Buscar

SILVA_Tomaz Tadeu O adeus às metanarrativas educacionais

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

SILVA, Tomaz Tadeu da. “Adeus às Metanarrativas Educacionais”. In: _______________. (Org.). 
O Sujeito da Educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 247-258 
 
 
Tomaz Tadeu da Silva 
O Adeus às Metanarrativas Educacionais 
 
 teoria educacional e a pedagogia encontram-se sitiadas. Atacadas pelo pós-
modernismo, pelo pós-estruturalismo, pelo feminismo, suas fundações balançam e 
suas praticantes se sentem desestabilizadas. As ameaças e contestações partem de vários 
lados e atingem vários dos elementos que fundam a educação. Não escapam a essa 
implosão nem sequer as bases daquilo que se convencionou chamar de Teoria Educacional 
Crítica, atingida em seu núcleo mesmo de teoria e prática vanguardista. 
 Em outro local (Silva, 1993), tratei de alguns dos aspectos das contestações feitas à 
Pedagogia Crítica, sobretudo daqueles ligados ao movimento pós-modernista. Neste 
capítulo, estarei focalizando especialmente a interação entre a Teoria Educacional Crítica e 
o pós-estruturalismo (com ênfase nas contribuições de Foucault), com alguma atenção 
também a certos elementos do questionamento pós-modernista. 
 Como se sabe, pós-estruturalismo e pós-modernismo são conceitos amplos e de 
definição pouco precisa. Eles tendem também a se confundir ligados que estão a um mesmo 
conjunto de contestações aos fundamentos do pensamento, da filosofia, das ciências sociais, 
das artes. É possível, entretanto, fazer algumas distinções, que podem ser úteis no contexto 
do presente trabalho. Em primeiro lugar, pode-se considerar pós-modernismo como um 
termo mais abrangente que pós-estruturalismo. Em seguida, é possível também distinguir o 
pós-estruturalismo como um conjunto de desenvolvimentos teóricos vinculados a uma 
determinada concepção do papel e da natureza da linguagem, uma concepção que modifica 
e estende aquela sustentada pelo pós-estruturalismo. É possível também distinguir o pós-
estruturalismo a partir dos autores que o identificam. Estão claramente identificados com o 
pensamento pós-estruturalista: Foucault, Derrida, Barthes. Em contraposição, a figura que 
claramente identifica o pós-modernismo, ao menos em filosofia e ciências sociais, é 
Lyotard. De qualquer forma, neste ensaio não estarei preocupado particularmente com essa 
A 
 
distinção,[p.248] embora aquelas questões especificamente pós-estruturalistas sejam assim 
identificadas. 
 Mas, sem entrar numa descrição prévia dos elementos do pensamento pós-
estruturalista, que será feita ao longo do trabalho, quais são seus impactos sobre a teoria e a 
pesquisa educacionais? Que elementos do edifício teórico educacional são abalados pelas 
reconceptualizações do pós-estruturalismo e do pós-modernismo? Quais desses elementos 
permanecem intactos após o vendaval pós-estruturalista? 
 O campo educacional é um campo privilegiado de confrontação para o pensamento 
pós-moderno e pós-estruturalista. Onde mais as metanarrativas são tão onipresentes e tão 
"necessárias"? Em qual outro local o sujeito e a consciência são tão centrais e tão 
centrados? Em que outro campo os aspectos regulativos e de governo (no sentido 
foucaultiano) são tão evidentes? Haverá uma outra área em que os princípios humanistas da 
autonomia do sujeito e os essencialismos correspondentes sejam tão caramente cultivados? 
Existirá um outro campo, além do da educação, em que binarismos como 
opressão/libertação, opressores/oprimidos, tão castigados por uma certa ala do pós-
estruturalismo, circulem tão livremente e o definam tão claramente? E onde mais a "Razão" 
preside tão soberana e constitui um fundamento tão importante? Também não haverá outro 
lugar em que o papel da intelectual (professora ou acadêmica) seja tão enfatizado, nem 
outro lugar em que a mudança (do educando, da escola, da sociedade) seja tão 
ardentemente buscada. Utopias, universalismos, grandiloqüências, narrativas mestras, 
vanguardismo: esse o terreno em que a educação e a teoria educacional se movimentam. 
Aqui o pós-modernismo e o pós-estruturalismo têm muito a questionar. 
A Virada Lingüística e a Filosofia Educacional da Consciência 
 A chamada "virada lingüística" na teorização social e em outros campos começa por 
desalojar o sujeito do humanismo e sua consciência do centro do mundo social. A filosofia 
da consciência, firmemente assentada na suposição da existência de uma consciência 
humana que seria a fonte de todo significado e toda ação, é deslocada em favor de uma 
visão que coloca em seu lugar o papel das categorizações e divisões estabelecidas pela 
linguagem e pelo discurso, entendido como o conjunto dos dispositivos lingüísticos pelos 
 
quais a "realidade" é definida. A autonomia do sujeito e de sua consciência cede lugar a um 
mundo social constituído em anterioridade e precedentemente àquele sujeito, na linguagem 
e pela linguagem. 
 Nesse movimento, a consciência e o sujeito não apenas saem do centro da cena 
social: são eles próprios descentrados. Além de não serem determinantes, autônomos e 
soberanos, consciência e sujeito tampouco são fixos e estáveis, carecendo de um centro 
permanente [p.249] e bem estabelecido. A própria natureza da linguagem é também 
redefinida. Não mais vista como veículo neutro e transparente de representação da 
"realidade", mas como parte integrante e central da sua própria definição e constituição, a 
linguagem também deixa de ser vista como fixa, estável e centrada na presença de um 
"significado" que lhe seria externo e ao qual lhe corresponderia de forma unívoca e 
inequívoca. Em vez disso, a linguagem é encarada como um movimento em constante 
fluxo, sempre indefinida, não conseguindo nunca capturar de forma definitiva qualquer 
significado que a precederia e ao qual estaria inequivocamente amarrada. 
 Filosofia da consciência e educação quase se confundem. É aqui, em toda a tradição 
do pensamento educacional, que a consciência e o sujeito auto-centrado recebem um papel 
privilegiado. Esse papel central é-lhes concedido pelas várias "pedagogias" que têm 
atravessado o pensamento educacional. Ele é destacado no humanismo tradicional, com sua 
suposição de uma essência humana a ser desenvolvida em todas as suas potencialidades. 
Ele é também parte essencial dos fundamentos das várias psicologias que têm dado 
sustentação às justificativas da educação institucionalizada - das psicologias humanistas 
(com seus apelos ao pleno desenvolvimento de todas as faculdades humanas) às psicologias 
desenvolvimentistas (com sua ênfase no desenvolvimento das capacidades infantis). As 
suposições sobre consciência e sujeito são comuns às pedagogias da repressão e às 
pedagogias libertadoras - a oposição binária que lhes opõem apenas revela a existência de 
uma essência a ser reprimida ou liberada, conforme o caso. Não escapam a essa tradição 
nem mesmo as chamadas pedagogias críticas - a própria noção de conscientização, tão cara 
a algumas de suas importantes correntes, está integralmente vinculada à suposição da 
existência de uma consciência unitária e auto-centrada, embora momentaneamente alienada 
 
e mistificada, apenas à espera de ser despertada, desreprimida, desalienada, liberada, 
desmistificada. 
 A concepção pós-estruturalista, inspirada, nesse ponto, sobretudo em Foucault, ao 
colocar em dúvida a suposição dessa consciência e desse sujeito soberano, ao 
desenvolvimento (ou à repressão) do qual a educação estaria voltada, priva-lhe, 
evidentemente, da própria razão de sua existência e "missão". Que se coloca em seu lugar? 
Talvez não seja o caso de tentar colocar alguma coisa em seu lugar - operação que correria 
o risco de remontar precisamente aquilo que o pós-estruturalismo se pôs a desmontar -, mas 
de enfatizar precisamente o caráter transgressivo e subversivo de uma tal perspectiva. Uma 
perspectiva que reconhece o descentramento da consciência e do sujeito, a instabilidade e 
provisoriedade das múltiplas posições em quesão colocados pelos múltiplos e cambiantes 
discursos em que são constituídos, começa por questionar e interrogar esses discursos, 
desestabilizando-os em sua inclinação a fixá-los numa posição única que, afinal, se 
mostrará ilusória. A posição pós-estruturalista, naquilo que se refere à chamada [p.250] 
"virada lingüística", subverte todas as nossas mais queridas noções sobre educação, 
incluindo aquelas que tínhamos como mais críticas e transgressivas. Nisso reside sua força. 
Querer mais significará provavelmente voltar a operar precisamente no registro do qual se 
quer sair. 
Desconfiar de Todos os Saberes-Poderes 
A teoria educacional, em geral, baseia-se na noção de que o conhecimento e o saber 
constituem fonte de libertação, esclarecimento e autonomia. A teoria educacional crítica, 
em particular, acredita que os presentes arranjos educacionais, afetados por objetivos de 
interesse e poder, transmitem saberes e conhecimentos contaminados de ideologia, mas que 
é possível, através de uma crítica ideológica, penetrá-los e chegar a um conhecimento não-
mistificado do mundo social. 
 A posição pós-estruturalista vai contestar essas visões. Em primeiro lugar, ao 
reformular a oposição convencional entre ciência e ideologia, entre saber e 
ignorância/mistificação - que vincula o segundo elemento desses pares a uma distorção que 
pode ser traçada ao poder (ideologia) e o primeiro a uma posição distanciada e 
 
desinteressada em relação ao poder (verdade) - todo saber/conhecimento torna-se 
igualmente suspeito de vínculo com poder. Em segundo lugar, a própria noção de poder 
sofre um deslocamento, não podendo mais ser referida a uma fonte ou a um centro único, 
separando nitidamente o mundo social em opressores e oprimidos, assim identificados 
antecipadamente e de uma vez por todas. A natureza opressiva ou libertadora de um 
discurso não pode ser determinada teoricamente, deve ser investigada historicamente, em 
cada caso específico (Sawicki, citada por Gore, 1994). Nesse deslocamento, muda o próprio 
foco de análise do poder: não mais simplesmente tentar identificar a fonte do poder, já que 
as relações de poder são onipresentes, mas principalmente como elas se exercem (Foucault, 
1982). 
 Mais uma vez, isso atinge o âmago da teorização educacional crítica. Em que outra 
coisa consiste o objetivo da pedagogia crítica senão em colocar a intelectual (professor, 
acadêmica) numa posição privilegiada para identificar fontes e origens de poder que levam 
a mistificar o conhecimento do mundo social e, com isso, a perpetuar situações de 
opressão? Não é a missão desse/a intelectual ajudar os/as estudantes a chegar a uma 
compreensão não-mistificada da vida social, uma compreensão supostamente isenta de 
interesses de poder? A perspectiva pós-estruturalista, baseada na noção de poder-saber de 
Foucault, vai nos desalojar a todos dessa posição privilegiada, a partir da qual se pode 
analisar e criticar o poder sem estar envolvido com ele. 
 Coloca-se sob suspeita tanto a relação da acadêmica frente aos professores 
("práticos"), quanto a desses últimos frente aos/às estudantes. Se não existe o exterior do 
poder, se não existe uma "verdade" que [p.251] seja o outro lado do poder, todas as 
relações são arriscadas. A conseqüência disso não é necessariamente uma posição niilista, 
cínica ou desesperada, mas talvez uma posição mais realista, apesar de todo o desconforto 
que possa ser causado pela operação de desalojamento de uma posição de poder que deve 
seu prestígio precisamente à luta contra o poder e à sua suposta isenção em relação a ele. O 
objetivo já não serão mais buscar uma situação de não-poder, mas sim um estado 
permanente de luta contra as posições e relações de poder, incluindo, talvez principalmente, 
aquelas nas quais, como educadores/as, nós próprios/as estamos envolvidos. 
 
 
O Pós-Estruturalismo e o Papel da Intelectual 
É precisamente o papel privilegiado da intelectual que vai ser um dos elementos mais 
contestados pelo pós-estruturalismo e pelo pós-modernismo. Colocada sempre numa 
posição afastada, distanciada, isenta, em relação ao mundo social e político, a intelectual, 
na melhor tradição iluminista, vai contribuir com um saber/conhecimento desinteressado 
para o avanço e progresso da vida social. Numa perspectiva que vincula sempre saber e 
poder, essa posição torna-se insustentável. O saber da intelectual não paira acima e fora das 
lutas e relações de poder: é parte integrante e essencial delas. 
 As pedagogias críticas dependem centralmente de uma perspectiva vanguardista do 
papel da intelectual, seja em relação aos movimentos sociais em geral, seja em relação ao 
espaço mais restritamente pedagógico. As noções pós-estruturalistas de poder vão conferir 
à intelectual um papel bem mais modesto, muito menos universal e muito mais local, que se 
expressa na noção de "intelectual específica" de Foucault. Nessa perspectiva, a intelectual 
assume um papel muito mais simétrico em relação às outras participantes das lutas sociais 
nas quais está envolvida, no sentido de que seu saber, sua visão e seu discurso devem tanto 
aos interesses de poder quanto os de qualquer outra participante. 
 Essa visão tem conseqüências tanto para as teorias educacionais críticas quanto para 
os professores. Para as primeiras, fica difícil, a partir daí, manter uma posição de 
superioridade em relação aos segundos, uma superioridade que se deve à suposição da 
existência de uma posição incontaminada pelo poder. Suas pedagogias críticas só o serão na 
medida em que aplicarem a si próprias os instrumentos de crítica que aplicam aos outros. 
Para os segundos, é sua própria relação com as estudantes que deve ser mantida 
constantemente em xeque, tendo em vista seu possível envolvimento em processos de 
regulação e controle. A intelectual, nessa perspectiva, não se reconhece tanto pelo grau de 
[p.252] sua crítica em relação às posições de poder dos outros quanto pelo grau de sua auto-
reflexividade. 
Pedagogia Crítica e Regulação/Controle/Governo 
O envolvimento da educação e da pedagogia em mecanismos de poder e controle não é 
nenhuma novidade para a teoria educacional crítica. Essa preocupação é mesmo uma 
 
característica central da teorização educacional crítica. O que distingue a posição pós-
estruturalista, nisso baseada novamente em Foucault, é a ênfase no caráter necessário e 
produtivo do poder. Enquanto para a teorização crítica de inspiração marxista, por exemplo, 
o poder distorce, reprime, mistifica, para a perspectiva pós-estruturalista, o poder constitui, 
produz, cria identidades e subjetividades. As identidades e subjetividades assim produzidas 
não representam nenhuma distorção, nenhum desvio em relação a alguma essência humana 
que, se deixada livre ou "bem" encaminhada, seguiria o seu "verdadeiro" curso. 
 A regulação e o governo dos sujeitos e das populações são mecanismos necessários 
para "canalizar" suas capacidades para objetivos produtivos, no sentido de utilidade para o 
poder. Mas essa regulação e governo não estão necessariamente centralizados em qualquer 
instituição específica, como o Estado, por exemplo. O que caracteriza a sociedade 
contemporânea é precisamente o caráter difuso desses mecanismos de regulação e controle, 
dispersos que estão em uma ampla série de instituições e dispositivos da vida cotidiana. A 
educação é certamente um desses dispositivos, central na tarefa de normalização, 
disciplinarização, regulação e governo das pessoas e das populações. 
 É verdade que tudo soa familiar às pessoas formadas na tradição educacional crítica. 
Entretanto, a diferença está em que nenhum dispositivo, nem mesmo os críticos, tal como 
as pedagogias críticas, estão absolvidos de envolvimento em relações de poder, regulação e 
governo. Para usar a terminologia de Foucault, também elas constituem "tecnologias do 
eu", profundamente implicadas na produção dedeterminados tipos de personalidade. A 
operação convencional de desmontagem na teorização crítica de inspiração marxista 
consiste em examinar os dispositivos e práticas tradicionais como ligados ao interesse e ao 
poder. Supostamente, uma vez eliminados esses obstáculos, teríamos uma situação de 
"libertação", isto é, de não-poder. Na perspectiva pós-estruturalista de inspiração 
foucaultiana, apenas teria se instaurado um outro regime de regulação e controle, não 
necessariamente mais benéfico. Evidentemente não seriam apenas as pedagogias críticas 
que seriam vítimas da ilusão de transcender o caráter necessariamente regulativo e [p.253] 
de controle da educação e da pedagogia. A pedagogia construtivista é um outro exemplo, 
extremamente atual, dessa ilusão. 
 
 Uma outra implicação dessa perspectiva para a educação é não separar regulação e 
saber. Embora análises como a de Althusser já tivessem chamado a atenção para o caráter 
ideológico até mesmo de disciplinas educacionais consideradas "neutras", havia aí sempre a 
suposição de uma separação entre conhecimento (científico) e ideologia que permitia que o 
conhecimento "verdadeiro" pudesse emergir uma vez desenredado de seu cipoal ideológico. 
Na perspectiva que aqui estamos analisando, as disciplinas (matérias) escolares, estando 
situadas em dispositivos de governo e controle como a educação, contém necessariamente 
aspectos regulativos dos quais não podem ser separadas - se pudessem já não estaríamos 
falando de educação. Educação/pedagogia e regulação estão sempre juntas. 
Os binarismos Que Habitam a Educação e Sua Desconstrução 
Algumas pensadoras educacionais começam a extrair as conseqüências do projeto de 
desconstrução de Derrida para a educação. Interessa-me aqui destacar apenas duas dessas 
implicações. Uma das tarefas a que se propôs Derrida foi a de desconstruir oposições 
binárias caras à tradição do pensamento filosófico ocidental: teoria/prática, sujeito/objeto, 
natureza/cultura ... Derrida tenta demonstrar que nessas oposições um termo não representa 
a superação do outro, como se pode pretender a partir da posição que argumenta em seu 
favor. Embora nessas oposições um termo sempre apareça como positivo, reprimindo o 
outro, na verdade elas supõem uma essência que lhes está subjacente. Ocorre não apenas 
que essa essência não apenas não existe, como a identidade que é definida pela oposição 
não é fixa, mas flutuante, cambiante. 
 O campo da educação e da teoria educacional dificilmente pode ser compreendido 
fora desses binarismos: libertação/opressão, repressão/liberação, teoria/prática, 
racional/irracional... Uma perspectiva pós-estruturalista inspirada na desconstrução buscaria 
desmontar essas oposições naquilo que um de seus elementos apresenta de pretensão de 
superação do outro. Assim, por exemplo, para tomar um exemplo tão central à própria 
história do pensamento educacional ocidental, se consideramos o par "reprimir/liberar" em 
conjunto, como uma dessas oposições que remetem a uma essência subjacente, veremos 
que "liberar", por exemplo, não representa o "outro" de "reprimir" mas apenas um outro 
lado de uma identidade: a da essência humana que deve ser reprimida ou liberada, 
 
conforme for o caso e a época. A oscilação histórica entre reprimir e liberar é uma 
oscilação que volta ao mesmo ponto (Lerena, 1983). 
 A crítica das oposições binárias relaciona-se com a crítica dos significados 
transcendentais. Para Derrida, a filosofia ocidental tem-se [p.254] caracterizado 
precisamente pela busca daquele significado último de todas as coisas, um significado que 
as fixaria de uma vez por todas, que permitiria sua compreensão final, um significado que 
serviria de referência para todos os outros, e que estaria na sua origem. Essa corrida em 
busca do significado transcendental é mais do que evidente no campo educacional. Certo 
tipo de questão, bastante corrente nesse campo, define bem essa busca: Que é 
verdadeiramente a educação? Que conceito e teoria nos permitiria explicar, de uma vez por 
todas, esse ou aquele processo educacional? Em que, exatamente, consistiria a pedagogia 
progressista última e definitiva? A sucessão de teorias e concepções que se sucedem com 
certa rapidez na educação é uma demonstração dessa incessante e interminável busca. 
Embora talvez seja necessário pensarmos os significados como transcendentais, um certo 
reconhecimento da ilusão que constitui sua busca desenfreada pode constituir um saudável 
elemento na constituição de uma teoria e uma prática mais modestas e realistas. O 
abandono dos significados transcendentais - como o das metanarrativas - não deve deixar 
saudades. 
Epistemologia Social, Epistemes e Educação 
A tradição racionalista no pensamento social e educacional tende a pensar o conhecimento 
e a epistemologia como um processo lógico e ligado a esquemas mentais de raciocínio. 
Essa é uma das conseqüências de se conceber a linguagem como um meio transparente e 
neutro de representação da "realidade". Uma das implicações da "virada lingüística" é 
conceber o nosso conhecimento e compreensão do mundo social como necessariamente 
vinculado à própria forma como nomeamos esse mundo. Esse processo de nomeação não é 
o mero reflexo de uma realidade que existe lá fora; esse processo produz, constitui, forma a 
realidade. As categorias que usamos para definir e dividir o mundo social constituem 
verdadeiros sistemas que nos permitem ou impedem de pensar, ver e dizer certas coisas. 
Esses sistemas constituem, na terminologia de Foucault, "epistemes", ou ainda, para utilizar 
 
a sugestão de Popkewitz (1991), "epistemologias sociais". As epistemologias sociais 
ordenam, formulam, moldam o mundo para nós, um mundo que não tem sentido fora delas. 
 Isso tem muitas e variadas implicações para o campo educacional e sua análise. 
Quero destacar aqui apenas uma delas, justamente uma das mais importantes. Como outros 
campos sociais, também o da educação é "governado" pelas categorias que nos permitem 
nomeá-lo. Em geral, tendemos a ver essas categorias e nomes como resultado de um 
processo racional e lógico de significação da realidade, envolvendo atores também 
racionais e razoáveis. Tendemos, por outro lado, a esquecer o quanto essas categorias, 
conceitos, nomes, taxonomias capacitam ou restringem aquilo que podemos pensar, sentir, 
dizer, fazer. Como atores sociais, vivemos dentro de verdadeiras epistemologias [p.255] 
sociais e educacionais que constituem para nós o campo do possível, nos permitindo 
pensar, dizer e fazer certas coisas e não outras. 
 Essa perspectiva poderia ser aplicada a muitas outras epistemes e epistemologias 
sociais no campo da educação, mas me restringirei a apresentar aqui o exemplo das 
categorias e redefinições atualmente postas a circular pelo chamado neoliberalismo. 
Estamos atualmente presenciando um processo amplo de redefinição global das esferas 
social, política e pessoal, no qual complexos e eficazes mecanismos de significação e 
representação são utilizados para criar e recriar um clima favorável à visão social e política 
neoliberal. O que está em jogo não é apenas uma reestruturação neoliberal das esferas 
econômica, social e política, mas uma reelaboração e redefinição das próprias formas de 
representação e significação social. O projeto neoconservador e neoliberal envolve, 
centralmente, a criação de um espaço em que se torne impossível pensar o econômico, o 
político e o social fora das categorias que justificam o arranjo social capitalista. Nesse 
espaço hegemônico, visões alternativas e contrapostas à liberal/capitalista são reprimidas a 
ponto de desaparecer da imaginação e do pensamento até mesmo daqueles grupos mais 
vitimizados pelo presente sistema. Em seu conjunto, esse processo faz com que noções tais 
como igualdade e justiça social recuem no espaço de discussão pública e cedam lugar às 
noções redefinidas de produtividade,eficiência, "qualidade", colocadas como condição de 
acesso a uma suposta "modernidade" (outro termo, aliás, submetido a um processo de 
redefinição). É preciso perguntar: quais questões e noções são reprimidas, suprimidas ou 
 
ignoradas quando um discurso desse tipo se torna hegemônico? Que visões alternativas de 
sociedade deixam de circular no imaginário pessoal e social? 
 A redefinição da educação em termos de mercado insere-se nessa epistemologia 
social. A educação deixa de ser definida como um espaço público de discussão, como uma 
instituição pertencente à esfera política, e passa a ser redefinida como um bem de consumo, 
no qual estudantes e pais figuram como consumidores individuais e isolados em busca de 
seus supostos direitos de consumidores. Nesse processo, tendem a ser suprimidas categorias 
e conceitos com os quais tendíamos a encarar a educação institucionalizada - justiça, 
igualdade -, deslocados em favor de outras categorias e conceitos - mercado, consumidor, 
qualidade total. Como resultado, temos uma nova "realidade" linguisticamente definida, 
que, ao reprimir e tornar impossível qualquer forma alternativa de pensar e dizer, nos 
aprisiona na única forma que parece possível. 
A Educação na Idade da Razão 
ֹÉ difícil pensar a educação fora do contexto do predomínio da Razão, tal como definida e 
elaborada pelo Iluminismo. A história da educação [p.256] de massas e a do pensamento 
ilustrado quase se confundem. A educação institucionalizada é um dos mecanismos pelos 
quais a Razão se instala e se difunde, os currículos educacionais são baseados na concepção 
de Razão, o cultivo da Razão é um dos principais objetivos educacionais. Em muitos 
sentidos, educação significa produção da racionalidade. Para tomar um exemplo mais atual, 
pode-se dizer que o objetivo central das chamadas psicologias desenvolvimentistas é 
produzir a criança racional (Walkerdine). Por isso, numa era em que o predomínio da 
Razão iluminista é colocado em questão a partir de variadas perspectivas pós-
estruturalismo, pós-modernismo, feminismo, pacifismo, ambientalismo - é difícil deixar de 
repensá-la também no âmbito da educação. 
 As perspectivas pós-modernista e pós-estruturalista, em conjunto, colocam em 
questão esse predomínio de uma Razão, universal e abstratamente definida. Nessa visão, a 
noção predominante de Razão é encarada como produto de uma construção histórica que 
deve suas características às condições da época em que foi desenvolvida e não a uma 
 
essência humana abstrata e universalizante. Essa Razão é eurocêntrica, masculina, branca, 
burguesa, setecentista e, portanto, particular, local, histórica, e não pode ser generalizada. 
 Em termos mais educacionais, o desenvolvimento da criança pensante e racional, 
como um objetivo abstrato, deixa de levar em conta exatamente o caráter relacional, 
contextual e histórico do pensamento. Ao ter como objetivo a produção desse "pensador" 
descontextualizado, a educação e, sobretudo, as psicologias desenvolvimentistas, tendem 
precisamente a universalizar e a abstrair a noção de razão, ocultando com isso seu caráter 
particular e histórico. Esse raciocínio, assim concebido e desenvolvido, separado da 
consideração de seu objeto, tende a despolitizar o processo de pensamento, na exata medida 
em que o concebe fora e acima de seu contexto político e histórico. 
As Metanarrativas: Como Viver Sem Elas 
Possivelmente nenhum questionamento pós-modernista tenha atingido mais seriamente a 
educação que o desfechado contra as metanarrativas. O campo educacional é um campo 
minado de metanarrativas. Impossível andar nele sem esbarrar em uma. Usamos 
metanarrativas para construir teorias filosóficas da educação; utilizamos metanarrativas 
para analisar sociológica e politicamente a educação; nossos currículos educacionais 
deixariam de existir sem as metanarrativas - metanarrativas históricas, sociais, filosóficas, 
religiosas, científicas. O golpe contra as metanarrativas é, portanto, um golpe contra o 
edifício teórico educacional, seja aquele tradicionalmente construído, seja o da teorização 
crítica. 
Parece que o abandono das metanarrativas é irreversível. As metanarrativas, em sua 
ambição universalizante, parecem ter falhado em [p.257] fornecer explicações para os 
multifacetados e complexos processos sociais e políticos do mundo e da sociedade. A 
dependência em relação às meta narrativas políticas tem revelado uma tendência a produzir 
regimes totalitários e ditatoriais. O apego a certas meta narrativas tem servido apenas de 
justificação para que certos grupos conservem outros sob opressão. 
 Em educação não é diferente. Temos presenciado com freqüência a busca cíclica da 
"Grande Pedagogia" que, finalmente, vai dar resposta a todas as nossas grandes questões 
educacionais e sociais. Em seu afã universalizante, essas pedagogias têm chegado a 
 
formular conjuntos de princípios pelos quais se testaria a adesão a seu credo. 
Analiticamente, também se observa uma tendência a adotar esquemas explicativos 
universalizantes para os processos educacionais. 
 Em termos de teoria, as metanarrativas educacionais têm servido freqüentemente 
apenas para que certos grupos imponham suas visões particulares, disfarçadas como 
universais, às de outros grupos. As metanarrativas com freqüência impedem a discussão 
pública e aberta ao suprimirem antecipadamente perspectivas que se lhes opõem. Por outro 
lado, em termos mais curriculares, as metanarrativas têm servido apenas para justificar a 
exclusão do currículo de outras narrativas que não se encaixam nos pressupostos e dogmas 
da narrativa mestra que está no comando. 
 Por tudo isso o adeus às metanarrativas não constitui necessariamente uma 
despedida dolorosa. Ela significa apenas que nossas teorizações precisam ser mais 
refinadas, mais atentas aos detalhes locais e específicos, enquanto que o conhecimento 
corporificado no currículo precisa estar mais atento às vozes e às narrativas de grupos até 
então excluídos de participar de sua produção e criação. As metanarrativas: é possível viver 
sem elas. E talvez melhor. 
E Agora? 
Num campo atravessado por preocupações práticas e políticas não há como evitar a 
pergunta: dados esses questionamentos, que fazer daqui pra frente? Uma possível resposta é 
que esses questionamentos apenas estendem e ampliam o projeto educacional crítico de 
desestabilização dos poderes, certezas e dogmas estabelecidos. Que isso constitui em si 
uma prática, uma prática de crítica que tem objetivos e resultados políticos. É verdade que 
desta vez o próprio projeto crítico torna-se objeto da operação de crítica e questionamento e 
nisso está precisamente uma de suas novidades. Mas a auto-reflexividade não significa 
niilismo ou cinismo, nem falta de compromisso e responsabilidade. Há talvez um aumento 
de responsabilidade, na medida em que nossas posições deixam de ter um ponto fixo e 
estável e ficam constantemente submetidas à crítica e à dúvida. Isso tampouco implica um 
abandono [p.258] da política. Se existe abandono é apenas de uma política baseada em 
certezas, dogmas e narrativas mestras. 
 
 Os questionamentos colocados pelo pós-modernismo e pelo pós-estruturalismo 
também implicam uma posição de mais modéstia por parte da intelectual e do professor. O 
próprio alcance da teoria torna-se mais modesto e limitado. Não mais obrigada a dar conta 
de tudo, não mais obrigada a prescrever uma série de receitas para todas as situações, a 
intelectual educacional pode talvez agora assumir sua tarefa política de participante coletiva 
no processo social: vulnerável, limitada, parcial, às vezes correta, às vezes errada, como 
todo mundo. A intelectual do modernismo e do estruturalismo está em crise. Talvez surja 
em seu lugar uma intelectual mais de acordo com o tempo em que vivemos. Mas a partir 
daqui vou ficar tentado a prescrever. Melhor terminar antes disso. Pós-estruturalmente.Referências 
FOUCAULT, M. Afterword. In: H. L Dreyfus & P. Rabinow. Michael Foucault: Beyond 
Structuralism and Hermeneutics. Chicago, The University of Chicago Press, 1982. 
GORE, J. Foucault e Educação: Fascinantes Desafios. In: T. T. da Silva (Org.). O Sujeito 
da Educação: Estudos Foucaultianos. Rio, Vozes, 1994. 
LERENA. C. Reprimir y Liberar. Crítica sociológica de la educación y de la cultura 
contemporáneas. Madri, Akal, 1983. 
POPKEWITZ. TS. A political sociology of educational reform. Power/knowledge in 
teaching, teacher education, and research. Nova York, Teachers College Press, 1991. 
SILVA, T.T da. Teoria Educacional Crítica em Tempos Pós-Modernos. Porto Alegre, 
Artes Médicas, 1994. 
WALKERDINE, V. Reasoning in a post·modem age. Londres, Department of Media and 
Communication, Goldsmiths' ColIege. Mimeo. 
♦ 
Este ensaio foi apresentado em Painel no VII ENDIPE, 5 a 9 de junho de 1994, Goiânia. 
♦ 
Tomaz Tadeu da Silva é Professor do Departamento de Ensino e 
Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 
♦

Continue navegando