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Aula 4 Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Luiz Saavedra Baptista Filho Jorge Soares Marques 98 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Meta Mostrar que os conhecimentos relativos às características das ondas e suas ações são importantes para compreender seus papéis na constru- ção dos relevos costeiros. Objetivos Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. descrever os mecanismos que propiciam a ocorrência de ondas nos oceanos; 2. identificar os elementos que definem as formas e as características das ondas; 3. demonstrar por que há variabilidade nas formas de ocorrência e ação das ondas nas áreas costeiras. 99 Geomorfologia Costeira Introdução Afinal, o que é uma onda? A existência das ondas no mar se constitui em fenômeno dos mais fascinantes, tanto para um observador leigo quanto para profissionais que trabalham no ambiente costeiro. Figura 4.1 Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4e/Mavericks_Surf_Contest _2010b.jpg Seus movimentos, ao se projetarem, por exemplo, sobre uma praia, criam imagens de grande beleza. Entretanto, elas não existem apenas para serem vistas e admiradas. Diferentes funções são exercidas pelas ondas. No caso da Geo- morfologia, elas, isoladamente ou interagindo com outros processos, destroem, criam ou mantêm formas de relevo. Para tais fins, como os demais processos geomorfológicos, elas realizam trabalhos de erosão, transporte e deposição de sedimentos. É necessário assinalar que, assim como a maré, as ondas não existem apenas no mar. Elas estão presentes em outros ambientes constituídos por corpos líquidos, como lagos, represas e rios. Portanto, os conhecimentos que aqui serão adquiridos também são pertinentes para a compreensão da dinâmica e das formas de relevo existentes nesses outros ambientes. S ha lo m J ac ob ov itz 100 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? E aí...Vamos pegar uma onda? Nas últimas décadas, tem se tornado cada vez mais necessária a am- pliação dos conhecimentos sobre as características dos ambientes ma- rinhos e os recursos de que eles dispõem. Para atender a essa procura, muitos estudos em diferentes áreas do saber têm sido estimulados. Hoje, muitos engenheiros e oceanógrafos são procurados para traba- lharem com estruturas oceânicas, como plataformas petrolíferas em mar aberto (offshore), e com estruturas costeiras, como quebra-mares, mo- lhes, píeres e espigões. Tais construções funcionam como barreiras, que se dispõem paralelas ou perpendiculares ao litoral. Suas principais fun- ções são criar áreas próprias e mais abrigadas para atracação de embar- cações, deter processos erosivos ou induzir processos de sedimentação. Essas construções estão submetidas às ações constantes dos proces- sos marinhos (em particular das ondas), que podem danificá-las ou até mesmo destruí-las. Fica evidente que aprofundar e tornar mais precisos os conhecimentos relativos às ondas é algo indispensável para desenvol- ver estruturas mais resistentes e que se mantenham intactas. As plataformas de petróleo ajudando a conhecer as ondas Atualmente, o sucesso das descobertas e da exploração de petróleo no mar brasileiro, em áreas da plataforma continental e de águas profundas, é uma realidade auspiciosa. Isso tem trazido investimentos cada vez maiores para essa atividade, além de avanços em pesquisas e trabalhos aplicados sobre esse território e os processos marinhos que nele atuam. Atualmente, existe uma grande variedade de tipos de plataformas utilizadas na exploração de petróleo em áreas marinhas rasas e profun- das, como pode-se observar na Figura 4.2. Todas elas estão sujeitas à ação das ondas, marés e correntes. Saber quais as direções de onde po- derão chegar, suas características e intensidade são de fundamental im- portância para a segurança dessas estruturas. Logo, os trabalhos para as suas implantações e manutenções contribuem para melhor diagnosticar o comportamento dos processos marinhos nos locais e na região onde estão operando. Plataforma continental Relevo encontrado em margens dos continentes que se estendem, em declive suave do litoral até aproximadamente 200m de profundidade. Em sua extremidade, encontra- se o talude continental, relevo de forte declive em direção às áreas marinhas mais profundas. Águas profundas Áreas marinhas de maiores profundidades localizadas nas bordas dos continentes ou à frente de plataformas continentais. 101 Geomorfologia Costeira Figura 4.2: Tipos de plataformas petrolíferas, tanto as fixas (plataformas 1, 2, 3 e 10) utilizadas em áreas menos profundas, até 200 metros, quanto as flutuantes (plataformas 4 a 9). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Plataforma_petrol%C3%ADfera#mediaviewer/ File:Types_of_offshore_oil_and_gas_structures.jpg A importância dessas instalações passou a justificar e facilitar, ainda mais, o estabelecimento de postos de registros de dados e informações. Esses dados permitem conhecer melhor esse território marítimo, suas po- tencialidades, e desenvolver trabalhos preventivos quanto aos possíveis riscos ambientais decorrentes das atividades de exploração de petróleo. Assim, além da divulgação de informações quanto às marés, neces- sárias para a operação dos portos em área costeira, já é possível, no Bra- sil e em outros países, obter, para diversos fins, informações quanto à direção de incidência das ondas ao longo do litoral e de estimativas de suas alturas. Pelo que foi exposto, podemos inferir que essas iniciativas certamente trouxeram benefícios que se tornam cada vez mais dispo- níveis para muitas atividades que necessitam de dados e informações relativos aos processos marinhos. Alguns exemplos são: trabalhos de pesquisas em diversas áreas, como a Geomorfologia; atividades pes- queiras, navegação e esportes aquáticos, nos quais até “pegar bem” uma onda é objetivo. 102 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? A divulgação de informações e notícias sobre as ondas está se tor- nando cada vez mais efetiva e sofisticada nos meios de comunicação para diversas atividades. O site waves (http://waves.terra.com.br/), por exemplo, é um portal de notícias do surf (brasileiro e interna- cional), no qual são oferecidas informações sobre as condições do mar e previsão de ondas para mais de 150 praias brasileiras. Como as ondas são geradas? Mesmo quando se chega a uma praia em que a superfície do mar esteja bastante plana, quase sem ondulações, é possível notar pequenas ondas quebrando à beira-mar. Dizem que as ondas estão quebrando porque a água é vista subir e ser lançada sobre a praia. Essa ação vai se repetindo constantemente. Uma onda, depois outra, e outra, e outra... Talvez por isso muitos pensem, erroneamente, que cada onda, ao chegar ao litoral, está trazendo água de longe para ser lançada na praia. Na verdade, toda a água faz parte de um corpo, através do qual estão transitando vibrações chamadas ondas. Os corpos sólidos, líquidos e gasosos, quando atingidos por uma força qualquer, podem absorver e transmitir a energia recebida. No caso do mar, quando uma força externa (o vento, por exem- plo) atinge uma massa de água, parte da energia recebida é absor- vida e transmitida por suas moléculas sob a forma de ondas. A passagem da energia de uma molécula para outra gera vibrações que nada mais são que as ondulações que vemos no mar. Você pode observar esse fenômeno jogando uma pedrinha em uma vasilha com água. Quando a pedrinha cai na água (força ex- terna), ondulações são formadas em sua superfície. http://waves.terra.com.br/ 103 Geomorfologia Costeira Figura 4.3 Fonte: http://pixabay.com/pt/onda-conc%C3%AAntrico-c%C3%ADrculos- de-ondas-64170/ Ao soprarmos com um canudo a água em uma vasilha, quando ovento bate sobre a água (força externa), ondulações também são formadas em sua superfície. Prestando mais atenção, percebe-se que a água lançada pela onda, logo em seguida, retorna para o mar. Isso se repete a cada nova onda que quebra. Apenas a água que está próxima à praia é utilizada nesse pro- cesso, ou seja, cada onda não vem trazendo água de longe para o litoral. Ao quebrar, a onda está também lançando no litoral parte da energia que o mar absorveu em outro lugar. Parte dessa energia transportada por ela é projetada sobre um outro corpo, por exemplo, uma praia ou um banhista distraído. O nível de intensidade da força da onda que chega à praia depen- derá do que ocorreu nos locais onde a onda se formou e transitou. Ou seja, quais fatores atuaram transferindo energia para o mar. Para existir a onda que quebra no litoral, a superfície do mar tem que ser afetada direta ou indiretamente por algum fator. Há elementos que atuam constantemente na superfície dos mares e oceanos. A seguir serão apresentados os principais fatores cujas ações são responsáveis pela produção, dissipação e comportamento das ondulações. G er al t http://pixabay.com/pt/onda-conc%C3%AAntrico-c%C3%ADrculos-de-ondas-64170/ http://pixabay.com/pt/onda-conc%C3%AAntrico-c%C3%ADrculos-de-ondas-64170/ 104 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Fatores meteorológicos São os mais importantes, por fazerem surgir as ondas que estão diariamente chegando a todos os litorais. A precipitação e, mais constantemente, as diferenças e oscilações de pressões atmosféricas criam ventos responsáveis pela geração de ondas. Entre elas, as chamadas ondas de tormentas ou tempestades geradas por ventos de grande intensidade resultam de grandes contrastes de varia- ções de pressões atmosféricas entre determinados lugares. O vento é o ar em movimento e tem energia. Para que haja esse mo- vimento, é preciso que existam dois locais com temperaturas diferen- tes. Lugares com temperaturas elevadas correspondem às áreas de baixa pressão, e lugares com temperaturas baixas correspondem às áreas de alta pressão. O vento resulta do deslocamento do ar da alta para a baixa pressão. Isso ocorre tanto nos continentes quanto nos oceanos e mares, assim como entre terras e águas. O ar que absorve calor se expande, torna-se menos denso, tende a subir (pressão baixa). O ar que perde calor se contrai, torna-se mais denso, tende a abaixar (pressão alta) e se espalhar. Outro aspecto importante é que no planeta existem ventos que ocor- rem em diferentes dimensões de área: locais, regionais e planetários. Quanto à frequência, existem os ventos diários, os que estão presentes apenas durante certas estações do ano e outros que aparecem poucas vezes a cada ano. Esses deslocamentos de ar são exercidos em toda a su- perfície do planeta e, quando atuam sobre os oceanos, geram ondas em diversos lugares, que se deslocam e atingem constantemente os litorais. Em todas as áreas costeiras, há a possibilidade de formação de ondas por ventos locais em função das diferenças de capacidade de absorção e perda de calor entre o mar e a terra. A brisa marinha e a brisa terral são ventos locais passíveis de ocorrên- cia em todos os litorais do planeta. Normalmente, suas intensidades não são muito altas. Entretanto, acabam participando de importantes pro- cessos locais, como a retirada de areias das praias e a formação de dunas, assim como a geração de ondas locais, as quais são particularmente im- portantes para ambientes mais protegidos, como lagoas e baías, onde es- tarão entre os processos responsáveis pela formação de praias e restingas. 105 Geomorfologia Costeira As ondas do mar, normalmente, não penetram nas lagoas costei- ras e tendem a se dissipar no interior das baías mais fechadas. A existência de praias seria bastante restrita se nesses lugares não atuassem ventos produzindo ondas locais. As condições ambientais (nas terras e nos mares) se alteram ao longo do tempo, como, por exemplo, durante as mudanças das estações do ano. Elas variam também ao longo do espaço, de um lugar para outro, incor- porando ainda influências regionais e planetárias. Por isso, para compre- ender melhor a criação, a distribuição e as características das ondas gera- das pelos ventos, que atingem uma área costeira, temos que investir muito em conhecer o comportamento desses fatores meteorológicos. Fatores geológicos São os terremotos, erupções vulcânicas submarinas e desmorona- mentos de bordas de continentes ou de relevos submersos. São esses fatores que causam os maremotos, também chamados de tsunamis. Fatores astronômicos Os astros agem principalmente na geração de ondas de longo perío- do, ou seja, sobre as ondas de maré. Como foi visto na aula anterior, a maré pode ser entendida como uma onda estacionária dentro de uma bacia, girando em torno dela. Consequentemente, tudo que será abordado mais adiante, caracterizan- do o comportamento das ondas, permitirá melhor compreender por que, por exemplo, litorais com baixa profundidade têm marés mais altas que outros próximos com profundidades maiores. 106 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Gravidade Essas ondas são provocadas pela força de gravidade sobre todas as partículas das águas dos oceanos, tendendo a nivelar a superfície do mar quando outros fatores, como correntes e ventos, não estão presentes. A densidade de um objeto é uma relação entre o seu volume e a sua massa. Assim, uma mesma quantidade de água (massa), com temperaturas diferentes, terá volumes diferentes (maiores, com temperaturas altas; menores, com temperaturas baixas). Logo, entende-se que a densidade muda com a temperatura. Outro ponto a entender, quando se trata de peso, é que qualquer material no planeta terá o seu peso aferido ao valor da gravi- dade local. Como a terra não é uma esfera, a distância do seu centro não é igual em relação a todos os pontos que formam a sua superfície. Um ponto próximo dos polos está mais perto do centro da Terra do que um mais próximo ao equador; portanto, a atração da gravidade é maior nos polos do que no equador. Se a distância ao centro da Terra é diferente, um mesmo corpo (mesmo valor de massa), estando no polo, será mais pesado do que se estiver no equador. Estando um recipiente com água quente e outro com água fria, ambos contento a mesma quantidade de massa de água, o que está com a quente estará mais cheio (ou seja, terá um volume maior) e terá uma densidade menor. Como a gravidade nesse ponto é igual e as massas são iguais, os pesos deveriam ser iguais, mas não são, pois o nível das superfícies das águas nos recipientes não está na mesma altura (volume faz com que a densidade seja diferente). Esse mesmo processo ocorre nos oceanos, mas como fazer para acertar essa diferença? Equilibrando os volumes, ou seja, a massa d’água que está mais alta terá que descer para se nivelar com a outra. Pousando um recipiente que foi agitado, a superfície da água que estiver em seu interior continuará em movimento, mantendo on- dulações por um pequeno tempo. Depois ficará totalmente parada, como uma superfície homogeneamente plana. Quem fez isso? 107 Geomorfologia Costeira A gravidade, porque a força que agitava parou. Como? Nivelando a superfície, pois todas as moléculas de água ficaram a mesma distância do centro de gravidade terrestre. A superfície do mar segue a curvatura da terra. Se, dentro de uma área da superfície do mar, todas as menores partículas de água estives- sem paradas, as distâncias delas em relação ao centro de gravidade da Terra seria igual. Portanto, teriam pesos iguais, pois têm o mesmo valor de atração. Porém essa situação é mais teórica, porque na prática a superfície está sempre sofrendo alguma agitação. Com isso, essas partículas de água teriam pesos diferentes, pois, com a agitação da água, suas distân-cias ao centro de gravidade seriam variáveis – umas ficariam mais longe e outras mais próximas. Pode-se, então, dizer que a gravidade estará sempre presente, contri- buindo na tentativa de reajustar a superfície, ou seja, as partículas que estão mais altas tendem a descer e as que estão mais baixas, a subir, como numa gangorra, buscando o equilíbrio entre os pesos dos dois lados. Tensão superficial Essa tensão ocorre devido às diferenças de densidade entre o ar e a água, e pode originar ondas. Isso ocorre porque, na área de contato do mar com o ar atmosférico, cria-se uma superfície onde se confrontam características e propriedades de ambas, como as pressões variáveis que dificultam a busca pelo equilíbrio. Força de Coriolis Esse fator interfere no comportamento das ondas de longo período, como as das marés, vista na aula anterior. Ele resulta do movimento de rotação da Terra. O efeito da força de Coriolis pode ser mais bem explicado e entendi- do através do que é exposto a seguir. 108 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Sobre um antigo disco de vinil rodando numa vitrola, usando um pincel com tinta, rapidamente tenta-se fazer um risco reto, partindo da borda para o centro. Parando o disco, observa-se que, na realidade, o risco não ficou reto, e sim algo como uma linha em espiral. Por quê? Porque a superfície se deslocou. Observando a Força de Coriolis Você pode entender melhor como funciona a força de Coriolis assistindo ao vídeo em inglês chamado Chapter 1: CoriolisEffect. Acesse: http://www.youtube.com/watch?v=Bsufq2y_FVA No caso da Terra, se uma pessoa sair de avião, em linha reta, de um polo em direção ao equador, não conseguirá chegar a um ponto de mes- ma longitude. Isso ocorre porque, enquanto manteve a rota em linha reta, o ponto se deslocou lateralmente com o movimento de rotação da Terra. Se, ao mesmo tempo, uma outra pessoa estiver fazendo o mesmo trajeto para o mesmo ponto, partindo do polo Sul, acontecerá o mesmo; não chegará ao destino de quem saiu do polo Norte, porque o ponto se deslocou para outra posição. Para quem parte do polo Sul, o Leste está a sua direita e o Oeste a sua esquerda. Para quem parte do polo Norte é o contrário: o Leste está do lado esquerdo e o Oeste do lado direito. Por isso, apesar de a rotação da Terra deslocar o ponto na mesma direção, o desvio do trajeto em cada hemisfério se dará para lados diferentes, ou seja, haverá um giro numa direção em um hemisfério e, no outro, o giro será em sentido contrário. http://www.youtube.com/watch?v=Bsufq2y_FVA 109 Geomorfologia Costeira Atividade 1 Atende ao objetivo 1 Estabelecer a relação entre os fatores que atuam na geração, na trans- missão e no comportamento das ondas e as suas características. a) gravidade b) geológico c) astronômico d) meteorológico e) tensão superficial f) coriolis ( ) diferenças e oscilações de pressões ( ) atuando sobre as partículas da água ( ) movimento da Terra ( ) forças tectônicas ( ) marés ( ) contato pressões de água e ar Resposta comentada A ordem correta é: d – a – f – b – c – e. Conhecendo um pouco mais dos movimentos ondulatórios no mar Características de uma onda As ondas comumente vistas nas praias são classificadas como mo- vimentos cíclicos de curto período. Isso parte do pressuposto de que uma partícula de fluido (água) retornará à mesma posição após realizar um movimento circular, associado à passagem da energia da onda, em tempo inferior a 5 minutos. No caso das ondas de maré, a passagem é 110 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? feita em tempo mais longo, como foi visto na aula anterior, levando ho- ras. Esse movimento circular é explicado nas características das ondas apresentadas mais adiante. Em situação real, no mar, esse movimento da onda acontece junta- mente com outros, como as correntes, de circulação geral, e as associadas à maré, assim como à ação de ventos locais. Essas interações com a onda acabam por fazer com que algumas partículas de água, ao girarem, não voltem à mesma posição, caracterizando que houve algum transporte. Na Figura 4.4, a seguir, estão ilustrados os principais componen- tes de uma onda. Nela também é representado o movimento circular de uma partícula d’água superficial com a passagem da onda. Em teo- ria, o pequeno quadrado cinza (representado na figura) gira e retorna à mesma posição após a onda realizar um ciclo, isto é, até a chegada da próxima crista. Figura 4.4: Principais componentes da onda. Na Figura 4.4, identificam-se os seguintes elementos: Crista e cavado: pontos extremos, respectivamente, superior e inferior, alcançados pela onda em sua faixa ondulatória de propagação; λ - comprimento de onda: distância tomada na horizontal entre duas cristas ou dois cavados consecutivos; H - altura da onda: distância tomada na vertical entre os pontos extre- mos de uma crista e um cavado; a - amplitude da onda: distância tomada entre uma crista ou cavado até o nível médio do mar no local. Pode-se tomá-la também como o valor da metade da altura de uma onda; 111 Geomorfologia Costeira c - velocidade de progresso da onda ou celeridade: por definição, c = λ/T. A velocidade é obtida dividindo o valor de uma distância per- corrida pela crista de uma onda pelo tempo que ela levou nesse trajeto; T - período de onda: tempo necessário para que uma partícula volte ao seu ponto inicial, ou seja, caminhe um comprimento de onda (T = λ/c). Tempo que duas cristas de onda levam para passarem à frente de um ponto de observação ou, ainda, o tempo que a crista da onda leva para percorrer uma distância igual ao seu comprimento; F - frequência de onda: número de vezes que o ciclo se repete no inter- valo de tempo considerado (f=1/T ou f= c/λ). O comportamento das partículas d’água com a passagem das on- das pode ser mais bem compreendido através da animação apre- sentada em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/ 35/Waverp.gif. Condições para a existência dessas ondulações Para que exista um movimento ondulatório, são necessárias condi- ções nas quais as forças que afetam o mar se distribuam. São elas: • um estado de equilíbrio: partindo da forma como se apresenta uma superfície líquida, que se considere estar em estado de equilíbrio, o desequilíbrio será produzido pelo surgimento de ações de forças ge- radoras. O retorno à sua posição considerada de equilíbrio é produto de forças restauradoras. • força (s) ativa (s) ou geradora (s): vento, atividade sísmica, vulcanis- mo, desmoronamentos, posição dos astros e pressão; • força (s) restauradora (s): gravidade, tensão superficial e força de Coriolis. As forças geradoras, como desmoronamentos, terremotos e vulca- nismo, tendem a ser deflagradas mais pontualmente em áreas menores. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/35/Waverp.gif http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/35/Waverp.gif 112 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? As derivadas do vento e da posição dos astros podem agir em áreas bem maiores, atingindo dimensões planetárias. As ondulações marinhas recebem normalmente sua energia dos ventos, transferida através do atrito dele na superfície do mar. Quanto maior a área de impacto do vento com a superfície (pista), maior será a quantidade de energia cedida. Será ainda maior se for grande a dife- rença de velocidade entre a água superficial e o vento. Isso ocorre pelo aumento no gradiente de pressão atmosférica superficial (Figura 4.5). Figura 4.5: Esquema mostrando a ação do vento gerando as ondulações. Os riscos (dentro e fora da pista) representam cristas que se mostram (conforme a escala de referência) mais baixas e desorientadas no início da pista e que, depois, crescem em altura e tornam-se mais regulares e altas ao se afastarem da zona de sua geração.Caso não ocorram processos de dissipação de energia, as ondas con- tinuarão a crescer indefinidamente na medida em que o processo de transmissão da energia pelos ventos continuar. Na realidade, isso não ocorre ilimitadamente devido aos fatores dissipadores da energia acu- mulada pelas ondas, que são principalmente a viscosidade da água e o seu movimento turbulento. 113 Geomorfologia Costeira As substâncias líquidas são consideradas mais fluidas, quando es- correm com mais facilidade, ou mais viscosas, em caso contrário. Em função disso, um líquido mais fluido terá maior capacidade de assimilar energia (pelo atrito) do que um viscoso. Uma fácil demonstração pode ser feita soprando, com a mesma intensida- de, a superfície de dois pires, um contendo água e o outro qual- quer tipo de óleo. Na água, que é mais fluida, surgirão logo on- dulações em sua superfície. O óleo, o efeito será menos sensível quanto mais viscoso ele for ou, como popularmente se fala, mais grosso e pegajoso. Você deve estar lembrado do aprendido em processos geomorfoló- gicos, que as formas de escoamento das águas nos canais fluviais vão de planares a turbulentas. Nas planares, o escoamento tende a se portar como se a água estivesse constituída por camadas, que muito pouco se misturam verticalmente, apenas deslizam umas sobre as outras, sendo trocada pouca energia entre elas. Nas turbulentas, ao contrário, a água também se movimenta verticalmente, misturando-se com troca cons- tante de muita energia. Em um rio, o fluxo turbulento da água se confina a um canal, so- bre o qual ele perde energia por impacto e atrito, produzindo erosão na margem e no fundo. No mar, não ocorre o mesmo; a energia presen- te na turbulência gerada pelo vento pode ser levada também para fora da área da pista e não totalmente acumulada dentro dela. Você já deve ter observado que os atletas, como, por exemplo, os jogadores de vôlei, quando pulam para pegar a bola que vai cair no chão, tendem a rolar pela quadra. Isso para eles é uma proteção, porque, tendo espaço para rolar, não deixam que ocorra o efeito do impacto direto do corpo num único ponto. Naturalmente, com treinamento, os jogadores se tornam aptos a rolarem, distribuindo a energia pelo seu corpo e, com ele, distri- buindo-a para fora do local inicial da queda, evitando riscos de lesões. Na situação em que a energia acumulada pelas ondas é superior à energia dissipada, elas tendem a crescer. Inicialmente, esse cres- cimento é observado em sua altura (H) e em seu comprimento (λ). 114 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Posteriormente, atingindo-se a H máxima sem entrar em colapso (que- brar), observa-se o incremento apenas em λ. Então, quando o vento sopra sobre a superfície e ultrapassa certo valor, essa superfície cobre-se instantaneamente de pequenas rugas formando arcos mais ou menos regulares, que sofrem, nessa condição, influência da tensão superficial. Essas ondas, chamadas de ondas capilares, crescem rapidamente em H até atingirem a relação má- xima entre H e λ, na qual começa a aparecer espuma nas cristas, in- dicando um pequeno processo de arrebentação, limitador do cresci- mento dessas ondas. As ondas, dentro da zona de geração, são denominadas vagas ou ondas “mar” (sea) e caracterizam-se por uma agitação irregular e de- sordenada. Conforme as ondas se afastam da pista, a irregularidade da agitação vai diminuindo, principalmente porque as direções de propa- gação tendem a se orientar num sentido preferencial, com consequen- te estreitamento na faixa de variação de seus períodos. Para atingir o estágio de agitação regular, é necessário que a onda percorra muitos quilômetros para fora da pista, sendo, nesta situação, denominadas ondas de gravidade, marulhos (swells). Nessa condição, a ação da força restauradora da gravidade passa a ser a responsável pela regularidade da propagação do chamado trem de ondas. Ondulações que chegam à costa brasileira, geradas no Oceano Atlântico, podem ter viajado horas ou até mesmo dias, dependendo da posição de origem. Hoje está se tornando um conhecimento comum para todos que, se está subindo uma frente fria vinda da Antártida, logo depois poderá ocorrer, principalmente nos litorais sul e sudeste brasi- leiro, a chegada de ondas maiores, trazendo mais energia, produzindo as chamadas ressacas. Nesses litorais, quanto mais para o norte, maior a expectativa de defasagem de tempo entre a chegada da frente fria pelo ar e a chegada da ressaca. Como descrito e mostrado anteriormente na Figura 4.4, a onda é um movimento vibratório. Quando a vibração chega às partículas de água, elas se mobilizam e giram. As características das ondas são dadas pelos valores que seus elementos possuem. Na Figura estão representa- dos dois movimentos: um pela propagação das cristas horizontalmente, e outro pela propagação verticalmente. Quando a vibração passa (des- locamento horizontal), a água sobe até sua parte mais alta; depois que passou, ela desce até sua porção mais baixa (deslocamento vertical). Ondas capilares Capilar significa cabelo. Por designar algo muito fino, a palavra capilar passou a ser utilizada para designar coisas cuja espessura era tão pequena quanto a de um fio de cabelo. Um exemplo bem conhecido são os vasos sanguíneos capilares, que são bem pequenos. Ondas capilares são ondas muito pequenas, com tamanhos de até 2 cm, com o formato arredondado na crista e em V na cava, geradas na superfície de tensão entre a água e o ar. Trem de Ondas Série (ou conjunto) de cristas que se propagam com mesma velocidade e direção. 115 Geomorfologia Costeira No entanto, esse movimento circular não se restringe à água na su- perfície do mar. Como já foi visto, ele é transmitido às camadas sub- jacentes (para baixo) com a diminuição gradual do raio do círculo de movimentação das partículas. Os movimentos em decorrência das on- das se atenuam com o aumento da profundidade, até se tornarem nulos a partir de uma profundidade equivalente a λ/2, ou seja, a metade do comprimento da onda. Na Figura 4.6, a seguir, o esquema da esquerda mostra o movimento circular verificado nas partículas de água subjacentes à passagem das ondas que não estão sendo afetadas pelo fundo (locais onde a profun- didade é maior que a metade do comprimento das ondas). No esquema da direita, observa-se a deformação da trajetória do movimento circular que as partículas sofrem na coluna d’água, ao serem influenciadas pelo fundo (locais onde a profundidade é menor que metade do comprimen- to das ondas). Essas trajetórias vão se achatando cada vez mais, até que as partículas de água, ao invés de girarem, passam a se movimentar de um lado para o outro em linha reta (direita). 116 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Figura 4.6: Na figura de cima, a onda é livre, não sente o fundo. As órbitas das suas moléculas de água são circulares. Na figura de baixo, a onda está “sentido” o fundo. As órbitas de suas moléculas vão se tornando redondas mais próximas à superfície, e mais achatadas, quanto mais próximas do fundo. Observando o movimento das águas Atualmente são exibidos muitos vídeos que mostram cenas de mergulhadores que levam alimentos para atrair tubarões a fim de filmá-los. Em muitas dessas cenas, é comum se observar que 117 Geomorfologia Costeira as plantas e os alimentos que estão nas mãos dos mergulhadores balançam de um lado para o outro a todo instante. Pode-se notar também que, mais para o fundo, a água parece estar se deslocando numa direção. Isso acontece porque as cenas são feitas em locais cuja profundidade está em torno de metade do comprimento das ondas, as quais estão ondulando a superfície do mar. Situações desse tipo exemplificam o que foi descrito quanto ao movimento das partículas de água em profundidade pelo efeito das ondas. Quando a onda se aproximada costa, o que acontece? Como já foi visto, quando a onda se desloca no mar, a energia está sendo conduzida horizontalmente (de uma partícula de água para ou- tra), mas dentro de uma faixa com certa profundidade, ou seja, está também conduzindo energia verticalmente (de uma partícula de água para outra). Compreende-se então que onda livre é aquela que trafega em áreas onde a profundidade das águas do mar é maior do que a largu- ra da faixa em que ela está conduzindo a sua energia. Em função disso, por exemplo, quando há uma grande tempestade no mar, um navio irá enfrentar grandes e fortes ondas. Entretanto, para um submarino que está na superfície, bastará mergulhar para maiores profundidades a fim de se livrar dos efeitos dessas ondas. Tendo em vista a importância da superfície do fundo do mar, para me- lhor compreender alterações no comportamento da onda, são utilizadas cartas com curvas isobatimétricas, que são linhas que unem pontos de mesma profundidade e permitem visualizar a forma do relevo submerso. Quando a onda vai se aproximando do litoral, a profundidade das águas tende a diminuir. Isso quer dizer que, em dado momento, ela che- gará a uma posição de contato com a superfície do fundo do mar (pro- fundidade igual à metade do comprimento da onda). Então, desse local em diante, sua crista começa a empinar (subir), e parte da energia que está sendo conduzida pela onda entra em contato com o fundo, poden- do ser utilizada, por exemplo, para mobilizar sedimentos. Na continui- dade de sua trajetória, a profundidade vai diminuindo e a crista da onda subindo, até que, em um determinado momento, ela perde o equilíbrio e se projeta sobre o litoral, como exemplificado na Figura 4.7. 118 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Figura 4.7: Onda chegando ao litoral. Como resultados, de um lado, teremos a interação desses movimen- tos, comportando-se como correntes, na mobilização de sedimentos su- perficiais sem consolidação presentes no fundo do mar. De outro lado, ao sentir o fundo, a onda reduzirá sua velocidade de progresso (c) devido ao atrito e, como consequência, ocorrerão a redução do comprimento de onda (λ) entre ela e a onda posterior, e o aumento de sua amplitude (a) que compensa, em termos de distribuição da energia da onda, a redução do λ. Isso é, quando a onda é influenciada pelo substrato, suas caracterís- ticas são alteradas, propiciando determinados efeitos nas zonas costeiras, como: refração, difração, reflexão e quebra de onda. Refração das Ondas: A velocidade da onda depende da profundidade do substrato onde ela se propaga. A variação na velocidade da onda ocorre ao longo de sua crista que, ao se mover, tende a incidir obliqua- mente ao contorno do fundo. Isso faz com que a parte da onda situada em águas mais profundas se mova com maior velocidade do que a parte que já está alcançado águas mais rasas, onde começa a ser freada pelo atrito do fundo. Essa variação faz com que a crista da onda altere sua direção, alinhando-se ao contorno do fundo. Por isso, as ondas tendem a quebrar paralelas no litoral (Figura 4.8). 119 Geomorfologia Costeira Figura 4.8: Efeito de refração das ondas ao chegarem a uma praia do tipo linear, na qual as linhas isobatimétricas tendem a se dispor paralelas à linha de costa. O tamanho das setas relaciona-se à velocidade de progresso da onda nos diferentes pontos da praia. Na Figura 4.8, você pode observar que cada linha é uma crista de onda. Como o trem de ondas está vindo da direita, partes da onda chegam primeiro à praia. Entretanto, como a profundidade diminuiu (passaram a sentir o fundo), as cristas começaram a perder velocidade (estão ficando mais juntas). Porém, essas mesmas ondas, em seu lado esquerdo, não estão sentindo o fundo, ou seja, continuam na velocidade em que estavam, mas são “travadas” pelo seu lado direito. Consequente- mente, elas começam gradativamente a virar para esse lado, chegando e rompendo (quebrando) de frente para a praia, conforme a sequência de quebra que vem da direita. Para um observador numa praia, a onda sempre quebrará perpen- dicularmente a ele (à sua frente). Entretanto, ele percebe que, antes de quebrar à sua frente, ela começou a quebrar à sua esquerda ou à sua di- reita, em função da direção de onde vem o trem de ondas. É por isso que os surfistas dizem que vão pegar uma onda da direita ou da esquerda. Uma onda quebrar ao mesmo tempo ao longo de toda uma praia não é uma situação comum. Seria necessário que as cristas das ondas que estivessem chegando e as linhas de mesma profundidade ao longo de 120 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? toda a frente da praia fossem paralelas à praia. Chama-se então refração da onda a mudança de sua direção, que de- pende da relação entre a profundidade (p) e a velocidade de progresso da onda (c). Essas mudanças de direção, em diferentes partes da onda em sua propagação, resultam em áreas de divergência (ou dispersão) e convergência (ou concentração) de sua energia. A Figura 4.9 apresenta a entrada de um trem de ondas sobre uma costa, onde estão traçadas linhas isobatimétricas e ortogonais, que re- presentam as direções de refração que as ondas sofreram. Onde há afas- tamento das ortogonais, a energia das ondas está divergindo (dispersan- do energia), tendendo a promover áreas de deposição de sedimentos. Onde as ortogonais estão se aproximando, a energia das ondas está con- vergindo (concentrando energia), portanto, áreas onde há tendência a ações erosivas. Figura 4.9: Entrada de um trem de ondas sobre uma costa. 121 Geomorfologia Costeira Para melhor entender como ocorreu a refração, acompanhe a descrição a seguir, visualizando a Figura 4.9. Toda a crista de uma onda vem chegando livre ao litoral sem tocar o fundo se a profundidade for maior que a metade de sua altura. Repare que alguns pontos da crista, ao avançarem, terão que passar primeiro do que outros sobre as curvas isobatimétricas, que, em direção ao litoral, têm profundidades cada vez menores. Dessa forma, os pontos que começarem primeiro a sentir o fundo acabam se atrasando pelo atrito (freados em suas velocidades) em relação aos outros que avançam mais livres. Isso implica que as cristas das ondas, deslocando-se em áreas mais profundas, abram-se for- mando arcos divergentes, cujas direções são representadas pelo traçado das ortogonais que se afastam. Nas áreas mais rasas, entre áreas mais profundas, todas as cristas tendem a convergir, como indicam os traçados das linhas ortogonais que se fecham. O efeito de refração justifica admitir que os pontais (ou cabos), locais em que o continente avança na linha da costa, prolongando-se como relevos elevados no mar, sofrem os constantes trabalhos erosivos do mar, tendendo a destruí-los e a tornar mais retilíneo o litoral. No caso das reentrâncias, o efeito é a tendência de que elas sejam preenchidas por sedimentos. A Figura 4.10 mostra como o efeito da refração concentra ou dis- persa a energia utilizada, respectivamente para os processos de erosão e deposição. Como podemos observar, as linhas de A a B representam tre- chos de cristas de onda, e os pontos, unidades de energia existentes em valor igual em todas as linhas. O esquema 1 demonstra a onda entrando numa reentrância do litoral que se alarga para o interior. Nesse caso, a crista vai se abrindo e as unidades de energia se dissipando ao longo da linha que se torna maior. No esquema 2, ocorre o oposto: a crista de onda entra numa reentrância do litoral que se afunila, e as unidades de energia se concentram ao longo da linha, que se torna menor. 122 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Figura 4.10: Exemplificação da dissipação e da concentração de energia. Difração das ondas: A difração é o fenômeno no qual a energia é transferidalateralmente ao longo da crista da onda. Essa situação é mais bem observada quando um trem de ondas é interrompido por uma bar- reira, como um molhe ou promontório. A principal consequência dessa transferência lateral de energia é que as ondas se propagam par- cialmente para trás dos obstáculos. A incidência de ondas em obstáculos (naturais ou artificiais) aca- ba, portanto, modificando o comportamento delas, assim como seus direcionamentos, alturas e distribuição de energia. Por exemplo, para viabilizar obras de proteção do litoral, de instalação ou ampliação de um porto, torna-se importante fazer o cálculo das difrações, que irão ocorrer para as ondas que chegam ao local. A Figura 4.11 exemplifica o efeito da presença de um píer modifi- cando a forma de incidência de um trem de ondas no litoral. Molhe Estrutura costeira que pode ser construída com pedras e terra, servindo para diversas finalidades, como para portos ou para criar proteção das ações de ondas, podendo ter uma forma que avance reto à frente da linha do litoral. Promontório Acidente geográfico que se apresenta como o avanço de um pedaço de terra para dentro do mar. Tem como sinônimos o pontal e o cabo. 123 Geomorfologia Costeira Figura 4.11: Efeito da refração. A Figura 4.12 mostra a modificação da forma de incidência de uma onda quando atinge uma ilha. Cada onda que chega incide sobre toda a orla da ilha. Figura 4.12: Efeito da refração. 124 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Atividade 2 Atende ao objetivo 2 Explique o que acontece com as ondas (levando em conta suas caracte- rísticas) ao penetrarem nas reentrâncias das linhas do litoral represen- tadas nas Figuras 4.13 e 4.14. Figura 4.13 Figura 4.14 125 Geomorfologia Costeira Resposta comentada Em ambos os casos, a altura da onda é importante, pois tem implicações na utilização de sua energia e na sua trajetória em direção à linha do li- toral. Na Figura 4.13, uma onda, ao penetrar em uma reentrância do li- toral que se amplia para o interior, dissipa a sua energia no contato com as margens, com a superfície de fundo desse ambiente e, ao alargar sua crista, faz com que a baía ou enseada seja propícia à ação de processos de sedimentação. Na Figura 4.14, na medida em que a onda penetra na reentrância do litoral, apesar de perder parte de sua energia pelo contato com a margem e a superfície do fundo desse ambiente, o comprimento de sua crista diminui, concentrando energia. Ao chegar à posição mais interior, com maior nível de energia, propicia nessa área a ocorrência de ações de erosão. Reflexão das ondas: A reflexão das ondas ocorre quando elas en- contram estruturas sólidas naturais, como costões rochosos e peque- nas ilhas, ou artificiais, como quebra-mares, que implicam a reflexão da energia da onda. Nesse caso, não ocorre dissipação de sua energia. Consequentemente, a turbulência provocada pelas ondas, por exemplo, dentro de um porto, pode aumentar devido a reflexões múltiplas, cau- sando problemas aos vários navios ancorados ou atracados. Por isso, as localizações das estruturas portuárias devem ser estudadas para evi- tar ao máximo a reflexão das ondas. Em alguns casos, podem-se criar praias artificiais no seu interior para minimizar a turbulência interna gerada pela energia trazida e refletida localmente. 126 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Figura 4.15: Turbulência provocada pela reflexão de ondas num quebra-mar. Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9c/Escollera_Sur%2C_ Mar_del_Plata.JPG A refração, a difração e a reflexão de ondas promovem efeitos es- pecíficos nos processos de erosão e sedimentação nas áreas costeiras. Nesses casos, o transporte da energia pela onda acaba também atuando na geração de formas de fluxos (correntes), que serão objeto de estudo da próxima aula. Além dessas situações, um dos comportamentos mais importantes da onda é quando ela se lança sobre o litoral. Quebra da onda: Conforme a onda avança para o litoral, ela passa a sentir cada vez mais a diminuição da profundidade. Quando a onda está subindo uma rampa, como já foi explicado na Figura 4.7, ao avançar, ela vai mudando a diferença entre sua altura e a profundidade, que vai diminuindo. Ao chegar num ponto em que sua altura fica maior que sua profundidade e em que sua crista está se projetando para frente, ela perde o equilíbrio e quebra (rompe), lançando a água nela contida. A linha de arrebentação, também chamada linha de rompente, marca a posição ao longo da qual todas as ondas estão quebrando. Como já foi visto, toda uma linha de crista não quebra ao mesmo tempo. Ela vem quebrando sempre da posição de um dos lados do litoral e prosseguin- do, continuamente, sua quebra em direção ao outro lado. Quanto maior o comprimento da onda, mais cedo ela se empina (su- bir acima da superfície da água). A visualização do empino das ondas D ar io A lp er n 127 Geomorfologia Costeira permite ao surfista escolher a onda que será melhor para pegar. Você já deve ter visto como eles ficam na água, sobre as pranchas, atrás da arrebentação, olhando para o horizonte e vendo a chegada do trem de ondas. Quando as ondas vêm chegando, suas cristas vão sucessivamente empinando ao se aproximarem do litoral. Aquela crista que se empinou primeiro, ou seja, mais longe, é de uma onda mais alta, tem mais ener- gia, e a que deverá ser escolhida pelo surfista. Classificando os tipos de onda Vários critérios podem ser usados para classificar as ondas: por suas características, pela sua forma e até mesmo pelo modo como ela quebra. A forma como a onda quebra dependerá: de sua geometria, do ângulo de sua chegada ao litoral, da distância e da declividade do fundo mari- nho entre as zonas de arrebentação e de espraiamento. Na Figura 4.16, estão representadas esquematicamente formas de arrebentação a seguir descritas: • Plunging: Também conhecida como onda do tipo mergulhante ou vulgarmente tubo ou caixote. Possui característica de fundos não tão íngremes e ocorre principalmente durante momentos mais energé- ticos, como tempestades, quando as ondas são mais altas. Apresenta aspecto côncavo na sua parte anterior, mas a parte posterior é conve- xa, o que propicia o seu colapso. A forma de tubo se dá no caso de as ondas chegarem com alguma inclinação em relação à linha do litoral. A forma caixote ocorre caso cheguem paralelas. Esse tipo de onda cresce repentinamente, e sua crista entra em colapso despencando quase em queda livre. • Spilling: Também conhecida como arrebentação em forma progres- siva ou derrame e é a mais comum. Possui característica de fundos marinhos de baixa declividade, isto é, maior distância entre a sua quebra e o espraiamento das águas. Por isso, gera maior zona de surfe. Apresenta aspecto côncavo tanto na parte anterior quanto na posterior da onda, característico de uma onda com a forma deno- minada trocoidal, fazendo com que sua crista caminhe com a onda mantendo seu perfil. • Surging: No tipo surging, e em sua forma mais avançada, o colapsing (ainda sem traduções adequadas para o português), ocorre o aumen- to em altura, e a onda colapsa sem arrebentar. Isso ocorre, pois a base da onda avança junto com sua crista sobre a face de praia e, por esse 128 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? motivo, são características de locais de fundo extremamente íngre- me e de bem estreita zona de surfe. Figura 4.16: Formas de arrebentação das ondas. Como se podem coletar dados sobre as ondas marinhas? A onda é pesquisada a partir de equipamentos chamados ondó- grafos e caixas de pressão, os quais permitem calcular sua altura ao medir a variação de pressão que se faz presente sobre eles em vir- tude do movimento ondulatório, sendo que alguns modelos também registram direções.Os ondógrafos são acoplados a boias de subsuperfície, enquanto as caixas de pressão são posicionadas no fundo marinho, presas a uma poita (um peso). Em realidade, trata-se do marégrafo a pressão (já visto 129 Geomorfologia Costeira na aula anterior), que é regulado para obter altas frequências de aqui- sição de dados em curtos intervalos de tempo. Em ambos os equipa- mentos, as variações de pressão são captadas por sensor específico e armazenadas em suas memórias, e eles podem ficar instalados na região em estudo por semanas ou até mesmo meses. A duração de seu fun- deio (permanência no local) depende de sua autonomia, que é a função da relação entre a taxa de aquisição dos dados e o tempo de duração da bateria, ou seja, se você regular o equipamento para uma elevada taxa de aquisição de dados, o tempo de funcionamento do equipamento será menor. A Figura 4.17 mostra o resgate de um ondógrafo que também é dire- cional. Ele estava operando na região da plataforma continental de Santa Catarina para a retirada das informações de um período, troca de bate- rias e limpeza. Nas fotos da esquerda e do centro, é possível observar o alto estado de agitação e o tamanho das ondulações ocorrentes no mar local na época do resgate. A foto central mostra, ainda, o içamento da boia de subsuperfície, que está à frente das pessoas, na qual o ondógrafo está acoplado. Lu iz S aa ve d ra Figura 4.17: Resgate de um ondógrafo para manutenção e captura de dados registrados. Observe, na imagem à direita, que o equipamento possui quatro sen- sores circulares. Eles são orientados por uma bússola interna e permi- tem a obtenção da direção das ondas através das variações de pressão detectadas entre os sensores no momento da passagem delas. Um equi- pamento localiza a boia e aciona o liberador acústico, que libera o cabo que prende a boia à poita. Com isso, a boia se solta e flutua, sendo em seguida recolhida. Após seu resgate e manutenção, a boia com o ondó- grafo acoplado será presa, por cabo de aço e liberador acústico, à poita e lançada novamente para continuidade da aquisição de dados. 130 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Além do uso de equipamentos e instrumentos, é possível, estando parado de frente para o mar na beira de uma praia, observar e calcular alguns parâmetros da onda. Ao se realizarem estudos sobre morfodinâ- mica de praia, por exemplo, é essencial verificar algumas características das ondas incidentes nela durante o trabalho de campo. Assim, olhan- do para uma estrutura fixa no mar, como uma pequena embarcação ancorada, ou mesmo uma ponte ou um afloramento rochoso, marcan- do-se o tempo de passagem de 11 cristas de onda por esse ponto fixo e dividindo esse tempo por 10, estima-se o período T das ondas. O valor desse período não se altera em águas rasas ou profundas, visto que a redução do λ, quando o trem de ondas sente o fundo, é compensada pelo aumento da altura H e pela redução da velocidade de progresso. Informações sobre direção do trem de ondas também podem ser obtidas por meio de observação direta, desde que a praia em estudo tenha sua posição geográfica bem definida. Sua altura também pode ser estimada visualmente ou colocando alguém com uma régua nas proxi- midades da zona de arrebentação, se possível. A geometria da onda ao quebrar, se tipo caixote ou tipo derrame, mune o investigador de informações quanto ao papel da onda nos pro- cessos de erosão e deposição. Por fim, é essencial o entendimento físico do processo ondulatório, que inclui o conhecimento tanto da movimentação das partículas como das modificações que as ondas podem sofrer ao longo de seu trajeto. Por exemplo, a força exercida pelas ondas contra os pilares que sustentam uma plataforma de petróleo ou um píer de atracação é resultado da ve- locidade de propagação da onda que, por sua vez, depende da relação altura/comprimento de onda. Outro exemplo: o peso de um bloco de pedra natural ou concreto a ser colocado na armadura externa de um quebra-mar dependerá do valor da altura da onda ao cubo (H³). Portan- to, é extremamente importante o estudo da onda no desenvolvimento de projetos de obras marinhas. O homem protegendo o litoral da ação das ondas Em muitos locais, as ações erosivas das ondas assustam moradores e põem em risco atividades humanas em áreas litorâneas como, por exem- plo, em locais para atracação de embarcações. Cada vez mais, é necessário entender as formas de atuação dos processos marinhos e buscar soluções possíveis para os problemas existentes, assim como estabelecer projetos 131 Geomorfologia Costeira bem planejados face aos problemas que terão de enfrentar ou aos efeitos negativos que poderão ocorrer em outros locais e que devem ser evitados. Conclusão Pelo que foi exposto nesta aula, foi importante estudar as ondas do mar para entender mais sobre elas, sobre suas interações com outros processos e que sua energia, ao chegar constantemente nas áreas costei- ras, é utilizada para promover ações de erosão, transporte e deposição de sedimentos. Atividade final Atende aos objetivos 1, 2 e 3 Você deve ter percebido que são necessários diferentes conhecimen- tos que se cruzam para entender melhor uma onda e suas caracterís- ticas. Por isso, só agora você reúne conhecimentos para responder às seguintes perguntas: 1. Por que, em dois locais próximos, podem ser observados valores diferentes de maré? Para responder, pense na maré como uma onda. 2. As ondas dos maremotos têm comprimentos muito grandes, che- gando a centenas de metros. Se o capitão de um navio tiver a informa- ção de que está para chegar uma onda de maremoto, ele deve levar a embarcação rapidamente para mais próximo ou mais afastado do lito- ral? Por quê? E sabendo de onde está vindo a onda, que atitude deverá tomar e por quê? 132 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? 3. Por que uma crista de onda, chegando à linha do litoral em dois pontos próximos um do outro, pode ter comportamentos diferentes? Resposta comentada 1. Os valores de marés poderão ser diferentes dependendo da profun- didade de cada área. As marés são como ondas estacionárias que fazem as águas subirem e descerem nos litorais. Se a chegada da maré se dá como uma onda, ela, ao avançar, acaba sentindo o fundo e sobe, e depois desce refluindo. Em locais onde há diferenças de profundidade, onde é mais raso, a maré subirá mais por sentir mais o efeito do fundo. 2. O capitão deverá levar seu navio para longe das áreas rasas. Ir para locais de maiores profundidades, onde a onda será livre por não sentir o efeito do fundo e, por isso, seu empino pode ser pouco perceptível e sem qualquer efeito maior para o navio. Se souber de onde as ondas do maremoto estão vindo e tiver dúvidas de que poderá não alcançar a tempo áreas de grande profundidade, deverá, como precaução, colocar seu barco na posição perpendicular à crista dessa onda. Quanto mais ele avançar em direção à onda, mais possibilidade de pegá-la com menor tamanho, pois estará indo para maiores profundidades. Ele não pode deixar que a onda pegue o navio de lado; sua salvação será, se conseguir com toda a velocidade, furar a onda de frente para passar por ela, como fazem os banhistas e os surfistas com as ondas na praia. 3. Porque as características dos dois locais poderão ser diferentes em função de suas posições na linha da costa, das profundidades e das to- pografias de fundo da parte emersa à frente delas. 133 Geomorfologia Costeira Resumo As ondas são movimentos vibratórios, que se deslocam pelas superfícies dos mares. Transmitem horizontal e verticalmente a energia que recebe- ram em seus ambientes de formação. Vários fatores são responsáveis pela criação e comportamento das ondas, como os astronômicos, os geológicos, a gravidade, a tensão superficial, a força de Coriolis e, com maior destaque,os meteorológicos (que têm o vento como seu principal mentor). Esses fatores podem participar como ativos na formação das ondas ou como recuperadores, permitindo ações de reequilíbrio que favoreçam a volta do mar às suas condições anteriores. As ondas apresentam diversos elementos que permitem caracterizá-las. Os principais são crista, cava, comprimento, amplitude, velocidade, pe- ríodo e frequência. A partir da área de sua formação, as ondas se deslocam em direção aos litorais. Ao alcançarem as áreas costeiras, encontram menores profun- didades, o que faz com que elas sintam o fundo, passando a dissipar ou concentrar sua energia. Mudanças de direções em seus movimentos são produzidas por refração, difração e reflexão. Nesse contato com o fundo e quando se lançam sobre o litoral, cons- tituem processos geomorfológicos promotores de ações erosivas, de transporte e deposição. As ondas podem ser classificadas pela forma e pelo modo como chegam e se projetam sobre o litoral, realizando dissipação ou concentração de energia, assumindo diferentes tipos, sendo os mais conhecidos em cai- xotes, tubos ou deslizantes. Para melhor conhecer como as ondas atuam e como poderão atuar na zona costeira, é importante coletar dados e informações. Isso é feito com equipamentos específicos, como os ondógrafos e as caixas de pressão, que medem continuamente a velocidade e a direção de deslocamento das ondas. Como apontado no início da aula, dados e informações são necessários para serem empregados em estudos aplicados às áreas costeiras, como apoio às atividades de exploração de petróleo e para a construção de estruturas costeiras que visam a controlar processos de erosão ou de sedimentação. 134 Aula 4 • Ondas pequenas ou gigantescas que quebram no litoral: como são geradas e para que servem? Referências CHRISTOPHERSON, R. W. Geossistemas: Uma Introdução à Geografia Física. Porto Alegre: Editora Bookman, 2012. KEITH, A. Sverdrup; Alison B. Fundamentals Oceanography. Duxbury. 5. Edition McGraw Hill, 2006. PANZARINE, R. N. Introduction a la Oceanografia General. Buenos Ai- res: Editorial Universitaria , 1979. Schmiegelow, J. M. M. O Planeta Azul: Uma Introdução às Ciências Ma- rinhas. Editora Interciências. 1. ed. VETTER, R. (Org.). Oceanografia: Última Fronteira. São Paulo: Editora Cutriz, 1976.
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