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Aula 7 Nova terra à vista: a restinga Breylla Campos Carvalho Jorge Soares Marques 210 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Meta Demonstrar que as restingas resultam de processos marinhos de depo- sição, sendo locais de grande interesse para ocupação humana e passí- veis de riscos, em função da ocorrência de mudanças ambientais. Objetivos Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. explicar como se forma uma restinga, identificá-la na paisagem cos- teira e descrever suas características; 2. descrever como atuam os processos marinhos em relação à evolução das restingas; 3. relacionar a restinga com outros tipos de ambiente costeiro; 4. reconhecer quais impactos ambientais podem atingir esses ambien- tes de restinga e quais são os seus mecanismos de preservação. 211 Geomorfologia Costeira História e valores para cada forma de relevo As áreas costeiras são vistas como zonas de transição entre os am- bientes marinhos e continentais. Ao atuarem, isoladamente ou intera- gindo entre si, os processos continentais e, particularmente, os mari- nhos são responsáveis pela existência e características das formas típicas de relevo desses ambientes. Como você viu nas aulas anteriores, a ação das marés, das ondas e das correntes na faixa litorânea destroem, mantém ou criam formas de relevo por erosão. Como a erosão é caracterizada por trabalhar na retirada de mate- riais, necessariamente terá que ocorrer pelo menos um transporte para efetivar a execução dessa ação. Ao continuarem em trânsito, em trajetos curtos ou mais longos, esses materiais podem se juntar (ou não) a outros aportes de sedimentos de origem marinha ou continental, que serão de- positados, necessariamente, em algum lugar, destruindo, mantendo ou criando formas de relevo. Outro fator importante na esculturação desses relevos são as varia- ções e oscilações relativas do nível do mar, que deixam suas marcas na paisagem. Assim, além das formas de relevo atuais que estão sendo tra- balhadas nas áreas costeiras, podem existir formas geradas no passa- do por erosão e deposição que testemunham essas variações e o modo como atuaram os processos. Como também foi visto na última aula, muitas vezes as formas erosivas do passado, encontradas no presente, são apenas resíduos ou indícios de sua ocorrência. Nesses casos, esses resíduos comprovam que houve um processo de erosão. Entretanto, não se pode pensar que neles existam, necessariamente, registros capazes de resgatar todas as informações necessárias para reconstituir o relevo que antes existia e desapareceu, assim como sobre o comportamento do processo que atuou sobre ele ao longo do tempo. Entretanto, quando os ambientes e seus relevos são construídos por depósitos sedimentares, tanto os atuais quanto os do passado, há a pos- sibilidade de, analisando suas camadas, entender como os processos atuaram para suas criações e durante suas evoluções, assim como verifi- car se ocorreram mudanças e como o ambiente se comportou. Utilizan- do essas análises, é possível reconstituir cenários passados, entender os atuais e ajudar a prever panoramas futuros. 212 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga As formas de relevo do ambiente costeiro apresentam uma dinâ- mica muito rápida se comparada a outros ambientes continentais, ou seja, têm uma morfodinâmica em constante mudança. A partir dessa informação e de seus conhecimentos prévios sobre as implicações das variações do nível no mar, pode-se dizer que, quando estas ocorrem, há também mudanças ou reajustes na atuação dos processos marinhos. As dunas, deltas, estuários, praias e restingas são formas de relevo produzidas por deposição de sedimentos, sendo que algumas delas têm um domínio maior das ondas e outras das marés, para seus processos de criação e em suas evoluções. Constituídas por sedimentos com baixa capacidade de coesão, como é o caso das areias, são formas de relevo bastante sensíveis a sofrerem efeitos de erosão produzidos por mudan- ças no comportamento dos processos que atuam sobre elas. Entre essas formas citadas, as restingas, há muito tempo, têm tido sua conceituação e definição bastante discutidas nos meios científicos, como é possível notar nos trabalhos realizados por autores brasilei- ros, como Silva (1936), Lamego (1940), Suguio e Martin (1976, 1978a, 1978b) e também Suguio e Tessler (1984). Constituídas por depósitos de sedimentos que surgem nas áreas costei- ras, as restingas são novas áreas, novas terras ou novos territórios criados por processos marinhos. Suas características vêm chamando cada vez mais a atenção do homem, despertando interesses diversos e conflitantes entre diferentes perspectivas que vão desde sua conservação à sua utilização. Afinal, quem eu procuro para me explicar o que é uma restinga? Ao longo de algumas décadas, pesquisadores brasileiros vêm se reunindo em torno desse tema. A partir de determinadas discus- sões, surgiram publicações muito interessantes sobre sua concei- tuação e os termos relacionados às restingas, que são empregados no Brasil, em comparação com termos utilizados em outros paí- ses. E, mais ainda, sobre o estado da arte dos estudos das restin- gas brasileiras, trazendo a divulgação dos melhores trabalhos, do passado até o presente, com avaliações de suas contribuições para o estágio atual do conhecimento sobre o assunto. 213 Geomorfologia Costeira O livro Restingas: origem, estrutura, processos, sempre citado como referência, é um compêndio de trabalhos apresentados no Simpósio sobre Restingas Brasileiras, que aconteceu em 1984, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), com artigos que tratam da caracterização do ambiente físico das restingas, de sua composição vegetal e até mesmo das ocupações humanas pré-históricas desses ambientes. Até hoje esses conceitos continuam sendo discutidos e levados em consideração nas questões ligadas à implementação da legis- lação ambiental brasileira. Algumas colocações gerais sobre as restingas De forma mais ampla, pode-se definir a restinga como um depósito arenoso (subaéreo) de baixa altitude, produzido pela dinâmica costeira, formando feições alongadas e em geral paralelas (em alguns casos trans- versais) à linha de costa. Normalmente, sua ocorrência se dá ao lado ou fechando desembocaduras de cursos fluviais, criando reentrâncias costeiras (baías e enseadas) e depressões no continente, ocupadas por lagunas ou terrenos embrejados. Em restingas atuais são encontradas praias na parte voltada para o mar aberto, assim como no reverso, quando este margeia baías ou lagunas (Figura 7.1). Figura 7.1: Restinga da Marambaia, RJ. Foto tirada do alto de uma duna de 5 metros de altitude, na porção central da restinga, que tem 40km de extensão. Do lado esquerdo, está a baía de Sepetiba e, do lado direito, o oceano Atlân- tico. Nota-se a existência de praias nos seus dois lados e, ao fundo, a silhueta das elevações do maciço da Pedra Branca, com a da pedra de Guaratiba em sua extremidade, bem à frente. Lagunas Designação dada às lagoas costeiras, geralmente rasas, que, mesmo de forma precária, mantêm ligação com o mar, razão pela qual possuem águas salgadas, que podem ser de quase doces a hipersalinas. No litoral brasileiro, muitas lagunas, inclusive famosas, receberam o nome de lagoas, como é o caso da Lagoa de Araruama (RJ), que possui alto nível de salinidade. B re yl la C am p os C ar va lh o 214 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Segundo Souza et al. (2008), quando se identifica que uma planície é formada pela ocorrência de várias feições de restingas, que se sucedem lado a lado (crescimento lateral), atribui-se a ela a designação de planície de restinga. É comum usar o termo feixes de restinga quando se identifica a ocor- rência de uma sucessão delas. Por suas características ou pelos seus tem- pos de formação, é possível agrupá-las, formando conjuntos de feixes, que representam etapas ou ciclos evolutivosdo processo de deposição, como os que são facilmente identificados na Figura 7.2. Figura 7.2: Restingas existentes à esquerda da foz do Rio Paraíba do Sul (RJ). Do mar para o inte- rior sucedem-se restingas da mais recente para a mais antiga. Nesse conjunto, identificam-se quatro feixes (as quatro faixas claras) formados, cada um deles por inúmeras restingas (visualizadas pelos lineamentos no interior de cada feixe), que corres- pondem aos ciclos evolutivos da planície costeira. O termo terraço marinho é empregado quando as restingas se apre- sentam para o interior da área costeira; portanto, não atuais, em po- sições topográficas mais elevadas do que os depósitos de sedimentos marinhos mais recentes. Jo rg e S oa re s M ar q ue s 215 Geomorfologia Costeira Quando você procurar pelo termo restinga, para que não haja dú- vida, além do significado físico, de natureza geológica-geomor- fológica, também irá encontrá-lo com significados biológicos, biogeográficos e ecológicos. No campo da biogeografia, restinga se refere ao tipo de vegetação da planície costeira, onde comunidades vegetais estão associadas às praias, dunas, cordões litorâneos e margens de lagoas. Além de sua superfície arenosa, também chama a atenção sua ve- getação típica. A Figura 7.3 mostra uma vegetação muito comum nas praias e restingas, a ipomeia (ipomoeacairica). Ela se caracteriza por ser uma planta colonizadora (ou invasora), que está sempre avançando, in- clusive em direção aos terrenos das praias. Ela e outras plantas da flora costeira permitem, quase sempre, delimitar onde começa a praia, local de atuação frequente dos processos marinhos. Figura 7.3: Ipomeia - vegetação comum em restingas. Praia de Ju- rujuba, Niterói (RJ) Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Parque_Nacional_da_Restinga_de_ Jurubatiba_34.jpg Em litorais quentes e chuvosos, os lugares de solos arenosos espessos com suas superfícies bem acima do nível do lençol freático podem se H al le y P ac he co d e O liv ei ra 216 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga tornar muito secos. Isso se deve às suas condições favoráveis de infil- tração e à evaporação das águas das chuvas, que acabam por facilitar a presença e o desenvolvimento de plantas típicas de climas secos, entre elas, as cactáceas e as bromélias. Figura 7.4: Em primeiro plano, há cactáceas, plantas também presentes no ambiente de restingas (Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, RJ). Ao fundo, há a lagoa do Paulista, onde se pode observar a disponibilidade de água no local, que indica, pelo seu nível, a posição da superfície do lençol freático que a abastece e está por baixo do terreno seco e arenoso em que estão as cactáceas. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Nacional_da_Restinga_de_Jurubatiba#media viewer/Ficheiro:Jurubatiba_-_Lagoa_do_Paulista.jpg No Brasil, como acontece em todo o mundo, as áreas costeiras, em suas planícies, sempre abrigaram grandes contingentes de população. Hoje está acontecendo uma enorme apropriação dessas planícies para utilizá-las como espaço urbano, face: • ao grande crescimento das populações das capitais dos esta- dos litorâneos nas últimas décadas; • à valorização das áreas de praias; • à expansão das atividades de veraneio e turismo. Isso tem estimulado a ocupação de locais onde existem restingas, pela qualidade de seus terrenos para a construção civil, pela visão aberta de um amplo horizonte e pela proximidade e facilidade de acesso ao mar. A utilização desordenada do solo nessas áreas costeiras tem gerado inúmeros problemas ambientais, como, entre outros, poluição, aterros P au lo N or on ha 217 Geomorfologia Costeira de lagoas e construções sobre praias e costões. Atualmente, já se tem conhecimento de inúmeros casos de erosão na linha do litoral, que não podem ser genericamente relacionados apenas às mudanças ambientais, pois causas antrópicas são também identificadas. Por isso, é importante entender como se formam e evoluem os ambientes como as restingas, para melhor atuar sobre os problemas presentes e se prevenir quanto aos do futuro. No planejamento do uso do solo, os cenários projetados de- vem levar em conta as possíveis variações do nível do mar e suas impli- cações para os ambientes costeiros já utilizados ou não pela sociedade. Na Figura 7.5, constata-se como são frequentes os locais do litoral brasileiro em que podem ser vistos ambientes que, via de regra, são tra- tados como restingas e que estão diretamente relacionados a elas. Figura 7.5: Mapa da dis- tribuição das áreas costei- ras que possuem terrenos de restingas no Brasil (Or- ganizado por Breylla Cam- pos Carvalho, 2014). Fonte: http://mapas.mma.gov. br/i3geo/datadowload.htm http://mapas.mma.gov.br/i3geo/datadowload.htm http://mapas.mma.gov.br/i3geo/datadowload.htm 218 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Atividade 1 Atende ao objetivo 1 Identifique qual a imagem que possui um ambiente de restinga. Justifi- que sua resposta. Figura 7.6 Fonte: https://www.flickr.com/photos/soldon/8245375279/ Figura 7.7 Fonte: http://www.flickr.com/photos/danieljp/5758861506/ Figura 7.8 Fonte: https://www.flickr.com/photos/bgkcram/2437546530/ R od rig o S ol d on D an ie l P er ei ra b g K cr am https://www.flickr.com/photos/soldon/8245375279/ http://www.flickr.com/photos/danieljp/5758861506/ https://www.flickr.com/photos/bgkcram/2437546530/ 219 Geomorfologia Costeira Resposta comentada Como as restingas se caracterizam por serem litorais de baixa altitude, pode- -se logo eliminar os locais A (Armação de Búzios - RJ) e B (Praia da Pipa, Timbau do Sul - RN). Sobra então a foto C (Restinga da Marambaia - RJ), que, além de apresentar um litoral de baixa altitude, mostra areias depositadas criando uma forma de relevo alongado, tendo praias em seus dois flancos. De um lado, praia oceânica e, de outro, uma praia no interior da baía de Sepetiba. Formação de restingas Vários termos têm sido criados e usados no Brasil, inclusive como si- nônimos, para designar depósitos marinhos arenosos que tenham formas alongadas, existentes no litoral, como cristas de praia, cordões litorâneos, cordões marinhos, cordões arenosos, barreiras e restingas. Entretanto, é frequente encontrar definições que buscam individuali- zar cada um desses termos por suas singularidades. Isso, em parte, deve-se à existência, entre eles, de características comuns que passam pela origem do material constituinte, de similaridades nos mecanismos dos proces- sos de formação e na própria forma do relevo costeiro. Um exemplo bem expressivo refere-se às similaridades e diferenças que poderão ser estabe- lecidas entre as características das restingas e das praias, que serão vistas na próxima aula. Ambas são depósitos de baixa altitude e frequentemente arenosos, de formas alongadas, que devem a sua existência e dinâmica, principalmente, à ação de ondas e correntes litorâneas. Para a formação de restingas, quatro condições podem ser evocadas: • fontes de fornecimento de sedimentos; • correntes de deriva litorânea; • variações relativas do nível do mar; • armadilhas para retenção dos sedimentos. 220 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Fontes de fornecimento de sedimentos Quando se fala em sedimentos, existe uma imensa quantidade de significados e informações a eles vinculada. Inclusive, deve-se lembrar que o estudo deles faz parte de ramos da Geologia, como a Sedimento- logia e a Estratigrafia. É importante relembrar os tipos de sedimentos e entender que suas características e comportamentos afetam os trabalhas por processos geomorfológicos. Os sedimentos podem ser classificados por diversos critérios. Um deles é pela sua origem: os alóctones, quando trazidos de outro lugar, ou seja, sofreram transporte de sua área de formação até seu ambiente de depósito, ou os autóctones, quando são formados dentro do ambiente em que se depositam. Quanto à sua composição, podem ser clásticos(sedimentos origina- dos a partir do intemperismo físico das rochas), químicos (produtos da precipitação química), biogênicos (gerados pela atividade biológica) e vulcanoclásticos (quando sua origem é vulcânica). Eles podem ser classificados também pela sua granulometria, ou seja, pelo tamanho de seus grãos, que podem ser grossos ou finos. Os grãos grossos (tamanho superior a 2mm) se subdividem dos maiores seixos e cascalhos até os grânulos, e os menores (inferiores a 2mm) são, em ordem decrescente de tamanho, areias, siltes e argilas. A maioria das restingas e das praias no Brasil é composta de areias. No entanto, algumas, mundo afora, podem ser constituídas por materiais mais grosseiros, como cascalhos (Figura 7.9). 221 Geomorfologia Costeira Figura 7.9: Praia de cascalho em Chesil Beach, sul da Inglaterra (A). Em (B) é possível estimar o tamanho do cascalho dessa praia, tendo o pé como escala e, em (C), classificar suas formas quanto à esfericidade e ao arredondamento. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Chesilbeachikenny.jpg, http://en.wikipedia.org/ wiki/File:Shingle_on_Chesil_Beach_at_Chesil_Cove.jpg, http://en.wikipedia.org/wiki/ Chesil_Beach#mediaviewer/File:Chesil_Stones_with_shoe_for_scale.JPG Para que uma restinga exista, é necessário que estejam disponíveis sedi- mentos no ambiente costeiro, provenientes das seguintes fontes distintas: • Encostas escarpadas sedimentares próximas às linhas do litoral, con- tendo material arenoso e submetidas aos processos de erosão. No Brasil, o exemplo mais famoso é o das falésias dos tabuleiros costei- ros, com os seus sedimentos da Formação Barreiras, que se estendem do norte do litoral sudeste até ao litoral norte do país (Figura 7.10); B re yl la C am p os C ar va lh o Figura 7.10: Tabuleiro costeiro no litoral de Marataízes (ES). Essas falésias estão sendo submetidas à erosão marinha, que retira delas seus sedimentos. http://en.wikipedia.org/wiki/File:Chesilbeachikenny.jpg http://en.wikipedia.org/wiki/File:Shingle_on_Chesil_Beach_at_Chesil_Cove.jpg http://en.wikipedia.org/wiki/File:Shingle_on_Chesil_Beach_at_Chesil_Cove.jpg 222 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga • Rios que desembocam no oceano, trazendo aportes de sedimentos: Exemplos bastante conhecidos encontram-se nos locais onde de- sembocam os rios Paraíba do Sul, Doce, São Francisco; Figura 7.11: Na imagem (A), podemos localizar o rio Paraíba do Sul (RJ). Próxi- mo à sua foz, tanto do lado direito quanto do esquerdo, há presença de enorme quantidade de restingas (identificadas pelos lineamentos paralelos existentes), que foram formadas pela ação do mar a partir dos sedimentos (areias) trazidos pelo rio. Em (B), que mostra a foz do rio Doce (ES), e (C), que mostra a foz do rio São Francisco (AL/SE), podem-se observar restingas nas duas margens de cada rio, pela cor mais clara do terreno e pelos seuslineamentos. Fonte: (A).Google Earth – Foz do Rio Paraíba do Sul. (B). Google Earth – Foz do Rio Doce (ES). (C). Google Earth – Foz do Rio São Francisco (AL/SE). • Escarpas cristalinas de serras e de maciços costeiros: no litoral sul/ sudeste do Brasil, a Serra do Mar e os maciços costeiros isolados, em seus contatos mais diretos com o mar, desempenham essa função de fornecedores de sedimentos para o ambiente costeiro pela erosão marinha e pela ação dos processos continentais (Figura 7.12); 223 Geomorfologia Costeira B re yl la C am p os C ar va lh o Figura 7.12: Itacuruçá (Mangaratiba – RJ). Aqui temos um exemplo típico do litoral sul/sudeste do Brasil, onde as escarpas da Serra do Mar “quase tocam” as águas costeiras, sendo fontes de sedimentos para as praias adjacentes. Entre as casas na base das encostas e as águas da baía de Sepetiba, é possível ver uma fina linha branca, a praia de Itacuruçá. • Areias da plataforma continental: a plataforma esteve submersa ou exposta durante períodos em que os níveis de mar eram mais baixos que o atual, passando por vários ciclos de sedimentação. Nela, anti- gos depósitos sedimentares, ao serem remobilizados em tempos mais recentes, serviram de áreas-fonte para as regiões costeiras adjacentes. Para saber mais sobre os depósitos costeiros formados por cas- calhos, não deixe de acessar o site http://www.coastalwiki.org/ wiki/Gravel_Beaches. As fotografias e modelos conceituais são bastante ilustrativos e de fácil entendimento, mesmo para quem não tem grande domínio do idioma inglês. A ação das correntes de deriva litorânea Para serem criadas restingas, assim como outras formas de relevo por processos de deposição marinha, é necessária a ação de correntes http://www.coastalwiki.org/wiki/Gravel_Beaches http://www.coastalwiki.org/wiki/Gravel_Beaches 224 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga que tragam de áreas-fonte sedimentos, ou seja, dos locais de onde eles foram retirados. Como foi visto na aula sobre ondas, elas chegam frequentemen- te atingindo o litoral em ângulo oblíquo. Em função disso, induzem a formação de correntes de deriva litorânea (longshore currents), também chamadas de correntes litorâneas. Essas correntes são bem mais desenvolvidas ao longo de linhas de costa mais retilíneas, ou seja, em que não existam obstáculos, e são im- portantes no transporte de sedimentos. Elas também são efetivas em litorais com perfis pouco inclinados. Todavia, em litorais mais íngremes, constituídos por sedimentos are- nosos, o transporte tende a se tornar mais intenso. Quando a onda se projeta sobre ele, há um transporte dos sedimentos pelo “vai-e-vem” do fluxo da água (swash-backwash). A corrente deixa apenas de se movimentar no sentido longitudinal, passando a fluir em zigue-zague (Figura 7.13). Na imagem da Figura 7.14, identifica-se a direção de incidência das ondas que produzem uma corrente litorânea. Figura 7.13: Quando a onda quebra obliquamente à linha de costa, o swash di- reciona o sedimento para a porção mais acima da praia, em determinado ângulo, enquanto o backwash traz o sedimento para a parte mais abaixo da praia, em um ângulo reto. Ondas sucessivas movem o sedimento ao longo do litoral com esse padrão de zigue-zague, tendo como resultante um transporte paralelo à costa. Swash Termo em inglês utilizado para designar o modo de a onda se projetar, como uma lâmina d’água, lavando a praia. Backwash Termo em inglês utilizado para designar o modo da onda que se espraiou e, ao retornar, como uma lâmina d’água, lava novamente a praia. 225 Geomorfologia Costeira Figura 7.14: Praia de Barra da Lagoa, Florianópolis (SC). Na porção esquerda da imagem, observam-se os lineamentos das cristas de onda que incidem na costa (geradas por ventos vindos de S e SE), produzindo na praia uma deriva litorânea para N. Em função dessa corrente, os sedimentos também estão transitando nes- se sentido. Fonte: Google Earth Cabe assinalar que, existindo correntes longitudinais, se ocorrer a saída de sedimentos de um local e não chegarem outros para repor, ali ocorrerá erosão. E, se o fluxo que leva sedimentos perder forças ou ces- sar, por obstáculos, haverá deposição no local. Onde procurar conchas na praia? Na linha de deixa. As águas das ondas são projetadas sobre a praia com certa ener- gia, trazendo e/ou mobilizando sedimentos. Quando refluem, deixam os sedimentos que são mais pesados, levando de volta os mais finos e leves. Nesse refluxo, sua energia é menor, porque já transferiu uma parte dela por impacto e atrito. Além disso, parte da água projetada se infiltra, diminuindo o volume a escoar. Essa seleção do material torna mais eficiente o processo de transporte das correntes longitudinais, pois tenderá a ter material mais leve à disposição para esse trabalho. 226 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Um aspecto interessante a ressaltar é a formação de linhas de deixa. Elas são assim chamadas porque os sedimentos mais pesados, levados até o limite do alcance das ondas em marés cheias, depositam-se formando linhas. Nesseslocais, encon- tram-se os grãos de minerais maiores e mais pesados, fragmen- tos orgânicos, como conchas e, infelizmente, detritos diversos de diferentes naturezas, classificados como lixo, muitos produ- zidos pelo homem. Na Figura 7.10, anteriormente vista, você pode observar a linha de deixa mostrando os contornos máxi- mos do espalhamento das ondas. Se quiser saber um pouco mais sobre as correntes de derivas litorâneas, o site do Centro de Estudos do Mar (CEM) da Uni- versidade Federal do Paraná (UFPR) possui um material muito interessante sobre o assunto e uma página dedicada totalmente ao ambiente praial. http://www.cem.ufpr.br/praia/pagina/pagina.php?menu=correntes Variações do nível do mar Os motivos das variações relativas do nível do mar já foram estuda- dos em aulas anteriores. Em nossa primeira aula e em outras disciplinas, você aprendeu que as mudanças climáticas provocam efeitos eustáticos, aumentando ou diminuindo o nível do mar. O resultado dessas variações relativas é o deslocamento da linha de costa, ora em direção ao oceano, quando há queda do nível do mar (regressão marinha), ora em direção ao continente, quando o nível do mar se eleva (transgressão marinha). http://www.cem.ufpr.br/praia/pagina/pagina.php?menu=correntes 227 Geomorfologia Costeira As mudanças de posição da linha de costa são caracterizadas pela regressão e pela transgressão marinha, respectivamente, em fun- ção do abaixamento e do aumento do nível do mar. Não confundir com os resultados de ações dos processos de de- posição (avanço da linha do litoral) e erosão (recuo da linha do litoral), que normalmente ocorrem nos litorais e são identificados pelos termos: • progradação: avanço da acumulação, por processos de de- posição, de sedimentos em direção ao mar, criando novos terrenos continentais; • retrogradação: avanço da ação de processos de erosão, deslo- cando a linha do litoral para o interior do continente, ampliando os terrenos marinhos. Outra consequência é também poder levar para o interior as posições da deposição de sedimentos que chegam do continente, como, por exemplo, para os rios: a foz muda de posição e, consequentemente, a deposição de se- dimentos fluviais que ali chegavam tem que mudar de posição, recuando ou avançando. Ao longo do período Quaternário, em seu tempo mais recente, o litoral brasileiro esteve sujeito a importantes variações do nível relati- vo do mar, com três fases de nível marinho mais alto que o atual. Nos dois últimos momentos, deixou registros na porção central deste lito- ral, que puderam ser reconhecidos e datados. De acordo com Suguio et al. (1985), o nível relativo do mar esteve a 8±2m (120.000 anos antes do presente (A.P.) – Transgressão Cananéia, de idade pleistocênica) e a 4,5±0,5m (5.100 anos A.P. – Transgressão Santos, de idade holocênica). Durante a Transgressão Santos, a fase de emersão após a queda do nível relativo do mar é um dado essencial para se compreender o pro- cesso de deposição dos atuais ambientes sedimentares. Em geral, esses conhecimentos podem ser utilizados para a análise de outros eventos similares ocorridos durante o período Quaternário. 228 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Segundo o trabalho de Suguio e Tessler (1984), pode-se dizer que, com o aumento do nível do mar, são estabelecidas novas posições para as ações de ondas e marés. Com isso, ganham condições para arrastar sedimentos que estão depositados na plataforma continental e na linha do litoral, e eles serão carregados e depositados dentro da nova área marinha ou na nova posição da linha da costa, formando novas restingas e praias. Armadilhas para a retenção de sedimentos Podem ser considerados como armadilhas para retenção de sedi- mentos quaisquer obstáculos que, ao longo da costa, bloqueiam ou mo- dificam as condições de trânsito de correntes. Isso quer dizer que, se as correntes passam a ter dificuldade de continuar fluindo com a mesma intensidade, por ter sua velocidade diminuída pela presença do obs- táculo, elas perdem força e, parte ou todo, o material que está sendo transportado se deposita. A formação dessas armadilhas que causam a retenção de sedimentos junto a elas ocorre em função de: • Pontais, como cabos e penínsulas, na linha do litoral Um exemplo comum ocorre quando da existência de pontais emer- sos, como cabos e penínsulas. Suas presenças podem funcionar bar- rando a passagem de sedimentos que foram transportados ao longo de linhas do litoral pela ação das correntes. Essa barragem acaba for- mando restingas e praias. Se houver um fluxo que ultrapasse esses pontais, eles também podem funcionar como ancoradouros para os sedimentos transportados por essa corrente e também poderão for- mar restingas e praias. • Formação de esporões Ao longo de restingas e praias, os sedimentos que transitam podem passar a se acumular mais em um determinado ponto do trajeto, formando pontais.Vários podem ser os motivos para dar início a esse tipo de forma: pontais submersos, influências das direções mais constantes de incidência de ondas e correntes, e até mesmo situações muito singulares, como um grande tronco de árvore, que encalha em uma praia e barra a passagem da corrente litorânea. A formação desses esporões nos ambientes costeiros acaba subdivi- dindo praias e restinga. A partir dessa situação, principalmente em baías e lagoas costeiras que se formam no reverso de restingas, os sedimentos tendem a 229 Geomorfologia Costeira avançar como pontais para o interior dos corpos líquidos.Tais sedi- mentos passam a crescer como obstáculos, retendo mais sedimentos. Esses pontais (spits), conhecidos como esporões, quando avançam no interior de lagoas e baías, aceleram os processos de deposição nesses ambientes, além de promoverem a sua subdivisão (compartimentação). • Reentrâncias na linha do litoral, como baías, enseadas e sacos Normalmente, as reentrâncias que se ampliam para o interior a par- tir da linha do litoral representam ambientes em que há a possibili- dade de ondas e de marés dissiparem suas energias, criando condi- ções favoráveis aos processos de deposição. • Ilhas e áreas de baixa profundidade, como lajes (altos fundos) Neste caso, a deposição pode ocorrer quando a passagem de correntes sofre os efeitos da presença de uma laje ou uma ilha constituída de ro- chas duras. Os sedimentos que estão sendo transportados podem ser depositados transversalmente à linha da costa, unindo a ilha ou a laje ao continente, formando um tombolo, como foi visto na aula anterior. • Relevos submersos nas áreas costeiras, como bancos arenosos A barra é um termo bastante conhecido, principalmente por dar nome a inúmeras localidades ao longo do litoral brasileiro, como, por exem- plo, a Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Por que esses no- mes? Porque nesses locais se encontram barras paralelas à linha da costa ou na embocadura de rios e canais. Elas são depósitos de sedi- mentos submersos, que se apresentam como montes (bancos de areia) com formatos geralmente alongados, que interagem com as ações de marés, ondas e correntes. A presença de barras na zona costeira pode também funcionar como um empecilho para chegada e ação direta de ondas na linha da costa; daí também a denominação de barreiras. • Fortes fluxos de vazão na foz dos rios Esses fluxos, ao se projetarem mar adentro, comportam-se como barreiras ao trânsito das correntes ao longo do litoral. • Ações antrópicas Algumas ações antrópicas criam obstáculos artificiais para induzir processos de sedimentação em proveito próprio, meritórios ou não. Alguns exemplos desses obstáculos são: molhes, píeres e enrocamen- tos. Essas estruturas de barreiras geralmente são construídas com blocos de rocha de pequenas ou grandes dimensões. Elas são feitas, muitas vezes, visando criar soluções de retenção de sedimentos para 230 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga resolver problemas de erosão ou para facilitar a saída de águasconti- nentais na foz de rios e canais. De modo clandestino, alguns tipos de ações são executados para acelerar o crescimento das terras emersas, ou mesmo para criá-las, principalmente nas margens de baías e lagoas, a fim de que sejam apropriadas ilegalmente. Atividade 2 Atende ao objetivo 2 1. Por que os sedimentos transitam ao longo da costa? 2. Qual é o papel das armadilhas que favorecem o aparecimento de restingas e como funcionam? Resposta comentada 1. Porque tanto as marés quanto as ondas geram correntes, que utili- zam sua força para mobilizar os sedimentos. A primeira gera correntes para dentro e para fora das reentrâncias do litoral. Já as ondas geram as chamadas correntes longitudinais, uma das principais responsáveis pelo desenho da linha do litoral. 2. O papel das armadilhas é o de frear ou parar as correntes. Com isso, as correntes diminuem sua velocidade, força, perdendo a capacidade de continuar transportando sedimentos, que passam a ser depositados. 231 Geomorfologia Costeira Gênese e evolução das restingas Existem vários estudos abordando teorias e hipóteses sobre a origem das restingas. Antes de apresentá-las, convém lembrar que existem, nas áreas costeiras brasileiras, restingas mais interiorizadas, que indicam antigas posições da linha da costa. Na atual linha da costa, além das res- tingas recentes, podem ser também encontradas restingas mais antigas. Emersão de barras submarinas por crescimento vertical Em 1967, um pesquisador chamado J. B. Hoyt sugeriu que os cordões arenosos na área costeira são submersos, de modo parcial, em um evento de transgressão, sendo posteriormente os núcleos de desenvolvimento de futuras restingas. Porém essa primeira hipótese de formação é consi- derada insignificante, por ocorrer apenas de maneira bastante restrita. Crescimento lateral de pontais arenosos Para alguns pesquisadores, os pontais arenosos seriam característi- cos de áreas de alto relevo e submetidos à rápida transgressão marinha, enquanto áreas com relevo mais plano seriam mais favoráveis ao isola- mento de praias em um evento transgressivo. Como a maioria das res- tingas se desenvolve em áreas planas e de pequeno gradiente, o processo de isolamento seria o mais importante para a formação delas. Migração dos cordões litorâneos com a elevação do nível do mar De acordo com Neves e Muehe (2008), a ocorrência de alinhamentos submersos de arenitos – areias consolidadas da base de antigas praias – encontrados em alguns locais do litoral brasileiro indica a posição de antigas linhas de costa. Isso sugere que os sedimentos dos cordões lito- râneos (das antigas praias) migraram para as posições atuais, juntamen- te com a elevação no nível do mar. 232 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga As ações de ondas e marés Diversos autores, como Dias e Silva (1984), sugerem a formação de restingas de acordo com as forças atuantes no seu modelado: ondas e marés (Figura 7.15). Figura 7.15: Ações de marés e ondas na formação de restingas com sedimentos arenosos à frente de reen- trâncias costeiras que, por sua vez, criam lagunas. Fonte: Adaptado de Dias e Silva (1984). • Laguna aberta e fechada tipo estuarina: representadas na Figura 7.15(A), as restingas não evoluem por conta da força das correntes de maré perpendiculares à linha de costa entre o mar e as lagunas. Os autores colocam a existência de dois tipos de laguna: uma aberta à direita e outra fechada à esquerda. Em função também do tipo de reentrância costeira, uma é mais fechada do que a outra. Quanto à formação da restinga, eles apontam que é na aberta que se encontra sua presença, por estar em paralelo à linha da costa. Consideram que, por estarem dispostas transversalmente à linha da costa, não evoluirão como restingas (Figura 7.15 (A) à direita). Daí, dos quatro exemplos apresentados, devem-se considerar apenas três como tipos de forma- ção de restinga. 233 Geomorfologia Costeira • Laguna parcialmente fechada: a Figura 7.15 (B) à esquerda mostra o de- senvolvimento de ilhas-barreiras, paralelas à linha da costa. A influência das ondas é maior que no caso da formação de lagunas abertas, porém não é suficiente para fechar os canais de comunicação da laguna com o mar, que se mantêm abertos pelas correntes de maré e fluxos fluviais. Ilha-barreira é uma feição alongada e estreita, de baixa topogra- fia, que permanece acima do nível de maré alta, podendo ser ve- getada ou não. Neste último caso, favorece à formação, sobre elas, de dunas pelo vento. São bancos de sedimentos que, se continuam crescendo, podem- -se unir, formando restingas. As hipóteses mais difundidas para sua formação são a emersão de barras de costa afora e o retrabalhamento de depósitos de frente deltaica ou topografias preexistentes, geradas durante a queda do nível do mar. • Laguna fechada: mostrada na Figura 7.15 (B) à direita. Nesse tipo de laguna, o predomínio é das ondas, que trabalham como agentes modeladores da restinga, fechando os canais de comunicação através da deposição dos sedimentos oriundos das correntes de deriva lito- rânea. Quando a vazão do interior da laguna/baía não é suficiente para manter o canal de comunicação aberto com o mar, a restinga, submetida à ação das ondas, fecha-se completamente, como é visível no último tipo (laguna fechada). Ao se observarem os quatro exemplos da Figura 7.15, percebe-se a existência de reentrâncias na linha do litoral, que são descritas como lagunas por terem águas salgadas ou salobras. As baías também são re- entrâncias no litoral, com águas salobras, que se mantêm abertas pela força do fluxo das águas continentais. Dessa forma, o exemplo em (A), à direita, poderia ser considerado uma baía. O mesmo ocorre no exemplo em (B), à esquerda, ao permanecer como parcialmente fechada. 234 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Os rios e as restingas Cabe ainda reforçar a importância dos rios também na formação de restingas. Independente do que ocorre a cada variação do nível do mar, eles trazem constantemente para o mar enormes volumes de sedimen- tos, que vão sendo trabalhados permanentemente pela ação das ondas, ao longo tempo, formando novas e sucessivas restingas. Na Figura 7.2, das restingas ao lado do Paraíba do Sul, mostrada no início desta aula, sucessivas restingas a partir da linha do litoral foram formadas com o nível do mar atual. Atividade 3 Atende ao objetivo 2 1. Observe a imagem a seguir. Pode-se observar que o molhe colocado nas margens dessa desembocadura (Barra do Furado), conhecida como Canal das Flechas, que liga a Lagoa Feia ao mar, no limite entre Quissa- mã e Campos dos Goytacazes, foi construída com o intuito de manter o canal sempre aberto, permitindo a navegação e dando saída às águas vindas da Lagoa Feia. Levando em consideração as informações dadas acima e o que você já aprendeu sobre correntes de deriva litorânea, faça uma análise dessas correntes e seus resultados (deposição sedimentar) para a localidade de Barra do Furado, em Quissamã - RJ, vista em três momentos distintos, apresentados nas imagens a seguir. 235 Geomorfologia Costeira Figura 7.16 Fonte: Google Earth 2. De que forma as ondas e marés interferem em uma restinga já for- mada? Cite situações que você conheça. 236 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Resposta comentada 1. Na imagem de 2004, a praia ao sul do canal (no lado esquerdo da ima- gem) tem mais sedimentos depositados que a praia ao norte (lado direito da imagem). Ela ainda mostra a direção de avanço das ondas que fazem a corrente de deriva litorânea ir para o norte. Com os molhes impedin- do o transporte dos sedimentos ao longo da linha de costa, eles acabam se depositando nessa porção sul. Como não chegam sedimentos para a porção que está ao norte, as ondas acabam erodindo o depósito que ali se encontra. Além disso, é visível a formação de um banco de areia den- tro do canal; certamente, areia depositada pela corrente longitudinal. Naimagem de 2010, o canal é fechado por um banco de areia transversal ao canal, e a linha de costa ao norte do molhe se encontra mais estreita que na imagem anterior. Na imagem de 2013, a desembocadura do canal se mantém quase totalmente fechada por um banco de areia, e a linha de costa ao norte continua a ser erodida. Informações locais dão conta de que dragagens são necessárias para manter o canal aberto. 2. A característica das marés influencia no desenho da linha de costa: a entrada e a saída dos fluxos de maré geram canais transversais à linha de costa, dando um aspecto recortado ao relevo litorâneo. A forma de incidência e o vai e vem das ondas mobilizam sedimentos que, levados pelas correntes ao longo da linha de costa, vão definir se as lagunas e baías terão canais de comunicação com o mar. Isso é feito pela interação entre o aporte sedimentar e as ações de retrabalhamento desse material pelas ondas e correntes. 237 Geomorfologia Costeira A imagem a seguir mostra o canal de Sernambetiba, na Baixada de Jaca- repaguá, no Rio de Janeiro, que exemplifica a situação descrita, em que as marés e ondas acabam acumulando sedimentos na embocadura do canal, dificultando e até fechando a saída de água do interior da Baixada. Fonte: Google Earth Outro exemplo é o canal do Jardim de Alah, no Rio de Janeiro, que liga a conhecida Lagoa Rodrigo de Freitas (local também muito conhecido pela montagem, todo ano, de uma gigantesca árvore de Natal) ao mar, a partir da praia do Leblon. Ele fica permanentemente fechado, pois se forma um banco de areia no seu interior, próximo à sua foz na praia. Esse banco existe e cresce porque as areias que transitam na praia pela ação de correntes são empurradas pela maré e pelas ondas para dentro do canal. Frequentemente, as areias são retiradas e o canal dragado, para que o fluxo de águas entre o mar e a lagoa continue a ocorrer. Na imagem a seguir, pode-se observar o canal, que está fechado. Diante dele, há um grande banco de areia que provavelmente apareceu após um evento de ressaca. Após esse evento, as areias desse banco devem ter voltado para a linha do litoral (praia emersa) devido à ação das ondas. 238 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Relações com outros ambientes costeiros Nas áreas costeiras, existem muitos encadeamentos entre os proces- sos que ali atuam, interligando ambientes e, muitas vezes, estabelecendo relações de dependência entre eles. É importante assinalar que os ambientes citados a seguir serão vistos nas próximas aulas. Isso permitirá que você entenda me- lhor suas características, seus processos e suas relações com os demais ambientes, como a restinga, que é o objeto desta aula. As restingas e também as praias são formas de relevo sedimentar que, quando surgem no litoral, criam barragem para o escoamento de águas superficiais do continente para o mar. Com elas, criam-se depres- sões que acumulam águas, sob a forma de lagunas, lagoas ou terrenos embrejados. Essas águas podem ficar retidas ou sair, dependendo da pressão que exerçam sobre os sedimentos das praias e restingas ou, até mesmo, da ação marinha, principalmente das ondas, que podem rom- pê-los por erosão. Desse modo, fica clara a influência das restingas para a drenagem de todos os terrenos baixos das planícies que estão em sua retaguarda, tanto das águas superficiais quanto das águas dos lençóis freáticos. No caso da presença de baías e lagoas no reverso de restingas, além de sobre elas se constituírem praias, delas poderão ser mobilizados se- dimentos que irão contribuir para ampliar o nível de sedimentação no interior desses corpos aquosos. Assim como as praias, as restingas são áreas fontes de sedimentos para a ação do vento e, com eles, formam as dunas e as fazem crescer. Outro ambiente que se associa e cria dependências com as restingas- são os mangues. A abertura ou o fechamento de canais que atravessem as restingas com águas salgadas resultam, respectivamente, em criar mangues ou destruí-los. 239 Geomorfologia Costeira Ao saber que há interações entre processos, fica bem evidente que modificações em um dos ambientes implicarão possíveis alterações em outros. Isso reforça o que você já aprendeu: que as áreas costeiras são muito sensíveis às mudanças na dinâmica ambiental. E acrescenta pre- ocupações com os resultados das crescentes intervenções antrópicas nesses locais. Explorando o planeta pelo Google Earth Já reparou que muitas das fotos utilizadas nas aulas são prove- nientes do Google Earth? Para explorar ou visualizar melhor todas essas imagens, você pode baixar gratuitamente o programa ou o aplicativo para IOS ou Android. Ele poderá ajudar muito nas aulas e nos exercícios. Atividade 4 Atende ao objetivo 3 Observe a imagem a seguir e descreva as feições e os ambientes asso- ciados a essa restinga. Se quiser mais imagens para ajudar a formular sua resposta, entre no Google Earth e digite “Baía Formosa – RJ”. Lá, você pode ampliar a imagem e clicar nos pontos azuis para visualizar as informações e fotografias do local. 240 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Figura 7.17 Fonte: Google Earth Resposta comentada A imagem mostra uma restinga tendo, de um lado, a praia e, em sua retaguarda, uma ampla área arenosa contendo dunas. Estas se dispõem em duas posições: uma mais próxima da praia atual e outra mais distan- te, no limite mais interior da restinga. Impactos ambientais e formas de preservação das restingas As restingas são ambientes frágeis e estão expostas a grandes impac- tos ambientais devido ao incremento da expansão das ocupações para habitação, das atividades econômicas e turísticas nas áreas costeiras nos últimos anos. O aumento na erosão costeira é apenas um dos problemas mais visíveis nessa região. No século passado, levando-se em conta aspectos como saneamento de grandes áreas embrejadas nas planícies costeiras e a melhoria de sua drenagem, foram realizadas grandes intervenções no litoral brasileiro. No estado do Rio de Janeiro, restingas foram cortadas para a construção de 241 Geomorfologia Costeira canais permanentes, que escoam as águas continentais, o que fez com que as lagoas costeiras voltassem a receber águas salgadas do mar. Como con- sequência, foram ampliadas as áreas nas planícies, passíveis de utilização pelo homem. Com a ocupação de suas áreas, houve um crescente aumen- to da poluição das lagoas e das praias, onde esses canais desembocam. Infelizmente, a poluição desses locais persiste até nossos dias. São exemplos de lagoas do estado do Rio de Janeiro que voltaram a viver como lagunas: Saquarema, Maricá, Itaipu, Piratininga, Tijuca, Camorim, Jacarepaguá e Marapendi. Na lagoa Rodrigo de Freitas, na cidade do Rio de Janeiro, várias inter- venções com grandes obras, que tentaram ligá-la ao mar de modo mais permanente, são bem mais antigas, tendo sido iniciadas por volta de 1850. De maneira a diminuir os impactos ambientais nesse ambiente, fo- ram criados mecanismos legais, a fim de proteger as restingas. De acordo com a Resolução 303 do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambien- te), ela é uma área de preservação permanente. A restinga, considerada local de preservação, deve ter uma faixa mínima de 300 metros, medidos a partir da linha máxima de maré alta, em qualquer localização, quando coberta por vegetação fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues. A necessidade de se preservarem as restingas deve-se em muito à sua diversidade biológica e sua importância no relevo litorâneo. Elas apresentam alto grau de conectividade com os demais ambientes, con- tribuindo na manutenção dos processos geomorfológicos e ecológicos das planícies costeiras. Além disso, nos locais onde ocupam uma larga faixa na linha do litoral, elas também podem fornecer proteção para o interior do continente contra os efeitos de ações de erosão marinha. Como exemplos de áreas de preservação de restingas, temos o Par- que Nacional da Restinga de Jurubatiba ea Reserva Ecológica da Ju- atinga, no RJ; a Restinga Ponta das Canas e Ponta do Sambaqui, em SC, e o Santuário de Proteção e Recuperação da Restinga do Distrito de Caravelas, na BA. Conclusão As restingas são novas terras emersas, criadas por processos mari- nhos. Como foi visto ao longo desta aula, elas ocupam grandes espaços nas áreas costeiras, sendo atualmente muito valorizadas em suas posi- ções mais próximas do litoral, principalmente por nelas existirem praias. 242 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga Pelo fato de muitas restingas terem sido formadas em função de mu- danças no nível do mar, é importante conhecê-las melhor, para nos preve- nirmos dos efeitos de novas mudanças que possam redesenhar os litorais. Além disso, reconhecer o seu papel nos ambientes costeiros, os re- cursos que podem oferecer e as limitações que possam existir para sua ocupação é uma iniciativa necessária para a manutenção da qualidade de vida nesses locais. Atividade final Atende ao objetivo 4 A baixada de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, é a grande área plana na qual tem ocorrido, nas últimas décadas, a expansão da cidade. Em 2010, ela já abrigava mais de um milhão e meio de habitantes. Esse local pos- sui várias lagoas, como a de Marapendi, da Tijuca, de Jacarepaguá e de Camorim. Além disso, recebe as águas de rios que nascem nas áreas elevadas do maciço da Tijuca e do maciço da Pedra Branca. As lagoas são poluídas por receberem esgotos de toda a baixada de Jaca- repaguá e dos maciços, via drenagem. Apenas mais recentemente, elas começaram a obter maiores atenções e ações por parte dos governos, para a resolução desse grande problema de saneamento. Utilizando o link a seguir, transite pela imagem da linha do litoral. Siga toda a restinga da Barra da Tijuca para a direita e para a esquerda, ul- trapassando o tômbolo de Sernambetiba até o final da praia do Recreio. Após observar o local, responda às perguntas a seguir. http://www.agrogemeos.com.br/bairro_rio_janeiro_barra_da_tijuca.html Você encontrou quantas saídas de água continental para o mar? Onde elas se localizam? Qual a diferença entre elas? Que águas saem por elas? Elas podem afetar a balneabilidade das praias? Por quê? http://www.agrogemeos.com.br/bairro_rio_janeiro_barra_da_tijuca.html 243 Geomorfologia Costeira Resposta comentada Existem apenas duas saídas (nos quase 20km de restinga). Localizam-se ao lado de pontais rochosos que limitam a baixada e o trânsito de cor- rentes longitudinais. No da direita (Canal da Joatinga), existe um píer construído, e a saída de água é livre da ação de correntes longitudinais. No da esquerda (Canal de Sernambetiba), existe muita areia depositada, dificultando a saída das águas, e não há nenhum enrocamento. Por elas, saem as águas do interior da baixada, que ali chegaram pelas chuvas, pelos rios, pela entrada de águas das marés e pelos esgotos (grande parte não tratada). As ondas e as correntes litorâneas participam da distribui- ção dessas águas ao longo da praia, tornando trechos da praia muitas ve- zes impróprios para o banho de mar, como ao lado da saída dos canais. Resumo Foi aprendido que: • as restingas são feições do relevo costeiro, formadas a partir de uma fonte de sedimentos de material arenoso, transportados a partir de correntes de deriva litorâneas; • Existem restingas formadas a partir do retrabalhamento de sedimen- tos antigos durante variações relativas do nível do mar, os quais fo- ram depositados nas reentrâncias da linha de costa; • as restingas se formam sobre relevos suaves e, uma vez formadas, são retrabalhadas pelas ondas e correntes; • na formação de restingas, pelo menos 4 condições devem ser desta- cadas como importantes: a fonte dos sedimentos, a atuação das cor- rentes, as variações do nível do mar e a existência de armadilhas ao longo do trânsito de sedimentos; • a atuação de correntes litorâneas, derivadas das ações de marés e ondas, levando-se em conta as interações desses processos com as condicionantes locais e gerais, implica entender que a formação de 244 Aula 7 • Novaterra à vista: a restinga restingas e sua evolução podem se realizar de diversos modos, geran- do complexas teorias e hipóteses, que tentam sistematizar e definir suas diversas origens e formas; • as restingas são lugares sensíveis às mudanças e se associam com outros ambientes; • atualmente, as restingas das áreas costeiras brasileiras estão sujeitas a muitos impactos ambientais. Informação sobre a próxima aula O conteúdo da próxima aula será relativo às praias. Referências DIAS, G. T. M. & SILVA, C. G. 1984. Geologia de depósitos arenosos cos- teiros emersos – exemplos ao longo do litoral fluminense. In: LACERDA, L. D., ARAÚJO, D. S. D.; CERQUEIRA, R.; TURCQ, B. (Orgs). Restin- gas: Origem, Estrutura, Processos. CEUFF, Niterói, 1984, p. 47-60. HOYT, J. H. Barrier island formation. Geological Society of America Bulletin, Boletim 78, 1967, p. 1124-1135. LEEDER, M. Sedimentology and sedimentary basins; from turbulence to- tectonics. Londres, Blackwell Science, 1999, p. 592. LACERDA, L. D.; ARAUJO, D. S. D. & MACIEL, N. C. Restingas brasi- leiras: uma bibliografia. Rio de Janeiro, Fund. José Bonifácio. 1982, p. 55. LACERDA, L. D. de; ARAÚJO, D. S de D.; CERQUEIRA, R.; TURCQ, B. (Org). Restingas; origem, estrutura, processos. Niterói, CEUFF, 1984. p. 477. LAMEGO, A. R. Restingas na costa do Brasil. Rio de Janeiro, DNPM, Boletim 96, 1940, p. 63. MUEHE, D. 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