Teodoro: — Aqui seu vizinho Gama Torres é que fez um casão de um dia para o outro, hem? — Homem, sempre é verdade aquilo?! — Se é!... Tenho provas... Afinal, eu inspirei-o um pouco no negócio... Fixaram todos a vista no Inocêncio Braga. Era um homem pequenino, magro, com uns olhinhos negros, febris e um fino bigode castanho, quase imperceptível. — Custa-me a crer nesses milagres... — Ponderou Teodoro, pousando a xícara na bandeja que o Isidoro oferecia. — Afirmo; questão de arrojo. Presumiu alta, abarrotou o armazém e esperou a ocasião. O sogro ajudou-o, está claro... — Não meditou nas consequências que poderiam sobrevir se desse uma baixa. — Quem fala em baixa?! Eu só lhe digo que o comércio do Rio de Janeiro seria o melhor do mundo se tivesse muitos homens como aquele. Senhores, a audácia ajuda a fortuna. Fiquem certos que o bom negociante não é o que trabalha como um negro, e segue a rotina dos seus antepassados analfabetos. O negociante moderno age mais com o espírito do que com os braços e alarga os seus horizontes pelas conquistas nobres do pensamento e do cálculo. O Torres é de bom estofo; é destes. Conheço os homens. (ALMEIDA, Júlia Lopes de. A Falência. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 29.) MÓDULO 11 Análise de Texto FRENTE 3Análise de Textos C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 95 96 – P O R T U G U ÊS 3. O trecho em análise faz menção a elementos que antecipam eventos centrais para a trama de A Falência, principalmente no que se refere a Francisco Teodoro. Identifique-os, relacionando-os à história do protagonista. RESOLUÇÃO: O excerto faz referência à riqueza repentina e chamativa do brasileiro Gama Torres, fruto da especulação. Essa ascensão provocará a inveja de Francisco Teodoro, que ambiciona ser o mais importante comerciante de café no Brasil e até mesmo o líder da colônia portuguesa em nosso país. Por isso, após muita hesitação, deixa-se seduzir por Inocêncio Braga, aceitando fazer parte de um investimento que promete ser bastante lucrativo. O problema é que ele não “meditou nas consequências que poderiam sobrevir se desse uma baixa”, ameaça anunciada no diálogo em estudo e que de fato funciona como profecia. O preço do café sofreu uma violenta queda no mercado internacional, provocando um efeito dominó marcado por inúmeras falências, inclusive a do próprio protagonista, que, envergonhado, suicida-se. 4. Analise as proposições sobre o romance A Falência, de Júlia Lopes de Almeida: I. Esse romance apresenta uma narrativa linear, abrangendo o período que vai de 1891 a 1893. Nota-se o efeito do Encilhamento, que atingiu a família de Francisco Teodoro. II. Embora Catarina pertença a umafamília de classe média, ela não goza de qualquer autonomia profissional, mas não aceita a postura submissa da mulher. III. Francisco Teodoro apoia as reivindicações de Catarina no que concerne à participação da mulher na vida social, como exemplifica sua atitude em relação às filhas. Está correto o que se afirma em a) I e II. b) II e III. c) I e III. d) I, apenas. RESOLUÇÃO: Francisco Teodoro não aceita a participação da mulher na vida social. Para ele, a mulher deve limitar-se às funções domésticas. Resposta: A 5. Ainda a respeito de A Falência, é correto afirmar que a) Gervásio assume, no final da narrativa, a relação com Camila. b) Francisco Teodoro é um homem rico e muito perspicaz no ambiente econômico. c) a traição masculina é vista com complacência, enquanto a feminina é intolerável. d) Mário, apesar de amar Nina, prefere se casar com Paquita, mulher rica. RESOLUÇÃO: No contexto do romance e da sociedade patriarcal, há tolerância no que se refere à traição masculina e intransigência no que tange ao adultério feminino. Ressalve-se que o adultério de Camila é de conhecimento público, mas é ignorado pelo marido. As demais adúlteras foram punidas ou com a morte, ou com a separação. Resposta: C C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 96 Texto para os testes 6 e 7. 6. No excerto lido, o narrador noticia a percepção de Camila sobre sua viuvez como algo real e simbólico. Pois, se ao morrer Francisco Teodoro, seu marido, houve a morte também de seu ideal de vida burguês, agora, diante do rompimento com Gervásio, seu amante, para a protagonista, além da relação amorosa “real”, morre-lhe também a) a imagem social. b) o ideal amoroso. c) a consideração social. d) a reconciliação com Mário. RESOLUÇÃO: Segundo o texto lido, com o fim de sua relação amorosa com Gervásio, Camila “... perdia a ilusão do amor, a fé divina na felicidade duradoura, o melhor na terra...”. Resposta: B 7. No segundo parágrafo desse excerto, tem-se a) discurso direto. b) discurso indireto. c) discurso indireto livre. d) discurso do narrador. RESOLUÇÃO: No segundo parágrafo, há discurso indireto livre, em que o narrador capta a fala interior da personagem Camila. Resposta: C Texto para o teste 8. 8. Nesse excerto do capítulo XIV, a personagem Ruth vai à casa das tias Itelvina e Joana, no Morro do Castelo, e tem uma revelação. Pode-se dizer que essa epifania se refere a) à falência do pai. b) ao caráter sublime da arte. c) à diferença de classes sociais. d) ao adultério da mãe. RESOLUÇÃO: Ruth, adolescente rica, nota os maus-tratos que a tia Itelvina dirige à mulher negra agregada, Sancha, e conscientiza-se, nesse momento, da diferença de classes sociais. Houve a abolição dos escravos, mas, no contexto em que se passa a narrativa, 1891-1893, continuam os maus-tratos. Resposta: C Aquela noite do Castelo, tão simples, tão monótona, fora uma revelação! Era bem certo que a lágrima existia, que irrompiam soluços (...). Por quê? Que direito teriam uns a todas as primícias e regalos da vida, se havia outros que nem por uma nesga viam a felicidade? Sabia da história de Sancha: uma negrinha vinda aos sete anos da roça para a casa das tias, com sentido no pão e no ensino. (Júlia Lopes de Almeida, A Falência) ... estava bem certa de que aquele era o dia de sua segunda viuvez. Perdera na primeira o aconchego, as honras da sociedade, a fortuna e um amigo calmo, que não a repudiaria nunca... Na segunda, perdia a ilusão do amor, a fé divina na felicidade duradoura, o melhor bem na terra! (...) Oh! ser honesta, viver honesta, morrer honesta, que felicidade! Se pudesse voltar atrás, desfazer todos aqueles dias de sonho e de ebriedade, recomeçar os labores antigos da insossa domesticidade de esposa obediente, sem imaginação, sem vontade, feliz em ser sujeita, em servir a um só homem, com que pressa voltaria para evitar esta humilhação, pior que todas as mortes, porque vinha dele, que ela amava tanto! Amava ainda. Ainda! Olhou com desprezo para seu belo corpo de mulher ardente. Era um despojo, de que valia? Lembrou-se com terror das filhas, aquelas crianças nascidas dela, predestinadas para o Sofrimento. Caminhariam alegremente para o Amor, e o Amor só lhes daria decepção e miséria. Numa angústia, Camila interrogou com olhar ansioso a treva muda: Senhor, que haveria no mundo para salvação das almas doloridas?! Alguma coisa falou-lhe no ar, um rasgo de poesia, que subia as estrelas: a música de Ruth. A essência da lágrima purificava-se ao som, com um poder de infinita pacificação. Então a viúva teve inveja da filha, daquele ideal puríssimo, que não lhe traria nunca o travo de um desengano. A arte a consolaria do homem, pensou, quando chegasse o dia de o amar e de o servir... Maldita a natureza, que a fizera, a ela, só para o amor! (ALMEIDA, Júlia Lopes de. A Falência. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2019. p. 294-295.) – 97 P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 97 98 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 1. One and Three Chairs (1965), de Joseph Kosuth. Museu Rainha Sofia, Espanha. (Disponível em: www.museoreinasofia.es. Acesso em: 4 jun. 2018. – adaptado.) 1. (2020) – A obra de Joseph Kosuth data de 1965 e se constitui de uma fotografia de cadeira, uma cadeira exposta e um quadro com o verbete “Cadeira”. Trata-se de um exemplo de arte conceitual que revela o paradoxo entre verdade e imitação, já que a arte a) não é a realidade, mas uma representação dela. b) se fundamenta na repetição, construindo variações. c) não se define, pois depende da interpretação do fruidor. d) resiste ao tempo, beneficiada por múltiplas formas de registro. e) redesenha a verdade, aproximando-se das definições lexicais. RESOLUÇÃO: [ENEM-2020] A obra One and Three Chairs, de Joseph Kosuth, composta de uma fotografia de cadeira, de uma cadeira e de um quadro com o verbete de dicionário que conceitua “cadeira”, propõe uma reflexão sobre a essência da arte. Essa visão crítica revela que o objeto artístico não é a realidade, mas sim uma representação dela. Resposta: A Texto para o teste 2. Campo Relampejante (1977), de Walter de Maria. (Disponível em: www.ballardian.com. Acesso em: 12 jun. 2018.) 2. (2020) – Na obra Campo Relampejante (1977), o artista Walter de Maria instalou hastes de ferro, em espaços regulares, em um campo de 1.600 metros quadrados no Novo México. O trabalho faz parte do movimento artístico Land Art, que trata da a) constituição da cena artística marcada pela paisagem natural, modificada pela multimídia. b) ocupação de um local vazio sem função específica, passando a existir como arte. c) utilização de equipamentos tradicionais como suporte para a atividade artística. d) divulgação de fenômenos científicos que dialogam com a estética da arte. e) exposição da obra em locais naturais e institucionais abertos ao público. RESOLUÇÃO: [ENEM-2020 – digital] Walter de Maria, para criar Campo Relampejante, valeu-se de uma área aberta, na qual instalou hastes de ferro que, ao atraírem os raios de uma tempestade, originam uma criação artística única. Resposta: B Cadeira – s. f. 1 assento com encosto e pernas, ger. para uma pessoa 2 fig. lugar de honra ocupado por político, cientista, literato etc, 3 fig disciplina: cátedra MÓDULO 12 Análise de Texto C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 98 Textos para o teste 3. 3. (2020) – A provocação desse grupo gera um debate em torno da obra de arte pela(o) a) recusa a crenças, convicções, valores morais, estéticos e políticos na história moderna. b) frutífero arsenal de materiais e formas que se relacionam com os objetos construídos. c) economia e problemas financeiros gerados pela recessão que tiveram grande impacto no mercado. d) influência desse grupo junto aos estilos pós-modernos que surgiram nos anos 1990. e) interesse em produtos indesejáveis que revela uma consciência sustentável no mercado. RESOLUÇÃO: [ENEM-2020] A provocaçãodesse grupo consiste em utilizar nas obras diversos materiais inusitados e alguns escatológicos, como esterco de elefantes e sangue, os quais se incorporam nos artefatos para, conforme se lê no texto II, expressar os “detritos da vida” e uma “atmosfera de niilismo”. Resposta: B Textos para o teste 4. 4. (modificado) – A partir dos textos apresentados, os trabalhos que são pertinentes à criação popular caracterizam-se por a) temática nacionalista que abrange áreas regionais amplas. b) produção de obras utilizando materiais e técnicas tradicionais da arte acadêmica. c) ligação estrutural com a arte canônica pela exposição e recepção em museus e galerias. d) abordagem peculiar da realidade e do contexto, seguindo criação pessoal particular. e) criação de técnicas e temas comuns a determinado grupo ou região, gerando movimentos artísticos. RESOLUÇÃO: [ENEM-2013 – 2.a aplic.] Para se chegar à alternativa correta, é preciso ater-se ao texto de Lélia Coelho Frota, que afirma: “indivíduos (...), na área da visualidade, gerarão uma obra de feição original, autoral, única (...), a fim de criar seu projeto artístico, a sua identidade social.” Dessa passagem, conclui-se que a “criação popular” (como as carrancas apresentadas) resulta de uma “abordagem peculiar da realidade e do contexto, seguindo criação pessoal particular”. Resposta: D Texto I Mother and Child (1993, detalhe), de Damien Hirst. Vaca e bezerro divididos em duas partes, vidro, aço pintado, silicone, acrílico, monofilamento, aço inoxidável, solução de formaldeído, 1.029 x 1.689 x 625 mm. Texto II O grupo Jovens Artistas Britânicos (YABs), que surgiu no final da década de 1980, possui obras diversificadas que incluem fotografias, instalações, pinturas e carcaças desmembradas. O trabalho desses artistas chamou a atenção no final do período da recessão, por utilizar materiais incomuns, como esterco de elefantes, sangue e legumes, o que expressava os detritos da vida e uma atmosfera de niilismo, temperada por um humor mordaz. (FARTHING, S. Tudo sobre Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011 – adaptado. Disponível em: http://damienhirst.com. Acesso em: 15 jul. 2015.) Texto I Exemplares da carranca vampira. Sucesso nas feiras de artesanato do Nordeste brasileiro, a carranca vampira consiste numa adaptação, inspirada no filme japonês A Fuga de King Kong (1967), das antigas carrancas de proas. (Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/historia-figura- tradicao-carrancas-sao-francisco-filme-king-kong-japones.phtml. Acesso em: 11 fev. 2021.) Texto II Partindo do chão coletivo da comunidade rural ou das cidades, à medida que se impregna de um ethos urbano — seja por migração, seja pela difusão de novos conteúdos midiáticos —, irão surgindo indivíduos que, na área da visualidade, gerarão uma obra de feição original, autoral, única. O indivíduo-sujeito recorre à memória para a construção de uma biografia, a fim de criar seu projeto artístico, a sua identidade social. (FROTA, L. C. Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro: século XX. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005.) – 99 P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 99 100 – P O R T U G U ÊS Textos para o teste 5. 5. A pintura-mural de Picasso e a fotografia retratam os efeitos do bombardeio, ressaltando, respectiva - mente, a) crítica social – conformismo político. b) percepção individual – registro histórico. c) realismo acrítico – idealização romântica. d) sofrimento humano – destruição material. e) objetividade artística – subjetividade jornalística. RESOLUÇÃO: [ENEM-2012 – 2.a aplic.] O sofrimento humano e a destruição material são os dois aspectos que se destacam, respectivamente, nas duas representações da cidade de Guernica bombardeada. Resposta: D Texto para o teste 6. Iemanjá, de J. Borges. Xilogravura. 6. A xilogravura é um meio de expressão de grande força artística e literária no Brasil, especialmente no Nordeste brasileiro, onde os artistas populares talham a madeira, transformando-a em verdadeiras obras de arte. Com total liberdade artística, hoje já conquistaram espaço entre os diversos setores culturais do país, retratando cenas a) do seu próprio universo, revelando personagens com aparência humilde em vestes requintadas. b) com temas de personagens do folclore popular, crenças e futilidades dos mais necessitados. c) de conteúdo histórico e político do Nordeste brasileiro, com a intenção de valorizar as diferenças sociais. d) das grandes cidades, com a preocupação de uma representação realista da figura humana nordestina. e) com personagens fantasiosas, beatos e cangaceiros presentes nas crenças da população nordestina. RESOLUÇÃO: [ENEM-2011 – 2.a aplic.] As xilogravuras tematizam os mitos da cultura nordestina. Resposta: E Em 1937, Guernica, na Espanha, foi bombardeada sob o comando da força aérea da Alemanha nazista, que apoiou os franquistas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Guernica, de Pablo Picasso. Pintura-mural. (Disponível em: www.museoreinasofia.es.) (Disponível em: http://mrzine.monthlyreview.org.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 100 Texto para o teste 7. (IMODESTO. “As colunas do Alvorada podiam ser mais fáceis de construir, sem aquelas curvas. Mas foram elas que o mundo inteiro copiou.” Brasília 50 anos. Veja. N.° 2.138, nov. 2009.) 7. Utilizadas desde a Antiguidade, as colunas, elementos verticais de sustentação, foram sofrendo modificações e incorporando novos materiais com ampliação de possibilidades. Ainda que as clássicas colunas gregas sejam retomadas, notáveis inovações são percebidas, por exemplo, nas obras de Oscar Niemeyer, arquiteto brasileiro (1907-2012). No desenho de Niemeyer, das colunas do Palácio da Alvorada, observa-se a) a presença de um capitel muito simples, reforçando a sustentação. b) o traçado simples de amplas linhas curvas opostas, resultando em formas marcantes. c) a disposição simétrica das curvas, conferindo saliência e distorção à base. d) a oposição de curvas em concreto, configurando certo peso e rebuscamento. e) o excesso de linhas curvas, levando a um exagero na ornamentação. RESOLUÇÃO: [ENEM-2011] Nas duas figuras simétricas, nota-se “o traçado simples de amplas linhas curvas opostas”. A forma marcante da curva é o fundamento da arquitetura de Niemeyer. Resposta: B Texto para o teste 8. Soldados no Front, de Carlos Scliar. Xilografia sobre papel, 32,7 x 21,9 cm. (Disponível em: http://www.mac.usp.br/mac/menuLateral.asp?op=8#. Acesso em: 01 maio. 2009.) 8. A gravura acima, de Carlos Scliar, que se refere à experiência da guerra na Itália em 1944, relaciona-se com a) a experiência impressionista chamada pontilhismo. b) a técnica de pintura que desenvolveu um gênero original denominado cubismo sintético. c) a realidade do contexto de vida pop, conforme se percebe no tema e nas personagens que compõem a cena. d) a forma de representação chamada abstração, antinaturalista, geométrica e distante do mundo material. e) o movimento expressionista, como se percebe na mensagem emocionalmente carregada de solidão e medo que ela transmite. RESOLUÇÃO: [ENEM] As expressões de sofrimento e dor das personagens retratadas vinculam a xilografia de Scliar ao movimento expressionista. Resposta: E – 101 P O R T U G U ÊS C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 101 102 – P O R T U G U ÊS Texto para o teste 9. Cry me a River, de Lina Kim. Instalação com camisas de força, pia, baldes, torneira, espelho, lâmpada, 2001. (CANTON, K. As Nuances da Cidade. Bravo!, n. 54, mar. 2002.) 9. A imagem reproduz a instalação da paulista Lina Kim, apresentada na 25.ª Bienal de São Paulo em março de 2002. Nessa obra, a artista se utiliza de elementos dispostos num determinado ambiente para propor que o observador reconheça a/o a) recusa à representação dos problemas sociais. b) questionamento do que seja razão. c) esgotamento das estéticas recentes. d)processo de racionalização inerente à arte contemporânea. e) ruptura estética com movimentos passados. RESOLUÇÃO: [ENEM-2018 – 2.a aplic.] A disposição aleatória desses elementos em que se inclui uma camisa de força leva ao questionamento do que se considera como razão. Resposta: B Textos para o teste 10. 10. A obra de Ernesto Neto revela a liberdade de criação abordada no texto por a) destacar o papel da arte na valorização da sustentabilidade. b) romper com a estrutura dos referenciais estéticos contemporâneos. c) envolver o espectador ao promover sua interação com a obra. d) reproduzir no espaço da galeria um fragmento da realidade. e) utilizar a linearidade de estilos artísticos anteriores. RESOLUÇÃO: [ENEM] O espectador interage com o objeto artístico, abandona a atitude meramente contemplativa e passiva da fruição tradicional. Resposta: C Texto I Dancing on the Cutting Edge, de Ernesto Neto. Instalação interativa, 2004. (Disponível em: http://dailyserving.com. Acesso em: 29 nov. 2013.) Texto II Os artistas, liberados do peso da história, ficavam livres para fazer arte da maneira que desejassem ou mesmo sem nenhuma finalidade. Essa é a marca da arte contemporânea, e não é para menos que, em contraste com o Modernismo, não existe essa coisa de estilo contemporâneo. (DANTO, A. Após o Fim da Arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus, 2006.) C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 102 – 103 P O R T U G U ÊS Texto para a questão 1. 1 – Conde D. Henrique de Borgonha, o Bom, cruzado e pai de D. Afonso Henriques, funda o reino português, no século XII, separando-se de Castela. 1. Explique o título Mensagem. RESOLUÇÃO: Mensagem deveria intitular-se, inicialmente, Portugal, ambas as palavras com oito letras, número que simboliza o infinito. Esse esoterismo e esse elemento simbólico encontram respaldo em Mensagem, já que o também numerólogo Fernando Pessoa criou uma obra que vai muito além da abordagem dos mitos das Grandes Navegações que expandiram o Império Português. Nesse livro, elaborou-se uma série de símbolos imanentes ao caráter de Portugal e que precisariam vir à tona, para reerguer a nação. Nota-se a busca da transcendência do que fez a grandeza lusa. Há um nacionalismo místico, sebastianista, profético, de um supraPortugal, retomando-se, intertextualmente, a epopeia camoniana Os Lusíadas. No prefácio de Mensagem, afirma-se: “O entendi mento dos símbolos e dos rituais simbólicos exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.” Isso vai ser retomado nos poemas de Mensagem: tentar elencar os símbolos e remeter o país ao destino grandioso e metafísico a que está ligado indissoluvelmente. Texto para o teste 2. 2. Os versos consistem a) na expressão do medo dos portugueses frente ao imenso e desconhecido mar, fator que impediu que as Grandes Navegações ocorressem antes. b) numa invocação ao mar, como se nota na apóstrofe, na qual, nos versos seguintes, o eu lírico relata a conquista de um sonho que provém da coragem de navegar. c) numa descrição do mar e de todos seus pormenores, revelando o conhecimento náutico dos lusos. d) no detalhamento náutico do empreendimento colonialista português para desbravar o mar e conquistar terras. e) na ânsia de Portugal de adicionar territórios a seu império, como um desejo divino e interesse mercantilista. RESOLUÇÃO: “Horizonte” é um poema iniciado com uma invocação ao mar. Posteriormente, há referência a sua imensidão e a seu aspecto desconhecido. Mas, para além de seus perigos e mistérios, há também o “sonho” de desbravá-lo, chegando-se, assim, à transcendência humana. Resposta: B SEGUNDA PARTE MAR PORTUGUÊS II HORIZONTE Ó mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o mistério, Abria em flor o Longe, e o Sul sidério ‘Splendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa — Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em sons e cores: E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe a abstrata linha. O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp’rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte — Os beijos merecidos da Verdade. (Fernando Pessoa, Mensagem) PRIMEIRA PARTE BRASÃO Terceiro O CONDE D. HENRIQUE1 Todo começo é involuntário. Deus é o agente. O herói a si assiste, vário E inconsciente. À espada em tuas mãos achada Teu olhar desce. “Que farei eu com esta espada?” Ergueste-a, e fez-se. (Fernando Pessoa, Mensagem) MÓDULO 13 Análise de Texto C2_3A_LILAS_2022_PORT_JR.qxp 03/02/2022 17:25 Página 103 104 – P O R T U G U ÊS Texto para as questões de 3 a 5. 3. “Mar Português” faz referência ao contexto expansionista das Grandes Navegações, no qual Portugal desempenhou importante papel no século XV. Explique sob que perspectiva é retomado esse fato histórico. RESOLUÇÃO: Embora no texto fique evidente que a expansão marítima ocasionou mortes e tragédias pessoais, ela é exaltada como a chegada a um outro patamar por parte desse povo heroico, que, ao conquistar o mar, conquistou o espelho do céu, superou-se, tornou-se transcendente e mítico. 4. Como se percebe que a aventura portuguesa é realizada por uma coletividade? RESOLUÇÃO: O emprego da primeira pessoa do plural (“cruzarmos”, “nosso”) e o segundo verso (“São lágrimas de Portugal!”) evidenciam o caráter coletivo da empreitada náutica desse país. 5. Quais as figuras de linguagem presentes no verso “Para que fosses nosso, ó mar”? RESOLUÇÃO: Há a figura de sintaxe denominada elipse, na omissão do sujeito tu, e a figura de pensamento denominada apóstrofe, “ó mar”. Considere as estrofes a seguir, de Os Lusíadas, para responder à questão 6: 1 – Vitupério: injúria, prejuízo, dano. 6. Esse trecho de Os Lusíadas, estrofes do canto IV, episódio do “Velho do Restelo”, faz referência ao contexto das Grandes Navegações portuguesas. O que há em comum na visão de Camões, em Os Lusíadas, e na de Pessoa, em “Mar Português”, acerca desse fato da história de Portugal? RESOLUÇÃO: A primeira estrofe de “Mar Português” vai ao encontro das palavras do Velho do Restelo em Os Lusíadas, lamentando todas as perdas humanas e demais consequências do empreendimento das Grandes Navegações portuguesas. Movidos pela aventura expansionista, os portugueses ousaram enfrentar os perigos do mar. Entre as consequências, como as inúmeras mortes daqueles que embarcaram nessas viagens, há também o fato, hiperbólico, de que grande parte da salinidade marítima provém das lágrimas do povo luso, que chorou a morte e as tragédias pessoais decorrentes dessa empreitada heroica. X MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. (Fernando Pessoa, Mensagem) 95 “Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C’uma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles exp’rimentas! 96 “Dura inquietação d’alma e da vida, Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios: Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo digna de infames vitupérios1; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio engana! 97 “A que novos desastres determinas De levar estes reinos e esta gente? Que perigos, que