Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS LAUDOS, PERÍCIAS E CONSULTORIAS PROF.ª DR.ª CLAUDIA MURA EUDES FERREIRA DE LIMA NETO Breve resumo sobre Verdade e Poder, de M. Foucault “Verdade e Poder” é uma versão retirada de uma entrevista com Alesandro Fontana e Pas- quale Pasquino que inicialmente apareceu como “Intervista a Miche Foucault” em Microfiseca del Poetere em 1977. Os entrevistadores primeiro pedem a Foucault para revisitar algumas de suas ideias anteriores e traçar o caminho de sua carreira. Foucault se voltou para o estudo dos asilos e prisões porque eles estão perto de uma estrutura de poder encapsulada. O poder é um interesse fundamental para Foucault. Não apenas poder econômico ou status, mas o poder instantâneo sobre as regras, a linguagem e as instituições. Historicamente ele é visto a partir de uma posição de domínio e autoridade, ainda que esse conceito negue a centra- lidade do poder em uma só instituição. Foucault argumenta que o poder está em todo o nosso sistema social, nas quais as instituições penais, como prisões e asilos são muito abordadas em seus exemplos por se tratarem de modelos muito efetivos em análise do poder. quando a discussão segue para o estruturalismo, Foucault faz algumas declarações impor- tantes sobre a estrutura da história. Ele diz que o estudo da mesma foi baseado em um modelo de linguagem que se concentra no significado: [...] aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos deter- mina é belicosa e não linguística [...] e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas (p. 5). Essa crítica se estende a genealogia das relações de força ao afirmar a necessidade da his- tória em construção se referir a um sujeito, mas não ao acontecimento (p. 7). E continua ao “[...] considerar que existe todo um escalonamento de tipos de acontecimentos diferentes que não têm o mesmo alcance, a mesma amplitude cronológica, nem a mesma capacidade de produzir efeitos” (p. 5). Cada ação e cada evento histórico é visto por Foucault como um exercício na troca de poder. E a verdade em si é o produto das relações de poder e dos sistemas em que se segue, muda à medida que o sistema muda. Como o sistema é formado por muitos indivíduos, o poder é exercido em grupo. Foucault também critica a noção marxista de “ideologia” devido a inevitabilidade do fal- seamento da realidade sem que se diga o que é a realidade. Realidade essa que será, à princípio, divulgada através da instrumentalização do saber acadêmico. Além disso, ele denomina o poder mais do que repressão, pois se o mesmo fosse apenas repressivo e não fizesse nada além de dizer “não” não seria obedecido. “O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz dis- curso” (p. 8). Para o intelectual, o conhecimento não é simplesmente descritivo: é produtivo. O que pro- duz, entre outras coisas, são categorias normativas (como no caso da sexualidade ou a loucura ofensiva a razão). Poder e conhecimento, inclusive, se unem na noção de discurso de Foucault. O uso que ele coloca ao discurso, no entanto, é principalmente para revelar a materialidade das relações de poder dentro de locais em microescala – a prisão, o hospital, a instituição mental, e assim por diante. Discursos, como ciência, medicina ou psicologia, afirmam seu monopólio sobre as reivin- dicações da verdade, o que também lhes dá poder para determinar a face da “realidade” em um dado momento. Mas o próprio Foucault admite que tal verdade não é verdadeira nem falsa. Os entrevistadores perguntaram como toda a análise de Foucault sobre relações de poder poderia ser usada na vida, e, especificamente, qual é o papel do intelectual nesse contexto. Foucault responde que o intelectual por excelência costumava ser o escritor: “consciência uni- versal, sujeito livre, opunha−se àqueles que eram apenas competências a serviço do Estado ou do Capital (engenheiros, magistrados, professores)” (p. 9). Escritores produzem discursos, mas estes discursos consistem em poder de representação e verdade. Logo depois a sociedade olhou para a universidade por seu conhecimento e por causa da intersecção de múltiplos campos de estudo. Com uma discussão sobre o intelectual, que ele diz ter gravitado de um intelectual “uni- versal” para um intelectual “específico”. Foucault vê cientistas e estudiosos que permanecem enclausurados em seu campo como intelectuais específicos, e cita os escritores como intelectu- ais universais: em síntese o intelectual universal trabalha muito e esquece do seu entorno e o intelectual específico busca mais o que está a seu alcance, teoricamente tem mais objetividade (p. 9). Cada sociedade cria um “regime de verdade” de acordo com suas crenças, valores e costu- mes, isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanis- mos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a ob- tenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verda- deiro. (p. 12) Portanto, o poder é gerado na sociedade pela produção dos discursos e pela construção de verdades. Tal poder é criativo, sendo aceito na sociedade. Essa aceitação é o resultado de nossas verdades construídas. Por exemplo, os pais criam certos discursos sobre seus filhos sobre o que eles devem fazer e não devem fazer. Então, o discurso fornece informações para dar conheci- mento sobre as coisas. As verdades são construídas e o poder é criado. Se o poder mudar através de certa resistência, a verdade e o conhecimento também se mudam. Além disso, ele afirma que não há verdade verdadeiramente universal; portanto, o intelectual não pode transmitir a verdade universal. Em nossa sociedade, a verdade repousa em 5 elementos: a verdade é centrada na forma de discurso científico; está sujeita a constante incitação econômica e política; é o objeto de imensa difusão e consumo; é produzido sob o controle de alguns grandes aparelhos políticos e econô- micos (universidade, exército, escrita, mídia, etc.) e é a questão de todo um debate político e confronto social (lutas ideológicas). Os indivíduos fariam bem em reconhecer que a verdade final, “Verdade”, é a construção das forças políticas e econômicas que comandam a maioria do poder dentro da rede social. Por fim, para entender o que os intelectuais podem fazer, temos que assim reconhecer sua posição neste sistema (em termos de verdade e poder). Ele termina, assim, com algumas hipó- teses sobre a verdade: ela deve ser entendida como um sistema de procedimentos ordenados para a produção, regulação, distribuição, circulação e operação de declarações; ela está ligada em uma relação circular com sistemas de poder (um regime de verdade); as especificidades deste regime repousam sobre o capitalismo; o papel do intelectual é demonstrar o potencial para uma nova política da verdade; o objetivo é libertar o poder da verdade das formas de hegemonia; a questão política não é, portanto, erro ou ilusão, mas a própria verdade. Breve resumo sobre o capítulo V de O poder simbólico, de P. Bourdieu O conceito de poder simbólico foi introduzido pela primeira vez pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu para explicar os modos tácitos, quase inconscientes de dominação cultural/so- cial que ocorrem dentro dos hábitos sociais cotidianos mantidos sobre sujeitos conscientes. O poder simbólico explica a disciplina usada contra outra para confirmar a colocação desse indi- víduo em umahierarquia social, às vezes nas relações individuais, mas basicamente através de instituições do sistema, em particular a educação. Lançado em 1989, “O Poder Simbólico” aborda, em seu quinto capítulo (na edição bras- leira) “um conjunto de estudos de caso orientados pela intenção de apreender a génese do con- ceito de região e das representações que lhe estão associadas” (p. 107). Há uma aceitabilidade maior do confeito proposto por geógrafos devido a prioridade na construção de uma ideia de região. Mas por mais minuciosa, monográfica que seja, essa abordagem de construção de dados sobre uma determinada região segue dentro de um aspecto mais físico e menos focada em as- pectos políticos. Bourdieu trabalha neste capítulo como cada disciplina deve se trabalhar em função da existência de uma região. Ao tratar sobre a ideia de região, “Este texto, que merecia ser citado mais longamente ainda, mostra bem que a relação propriamente científica entre as duas ciências tem as suas raízes na relação social entre as duas disciplinas e os seus representantes” (p. 109). De alguma forma o ato de conhecer é feito através de instrumentos específicos. Para co- nhecer uma verdade (verdade essa construída no sentido de que há um ato de classificação que a nomeia) e distingui-la dos demais objetos criados através do mesmo processo criativo se faz necessário o uso dos atos de classificação: Ora, a ciência social, que é obrigada a classificar para conhecer, só tem alguma pro- babilidade, não já de resolver, mas de, pelo menos, pôr corretamente o problema das classificações sociais e de conhecer tudo o que, no seu objeto, é produto de atos de classificação se fizer entrar na sua pesquisa da verdade das classificações o conheci- mento da verdade dos seus próprios atos de classificação (p. 111) Essa autoridade de criação é dada aos cientistas, depois ocorre o processo de reconheci- mento. As regiões passam por esse reconhecimento através de um processo jurídico. Esta tese comprova a multidisciplinaridade de disciplinas no processo de criação de uma região, não apenas se atendo a uma disciplina. Mas essa construção bate de frente com a problematização da ideia de etnia. O ato de criar para reconhecer um grupo étnico tem ressonância nas ações estatais. O estado territorializa gru- pos étnicos, criando uma fronteira étnica (uma vez que famílias indígenas já existiam antes de sua “conceitualização científica”) e impulsiona a construção de uma identidade étnica diferen- ciada. Mas não podemos esquecer que até mesmo nessas “ações estatais” temos em seu cerne algum cientista que detém o domínio da verdade e a capacidade de criar realidades. Mas, mais profundamente, a procura dos critérios «objetivos» de Identidade «regio- nal» ou «étnica» não deve fazer esquecer que, na prática social, estes critérios (por exemplo, a língua, o dialeto ou o sotaque) são objeto de representações mentais, quer dizer, de atos de percepção e de apreciação, de conhecimento e de reconhecimento em que os agentes investem os seus interesses e os seus pressupostos, e de representações objetais, em atos (emblemas, bandeiras, insígnias, etc.) ou em atos, estratégias inte- ressadas de manipulação simbólica que tem em vista determinar a representação men- tal que os outros podem ter destas propriedades e dos seus portadores (p. 112) Um conceito constantemente utilizado pelo autor diz respeito a di-visão do mundo social. Di-visão essa que se efetiva à medida em que se conceitualiza o objeto. Como pode ser notado em noções de regionalidade e etnicidade; tidas pelo autor como conceitos criados por intelec- tuais da área, que ao mesmo tempo os delimita a um arcabouço de características pré-concebi- das para que se possa fazer parte. A etimologia da palavra região (regio), tal como a descreve Emile Benveniste, conduz ao princípio da di-visão, ato mágico, quer dizer, propriamente social, de diacrisis que introduz por decreto um~ descontinuidade decisória na continuidade natural (não só entre as regiões do espaço, mas também entre as idades, os sexos, etc.). [...] A regio e as suas fronteiras (fines) não passam do vestígio apagado do ato de autoridade que consiste em circunscrever a região, o território (que também se diz fines), em impor a definição (outro sentido de finis) legítima, conhecida e reconhecida, das fronteiras e do território, em suma, o princípio de di-visão legítima do mundo social (p. 113-4). O discurso regionalista é um discurso performativo, ou seja: tem como função impor como legítima “uma nova definição das fronteiras e dar a conhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada – e, como tal, desconhecida – contra a definição dominante, portanto, reconhecida e legítima, que a ignora” (p. 116). Este discurso é reconhecido por todas as áreas da ciência. Para Bourdieu toda a tomada de posição que aspire à “objetividade” sobre a existência de uma região, etnia ou de uma classe social “[...] constitui um certificado de realismo ou [...] utopismo o qual contribui para determinar as probabilidades objetivas que tem esta entidade social de ter acesso à existência” (p. 119). O conceito de regionalismo é trabalhado por Bourdieu de forma indireta. E não há como abordá-lo sem se ater também ao conceito de regionalidade e regionalização. O regionalismo pode ser identificado como uma espécie particular de relações de regionalidade: aquelas em que o objetivo é o de criar um espaço – simbólico, bem entendido – com base no critério da exclusão, ou pelo menos da exclusividade. O regionalismo (ou nacionalismo) “é apenas um caso particular das lutas propriamente simbólicas em que os agentes estão envolvidos quer individualmente e em estado de dispersão, quer coletivamente e em estado de organização” (p. 124), no sentido de preservar e transformar relações de forças simbólicas da identidade social. Temos como por exemplo, na produção li- terária, o uso de um dialeto, quando não de uma língua, de circulação interna restrita. Bourdieu é enfático em ilustrar o caso dos occitânicos e sua luta para legitimação da região (no sentido de espaço físico) onde a língua occitânica (no sul da França) é falada, com intenção de torná-la nação. A força simbólica da língua funciona como uma bandeira hasteada. Já a regionalização, sendo na realidade uma política de caracterização para o estabeleci- mento ou reforço de aspectos que determinarão a região física e socialmente, podendo assumir um caráter exclusivamente excludente ou abrangente. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. A identidade e a representação. Elementos para uma reflexão crítica so- bre a ideia de região. In: O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989, pp. 107-132. FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998, pp. 1-14.
Compartilhar