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1 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Pneumonia Adquirida na Comunidade INTRODUÇÃO • Pneumonia: o É uma doença de trato respiratório inferior (diferente das IVAS) → Isso confere uma gravidade um pouco maior ao quadro o Ocorre por causa de uma inflamação do parênquima pulmonar o Geralmente é causada por agente infeccioso ▪ Porém, existem causas não infecciosas que também podem levar à pneumonia (Ex.: Aspiração de corpo estranho, não tão incomum na pediatria) • Pneumonia adquirida na comunidade: o É toda pneumonia que ocorre em criança que não foi hospitalizada no último mês o Portanto, não são colonizadas por germes hospitalares e, sim, por germes provenientes do meio domiciliar, escolar e comunitário • Epidemiologia: o É uma das principais causas de encaminhamento e internação hospitalar ▪ Isso impõe uma carga substancial aos serviços de saúde o Em 2017, no Brasil, tivemos mais de 1 milhão de internações em crianças < 5 anos por causa de pneumonia o É a doença respiratória que mais causa hospitalização (30% dos casos) o É a principal causa de morte em crianças < 5 anos (1,2 milhão de mortes por ano) o A mortalidade está intimamente ligada à pobreza (menos acesso à saúde, rede de atenção primária precária etc.) → Mais de 99% dos óbitos por pneumonia estão em países de baixa e média renda ▪ Por essa mortalidade, são criadas estratégias de condução terapêutica → Uma das mais famosas e que deu certo é o AIDPI (Manejo Integrado de Doenças Prevalentes na Infância) ❖ AIDPI é um esquema padronizado para que sem muito recurso (sem exame laboratorial e de imagem) seja possível ter um fluxo para atender as crianças em áreas de risco ❖ Resultou em um declínio constante na incidência e mortalidade por pneumonia ETIOLOGIA É importante sabermos o agente etiológico principalmente para escolhermos o tipo de tratamento abordado. • Etiologias mais comuns: o Crianças > 3 semanas e até 4 anos de idade → Pneumococo PROF. PEDRO PEÇANHA 2 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Nessa faixa etária, além do pneumococo (principal), devemos pensar em outros agentes* o Crianças < 3 semanas → Germes maternos (Ex.: Estreptococos do grupo B) o Crianças > 5 anos → Já temos que pensar em germes atípicos e começar a se aproximar do quadro em adultos (Mycoplasma e Chlamydophila) o *Outros agentes → Estreptococos do grupo A e S. aureus (ocorrem principalmente como complicação da pneumonia por Influenza, como superinfecção bacteriana) • Observações: o Pneumococo, H. influenzae e S. aureus são os agentes que mais causam morte por pneumonia bacteriana o Com a cobertura vacinal adequada, vem reduzindo (redução da incidência por pneumococo e Haemophilus) o À medida que foi aumentando a vacinação do pneumococo 10, surgiram outros tipos de pneumococo que continuam causando doença invasiva, então ainda possui impacto importante no nosso meio • Crianças imunocomprometidas: o Devemos considerar outros agentes ▪ Mycobacterium tuberculosis (da tuberculose) ▪ Micobactéria atípica ▪ Pneumocystis jiroveci (da pneumocistose) → Ex.: Pacientes HIV positivos ▪ Escherichia coli ▪ Citomegalovírus → Ex.: Pacientes oncológicos • Pneumonia viral: o A PAC também pode ocorrer por vírus, sendo difícil fazer essa diferenciação diagnóstica o É comum em crianças entre 1 mês e 5 anos de idade o O diagnóstico é feito usando a biologia molecular (40-80% detectadas) 3 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Atenção para os principais agentes etiológicos ▪ Vírus Sincicial Respiratório (causador da bronquiolite) e rinovírus → Principalmente em < 2 anos ▪ Outros vírus (influenza, metapneumovírus e adenovírus) o Os vírus podem acabar abrindo caminho para as bactérias e ter uma infecção bacteriana secundária (o que dificulta ainda mais o diagnóstico de pneumonia viral) o Infecção por mais de um vírus acontece em cerca de 20% dos casos o Infecções do trato respiratório inferior são muito mais comuns no outono e no inverno MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS • Manifestações clínicas gerais: o O mais comum é um quadro precedido por vários dias de sintomas de IVAS e em vez da criança começar a melhorar, a febre continua, tem uma queda de estado geral, começa a ter recusa alimentar etc. ▪ Nessa situação, temos que nos alertar para a infecção bacteriana secundária (pneumonia é uma delas) o Febre → Costuma estar presente o Taquipneia (aumento da frequência respiratória) → Sinal mais importante (criança sem sibilo, com taquipneia e febre temos que sempre pensar em pneumonia) ▪ < 1 ano → FR normal de 30 a 60 (algumas referências colocam 60 até 2 meses e depois 50 até 1 ano) ▪ 1 a 3 anos → FR normal de 24 a 40 ▪ 4 a 5 anos → FR normal de 22 a 34 ▪ 6 a 12 anos → FR normal de 18 a 30 ▪ 13 a 18 anos → FR normal de 12 a 16 o Dispneia (desconforto respiratório) → Manifesta com tiragem intercostal, subcostal e supraesternal, batimento e asa do nariz e uso da musculatura acessória 4 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Cianose e letargia → Casos mais graves, em que a criança já chega bem rebaixada o As manifestações clínicas dependem do estágio da pneumonia o Ausculta → Estertores (pode ser difuso ou localizado) e roncos sobre a área afetada do pulmão ▪ Quando tem consolidação ou complicações → O murmúrio pode estar diminuído ou ausente, principalmente em bases (com derrame pleural associado) o Outro sintoma muito importante para qualquer patologia em pediatria é a sonolência com períodos de inquietação (criança dorme, acorda chorando muito, dorme de novo etc.) o Distensão abdominal → Pode acontecer na pneumonia em razão da dilatação gástrica causada por ar deglutido ou ílio paralítico o Dor abdominal → Principalmente na pneumonia lobar (lobo inferior) ▪ Pneumonia entra como diagnóstico diferencial de abdome agudo (tem que fazer raio X de tórax) o OBS.: Pela possibilidade desses sintomas/sintomas mais inespecíficos, sempre precisamos fazer o exame físico completo na pediatria • Manifestações clínicas em lactentes: o Pródromo de infecção do trato respiratório superior e diminuição do apetite → Levando ao início abrupto de febre, inquietação, apreensão e desconforto respiratório o Os bebês têm a característica de ficarem mais doentes (aparentam mais abatidos), com a dificuldade respiratória manifestando-se por meio de resmungos, engasgos, dispneia, taquicardia, falta de ar e cianose ▪ OBS.: Taquicardia também é um sinal importante de gravidade o Podem ter distúrbios gastrointestinais associados, com vômitos, anorexia, diarreia e distensão abdominal devido a um íleo paralítico o Progressão rápida de sintomas é característica nos casos mais graves de pneumonia bacteriana • Manifestações clínicas em crianças mais velhas: o Os sintomas descritos em adultos (febre, tosse, falta de ar, dor no peito etc.) são incomuns em crianças pequenas e começam a acontecer mais em crianças um pouco mais velhas ▪ Início súbito, febre alta, tosse e dor no peito • Sinais de gravidade: o Saturação de oxigênio < 92% o Murmúrio vesicular abolido → Pode indicar complicação (Ex.: Derrame pleural, empiema) o Desnutrição grave o Sonolência o Rebaixamento do nível de consciência o Recusa alimentar → Não pode ficar em casa, senão vai desidratar e piorar o quadro clínico DIAGNÓSTICO • Pneumonia recorrente: o Para classificar como recorrente, devemos preencher um dos 2 critérios 5 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ 2 ou mais episódios em um único ano ▪ 3 ou mais episódios com confirmação radiográfica entre as ocorrências (ao longo de toda vida) o Na presença de pneumonia recorrente, devemos considerar algum transtorno subjacente(alguma deficiência, malformação pulmonar etc.) • Diagnóstico clínico: o Podem ser classificadas de acordo com a idade ▪ Crianças < 2 meses ❖ Tosse e dificuldade respiratória ❖ FR ≥ 60 com ou sem tiragem subcostal ❖ Quando tem desconforto respiratório → Consideramos pneumonia grave ❖ Sempre internamos para tratamento hospitalar ▪ Crianças > 2 meses ❖ Pneumonia → Apenas FR aumentada (tratamento ambulatorial com antibioticoterapia) ❖ Pneumonia grave → FR aumentada com tiragem subcostal (internação hospitalar) o Descartar outras doenças, como asma e bronquiolite (causam sibilância) ▪ Na presença de FR aumentada e sibilo temos que resolver o broncoespasmo para depois refazer a contagem da FR e poder classificar o paciente em relação à PAC → Evita excesso de prescrição com antimicrobiano e subdiagnóstico da doença obstrutiva de via aérea inferior • Exames complementares: o Evitar exames laboratoriais e de imagem quando não há necessidade de internação o Reservamos os exames complementares para quando a criança tem um aspecto mais agressivo/tóxico e vai internar → Hemograma, eletrólitos, testes de função hepática e renal e hemocultura • Exames laboratoriais: o Hemograma → Útil na avaliação de pacientes internados, mas pouco específico para o diagnóstico de PAC o Provas de atividade inflamatória (PCR, VHS e PCT) → Ajuda a ter ideia do quadro, mas não diferencia totalmente PAC viral de bacteriana, servem mais para avaliar a evolução/melhora do paciente o Hemocultura → São positivos em só 10% das crianças com pneumonia pneumocócica ▪ Vamos colher apenas em pacientes que não tem uma boa evolução clínica e em todos pacientes que necessitam de internação ▪ Crianças com tratamento ambulatorial não precisam fazer hemocultura o Pesquisa viral → Testes para influenza e outros vírus respiratórios, são interessantes, mas não fazemos tanto de rotina (fazemos apenas se disponíveis, ajudam a reduzir uso de antimicrobiano) • Radiografia de tórax: o Não ajuda a diferenciar se a PAC é viral ou bacteriana (não tem precisão para definir a etiologia) o Crianças com tratamento ambulatorial não precisam fazer raio X (vamos só pela clínica) o O aspecto radiográfico não ajuda muito a dar o diagnóstico (devemos considerar outras características clínicas) 6 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Não precisamos ficar repetindo raio X para paciente internado para saber se está melhorando (também podemos ir pela clínica) o Há algumas indicações para fazer o raio X ▪ Pacientes com hipóxia/hipoxemia e esforço respiratório ▪ Avaliar complicações → Na ausência de boa resposta ao tratamento, faz o RX para ver se tem complicação ▪ Pneumonia recorrente localizada ▪ Sintomas persistentes ▪ Crianças < 5 anos que aparentam febre e leucocitose sem causa aparente • Diagnóstico radiológico: o Raio X (PA e perfil) → Podemos encontrar infiltrado, consolidação, derrame pleural ou empiema ▪ Na pneumonia viral, veremos hiperinflação (retificação de arco costal) com infiltrados intersticiais bilaterais e espessamento peribrônquico ▪ Consolidação lobar confluente é característica da pneumonia pneumocócica o USG portátil ou manual (bera-leito) é altamente sensível e específica no diagnóstico → Tem crescido e sido de grande valor nos últimos tempos o OBS.: Repetidas radiografias torácicas não têm valor importante, não são necessárias para provar a cura em pacientes com pneumonia não complicada Aspecto um pouco mais infiltrado (infiltrado intersticial bem difuso) – Mais comum na pneumonia viral 7 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Consolidação mais em base, pode ter derrame associado (não estamos vendo a cúpula diafragmática) – Mais comum na pneumonia bacteriana Padrão mais misturado, com infiltrado e consolidação – Não tem como diferenciar bem se é viral ou bacteriano 8 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Diagnóstico definitivo: o O ideal seria termos material direto do pulmão, mas só conseguimos isso com broncoscopia com biópsia (invasivo) e cultura de escarro não é acurado o Infecção viral → Isolamento do vírus ou detecção do genoma viral (seja por PCR ou antígeno) o Infecção bacteriana → Isolamento da bactéria no sangue, líquido pleural ou pulmão TRATAMENTO • Tratamento ambulatorial: o Indicado para crianças sem sinais de gravidade e com boas condições clínicas (mandamos para casa) o A antibioticoterapia baseia-se nos principais agentes de cada faixa etária, situação clínica e região ▪ Até os 4 anos → Principalmente amoxicilina (pensando em pneumococo) ❖ Podemos usar Amoxicilina + Clavulanato pensando em quadro viral inicial (para cobrir Staphylococcus) ▪ A partir dos 5 anos → Principalmente azitromicina (pensando nos germes atípicos) o O tratamento costuma ser empírico, porque geralmente não conseguimos isolar o agente o O antibiótico de escolha geralmente é amoxacilina, variando a dosagem de 45 a 90 mg/kg/dia ▪ Enfermidade branda → 45 mg/kg/dia ▪ Pneumococo resistente e casos mias graves → 90 mg/kg/dia o O Clavulin (Amoxicilina + Clavulanato) é uma opção terapêutica → Usamos bastante quando tem um quadro viral inicial e depois uma infecção bacteriana secundária (porque Staphylococcus pode causar, que é sensível ao clavulanato) o Na idade escolar ou na suspeita de germe atípico entramos com macrolídeo (azitromicina) o Até 30% dos casos pode ter uma infecção viral com patógenos bacterianos coexistentes (infecção secundária) o Fala-se num tempo de tratamento de 7 a 10 dias (mas, já há estudos que falam que 5 dias é suficiente) • Tratamento de suporte: o Controle da febre e da dor o Manutenção da hidratação o Alimentação adequada o Orientar sobre os sinais de pior clínica o Retorno para reavaliação em 48 a 72 horas • Tempo de tratamento: o As diretrizes nacionais sugerem tratamento de 7 dias o Já há estudos no mundo todo que têm demonstrado que 5 dias podem ser até mais eficazes • Falha terapêutica: o Consideramos falha terapêutica quando não vemos melhora clínica após 2 a 3 dias do tratamento o Há algumas causas frequentes de falha terapêutica 9 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Uma das principais é o não cumprimento do tratamento correto considerando doses, intervalos, tempo de uso, forma de armazenamento etc. (Ex.: Guardar amoxicilina fora da geladeira, fazer diluição errada etc.) ▪ Pode ocorrer também por conta de uma complicação (derrame pleural, empiema, abscesso etc.) ▪ Quando é um agente que não estávamos considerando inicialmente (bactérias atípicas) → Alguns casos de pneumonia mais arrastada, devemos pensar em tuberculose ▪ Presença de outras doenças de base do paciente (Ex.: Fibrose cística) ▪ Quadro diferencial com aspiração de corpo estranho o Atentar e rever sistematicamente as condições associadas o Tomar a decisão sobre aprofundar a investigação e substituir o tratamento • Tratamento hospitalar: o Pensamos em internar de forma individualizada de acordo com alguns fatores ▪ Idade → < 2 meses interna todos ▪ Condições clínicas subjacentes → Paciente oncológico, por exemplo, internamos ▪ Fatores clínicos que conferem gravidade à doença 10 PEDIATRIA II RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Antibioticoterapia venosa: o Ampicilina ou penicilina cristalina → A penicilina (principal) não é tão utilizada como deveria ▪ Ampicilina intravenosa 50 mg/kg/dose de 6 em 6 horas ▪ Penicilina cristalina 150000 UI/kg/dia de 6 em 6 horas o Pode ser feita associação com clavulanato ou sulbactam o Ceftriaxona também é uma boa alternativa → Principalmente em crianças gravemente doentes, não totalmente imunizadas contra o pneumococo ou infectadas peloHIV • Manejo ideal: o Acesso facilitado aos serviços de saúde o Diagnóstico adequado → Evitar tratamento desnecessário / em excesso o Instituição de antibiótico barato e facilmente disponível o Com isso, temos uma rápida resolução dos sintomas na maioria das crianças com pneumonia
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