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SOCIOLOGIA RICHARD T. SCHAEFER 6a EDIÇÃO 6a EDIÇÃO As aulas de Sociologia, consideradas pelo autor deste livro “o laboratório ideal onde pode- mos estudar nossa própria sociedade e as dos nossos vizinhos globais”, permitem ao aluno desenvolver o pensamento crítico, tornando-o capaz de aplicar as teorias e os conceitos sociológicos para avaliar as interações e as instituições humanas e, assim, encontrar expli- cações sociológicas para os diversos fenômenos que permeiam as relações sociais. O aluno inicia estudando o que é Sociologia e o seu objeto de pesquisa para depois entrar em contato com temas de interesse imediato e, em sua maior parte, com temas mais abrangentes, que lhe permitirão desenvolver o pensamento crítico e a imaginação sociológica. As seções “Use a Sua Imaginação Sociológica” e “Pense Nisto”, por exemplo, dão suporte à proposta do autor. Sociologia aborda temas que vão da educação bilíngüe à existência da escravidão em pleno século XXI, incluindo o estudo da imigração, da situação dos moradores de rua, da superpo- pulação, do processo do envelhecimento das pessoas nas diferentes culturas, até problemas mais recentes como os ataques de 11 de setembro de 2001 e suas conseqüências sociais – como as pessoas passaram a lidar com a situação depois desse acontecimento e, em espe- cial, como elas reagem diante das minorias. Aplicações Livro-texto para a disciplina Introdução à Sociologia dos cursos de graduação em Socio- logia, Filosofia, Psicologia, Pedagogia, Administração de Empresas, Economia, História, Engenharia, entre outros, bem como dos cursos de pós-graduação (MBA e lato sensu) destas mesmas áreas, especialmente de Administração de Empresas. R ich ard T. Sch aefer SO C IO LO G IA Sociologia www.grupoa.com.br Sociologia Schaefer.indd 1 24/10/13 09:53 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) S294s Schaefer, Richard T. Sociologia [recurso eletrônico] / Richard T. Schaefer ; tradução: Eliane Kanner, Maria Helena Ramos Bononi ; revisão técnica: Noêmia Lazzareschi, Sérgio José Schirato. – 6. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2014. Publicado também como livro impresso em 2006. ISBN 978-85-8055-316-1 1. Sociologia. I. Título. CDU 316 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 Índice para catálogo sistemático: 1. Sociologia 301 Iniciais_eletronica.indd 2 23/10/13 15:15 190 Capítulo 8 Essa teoria ajuda a explicar por que a nossa sociedade tem leis contra o jogo, o uso de drogas e a prostituição, muitas das quais são transgredidas em grande escala (vamos examinar “crimes sem vítimas” adiante, neste capítulo). Segundo os teóricos do conflito, o direito penal não representa uma aplicação coerente dos valores sociais, ao contrário, reflete valores e interesses concorrentes. As- sim, a maconha é proibida nos Estados Unidos e no Brasil porque se diz que faz mal aos usuários, embora os cigarros e o álcool sejam vendidos legalmente em quase todos os lugares. Da mesma forma, os teóricos do conflito discutem que todo o sistema penal dos Estados Unidos trata os sus- peitos de forma diferenciada com base em sua raça, etnia ou classe social (ver Quadro 8-2). A perspectiva defendida pelos teóricos do conflito e do rótulo cria um grande contraste com a abordagem funcionalista do desvio. Os funcionalistas vêem os padrões do comportamento desviante como meramente um reflexo das normas culturais; os teóricos do conflito e do rótulo apontam que os grupos mais poderosos de uma sociedade podem moldar leis e padrões para determinar quem será (ou não) processado como criminoso. Esses grupos dificil- mente aplicariam o rótulo de “desviante” ao executivo de uma companhia cujas decisões levassem a uma poluição ambiental em larga escala. Na opinião dos teóricos do conflito, os agentes do controle social e outros grupos po- derosos podem impor, ao público em geral, definições de desvio que atendem a seus objetivos. perspectiva Feminista Criminologistas feministas, como Freda Adler e Meda Chesney-Lind, sugeriram que muitas das abordagens exis- tentes do desvio e do crime foram desenvolvidas apenas com os homens em mente. Por exemplo, nos Estados Uni- dos, durante muitos anos, qualquer marido que forçasse sua mulher a ter relações sexuais com ele – sem o consen- timento dela e contra a sua vontade – não seria acusado de ter cometido estupro. A lei definia estupro apenas como ato forçado em relações sexuais entre pessoas que não eram casadas entre si, o que refletia a composição avassa- ladora de homens da legislatura estadual da época. Foram necessários muitos protestos das organizações feministas para conseguir mudanças no direito penal da definição de estupro. A partir de 1996, os maridos em todos os cinqüenta estados norte-americanos podem ser processados na maioria das circunstâncias por estupro de suas esposas. Ainda permanecem exceções alarmantes: por exemplo, no Tennessee, um marido poderá usar legal- mente força ou coerção para manter relações com sua mu- lher se não utilizar qualquer arma, e não causar “ferimento corporal grave”. Apesar de tais exceções, o movimento das mulheres levou a mudanças importantes na noção de cri- minalidade da sociedade. Por exemplo, juízes, legisladores e policiais agora consideram o fato de o homem bater em sua esposa e outras formas de violência doméstica como criMe Um crime é uma transgressão do direto penal à qual al- gumas autoridades governamentais aplicam penalidades formais. Representa o desvio das normas sociais formais administradas pelo Estado. As leis dividem os crimes em diversas categorias, dependendo da gravidade da ofensa, Capitulo 08.indd 190 23/10/13 15:01 esaito Retângulo Desvio e Controle Social 191 da idade dos criminosos, da punição potencial e do tribu- nal que tem jurisdição sobre o caso. Mais de 1,4 milhão de crimes violentos foram de- nunciados nos Estados Unidos em 2000, inclusive mais de 15.500 homicídios. Os ingredientes-chave na incidência dos crimes de rua parecem ter sido o uso de drogas e a presença difundida de armas de fogo. Segundo o FBI, 19% de todos os ataques graves denunciados, 42% dos roubos informa- dos e 67% dos assassinatos em 2002 envolveram uma arma de fogo. Mesmo com o recente declínio nos crimes mais graves nos Estados Unidos, os níveis atuais excedem os da década de 1960 (Department of Justice, 2002c, p. 23, 35, 38). Tipos de Crime Em vez de se basearem somente nas categorias legais, os sociólogos classificam os crimes em termos de como são cometidos e como a sociedade vê as ofensas. Nesta seção, vamos examinar quatro tipos de crime diferenciados pelos sociólogos: crime profissional, crime organizado, crime do colarinho branco e crime sem vítimas. crime profissional Apesar de o ditado “O crime não compensa” soar fami- liar, muitas pessoas fazem uma carreira em atividades ilegais. Um criminoso profissional (ou que tem carreira criminal) é uma pessoa que pratica crimes como sua ocupação diária, desenvolvendo técnicas aperfeiçoadas e gozando de um determinado status entre outros crimino- sos. Alguns criminosos profissionais se especializam em violações, em arrombar cofres, roubar cargas, bater car- teiras e furtar objetos em lojas. Essas pessoas adquiriram habilidades que reduzem as chances de ser apanhadas, condenadas e aprisionadas. Como resultado, elas podem ter longas carreiras na “profissão” que escolheram. Edwin Sutherland (1973) teve insights pioneiros sobre o comportamento de criminosos profissionais e publicou um relatório com notas escrito por um ladrão profis- sional. Diferentemente das pessoas que praticam crimes uma vez ou duas, o negócio dos ladrões profissionais é roubar. Eles devotam todo o seu tempo de trabalho para planejar e executar crimes, e às vezes viajam por todo o país para executar seus “deveres profissionais”. Como outras pessoas em seu trabalho normal, os ladrões pro-fissionais consultam seus colegas a respeito de demanda de “trabalho”, tornando-se parte de uma subcultura de indivíduos com o mesmo tipo de ocupação. Eles trocam informações sobre lugares para arrombar, receptadores de mercadorias roubadas e maneiras de garantir fiança se forem presos. crime Organizado Em 1978, um relatório do governo dedicou três páginas para definir a expressão crime organizado. Para nossos objetivos, vamos considerar crime organizado como o trabalho de um grupo que regula as relações entre empre- endimentos criminosos envolvidos em atividades ilegais, inclusive prostituição, jogo e contrabando e venda de dro- gas ilícitas. O crime organizado domina o mundo dos ne- gócios ilegais da mesma forma que grandes companhias dominam o mundo dos negócios convencionais. Nos territórios alocados, estabelece preços de mercadorias e serviços, e age como um árbitro nas disputas internas. Atividade secreta, de conspiração, ela geralmente escapa aos agentes da lei. Toma posse de negócios legítimos, obtém influência nos sindicatos de trabalhadores, cor- rompe funcionários públicos, intimida testemunhas em processos criminais, e até “cobra taxas” dos comerciantes a troco de “proteção” (National Advisory Commission on Criminal Justice, 1976). Anomia Funcionalista Émile Durkheim Adaptação às normas da sociedade Robert Merton Transmissão cultural/ Interacionista Edwin Sutherland Padrões aprendidos com os outros Associação diferencial Atividades de rotina Interacionista Marcus Felson Impacto do meio social Rótulo/ Interacionista Howard Becker Resposta da sociedade aos atos Construtivismo social Conflito Conflito Howard Quinney Domínio de agentes autorizados Justiça discricionária Feminista Conflito/Feminista Freda Adler Papel do sexo Meda Chesney-Lind Mulheres como vítimas e criminosas abordagem Perspectiva Proponentes Ênfase r es u m in d o tabela 8-2 abordagens ao desvio Capitulo 08.indd 191 23/10/13 15:01 192 Capítulo 8 O crime organizado funciona como um meio de mobilidade social para grupos de pessoas que lutam para escapar da pobreza. O sociólogo Daniel Bell (1953) usava a expressão sucessão étnica para descrever a passagem seqüencial da liderança dos norte-americanos irlandeses no início do século XX para os norte-americanos judeus na década de 1920, e depois para os norte-americanos italianos no início da década de 1930. Recentemente, a sucessão étnica se tornou mais complexa, refletindo a diversidade dos últimos imigrantes nos Estados Unidos. Imigrantes colombianos, mexicanos, russos, chineses, paquistaneses e nigerianos estão entre os que começaram a desempenhar um papel importante nas atividades do crime organizado (Chin, 1996; Kleinknecht, 1996). Sempre houve um elemento global no crime organi- zado. Mas os policiais e legisladores agora reconhecem a emergência de uma nova forma de crime organizado que tira vantagem dos avanços da comunicação eletrônica. O crime organizado transnacional inclui tráfico de drogas e armas, lavagem de dinheiro e tráfico de imigrantes ilegais e mercadorias roubadas, como automóveis (Lumpe, 2003; Office of Justice Programs, 1999). No Brasil as duas maiores facções do crime organi- zado em São Paulo e no Rio de Janeiro se autodenomi- nam Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), respectivamente, e têm imposto o terror nessas duas cidades brasileiras. Ordenam rebeliões em presídios, execução de bandidos rivais e de policiais, fechamento do comércio e de escolas, incêndios em ôni- bus, provocando pânico na população constantemente ameaçada pelo fogo cruzado da verdadeira guerra entre traficantes e entre traficantes e autoridades policiais. Seu U m dia típico de Tiffany Zapata-Mancilla a coloca em con-tato com todas as formas de vítimas de crimes – aquelas que sobreviveram a tentativas de homicídio, ata- ques domésticos, abuso de crianças, roubos e outros crimes violentos – bem como com os membros da família que testemunharam um crime , uma vez que eles são chamados para testemunhar no processo. “Meu trabalho é tornar a experiência no tribunal tão confor- tável quanto possível para eles”, diz ela. Isso significa oferecer profissionais para acompanhamento da crise, um acompanhante para o tribunal, orientações do tribunal, ajuda com declarações de impacto, assistência com restituição, serviços de proteção, transporte, cuidado de crianças, assistência financeira de emergência, ou apenas um al- moço quente. Seus 500 casos vêm de quatro a oito tribunais para os quais ela é designada no Condado de Cook, Chicago. “Minha formação de socióloga me ajuda em todas as situ- ações diariamente”, explica Zapata-Mancilla. Em particular, ajuda-a a reconhecer os problemas sociais subjacentes, mesmo no que parece ser um horrendo ato individual, e a ajudar as víti- mas a reconhecer tais problemas também. “Eu não julgo os que vêm para o tribunal, eu só posso julgar a sociedade”, afirma ela. Segundo Zapata-Mancilla, isto não significa que os indivíduos não tenham responsabilidade pessoal pela vida que escolhem. Mas auxilia a entender que as pessoas são condicionadas pelo ambiente e pela sociedade em que vivem. Um de seus casos envolvia um jovem que foi chamado para testemunhar sobre uma pessoa que matara seu irmão mais novo em um tiroteio de gangue. No período do julgamento, dois anos mais tarde, ele negou saber qualquer coisa sobre o assassinato, e depois foi comer com o réu. Parece que ofereceram a ele um emprego com drogas em troca de não testemunhar. Em lugar de tomar uma atitude de acordo com seu próprio julgamento, Zapata-Mancilla reconheceu a necessidade de sobreviver do jovem. Problemas sociais, como a po- breza, ditam, até certo ponto, as escolhas que as pessoas acreditam que precisam fazer. Zapata-Mancilla se formou em sociologia na De- Paul University depois de ser seduzida pelo seu curso introdutório. Prosseguiu seus estudos e obteve o mes- trado em 2001 naquela universidade. “Eu estava muito interes- sada nos problemas da sociedade, como pobreza, crime, crime organizado, envolvimento de gangues, e como eles influenciam o estilo de vida e a psicologia dos indivíduos. Para mim, a socio- logia oferece razões, não desculpas, para os indivíduos agirem e reagirem de determinadas maneiras”, afirma. Zapata-Mancilla também acha que ganhou maior compreensão de si mesma como latina por meio dos estudos. O seu conselho para os estudantes é: “Mantenha sua mente aberta e não julgue os outros.” Vamos Discutir 1. Você acha que testemunhas e vítimas precisam de atenção especial? Por quê? 2. Que aspecto do estudo sociológico você entende que me- lhor preparou Zapata-Mancilla para seu trabalho? tiffany zaPata-Mancilla especialista em testemunhos de vítimas do condado de cook, Ministério público estadual 192 levando a sociologia para o trabalho Capitulo 08.indd 192 23/10/13 15:01 Desvio e Controle Social 193 poder de enfrentamento das autoridades ficou demons- trado nos acontecimentos de maio de 2006, em São Paulo, quando foram executados mais de 40 policiais e regis- trados 293 atentados – (82) contra ônibus, (56) casas de policiais, (17) bancos e caixas eletrônicos, (1) estações de metrô, a (CET, 1) Companhia de Engenharia de Trânsito e (136) outros, além de 73 rebeliões em presídios paulis- tas, com nove presos mortos, segundo o jornal O Estado de S. Paulo de 19 de maio de 2006, Caderno C, p. 9. A repressão ao crime organizado é a causa dessa reação das facções criminosas. crimes do colarinho Branco e Baseados na Tecnologia Sonegação de imposto de renda, manipulação de es- toques, fraude de consumidores, suborno e exigência de propinas, desfalques e publicidade enganosa – estes são exemplos de crimes do colarinho branco, atos ile- gais cometidos na execução de atividades comerciais, geralmente por pessoas ricas e “respeitáveis”. Edwin Sutherland (1949, 1983) equipara esses crimes ao crime organizado porque eles comfreqüência são perpetrados por meio de papéis ocupacionais. Um novo tipo de crime do colarinho branco surgiu nas últimas décadas: crimes de computador. O uso da alta tecnologia permite que os criminosos dêem desfalques ou cometam fraudes eletronicamente, em geral deixando poucas pistas, ou que ganhem acesso aos estoques de uma companhia sem sair de casa. Segundo um estudo de 2002 feito pelo FBI e pelo Computer Security Institute, 90% das companhias que contam com sistemas de computa- dor detectaram quebras de segurança nos computadores no ano anterior, mas apenas 34% informaram os ataques às autoridades. Recentemente, uma proporção crescente de tais ataques – 65% em 2003 – tem chegado de fora dos Estados Unidos (Cha, 2003; R. Power, 2002). Sutherland (1940) cunhou a expressão crime do co- larinho branco em 1939 para se referir a atos executados por indivíduos, mas ela teve seu significado ampliado para incluir crimes cometidos por negócios e corpora- ções também. Crime corporativo, ou qualquer ato prati- cado por uma corporação que seja punível pelo governo, toma muitas formas e inclui indivíduos, organizações e instituições entre suas vítimas. As corporações podem ter um comportamento adverso à concorrência, poluir o ambiente, sonegar impostos, fraudar e manipular ações, fraudar a contabilidade, produzir mercadorias não-seguras, subornar e corromper, e cometer infrações relacionadas à saúde e à segurança (Hansen, 2002; Jost, 2002a). Durante muitos anos, os malfeitores de corporações se livraram com penas leves nos tribunais documen- tando sua longa história de contribuições caritativas e concordando em ajudar os policiais a encontrar outros criminosos do colarinho branco. Em 2003, nos Estados Unidos, dez companhias de investimentos e dois ana- listas de mercado coletivamente pagaram um acordo de US$ 1,4 bilhão por darem informações fraudulentas aos investidores. A magnitude da multa ganhou as manche- tes em toda a nação, mas o que significa isso comparado com os milhões de investidores que foram atraídos a comprar bilhões de dólares em ações de companhias que o acusado sabia que estavam em dificuldade ou à beira do colapso? O fato é que ninguém foi preso como parte do acordo, e nenhuma companhia perdeu sua licença para fazer negócios. Os promotores em outras investigações de escândalos corporativos dizem que pedem sentenças de prisão para criminosos do colarinho branco, mas até hoje a maioria dos réus foi apenas multada (Labaton, 2003; J. O’Donnell e Willig, 2003). Bancos e empresas envolvidos nos escândalos de cor- rupção que abalaram o Brasil em 2005/2006 continuam a desenvolver suas atividades e ninguém foi preso. E o par- tido político no poder – Partido dos Trabalhadores –, réu confesso de praticar caixa dois, isto é, receber dinheiro não-contabilizado, também não foi punido, tendo apenas procedido à expulsão de seu tesoureiro, Delúbio Soares. A condenação por crime corporativo em geral não fere a reputação e as aspirações de carreira de uma pes- soa, como uma condenação por crimes de rua. Aparente- mente, o rótulo de “criminosos do colarinho branco” não carrega o estigma do rótulo “condenado por um crime violento”. Os teóricos do conflito não consideram que tal diferença de tratamento seja uma surpresa. Dizem que o Capitulo 08.indd 193 23/10/13 15:01 194 Capítulo 8 sistema penal não leva a sério os crimes cometidos pelos ricos e focalizam apenas nos crimes cometidos pelos pobres. Em geral, se um réu tem status e influência, seu crime é tratado como menos sério do que os cometidos por outros, e a sanção é muito mais suave. Como editor de um jornal, você trataria as reportagens sobre crime corporativo de forma diferente daquelas sobre crimes violentos? crimes sem Vítimas Os crimes do colarinho branco e de rua põem em risco o bem-estar pessoal e econômico das pessoas contra a sua vontade (ou sem o seu conhecimento direto). Ao contrário, os sociólogos usam a expressão crimes sem vítimas para descrever a troca consciente, entre adultos, de mercadorias e serviços desejados, mas ilegais, como a prostituição (Schur, 1965, 1985). Alguns ativistas estão trabalhando para descrimi- nalizar muitas dessas práticas ilegais. Os que apóiam a descriminalização estão atrapalhados com a tentativa de legislar um código moral para adultos. Na visão deles, a prostituição, o abuso de drogas, o jogo e outros crimes sem vítimas são impossíveis de se evitar. O sistema penal já sobrecarregado deveria, ao contrário, dedicar seus recursos para os “crimes de rua” e outras ofensas com vítimas óbvias. Apesar do amplo uso da expressão crimes sem ví- timas, entretanto, muitas pessoas rejeitam a noção de que não existe uma vítima a não ser o próprio indivíduo que cometeu tais crimes. Beber em excesso, jogar com- pulsivamente e usar drogas ilícitas contribuem para um enorme número de danos pessoais e à propriedade. Um homem em estado de embriaguez pode bater em sua esposa ou filhos. Um jogador compulsivo ou usuário de drogas pode furtar para satisfazer sua obsessão. E as so- ciólogas feministas dizem que a prostituição, bem como os aspectos mais perturbadores da pornografia, reforçam o conceito errado de que as mulheres são “brinquedos” e podem ser tratadas como objetos e não como pessoas. De acordo com os críticos da descriminalização, a sociedade não pode dar sua aprovação tácita a condutas que têm conseqüências tão danosas (Flavin, 1998; Jolin, 1994; Na- tional Advisory Commission on Criminal Justice, 1976; Schur 1968, 1985). A controvérsia sobre a descriminalização nos lembra importantes insights dos teóricos do rótulo e do conflito apresentados anteriormente. Subjacentes a esse debate há duas perguntas: quem tem o poder de definir o jogo, a prostituição e a bebedeira em público como “crimes”? E quem tem o poder de rotular tais comportamentos como “sem vítimas”? A resposta é: em geral os legisladores esta- duais e, em alguns casos, a polícia e os tribunais. Novamente, podemos ver que o direito penal não é simplesmente um padrão universal de comportamento combinado por todos os membros da sociedade. Ao contrário, ela reflete uma luta entre indivíduos e grupos concorrentes para ganhar o apoio governamental para os seus valores morais e sociais. Por exemplo, organizações como Mães Contra Dirigir Alcoolizado (Mothers Agains Drunk Driving – MADD) e Estudantes Contra Dirigir Alcoolizado (Students Against Drunk Driving – SADD) conseguiram modificar, nos últimos anos, as atitudes públicas em relação à bebida. Em vez de ser visto como um crime sem vítima, a embriaguez está sendo associada cada vez mais a perigos potenciais advindos do dirigir alcoolizado. Como resultado, os meios de comunicação de massa estão dando mais atenção (e fazendo mais críti- cas) às pessoas que são consideradas culpadas por dirigir depois de beber, e muitos estados já instituíram multas pesadas e períodos de prisão para uma ampla variedade de ofensas praticadas em estado de embriaguez. Estatísticas Criminais As estatísticas sobre crimes não detêm tanta precisão quanto os cientistas sociais gostariam. Entretanto, uma vez que elas lidam com um assunto que preocupa muito as pessoas em geral, são citadas como se fossem confiá- veis. Tais dados realmente servem como uma indicação do nível de certos crimes. No entanto, seria um erro in- terpretá-los como uma representação exata da incidência dos crimes. compreendendo as Estatísticas criminais Os crimes denunciados são muitos nos Estados Unidos, e o público os vê como um importante problema social. Entretanto, depois de muitos anos de aumento, há um de- clínio significativo nos crimes violentos em toda a nação. Existem diversas explicações para isso, entre outras: • Economia florescente e a queda das taxas de desemprego durante a maior parte da década de 1990. • Programas de políticas orientados para a comunidade e de prevenção de crime. • Novas leis de controle dearmas. • Aumento significativo da população prisional, que pelo menos evita que os criminosos cometam crimes fora da prisão. Resta ainda saber se esse padrão vai continuar, mas mesmo com as quedas atuais, o número de crimes de- nunciados permanece bem acima do de outras nações, e excede as taxas informadas nos Estados Unidos de apenas 20 anos antes. Estudiosas feministas chamam a nossa atenção para uma variação importante: a proporção de crimes graves cometidos pelas mulheres aumentou. Em um período de dez anos (1993–2002), as prisões de Use a Sua Imaginação Sociológica Capitulo 08.indd 194 23/10/13 15:01 Desvio e Controle Social 195 mulheres por crimes graves denunciados aumentaram 14%, contra um decréscimo de 6% de prisões de homens (Department of Justice, 2002c, p. 232). Os sociólogos têm vários modos de medir o crime. Historicamente, eles se baseavam nos dados da polícia, mas a falta de denúncia sempre foi um problema para as medidas. Como os membros dos grupos de minorias étnicas e raciais sempre desconfiaram da polícia, podem não chamá-la. As sociólogas feministas e outros soció- logos notaram que muitas mulheres não denunciam o estupro ou quando apanham do marido com medo de serem consideradas culpadas pelo crime. Em parte por causa dessas deficiências nas estatísti- cas oficiais, o National Crime Victimization Survey (Le- vantamento Nacional de Vitimação do Crime) começou a ser feito em 1972. O Bureau de Estatísticas da Justiça, ao compilar esse relatório anual, busca informações da polícia, mas também entrevista membros de mais de 42 mil lares e pergunta se foram vítimas de um conjunto específico de crimes durante o ano anterior. Em geral, aqueles que realizam os levantamentos de vitimação fazem perguntas às pessoas comuns, não a policiais, para determinar se elas foram vítimas de um crime. Infelizmente, como outras informações sobre crimes, esses levantamentos têm seus próprios limites, pois exi- gem que as vítimas entendam o que aconteceu com elas e desejem revelar tais informações aos entrevistadores. Fraude, sonegação de imposto de renda e chantagem são exemplos de crimes que provavelmente não serão infor- mados em estudos de vitimação. Mesmo assim, 92% dos domicílios desejam cooperar com os investigadores do National Crime Victimization Survey. Como mostrado na Figura 8-3, as informações dessas pesquisas revelam uma taxa de crime flutuante com quedas significativas tanto na década de 1980 quando na de 1990 (Rennison e Rand, 2003). Taxas Internacionais de crimes Se obter informações confiáveis sobre crimes é difícil nos Estados Unidos, fazer comparações úteis interna- mente, no país, é ainda mais difícil. Mesmo assim, com algum cuidado, é possível oferecer conclusões prelimi- nares sobre como as taxas de crimes diferem em todo o mundo. Durante as décadas de 1980 e 1990, crimes violentos eram muito mais comuns nos Estados Unidos do que na Europa Ocidental. Assassinatos, estupros e roubos eram denunciados à polícia em taxas muito mais altas nesse país. Mas a incidência de certos tipos de crime parece ser mais alta em outros lugares. Por exemplo, na Inglaterra, Itália, Austrália e Nova Zelândia há taxas mais altas de roubos de carros do que nos Estados Unidos. Países em desenvol- vimento têm taxas altas de homicídios denunciados em conflitos civis e conflitos políticos entre civis (International Crime Victim Survey, 2004; World Bank, 2003a). Por que as taxas de crimes violentos são tão mais altas nos Estados Unidos do que na Europa Ocidental? O sociólogo Elliot Currie (1985, 1998) sugeriu que a socie- dade norte-americana coloca mais ênfase nas realizações econômicas individuais do que as outras sociedades. Ao mesmo tempo, muitos observadores notaram que a cul- tura norte-americana tolera, ou até apóia, certas formas de violência. Somados às diferenças drásticas, entre os ci- dadãos ricos e os pobres, alta taxa de desemprego, excesso de uso de álcool e de drogas, esses fatores combinam-se para produzir um clima que conduz ao crime. Esses são também os fatores apontados pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo para explicar o aumento da violência no Brasil. Em 2006, são 140 mil os presos só no estado de São Paulo, o mais rico do país, mas onde o crime organizado é poderoso. Entretanto, aumentos perturbadores nos crimes vio- lentos são evidentes em outras sociedades ocidentais. Por exemplo, o crime aumentou muito na Rússia desde a queda, em 1991, do Partido Comunista (com seus contro- les rigorosos de armas e criminosos). Em 1998, ocorreram menos de 260 homicídios em Moscou, mas hoje são mais de 1.000 por ano. O crime organizado preencheu um vácuo de poder em Moscou desde o final do comunismo; um dos resultados é que os tiroteios entre gangues e “as- sassinatos por encomenda” se tornaram comuns. Alguns políticos reformistas importantes também já foram alvos. A Rússia é a única nação no mundo que prende uma pro- porção mais alta de pessoas do que os Estados Unidos. O país prende 580 de cada 100 mil adultos em um dia típico, comparados com 550 nos Estados Unidos, menos de 100 no México ou Reino Unido, e apenas 16 na Grécia (Currie, 1998; Shinkai e Zvekic, 1999). 0 1973 2002 19901980 10 20 30 50 V iti m iz aç õe s vi ol en ta s de 1 .0 00 h ab ita nt es a pa rt ir de 1 2 an os d e id ad e 40 FIgura 8-3 Taxas de Vitimação, 1973–2002 Fonte: rennison, 2003, p. 1. Taxas de vitimação atingiram o pico em 1981 – 121% mais alta do que em 2002. Capitulo 08.indd 195 23/10/13 15:01 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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