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DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO Marcio Morena Pinto 3 ª Edição | Abril | 2022 Impressão em São Paulo/SP Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 Direito Internacional do Trabalho Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professor Responsável Marcio Morena Pinto Revisão Ortográfica Vanessa Almeida Coordenadora Pedagógica de Cursos EAD Eleonora Altruda de Faria Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Janine Lopes 3ª Edição: Abril de 2022. Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD Know How 2012 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. CDD – 341.763 Sumário Unidade 1 - A Internacionalização e o Direito Internacional do Trabalho ........... 9 1.1. O Trabalho na Vida do Homem ............11 1.1.1 Visões Histórico-Ideológicas do Trabalho ...................................................... 13 1.1.2 A Evoluçao Histórica das Relações de Trabalho ....................................... 16 1.1.3 As Revoluções Industriais ........................ 19 1.1.4 As Doutrinas Sociais e o Marxismo .......... 25 1.2. O Direito Internacional do Trabalho .....36 1.2.1. Os Primórdios de um Direito Internacional do Trabalho ..................... 36 1.2.2 Instrumentos Internacionais ..................... 41 1.2.3 Conceito e Objeto .................................... 47 1.2.4 Princípios Universais ............................... 49 1.2.5 Fundamentos ........................................... 53 Exercícios de Fixação ....................................... 54 Unidade 2 - Organização Internacional do Trabalho (OIT) ............................... 63 2.1. O Surgimento da OIT como Organização Internacional ...................65 2.2. Finalidades e Funções .........................69 2.3. Competência .......................................72 2.4. Natureza Jurídica ..................................74 2.5. Membros .............................................75 2.6. Composição: Órgãos da OIT ................77 2.6.1 Conferência ou Assembleia Geral ........... 78 2.6.2 Conselho de Administração ..................... 80 2.6.3 Repartição Internacional .......................... 82 2.7. Comissões Consultivas e Análogas ......84 2.8. Conferências Regionais e Conferências Técnicas .........................88 2.9. A OIT no Brasil .....................................89 2.10. Os Projetos da OIT no Brasil .................94 Exercícios de Fixação ....................................... 97 Unidade 3 - As Normas Internacionais Trabalhistas I: Tratados Internacionais 105 3.1. Os Tratados Internacionais ................107 3.1.1 Definição ............................................... 109 3.1.2 Classificação e Natureza Jurídica ........... 112 3.1.3 Formação dos Tratados: Celebração e Entrada em Vigor ..................... 114 3.1.4 Reservas ................................................ 122 3.1.5 Emendas ................................................ 125 3.1.6 Entrada em Vigor e Aplicação Provisória . 126 3.1.7 Observância, Aplicação e Interpretação dos Tratados ............................. 128 3.1.8 Os Tratados e seus Efeitos Para Terceiros Estados.................................... 132 3.1.9 Nulidade, Terminação e Suspensão da Aplicação dos Tratados ............ 133 3.1.10 Extinção e Suspensão de um Tratado ... 139 3.1.11 Depósito, Registro e Publicação .......... 142 3.2. Principais Tratados Firmados Pelo Brasil em Matéria Trabalhista e Previdenciária .145 3.2.1 Tratado de Itaipú .................................... 147 Exercícios de Fixação ..................................... 156 Unidade 4 - As Normas Internacionais Trabalhistas II: Convenções, Recomendações e Resoluções da OIT ... 161 4.1. Convenções .......................................163 4.1.1 Definição ............................................... 164 4.1.2 Natureza Jurídica .................................... 164 4.1.3 Modalidades E Classificação da OIT ...... 165 4.1.4 Vigência Internacional ........................... 169 4.2. Recomendações e Resoluções ...........171 4.3. Revisão ..............................................173 4.4. Convenções Ratificadas Pelo Brasil ....180 4.5. Soluções de Controvérsias Relativas às Convenções ....................192 4.6. Sistemas de Supervisão e Controle de Aplicação das Normas da OIT ...................................194 4.6.1 Controle Permanente ............................. 194 4.6.2 Controle por Provocação ....................... 202 4.7. Sanções ...............................................208 Exercícios de Fixação ..................................... 213 Unidade 5 - Integração das Normas Internacionais Trabalhistas no Ordenamento Jurídico Brasileiro ......... 237 5.1. A Soberania Estatal Frente às Convenções e Recomendações da OIT .....................239 5.2. Ratificação das Convenções da OIT ...245 5.3. Integração e Hierarquia dos Tratados e Convenções da OIT no Ordenamento Jurídico Interno . 251 5.4. Vigência e Eficácia em Âmbito Nacional ................................262 5.5. Denúncia............................................265 Exercícios de Fixação ...............................270 Unidade 6 - O Mercado Comum do Sul (Mercosul) .................. 273 6.1. A Formação do Bloco: Aspectos Históricos, Políticos e Econômicos ......................275 6.2. Características do Processo de Integração ......................283 6.3. Estrutura Institucional do Mercosul ....287 6.3.1 Conselho do Mercado Comum (CMC) ... 288 6.3.2 Grupo Mercado Comum (GMC) ........... 289 6.3.3 Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) ............................................ 290 6.3.4 Parlamento do Mercosul (PM) ............... 292 6.3.5 Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) .............................. 293 6.3.6 Secretaria do Mercosul (SM) ................. 294 6.3.7 Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR) ............................ 295 6.3.8 Tribunal Administrativo- Trabalhista do Mercosul (TAL)........................ 295 6.3.9 Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito (CMPED) ...... 299 6.3. O Direito do Trabalho no Âmbito do Mercosul ..........................300 6.4.1. Declaração Sociolaboral do Mercosul ... 302 6.4.2. A Conjuntura Politico- Economica do Mercosul na Atualidade .......... 310 Exercícios de Fixação ..................................... 312 Referências Bibliográficas .........................321 Gabarito ....................................................331 9 1 A INTERNACIONALIZAÇÃO E O DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO 11 1.1. O TRABALHO NA VIDA DO HOMEM É cediço que o homem é um ser racional, distin- guindo-se dos animais não somente por sua capacidade de discernimento, mas também pela sua inerente socia- bilidade manifestada pela comunicação com o mundo que está ao seu redor. Pode-se dizer então que o ho- mem produz o mundo a si mesmo, no célebre sentido orteguiano de existência, cristalizado no aforismo: “Eu sou eu e minha circunstância”. O homem, para Ortega y Gasset (1967, p. 47), tor- na-se responsável pela mudança histórica e social quan- do adquire plena consciência de suas circunstâncias. Por elas que ele se comunica com o universo numa relação constitutiva: nem eu existo à parte das coisas e nem elas existem à parte de mim. Logo, minha circunstância é parte constitutiva de mim mesmo. Os seres irracionais, por sua vez, não produzem a própria existência, apenas a conservam de maneira ins- tintiva, por meio de atos desprovidos de discernimento e que, simplesmente, lhes conduzem a uma situação de segurança, garantindo-lhes a rotineira conquista do ali- mento e do abrigo seguro. A principal ação transformadora do homem em relação ao mundo e a si mesmo se dá por meio do tra- balho. O trabalho é o que realmente distingue os ho- mens dos animais; o que os humaniza. Como observa Kamper (1998, p. 12-13), o trabalho se estendea todos 12 os setores da vida humana, não se circunscrevendo à ati- vidade remunerada, área onde costuma ser identificado, acabando por apoderar-se da própria vitalidade humana. O trabalho é sempre dirigido por uma finalidade consciente, criando e reproduzindo técnicas reiterada- mente utilizadas ao longo da história, sempre com o objetivo de transformar a natureza, adaptando-a con- forme as necessidades sociais. Ao modificar o seu en- torno, o homem transforma a si próprio, se autopro- duz, afastando-se dos animais que permanecem sempre os mesmos na sua essência. Para Martins Filho (2009, p. 3), trabalho é toda a ação humana, realizada com gasto de energia física ou mental, acompanhada ou não do auxílio instrumental, dirigida a um fim determinado que produza efeitos no próprio agente que o realiza, a par de contribuir para transformar o mundo em que se vive. Aranha e Martins (1993, p. 6), destacam um cunho mais humanista que o trabalho aporta, por ser uma atividade relacional. Além de desenvolver habilidades, permite que a convivência não só facilite a aprendiza- gem e o aperfeiçoamento dos instrumentos e das técni- cas, mas também enriqueça a afetividade resultante do relacionamento humano. No trabalho, o homem apren- de a conhecer a natureza, as pessoas e a si mesmo ex- perimentando emoções de expectativa, desejo, prazer, medo, inveja etc. Em poucas palavras, o trabalho é uma condição de transcendência e, portanto, é expressão da própria liberdade. 13 1.1.1 VISÕES HISTÓRICO-IDEOLÓGICAS DO TRABALHO É curioso notar que uma concepção negativa de trabalho aparece nas avaliações que várias culturas do passado fizeram a seu respeito ao longo da história. A tradição grega e a tradição judaico-cristã, por exemplo, entram em consenso inequívoco quando atribuem ao trabalho uma função de penalidade. O trabalho serviria como uma pena que os homens deveriam suportar por terem transgredido as leis divinas. Na Antiguidade grega acreditava-se que os deuses não trabalhavam. Todos os trabalhos manuais, princi- palmente os mais pesados, eram rejeitados e desvalori- zados. Desta feita, os trabalhos nos campos, nas minas e na construção civil, por exemplo, eram executados por escravos. Em contrapartida, a atividade intelectual, que abrangia a política e as artes, era supervalorizada e considerada como a acupação mais digna do homem, já que o pensar representava a essência fundamental de todo o ser racional. Platão acreditava que a finalidade precípua dos homens livres era a reflexão, e não o trabalho manual, totalmente desvalorizado no âmbito da cidade-estado. Ao defender uma “aristocracia do saber” em sua obra República, Platão não considerava a classe dos traba- lhadores como uma classe cidadã, pois não lhes sobra- va tempo para a contemplação teórica da verdade e, 14 tampouco, para a práxis política. O ideal humano de- veria se realizar na figura do cidadão filósofo, ou seja, um homem livre das incumbências da sobrevivência, evidenciando-se um ideal de cunho altamente elitista. Em sentido contrário, a crença judaica e a cristã pas- sam a valorizar o trabalho manual, ensinando que Deus trabalhou seis dias e descansou no sétimo. Ora, se até mesmo Deus trabalhou para conceber o mundo tal como o conhecemos em toda a sua riqueza e diversidade, o ho- mem também deve trabalhar. No entanto, note-se que, apesar de dar-se importância ao trabalho, a sua percepção é sempre negativa, estando associada à ideia de tortura, de maldição, de pena a ser executada com resignação etc. Um mito universal que ilustra muito bem isso é a da expulsão de Adão e Eva do Paraíso (Genesis, III, 19), onde os homens viviam originalmente felizes e tinham tudo de que necessitavam. Não havia miséria, necessidades, muito pelo contrário. O problema se co- loca com a descoberta da árvore do conhecimento, cuja fruição era proibida aos homens. Como se sabe, o ho- mem, junto da mulher, colheu o fruto e o comeu. Em seguida, como punição, Deus amaldiçoou as lavouras do homem, dizendo: “no suor do seu trabalho deverás ganhar o teu pão rosto”. Daí provém uma concepção de trabalho originalmente associada a uma maldição. Outra famosa passagem bíblica que retrata o traba- lho está na Segunda Carta de São Paulo aos Tessaloni- censes (3, 10), na qual o apóstolo teria dito: “Quem não 15 quer trabalhar, também não deve comer”, em resposta a um grupo de cristãos que queriam alienar-se dos es- forços da vida profissional, eclesial e política à espera da vinda do Senhor. Na Roma escravagista, o trabalho era visto como “ausência de lazer”. A palavra negotium indicava “negação do ócio”, significando, portanto, ocupação, trabalho, la- buta e, por isso, os romanos formaram esta palavra que nasce da contração do advérbio nec (não), com o subs- tantivo otium (ócio), significando descanso, recreação. A etimologia do verbo “trabalhar” e da palavra “trabalho”, por sua vez, tem origem nos vocábulos latinos tripaliare e tripalium. O tripalium era um instru- mento utilizado pelos agricultores, formado por três paus - algumas vezes munido com pontas de ferro - aos quais eram atados os animais. Indevidamente, o mesmo instrumento servia também para torturar os escravos, mantendo-os presos. Daí provém a associação do tra- balho com agonia, sofrimento e pena. Na Idade Média, São Tomás de Aquino procura rea- bilitar o trabalho manual, dizendo que todos os trabalhos se equivalem. No entanto, a própria construção teórica de seu pensamento, calcada no restabelecimento da visão grega, tende a valorizar mais a atividade contemplativa. Como assinala Kamper (1998, p. 20), nas condi- ções da religiosidade e da cultura europeia, o trabalho foi inegavelmente visto como uma espécie de sacrifício ao qual os homens foram obrigados; um sacrifício de 16 força vital e de tempo de vida que os homens preci- sam realizar. No decorrer da história, o trabalho acaba mudando de natureza e acaba se transformando numa espécie de sacrifício voluntário, como diz Lutero, trans- formando o que era um castigo em algo positivo. 1.1.2 A EVOLUÇAO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO Profundas transformações sociais marcaram a Bai- xa Idade Média - período que se estendeu dos séculos X ao XV -, conduzindo o mundo à superação das estru- turas feudais e à progressiva estruturação do que viria a ser o modo de produção capitalista. A autossuficiência típica do feudalismo, cuja base era uma economia agrá- ria quase que totalmente a-monetária, foi substituída por uma economia comercial. A rígida dupla hierarquia estamental que domi- nava o cenário foi se desintegrando. Os senhores feu- dais - proprietários de terras -, e os seus servos - grupo majoritário constituído pela maior parte da população camponesa, preso a terra e sofrendo intensa exploração daqueles -, tiveram que dar espaço a um novo grupo social ligado ao comércio e que alteraria definitivamente as relações trabalhistas: a burguesia. O renascimento urbano e comercial foi consolidan- do uma nova estrutura de classes. As vilas e as cidades 17 cresceram tão rapidamente que mais da metade da po- pulação rural havia sido deslocada para desenvolver ati- vidades comerciais e artesanais, dando suporte ao desen- volvimento de uma economia monetária e mercantil que, paulatinamente, foi substituindo a economia feudal. Com o incremento do comércio, fortaleceram-se os grupos profissionais dos mercadores, chamados de “corporações de ofício”. Essas corporações de merca- dores (ou “guildas”) eram associações que passaram a garantir o monopólio do comércio local, tutelando os interesses de seus membros em face da impotência do Estado, buscando garantir o monopólio de seus ramos de atividade, limitando diretamente o comércio feito por estrangeiros, através do controle dos preços e da qualidade dos produtos. O capital acumulado permite aos burgueses com- prar matérias-primas e máquinas, o que fez com que muitas famílias que desenvolviam o trabalhodoméstico nas antigas corporações e manufaturas passassem a dis- por de seus antigos instrumentos de trabalho, vendo-se, de certa forma, obrigadas a vender a força de trabalho em troca de um salário para sobreviver. Essa primeira etapa de acumulação de capital é co- mumente chamada de acumulação primitiva. Realizada inicialmente por meio da transformação das relações de produção e surgimento do trabalho assalariado e concen- tração dos meios de produção – nas mãos de poucos, seguidos da expansão capitalista, como explica Marx: 18 (...) a acumulação primitiva é apenas o processo históri- co que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista (...) Marcam época, na história da acumulação primi- tiva, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo, aqueles deslo- camentosde grandes massas humanas, súbita e violenta- mente provadas de seus meios de subsistência e lançada no mercado de trabalho como levas de proletários desti- tuídos de direitos. A expropriação do produtor rural, do camponês que fica privado de suas terras, constitui a base de todo o processo (1971, v. 2, p. 830-831). O capitalismo propiciou uma nítida separação en- tre capital e trabalho. A burguesia acumulou patrimônio e moeda, enquanto os trabalhadores foram sendo limi- tados à condição de assalariados, donos unicamente de sua força de trabalho. A burguesia foi então se prepa- rando para o completo controle dos meios de produção, o que se consolidaria, definitivamente, com a Revolução Industrial (VICENTINO, 1997, p. 173). Nessa nova concepção laborativa, caracterizada pela divisão do trabalho com ritmo e horários prees- tabelecidos, o fruto do labor não mais pertence ao em- pregado e a produção alcançada individualmente passa a ser vendida pelo empresário, que fica com os lucros 19 obtidos. É nesse momento que se configura o nasci- mento de uma nova classe social: o proletariado. 1.1.3 AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS Foi a partir da segunda metade do século XVIII que se iniciou, na Inglaterra, a mecanização industrial, desviando a acumulação de capitais da atividade co- mercial para o setor da produção. A esse processo de grandes transformações deu-se o nome de “Revolução Industrial”. Hobsbawn assinala que: (...) pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimita- da, de homens, mercadorias e serviços. Esse fato e hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como ‘partida para o crescimento auto-sustentável’. Nenhuma socieda- de anterior tinha sido capaz de transpor o teto de uma estrutura pré-industrial, uma tecnologia e uma ciência deficientes, e consequentemente o colapso, a fome e a morte periódica, impunham à produção. (2005, p. 50). É um momento de muitas novidades tecnológicas. Pascal concebe a primeira máquina de calcular. Torri- celli constrói o barômetro. Inventa-se o tear mecânico, 20 que tanto contribui para o desenvolvimento da indús- tria têxtil, mormente na Inglaterra, onde sofreu um im- pulso extraordinário e aumentou significativamente a produção de tecidos. Outros setores também se desenvolvem, como o metalúrgico, impulsionando a produção em série e le- vando à modernização e expansão dos transportes. Vale ressaltar que não apenas as cidades sentem o reflexo das novas tecnologias, mas também no campo processan- do-se uma revolução agrícola. É curioso notar que a máquina passa a exercer tal fascínio sobre a mentalidade do homem moderno que a ciência compara a natureza e o próprio homem a uma máquina, um conjunto de mecanismos cujas leis pre- cisam ser descobertas. Descartes foi um dos célebres filósofos que tentou desvendar o comportamento dos animais comparando-os a máquinas, valendo-se do me- canismo do relógio para explicar o modelo característi- co do universo (ARANHA, MARTINS, 1993, p. 152). Como analisa Hobsbawn sobre a era industrial, o poder e a velocidade a tudo transformavam: A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente em- plumada de fumaça à velocidade do vento, através de paí- ses e continentes, com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provin- 21 cialismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia. (2005, p. 72). A introdução das máquinas no processo de pro- dução de bens provocou alterações de várias ordens. Do ponto de vista econômico destaca-se a produção em larga escala, o que demandou, inicialmente, maior emprego da atividade pessoal do trabalhador e, sucessi- vamente, a sua valorização pelo domínio adquirido do know-how do processo produtivo. Outro fator relevante foi a concentração do ele- mento humano que antes dela era disperso nos peque- nos núcleos artesanais, em torno das unidades onde se instalaram as máquinas. (PINTO, 2003, p. 23). Do ponto de vista social, o surgimento da máqui- na ocorreu num momento em que a servidão mostrou uma de suas faces mais cruéis. Como assinalam Pazzi- nato e Senise: (...) a descoberta de novas técnicas permitiu a mecani- zação da produção, consolidando o sistema fabril com a aplicação dos capitais em máquinas e matérias-primas. Porém o alto custo das máquinas e ferramentas indus- triais levava os empresários a utilizá-las intensivamente, a fim de recuperar os investimentos iniciais e obter lucros. Isto era feito mediante o emprego de uma mão-de-obra ba- rata e numerosa, submetida a jornadas médias de traba- lho de dezesseis horas por dia. Mulheres e crianças eram 22 largamente empregadas, uma vez que sua remuneração era inferior à da mão-de-obra masculina (1993, p. 177). Como bem explicam Gomes e Gottschalk (2005, p. 2), quando os indivíduos são colocados em condições de vida semelhantes, tendem sempre ao associacionis- mo, e com tanto mais força atrativas quanto mais precá- rias sejam suas condições de existência. Nesse mesmo sentido, assinala Pinto: (...) essa aglutinação facultou aos trabalhadores uma in- tercomunicação, através da qual se abriu uma consciência coletiva em relação aos dois extremos de exploração a que eram submetidos: a péssima retribuição da energia pessoal utilizada e a utilização de sua força de trabalho em intensidade desmedida, que, associadas, levavam ao seu rápido esgotamento como unidade de produção e à sua quase total marginalização no gozo dos benefícios de conforto (2003, p. 25). Tornou-se lendária e de citação obrigatória a ex- pressiva canção de protesto que os trabalhadores ingle- ses cantavam durante a Revolução Industrial: “eight hours to work/eight hours to play/eight hours to sleep/eight shillings a day” (oito horas de trabalho/oito horas de lazer/oito horas para o sono/oito “shillings” por dia). 23 Por volta de 1860 inicia-se a chamada “Segun- da Revolução Industrial”, caracterizada por mais ino- vações técnicas, como a descoberta da eletricidade, a transformação do ferro em aço, o desenvolvimento de novos meios de transporte como o automóvel e o avião e, mais tarde, o surgimento dos meios de comunicação. Trata-se de um período de busca por maiores lu- cros em relação aos investimentos feitos e que levou ao extremo a especialização do trabalho, ampliando a produção em série e barateando o custo da unidade produzida. Um exemplo clássico desse fenômeno ficou conhecido como “fordismo”, um revolucionário siste- ma de organização do trabalho industrial de massa, ide- alizado pelo empresário americano Henry Ford (1863- 1947), fundador da Ford Motors Company. A principal característica do fordismo foi a intro- dução das linhas de montagem, nas quais cada operá- rio ficava em um determinado lugar realizando uma tarefa específica, enquantoo automóvel se deslocava pelo interior da fábrica numa espécie de esteira. Com isso, as máquinas ditavam o ritmo do trabalho e os funcionários da fábrica especializavam-se em apenas uma etapa do processo produtivo, repetindo essa mes- ma atividade durante toda a sua jornada. Esse pro- cedimento acabava por gerar uma alienação física e psicológica, pois os operários não mais tinham noção da totalidade do processo produtivo. 24 Essa forma de produção em série propiciou o sur- gimento de grandes indústrias e a geração de grandes concentrações econômicas, que culminaram nos holdings, trustes e cartéis. (VICENTINO, 1997, p. 288). O gigantesco salto tecnológico dos países indus- trializados no seu esforço para vencer a convulsão uni- versal proporcionada pela Segunda Guerra Mundial lançou a humanidade num terceiro estágio do processo iniciado dois séculos antes, ao qual muitos chamaram de “Terceira Revolução Industrial”, caracterizada por diversas inovações tecnológicas, associadas à informá- tica. Como bem assinala Catharino: Atualmente testemunhamos, sob a força inovadora da tecnologia herdade da Segunda Guerra Mundial, uma Terceira Revolução Industrial, desfechada dos alicerces da Primeira e com impacto milhares de vezes mais pode- roso sobre toda a vida terrestre. (1981, p. 15) Como bem resume Hobsbawn, sob qualquer as- pecto, a Revolução Industrial foi, provavelmente, o mais importante acontecimento na história do mundo (2005, p. 52), influenciando diretamente o sistema de produção e gerando diversas mazelas sociais. Para o economista, fundador e Presidente do Fó- rum Econômico Mundial Klaus Schwab (2016, p.18), estamos no início da Quarta Revolução Industrial, ba- seada na revolução digital, caracterizada pela internet 25 mais rápida, inteligência artificial e aprendizagem auto- matizada. Segundo o autor, o conceito da quarta revolução industrial é uma continuidade das outras três vividas pela sociedade, porém com o objetivo de utilizar todas as tecnologias exponenciais favorecendo o novo mer- cado de trabalho transformando o modo de viver das pessoas. 1.1.4 AS DOUTRINAS SOCIAIS E O MARXISMO A mecanização propiciou uma separação definitiva entre o capital, representado pelos donos dos meios de produção, e o trabalho, representado pelos assalariados, eliminando a antiga organização corporativa da pro- dução utilizada pelos artesãos. O trabalhador perdeu a posse das ferramentas e máquinas e passou a viver da exploração máxima de sua força de trabalho. Nesse contexto, é notório que o resplendor do progresso não ocultou uma questão social emergente, caracterizada pelo recrudescimento da exploração do trabalho e das condições sub-humanas de vida: exten- sas jornadas de trabalho (de dezesseis a dezoito horas, sem direito a férias, sem qualquer garantia para a ve- lhice, doença e invalidez); arregimentação de crianças e mulheres: mão de obra mais barata; condições insalu- bres de trabalho (locais mal iluminados e sem higiene); e pagamentos muito baixos. 26 Como assinala Hobsbawn (2005, p. 64), as mais sé- rias consequências geradas pela industrialização foram sociais. A transição da nova economia criou a miséria e o descontentamento; principais ingredientes da revo- lução social que eclodiu na forma de levantes espontâ- neos dos trabalhadores da indústria e das populações pobres das cidades, produzindo as revoluções de 1848 no continente europeu e os amplos movimentos cartis- tas na Grã-Bretanha. Foi primeiramente junto à maquinaria que os tra- balhadores de espírito mais simples “lutaram” de ime- diato, na tentativa de destruir a força produtiva desen- volvida pelo capital. Esse movimento ficou conhecido como “Ludismo”, em função do seu líder Ned Ludd. O conflito com o proletariado girava em torno da exploração de sua mão de obra, cuja contraprestação mantinha sua renda em um nível de mera subsistência, possibilitando aos ricos acumularem mais lucros, per- mitindo-lhes financiar a industrialização e, por conse- guinte, um nível de vida luxuoso. Da constatação dos efeitos negativos da Revolução Industrial é que surgem no século XIX os críticos do progresso. Esses críticos propunham reformulações so- ciais e a construção de um mundo mais justo; ideais que desencadearam os movimentos socialistas e anarquistas que pretenderam enunciar e alterar aquela situação de- plorável, germinando as primeiras iniciativas para a con- solidação de uma legislação internacional do trabalho. 27 Calcados nas ideias do pensamento iluminista, os primeiros a refletir sobre os problemas causados pelas sociedades capitalistas em desenvolvimento ficaram conhecidos como “socialistas utópicos”, graças a sua visão mais romântica desses novos tempos. Os seus principais representantes foram Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier. O que todos ti- nham em comum era o propósito de defender a criação de uma sociedade ideal na qual as classes viveriam em harmonia, buscando interesses comuns que estivessem acima da exploração ou da busca incessante pelo lucro. Robert Owen (1771 – 1858) pode ser visto como um dos mais atuantes pensadores do socialismo utópi- co. Acreditava que o caráter humano era fruto das con- dições do local onde era formado. Portanto, defendeu a adoção de práticas sociais que primassem pela felici- dade, pela harmonia e pela cooperação, para superar os problemas causados pela economia capitalista. Na condição de administrador, teve a oportunidade de observar claramente as penosas condições às quais os trabalhadores eram submetidos. A partir dessa experiên- cia, seguindo suas próprias convicções, Owen reduziu a jornada de trabalho de seus operários e defendeu a me- lhoria de suas condições de moradia e educação. Por essa razão, é considerado um dos precurso- res da ideia de uma legislação internacional do trabalho, dirigindo alguns escritos em 1818 aos soberanos dos Estados da Santa Aliança, reunidos em Aix-la-Chapelle, 28 para que tomassem medidas destinadas a melhorar a sorte dos trabalhadores, preconizando uma ação inter- nacional no sentido de difundir as experiências pratica- das em sua empresa. (VALTICOS, 1977, p. 29). Saint-Simon (1760-1825) dividia a sociedade em dois setores: produtores e ociosos. Por essa razão, de- fendeu uma reconfiguração social entre operários e industriais, pregando a manutenção dos privilégios e do lucro, desde que eles assumissem os impactos so- ciais causados pela prosperidade econômica. Para ele, ao cumprir a sua responsabilidade social, o industriário poderia equilibrar os interesses sociais. Outro crítico feroz da sociedade burguesa foi Char- les Fourrier (1772-1837), defendendo uma sociedade sustentada por ações cooperativas que possibilitariam uma sociedade mais próspera. Fourrier acreditava ser possível reorganizar a sociedade em “falanstérios”, ou seja, fazendas coletivas agroindustriais. Seu projeto pre- gava o fim da separação entre trabalho e lazer e a adap- tação da educação às inclinações e habilidades de cada criança. Também preconizava que os bens fossem dis- tribuídos de acordo com a necessidade de cada morador. Em oposição aos socialistas utópicos, surgem os socialistas científicos ou marxistas, para quem os utópi- cos projetavam uma sociedade sem antes avaliar devi- damente as condições mais enraizadas que constituíam o capitalismo. Seu maior teórico foi Karl Marx (1818- 1883), cuja obra mais conhecida, O Capital (1867), 29 causou uma revolução na economia e nas ciências so- ciais em geral. Como ressalta Aron, o pensamento de Marx é uma análise e uma compreensão da sociedade capitalista no seu funcionamento atual, na sua estrutura presente e no seu devenir necessário; ou ainda: “é uma interpretação do caráter contraditório ou antagônico da sociedade ca- pitalista”. (ARON, 1997, p. 135-136). O marxismo compõe-se de uma teoria científica que ficou conhecida como “materialismo histórico” e que defende a ideia de que toda sociedade é deter- minada,em última instância, pelas suas condições so- cioeconômicas, por ele chamadas de “infraestrutura”. Adaptadas a ela, as instituições, a política, a ideologia e a cultura como um todo compõem o que Marx chamou de “superestrutura”. Ao analisar o homem como um ser social, Marx desenvolve uma nova antropologia, segundo a qual não existe uma “natureza humana” idêntica em todo tempo e lugar. Para ele, o existir humano decorre do agir, pois o homem se autoproduz à medida que transforma a na- tureza por meio do seu trabalho. Isso porque o trabalho é considerado uma ação coletiva e a condição humana depende da sua existência social. Por outro lado, o trabalho é um projeto huma- no e, como tal, depende da consciência que antecipa a ação pelo pensamento. Com isso, se estabelece a dialé- tica “homem-natureza e pensar-agir”. Nesse contexto 30 marxista, as relações fundamentais de toda sociedade humana se circunscrevem às relações de produção, que revelam a maneira pela qual os homens, a partir das condições naturais, se utilizam das técnicas e se organi- zam por meio da divisão do trabalho social. O modo de produção é a maneira pela qual as for- ças produtivas se organizam em determinadas relações de produção num dado momento histórico. No modo de produção capitalista, essas forças produtivas repre- sentadas, sobretudo, pelas máquinas do sistema fabril, determinam as relações de produção caracterizadas pelo dono do capital e pelo operário assalariado. No entanto, as forças produtivas só podem se desenvolver até certo ponto, pois ao atingirem um estágio por demais avançado, entram em contradição com as antigas relações de produção, que se tornam inadequadas. Surgem então as divergências e a neces- sidade de uma nova divisão de trabalho. A contradição aparece como “luta de classes”, tema central do seu “Manifesto Comunista”. A luta de classes é o confronto entre duas classes an- tagônicas quando pugnam por seus interesses. No modo de produção capitalista, a relação antitética se faz entre o burguês, que é o detentor do capital, e o proletário, que nada possui e só vive porque vende sua força de trabalho. Outro conceito marxista básico é o de “mais-va- lia”. Marx explica que, ao comprar a força de trabalho, o capitalista adquire o direito de servir-se dela ou de 31 fazê-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana. Como o operário vendeu sua força de trabalho ao capi- talista, todo o valor, ou todo o produto por ele criado pertence ao empregador, que é dono de sua força de trabalho por determinado período. Dessa forma, chama-se “mais-valia” a quantidade de valor produzido pelo trabalhador além do tempo de trabalho necessário, isto é, do tempo de trabalho neces- sário para produzir um valor igual ao que recebe sob a fora de salário. (ARON, 1997, p, 148). Contra a ordem capitalista e a sociedade burguesa, Marx considerava inevitável uma ação política do ope- rariado, uma “Revolução Socialista” que inauguraria a construção de uma nova sociedade. Num primeiro mo- mento, ele defende a instauração de uma ditadura do proletariado, controlando-se o Estado, socializando-se os meios de produção e eliminando a sociedade privada. Numa etapa posterior, o objetivo era alcançar o “comunismo”, que representaria o fim de todas as de- sigualdades sociais e econômicas, inclusive do próprio Estado. Nessa etapa o homem viveria de acordo com o princípio: “De cada um segundo sua capacidade e a cada um segundo duas necessidades”. Outra corrente ideológica de relevo surgida no sé- culo XIX foi o anarquismo, que pregava a total supressão de toda forma de governo, defendendo a liberdade geral. Destaca-se, entre seus precursores, Pierre-Joseph Prou- dhon (1809-1865) que, em 1840 publica o seu livro O 32 Que é a Propriedade?, criticando os abusos do capitalismo e enfatizando o respeito à pequena propriedade, além de propor a criação de cooperativas e de bancos que con- cedessem empréstimos sem juros aos empreendimentos produtivos, além de crédito gratuito aos trabalhadores. Ao propor a criação de uma sociedade de homens livres e iguais, Proudhon defendia também a destrui- ção do Estado, substituindo-o por uma “república de pequenos proprietários”, inaugurando assim o anar- quismo. Sua crítica social conquista grande número de trabalhadores e, em 1848, Proudhon é eleito para a Assembleia Nacional. Participa pouco das atividades parlamentares, mas suas ideias contribuem para a trans- formação do anarquismo em movimento de massa. As propostas anarquistas de Proudhon inspira- ram Leóo Tolstoi (1828-1921) e, principalmente, Mi- khail Bakunin (1814-1876), que se tornou o líder do anarquismo terrorista ao apontar a violência como a única forma de se alcançar uma sociedade sem Estado e sem desigualdades. Na segunda metade do século XIX, houve uma grande mobilização operária, com diversos levantes re- volucionários em vários países europeus chamando a atenção da cúpula eclesiástica de Roma que, em 1891, publicou a encíclica Rerum Novarum, sob os auspícios do Papa Leão XIII, que criticava fortemente a falta de princípios éticos e valores morais na sociedade progres- sivamente laicizada de seu tempo. 33 Como assinala Moreira (1997, p. 274), Leão XIII assumiu a realidade social de seu tempo, colocando-se num plano reformista, advogando o amparo do movi- mento operário, aceitando o sindicalismo como forma moderna de enquadramento social e negando o caráter revolucionário das novas aspirações. Com isso, ele do- tou a Igreja de uma doutrina social para os novos tem- pos, definindo a intervenção de um Estado laico, mas não totalitário, em favor das novas classes produzidas pelo liberalismo capitalista. Esse documento papal tornou-se um marco da Doutrina Social Cristã; “uma verdadeira Carta Mag- na do trabalhador”, como a caracteriza Martins Filho (2009, p. 22). A diretriz básica da Doutrina Social Cristã é a da primaziado trabalho sobre o capital, uma vez que todo o trabalho tem o homem como fim, ou seja, o tra- balho é para o homem e não o homem para o trabalho. Essa encíclica referia-se a alguns princípios que deveriam ser usados na busca de justiça na vida social, econômica e industrial, como, por exemplo: o princí- pio da dignidade humana; o princípio do bem comum; o princípio da destinação universal dos bens; a melhor distribuição de riqueza; a intervenção do Estado na economia a favor dos mais pobres e desprotegidos; e a caridade do patronato aos trabalhadores. A partir da pu- blicação da Rerum Novarum, a Igreja não mais se desvin- culou da questão social e de suas concepções políticas. 34 Quatro anos após a promulgação dessa Encíclica, surgiu o primeiro sindicato cristão na Alemanha. A par- tir deste movimento sindical, nasceram vários partidos cristãos de massa, com forte apoio sindical e uma grande base eleitoral, sob a bandeira da defesa de um governo para o povo, de uma representação nacional e propor- cional, da descentralização, da autonomia das províncias e da organização de uma economia de providências. En- tre estes partidos de massas podemos destacar o Partido Popular Italiano (Partito Popolare Italiano), fundado em 1919, pelo padre católico Don Luigi Sturzo. Ainda durante o século XIX, o movimento operá- rio europeu mostrou comportamento ora de ascensão, ora de refluxo, como analisa Vicentino (1997, p.297- 298). Na década de 40, surgiram manifestações como a “Liga dos Justos”, uma organização socialista que repre- sentava vários países e seguia as ideias de Marx e Engels. Na Inglaterra, a ascensão trabalhista culminou no “car- tismo” (1837-1848), um movimento popular que reivin- dicava reformas nas condições de trabalho (limitação de jornada) e direitos políticos (sufrágio universal). Na década de 1850, após as revoluções frustradas de 1848 e a repressão do Estado, o movimento operário foi consideravelmente afetado, em muitos centros, chegando até mesmo a ser desativado quase por completo. Na déca- da seguintevoltou a ganhar força. Em 1864 foi fundada a “Primeira Internacional Operária”, também chamada de “Associação Internacional dos Trabalhadores”. 35 Em 1889, numa nova ascensão trabalhista, foi fun- dada a “Segunda Internacional”, com um sentido mais reformista e menos revolucionário, adotando os ideais da Social Democracia Alemã, o primeiro partido polí- tico socialista, defendendo-se agora que o socialismo seria alcançado de forma gradual. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as massas trabalhadoras dividiram-se, sepultando a Se- gunda Internacional. No ano de 1919, em Moscou, no meio da Revolução Russa bolchevique, formou-se a “Terceira Internacional” que assumiu o nome de “In- ternacional Comunista” ou “Comintern”, servindo de embrião aos primeiros partidos comunistas. Em meio a todo esse panorama histórico é que surgem as primeiras tentativas de positivação e consoli- dação de um direito que oferecesse maior proteção aos trabalhadores de todo o mundo: o Direito Internacio- nal do Trabalho. 36 1.2. O DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO 1.2.1. OS PRIMÓRDIOS DE UM DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO Como analisamos no capítulo anterior, a consolida- ção do capitalismo e a rápida evolução econômica que a Europa experimentou ao longo século XIX como conse- quência da industrialização, o operariado foi submetido a condições de vida degradantes, exigindo da sociedade e do próprio Estado um posicionamento no sentido de oferecer aos trabalhadores uma legislação de caráter pro- tetivo. Os fundamentos históricos do Direito Internacio- nal do Trabalho coincidem com esse momento, consa- grando-se com a assinatura do Tratado de Versalhes. Nesse percurso de universalização e positivação dos direitos trabalhistas, dois industriais tiveram um pa- pel de grande relevância, segundo Valticos (1977, p. 29): o inglês Robert Owen (cuja contribuição para o Direito do Trabalho já examinamos no capítulo anterior), e o francês Daniel Le Grand. Le Grand, entre 1840 e 1855, não poupou esforços para que fosse adotada uma lei internacional do trabalho, dirigindo-se, para tanto, aos governantes dos principais países da Europa, principal- mente ao da França. 37 Scelle (1927, p. 122) sustenta que a primeira ini- ciativa oficial para se criar uma legislação do trabalho de cunho internacional coube à Suíça que, em 1855, através de uma proposta do Cantão de Glaris, cria uma verdadeira legislação industrial internacional. No entanto, a primeira Conferência Internacional do Trabalho foi convocada posteriormente, em Berlim, em 1890, estando presentes os representantes da Ale- manha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega, Por- tugal e Suécia. Nessa ocasião, várias nações fizeram su- gestões para a criação de uma Repartição Internacional para estudos e estatísticas de trabalho. Para tornar realidade essas sugestões, Guilherme II pediu o apoio do Papa Leão XIII que, como respos- ta, trouxe à luz a Encíclica Rerum Novarum em 1891 que propôs, pela primeira vez, como já vimos, soluções para resolver a situação precária do operariado, considerada como uma consequência do capitalismo liberal e da falta de princípios éticos e morais nas relações socioeconômi- cas da época. Em 1901, foi constituída a Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores, em Bruxelas. E em maio de 1905 teve lugar a Conferência de Berna, com a participação de quinze Estados, seguida de uma conferência diplomática, em setembro de 1906, com a presença de diversas nações, as quais resultaram em duas convenções: uma sobre a proteção dos trabalhadores nas 38 atividades em contato com fósforo branco, e a segunda sobre a proibição do trabalho noturno das mulheres. Dando um breve salto na história, chegamos ao período entre as duas grandes guerras mundiais, cha- mado por Hobsbawn de a “Era das Catástrofes” (2005, p. 15), período esse que projetou consideráveis reflexos sobre o Direito Internacional do Trabalho. Durante a primeira guerra, deflagrada em 1914, houve a queda do império czarista e o triunfo da revo- lução soviética, o que proporcionou, pela primeira vez, a instauração de um regime nacional dirigido, ao menos teoricamente, pela classe trabalhadora. Do ponto de vista jurídico, uma das principais con- sequências geradas com o término da primeira guerra foi a assinatura do Tratado de Versalhes1, que se tornou uma das primeiras e mais importantes fontes do Direi- to Internacional do Trabalho, representando uma etapa importante para o início de uma institucionalização do sistema internacional de proteção aos trabalhadores. Esse tratado de paz, assim como o seu protoco- lo anexo, foi assinado aos 28 de junho de 1919, tendo como celebrantes os Estados Unidos da América, o Im- pério Britânico, França, Itália e Japão, como “potências principais aliadas”, secundados pela Bélgica, Bolívia, 1 O Tratado de Versalhes foi sancionado no Brasil pelo Decreto n. 3.975, de 11 de novembro de 1919 (DOU, 12-11-1919), e ratificado em 10 de dezembro de 1919, ocorrendo o seu depósito da ratificação brasileira em Paris, a 10 de janeiro de 1920, promulgado pelo Decreto n. 13.990, de 12 de janeiro de 1920. 39 Brasil, China, Cuba, Equador, Grécia, Guatemala, Hai- ti, Hedjaz, Honduras, Libéria, Nicarágua, Panamá, Peru, Bolívia, Portugal, Romênia, Estado Servo-Croata-Slo- veno, Sião, Tchecoslováquia e Uruguai enquanto “po- tências associadas”, e a Alemanha. (CASELLA, SILVA, ACCIOLY, 2010, p. 107). O Tratado de Versalhes fixou diversos princípios trabalhistas, os quais foram sendo positivados pelos pa- íses industrializados ou em processo de industrialização, tratando de temas tais como: duração diária e semanal do trabalho; repousos do trabalhador; isonomia salarial; proteção especial ao menor e à mulher; direito de asso- ciação; e tantos outros direitos responsáveis por formar o arcabouço do Direito Internacional do Trabalho tal qual o conhecemos hoje. Outra relevante consequência da Primeira Guerra foi a criação da Liga das Nações, como parte do acordo de paz. Como analisa Ridruejo (2006, p. 683), a Liga das Nações, baseada na filosofia política da manutenção da paz por meio da trilogia arbitragem-segurança-de- sarmamento, foi um grande fracasso no cumprimento dos seus objetivos. Não se instaurou a obrigação completa de solucio- nar jurisdicionalmente as controvérsias, nem se proibiu totalmente o recurso à guerra, pois não havia mecanis- mos de controle eficientes para tanto. No campo do desarmamento, os resultados obtidos foram minima- mente significativos. 40 Lamentavelmente, a proposta de uma sociedade de nações logo veio a falir no seu maior propósito: al- cançar a paz mundial. Como afirma Hobsbawn (1995, p. 42), o acordo de Versalhes não podia ser a base de uma paz estável, estando condenado, desde o início, e, portanto, outra guerra era praticamente certa. E, de fato, pouco tempo depois, a ascensão do nazifascismo culminou no início de uma Segunda Guerra mundial, em 1939. Ambos os fatos históricos são importantes para o Direito Internacional do Trabalho, pois tanto a Confe- rência das Nações, como a assinatura do Tratado de Ver- salhes, semearam o terreno para o surgimento daquele que seria o mais importante organismo internacional na seara do trabalho, a Organização Internacional do Tra- balho (OIT), responsável pelo aperfeiçoamento e pela criação dos instrumentos disciplinadores das relações de trabalho em todo o mundo. Nesse diapasão, Lloyd George, da Inglaterra, pro- pôs a criação de uma comissão destinada ao estudo pre- liminar da regulamentação internacional do trabalho, sugestão aprovada na Conferência de Paz, quando se determinou que o escopo principal dessa comissão se- ria sugerir uma forma de organização internacional per- manente, a qual pudesse estabelecer-se a fim de facilitar a diversos países uma ação conjunta em assuntos relati- vos a condições de trabalho, bemcomo de recomendar 41 os passos necessários para a criação de uma organiza- ção conexa à Sociedade das Nações. Samuel Gompers, dirigente máximo da Federação Americana do Trabalho, foi eleito o presidente dessa co- missão, resultando aprovada a proposta de criação de um organismo permanente especial, vinculado à Sociedade das Nações, o qual viria a ser mundialmente conhecido com “Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. No próprio Pacto da Sociedade das Nações, no seu art. 23, se estatuía que os seus membros se esforçaríam para assegurar condições de trabalho equitativas e huma- nitárias para o homem, a mulher e a criança, em seus próprios territórios e nos países a que se estendessem suas relações de comércio e indústria, e, com tal objetivo, estabeleceriam e manteriam as organizações necessárias. 1.2.2 INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS Com a criação da OIT, inicia-se um processo de positivação e universalização dos direitos dos trabalha- dores, sendo que os seus principais instrumentos inter- nacionais foram: a “Carta do Atlântico”, a “Declaração da Filadélfia”, a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, e o “Pacto Internacional de Direitos Econô- micos, Políticos e Sociais”. É interessante notar que todos esses documentos internacionais, firmados após a Segunda Guerra mun- dial, estão imbuídos do espírito do célebre discurso 42 proferido em 1941, pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. A sua principal ideia des- tacava a importância de uma segurança social que per- mitisse ao trabalhador viver isento de medo em rela- ção às forças econômicas que lhe eram infinitamente superiores. Em agosto desse mesmo ano, Winston Churchill e Franklin Roosevelt firmaram a Carta do Atlântico. A principal proposta da Carta era lograr, no campo da eco- nomia, uma estreita colaboração entre todas as nações, com o fim de conseguir uma melhoria generalizada nas normas de trabalho, bem como uma prosperidade eco- nômica e segurança social. A esse documento aderiram os países da América, em março de 1945, mediante uma resolução adotada na Conferência de Chapultepec, no México (SÜSSEKIND et al, 2003, v.2, p. 1502). No ano de 1944, a OIT convocou a sua 26ª Sessão da Conferência que teve lugar na Filadélfia. O objetivo dessa reunião era rever os princípios cardeais que de- veriam nortear sua ação pós-guerra, aprovando-se uma “Declaração referente aos fins e objetivos da OIT”, mais conhecida como “Declaração da Filadélfia”. Essa nova Declaração, grosso modo, repetia e amplia- va alguns dos principais preceitos do Tratado de Versa- lhes, consubstanciando alguns outros. Consagrava ain- da que “todos os seres humanos, sem distinção de raça, crença ou sexo, têm direito a procurar seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições 43 de liberdade, de segurança econômica e em igualdade de oportunidades”. A Declaração da Filadélfia se estrutura em cinco capítulos. No primeiro capítulo busca-se reafirmar os princípios fundamentais sobre os quais se assenta a OIT, ressaltando-se que o trabalho não é uma merca- doria. Nesse capítulo ainda se ressalta a importância da liberdade de expressão e de associação para o alcance do progresso; alerta-se para o fato de que a pobreza, em qualquer lugar do mundo, constitui um perigo para a prosperidade da humanidade. Invoca-se uma luta contra a necessidade, a qual deve empreender-se com incessante energia dentro de cada nação, por meio da atuação do Estado, mediante um esforço internacional contínuo e coordenado, no qual os representantes dos trabalhadores e dos empre- gadores, colaborando em pé de igualdade com os re- presentantes dos governos, participem em discussões livres e em decisões de caráter democrático, a fim de promover o bem-estar comum. Afinal, o fim precípuo de todo o Estado deve ser a realização do bem comum, como assinala Azambuja (2001, p. 123). Para Acquaviva (2000, p. 98), o fim do Estado no plano jurídico, é construir o Estado de justiça, e no plano social atender às necessidades assistenciais, pre- videnciárias e educacionaiss da coletividade. No entan- to, há uma finalidade que lhe é permanente e que bem resume todas as demais: a busca do bem comum. Nesse 44 sentido, o Estado seria o meio para o homem alcan- çar os seus interesses e se desenvolver. Para tanto, ele nunca deve ficar acima dos valores da pessoa humana, incluindo-se aqui os direitos sociais dos trabalhadores, que devem ser sempre preservados, caso contrário, se corre o risco de ferir-se a liberdade e a iniciativa indivi- duais, caindo-se em um totalitarismo. No segundo capítulo, se afirma que a experiência demonstrou plenamente o acerto da declaração contida na Constituição da OIT, a qual ressalta que a paz per- manente só pode ser baseada na justiça social, enume- rando regras pertinentes a esse desiderato. No terceiro capítulo, se reconhece a solene obri- gação da OIT de fomentar, em todas as ações do mun- do, a execução de programas destinados a promover o bem-estar da humanidade, e no capítulo quarto, pro- clama-se uma completa e ampla utilização dos recursos produtivos do mundo, necessária ao cumprimento dos objetivos enumerados na Declaração. Esse objetivo pode ser assegurado mediante uma ação eficaz no plano internacional e nacional, compre- endendo medidas tendentes a aumentar a produção e o consumo; evitar flutuações econômicas graves; reali- zar o progresso econômico e social das regiões menos desenvolvidas; garantir maior estabilidade dos preços mundiais de matérias e produtos primários; e fomen- tar um comércio internacional de alto e constante vo- lume, motivo que, como assinala Süssekind (2003, v.2, 45 p. 1503), realçam a integral colaboração da OIT com todos os organismos internacionais aos quais pode ser confiada parte da responsabilidade nesta grande tarefa, assim como na melhoria da saúde, da educação e do bem-estar de todos os povos. O quinto e último capítulo afirma que os princípios enunciados na Declaração são plenamente aplicáveis a todos os povos, mas que as modalidades de sua aplicação devem levar em conta o grau de desenvolvimento social e econômico de cada Estado, primando-se por uma apli- cação progressiva aos povos que ainda são dependentes, assim como aos que já alcançaram a sua independência. O instrumento internacional mais significativo da história do desenvolvimento do Direito Internacional do Trabalho é, sem dúvida, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Reso- lução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Uni- das, aos 10 de dezembro de 1948. O seu texto retoma várias das disposições consa- gradoras da filosofia social que havia sido proclamada na Declaração de Filadélfia, passando a ser acolhido como inspiração e orientação do processo de desenvolvimento humano e social de toda a comunidade internacional. Como analisa Bobbio (1992, p. 26), a Declaração Universal dos Direitos do Homem representou a mani- festação da única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido. Essa prova é o consenso geral 46 acerca de sua validade; o consensus omnium gentium que faz-nos crer na universalidade desses valores. Nesse mesmo sentido, Trindade (1991, p. 1), afir- ma que a Declaração Universal dos Direitos do Homem constituiu um ímpeto decisivo no processo de generali- zação da proteção dos direitos humanos testemunhado, permanecendo atualmente como fonte de inspiração e ponto de irradiação e convergência dos instrumentos de direitos humanos em âmbito global e regional. Com a Declaração de 1948 tem início uma fase na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva. É universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela convertidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; e positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final osdireitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, mas efetivamente pro- tegidos, até mesmo contra o próprio Estado que os te- nha violado (BOBBIO, 1992, p. 30). Como bem resume Trindade (1999, p. 26), a De- claração Universal contribuiu decisivamente para a in- cidência da dimensão dos direitos humanos tanto no direito internacional, como no interno, havendo uma abstração da compartimentalização tradicional entre os ordenamentos jurídicos internacionais e internos, o que promoveu uma constante interação em benefício de 47 todos os seres humanos, por força das disposições dos tratados de direitos humanos. Após dezoito anos da Declaração Universal, em 19 de dezembro de 1966, a Assembleia Geral da ONU aprovou o “Pacto Internacional dos Direitos Econômi- cos, Sociais e Culturais”, que regulamentou os direitos sociais-trabalhistas constantes da Declaração de 1948.2 1.2.3 CONCEITO E OBJETO O Direito Internacional do Trabalho tem se con- figurado como um ramo do Direito Internacional, dis- ciplinador das relações de trabalho, tanto individuais como coletivas, as quais têm evoluido ao longo dos tempos graças a uma crescente conscientização sobre os benefícios que devem ser conferidos ao trabalhador, como força produtiva, sem comprometimento do seu nível econômico. O Direito Internacional do Trabalho, como todo ramo do Direito, nasce com o objetivo de estabelecer o que, por justiça, corresponde a cada um. Como afirma Martins Filho (2009, p. 4), justamente por decorrer di- retamente do esforço humano, ao trabalho deve corres- ponder a primazia entre os fatores da produção. 2 Esse Pacto foi ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, pelo De- creto de Promulgação n. 591, de 6 de julho de 1992. 48 O Direito Internacional do Trabalho, em termos científicos, é um dos mais importantes segmentos do Direito Internacional Público, e não do Direito do Tra- balho propriamente, o que, vale frisar, não o afasta dos preceitos básicos deste ramo jurídico, pelo contrário, os incorpora, para melhor compreensão das regras inter- nacionais que regem o trabalho, principalmente as ema- nadas pela OIT. Süssekind (2000, 17) explica que a expressão “Direi- to Internacional do Trabalho” é empregada para identifi- car o capítulo do Direito internacional Público que trata da proteção do trabalhador, seja como parte de um con- trato de trabalho, seja como ser humano, com a finalida- de de: universalizar os princípios de justiça social, unifor- mizando as correspondentes normais jurídicas quando possível; estudar as questões conexas, das quais depende a consecução desses ideais; incrementar a cooperação internacional, visando à melhoria das condições de vida do trabalhador e à harmonia entre o desenvolvimento técnico-econômico e o progresso social. Quando de seus primórdios, o objetivo do Direito Internacional do Trabalho, como ressalta Delgado (2009, p. 78), não era apenas servir ao sistema econômico de- flagrado com a Revolução Industrial, mas fixar controles para esse sistema, conferindo-lhe certa medida de civili- dade, buscando, inclusive, eliminar as formas mais per- versas de utilização da força de trabalho pela economia. No que diz respeito ao seu objeto, não difere do próprio objeto do Direito do Trabalho: oferecer a maior 49 proteção possível ao trabalhador. Em verdade, o Direi- to Internacional do Trabalho foi instituído como uma tentativa de universalização das principais normas traba- lhistas existentes, fundamentando-se, basicamente, em postulados econômicos, sociais e técnicos, como analisa Martins Filho (2009, p. 478-479). O Direito Internacional do Trabalho, como bem re- sume Süssekind (2003, p. 1499), tem por fim, por meio de convenções internacionais: a) universalizar as normas de proteção ao trabalho, esteadas nos princípios da justi- ça social e da dignificação do trabalho humano; b) esta- belecer o bem-estar social geral como condição precípua à felicidade humana e à paz mundial; c) evitar que razões de natureza econômica, decorrentes do ônus da prote- ção ao trabalho, impeçam que todas as nações adotem e apliquem as normas tutelares consubstanciadas nos di- plomas internacionais. 1.2.4 PRINCÍPIOS UNIVERSAIS O Direito Internacional do Trabalho se funda- menta em alguns princípios de alcance universal que estão expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), cuja finalidade, como analisamos, é servir de base para a elaboração e interpretação uni- versal das leis trabalhistas de todos os ordenamentos jurídicos existentes. 50 O primeiro desses princípios é o da liberdade de trabalho, segundo o qual o trabalho deve ser prestado por deliberação do trabalhador, proibindo-se, juridica- mente, qualquer forma coativa destinada a provocar o seu constrangimento. O trabalho forçado e o trabalho escravo devem ser mundialmente repudiados, pois aten- tam contra a própria dignidade do ser humano. O segundo princípio é o da organização sindical, previsto no artigo XXIII, inciso IV. A organização sin- dical deve ser admitida, independentemente do regime político ou econômico vigorante no país. Afinal, o sin- dicalismo é parte da história de formação e consolida- ção do próprio Direito do Trabalho, e seu objetivo pri- mordial deve ser sempre a melhoria das condições de vida da classe operária. O terceiro princípio é o das garantias mínimas do trabalhador, respeitado universalmente, uma vez que em todos os países existem direitos trabalhistas mínimos que são impostos de modo heterônomo e que são im- postergáveis como vantagens fundamentais, tornando- -se preceitos de ordem pública ou de caráter imperativo. O quarto princípio é o da multinormatividade do direito do trabalho, segundo o qual os centros de po- sitivação das normas protetivas do trabalhador não se reduzem a uma unidade, haja vista que a norma jurídica trabalhista não emana apenas do Estado, mas também de outras fontes, dentre as quais podemos citar os sin- dicatos em sua atividade negocial. 51 O quinto princípio é o da norma mais favorável ao trabalhador. Esse princípio é norteador da própria ela- boração da norma trabalhista, dedicando-se a resolver eventuais conflitos de hierarquia, bem como servindo de critério de interpretação em caso de dúvidas sobre o sentido na norma jurídica que venha a ser mais benéfico ao trabalhador. De forma simplificada, em um caso concreto, ha- vendo mais de uma norma regulando a mesma matéria, deve prevalecer aquela que for mais favorável ao tra- balhador, independentemente de suas posições dentro da estrutura hierárquica tradicional. Assim, se uma con- venção coletiva prevê horas-extras com acréscimo de 65%, mas o regulamento da empresa prevê 75%, preva- lece este, porque é o mais benéfico ao trabalhador. O sexto princípio é o da igualdade salarial, também previsto no artigo XXIII da Declaração Universal, inci- so II: “Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho”. Correlacionado ao princípio anterior, o sétimo princípio é o da justa remuneração, visando à adequa- ção entre o serviço prestado e a sua remuneração. Este princípio também foi proclamado pela Declaração Universal no já citado artigo XXIII, no seu inciso III: “Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remunera- ção justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana (...)”. 52 O oitavo princípio é o do direito ao descanso, que fundamenta a obrigatoriedade de descansos diários, se- manais e anuais aos trabalhadores no exercício de suas atividades profissionais. Consoante o artigo 24: “Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especial- mente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e às férias periódicas pagas”. O nono princípio trata do direito ao emprego, tam- bém enunciado como direito ao trabalho, em razão do qual o Estado tem o dever de promover medidas eco- nômicasdestinadas à abertura de frentes de trabalho em dimensão suficiente para absorver a mão de obra que ingresse na ordem trabalhista e impedir o desemprego. O décimo princípio é o da previdência social. O Estado tem o dever de assegurar ao trabalhador, me- diante contribuições previdenciárias, a sua subsistência, em caso de perda de sua capacidade laborativa. Por fim, o décimo-primeiro princípio universal é o da condição mais benéfica ao trabalhador, que assegu- ra ao empregado a manutenção, durante o contrato de trabalho, de direitos mais vantajosos. Assim, as vanta- gens adquiridas não podem ser suprimidas e, portanto, a condição mais vantajosa estipulada em contrato de trabalho ou constantes em regulamentos de empresa deve prevalecer independentemente da edição de nor- mas supervenientes. 53 1.2.5 FUNDAMENTOS Os fundamentos do Direito internacional do Tra- balho concernem a razões de ordem econômica, de ín- dole social e de caráter técnico, como assinala Süssekind (2003, v.2, p. 1498). Os motivos de ordem econômica impuseram, de forma inquestionável, a necessidade de ser nivelado, tanto quanto possível, no campo internacional, o cus- to das medidas sociais da proteção ao trabalho, a fim de que os Estados que as tivessem adotado, através de sistemas completos e tutelares, não sofressem, por essa razão, no comércio mundial, a indesejável concorrên- cia dos países que tinham obtido produção mais barata pelo fato de não serem onerados com os encargos de caráter social. Do ponto de vista social, busca-se a universalização dos princípios da justiça social e a dignificação do traba- lhador, ressaltando-se que razões de ordem econômica constituíam sério obstáculo à consecução desses ideais; mas não exatamente esses ideais que configuram a fina- lidade preponderante do direito uiniversal do trabalho. Nesse sentido, tanto o Tratado de Versalhes, com o qual foi instituída a Organização Internacional do Trabalho (OIT), quanto as Cartas do Atlântico, da Fila- délfia, nas Nações Unidas e dos Direitos Universais do Homem sublinham a prevalêcia dos objetivos sociais da universalização desses princípios. 54 Por fim, razões de caráter técnico também funda- mental, embora em plano secundário, o Direito Interna- cional do Trabalho. As Convenções e Recomendações elaboradas pelas sessões da Conferência Internacional do Trabalho, bem como os estudos e investigações em- preendidas pela OIT, constituem subsídios importantes para a elaboração das normas e sistemas legislativos nos diversos países sobre a matéria. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1- (Cespe - Instituto Rio Branco – Diplomata - 2009) O processo de industrialização iniciado na Grã-Bretanha, na segunda metade do século XVIII, acelerou a substi- tuição de antigas formas de produção pelo capitalismo, que se consolidava como sistema econômico dominan- te, com a atividade fabril suplantando o trabalho domés- tico e a crescente prevalência do trabalho assalariado. (a) Certo (b) Errado 2- (Cespe - Instituto Rio Branco – Diplomata - 2009) Entre as transformações irreversíveis mencionadas no texto, produzidas pelo avanço da industrialização, o ce- nário existente em fins do século XIX assinalava a proi- bição do trabalho infantil e feminino, a regulamentação da jornada de trabalho e o surgimento dos serviços 55 previdenciários, em meio a uma sociedade que lenta- mente se urbanizava. (a) Certo (b) Errado 3- (PUCCAMP) “O produto da atividade humana é se- parado de seu produtor e açambarcado por uma mino- ria: a substância humana é absorvida pelas coisas produ- zidas, em lugar de pertencer ao homem.” A partir do texto, pode-se afirmar que a Revolução In- dustrial: (a) produziu a hegemonia do capitalista na produção social; (b) tornou a manufatura uma alternativa para o artesanato; (c) introduziu métodos manuais de trabalho na produção; (d) tornou o homem mais importante que a máquina; (e) valorizou o produtor autônomo. 4- (PELOTAS - RS) Os autores registram de forma oungente os dramas das populações proletárias que se aglomeravam nas cidades, na época da Revolução In- dustrial, vivendo em condições sub-humanas, entregues ao vício, incapazes de se enquadrar nos preceitos mo- rais da classe burguesa. A vivência desses indivíduos em uma mesma vida miserável proporciona o nascimento de uma série de movimentos sociais, muitos dos quais denunciam os males do capitalismo. Nessa época, um patrão filantropo e sensível ao problema proletário toma iniciativas que virão dar nascimento ao movimento coo- perativista. Foi ele: 56 (a) Robert Owen (b) Karl Marx (c) Mikhail Bakunin (d) Georges Sorel (e) Friedrich Engels 5- (Cespe - Instituto Rio Branco – Diplomata - 2006) No quadro mais amplo da contemporaneidade, o texto aproxima e distingue tendências do século XIX e do sé- culo XX. Nesse contexto, julgue (C ou E) o item a seguir. A Revolução Industrial consolida novas relações de pro- dução e, ao promover a expansão imperialista, contem- plando novas formas de dominação colonial, estende a atuação do moderno capitalismo às mais distantes regi- ões do planeta. (a) Certo (b) Errado 6- (Unicamp) “De pé ficaremos todos E com firmeza juramos Quebrar tesouras e válvulas E pôr fogo às fábricas daninhas” (“Canção dos quebradores de máquinas do século XIX”, cotada por Leo Huberman, História da riqueza do homem, 1979). 57 (a) A partir do texto, caracterize o tipo de ação dos que- bradores de máquinas. (b) Explique os motivos desse movimento. 7- (ESAF - MTE - Auditor Fiscal do Trabalho – 2010) Na acepção de Marx e Engels em A Ideologia Alemã, datada de 1845-6, o processo de divisão técnica do tra- balho na manufatura, incluindo-se a divisão entre traba- lho manual e intelectual é, essencialmente, divisão entre classes sociais, burguesia e proletariado, isto é, relação entre capital e trabalho, a base da exploração e da domi- nação social. (Rubini Liedke, Elida, “Trabalho”. In: Cat- tani, Antonio David, Trabalho e Tecnologia, Dicionário Crítico, Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. Universida- de, 1997, p. 268). A partir desse pressuposto teórico, assinale a opção correta. (a) Segundo Karl Marx, no processo de compra e venda de força de trabalho ocorre uma troca de equivalentes. (b) Marx afirma que na sociedade capitalista o trabalha- dor se torna uma mercadoria. (c) A expressão “trabalho livre” significa separação en- tre a força de trabalho e a propriedade dos meios de produção. (d) A crítica de Marx à economia política consistiu em apontar que as relações de produção capitalista consti- tuem relações de produção de valores de uso. 58 (e) Para Marx, a venda da força de trabalho constitui uma das alternativas que o trabalhador possui para ga- rantir, por meio do salário, sua sobrevivência. 8- (FUNDEC - TRT - 9ª REGIÃO (PR) - Juiz - 2003) Sobre a formação histórica do Direito do Trabalho, assi- nale a alternativa incorreta: (a) O Liberalismo, inspirado nos princípios consagrados pela Revolução Francesa e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, significou uma rea- ção contra o absolutismo monárquico e a origem divina e sobrenatural do poder, mas não favoreceu os direitos dos trabalhadores. (b) A Constituição de Weimar, de 1919, embora texto avançado para a sua época, não representou grande con- quista no campo dos direitos sociais. (c) A Carta Del Lavoro (Itália, 1927) representou for- te inspiração para a Consolidação das Leis do Trabalho brasileira de 1943. (d) A Igreja Católica, especialmente através das Encí- clicas Rerum Novarum (Leão XIII, 1891), Quadragési- mo Anno (Pio XI, 1931), Mater et Magistra e Pacem in Terris (João XXIII, 1961 e 1963, respectivamente) e Laborem Exercens (João Paulo II, 1981), por seu forte sentido humanista e de valoração da dignidade do tra- balho, também contribuiu para avanços no campo do desenvolvimento social. (e) O Manifesto Comunista (Marx, 1848), documento máximo do socialismo, ainda que contenha conceitos 59hoje superados, contribuiu para a formação do atual Di- reito do Trabalho. 9- (Cespe - Instituto Rio Branco – Diplomata - 2006) Compreender o processo histórico protagonizado pelo século XIX e seus desdobramentos no século seguinte requer, em meio a tantos outros aspectos essenciais, o exame da trajetória seguida pelo capitalismo. A propósito desse cenário histórico, julgue (C ou E) o item a seguir. Instituição poderosa, com larga ascendência sobre governos e sociedades, a Igreja Católica adota, com o Papa Leão XIII, a corajosa atitude de expor sua doutrina social em um contexto de grave crise social - a depressão econômica dos anos 1870. O conte- údo da encíclica Rerum Novarum representava um convite aos católicos a combater o “capitalismo ma- terialista” e, em decorrência, a apoiar pontos cen- trais do marxismo, em remota preparação ao adven- to da Teologia da Libertação, cem anos mais tarde. (a) Certo (b) Errado (MPT- Procurador do Trabalho - 2007). Comple- te com a opção correta. A Constituição do México, de ________, tratou de regras de Direito do Trabalho no seu artigo 123. (a) 1915; (b) 1917; 60 (c) 1919; (d) 1921; (e) não respondida. (Cespe - TRF - 5ª REGIÃO - Juiz – 2011) A Decla- ração Universal dos Direitos Humanos: (a) não trata de direitos econômicos. (b) trata dos direitos de liberdade e igualdade. (c) trata o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos. (d) não faz referência a direitos políticos. (e) não faz referência a direitos culturais e à bioética. (Instituto Cidades DPE - AM - Defensor Público – 2011) A Declaração Universal de Direitos Humanos, proclamada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, tem como fundamento: (a) a dignidade da pessoa humana; (b) o relativismo e historicismo dos direitos humanos; (c) o fundamentalismo cultural, religioso ou econômico; (d) a necessária distinção entre gêneros e classe social para se compreender o real sentido dos direitos humanos; (e) a proteção aos seres humanos que compõem os povos apenas dos países signatários da Carta das Nações Unidas. (FMZ – SEAD - AP - Agente Penitenciário – 2010) A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabelece uma série de direitos a toda pessoa. Dentre eles, é possível citar os seguintes, EXCETO: 61 (a) toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal inde- pendente e imparcial, para decidir de seus direitos e de- veres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. (b) toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. (c) toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de represen- tantes livremente escolhidos. (d) toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. (e) toda pessoa, que puder por ela pagar, tem direito à instrução nos diferentes níveis. A instrução técnico-pro- fissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 63 2 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) 65 2.1. O SURGIMENTO DA OIT COMO ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL As organizações de trabalho institucionalizaram-se no plano internacional com basicamente duas finalida- des. A primeira delas é jurídica, ou seja, de regulamentar e normatizar as regras atinentes à proteção do traba- lhador, fixando princípios programáticos ou regras im- perativas de âmbito internacional. A segunda de suas finalidades é científica, pois essas organizações buscam promover estudos os mais diversificados sobre as con- dições dos trabalhadores no mundo. Didaticamente, Nascimento (2008, p. 94-95) classi- fica essas organizações em: gerais ou regionais, genéricas ou específicas e, ainda, em consultivas ou jurisdicionais. As organizações são especializadas quando se dedicam exclusivamente a temas concernentes às relações de tra- balho, como é o caso da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e são genéricas quando apenas parte da sua atividade é voltada para o trabalho, sendo esse o caso da Organização das Nações Unidas (ONU). As organizações classificam-se ainda em regionais, quando têm uma esfera de atuação em um determinado território, incluindo alguns países nele situados, e que re- solveram, como expressão da sua soberania, unir-se, for- mando uma Comunidade, uma União ou, simplesmente, pactuando normas comuns aduaneiras, migratórias ou 66 econômicas destinadas a agilizar o processo produtivo e a facilitar a circulação de mercadorias entre as fronteiras dos respectivos países. É o caso da União Europeia e do Mercado Comum do Sul, o MERCOSUL. Há organizações que não têm finalidade normativa ou regulamentar, mas uma função do tipo arbitral ou ju- risdicional, para conhecer e decidir conflitos que surjam envolvendo aquelas organizações ou pessoas, físicas ou jurídicas, que estabeleçam relações jurídicas internacionais. É o caso do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia. As instituições meramente consultivas existem para debater as diretrizes maiores que devem ser ob- servadas como o Foro Consultivo Econômico-Social, previsto nos arts. 28 a 30 do Protocolo de Ouro Preto para o MERCOSUL, que é um organismo internacio- nal de representação dos setores econômicos e sociais, de composição paritária, com a participação de repre- sentações de trabalhadores e empregadores, com igual número de integrantes de cada Estado Parte, e cuja fun- ção, como o nome indica, é consultiva e não executi- va ou decisória, podendo fazer recomendações para o MERCOSUL e seus integrantes. A mais importante das organizações que se dedi- cam ao direito do trabalho é sem dúvida a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como já pudemos analisar historicamente, as suas raízes se encontram no início do século XIX, quando os líderes indus- triais Robert Owen e Daniel Le Grand apoiaram o 67 desenvolvimento e harmonização de legislação traba- lhista e melhorias nas relações de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada na Conferência das Nações, com a assinatura do Tratado de Versalhes, em 1919, visando à criação de instrumentos disciplinadores das relações de trabalho em todo o mundo. Na parte XII desse tratado está a constituição jurídica da OIT, a qual foi complementa- da pela Declaração de Filadélfia (1944). Observe-se que sua constituição experimentou sucessivas reformas em 1953, 1962, 1972 e 1986. Segundo Oliveira, com a criação da OIT, os países signatários do Tratado de Versalhes objetivavam auxi- liar na busca da paz social, incentivar o estabelecimento de condições humanitárias de trabalho para todos e lu- tar pela dignidade e elevação do homem que trabalha, “sempre com vistas a uma internacionalização das nor- mas sociais de proteção e à adoção dessas normas pelo governo interno dos Estados-membros”. (1994, p. 73) Realmente, percebe-se que desde sua instituição, a OIT vem desempenhando relevante papel na inter- nacionalização do Direito do Trabalho, fomentando a uniformização de preceitos trabalhistas fundamentais e a harmonização destes preceitos com a ordem interna dos países celebrantes de seus tratados e convenções. No que tange a sua vinculação com a ONU, o art. 57 da Carta das Nações Unidas, adotada em 1945, es- tatuiu que os organismos especializados estabelecidos 68 por acordos intergovernamentais que tenham amplas atribuições internacionais definidas em seus estatutos e relativas a matérias de caráter econômico, social, cul- tural e educativo, sanitário e outras conexas estariam vinculados a ela. Na 27ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Paris, em novembro de 1945, foram aprovadas duas importantes resoluções visando à realização desse objetivo: a) nomeação de uma delega- ção especial para o exame de todas as questões relativas à Constituição
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