Prévia do material em texto
Luana dos Santos Nascimento Farmacologia do Flúor VILHENA 2021 Luana dos Santos Nascimento Farmacologia do Flúor Trabalho como requisito parcial da avaliação na Disciplina de Farmacologia. VILHENA 2021 1- Introdução Entre as ciências biológicas, a farmacologia ocupa lugar sui generis. Sem limites, possui raízes profundas nas ciências básicas, ramifica-se em todas as especialidades médicas, invade a psicologia, a sociologia, a ecologia, a agricultura, a guerra. Na realidade, a farmacologia reflete a natureza. Esta, nos seus processos vitais, sempre utiliza um composto químico como intermediário indispensável, desde os mais básicos atos fisiológicos, como a digestão (enzimas), até as manifestações mais complexas do sistema nervoso central e comportamento (neurotransmissores). Quando a farmacologia se especializa no campo médico, a substância química recebe o nome de droga ou fármaco. A farmacologia estuda o resultado da interação da droga com o sistema biológico. A resposta ou efeito dessa interação pode apresentar diversas gradações, simplificadas em dois grandes tipos: benéficos ou maléficos. No primeiro caso, a droga que provoca efeito benéfico passa a chamar-se medicamento e é utilizada na prática médica, sob várias modalidades de aplicação, sempre em benefício do paciente; no segundo caso, a interação produz efeito maléfico para o sistema vivo, a droga se chama tóxico e seu estudo constitui objeto da toxicologia. As informações sobre os fármacos podem, então, ser organizadas nas seguintes subcategorias. ➢ Nome da classe do fármaco e exemplos; ➢ Mecanismo de ação; ➢ Farmacocinética; ➢ Indicações; ➢ Efeitos adversos; ➢ Contraindicações; ➢ Outras informações, incluindo interações medicamentosas; ➢ Implicações na Odontologia. Na sua atividade profissional, o dentista, a cada passo, utiliza uma série de drogas, anestésicos locais e, às vezes, anti-inflamatórios, antissépticos, analgésicos, tranquilizantes etc. Dessa forma a farmacologia é importante para o cirurgião-dentista, não somente pelos fármacos prescritos ou administrados em seus consultórios, mas também pelo fato de o paciente poder estar em tratamento médico com outros fármacos. Todos os fármacos podem afetar o organismo como um todo. Além disso, quando há uso de mais de um fármaco ao mesmo tempo, existe a possibilidade da ocorrência de interações medicamentosas que podem acarretar consequências adversas. Há ainda outro aspecto, muito estudado em outros países, que é representado pelas emergências médicas durante o tratamento dentário, inicialmente enfrentadas pelo dentista. Muitas dessas emergências são resultantes de reações de hipersensibilidade a drogas. Conhecendo a maneira pela qual as drogas podem contribuir terapeuticamente e seus possíveis efeitos adversos, o dentista pode tirar partido das melhores vantagens e evitar as desvantagens dos medicamentos que prescreve e administra a seus pacientes. Neste presente trabalho iremos compreender a farmacologia do flúor, um dos fármacos mais utilizados pelo profissional e até mesmo pelos pacientes por meio de dentifrícios, pois uma das maiores vantagens do flúor é a sua eficácia na prevenção e tratamento de cáries dentárias, levando à diminuição da capacidade de desmineralização e promovendo a remineralização do esmalte. 2 –Desenvolvimento Composição e principais características do flúor O flúor teve a sua produção iniciada industrialmente a partir da Segunda Guerra Mundial devido às suas aplicações na fabricação de combustíveis nucleares. Desde então ocorreram progressos tecnológicos que permitiram que na atualidade seja possível a produção, o armazenamento e o transporte de flúor em grande escala e com as condições de segurança necessárias. Desta forma, o flúor é comummente utilizado em variadas áreas do quotidiano. O flúor (F), foi isolado pelo químico francês Henri Moissan, é representado pelo símbolo F, tem ponto de fusão de -219ºC e ponto de ebulição de -188ºC. É um dos 118 elementos químicos da tabela periódica, pertence ao grupo halogênios que possuem a capacidade de formar sais quando se unem a um metal. Na sua fórmula pura, é um gás venenoso marrom- amarelado- pálido. Seu número atômico é 9, pois possui dois elétrons na sua camada interna e sete elétrons na sua camada externa. O material pode ser sintetizado em laboratório e ser adicionado a uma série de produtos, como os cremes dentais e a água fornecida pelas companhias de saneamento público. O teor de fluoreto é comumente expresso em partes por milhão (ppm), que equivale a 1 mg de fluoreto por quilograma ou litro de água. Analogicamente, um dentifrício com 1.450 ppm de fluoreto corresponde a 1.450 mg de fluoreto por Kg de dentifrício. Tabela 1.1-Opções de meios de aplicações de fluoreto tanto individual como coletivo Modo de aplicação coletiva Modo de aplicação profissional Modo de aplicação autoadministrado Água Vernizes Dentifrício Sal Soluções Comprimidos Leite Géis Enxaguatórios Géis Farmacocinética do fluoreto Em 1953, Dost propôs o termo farmacocinética para descrever o movimento de uma substância através do organismo. Atualmente, a farmacocinética pode ser mais bem definida como o estudo quantitativo dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e eliminação das drogas no decurso do tempo. A farmacocinética utiliza metodologia matemática para descrever as variações no tempo dos processos e administração, absorção, distribuição e eliminação. A variável básica desses estudos é a concentração da substância nos diferentes flúidos e excreções pelo organismo, sendo que a concentração está relacionada com a vida de administração, a dose empregada e com a eliminação. Portanto, o conhecimento dos processos envolvidos na farmacocinética é necessária para que se possa entender os efeitos biológicos do flúor no organismo humano. Absorção do flúor A principal rota de absorção de flúor (F) é através do trato gastrointestinal. Ao ser ingerido, o F é absorvido rapidamente e após alguns minutos atinge níveis detectáveis no plasma sanguíneo. O pico de F no plasma sanguíneo é proporcional à dose de F ingerida e ao grau de absorção. Por volta de 30 a 45 minutos após a ingestão, cerca de 90% do F encontra-se presente no sangue. Para que uma droga seja absorvida, atinja seu local de ação e, por fim, seja eliminada, a mesma deve atravessar uma ou mais barreiras, representadas pelas membranas biológicas. O processo biológico pelo qual o F é absorvido parece ser a difusão passiva, um dos processos físico-químicos mais observados nos fluidos biológicos, sendo, portanto, o processo no qual a velocidade de transferência é proporcional ao gradiente de concentração através da membrana. O mecanismo e o grau de absorção gástrica de flúor estão intimamente relacionados com a acidez gástrica. Experimentos mostraram que ratos que receberam atropina, substância que reduz o grau de secreção de sucos gástrico e motilidade gástrica, e que receberam logo em seguida solução NaF, tiveram uma taxa de absorção reduzida quando comparados com ratos que só receberam a solução NaF. O flúor não absorvido no estômago será então absorvido na primeira porção superior do intestino, que possui capacidade para absorção, embora mais lentamente. No entanto, a mucosa bucal é responsável por menos de 1% da sua absorção. Distribuição do flúor Depois de absorvido, o flúor é distribuído pelo sangue por todo o corpo. Este elemento passa assim para a circulação sanguínea, podendo apresentar-se sob a forma iónica ou sob a forma de compostos orgânicos lipossolúveis. A forma iónica é a que circula livremente e que nãose liga às proteínas, aos componentes plasmáticos e aos tecidos moles, sendo está a forma que vai estar disponível para ser absorvida pelos tecidos duros. Cerca de 99% fica retido em zonas ricas em cálcio como os ossos e dentes (dentina e esmalte) onde se incorpora na rede cristalina, não se acumulando nos tecidos moles. A absorção e distribuição generalizada do flúor é muito rápida, ocorrendo em apenas 30 minutos após a sua ingestão. Biotransformação As enzimas envolvidas na biotransformação encontram-se em muitos tecidos, mas, em geral, concentram-se no fígado. Embora a biotransformação classificamente efetue a inativação de farmacos, alguns metabólicos são farmacologicamente ativos- às vezes, muito mais que o composto original. Uma substância inativa ou fracamente ativa que tenha um metabólico ativo é denominada profármaco, em especial se projetada para liberar a porção ativa de modo efetivo. O objetivo da biotransformação de um fármaco ativo é facilitar sua excreção. Excreção do flúor O fluoreto absorvido que não é utilizado (cerca de 50%), é excretado principalmente pela urina podendo ainda ser excretado no suor, nas fezes e no leite. Farmacodinâmica Os fluoretos possuem propriedades preventivas e terapêuticas em relação à cárie dentária, embora seu uso isolado não impeça o desenvolvimento desta, por ser doença multifatorial. O principal efeito anticariogênico dos fluoretos deve-se à sua ação sobre a apatita (sais contendo cálcio e fosfato que compõem esmalte e dentina), interferindo no processo de desmineralização de esmalte e dentina. Atualmente, reconhece-se o mecanismo de ação dos fluoretos no processo carioso como sendo sua incorporação à superfície do esmalte por meio de trocas iônicas de dentes com saliva e placa bacteriana, desde que esteja mantido constantemente na cavidade bucal. A estrutura permeável do dente permite reações químicas com o ambiente através da saliva. A tendência físico-química nessas reações é de busca de equilíbrio, mantendo quantidades semelhantes de material inorgânico entre dentes e o ambiente que os cerca. Após a ingestão de açúcares, bactérias cariogênicas aderidas à superfície dentária os metabolizam, produzindo ácidos. Quando a produção ácida excede a capacidade tamponante dos sais minerais da saliva, ocorre a queda do pH bucal a menos de 5,5 (pH crítico do esmalte). Para restaurar o equilíbrio bioquímico bucal-desfeito pelo excesso de íon hidrogênio-, sais minerais, como o cálcio e fosfato, saem do esmalte dentário (hidroxiapatita). Esse é o processo de desmineralização, que, se repetido, caracteriza a cárie dentária. O pH crítico da dentina é de 6,5. Desse modo, dentina exposta ao meio ambiente sofre desmineralização com a metabolização de alimentos, até então não consideradas cariogênicas para o esmalte. O tempo de permanência do pH crítico varia de 20 minutos a horas, dependendo da forma pelo qual o açúcar foi ingerido e em que período do dia, assim como da efetividade da ação da saliva. Fluoretos em baixa concentração no ambiente bucal modificam as reações químicas. Sendo elemento muito eletronegativos, o flúor liga-se imediatamente aos minerais dos dentes que estão sendo desmineralizados, formando a fluorapatita, que se encontra em maior Concentração no ambiente bucal do que na estrutura dentária. A tendência fisico-química é de inversão da reação, ocorrendo entrada de minerais para o esmalte. A fluorapatita nos dentes é mais resistente á desmineralização que a hidroxiapatita, tal só ocorre em pH de 4,5. Portanto, fluoretos reduzem o pH crítico, sendo necessário maior produção ácida para iniciar a desmineralização do esmalte. Deste modo, durante a remineralização a hidroxiapatita forma a fluorapatita enquanto o flúor estiver presente na cavidade oral. Por conseguinte, após o ataque ácido ocorre uma redistribuição das fases minerais. Assim, o esmalte desmineralizado, seguido da remineralização é mais resistente do que o esmalte danificado pelo ácido. Deste modo, a presença ou ausência de flúor é decisiva para fortalecer ou enfraquecer a estrutura dos dentes. Isto é, o flúor torna a estrutura dentária mais resistente ao meio ácido. Por isso, a presença constante (diária) do flúor na cavidade oral possibilita a interação destes íons com os dentes, conferindo equilíbrio no processo de des e remineralização. Entretanto, para que efetivamente desempenhe tal função, o flúor deve estar constantemente presente na cavidade bucal, pois apenas dessa forma ele será capaz de reduzir a perda de minerais durante todos os processos de desmineralização que ocorrem diariamente, bem como ativará a remineralização salivar. Vale ressaltar que em uma abordagem experimental pioneira, Ogaard, comparou a resistência da fluoroapatita (esmalte de tubarão) e a hidroxiapatita (esmalte humano) diante de desafio cariogênico. Verificou-se que o esmalte do dente de tubarão embora contendo 30.000 ppm de flúor apresenta resistência limitada contra o ataque de cárie. Portanto, verificou-se que os íons flúor livres em solução ao redor do dente desempenha um papel mais importante na prevenção da cárie do que os fluoretos incorporados ao esmalte. Posologia A ingestão diária de fluoreto é bastante baixa, estima-se em 1-3 mg por dia para um adulto. Para um recém-nascido, a ingestão é menor que 0,32 mg F por dia, aumentando rapidamente para 1,23 mg com a idade de 4-6 meses. Efeitos adversos da ingestão de flúor a longo prazo (toxicidade crónica) No entanto, sabe-se que o flúor apenas é benéfico para o organismo, e particularmente, para a saúde oral, quando administrado nas doses adequadas. Conforme Duarte (2008) refere, “(…) a fronteira entre os efeitos positivos e negativos atribuídos ao flúor é muito pequena, devendo procurar-se o equelíbrio entre os dois.” Quando utilizado indevidamente, este halogéneo pode originar problemas severos no ser humano, como fluorose dentária e esquelética, défices cognitivos, citotoxicidade, hipotiroidismo, dislipidemias, alterações enzimáticas e eletrolíticas e cancro. Apesar de a ingestão de quantidades elevadas de fluoreto ser tóxica, raramente é letal. A dose provavelmente tóxica (DPT) que produz um severo envenenamento em humano é estimada em torno de 5 mg F/Kg de peso corporal. Assim pode-se considerar uma situação crítica se uma criança de 1 ano de idade, pesando 8 Kg, engolir 8 g de um dentifrício com 5.000 ppm F (~ 1/6 do conteúdo de um tubo de 51 mL) com o estômago vazio. Os sintomas de intoxicação aguda, são dor abdominal difusa, diarreia, vômito, excesso de salivação e sede. O tratamento imediato, quando há suspeito de intoxicação, é a indução do vômito. Em seguida leite deve ser ingerido para reduzir a absorção de fluoreto e, assim que possível, a pessoa deve ser encaminhada para atendimento médico/toxicológico. Esta toxicidade pode dar-se de uma forma aguda ou crónica sendo que os efeitos adversos dependem de vários fatores como por exemplo, tempo de ingestão e quantidade ingerida, idade, presença de problemas cardiovasculares ou renais e alterações genéticas. Figura 1.2 Fluoretos contidos nos produtos dentais e sua relação com a “dose provavelmente tóxica” (DPT) para crianças. Contraindicações Intolerância ao flúor, o Comité Científico do NRC (2006) identificou a possibilidade de uma porcentagem da população reagir sistemicamente ao flúor, provavelmente através de mudanças no sistema imunológico e observou que menos de 1% da população se queixa de sintomas gastrointestinais após ser iniciada a fluoretação da água potável. O Comité científico do NRC considerou que determinados indivíduos podem ser hipersensíveis ao flúor ou que os fluoretos têm a capacidade de interagir e afetar negativamente as respostas imunológicas do organismo. Este comité considera que existe uma falha de estudos epidemiológicos de saúde para o estudo desta questão.Considerações finais E assim chegamos à conclusão que o flúor já vem sendo utilizados a um longo tempo, englobando não só a área da saúde. Diante dos argumentos ao longo do texto foi possível notar a sua importância no controle de doenças cariogênicas, porém o seu uso indiscriminado pode acarretar em várias consequências podendo levar até a morte. Referências MAGALHÃES, Helena Isabel Couto. Efeitos do Flúor na Saúde Humana. Brasil, 2018. WANNMACHER, Lenita; FERREIRA, Maria Beatriz Cardoso. Farmacologia Clínica para Dentistas. 3. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. GASPAR, Gabriela. Odontologia Clínico-científica. Recife, 18(1) 7 - 13, jan./Mar., 2019. LUECKEL, Hendrik Meyer; PARIS, Sebastian; EKSTRAND, Kim R. Cariologia: Ciência e Prática Clínica. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2016.