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Psicologia_Juridica_No_Brasil__1_

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Hebe Signorini Gonçalves 
Eduardo ponte Brandão
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Ps
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A Psicologia Jurídica surgiu de um chamamento ao ingresso 
do Psicólogo em áreas originariamente destinadas às 
práticas jurídicas. Essa demanda coloca exigências 
específicas, ditadas pelo Direito, mas é mister admitir que 0 
ingresso da Psicologia no mundo jurídico precisa encontrar 
seu motor próprio, já que sua impulsão advém de um 
compromisso com o sujeito que é, por excelência, de outrá 
ordem. Não há conflitos insuperáveis aqui, mas há sem 
dúvida interseções de peso que merecem exame.
ISBN 85-8S936-S5-X
788585 6556
MAU
E D I T O R A
A inferlocução com o Direito a luz das práticas 
psicológicas em Varas de Família
Eduardo Ponte Brandão
A prática do psicólogo em Varas de Família exige o co­
nhecim ento básico dos códigos jurídicos que regulam as famí­
lias no Brasil.
As razões de tam anha obrigação não são poucas.
Em prim eiro lugar, há necessidade de um código com ­
partilhado entre o psicólogo e os demais m em bros da equipe 
interprofissional, incluídos os operadores de Direito.
É de conhecim ento com um que os arranjos amorosos e 
familiares com que esses operadores se surpreendem hoje em 
dia levam a um a interlocução do Direito com outros saberes. 
Sem o respaldo da equipe interprofissional, a ação do Ju iz é 
insuficiente para regular as relações entre os sexos e de paren ­
tesco.
Em contrapartida, sem a com preensão exata do contex­
to onde se inscreve sua prática, o psicólogo não faz mais do 
que se esfalfar com os remos do barco na areia. D e nada adi­
an ta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo 
desconhece, por exemplo, os critérios jurídicos que norteiam a 
decisão de um a guarda ou os deveres e direitos parentais. As 
referências usadas pelo psicólogo devem com unicar-se com as 
do Ju iz , sejam as opiniões convergentes ou não, caso contrário, 
ele não poderá contribuir para o desenlace das dificuldades e 
dos conflitos com os quais o Judiciário se em baraça.
51
Em segundo lugar, no atendim ento à população o psicó­
logo se depara com argumentos cujos valores já foram revistos 
e substituídos em lei. Assim, não é raro escutar pais que que­
rem a guarda dos filhos porque o ex-cônjuge não cum priu os 
deveres m atrim oniais. O u que caberia à m ulher os cuidados 
infantis e ao hom em tão somente visitar e sustentar os filhos. 
C onhecer o que diz a lei torna-se imperativo, mesmo que seja 
p ara inform ar que tais concepções não encontram respaldo 
sequer em nossa legislação.
Por sua vez, o conhecim ento da legislação não deve ser 
abstraído das condições de possibilidade de seu surgimento. 
Interessa ao psicólogo, sobretudo, lançar luz sobre com o a 
doutrina juríd ica se inscreve historicam ente e se articula aos 
dispositivos m odernos de poder.
Com o será observado ao longo do texto, as leis e as es­
truturas encarregadas de aplicá-las não só norm atizam e repri­
m em , mas põem cm funcionam ento diversas práticas de poder 
cujo objetivo é m enos ju lgar e punir do que curar, corrigir e 
educar cada sujeito a administrar a própria vida (Foucault, 1997).
Lançando m ão dessa perspectiva, o psicólogo adquire 
certo dom ínio sobre o lugar que lhe é reservado nas institui­
ções judiciárias. Não lhe to rna indiferente interrogar se, a cada 
vez que fala ou escreve a respeito de certa situação familiar, ele 
está atendendo a mecanismos sutis de poder que, com o apoio 
das leis jurídicas, são m ascarados pela pretensa isenção política 
de sua ciência.
Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da mulher Casada; a 
demarcação dos papéis familiares e a questão da guarda
No Brasil do Im pério, a legislação sobre a família era 
regulada pelo Código Civil Português, que, por sua vez, era 
inspirado no Código das Ordenações Filipinas (1603).
52
A transposição do Direito português para a Colônia ti­
nha o inconveniente de não corresponder à realidade social 
brasileira, na m edida em que se aplicava apenas ao casam ento 
dos que eram católicos. T anto as O rdenações Filipinas como 
praticam ente toda a legislação civil portuguesa perm aneceu em 
vigor até 1916, ou seja, quase cem anos após a independência. 
D urante esse tempo, protestantes e judeus, por exemplo, não 
poderiam te r seus casam entos reconhecidos pelo Estado, 
tam pouco as uniões extramatrimoniais.
A proclamação da República define um m om ento crucial 
de desvinculação da Igreja com o Estado. O decreto 181 de 
1890 é a principal manifestação legislativa concernente ao Di­
reito de Família nas prim eiras décadas da República, até a 
publicação do Código Civil. De autoria de R uy Barbosa, tal 
decreto abole a jurisdição eclesiástica, julgando-se como único 
casam ento válido o realizado perante as autoridades civis.
C om o Código Civil Brasileiro de 1916, consolida-se a 
definição de família como sendo a união legalmente constituí­
da pela via do casamento civil.
O ra, a conform idade ao modelo jurídico de família é o 
que torna as relações entre os sexos legítimas ou não. Desse 
m odo, convém observar nessa definição de família a defesa do 
casam ento e o repúdio do legislador ao concubinato.1
No Código de 1916, o modelo jurídico de família está 
fundam entado num a concepção de origem romano-cristã.
A família é vista como núcleo fundam ental da socieda­
de, legalizada através da ação do Estado, com posta por pai, 
m ãe e filhos (família nuclear) e, secundariam ente, por outros
1 Como veremos adiante, o concubinato vai adquirir proteção estatal, ou 
seja, vai ser reconhecido definitivamente como entidade familiar, na condi­
ção de união estável entre homem e mulher, somente na Constituição Fede­
ral de 1988, nã)5 sem antes ser protegido por jurisprudência c outras leis a 
partir da década de 60.
53
m em bros ligados por laços consangüíneos ou de dependência 
(família extensa). Ao mesmo tempo, ela organiza-se num m o­
delo hierárquico que tem o hom em como o seu chefe (família 
patriarcal).
O hom em é o chefe da sociedade conjugal e da adm inis­
tração dos bens comuns do casal e particulares da m ulher, bem 
como detentor da autoridade sobre os filhos e representante 
legal da família.
Por sua vez, a m ulher casada é considerada relativamente 
incapaz, em oposição à situação jurídica da mulher solteira m aior 
de idade. Essa incapacidade retira da m ulher o poder de deci­
dir sobre a prole e o patrim ônio, cuja com petência pertence ao 
hom em . A m ulher casada precisa de autorização do seu m ari­
do para exercer profissão, para com erciar, além de estar fixada 
ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir 
sem autorização m arital não tem eficácia jurídica.
Somente na falta ou im pedim ento do pai que caberia à 
m ãe a função de exercer o pátrio poder (artigo 380), ao qual os 
filhos estariam submetidos até a m aioridade (artigo 379)..
Segundo Barros (2001), o fato de o hom em ter o poder 
dividido, no caso de sua falta ou seu impedimento, com a es­
posa c lim itado à m enoridade do filho torna-se expressão de 
um golpe no pátrio poder, em bora discreto em face da autori­
dade que ele ainda detinha na família. ()
Por sua vez, cabe frisar que o pátrio poder, oriundo do 
Direito R om ano, alude a um a figura de autoridade que não 
representava o tipo dom inante em território nacional (Almeida, 
1987). Seguindo esse raciocínio, a idéia de declínio da autori­
dade paterna não parece a mais adequada para a com preen­
são dos regimes de aliança e sexo surgidos historicamente no 
Brasil, quiçá no O cidente m oderno (Foucault, 1997), pois está 
lim itada à tradição romano-cristã.
No que tange à separação do casal, o Código de 1916 
prevê apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido54
por desquite, preservando assim a indissolubilidade do m atri­
mônio. Em outras palavras, a separação não desfaz o vínculo 
m atrim onial.2
C om o desquite, delega-se ao inocente no processo de 
separação o direito de ter os filhos consigo. Ao cônjuge culpa­
do, é-lhe assegurado o direito de visita, salvo im pedim ento. 
Conform e podem os observar, h á um a restrição da guarda à 
m onoparentalidade, decidida a partir do critério de falta con­
jugal.
Caso ambos sejam considerados culpados, a m ãe fica com 
as filhas m enores e com os filhos até os seis anos. Depois dessa 
idade, os filhos vão p ara a com panhia do pai. A lei prevê regu­
lar, em caso de motivos graves, de outra m aneira a situação 
dos pais com os filhos. Observa-se que o detentor da guarda 
exerce o pátrio poder em toda sua extensão (Gomes, 1981).
0 pátrio ppder implica, segundo o artigo 384 do Código Civil de 1916, quanto à pessoa dos 
filhos menores:
1 - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêndco, se o outro dos pais lhe não
sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o pátrio poder;
V - representá-los, até aos 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa
idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pelo 
Decreto Legislativo n° 3.725, de 15.1.1919)
VI - réclamá-Ios de quem ilegalmente os detenha;
VII -exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e con­
dição.
2 Aos opositores desse sistema, Clóvis Beviláqua, redator do anteprojeto do 
Código Civil, respondia: “O argum ento que se levanta contra o desquite é 
que o celibato forçado produz uniões ilícitas. Mas essas uniões ilícitas não 
são conseqüência do desquite e sim da educação falsa dos homens. N ão é 
com o divórcio que as combateremos, e sim com a moral; não é o divórcio 
que as evita, e sim a dignidade de cada um. E é curioso que se lembrem de 
evitar as uniões ilícitas com o divórcio quando este é, principalmente, o 
resultado das uniões ilícitas dos adúlteros. Não é o celibato forçado um es­
tado contrário à natureza, porque, nas famílias honestas, nele se conservam, 
indefinidamente, as mulheres. É, contrário, apenas, à incontinência.” (Gama, 
2003)
55
N a definição dos direitos e deveres do m arido e da m u­
lher, pode-se confirm ar a valoração diferenciada dos papéis 
sociais. Ao m arido, de acordo com a lei, cabe suprir a m anu­
tenção da família, enquanto à m ulher cabe velar pela direção 
m oral desta. H á um a tipificação das diferenças que justifica o 
código m oral assimétrico e com plem entar como regra de con­
vivência entre os sexos.
Os perfis sociais atribuídos ao hom em , à m ulher e aos 
filhos já haviam sido desenhados pela política higienista que, 
desde 1830, se inscreveu como micropolítica no tecido social 
brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiê­
nico em que elas se encontravam , o saber médico aliou-se às 
políticas do Estado e fez surgir o modelo familiar pequeno- 
burguês, expulsando do lar doméstico os antigos hábitos colo­
niais (Costa, 1999). Assim, as tipificações das diferenças entre 
os sexos, vinculadas pela m edicina à natureza biológica, não 
deixaram de ser absorvidas paulatinam ente pela legislação.
Se o Código Civil de 1-916 já norm atizava em capítulo 
especial as relações familiares, é, por sua vez, na década de 30, 
no m om ento de criação de um projeto político nacionalista e 
autoritário, que se desenhà um a proposta clara sobre a função 
social da família. T rata-se de um projeto familiar articulado ao 
nível legal, abrangendo outros aspectos da legislação além das 
norm as de direito civil. T al projeto caracteriza-se por um a for­
m a de p en sa r a fam ília com o elem ento de um a política 
demográfica, tendo como objetivo último a construção da uni­
dade política nacionalista: j
N esse p e río d o fo ram p ro m u lg ad as: a legislação sob re o 
trab a lh o fem in ino (origem d a C L T ); sobre casam en to en ­
tre co la tera is do 3o: g rau ; sobre os efeitos civis do casam en ­
to religioso; sobre os incen tivos financeiros ao casam en to e 
à p ro c riação ; sobre o reco n h ec im en to de filhos na tu ra is e 
legislação p en a l, em especial no tocan te aos crim es co n tra 
a fam ília (C ódigo p en a l de 1940) (Alves e B arsted , 1987: 
169).
i \
56
Pode-se vislumbrar nessas regulamentações a preocupa­
ção do legislador em reforçar os padrões de m oralidade já p re­
vistos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a 
valorização do casamento legal e m onogâmico, o incentivo ao 
trabalho masculino e à dedicação da m ulher ao lar, o tem or 
higienista dos cruzam entos consangüíneos e do uso da sexuali­
dade feminina e, em suma, a defesa da harm onia e dos costu­
mes na família (Alves e Barsted, 1987).
No período seguinte, de 1946 a 1964, caracterizado po­
liticamente como democrático, dcstacam-se a lei de reconheci­
m ento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o “Estatuto da m ulher 
casada” de 1962, que outorga capacidade ju ríd ica p lena à 
mulher.
Com a vigência desse “Estatuto”, a decisão sobre a prole 
e o patrim ônio deixa de ser exclusividade do homem. Ele revo­
ga a incapacidade da m ulher casada. Para citar por exemplo 
um dos efeitos jurídicos da lei, se a m ulher viúva, casada em 
segundas núpcias; perdia o pátrio poder sobre os filhos do leito 
anterior, conforme redação original do Código Civil, com a 
vigência do “Estatuto” ela passa a exercer tais direitos sem 
qualquer interferência do marido.
N a hipótese de desquite judicial, em que ambos os côn­
juges são julgados culpados, os filhos menores ficam com a mãe, 
diversamente do que ocorria no regime anterior, em que os 
filhos varões, acim a de seis anos, ficavam com o pai.
Alves e Barsted (1987) afirmam que, a despeito de um a 
certa liberalização em relação ao casam ento e regime de bens, 
o “Estatuto” não rom pe algumas premissas básicas. O legisla­
dor m antém a assimetria entre os sexos, pendendo a balança 
p ara o poder patriarcal. É reafirm ado no “Estatuto” o papel 
do hom em como sendo o chefe da família e o da m ulher, co­
laboradora do m arido. Seguindo esse raciocínio, foi criado o 
instituto dos bens reservados da m ulher, definidos como aque­
les oriundos 'de sua profissão lucrativa e dos quais pode dispor
57
livremente. O ra, pressupõe-se então que sua economia própria 
é vista como paralela e dispensável ao sustento do lar, ao passo 
que, ao hom em , cabe mantê-lo.
Se o modelo jurídico de família nuclear, com laços ex­
tensos, patriarcal, fundada na assimetria sexual e gèracional 
perm anece inalterado do período autoritário ao democrático, 
as práticas sociais se afastam cada vez mais do tipo ideal de 
família da doutrina juríd ica
O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos 
nesse sentido.
Novos arranjos e a difusão das práticas psicológicas
O m ovim ento feminista, a in trodução da m ulher no 
m ercado de trabalho, a pílula anticoncepcional, a liberação 
sexual, aliados aos efeitos do cham ado “milagre econômico”, 
m arcado pela m obilidade social ascendente dos setores médios 
da população, o desenvolvimento industrial urbano e a abertu­
ra p ara o consumo, são alguns dos fatores que colocam em 
xeque o m odelo familiar preconizado pelas legislações, o que 
irá se refletir nas decisões jurisprudenciais e nas propostas de 
reform ulação do Código Civil.
Em determ inados estratos da sociedade, com eçam a sur­
gir novos arranjos conjugais e familiares que, sobretudo, são 
caracterizados pelo individualismo (Figueira, 1987).
Se até então a m ulher estava com prometida com a im a­
gem de m ãe am orosa e responsável, na família individualizada 
ela descola-se em parte do destino “natural” de m aternidade. 
“N esta nova fam ília”, escreve Russo, “cabe à dona-de-casa 
buscar um a certa independência do m arido, ter sua renda p ró ­
pria, seu próprio carro, além de procurar abandonar o ar de 
m atrona ao qual os filhos e o casam ento a condenavam ” (Rus­
so, 1987: 195).
58
Por sua vez, o hom em desvincula-se, ao menos ideal­
m ente, do papel tradicional de “m achista”, cuja relação privi­
legiada com o trabalho fora de casa e com os próprios interesses 
sexuais deixa de ser exclusividade de seu gênero.
Com a m udança dos arranjos interpessoais, dissolve-se a 
hierarquia que dividia as esferas pertencentes a cada sexo e 
geração. As individualidades passam a subordinar as relações 
entre os m em bros da família, seja entre m arido e m ulher, seja 
entre pais e filhos. As roupas, os discursos, os com portam entos, 
os sentimentos, etc. não são mais sinais exclusivos de cada sexo, 
posição e idade, de m odo que os m arcadores visíveis da dife­
rença passam a ser única e exclusivamente as expressões do 
gosto pessoal (Figueira, 1987).
Os m em bros da família passam a se perceber como iguais 
em suas diferenças pessoais. A ênfase no indivíduo faz-se acom ­
p anhar do ideal de igualdade de relacionam ento, apontando 
para um a nova m oral no cam po das relações interpessoais. A 
tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e 
seus prazeres correlatos, de tal modo que se to rna necessário o 
exame de si mesmo para que as relações entre hom ens e m u­
lheres, m aridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a 
todo e qualquer m om ento (Figueira, 1987).
N ão sendo por coincidência, é nos anos 70 que se inicia 
um alto consum o da psicanálise (Birman, 1995; Figueira, 1987; 
K atz, 1979; Russo, 1987).
N um m om ento em que os papéis tradicionais da m u­
lher, do hom em e das gerações são postos em xeque, os sabe­
res psi surgem como coordenadas para as relações interpessoais, 
m esmo através de conceitos os mais virulentos, tais como, por 
exemplo, o de sexualidade.
D onde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das 
colunas de aconselham ento psicológico em revistas femininas, 
do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico, em suma, da 
necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e
59
psicanalistas sobre questões que dizem respeito à família em 
geral. Cabe notar que o imenso consumo da psicanálise e da 
psicologia não im plica pura e simplesmente a subversão de 
formas instituídas pela tradição, mas tam bém a m ultiplicação 
de m icropoderes que são mais persuasivos do que impositivos 
(Foucault, 1997).
E evidente que todo esse panoram a de m udança nos anos 
70 to rna extrem am ente frágil não apenas os deveres correlatos 
entre os sexos, mas tam bém o ideal de indissolubilidade do 
m atrim ônio.
Vale acrescentar que nessa época o Brasil estava em ple­
no regime militar, sob a presidência do General Ernesto Geisel, 
cuja origem protestante luterana adm ite o divórcio. Ademais, 
havia um a certa insatisfação entre os militares na m edida em 
que se obstruía a prom oção dos desquitados, chegando ao gene- 
ralato e até mesmo à Presidência da República, apenas os ca­
sados. Desse modo, eles influenciaram - ao lado de um a gam a 
imensa de desquitados com famílias recompostas - o Poder Exe­
cutivo com objetivo de legitimar e regular o fim do casamento.
Da Lei do Divórico à Constituição: o privilégio da maternidade na 
atribuição da guarda, a abertura para as novas formas de família e 
os direitos da criança
Em 26 de dezem bro de 1977, é prom ulgada a Lei 6515, 
conhecida como Lei do Divórcio, que regulam enta a dissolu­
ção da sociedade conjugal e do casamento.
A Lei do Divórcio abole o term o “desquite” já tão cultu­
ralm ente identificado no país e estabelece a possibilidade de 
somente um divórcio por cidadão.
A restrição a um divórcio teve como intuito aplacar a 
oposição da Igreja Católica, ciujo receio de que o divórcio ani-
60
quilaria a família brasileira evidentemente jam ais se confirmou.3
Entre os principais aspectos da lei, convém assinalar o 
artigo 15 que regula a guarda dos filhos na dissolução do casal.
Nele, a guarda é conferida a apenas um dos genitores, sendo 
que, o outro poderá visitar e ter os filhos em sua com panhia, 
segundo fixar o Juiz, bem com o fiscalizar sua m anutenção e 
educação. Observa-se que tal perspectiva pode ser equivocada- 
m ente in terpretada como não cabendo preocupações com o 
dia-a-dia do filho ao genitor que não detém a guarda, cujo 
ponto retornarem os adiante.
N o caso da separação judicial em que se atribui a um 
dos cônjuges a responsabilidade pela dissolução do casam ento, 
a guarda dos filhos m enores fica com o cônjuge a que não 
houver dado causa (art. 10), ou seja, com o cônjuge “inocente” 
da separação. M antém -se assim o sistema vigente de definição 
da guarda, em que o critério de falta conjugal perm anece incó­
lume.
N o tocante aos “ a l im e n t o s ” , a lei estipula a obrigação 
com um dos cônjuges (não só do pai) p a ra a m anutenção dos 
filhos, além de não discrim inar o sexo responsável pela pensão, 
inferindo-se a obrigação conforme a necessidade e a possibilidade.
A u m en t o s são prestações p a ra satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las 
por si, não sendo referidas apenas à subsistência.;materiál, mas também à formação intelec­
tual, Cultural, etc. Compreende o que é imprescindível à vida da pésspa a alimentação, o 
vestuário, a habitação, 0 tratamento médico, as diversões, parçelaá despendidas com sepulta- 
mento e, se a pessoa alimentada for menor de idade, a sua instrução e educação (A cquaviva, 
1993). Segundo Diniz (1993), há uma tendência no Estado-previdência de se impor a este o 
dever de sôcorrer os’necessitados através: de políticas sociais. Com objetivo de se aliviar desse 
encargo, o Estado* o transfere, por meio da legislação, aos parentes dos que precisam de 
meios materiais para sobreviver e reforça o princípio da solidariedade que deve reg e r os 
laços de família.
3 A lim itação a um divórcio faz surgir novos problem as, tais com o o 
concubinato dos que vieram a se separar após nova união constituída após 
o divórcio, e a situação dos que se casavam com pessoas divorciadas e, por 
tal motivo, estavam igualmente impedidas da obtenção do divórcio. Tais 
situações serão reconhecidas como união estável e protegidas pelo Estado 
com a Constituição de 1988.
61
Contudo, a força da definição dos papéis sexuais perm a­
nece e revela-se, sobretudo, no tocante aos cuidados e educa­
ção dos filhos. Diz a lei, no artigo 10, Io, que “se pela separação 
forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos m enores fica­
rão em poder da mãe, salvo se o Ju iz verificar que tal solução 
possa advir prejuízo de ordem m oral para eles” .
Em outras palavras, o cuidado em relação aos filhos é 
visto naturalm ente como sendo responsabilidade da mulher, 
independente de qualquer outra condição, exceto a de ordem 
m oral. A m ulher portanto só perde a guarda dos filhos caso-se 
conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso, 
vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à 
aferição do juiz.
Para agravar a situação, o privilégio da maternidade acaba 
gerando certas dificuldades para o exercício dá paternidade ou, 
simplesmente, afastando o hom em da esfera de influência so­
bre os filhos. No Brasil, há até os dias de hoje um a inclinação 
em nossos tribunais de atribuir a guarda à mãe, cabendo ao 
pai a visitação quinzenal, o que limita um relacionam ento mais 
estreito com os filhos. E quando o pai pleiteia visitas menos 
espaças, o Judiciário costum a alegar que talpedido pode au­
m entar as desavenças entre os ex-cônjuges (Brito, 1999).
C ontudo, observa-se nos últimos anos um a tendência de 
crescimento das solicitações dos hom ens pela custódia dos fi­
lhos (Ridenti, 1998). A reivindicação no judiciário dos homens 
- em situação de igualdade com a m ulher - pela guarda dos 
filhos coloca em pauta as distinções construídas sócio-historica- 
m ente, que p o r sua vez, com o vimos, são naturalizadas pelo 
Direito de família.4
4 Segundo o IBGE, em 2002, 93,89% dos filhos ficam com as mães depois da 
separação e antes do divórcio, e, depois do divórcio, cai para 92,37%. C on­
tudo, o índice de pais que entram na justiça com pedido de guarda aum en­
tou de 5 para 25% em cinco anos.
62
O utros aspectos im portantes da Lei do Divórcio em que, 
no entanto, não convém nos deter, é a valorização da separa­
ção de fato, a permissão para o reconhecim ento dos filhos ile­
gítimos na vigência do casam ento e a consagração do direito 
ao hom em casado, separado de fato, de requerer autorização 
judicial p a ra registro de filho nascido de relação extraconjugal.
Após a Lei do Divórcio, ou tra A C o nstituição é a Lei fundamental do
legislação que, sem dúvida, introduz Estado, cujo corpo de regras e princípios 
m norteiam os poderes públicos e asseguram
sig n ifica tiv as m u d a n ç a s no q u e as liberdades e os direitos individuais
concerne aos direitos e deveres fami- (Acquaviva, 1993). Depois da Constitui-
ção, é no Código Civil que se encontra a 
l ia r e s é â. C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l d e principal fonte legai sobre a família.
1988.
C om a Constituição, o concubinato passa a adquirir p ro ­
teção do Estado, na condição de união estável (art.226 §3°).
C om efeito, o casam ento deixa de ser a única form a le­
gítim a de constituição da família, tal com o era definida no 
Código Civil. O conceito de família amplia-se na m edida em 
que passa a legitim ar a diversidade de uniões existentes no 
contexto brasileiro. Com o afirm am O liveira e M uniz (1990), 
não se pode mais falar num a form a exclusiva de família, e sim 
tra ta r da m atéria no plural, passando-se a considerar tam bém 
como entidade familiar a relação extram atrimonial estável, entre 
um hom em e um a m ulher, além daquela form ada por qual­
quer dos genitores e seus descendentes, a família m onoparental 
(art.226 §3° e §4°).
É evidente que a admissão de novos arranjos amorosos e 
familiares fazem surgir novos problem as, de m odo que se to r­
na cada vez mais necessário o atendim ento de equipes interdis- 
ciplinares ju n to às V aras de Família.
A C onstituição elim ina tam bém a chefia familiar, deter­
m inando a igualdade de direitos e deveres para am bos os cônju­
ges, hom ens e mulheres (art.226, §5°). No artigo 5, parágrafo I, 
está prescrito que hom ens e mulheres são iguais perante a lei.
63
E nela que se encontram pela prim eira vez no Brasil os 
direitos da criança, expostos no artigo 227, a partir do concei­
to de proteção integral e do entendim ento da criança como 
sujeito de direitos. Assim, diz a lei que “é dever da família, da 
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, 
com absoluta prioridade, 6 direito à vida, à saúde, à alim enta­
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig­
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fam iliar e 
com unitária, além de colocá-los a salvo de toda form a de ne­
gligência, discrim inação, éxploração, violência, crueldade e 
opressão” . No mesmo artigo, §6°, ficam proibidas discrim ina­
ções entre filhos havidos dentro e fora do casamento e na adoção.
Ao entendim ento da criança e adolescente com o sujeitos 
de direito, deve-se relacionar a questão da guarda com o texto 
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Da convenção internacional ao estatuto da criança e do 
adolescente: a primazia do interesse da criança, a divisão entre 
parentalidade e conjugalidade, os padrões de normalidade e a 
inserção das equipes interdisciplinares
Aprovada no Brasil pelo Congresso Nacional e prom ul­
gada em 1990, a Convenção Internacional é um instrum ento 
jurídico, pois obriga os países que a assinam a adap tar suas 
legislações às suas norm as e apresentar periodicam ente um 
relatório sobre suas aplicações. Com efeito, no mesmo ano, a 
legislação nacional é alterada com a publicação do Estatuto da 
C riança e do Adolescente que, baseado na doutrina da prote­
ção integral, estabelece que crianças e adolescentes devem ser 
considerados como sujeitos de direitos, consagrando os direitos 
fundamentais da pessoa na legislação referente à infância (Brito, 
1996).
64
A Convenção Internacional situa no artigo 9 o direito 
da criança de ser educada por seus dois pais, exceto quando o 
seu m elhor interesse torne necessária a separação. Contudo, 
mesmo na situação em que a criança é separada da família, ela 
tem o direito de m anter o contato direto com os pais.
Reafirm ando tal perspectiva, o Estatuto da C riança e do 
Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente se­
rem criados e educados no seio da família (art. 19) e estabelece 
os deveres dos pais em relação aos filhos menores, “cabendo- 
lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cum prir e fazer 
cum prir as determ inações judiciais” (art. 22).
Compreende-se que a separação matrimonial de um casal 
não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos. 
Brito (1996) adverte que os direitos representados na Conven­
ção Internacional e no Estatuto da C riança e Adolescente con­
trapõem -se à idéia que o artigo 15 da Lei do Divórcio pode 
conduzir, como vimos acima, de que não cabem preocupações 
com o quotidiano infantil ao genitor que não detém a guarda.
N um a pesquisa jun to às Varas de Família do T ribunal 
de Justiça do R io de Janeiro , a autora constata que habitual­
m ente a guarda atribuída a um dos pais contribui para o afas­
tam ento do genitor descontínuo - term o usado por Françoise 
Dolto — das decisões que visam à educação e ao cuidado dos 
filhos (Brito, 1993, 1996).
Em vez do papel de pai de fim de sem ana ao qual é 
relegado am iúde o genitor descontínuo, Brito ressalta que a 
separação do casal não deve corresponder ao fim ou à dim i­
nuição das funções parentais:
N estes casos, p resencia-se o desap arec im en to do casal c o n ­
ju g a l, m as deve-se co n serv ar o casal p a re n ta l, g a ran tin d o - 
se a co n tin u id ad e das relações pessoais d a c rian ça , com 
seu p a i e sua m ãe (Brito, 1996: 141).
O direito de a criança m anter um relacionam ento pes­
soal com seu pai e sua mãe não resulta da autoridade e sim da
65
responsabilidade parental em preservar o vínculo de filiação. 
C abe então notar, através da representação dos direitos infan­
tis, um nítido deslocamento do eixo da autoridade para o de 
responsabilidade parental (Brito, 1999).
M i medida em que os códigos jurídicos passam a priorizar o me­
lhor interesse da criança, tal critério deve se sobrepor ao de falta conjugal 
em toda decisão judicial a respeito da guarda de filhos de pais separados e 
divorciados. As falhas no cum prim ento do contrato m atrim onial 
não devem ser deslocadas às funções parentais.
Nem por isso deixa de existir em nossa legislação, áté a 
entrada em vigor da lei 10.406, conhecida por “Novo Código 
Civil” , como veremos mais adiante, um a superposição dos cri­
térios de falta conjugal, interesse e direito da criança, contribu­
indo p ara o apoio da autoridade judiciária nos elementos de 
convicção própria (Brito, 1999).
Pode-se dizer que o interesse da criança é um critério 
usado juridicam ente sempre que a situação da m esm a requer a 
intervenção do magistrado, visando a lhe assegurar um desen­
volvimento adequado.
Todavia,não deixa de ser ao mesmo tem po um opera­
dor relacionado a um a predição, seguindo certos padrões do 
que deva ser um a família ou infância saudável. Para respaldar 
suas avaliações, o juiz solicita subsídios da psicologia, entre outras 
áreas, cujos estudos correm am iúde o risco de estarem atrela­
dos a um a certa noção standard de norm alidade (Brito, 1999).
Sem desconsiderar a im portância para a proteção da 
criança, o critério de interesse da criança é de avaliação subje­
tiva, sujeita às mais diversas interpretações, cuja aferição apóia- 
se freqüentem ente num a situação de fato e não de direito.5
5 Donde surge a necessidade de elencar os direitos da criança a partir, como 
vimos acima, da noção de direitos do homem. Com efeito, os interesses da 
criança universalizam-se e se transformam em direitos, ao mesmo tempo em 
que a criança passa de objeto a sujeito de direitos (Brito, 1999).
66
O critério de interesse da criança jun to ao Direito de 
Família aponta, inicialmente, para a verificação individual de 
necessidades infantis perante a separação dos pais, o que exige 
por sua vez a intervenção de um aparato interdisciplinar. Seja 
com a tarefa de realizar laudos ou pareceres psicossociais, seja 
com a de ser “porta-voz” do infante, tal aparato indica o m e­
lhor interesse da criança diante da exclusiva possibilidade da 
guarda m onoparental. Nessa perspectiva, o objetivo é, em últi­
m a instância, descobrir se é mais adequado atribuir a guarda 
ao pai ou à m ãe.6
Entretanto, tal objetivo revela-se inadequado em face das 
circunstâncias que envolvem a m aioria das disputas de guarda 
e regulam entação de visitas, m arcadas muitas vezes por acusa­
ções m útuas entre as partes litigantes.
N ão basta definir critérios norteadores para a indicação 
do genitor que reúne melhores condições de guarda.
A lógica adversarial, o envolvimento das crianças no conflito e os 
malefícios da perícia
A disputa de guarda num divórcio litigioso está baseada 
num a lógica adversarial em que um genitor tenta não somente 
m ostrar que é mais apto para cuidar e educar os filhos, como 
tam bém expor as falhas do outro para tal função.
T al lógica está em butida no conflito de interesses, deno­
m ina-se lide, em que duas pessoas pretendem desfrutar ao
6 Mais do que o interesse da criança, é a doutrina da proteção integral e, 
conseqüentemente, a efetivação dos direitos fundamentais de crianças e 
adolescentes que está na base da exposição de motivos para a abertura do I 
concurso público para o cargo de psicólogo no Tribunal de Justiça do Rio 
de Janeiro, não deixando este de ser citado como fazendo parte de equipes 
interdisciplinares.
67
inesiiiu icutpu uaquuo que os processuaustas cnam am Dcin 
da vida” (tudo que corresponde à aspiração de um a pessoa, 
seja m aterial, afetiva, etc.). O ra, no litígio a prevalência dos 
interesses de um implica em não atendim ento aos interesses do 
outro. A m edida que os interesses se contrapõem , o Ju iz tem 
que decidir qual pretensão das partes (como são cham adas as 
pessoas nos processos) está mais am parada na lei (Suannes, 2000).
Abre-se um leque infindável de acusações de um a parte 
contra a outra, cujas faltas m orais teriam sido, como ambos 
argum entam , responsáveis pelo conflito atual. O que antes fa­
zia parte do quotidiano do casal são agora práticas “bizarras” 
de um estranho que, por razões “desconhecidas”, foi outrora 
objeto de investimento amoroso (não sem um a certa dose de 
alienação sobre o fato de que, se o litígio persevera, é porque 
há ainda um vínculo entre um e outro, como veremos adiante).
Em face desse panoram a, é com um o psicólogo ser re­
quisitado a responder à difícil dem anda de apontar o genitor 
mais qualificado ou analisar o im pedim ento de visitas de um 
ou de outro.
A dem anda form ulada pelo juiz tem como fim encon­
tra r o genitor “certo” a quem dar a posse e guarda da criança, 
baseando-se repetidam ente num a linha divisória entre o bom e 
m au pai e m ãe ou, em último caso, o m enos ruim (Ramos e 
Shine, 1999). M esm o nas situações cuja complexidade im pede 
um a visão m aniqueísta, não restam muitas alternativas ao juiz 
senão sentenciar a favor de um a das partes e negar o pedido 
da outra. O que faz recair n a dificuldade acima, a saber, de 
que o psicólogo, na condição de perito, é cham ado a fornecer 
subsídios para a decisão judicial, apontando o genitor que atende 
m elhor aos interesses da criança.
T al tarefa não deixa de acarretar algumas dificuldades 
dignas de um a análise mais cuidadosa.
Em prim eiro lugar, cabe interrogar se existem instru­
mentos de avaliação que objetivam ente possam m edir a capa-
68
/ cxuauc uc um gcm iur sei m em ur uo que outro, j\ ai uurarieua- 
de do entendim ento sobre o que é ser bom ou m au genitor, 
isolado do contexto em que o conflito se apresenta, pode resul­
tar em definições estereotipadas que dificilmente recobrem a 
pluralidade das relações intrafamiliares.7
Em segundo lugar, nem por isso menos im portante, con­
vém notar que a definição de um guardião tem com o efeito 
simbólico a demissão do outro genitor como incapaz de exer­
cer tal função. Em inúm eras situações, é com um o pai ou a 
m ãe se sentir ultrajado na condição de visitante, visto im agina­
riam ente com o sendo não-idôneo, m oralm ente condenável ou, 
na m elhor das hipóteses, tem porariam ente menos habilitado, o 
que muitas vezes colabora para o afastamento de suas respon­
sabilidades.
M uitos pais term inam por acreditar que, por serem visi­
tantes, devem se m anter à distância dos filhos, pois consideram 
que a Justiça dá plenos poderes ao detentor da guarda. Sentin­
do-se impotentes com o papel de coadjuvantes, há pais que 
esbarram nas decisões unilaterais das ex-mulheres a respeito 
da vida dos filhos, assim como há mães que se sentem sobre­
carregadas física, financeira e psicologicamente com o ex-ma- 
rido que mal visita as crianças.
Não é por menos que o laudo ou parecer psicológico 
acaba servindo de combustível para o fogo da desavença fami­
liar, reacendido a cada decisão judicial. Se o psicólogo auxilia 
o m agistrado a decidir o “m elhor” guardião, por um lado, por 
um outro, ele fornece um poderoso instrum ento - com argu­
mentos técnicos sobre defeitos e virtudes de um e de outro — 
para as famílias darem prosseguimento aos processos judiciais.
7 Sobre as tentativas de aferição psicológica para definição da guarda e as 
críticas que lhiSs são relacionadas, cf. Brito, 1999a.
69
O ra, nota-se freqüentem ente que a perpetuação do em ­
bate familiar, via poder judiciário, é um modo de dar continui­
dade ao trabalho de luto da separação, às vezes até mesmo da 
perda do objeto am ado, ou é simplesmente um meio de m an­
ter o vínculo com o ex-companheiro.
V ainer afirma que, nesse último caso, “o litígio está a 
serviço de um a busca de reencontro ou aproxim ação daquele 
ou daqueles que não se conformam em estar separados” (Vainer, 
1999: 15). Em bora o casal já tenha resolvido legalmente o tér­
m ino da união, continua atado à relação por meio de ações 
pendentes no judiciário. A cada vez que se inicia um a ação 
judicial, a parte interpelada é autom aticam ente obrigada a se 
envolver com o ex-parceiro, dificultando a efetivação da rup­
tu ra consagrada de direito.
P ara agravar a situação, os filhos são usados como ins­
trum ento de vingança e constrangim ento, não havendo bom- 
senso que faça apelo ao fim do conflito.
É certam ente im próprio indagar à criança com quem 
ela deseja ficar, cuja decisão pode acarretar, num outro m o­
mento, graves sentimentos de culpa por rejeitar um dos genitores 
(Brito, 1996).
Os direitos de opinião (art. 12) e de expressão e inform a­
ção (art. 13) da criança, estabelecidos na Convenção Internaci­onal dos Direitos da Criança, não implicam que ela deva depor 
contra ou a favor dos pais, e sim que ela tem liberdade de 
obter informações, em itir opiniões e de se expressar sobre os 
assuntos que lhe digam respeito, sobretudo o processo de sepa­
ração de seus pais. O ra, isso está a quilômetros de distância de 
lhe incum bir um a decisão judicial. Trata-se de um erro de in­
terpretação da lei deslocar à criança responsabilidades que são 
contraditórias a sua condição de sujeito em desenvolvimento 
(Brito, 1996).
Além do mais, é com um a fantasia infantil de que os 
pais voltarão a conviver harm oniosam ente no mesmo espaço
70
doméstico. E m bora vivendo num lar cujos pais estão infelizes 
com o casam ento, as crianças não experim entam o divórcio 
com o solução ou alívio p ara tal situação. M uitas preferem o 
casam ento infeliz ao divórcio. (WaUerstein e Kelly, 1998). Des­
se m odo, pedir p a ra que a criança se posicione em relação ao 
divórcio soa inábil e, de certa forma, contrário a seus interesses.
Seguindo e sse raciocínio, Brito afir- Acareação é uma forma de extra- 
. ção da verdade no depoimento das
m a QUC a c a r e a ç õ e s e c o n s ic le ra ç o e s SO- testemunhas e das partes, quando
bre O com portam ento dos pais tam bém houver divergências ou contradições,
r l r v r m çp r a f a r i a « ” íT tr i tn 1 QQQo ■ 1 7Q\ e consiste em colocar uns cara a cam devem ser evitadas (Brito, ly jy a . 1/o), Com outros até se concluir pelos re-
Françoise Dolto (1989) afirm a que latos verdadeiros (Acquaviva, 1993). 
a criança deve ser ouvida pelo juiz, o que não pressupõe lhe 
im por a escolha dos genitores e seguir o que ela sugere. Escu­
ta r a criança tem com o significado o fato de ela ser m em bro da 
família e ter vontade de falar sobre o que se passa com ela, 
assim com o tirar dúvidas sobre tal situação. Ao final, é im por­
tante a criança saber “que”, diz Dolto, “o divórcio dos pais foi 
reconhecido como válido pela justiça e que, dali p o r diante, os 
pais terão outros direitos, mas que (...) eles não são liberáveis 
de seus deveres de ‘paren ta lidade’” (Dolto, 1989: 26).
Em contrapartida, segundo ainda Dolto, as crianças de­
vem ouvir do Ju iz algumas palavras a respeito de seus deveres 
filiais, a saber, a preservação das relações pessoais com as fam í­
lias de am bas as linhagens. T al conversa deve acontecer desde 
que o Ju iz saiba conversar com crianças, caso contrário por 
um a pessoa encarregada disso p o r ele, não havendo idade m í­
nim a que não se possa explicar a situação (Dolto, 1989).
N ão é difícil a criança se sentir culpada pelo divórcio, 
cuja existência é im aginada com o um peso p ara os pais (Dolto, 
1989). E de fundam ental im portância o psicólogo a ten tar para 
esse aspecto, sem deixar de acolher, ao m esm o tem po, o silên­
cio que certas crianças apresentam durante as entrevistas. T al 
silêncio não deve ser percebido necessariam ente com o negati­
vo, podendo ser afirm ado com o um meio de a criança não
71
querer com partilhar das querelas parentais e nem das exigên­
cias judiciais.
E mesmo que a criança ou o adolescente insista verbalizar 
com quem deseja ficar, não se pode perder de vista que há 
um a tendência nas situações de litígio de os filhos fazerem ali­
ança com um dos genitores e perceberem o outro como “vi­
lão” da separação.
Segundo algumas pesquisas psicológicas, a criança faz 
aliança com o genitor que dispõe de sua guarda e que, portan ­
to, está mais próxim a dela, independente do sexo (Wallerstein 
e Kelly, 1998; Brito, 1999a). O tem po de convivência prolon­
gado aproxim a a percepção do filho com a do guardião. Desse 
m odo, n a m edida em que costum a ser dem orado o intervalo 
entre a separação de fato do casal e a formalização juríd ica do 
divórcio, o tem po transcorrido jun to ao genitor que perm ane­
ce com a criança ou o adolescente é o bastante p ara a conso­
lidação das alianças. “A valiar com quem a c rian ça q u er 
perm anecer, ou com qual dos genitores é mais apegada, pode 
ser” , conclui Brito, “interpretado como a pesquisa do óbvio” 
(Brito, 1999a: 176).
Para com plicar o quadro, pedir à criança ou ao adoles­
cente para expor com qual genitor deseja ficar acaba acirran­
do ainda mais as posições polarizadas e visões maniqueístas a 
respeito do litígio.
O fato de o psicólogo restringir-se à tarefa pericial de 
definir o “m elhor” genitor revela aí suas limitações, pois não 
contribui para um a melhor qualidade das relações entre as partes 
litigantes, tam pouco coloca em xeque a lógica adversarial p re­
sente nos encam inham entos jurídicos.
E m função do enfrentam ento que se impõe, a lógica 
adversarial favorece o aum ehto de tensão entre os ex-cônjuges, 
sem desfazer o entendim ento habitual de que ao final do p ro ­
cesso h á sem pre vencidos e vencedores (Brito, 1999a).
72
A sugestão do psicólogo ao juiz deve contar, o máximo 
possível, com a participação da família, retirando-as do papel 
passivo a que são freqüentem ente relegadas no processo de pe­
rícia. P ara tanto, deve-se privilegiar os recursos subjetivos, seja 
a partir da temática do sujeito, seja a partir do sistema relacional 
da família, para a orientação e o encam inham ento dos impasses.
Tais observações fazem perceber a necessidade de o psicó­
logo am pliar seu raio de ação para além da perícia técnica.
Vejamos então outras linhas de atuação.
Possibilidades e limites da intervenção psicanalítica: 
a importância da fala, o laço conjugal, a questão do desejo
Pereira (2001), advogado especialista em Direito de Fa­
mília, reconhece as contribuições que a psicanálise oferece a 
essa m atéria.
N um a pesquisa sobre a jurisprudência na m aioria dos 
Estados brasileiros, o autor aponta para os elementos de um a 
“m oral sexual” que perm eia os julgam entos em Direito de 
Família, com provando o envolvimento dos valores de cada 
ju lgador na objetividade dos atos e fatos jurídicos:
O ju lg a d o r, q u an d o sen tencia , co loca ali, p a ra a solução 
do conflito , não só os e lem entos d a c iênc ia ju r íd ic a e da 
técn ica processual, m as tam b ém to d a u m a ca rg a de v a lo ­
res, que é variável de ju iz p a ra ju iz (Pereira , 2001: 250).
Sendo o Direito de Família um a tentativa de organizar 
ju rid ic a m e n te as relações de afeto e suas conseqüências 
patrim oniais, Pereira contrapõe à m oral sexual a necessidade 
de repensar os paradigm as do Direito a partir da psicanálise. 
C om efeito, considera im portante lançar m ão dos conceitos de 
sujeito, sexualidade e desejo:
73
1. O sujeito do D ire ito é aquele que age consciente de seus 
d ireitos e deveres e segue leis estabelecidas em u m d ad o 
o rd e n a m e n to ju r íd ico ; p a ra a P sicanálise, o sujeito está 
assu jeitado às leis regidas pelo inconsciente. A final as m a n i­
festações e atos conscien tes que tan to in teressam ao D ire i­
to n ão são p red e te rm in ad as pelo inconscien te? 2. P a ra o 
D ire ito P enal, os crim es de n a tu re z a sexual são tipificados 
e investigados buscando-se sua m ateria lid ad e . P o r isso, a 
sexualidade p a ra o D ire ito tem sido sem pre gen ita lizada , 
com o expresso no C ód igo P en a l (...), que se u tiliza sem p ré 
d a expressão ‘con ju n ção c a rn a l’; p a ra a Psicanálise, a se­
x u a lid ad e é d a o rd em do desejo. P ode o D ire ito legislar so­
b re o desejo, ou se rá o desejo que legisla sobre o D ireito? 
(P ereira , 2001: 22).
P ara que tais conceitos se articulem ao campo da prática 
analítica, é necessário que as pessoas se ponham a falar. A psi­
canálise é um a experiência discursiva. Seguindo esse raciocí­
nio, Suannes (2000) propõe que se devolva a fala à pessoa e 
aos processosinconscientes que subjazem ao processo judicial.
P ara tanto, convém elucidar as relações entre as deter­
minações inconscientes e a formalização da ação judicial.
Senão vejamos. N um litígio, os oponentes são incapazes 
de resolver o conflito por conta própria, de tal modo que re­
correm a um terceiro, no caso, a autoridade judicial, com ob­
jetivo de satisfazer as suas exigências.
A formalização dessa dem anda ao juiz exige que a fala 
de cada sujeito envolvido no conflito seja representada pelo 
advogado que, por sua vez, fala de acordo com a lógica do 
discurso jurídico. Rem ontando o discurso de acordo com a lógica 
jurídica, o advogado dem onstra que os interesses de seu cliente 
estão am parados na lei, ao mesmo tem po em que responsabi­
liza o outro pela ação ou omissão geradora do conflito. H á 
nessa passagem, da vivência de insatisfação do sujeito à enun­
ciação do seu problem a num a lógica jurídica, um a m udança
74
na configuração do conflito, em que o discurso de insatisfação 
cede lugar ao discurso de merecimento.
A re-configuração do conflito nos moldes jurídicos não 
deixa de gerar certos impasses, especialmente nas V aras de 
Família, onde a natureza do vínculo entre as pessoas é sufici­
ente para resistir a qualquer resolução judicial:
N as ações de V a ra de F am ília , (...) o a to ju r íd ic o n ão te rá 
com o conseqüênc ia o ro m p im en to dos laços psicológicos 
das pessoas envolvidas e, no caso de h av er filhos em co­
m u m , n ão levará ao afas tam en to co ncre to e n ão im p ed irá 
a p a rtic ip ação de um n a v ida do ou tro . D ev ido à n a tu reza 
do v íncu lo ex is ten te en tre as ‘p a r te s ’, (...) os p ro b lem as 
explicitados nos au tos são, freq ü en tem en te , deslocam en to 
de questões que n ão e n c o n tra ra m o u tra v ia de rep re se n ta ­
ção. A m ed id a que o ap a ren te p ro b lem a é resolvido, o 
conflito se coloca em ou tra questão , reacendendo o im passe. 
FjSte constan te deslizam ento de conflitos leva à cronificação 
do litígio. (S uannes, 2000: 94)
Seguindo esse raciocínio, a autora sugere que o objetivo 
prim eiro seja “realizar um movimento de direção contrária na 
estruturação do problem a jurídico” (Suannes, 2000: 96), ou seja, 
fazer falar o sujeito e não seus porta-vozes.
O simples encam inham ento das partes para o estudo 
psicológico por si só já tem papel im portante, à m edida que 
nom eia a natureza do problem a em pauta. Isto é, atribui o 
“estatuto de psicológico a algo que é vivido pelas famílias como 
um problem a jurídico, concreto e externo a cada um deles” 
(Suannes, 2000: 95). U m a vez encam inhado o estudo psicoló­
gico, a “questão não se coloca como oposição entre dois pólos, 
ou seja”, afirma Suannes, “não se tra ta de um conflito de inte­
resses no qual o vínculo com o pai exclua a m ãe de seu lugar, 
ou vice-versa” (Suannes, 2000: 96).R
u Convém observar que o encam inhamento psicológico não é por si só sufi-
75
O rientado por um a escuta analítica, não cabe ao psicó­
logo avaliar qual genitor lé m erecedor da guarda ou da visita 
aos filhos, ou, tam pouco, detectar qual deles estaria mais apto 
para exercer as funções parentais, e sim com preender que “a 
questão' que faz aquela família sofrer e pedir ajuda no Judiciá­
rio não é, muitas vezes, aquela que está configurada nos autos” 
(Suannes, 2000: 96).
Evidentem ente, a relação entre o m étodo analítico e as 
circunstâncias de um a ação judicial não é sem dificuldades.
Barros (1999) adverte que num processo litigioso, ao 
contrário do que pressupõe a regra técnica fundam ental da 
psicanálise, o sujeito não fala o que lhe vem à m ente e sim o 
que pode favorecer a sua causa. Ao mesmo tem po, preocupa- 
se em não dizer o que pode ser usado contra ele mesmo pela 
outra parte e seus advogados. Com efeito, tal depoim ento tor- 
na-se prejudicado, “pois” , escreve Barros, “o sujeito não está 
ali num a posição de quem fala de si” (Barros, 1999: 37). E 
mesmo no caso em que o sujeito libera sua fala, o psicólogo 
não pode m anejar os efeitos de sua intervenção após a conclu­
são de seu laudo.
N em por isso Barros considera incom patível a práxis 
analítica no âm bito jurídico. Ao contrário, é possível prom over 
a retificação subjetiva em que o sujeito deixa de se queixar do 
outro para reconhecer sua participação no conflito, tendo como 
efeito “separar-se desse outro, perder esse casamento, sem ficar 
perdido de verdade” (Barros, 1999: 39).
Por sua vez, nos casos em que as pessoas não querem ou 
se sentem im pedidas de falar, resta somente apontar as dificul­
dades das partes de se reconhecerem ativam ente no conflito.
ciente para reconfigurar o conflito. Como observa Brandão, se “fosse assim, 
a primeira reação frente ao psicólogo não seria semelhante à manifestada 
em face do juiz, quando testemunhas e documentos são mencionados a tor­
to e a direito” (Brandão, 2002: 50).
76
São limites de um a práxiâ em que o sujeito deve passar do 
estado de vítima para o de responsável por seus atos e pala­
vras, cujas determ inações inconscientes se impõem à sua reve­
lia. Se tais pessoas retornam ao Judiciário, envolvidas com novas 
querelas familiares, perm ite-se então “avançar um pouco e 
construir os efeitos da intervenção na história desse sujeito, 
obtendo mais elementos para refletir e construir esse campo de 
intervenção” (Barros, 1999: 40).
Não h á previsibilidade sobre o desfecho da intervenção 
analítica, na m edida em que não cabe ao analista im por os 
seus próprios ideais. Q uerer simplesmente fazer o bem e desfa­
zer os conflitos em que as pessoas se em baraçam , supondo com 
isso resolver a relação do sujeito com seu desejo, é por defini­
ção impossível. N ão h á nada que ensine o sujeito a em pregar 
seu desejo, de modo que na experiência analítica se obtêm 
destinos particulares para cada dem anda que é formulada.
Seguindo esse raciocínio, a inscrição da psicanálise no 
campo jurídico produz um a diversidade de efeitos, que vão desde 
a re-significação do conflito, a resolução dos aspectos processu­
ais, a dissolução de queixas com um simples gesto de oferecer 
os ouvidos ou, na pior das hipóteses, nada acontece e continu­
am-se as disputas familiares (Brandão, 2002).
A orientação teórica no interior da psicanálise é que vai 
definir se a intervenção põe em jogo o casal o u o sujeito, o que 
tem como conseqüência leituras distintas a respeito do laço 
conjugal.
Puget e Berenstein (1994) tem como objeto teórico a 
“estru tura vincular” que se forma no laço conjugal, cujo dom í­
nio é m arcado por pactos inconscientes, tipologias diferencia­
das, entre outros aspectos. Em vez de com preender esse espaço 
vincular como sendo um a relação entre desejo e objeto, os 
aurores definem-no como um a relação en tre eu e outro, cujo 
objeto não é assimilável a nenhum a interioridade e sim ao ter- 
* •
ritório do vínculo estabelecido pelo casal.
77
O casal en tão é (...) u n ia e s tru tu ra v incu la r en tre duas p es­
soas de sexo d iferentes, isto é, u m a re lação in tersub je tiva 
estável en tre u m ego e u m o u tro ego, onde tem cab im en to 
o m u n d o in tra-sub je tivo de cad a u m , e onde o v ínculo , 
p o r su a vez, o cu p a u m a á re a d ife ren c iad a d a e s tru tu ra 
ob je ta i (Puget e B erenste in , 1994: 18).
O bservam os autores que o casal não é somente a ori­
gem virtual de um a nova família, mas o desprendim ento da 
família de origem, donde provêm as identificações e a trans­
missão dos desejos parentais. A formação de um novo casal 
pressupõe a resolução trabalhosa, nem sempre acabada, de 
desenlace dos vínculos familiares. A idéia de pertencim ento 
contínuo à cadeia de gerações pode ser no casal fonte de p ra­zer ou angúsda, gerando um a série de conflitos que podem 
resultar na separação. E dado seu caráter de contrato inconsci­
ente, pode ocorrer de, na separação, os sujeitos saberem o que 
desejam fazer, mas não de quê ou de quem se separar (Puget e 
Berenstein, 1994).
Por sua vez, no ponto de vista lacaniano o que está em 
jogo na escuta analítica não é o casal, o laço conjugal aí esta­
belecido, e sim o sujeito (Pereira, 1999).
Nessa perspectiva, o laço conjugal configura-se tal como 
um a form ação sintom ática na m edida em que pretende fixar o 
objeto causa do desejo, cuja tarefa é impossível. A prom essa de 
realizar o impossível insinua-se toda vez que no casal o parcei­
ro se faz objeto de desejo do outro (Brasil, 1999). Não há obje­
to capaz de satisfazer integralm ente o desejo. Desejo é por 
definição desejo de outra coisa, tornando-se quase inevitável 
que ele se alim ente do que está fora da conjugalidade (Melman, 
1999). O que evidentemente não significa que o laço conjugal 
seja impossível, desde que se leve em conta a dimensão da falta 
que está na base do desejo.
A dim ensão do desejo tam bém é fundam ental para a 
criança ter um acesso norm ativo à sua posição sexual.
78
O ra, sabe-se que o nascim ento de um a criança gera 
m udanças na tram a familiar. Ao mesmo tem po em que ela 
une o pai e a mãe, ela os separa, introduzindo um a divisão não 
somente entre o casal, mas no próprio cam po do desejo (Miller, 
1998).
C om o nascim ento da criança, o pai angustia-se em face 
do desejo da mãe: “Q ue quer ela então?” “Q uem sou eu, pois, 
p ara ela?” (Miller, 1998: 10), cujas interrogações não devem 
obstruir o consentim ento de que o desejo feminino é sempre 
enigmático.
Do lado da mãe, se a criança é requerida a preencher a 
falta em que se apóia o desejo feminino, ela fica, como diz 
Lacan, num a relação dual “aberta a todas as capturas fantas- 
m áticas” e “torna-se ‘objeto’ da m ãe” (Lacan, 1998: 1). Ao con­
trário, a criança deve dividir a m ãe, de modo que deseje outras 
coisas além dela: “os cuidados que ela”, a m ãe, “dispensa à 
criança não a desviam de desejar enquanto m ulher” (Miller, 
1998: 7).
D ependendo de como se inscreve o desejo na relação 
entre a mãe e a criança, a ação do analista se to rna mais ou 
m enos facilitada.
Tais conceitos devem nortear o psicólogo cuja prática 
seja inspirada na psicanálise.
N ão obstante, deve o mesmo perm anecer alerta para os 
riscos de tal aparato conceituai estar a serviço de mecanismos 
disciplinares que, articulados à instituição judiciária, visam a 
“norm alizar o quotidiano, fixar papéis sociais e regular relaci­
onam entos” (Brandão, 2002: 38). M ais do que acreditar que o 
desejo, a sexualidade e o sujeito estão na origem dos conflitos 
judiciais, cabe ao psicólogo interrogar, ao lançar m ão de tais 
conceitos, se ele não atende às estratégias persuasivas de po ­
der. Para tanto, basta incitar cada “sujeito” a decifrar os con­
flitos entre sexualidade e aliança, sem se dar conta de que está 
reforçando a tutela sobre as famílias (Brandão, 2001).
79
Isso é um problem a que não concerne som ente à psica­
nálise, mas às práticas psicológicas em geral, de m odo que 
retornarem os a esse ponto ao final do texto.
Mediação familiar: a diversidade de práticas, a diferença em 
relação à arbitragem e à conciliação, o paradigma de 
entendimento mútuo, as experiências dos tribunais brasileiros
N um outro enfoque, a prática de mediação, im plantada 
em diversos países e recentem ente no Brasil, é inform ada por 
diversas teorias e técnicas, tendo em com um o objetivo de de­
volver ao casal a com petência para gerar a própria solução do 
conflito.
Alguns juristas adm item que, em certas áreas judicativas, 
o tradicional processo litigioso não é o m elhor meio para a 
reivindicação efetiva dos direitos. Entende-se então que o m o­
vim ento de acesso à justiça encontra razões para cam inhar em 
direção a formas alternativas de resolução de conflitos, entre 
elas, a m ediação. Preservando a relação, na m edida em que 
tra ta o litígio com o perturbação tem porária e não como rup tu ­
ra definitiva, tal procedim ento é mais acessível, rápido, infor­
mal e m enos dispendioso (Krüger, 1998).
O entendim ento sobre a resolução de conflitos em V a­
ras de Família com parece na exposição de motivos que o Ilus­
tre C orregedor-G eral de Justiça do Rio de Jane iro escreve, no 
D iário Oficial datado em 11 de novem bro de 1997, para a 
abertura do I concurso para o cargo de psicólogo no T ribunal 
de Justiça:
P e ran te as V a ra s de Fam ília , tam b ém se faz necessária a 
p resen ça dos psicólogos p o rq u e existem causas onde o co n ­
flito en tre o casal litigante, devido a sua pro fund idade, atinge 
os filhos. (...) A través de entrev istas com as p a rte s e com os
filhos destas, o serviço de psicologia p o d e rá aux ilia r a té em 
u m a com posição am igável do litígio, restabelecendo a h a r ­
m o n ia en tre as p a rte s e, talvez, p ro m o v en d o u m a m u d a n ­
ça de m en ta lid ad e dos pais em re lação aos filhos.
Nos Estados Unidos, a partir de 1974, tem-se registro 
dos prim eiros trabalhos de mediação como sendo um a alterna­
tiva para lidar com as seqüelas do divórcio e de suas disputas 
baseadas no antagonismo, como vimos acima, entre vencedor 
e vencido. No C anadá, existem serviços de m ediação desde os 
anos 70, cuja prática entra na legislação relativa ao divórcio 
em 1985. Por sua vez, a C hina aplica a m ediação desde 1949, 
tanto em nível patrim onial como familiar, reduzindo conside­
ravelmente o núm ero de casos que chegam aos tribunais como 
litígio. O recurso da mediação é também desenvolvido em países 
como França, Israel, Austrália, Japão, entre outros (Vainer, 1999; 
Curso, 2000).
N a Am érica do Sul, a Colômbia, a Bolívia e a Argentina 
antecederam o Brasil no emprego das resoluções alternativas 
de disputa. Somente no início dos anos 90, a m ediação ingres­
sa no Sul do país, tendo sido fundada em 1994 a m atriz da 
instituição brasileira mais antiga de que se tem notícia - o Ins­
tituto de M ediação e Arbitragem do Brasil (IMAB) - cuja sede 
é em Curitiba, no Paraná. Desde então, tal recurso passou a 
ser em pregado em instituições privadas, chegando às públicas, 
em particular, a partir das Defensorias Públicas. H á hoje em 
dia um Conselho Nacional das Instituições de M ediação e Ar­
bitragem - CONIMA, fundado em 1997 (Curso, 2000).
D e m odo geral, a m ediação pode envolver todos os pon­
tos do divórcio ou se lim itar somente às questões da guarda da 
criança e de sua visitação. A mediação pode ser tam bém públi­
ca, privada ou ambos. Alguns program as de m ediação exclu­
em os advogados das partes, enquanto outros estimulam essa 
participação. Algumas práticas são liberais e não diretivas, en­
quanto outras são mais restritivas e condutoras (Vainer, 1999).
81
Costuma-se apontar que m ediação não é igual à arb itra­
gem ou conciliação.
N a arbitragem , a solução é decidida p o r um terceiro, ao 
qual as partes se submetem. N a conciliação, um terceiro auxi­
lia a m anter ou restabelecer a negociação entre os oponentes, 
reduzindo as animosidades, opinando e sugerindo novas alter­
nativas. O conciliador atua diretam ente no conflito, visando 
ao acordo entre as partes. Por sua vez, na m ediação o terceiro 
tam bém ajuda a com por a negociação, com a diferença de que 
as partes devam ser autoras das decisões. O m ediador atua 
mais como facilitador do que interventor ativo, restabelecendo 
o diálogo para que surjam das partes as possibilidades de en­
tendim ento e desfecho do conflito. Ao contrário das outras 
práticas, a m ediação deve incidir menos sobre o acordo do que 
o resgate de um canal de com unicação entre os oponentes(Curso, 2000).
Q uando os acordos são espontâneos e diretos 
sem auxílio de um terceiro.
Q uando algum impasse dificulta a negociação 
e um terceiro auxilia a m antê-la ou a restabele- 
cê-la, reduzindo tensões e anim osidade, opinan­
do e sugerindo alternativas.
Q uando algum impasse dificulta a negociação 
e um terceiro auxilia a mantê-la ou a restabelecê- 
la, desde que as partes sejam autores das deci­
sões. A tuando na construção de um am biente 
colaborativo e na desconstruçao dos impasses, 
possibilita que um diálogo sobre as questões se 
estabeleça e decisões consensuais póssám ter 
lugar.
Negociação
x x
Conciliação
x ^ x 
* 
c
Mediação
X B X
V
82
Q u an d o um terceiro, escolhido pela? partes 
(árbitro), decide, segundo critério de m erecim en­
to ou não, sobre as questões de litígio.
Q uando um terceiro, não escolhido pelas partes, 
determ ina, segundo critério legal ou de m ereci­
m ento, sobre as questões das partes.
Referência: Curso Mediare
Evidentem ente, os propósitos da m ediação diferem de 
acordo com o país onde ela é praticada. Se o m étodo norte- 
am ericano reduz a m ediação unicam ente à resolução de con­
flitos, a ponto de ser colocada lado a lado com a conciliação e 
a arbitragem como um a das formas alternativas de ju lgam en­
to, a linha francesa não busca o desfecho im ediato do conflito. 
Ao contrário do que recom enda o pragm atism o norte-am eri­
cano, a perspectiva francesa supõe que o m ediador deva criar 
cond ições p a ra que os an tag o n is ta s se q u es tio n em e se 
reposicionem no conflito, visto este muitas vezes como sendo 
positivo e não como algo a ser extirpado (Six e Mussaud, 1998).9
9 Dos Estados Unidos da América provém um grande núm ero de estudos 
relativos à psicoterapia de casal e de sua necessidade no decorrer do proces­
so judiciário, sendo um a obrigação social o atendim ento a situações traum á­
ticas relacionadas à separação. Mas de um a m aneira geral o foco prende-se 
aos problemas adversariais ou à necessidade do entendimento m útuo sem 
que sejam verificadas tentativas de sistematização clínica das determinações 
psíquicas do problema, e desse modo, a atenção acaba se concentrando nas 
conseqüências e nas técnicas para remediá-las (Vainer, 1999).
Arbitragem
x x
■ W
A
Litígio com 
resolução 
judicial
x x
Ps 71
J
83
rode-se dizèr que a diversidade de concepções e práticas 
reúne-se à luz de um a m udança de paradigm a, em que o en­
tendim ento m útuo deve prevalecer sobre o antagonism o entre 
as partes. A figura do m ediador busca a resolução das contro­
vérsias de form a pacífica, evitando o litígio e indo ao encontro 
de acordos que as partes possam com por entre si. Nessa pers­
pectiva, o m ediador evita fazer imposições e traz à discussão 
apenas o que o casal quer negociar, orientando e buscando 
idéias que facilitem a construção de um compromisso favorá­
vel aos antagonistas.
Ao mesmo tempo, o m ediador deve ter o cuidado de 
não se deter n a análise das determ inações psíquicas do conflito 
do casal. Se não se esquivar dessa tarefa, ele corre o risco de 
prolongar o atendim ento para além do tem po disponível no 
judiciário, além de dar um caráter terapêutico sem garantir a 
resolução dos acordos necessários para o fim do litígio.
N a m edida em que o m ediador está atento aos proble­
mas de ordem afetiva, assinalando a im portância das decisões 
do casal e prevenindo-os sobre as conseqüências que elas acar­
retam , ele deixa os advogados livres p ara concretizar os acor­
dos em term os jurídicos. Em outras palavras, a m ediação 
encoraja os oponentes a se envolverem diretam ente nas nego­
ciações enquanto libera o advogado p ara o suporte legal: neces­
sário, que muitas vezes não consegue fazer com que o cliente o 
ouça quanto aos prejuízos de sua postura (Vainer, 1999).
Sem elhante preocupação em devolver às famílias a res­
ponsabilidade pelo desfecho do litígio faz parte também; da rotina 
do Serviço Psicossocial Forense (SERPP), vinculado ao T ribu ­
nal de Justiça do Distrito Federal.
C om preendendo que o divórcio não é o fim da família e 
sim o início de um a organização bi-nuclear, em que os pais são 
co-dependentes, mesmo separados, na tarefa dé criar os filhos, 
a equipe interproflssional dò SERPP tem como imperativo a 
distinção entre parentalidade e conjugalidade. Assim, ela evita
84
que um m em bro da família avalie a com petência parental do 
outro pela com petência conjugal. Somente com o “divórcio 
psíquico”, torna-se possível “ajudar os filhos a aceitar o divór­
cio dos pais e estimulá-los a m anter um contínuo relaciona­
m ento com ambos os cônjuges” (Ribeiro, 1999: 165).
N um a abordagem sistêmica, busca-se então com preen­
der a dinâm ica relacional que deu origem ao litígio e o papel 
de cada m em bro do grupo familiar na perpetuação da crise. É 
im portante que cada m em bro com preenda seu papel em tal 
dinâm ica e experim ente situações que sugiram m udanças.
A equipe do SERPP realiza tam bém entrevistas com os 
advogados das partes, sendo considerados peças chave p ara a 
reorganização do sistema familiar. Ao final, faz-se um relatório 
que, em vez de apresentar sugestões formuladas unilateralmente 
pelo profissional, expõe as que foram construídas pela família 
(Ribeiro, 1999).
O Judiciário gaúcho tem feito tam bém im portantes in­
vestimentos na m odernização do sistema de acesso à Justiça, 
através de estruturas como os Juizados de Pequenas Causas, os 
Projetos de Conciliação e, por fim, o Projeto de M ediação 
Familiar, im plantado em 1997, através do Serviço Social Ju d i­
ciário (SSJ) do Foro C entral de Porto Alegre.
Esse último projeto trabalha com processos encam inha­
dos pelo Projeto Conciliação em Família, tratando-se de ações 
que estão ingressando no Judiciário e, portanto , ainda não 
inseridas totalm ente no modelo adversariaL As famílias partici­
pam inicialmente de um a audiência de conciliação e não ha­
vendo consenso são informadas pelo Ju iz sobre a possibilidade 
de optarem pelo processo de mediação, dividido em etapas que 
se iniciam com encontros multifamiliares, passam por encon­
tros individuais e term inam com a construção do entendim en­
to (Krüger, 1998).
M esmo acertando-se a m ediação como um a prática de 
profundo interesse do Judiciário, vêem-se pouco problematizadas
85
as relações de poder entrevistas num a certa pedagogia que ela 
parece implicar, a saber, de que a prevalência do entendim en­
to m útuo e do “sentir-se bem ” cm oposição às paixões e ao 
sofrimento perm ite ensinar pais e filhos a controlar suas ações, 
aperfeiçoar suas capacidades e diminuir a capacidade de revolta.
Os impactos do divórcio, os acordos em relação aos filhos, a não- 
burocratização das visitas, os pontos de reencontro
Faz-se necessário notar que é muito com um a desorien­
tação do casal e da família após a separação, impondo-se a 
cada um a busca de parâm etros para se situar diante da nova 
situação.
O desnorteam ento após a separação foi constatado na 
pesquisa do Califórnia Children o f Divorce Project, o que motivou os 
profissionais a prom overem encontros sistemáticos com os pais 
e os filhos (Wallerstein e Kelly, 1998).
O divórcio é o ápice de um processo que se inicia com 
um a crescente perturbação do casam ento e, após sua concreti­
zação, dem oram -se anos até que os ex-cônjuges consigam con­
quistar um a estabilidade emocional. O problem a é que um 
período de tem po que pode parecer razoável para os adultos 
corresponde a um a parte significativa da experiência de vida 
da criança.
Os filhos vêem-se com pouco controle sobre as m udan­
ças impostas pelo divórcio. M uitos não têm somente dificulda­
de para se ajustar a novos locais de residência ou à queda da 
situaçãoeconômica, mas tam bém ao colapso do apoio e da 
proteção que até então esperavam encontrar na família. Com 
o divórcio, há um a diminuição da capacidade parental. Os pais 
passam a focar mais atenção em seus próprios problemas, tor- 
nando-se m enos sensíveis às necessidades dos filhos. Ao mesmo
86
tem po, relutam ou revelam um a inabilidade para explicar a 
eles a situação que estão vivenciando.
Os filhos sentem-se vulneráveis, rejeitados, culpados, so­
litários, sendo m uitas vezes usados, para agravar a situação, 
com o suporte em ocional de um ou ambos os genitores, respon­
sabilidade para a qual não se sentem prontos para assumir. 
N ão é por menos que a criança concentra am iúde seus esfor­
ços para reverter a decisão do divórcio e restaurar a harm onia 
familiar, sem contudo lograr êxito.
Em face desse panoram a, os pesquisadores decidiram 
incluir um program a de intervenção breve destinado a p ropor­
cionar atendim ento psicológico e recom endações sociais e edu­
cacionais para as famílias com dificuldades de elaborar a situação 
de divórcio (Wallersteín e Kelly, 1998).
H á outro projeto institucional nos EUA - Famílias em 
Divórcio - desenvolvido por terapeutas de família e de casal des­
de 1978, que visa a dar atendim ento e suporte as famílias em 
que o divórcio já ocorreu ou está em vias de ocorrer. Atende- 
se inicialmente os ex-cônjuges em separado, até o m om ento de 
se sentirem seguros o suficiente para a sessão conjunta. U m a 
vez ocorrida tal sessão, há um a avaliação em encontros nova­
m ente individuais, reforçando os êxitos conseguidos e estimu­
lando novas tentativas de diálogo. A discussão a respeito dos 
filhos é um ponto fundam ental para a elaboração do divórcio 
e a organização da família.
O trabalho com os filhos é um dos pontos mais im por­
tantes desenvolvido no projeto, por meio dos quais se dilui a 
postura destrutiva dos pais, lida-se m elhor com as dificuldades 
da separação e são fortalecidos os vínculos fraternos, tornando 
no fim das contas o processo de m udança familiar m enos dolo­
roso.
De inspiração sistêmica, os autores de tal projeto obser­
vam que as querelas entre as partes não provêm do processo 
de divórcio em si e sim dos antecedentes matrim oniais, não
87
sendo a separação mais do que a continuação dos conflitos 
enraizados na união do casal. De diferentes tipos de casam ento 
resultam diferentes tipos de divórcio (Isaacs apud V ainer, 1999).
Deve-se aten tar igualmente para a regulam entação de 
visitas, evitando-se modelos rígidos e preconcebidos de relacio­
nam ento que, ao final, possam criar dificuldades para o genitor 
descontínuo acom panhar e participar do desenvolvimento dos 
filhos. A burocratização dás visitas tem o risco de criar um a 
rotina às vezes inteiram ente diferente do tem po subjetivo da 
criança. Françoise Dolto (1989) adverte que a percepção infan­
til do tem po cronológico é diferente da percepção do adulto.
Com efeito, convém ao psicólogo prom over, ju n to aos 
demais profissionais, acordos de visitas que possam m anter, como 
é de direito, o estreito relacionam ento da criança com seus pais. 
Para tanto, é recom endável que o tribunal informe tam bém 
nas audiências sobre a necessidade de visitas do genitor, escla­
recendo e ajudando na definição e execução dos acordos refe­
rentes aos filhos (Brito, 1999a)..
Alguns genitores acabam desaparecendo da vida de seus 
filhos p o r não suportarem os constantes desentendimentos com 
o ex-cônjuge e não concordarem com o papel de visitantes a 
que são relegados. M uitos tam bém não suportam pegar os fi­
lhos na casa que um dia já foi sua, o que indica a im portância 
de um outro local p a ra a visitação dos filhos.
N a França, a preocupação em proporcionar à criança o 
encontro constante com os dois genitores levou à criação de 
estabelecimentos cham ados de “pontos de reencontro” . Lança- 
se m ão desse recurso somente quando não é possível a atribui­
ção da autoridade parental conjunta, cuja concepção veremos 
f adiante, ou quando um dos genitores é impedido judicialmente 
de perm anecer sozinho com a criança. Os “pontos de reencon­
tro” são então lugares onde podem ocorrer visitas supervisio­
nadas por especialistas, ou ainda um local “neutro”, onde a
88
c r i a n ç a c c ic ix a o a jpui u n i uuo w 4. 
visita (Bastard et Cárdia apud Brito, 1999a).
A necessidade de garantir à criança o direito de convi­
vência com ambos os pais é tam bém objeto de preocupação na 
Suécia, onde há um projeto de “conversas cooperativas” . D e­
senvolvido com ex-cônjuges e profissionais qualificados, o p ro ­
je to consiste em esclarecer e prom over a prática de custódia 
conjunta, obtendo êxito na maioria dos casos atendidos (Saldeen, 
apud Brito, 1999a).
Guarda compartilhada e novo código civil: as experiências em 
outros países, o retorço da responsabilidade parental, o fim da 
falta conjugal e do pátrio poder
A custódia conjunta é um dispositivo jurídico que está 
relacionado ao direito inalienável da criança de m anter o con­
vívio familiar, consagrado, como vimos acima, na Convenção 
Internacional. A criança tem o direito de ser educada por seus 
dois pais, salvo quando o interesse torna necessária a separa­
ção. Em outras palavras, o direito prevalece sobre a noção de 
interesse, mas não o exclui.
Seguindo esse raciocínio, a legislação de alguns países 
estabelece que o exercício da autoridade parental seja conjun­
to após a separação conjugal, não sendo indicada nos casos em 
que o interesse da criança aponta para a necessidade de guar­
da m ono-parental (Brito, 1999).
N a França, por exemplo, a legislação estabelece que o 
Ju iz deve p rio riza r o exercício em com um da au to ridade 
parental, mesmo nos casos em que a separação não é am igá­
vel. Por sua vez, a autoridade unilateral só deve ocorrer nos 
casos que atendam aos interesses da criança. Observa-se tam ­
bém que, em 1993, o term o “guarda” , ju n to ao D ireito de
89
Família Francês, é substituído pelo de “exercício da autoridade 
parental conjunta”, na m edida em que aquele causava muitos 
conflitos. O genitor que possuía a “guarda” era considerado 
detentor de todos os direitos sobre a criança, de modo que, 
com a troca do vocábulo, é esperada um a nova 'atitude dos 
genitores (Brito, 1996).
N a Suécia, desde 1973, o conceito de guarda conjunta 
abrange todas as questões relativas à pessoa da criança. Desse 
m odo, atribuir ao pai, que não possui a guarda oficialmente, 
um direito ou dever de visita é considerado como limitação ao 
direito de tom ar decisões no que diz respeito à criança (Brito, 
1996).
O dispositivo dé guarda conjunta, ou com partilhada, tem 
o objetivo de reforçar os sentimentos de responsabilidade dos 
pais separados que não habitam .com os filhos. Privilegia-se a 
continuidade da relação da criança com os dois genitores que, 
sim ultaneam ente, devem se m anter implicados nos cuidados 
relativos aos filhos, evitando-se, como conseqüência da separa­
ção conjugal, a exclusão de um dos pais do processo educativo 
de sua prole e a conseqüente sobrecarga do outro.
Convém notar que tal dispositivo é inteiram ente distinto 
do de guarda alternada, em que a criança passa períodos alter­
nados na com panhia dos ex-cônjuges.
Dolto (1989) afirma que a guarda alternada é prejudicial 
até os doze ou treze anos de idade, um a vez que á quebra de 
um continuum espacial-social-afetivo leva a criança à dissociação, 
à passividade e a estados de devaneio. Não por menos, a guar­
da alternada foi proibida na França em 1984.
Por sua vez, não se trata na guarda conjunta do desloca­
m ento p o r parte da criança entre as casas de seus pais ou qual­
quer outro esquem a rígido de divisão igualitária, de tempo de 
convivência. Ao contrário, as decisões

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