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Gustavo Duarte - Tutoria Abdômen Agudo INTRODUÇÃO Abdômen agudo é caracterizado como uma dor abdominal intensa, de origem não traumática, que leva o indivíduo a buscar atendimento médico, necessitando de um tratamento clínico ou cirúrgico. É um diagnóstico sindrômico O quando clínico é variável de acordo com a etiologia (instalação e progressão) O que todas as etiologias têm em comum é a necessidade de definição diagnóstica imediata para reduzir morbidade e mortalidade A maioria dos casos requer encaminhamento cirúrgico Abdômen agudo apresenta grande incidência no pronto socorro Existem diversas doenças que podem causar dor abdominal e simular abdômen agudo As dores abdominais podem ser classificadas de acordo com: 1. ANATOMIA: localização pode indicar possíveis causas ou órgãos 2. CAUSA ABDOMINAIS E EXTRA- ABDOMINAIS 3. PROCESSOS DESENCADEANTES Habitualmente é classificado de acordo com a natureza do processo desencadeante 1. INFLAMATÓRIO 2. PERFURATIVO 3. OBSTRUTIVO 4. VASCULAR/ISQUÊMICO/ISQUEMIA MESENTÉRICA 5. HEMORRÁGICO (sangue livre na cavidade abdominal e não na luz dos órgãos ocos. Gustavo Duarte - Tutoria DIAGNÓSTICO Anamnese A dor deve ser analisada de acordo com sua qualidade, quantidade, local e irradiação, início, duração e deslocamento, fatores de melhora e piora e sintomas e sinais associados. Atenção especial deve ser dada a: (1) anorexia, náusea ou vômito; (2) micção; (3) função intestinal; (4) menstruação / contracepção; (5) ingestão de drogas. Exame físico A rapidez e objetividade do exame dependem do estado clinico do paciente. Em pacientes instáveis fazemos uma avaliação rápida e monitorização cardíaca, oximetria de pulso e acesso periférico. Em pacientes estáveis podemos fazer uma avaliação mais completa. No exame abdominal devemos fazer a inspeção, ausculta, palpação e percussão (nessa ordem). Os sinais físicos podem ser reduzidos em idosos, grosseiramente obesos, gravemente doentes e pacientes em terapia com corticosteroides. Exames complementares TRATAMENTO O tratamento é dependente da etiologia da dor abdominal. Os pacientes podem receber medicações sintomáticas como analgésicos e antiespasmódicos Há uma menor probabilidade de que a dor abdominal com duração de mais de 48 horas precise de cirurgia em comparação com a dor de menor duração. Gustavo Duarte - Tutoria Abdômen agudo inflamatório Pode ser definido como quadro de dor abdominal súbito e inesperado, originado de um processo inflamatório e/ou infeccioso localizado na cavidade abdominal. Em algumas situações, o quadro apresenta-se com peritonite, sendo mandatório o manejo cirúrgico nesses casos. Existem diversas causas de Abdome Agudo Inflamatório (AAI), mas suas principais etiologias são: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda e diverticulite aguda. Epidemiologia Fisiopatologia A fisiopatologia do AAI baseia-se na extensão do processo inflamatório/ infeccioso ao peritônio e às modificações do funcionamento do trânsito intestinal. Após instalada a peritonite, a deterioração clínica do indivíduo pode ser rápida, constituindo sinal de gravidade e mau prognóstico. Nas fases iniciais há ainda pouca atividade inflamatória com aumento da efusão peritoneal e quimiotaxia de células inflamatórias. Já nas fases tardias existe uma exuberante resposta inflamatória com formação de fibrina, aderências, pus, e, por fim, fibrose. Clínica A dor abdominal é o sintoma preponderante no AAI, podendo ser decorrente de um processo recente, como na apendicite aguda, ou crônico agudizado tal qual nos casos de colecistite aguda por litíase biliar ou diverticulite por doença diverticular do cólon. Costuma ser progressiva e quando evoluincom piora progressiva uma conduta cirúrgica é necessária na maioria das vezes. Náuseas e vômitos podem ocorrer na evolução do AAI, podendo ser resultado do quadro álgico intenso ou até mesmo de estase intestinal secundária à irritação do peritônio visceral. A febre é um sintoma comumente observado, podendo surgir já nas fases iniciais do processo, com temperaturas mais brandas, piorando com a evolução do quadro, sobretudo quando há processo supurativo instalado. Obstipação comumente ocorre secundária à paralisia das alças intestinais. Entretanto, diarreia pode estar presente, sobretudo em casos de abscessos pélvicos. Diagnósticos etiológicos Apendicite Aguda A apendicite aguda se dá por obstrução do lume apendicular por corpo estranho ou processo inflamatório. Colecistite Aguda Inflamação química e/ou bacteriana da vesícula biliar. Causas comuns são litíase vesicular ou colelitíase. Gustavo Duarte - Tutoria Pancreatite aguda Processo inflamatório do pâncreas por ativação enzimática inadequada. Dor em abdômen superior “em faixa” ou “barra” com irradiação para o dorso + vômito Tratamento Abdômen agudo perfurativo Diferentemente do abdome agudo inflamatório, ocorre por perfuração de uma víscera oca. As perfurações podem ainda ser classificadas como altas ou baixas, tendo como referência o Ligamento de Treitz. Nas perfurações altas geralmente se inicia por uma peritonite química, por liberação de sucos digestivos, que culmina com proliferação bacteriana e posterior processo infeccioso. Nas perfurações baixas, é esperado início por peritonite infecciosa de região já colonizada com evolução para um quadro sistêmico, podendo manifestar sinais de septicemia. Fisiopatologia A gênese dessa síndrome se dá pela perfuração de uma víscera oca. Essa perfuração pode ser decorrente de diversas causas, como: processo inflamatório, neoplásico, obstrutivo e infeccioso, corpo estranho. Diagnóstico O diagnóstico de um Abdome Agudo Perfurativo se baseia na história clínica minunciosa, exame físico criterioso e exames de imagem. Exames laboratoriais são inespecíficos, podendo nos ajudar a detectar apenas a presença de processos inflamatórios e infecciosos prévios. Assim, para confirmar a perfuração, métodos de imagem são os mais adequados. Tratamento Abdômen agudo isquêmico Representado pela isquemia mesentérica ou intestinal por fornecimento inadequado de oxigênio para o intestino. A isquemia mesentérica pode ser aguda ou crônica, mesentérica (intestino delgado) ou colônica (intestino grosso). Epidemiologia A taxa de mortalidade é elevada, com cerca de Gustavo Duarte - Tutoria 30% nos casos de trombose e 75-80% nos casos de obstrução arterial atribuído ao diagnóstico tardio. Fisiopatologia Como dito, a isquemia mesentérica pode ser classificada pelo tempo de instalação em aguda ou crônica, e por localização como mesentérica e colônica. As três principais síndromes de isquemia intestinal são: Como esperado, as regiões mais propensas à isquemia são as áreas pobres em circulação colateral, por dificuldade de compensar a perfusão em caso de obstrução na circulação principal, são áreas como a flexura esplênica e junção retossigmoide. Fatores de risco: 1. Doenças crônicas 2. Má formação arteriovenosa 3. Medicações vasoconstritoras Diagnóstico O diagnóstico precoce depende de reconhecer população de risco e o alto índice de suspeita clínica. Os exames laboratoriais são inespecíficos. Exames de imagem devem sersolicitados para pacientes estáveis O exame de primeira escolha é a Tomografia computadorizada com contraste de abdome, pois identifica aterosclerose e exclui outras causas de dor abdominal aguda Tratamento Em pacientes instáveis com suspeita de abdome agudo isquêmico, o tratamento não deve ser postergado visando confirmação diagnóstica com exames de imagem. O manejo inicial inclui monitorização cardíaca e dos parâmetros ventilatórios, acesso venoso com reposição volêmica individualizada, correção de distúrbios hidroeletrolíticos, analgesia e antibiótico venoso de amplo espectro (proteção contra translocação bacteriana) O tratamento definitivo é cirúrgico e pode ser necessário ressecção das alças isquemiadas. Abdômen agudo hemorrágico Inúmeras são as causas de hemorragia intra-abdominal. Possui etiologias variadas abrangendo desde traumatismo abdominal, ruptura de aneurismas da aorta ou de alguma artéria visceral, neoplasias malignas até processos inflamatórios erosivos. Epidemiologia Gustavo Duarte - Tutoria Etiologia Ruptura de aneurisma de aorta abdominal: O aneurisma da aorta abdominal (AAA) está presente em 5-7% dos indivíduos acima dos 60 anos de idade, predominando mais no sexo masculino tendo como principais fatores de risco para essa categoria a idade >65 anos, hipertensão arterial (HAS), tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), aterosclerose, síndrome de Marfan, a síndrome de Ehlers-Danlos e antecedente familiar da doença. Aneurisma da artéria esplênica: é mais comum no sexo feminino e é o aneurisma mais comum entre os vasos viscerais abdominais, correspondendo a cerca de 60% de todos os aneurismas de artérias viscerais. Tem como fatores de risco para ruptura desse aneurisma a hipertensão venosa portal, fibrodisplasia arterial e gravidez. Aneurisma da artéria hepática: é predominante em homens acima de 60 anos de idade e corresponde ao segundo aneurisma de arterial visceral mais comum. Aneurisma da artéria mesentérica superior: é o terceiro mais comum. Ocorre em indivíduos abaixo de 50 anos e distribui-se igualmente entre os homens e as mulheres. Ruptura de Gravidez Ectópica: A gravidez ectópica (GE) ocorre entre 1-2% das gestações e corresponde a 10-15% das mortes maternas no 1º trimestre. Tem como principais fatores de risco cirurgias tubárias, gravidez ectópica prévia, uso de Dispositivo Intrauterino (DIU), tabagismo ≥ 20 cigarros por dia; técnicas de reprodução assistida e endometriose. Diagnóstico Os exames laboratoriais podem ser importantes para quantificar o sangramento e suas repercussões fisiológicas. Na maioria das vezes, auxiliam no reconhecimento de alguma condição predisponente ao sangramento. O teste de gravidez é realizado quando a suspeita for prenhez ectópica rota. A ultrasonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, tem permitido o diagnóstico na maioria dos casos, com a vantagem de não serem invasivos. Abdômen agudo obstrutivo Abdome agudo obstrutivo é uma situação de emergência, na qual se encontra um fator obstrutivo responsável pelo exuberante quadro clínico. Apresenta gravidade variável e caráter evolutivo necessitando de rápida intervenção, em sua maioria, cirúrgica. As causas de AAO podem ser divididas em mecânicas e funcionais, originadas no intestino delgado ou grosso: Epidemiologia Apresenta alta morbimortalidade quando há retardo no diagnóstico e/ou manejo inapropriado, podendo alcançar taxas tão elevadas quanto 20%. A presença de sofrimento de alças intestinais contribui para esse desfecho. Cerca de 80% dos casos de abdome agudo obstrutivo envolvem o intestino delgado, sendo as aderências (bridas) secundárias a cirurgias prévias na cavidade abdominal o fator etiológico mais comum em países desenvolvidos Câncer de cólon representa a principal causa de obstrução no intestino grosso. Ademais, vôlvulo de sigmoide também representa causa frequente de obstrução intestinal baixa em nosso meio. Fisiopatologia Independente da etiologia a interrupção do trânsito intestinal origina eventos que culminarão habitualmente com quadro obstrutivo. Obstrução do intestino delgado: O intestino delgado possui função secretória e absortiva, sendo que 20% da água corporal total são provenientes desse processo. Interferências Gustavo Duarte - Tutoria nessa dinâmica podem levar à depleção hidroeletrolítica significativa. O gás responsável pela distensão intestinal nos estágios iniciais da obstrução é composto majoritariamente pelo ar ingerido (70%), tendo o nitrogênio como principal componente cuja absorção é pequena Com o tempo há aumento dos gases provenientes da fermentação pelas bactérias intestinais (hidrogênio, metano, amônia) o que aumenta sobremaneira a distensão além de reduzir a pressão parcial de nitrogênio favorecendo o deslocamento de fluidos isotônicos do compartimento celular para o lúmen intestinal. Devido à estase do intestino delgado há supercrescimento bacteriano cuja fermentação resulta no odor fétido do conteúdo intestinal presente nos vômitos, evento frequente nessa condição. A perda de sódio e água para o lúmen intestinal aumenta progressivamente enquanto a função absortiva permanece comprometida, ocasionando depleção do volume intravascular efetivo e acionamento de mecanismos mantenedores da volemia → redução da excreção urinária de sal e água resultando em oligúria e deslocamento de água do espaço extracelular para o intravascular. Vômitos frequentes exacerbam o distúrbio hidroeletrolítico resultando em hipocalemia e hipovolemia graves, podendo levar ao óbito ou a complicações cirúrgicas. Na intussuscepção intestinal o segmento proximal do intestino (intussuscepto) é invaginado na porção distal adjacente (intussuscepiente). Essa condição é mais comum em crianças de três a nove meses de vida. Em adultos, geralmente tumores estão envolvidos na gênese desse evento → Envolvimento ileocólico é o mais comum. Obstrução do intestino grosso: A competência da válvula ileocecal (VIC) determina o comportamento da obstrução no intestino grosso. Existirá obstrução em “alça fechada” - entre a VIC e o ponto de obstrução caso a válvula permaneça competente → Isso levará à dilatação progressiva do cólon com posterior comprometimento vascular, podendo gerar necrose e perfuração do segmento acometido. O ceco é o local mais vulnerável à perfuração, uma vez que sua parede é mais delgada que a do cólon esquerdo →. Quando o diâmetro cecal alcança 15cm há risco iminente de perfuração caso não seja realizada nenhuma manobra de descompressão. Vólvulo intestinal, habitualmente o sigmoide, é uma importante causa de obstrução em alça fechada, uma vez que o segmento rotaciona sobre o mesentério, podendo levar a sofrimento vascular → pode ser primário (malformação congênita) ou secundário (rotação através de um estoma ou de uma aderência). Obstrução funcional: Distúrbios metabólicos e/ou hidroeletrolíticos podem ocasionar obstrução intestinal sem fator mecânico existente, a exemplo de hipocalemia, uremia ou diabetes descompensado. Outra condição descrita é a síndrome de Ogilvie na qual há pseudo-obstrução intestinal com distensão colônica – ascendente e transverso – por disautonomia nervosa, sem fator mecânico. Pode levar a sofrimento vascular e isquemia intestinal. Manifestações Clínicas O quadro clínico é variável e depende de alguns fatores: 1. Sítio e tempo da obstrução; 2. Presença ou não de complicações (sofrimento vascular, perfuração); 3. Grau de contaminação; 4. Status clínico do paciente. Habitualmente os pacientes com AAO apresentam dor abdominal de iníciosúbito, evoluindo com náuseas, vômitos e parada de eliminação de gazes e fezes. Gustavo Duarte - Tutoria Complicações Ao exame físico, além dos sinais e sintomas descritos anteriormente, o paciente pode apresentar sinais de desidratação ou choque hipovolêmico. A presença de sensibilidade/reatividade à palpação abdominal pode sugerir peritonite secundária ao estrangulamento de alças. A presença de massas abdominais sugere processo inflamatório ou neoplásico. Diagnóstico O diagnóstico de abdome agudo obstrutivo normalmente pode ser feito a partir de anamnese e exame físico minuciosos. É necessário avaliar o estado geral do paciente, confirmar o diagnóstico e identificar a condição subjacente ao quadro obstrutivo. Exames complementares auxiliam no diagnóstico diferencial e na diferenciação entre obstrução funcional ou mecânica, sítio da obstrução e identificação de complicações. Exames de imagem Radiografia em decúbito dorsal e ortostase podem evidenciar dilatação de alças com nível líquido intraluminal proximais à obstrução, sugerindo o nível do processo obstrutivo. Na dilatação do jejuno podem-se verificar válvulas coniventes com aspecto de empilhamento de moedas.Dilatações ileais apresentam válvulas menos demarcadas. Na dilatação colônica, normalmente verifica-se dilatação com padrão de “moldura” delineando a parede abdominal marginalmente. Não se evidencia gás no reto abaixo do fator obstrutivo. No vólvulo de sigmoide identifica-se a dilatação da alça associada ao megacólon. Ainda nesses Gustavo Duarte - Tutoria casos pode haver impactação fecal com imagens em “miolo de pão” dentro da alça. Estudos contrastados O trânsito intestinal e enema opaco podem auxiliar no diagnóstico e manejo, principalmente em obstruções parciais do intestino delgado. Dado o risco potencial de perfuração, contrastes hidrossolúveis (iodo) devem ser preferidos ao bário, uma vez que o extravasamento desses pode ocasionar peritonite grave. Tratamento Os objetivos do tratamento do abdome agudo obstrutivo são: Conduta conservadora pode ser escolhida em alguns casos, como em bolo de áscaris, invaginação intestinal, volvo de sigmoide, fecaloma e aderências. Em casos de aderências, acima de 75% dos casos a obstrução apresenta resolução apenas com tratamento conservador, caso não haja sinais de estrangulamento de alça. Obstruções do intestino delgado dificilmente se resolverão sem cirurgia caso não apresentem resolução dentro de 48 horas de tratamento conservador. A cirurgia é indicada se existir uma causa subjacente que necessita de tratamento, a exemplo de tumor ou hérnias, mediante falha no tratamento conservador ou quando houver sinais de irritação peritoneal. Volvo de sigmoide pode ser manejado clinicamente através da descompressão por retossigmoidoscopia; Intussuscepção intestinal pode ser corrigida a partir do uso de enema opaco quando o contraste consegue vencer o fator obstrutivo, desfazendo a invaginação. Na síndrome de Olgivie, colonoscopia pode ser usada para descompressão dos cólons direito e transverso, mais tratamento com neostigmina. Gustavo Duarte - Tutoria Litíase biliar A litíase biliar corresponde à formação, sintomática ou não, de cálculos no interior da vesícula biliar. Contudo, os cálculos podem estar presentes no interior do ducto colédoco, formando a coledocolitíase. Epidemiologia Os dados epidemiológicos de colelitíase são certamente subestimados uma vez que a maioria dos casos é assintomático e não necessita de tratamento. Exames ultrassonográficos no Brasil apontam prevalência de cerca de 9% na população geral enquanto estudos de necropsia variam dos mesmos 9 até 19% para indivíduos acima de 20 anos. A doença é mais frequentemente observada em: 1. Indivíduos após quarta ou quinta décadas de vida, 2. Sexo feminino, 3. Multíparas 4. IMC > 30. Fisiopatologia Os cálculos vesiculares são de quatro tipos: de colesterol, de bilirrubina, mistos e ainda os de bilirrubinato de cálcio. Os cálculos biliares são acúmulos de substâncias cristalizadas com aspecto de “pequenas pedras”. Sua composição é variável, sendo os mais frequentes compostos de uma mistura majoritária de colesterol com outras substâncias variadas – sais de cálcio, sais biliares, proteínas e fosfolipídeos. A bile é normalmente capaz de equilibrar a equação entre colesterol e seus solubilizantes, sendo necessária uma supersaturação dessas moléculas para a formação dos cristais. A classificac ̧ão mais simples e utilizada é a que divide os cálculos biliares em dois tipos: 1. Os cálculos de colesterol (são de cor castanho-clara, polidos ou facetados, únicos ou múltiplos e, à seção, têm aspecto lamelar ou cristalino. Representam 70 a 80% dos cálculos no mundo ocidental e, embora possam ser puros, em sua maioria são do tipo misto, compostos por mais de 70% de colesterol monidratado, com quantidades variáveis de sais de cálcio, sais biliares, ácidos graxos, proteínas e fosfolipídios). 2. Os pigmentares (contêm menos de 25% de colesterol em sua formac ̧ão, podendo ser divididos em cálculos negros e castanhos. O principal componente é o bilirrubinato de cálcio. Geralmente, os cálculos negros são mais comuns em pacientes com cirrose ou hemólise crônica, e os castanhos são associados a infecc ̧ão) Fisiopatologicamente, os cálculos de colesterol resultam da conjugação de três fatores: 1. Saturação da bílis por colesterol, 2. Aceleração da nucleação e 3. Hipomotilidade da vesícula. Os principais componentes lipídicos da bile são, colesterol, fosfolipídios e lecitina. A litíase vesicular por cálculos de colesterol é considerada uma doença primariamente metabólica. O colesterol, sendo insolúvel na água, necessita de ácidos biliares e fosfolipídios para se manter em solução. Na bile o colesterol encontra-se em micelas que também contêm ácidos biliares e lecitina, que funcionam como emulsionantes. À medida que a concentração de colesterol aumenta, acumula-se sob a forma de vesículas que se associam em vesículas multilamelares e ativam o crescimento de cristais de colesterol à superfície. Esta saturação da bile por colesterol é o principal mecanismo de formação de cálculos. A nucleação é o passo inicial para a formação de cálculos na bile supersaturada e consiste no processo de agregação que preside à gênese dos cristais de colesterol. O principal fator que favorece a nucleação é a mucina, uma glicoproteína que é produzida de forma crescente na vesícula, quando há supersaturação da bile. A absorção, pela parede da vesícula, do colesterol da bile supersaturada, leva à hipomotilidade vesicular. Esta hipomotilidade permite que microcristais de colesterol permaneçam mais tempo dentro da vesícula se agreguem e formem cálculos. Gustavo Duarte - Tutoria Os cálculos castanhos são decorrentes de doenças da árvore biliar, especialmente por bactérias ou parasitas, e originários do colédoco – podendo estar presentes, portanto, mesmo após colecistectomia. Ademais, existe também o composto denominado “lama biliar”, formado por cristais de colesterol, bilirrubinato de cálcio e mucina e que pode ser considerada um estágio anterior à solidificação dos cristais, embora não seja esse necessariamente seu curso em todos os casos. Fatores de risco Predisposição genética (história familiar); Estase biliar por dismotilidadeda vesícula, levando a maior chance de cristalização do seu conteúdo; Dieta pobre em fibras; Presença de estrogênio ou progesterona: associados à dismotilidade vesicular e aumento da síntese de colesterol; Idade: pouco comum na infância e adolescência; Obesidade ou emagrecimento importante acelerado: hipersaturação de colesterol por sua excreção aumentada na bile; Hiperlipemias: hipersaturação mais relacionada aos níveis de triglicérides do que de colesterol sérico; Ressecção ileal e Doença de Chron: hipersaturação por perda da reabsorção de sais biliares que serviriam como solubilizantes para o colesterol; Anemia hemolítica, especialmente em pacientes com prótese valvar: mais relacionada aos cálculos pigmentados. Cirrose: hemólise crônica associada a formação de cálculos pigmentados; Infecções biliares: proteínas secretas bactérias associadas a desconjugação da bilirrubina aumentam as chances da formação de cálculos marrons. Sinais e sintomas A maioria dos pacientes com litíase biliar apresenta-se assintomático, porém a migração temporária dos cálculos para o infundíbulo da vesícula ou mesmo a presença importante de lama biliar pode acarretar em dor no hipocôndrio direito irradiando para escápula ou hipogástrio associada a náuseas e vômitos. A presença de outros achados clínicos e laboratoriais, como febre, sinal de Murphy e leucocitose falam mais a favor de colecistite aguda, possível complicação da litíase. Diagnóstico O exame padrão-ouro para o diagnóstico de colelitíase é a ultrassonografia de abdome. Em sua imagem, os cálculos são identificados como estruturas hiperecoicas com sombra acústica posterior. A lama biliar, por sua vez, não produz sombra acústica. Os cálculos também podem aparecer na imagem radiográfica, porém este exame está mais associado à possibilidade de visualização de calcificação difusa da parede da vesícula (chamada ‘vesícula em porcelana’), fator de risco para surgimento de neoplasia biliar e que necessita de tratamento cirúrgico. Outra possibilidade é o colecistograma oral, que consiste na visualização radiográfica da vesícula após a ingestão de contraste iodado. Este método não é mais indicado para diagnóstico após o advento da USG, contudo ainda é útil para pacientes em que se planeja tratamento conservador via oral. A positividade do colecistograma (vesícula preenchida de contraste) demonstra a possibilidade de medicações serem administradas por via oral atingirem o interior do órgão. Dente as complicações da litíase biliar estão a colecistite aguda, coledocolitíase, pancreatite aguda, colangite e íleo-biliar. Tratamento Pacientes com litíase sintomática devem ser submetidos à colecistectomia videolaparoscópica. Gustavo Duarte - Tutoria Os assintomáticos também realizam cirurgia se que possuírem alguma indicação específica, como: 1. Presença de cálculos maiores que 2,5 a 3,0 cm; 2. Vesícula em porcelana; 3. Anemia falciforme; 4. Cirurgia bariátrica a fazer. A analgesia para pacientes sintomáticos pode ser feita com AINES ou opioides, porém isso não deve atrasar o prosseguimento para a terapêutica cirúrgica. Pacientes sintomáticos em que se tenham ao menos dois achados de lama biliar na USG também devem ser tratados cirurgicamente. A cirurgia aberta fica reservada aos pacientes com reserva cardiopulmonar ruim (DPOC, IC importante), cirrose com hipertensão portal, gravidez no terceiro trimestre ou suspeita de câncer de vesícula. O tratamento conservador é ainda mais restrito, indicado apenas nos casos de recusa a cirurgia ou com risco proibitivo. A terapia de escolha quando confirmado colecistograma oral positivo consiste no uso de solventes para dissolução do cálculo, porém com eficácia nula em cálculos pigmentados (pretos e marrons) e reduzida nos de colesterol com tamanho acima de 5mm, além de ser contraindicada em gestantes pelo risco de teratogênese. A droga indicada é o ursodesoxicolato, 8 a 13mg/kg/dia. A litotripsia extracorpórea, que usa ondas de choque para impactar e reduzir cálculos maiores que 5mm pode ser associada. A recorrência dos cálculos é comum nesse tipo de tratamento. Complicações Os pacientes não operados correm o risco de 30 a 50% de sofrerem complicações graves, tendo que se submeter à cirurgia de emergência, como, por exemplo: 1. Colecistite aguda – ocorre quando um cálculo (pedra) obstrui o ducto cístico causando inflamações e acúmulo de pus, peritonite (inflamação do peritônio – tecido que reveste a parede interna do abdômen) ou acúmulo de muco; 2. Fístulas (perfurações) para o intestino delgado ou cólon causando obstrução intestinal (íleo biliar), sangramento e infecções; 3. Coledocolitíase (cálculos no ducto que transporta a bile); 4. Colangite e papilites (inflamação das vias biliares); 5. Pancreatite (inflamação no pâncreas). A mortalidade nesses casos é de 7 a 15%.
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