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Aula 8 Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Breylla Campos Carvalho Jorge Soares Marques 248 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Meta Demonstrar que as praias são relevos que constantemente podem ser modificados sem que necessariamente deixem de existir. Objetivos Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. identificar as principais características das praias; 2. explicar que as praias são ambientes muito dinâmicos, pois estão permanentente sob a ação de marés, ondas e correntes; 3. descrever como é possível analisar a dinâmica praial. 249 Geomorfologia Costeira Praias, locais muito valorizados A partir do início do século XX, as áreas continentais em contato com o mar começaram a despertar grande interesse, pois o banho de mar se tornou uma prática de lazer cada vez mais valorizada. Junto com ela, intensificou-se a ocupação das áreas costeiras para atividades de ve- raneio, de turismo e da prática de diversos esportes nas praias e no mar. As áreas tropicais úmidas, como o litoral do nordeste brasileiro, com temperaturas mais quentes no continente e no mar, por grandes perío- dos do ano, passaram a ter importância e preferências por permitirem maior e melhor nível de utilização de seus ambientes costeiros. Outros lugares onde esse clima se apresenta mais seco, com menos dias de chuva por ano, também agregaram valorização. No estado do Rio de Janeiro, são exemplos os municípios com territórios no entorno da Lagoa de Araruama, como Cabo Frio, um dos primeiros a ganhar destaque (Figura 8.1) Figura 8.1: O banho de mar na praia do Forte, Cabo Frio (RJ). Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki//File:PraiaForte-CaboFrio1.jpg Essas valorizações estimularam a especulação imobiliária nesses lugares e, consequentemente, o aumento do preço da terra. Com isso, ocorre o aparecimento de grandes contrastes no processo de ocupação das áreas costeiras. Restingas e praias passaram a ser objeto de gran- des investimentos e de concentração de populações de maior renda. 250 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Por sua vez, populações migrantes, atraídas por novos empregos, tam- bém se adensaram nas periferias dessas áreas urbanas, em terrenos des- valorizados e carentes de infraestrutura. Entretanto, junto aos predicados atribuídos a essas áreas pela ocupa- ção, foram agregados problemas, entre eles a degradação dos ambientes costeiros, a poluição das águas do mar e a erosão. Poucos se dão conta de que é provável existirem dezenas de milha- res de praias ao longo do litoral de todos os continentes e das ilhas que são banhadas pelo mar. Embora todas possuam características comuns entre si, há uma grande diversidade de aspectos próprios que as indivi- dualizam no tempo e no espaço. Dificilmente encontraremos uma praia completamente estudada e conhecida em seus aspectos físicos, quími- cos e biológicos. Mais difícil ainda é saber, detalhadamente, como foi toda a história da presença e da convivência dos homens junto a ela, como isso é hoje e como se espera ser no futuro. Todavia, na medida em que se tem um maior conhecimento dessas áreas, aumentam as perspectivas de poder conservar e utilizar o que elas oferecem de melhor e de entender como contribuem para ampliar a qualidade da vida das atuais e futuras populações humanas. Como são definidas as praias Os ambientes costeiros são áreas altamente dinâmicas, que se encon- tram em constantes mudanças, devido às forçantes naturais e antrópicas (MARTINS et al., 2004). Entre esses ambientes, é nas praias que encontramos exemplos mar- cantes desse dinamismo. Em praias oceânicas, mesmo que elas conti- nuem existindo por centenas de anos, verificam-se alterações frequen- tes, até mesmo diárias, em sua morfologia. Você, como muitas outras pessoas, ao frequentar um desses locais, talvez não tenha percebido que eles têm um relevo que nem sempre se apresenta como uma forma totalmente semelhante. Mas, afinal, o que seria uma praia? Apenas um local onde gostamos de ir para tomar banho de mar? Existem várias definições. Entre as que se seguem, atribuem destaque as condições mais marcantes para a existência das praias. 251 Geomorfologia Costeira A definição clássica a caracteriza como um ambiente costeiro for- mado comumente por areias de constituição variada, com sua extensão indo desde o início da ação das ondas sobre o fundo marinho até o limite de ação das ondas de tempestade ou de bruscas mudanças fisio- gráficas (KING, 1972). Muehe (1984) descreve a praia como um depósito de sedimentos, em geral arenosos, acumulados por ação de ondas. Devido à mobilidade deste ambiente, a praia se ajusta às condições de ondas e marés. O citado autor, em 2012, define processos costeiros como “agentes que, provo- cando erosão, transporte e deposição de sedimentos, levam a constan- tes modificações na configuração do litoral”, apresentando a seguinte relação semiquantitativa: lc α (Qs . G / E) – (β / ΔM) Por meio dela, é visto que o deslocamento da linha de costa (lc) é pro- porcional à taxa de aporte de sedimentos (Qs), multiplicado pela razão entre sua granulometria (G) e a energia da onda (E), menos a razão entre inclinação do fundo marinho (β) e variação da amplitude de oscilação do nível de mar (ΔM). Nota-se que Qs sendo negativo indica o recuo da linha de costa. Observa-se, ainda, que o resultado do cálculo depende dos valores colocados que diretamente representam o nível de ação das ondas, das marés e, consequentemente, das correntes que delas derivam. Tessler e Mahiques (2000), por sua vez, definem a praia como um am- biente sedimentar costeiro, formado comumente por areias, com com- posição variada, desenvolvendo-se em zonas preferenciais de deposição de sedimentos, como resultado de processos de arrebentação de ondas. Nessas definições, são indicadas três condições necessárias para a formação de uma praia: • a ação das ondas; • o aporte de sedimentos suficientes para formação de depósitos; • o espaço de acomodação para esses sedimentos. Nas aulas anteriores, em particular na aula sobre restingas, esses três elementos já foram apresentados a você: como as ondas mobilizam sedi- mentos, de onde vêm os sedimentos depositados pelos processos mari- nhos e por que eles são aprisionados em um local. Em vários momentos 252 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? desta aula, você terá oportunidade de ter abordagens que levam esses elementos em conta. Há, ainda, dois aspectos a ser ressaltados, que não estão explícitos nessas definições. O primeiro se refere à participação, no processo, das correntes longitudinais, que são geradas a partir da própria ação das ondas. O segundo, por as praias serem depósitos sedimentares, elas de- vem ser entendidas também como um relevo, cujas características são passíveis de serem reconhecidas e descritas. Praias Onde estão? As praias são encontradas frequentemente nas bordas das restingas (internas e externas), à frente de relevos elevados, como as falésias, e ao lado das embocaduras dos rios no mar. A Figura 8.2 mostra uma praia da lagoa costeira de Araruama (RJ), constituída sobre a borda interna da restinga de Massambaba, cuja formação foi a responsável pela existência dessa lagoa. Figura 8.2: Praia no interior da Lagoa de Araruama (RJ). Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Araruama#mediaviewer/File:P1070984.JPG As praias não estão apenas associadas aos ambientes marinhos. Elas estão presentes também nas margens de rios, lagos, lagoas, lagunas e represas. Todas têm em comum a participação de ondas na sua forma- ção e o fato de serem constituídas de sedimentos inconsolidados, isto é, soltos, não coesos. E b en gt so 253 Geomorfologia Costeira Mesmo em praias artificiais com aterros, construídas pelo homem, as ondas, que sempre chegaram ao local, logo assumem o controle de modelar a forma desses depósitos sedimentaresna linha do litoral. Em praias de litorais muito rasos ou no interior de baías, com pouca abertura para o oceano, a atuação maior das ondas só ocorre por conta de ventos locais e, principalmente, em momentos de tempestade. Nesses locais passam a ser mais sentidas as influências da maré. A Figura 8.3 mostra uma dessas praias, cuja tranquilidade das águas permite uma maior segurança, banho de mar para todos, principalmente para idosos e crianças pequenas. Figura 8.3: Praia da Bica, no Jardim Guanabara (Ilha do Governador – Rio de Janeiro - RJ). É uma praia localizada no interior da Baía da Guanabara. Ondas de maior energia que ali chegam são geradas principalmente quando ocorrem ventos locais de maior intensidade, por condições ditas de mau tempo, ven- tanias e tempestades. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki//File:Praia_da_bica.jpg Além das praias atuais, existem outras, consideradas fósseis. Elas são encontradas no interior da zona costeira emersa e são testemunhos de antigas posições da linha da costa. Podem ter deixado de existir como praias por ações tectônicas, recuos do nível do mar ou quando, por pro- gradação, sedimentos foram sendo depositados à sua frente, fazendo com que o mar “recuasse” localmente. S ilv ia R ei ts m a 254 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Divisões do ambiente praial O ambiente praial pode ser dividido em função da área de atuação dos processos ou de aspectos morfológicos. Área de atuação dos processos Conforme apresentado no esquema (Figura 8.4), há uma divisão en- tre a área costeira e a litorânea, cada uma definindo espaços de atuações específicas de processos e suas interações. Figura 8.4: Esquema da área de atuações de processos. A área litorânea subdivide-se em: • zona sublitorânea (nearshore): com uma parte mais externa (offshore) e outra interna (inshore), que atinge a posição do nível de maré baixa. Nela se faz sentir a ação das ondas. • zona supralitorânea (shore): tem uma parte menor (foreshore), que vai do nível de maré baixa ao nível de maré alta, e outra maior (backshore). A parte maior começa do nível de maré alta até a área limite de incidên- cia das ondas, onde podem ser encontradas a vegetação, as dunas ou as falésias. Destacam, respectivamente, a influência de marés e de ondas. A área costeira emersa, por sua vez, estende-se da zona de arrebenta- ção de ondas para além do limite do alcance de sua incidência. 255 Geomorfologia Costeira Aspectos morfológicos Conforme apresentado na Figura 8.5, a divisão evidencia as formas encontradas: Figura 8.5: Esquema da divisão por aspectos morfológicos. • Na área submarina, a depressão e a barra (ou cava) são formas carac- terísticas da zona de arrebentação; • Na antepraia, destacando o terraço de maré, construído na zona de surfe, e, mais adiante, a face da praia e a berma, localizada na zona de espraiamento da onda; • No pós-praia, o reverso da berma. Berma - formada na praia com a sedimentação da areia pela ação das ondas. Sua parte superior se apresenta como uma superfície horizontal ou levemente inclinada em direção ao continente, en- quanto que, em direção ao mar, inclina-se de modo mais acen- tuado. Entre a parte frontal e o reverso, pode ser evidenciada a formação de uma crista. As bermas não são encontradas em todas as praias. Em uma mes- ma praia, sua presença não é constante e é possível ocorrer, ao mesmo tempo, mais de uma berma. 256 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? O que uma falésia e um cliff têm em comum? A palavra cliff é uma terminologia em inglês empregada para de- signar um desnivelamento do terreno de forma abrupta, como um degrau, independentemente de sua altura. Sua tradução como falésia tem ligado o termo aos terrenos topograficamente elevados, principalmente em áreas costeiras. Entretanto, ela pode ser empregada para grandes e pequenos desníveis, no perfil de qualquer encosta ou mesmo em perfis de terrenos relativamente baixos, como praias. A importância da identificação de um cliff (falésia) é que ele pode estar marcando no terreno a ocorrência de um evento de caráter erosivo. Dimensões das praias Mudanças que resultem em intensificação da atuação de processos de erosão ou de sedimentação, inclusive por ações antrópicas, podem trazer transformações irreversíveis em praias e restingas. Mesmo que não ocorram essas mudanças, como você aprendeu em aulas anteriores, há níveis de variabilidade na atuação dos processos marinhos que contribuem para que as formas tenham que se submeter a constantes reajustes. Com as praias, não é diferente. As praias apresentam três dimensões em sua porção emersa: com- primento, largura e espessura (altura), as quais podem ser observadas na Figura 8.6. 257 Geomorfologia Costeira Figura 8.6: Dimensões de uma praia. a) Comprimento O comprimento das praias se refere à sua extensão ao longo da linha do litoral. Algumas têm poucos metros de comprimento, enquanto ou- tras podem atingir dezenas de quilômetros de extensão. A delimitação desse comprimento é fácil quando a praia está limi- tada por pontais em suas extremidades. Quando eles não existem de forma marcante, as correntes litorâneas que trafegam livemente, mobi- lizando os sedimentos, ajudam a aumentar a impressão de que se tem ali apenas uma enorme praia. Entretanto, considerando que as praias se apresentam mais como um arco voltado para o mar do que como uma reta, se for perceptível a identificação de pontos de inflexão na linha do litoral, é porque existe mais de um arco praial. Portanto, nesse trecho, ocorrem praias que se sucedem, onde aparentemente só existia uma (Figura 8.7). Situação contrária também é possível. Se um pontal resis- tente for erodido, as duas praias delimitadas por ele podem se transfor- mar em uma só. 258 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Figura 8.7: Imagens do litoral do município de São Francisco do Itabapoana (RJ). Na imagem, é mostrada a Ponta do Retiro, em direção ao sul; identifica- -se um litoral constituído por sucessivas praias. Inflexões nesse litoral delimi- tam cinco arcos praiais. A delimitação entre os dois últimos arcos, mais ao sul, quase não é percebida. Fonte: Google Earth b) Largura A largura da praia emersa é tomada a partir do nível de maré baixa até a linha estabelecida pela posição que as ondas alcançam. Essa posi- ção para o interior é frequentemente identificada pela presença de vege- tação, de dunas ou da base de uma encosta de um relevo mais elevado. Essa largura pode aumentar ou diminuir em função das seguintes condições: • Em situações de tempestade (ressaca), as ondas e as correntes asso- ciadas tiram os sedimentos da parte emersa para a parte submersa. A praia fica mais estreita, menos larga, só voltando à situação anterior se as ondas trouxerem os sedimentos de volta. • A incidência das ondas que atingem obliquamente o arco da praia tende a produzir correntes, podendo tirar areias de uma extremidade e levá-las para outra. Um lado fica mais largo e, o outro, mais estreito. Invertendo- -se a incidência das ondas, as áreas de erosão e deposição também se invertem. Ocorrendo essas situações, o arco oscila, mantendo-se apenas a sua porção central sem mudança de largura (Figura 8.8). 259 Geomorfologia Costeira Figura 8.8: Os sedimentos se mobilizam de um lado para o outro, depen- dendo da direção de incidência das ondas, aumentando a largura da praia de um lado e diminuindo do outro. Em A e C, estão representadas as situa- ções extremas. Em B, a incidência das ondas é praticamente frontal. Na figura mais abaixo, é ilustrada uma situação quando a movimentação de sedimentos pode ocorrer na parte externa e interna de uma praia ou em uma restinga, que tenha uma baía ou lagoa, criando um formato em planta semelhante a uma lente bicôncava. O trabalho de seleção das areias da praia e a formação de dunas Quando os sedimentossão retirados de um lado da praia e le- vados para o outro, está ocorrendo um trabalho seletivo. Estão indo grãos de areia mais finos para um lado e ficando os mais grosseiros no outro. Essa concentração facilita o trabalho de ou- tro processo, o eólico. Tal fato explica por que, preferencialmente, tende a ocorrer um maior desenvolvimento de dunas nas porções extremas dos arcos das praias e das restingas. 260 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? c) Altura ou espessura Diz respeito ao volume dos sedimentos das praias. Esse volume pode aumentar ou diminuir sob o efeito da ação das ondas ou do vento. • A ação do vento sobre a superfície seca é capaz de retirar (erosão) os sedimentos soltos e carregá-los para formar dunas na retaguarda da praia. Com isso, diminui o volume de areia da praia, e o mar tende a avançar nas marés mais altas e na chegada de ondas maiores. Se o avanço for muito efetivo, as ondas irão erodir as dunas e trazer as areias de volta, reequilibrando a dinâmica praial. • Em situações de tempestade (ressaca), as ondas tendem a retirar as areias da parte emersa e levá-las para a área submersa. Retornando às condições normais, elas trabalham no sentido inverso, levando de volta o sedimento para a praia. Tesouros escondidos e proteção das praias Mais uma vez, chama-se atenção para o trabalho seletivo da ero- são pelas ondas, tirando os sedimentos mais finos e deixando os mais grosseiros. O efeito desse processo resulta em colocar, no pacote de areia da praia, os sedimentos grosseiros cada vez mais para baixo, e os finos que chegam ficam na posição superior. Por sua vez, a presença dos finos em superfície facilita o trabalho da erosão pelo vento, que leva esses sedimentos para além da praia, formando dunas. Muitos objetos, inclusive de valor, são perdidos na praia por ba- nhistas, que não conseguem mais achá-los depois que caíram dentro da água, pois rapidamente tais objetos são enterrados na areia. Em função disso, existe uma atividade curiosa, a de mi- neradores ou faiscadores de praia. Para eles, após momentos de forte erosão, é hora de trabalhar, pois o material grosseiro, que estava em posições mais interiores do pacote sedimentar, tende a ficar mais exposto, tornando-se mais fácil encontrar objetos de valor perdidos, como anéis, cordões e pulseiras. Se o efeito de ressacas, retirando sedimentos, for muito intenso, a erosão pelas ondas irá atingir as dunas, fazendo retornar para 261 Geomorfologia Costeira a praia areias que o vento lhe havia tirado. O processo de vol- ta das areias das dunas para as praias é uma ação que garante o reequilíbrio do ambiente. Infelizmente, a retirada das areias das dunas, para diversos fins, tais como construções de ruas e edifi- cações sobre sua antiga área, resulta na perda da proteção contra os efeitos da erosão, que antes era natural. Caso não exista para a praia a contribuição de nova fonte de areia, os problemas de erosão tornam-se recorrentes, com prejuízos sempre crescentes. Em muitos locais, a solução tem sido o engordamento das praias com caros aterros hidráulicos, que trazem areias da plataforma marinha próxima. Atividade 1 Atende ao objetivo 1 Estabeleça as relações entre as colunas. a) condições para a existência de praias b) ação de ondas e correntes longitudinais c) retirada de sedimentos da praia d) influência maior da maré e) delimitação do comprimento das praias f) praias g) zona supralitorânea h) reverso da berma i) trazidas de volta para a praia pelas ondas de tempestade j) posições nas praias e nas restingas que pouco variam lateralmente ( ) ondas e ações eólicas ( ) disponibilidade de sedimentos ( ) ambientes de deposição construídos por ondas ( ) centro dos arcos ( ) pós-praia ( ) transporte de sedimentos para a extremidade da praia ( ) areias das dunas ( )do nível de maré baixa até onde as ondas atingem ( ) presença de substratos resistentes ( ) praias em ilhas no interior de baías 262 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Resposta comentada A ordem correta será c - a - f - j - h - b - i - e - d As relações estabelecidas ressaltam as condições necessárias para sur- girem praias, as características que possuem e a dinâmica de proces- sos que sobre elas atuam. Para existirem, é necessária, em princípio, a disponibilidade de sedimentos. Em sua formação, o tipo de substrato pode delimitar seu tamanho. As variações das marés podem ser bem delimitadas em todas as praias; já suas atuações são maiores em praias abrigadas. Cabem às ondas e correntes as atuações mais importantes na modificação de suas formas, com a mobilização de sedimentos, prin- cipalmente em direção às posições extremas. Já as dunas, formadas a partir da atuação dos ventos no reverso das bermas, poderão restituir as areias às praias, caso a ação erosiva das ondas chegue sobre elas. Sedimentos das praias Qualquer pessoa leiga não deixará de reconhecer que a presença da areia é algo inerente aos ambientes de praia. Pode chegar a sentir que ela não é igual em todas as praias; entretanto, o que a maioria não sabe é que, através do estudo desses sedimentos e até mesmo dos grãos de areia, muitas informações importantes são obtidas. Com essas infor- mações, ampliam-se os conhecimentos relativos às características das praias e os recursos que elas dispõem para diversas atividades humanas. O conhecimento da maneira como os processos atuam é um primeiro passo para obterem-se meios de analisar e interpretar ambientes de de- posição recentes e antigos. Os sedimentos, via de regra, são depositados formando camadas ou estratos superpostos, em que os materiais mais recentes estão na parte superior, e os mais antigos, na parte inferior, criando assim uma escala relativa de tempo. Por sua vez, os modos de depositar também podem deixar o seu registro, ou seja, a forma de de- pósito, como, por exemplo, as bermas em uma praia (Figura 8.9). 263 Geomorfologia Costeira Figura 8.9: Perfil de praia, evidenciando a forma de uma berma. Para a construção dessa forma, a onda, ao se lançar sobre a face da praia, empurra e espalha uma lâmina de sedimentos que, em seguida, vai sendo recoberta por outras. Algumas ondas mais fortes podem ul- trapassar a crista da berma e espalhar sedimentos em seu reverso. Es- sas ações serão as responsáveis por criar a estrutura no depósito, onde aparecem estratos de sedimentos que mergulham em direção ao mar e outros que mergulham em direção oposta (Figura 8.10) Figura 8.10: Estrutura sedimentar de uma berma. As ondas depositam sedimentos, formando camadas superpostas nas posições indicadas pe- los mergulhos. Caso muita água lançada pela onda ultrapasse a berma, ela pode se deslocar na direção das setas ao lado do x na figura, criando outro tipo de estrutura. Ao cavar um buraco na face de uma praia, a presença dessas cama- das poderá ser vista, principalmente, se existirem grãos de minerais mais escuros e mais claros de diferentes densidades, depositados em camadas diferentes. Quando, em um depósito arenoso, próximo ao litoral, são encontradas estruturas similares às apresentadas na Figura 8.10, po- de-se admitir que elas sejam de uma antiga praia. Tal interpretação 264 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? torna-se mais consistente levando-se em conta a análise do tipo de sedimentos encontrados e o reconhecimento da forma do relevo em que eles foram depositados. Com relação aos sedimentos, as partículas (ou grãos) que os formam têm tamanhos mais ou menos diferenciados. Cada praia pode ter um tamanho predominante de grãos de areia, mas sabemos que, mesmo assim, haverá nela variações nesses valores. Os tamanhos dos grãos de areias das praias dependem das fontes de onde vieram, da intensidade e do tempo em que são trabalhados. As ondas trabalham os sedimentos das praias com mais intensidade do que as marés. O fato de as praias oceânicas estaremmais expostas ao traba- lho das ondas explica porque suas areias tendem a se tornar cada vez mais finas, enquanto nas mais abrigadas, no interior de lagoas e baías, o domínio maior de marés explica por que seus sedimentos tendem a ter maior talhe (tamanho). Nem sempre apenas o tamanho é suficiente para saber se o sedimen- to é muito ou pouco trabalhado. O fato de existirem praias de seixos não quer dizer que eles são pouco trabalhados. A forma do grão de areia é bastante reveladora. Quanto mais arredondado, mais trabalho; quanto mais anguloso, menos trabalho. Outro indicativo de trabalhamento do grão é o seu polimento. Quanto mais polido e brilhante, mais trabalhado é o grão. A Figura 8.11 mostra grãos de quartzo maiores que areias, arre- dondados, polidos, brilhantes; portanto, muito trabalhados. Figura 8.11: Grãos de sedimentos da praia de Itaipuaçu – Maricá - RJ Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro: AreiaEZ.jpg Outra característica bastante interessante é a cor dos sedimentos. Praias de areias claras, esbranquiçadas, predominam. Mas existem praias de outras cores, como podemos ver na Figura 8.12. E ur ic o Z im b re s FG E L/ U er j 265 Geomorfologia Costeira Figura 8.12: (A) Praia Punaluu (Havaí), areia preta, com fonte de basalto; (B) Praia Pink Sand (Bahamas), areia rósea, com fonte de corais; (C) Praia Hyams (Austrália), areia super branca, com fonte de quartzo puríssimo; (D) Areia ver- de, com fonte de olivina; (E) Praia Kaihalulu (Havaí), areia vermelha, com fonte de arenito; (F) Praia Pfeiffer (Califórnia), areia púrpura, com fonte de granada. Fonte: (A): http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/19/Punaluu_Black_Sand _Beach,_Hawaii,_USA7.jpg; (B): http://www.flickr.com/photos/pazzani/5279465868;(C): http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b4/Hyams_Beach,_Jervis_Bay,_ Australia.jpg; (D): https://www.flickr.com/photos/anitagould/11445382884/; (E): http:// www.flickr.com/photos/cnash/4524742863; (F): https://www.flickr.com/photos/pamo campo/3618986069/ Cada cor vincula-se a um tipo de material que constitui a areia. Por- tanto, dependendo da composição química dos minerais que formam o grão e da concentração de um deles, a praia terá uma determinada cor. Assim, para saber das propriedades e características das areias de uma praia, é necessário estudar a composição mineralógica dos grãos. Microscópios do tipo binocular são os instrumentos mais simples que podem ser diretamente utilizados, tanto para verificar a forma quanto para identificar o mineral que constitui cada grão de areia. M ik e B ird s A ni ta G ou ld P am el a O ca m p o C ou rt ne y N as h http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/19/Punaluu_Black_Sand_Beach,_Hawaii,_USA7.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/19/Punaluu_Black_Sand_Beach,_Hawaii,_USA7.jpg http://www.flickr.com/photos/pazzani/5279465868 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b4/Hyams_Beach,_Jervis_Bay,_Australia.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b4/Hyams_Beach,_Jervis_Bay,_Australia.jpg https://www.flickr.com/photos/anitagould/11445382884/ https://www.flickr.com/photos/pamocampo/3618986069/ https://www.flickr.com/photos/pamocampo/3618986069/ 266 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Disso resultam muitas respostas a diversas indagações, como: de onde vieram os sedimentos? Existe algum mineral de valor? Um exemplo curioso é o de algumas praias na África do Sul. Entre os seus grãos de areia, podem ser encontrados diamantes. Isso ocorre, pois, em um longo tempo geológico, sucessivos períodos de ação do intemperismo liberaram das rochas os resistentes diamantes. Como se- dimentos, eles foram levados por processos continentais, assim como o fluvial, para o mar, e acabaram voltando, pela ação marinha, para praias na linha da costa. Mesmo não tendo uma pedra preciosa, grãos de areia podem con- ter substâncias de grande valor. Assim são as areias monazíticas, compostas principalmente por minerais, como ilmenita, magnetita, leu- coxenio, rutilo, zircão e monazita. A presença de elementos químicos, como o tório e o urânio, na composição de alguns de seus minerais, atribuem a essas areias propriedades radioativas. Os minerais das areias monazíticas percorreram um longo caminho no tempo e no espaço para chegarem às praias. A partir de intensos processos de intemperização das rochas da borda atlântica do planalto brasileiro, diversos sedimentos foram levados por processos continen- tais que os retiraram e os conduziram para o mar. Com o tempo, esses sedimentos voltaram à linha da costa pela ação dos processos marinhos. Durante essa trajetória, os materiais mais pesados e resistentes foram sendo selecionados e finalmente depositados de forma concentrada. No litoral brasileiro, do norte do estado do Rio de Janeiro ao sul da Bahia, existem grande ocorrência e exploração econômica de depósitos de alta concentração de areias monazíticas (Figura 8.13). Areia monazítica Areia cuja composição reúne grande quantidade de minerais pesados, ou seja, de alta densidade, tendo entre eles o que lhe deu o nome, a monazita. 267 Geomorfologia Costeira Figura 8.13: Perfil da face da praia (a frente da berma), com o mergulho de camadas em direção ao mar, mostrando estratos de minerais pesados (escu- ros). O corte foi feito sobre uma linha de deixa; por isso, a maior espessura da camada escura em superfície. A utilização dos componentes das areias monazíticas é muito ampla e está presente em indústrias, como as de tintas, metalúrgicas, de vidros, porcelanas, cerâmicas diversas, componentes refratários e isoladores térmicos e elétricos. Há referência também do emprego de sua radioati- vidade na medicina. Inclusive, quando se fala desse uso medicinal, a ci- dade de Guarapari (ES), com sua famosa praia das areias pretas, é sem- pre lembrada pelo valor dado a esse atrativo por veranistas e turistas. Areia monazítica e seu uso no Brasil Para conhecer mais sobre a utilização da areia monazita, aces- se o trabalho da Indústria Nuclear Brasileira (INB) sobre urânio no Brasil. Esse trabalho foi apresentado em um seminário sobre recursos energéticos, realizado e divulgado pelo Clube de Enge- nharia do Rio de Janeiro no seguinte endereço: Jo rg e S . M ar q ue s 268 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? http://ecen.com/seminario_clube_de_engneharia/30092004/su- prim_uranio_brasil.pdf Nesse trabalho, são mostradas instalações da empresa no muni- cípio de São Francisco do Itabapoana (RJ), incluindo uma antiga área de extração e beneficiamento de areia. Gafe do dia: confundir minerais pesados com metais pesados Os minerais são constituídos por elementos químicos que pos- suem diferentes pesos atômicos; por isso, nos sedimentos, os grãos dos minerais podem ser classificados como pesados ou le- ves. A presença concentrada de minerais pesados caracteriza as areias monazíticas. Por suas características e propriedades, um grupo de elementos químicos sólidos recebe o nome de metais, sendo que alguns, em função de suas maiores densidades, são conhecidos como pesa- dos. Os metais pesados são quimicamente ativos e, quando as- similados pelos seres vivos, acumulam-se em seus organismos. Esses metais reagem no organismo, causando danos irreparáveis à saúde, podendo até provocar a morte desses seres. Entre os mais perigosos, são sempre citados o chumbo, o cro- mo, o cádmio, o arsênico e o mercúrio (o único que é líquido). A presença e a concentração deles nos sedimentos dos ambien- tes terrestres e aquáticos derivam, principalmente, das atividades industriais que os liberam a partir de lançamentos de esgoto e despejos de lixo e resíduos. http://ecen.com/seminario_clube_de_engneharia/30092004/suprim_uranio_brasil.pdf http://ecen.com/seminario_clube_de_engneharia/30092004/suprim_uranio_brasil.pdf 269 Geomorfologia Costeira A presença de componentes biológicosnas praias não pode ser es- quecida. A matéria orgânica faz parte de uma praia como sedimento ou como um organismo que nela vive. Na Geologia, materiais orgânicos são considerados sedimentos, recebendo o nome de biodetritos. Há, in- clusive, praias onde a participação desses sedimentos é muito alta. Em condições naturais, os biodetritos são constituídos por fragmen- tos de animais e vegetais, marinhos ou não, produzidos nas praias ou trazidos e depositados pelas ondas, marés e correntes litorâneas junto com os sedimentos inorgânicos. Conchas, carapaças de moluscos, es- pinhas de peixe, algas e corais são exemplos de sedimentos de origem marinha. Troncos, cocos, folhas e diversos tipos de restos de animais são exemplos de sedimentos de origem continental. Além desses sedimentos, são também depositados nas praias ou- tros materiais de natureza orgânica, que são provenientes da ação do homem. Esses detritos de natureza antrópica são constituídos de lixos sólidos ou são mobilizados e transportados por meio das águas de es- gotos domésticos e industriais, de galerias pluviais e de outras diversas formas de escoamento de águas continentais. A maior parte desses se- dimentos é vista como elemento poluidor das águas do mar e de toda a zona costeira, na qual se incluem as praias. Eles são trazidos para as praias através dos processos marinhos ou são colocados diretamente pelo próprio homem. No Brasil e em outros países, praias famosas acabam tendo que ser tratadas por órgãos de limpeza urbana e de controle das condições am- bientais que, respectivamente, retiram diariamente o lixo acumulado e divulgam boletins de suas condições de uso, em função da poluição de suas águas e areias. Vidros na praia? Que assunto é esse? Trabalhos de atrito produzidos pelas ondas, principalmente em praias oceânicas, rapidamente transformam fragmentos de vidro em grãos polidos sem arestas, consequentemente, sem corte. Se não houvesse essa ação, garrafas e copos deixados nas águas das praias, na passagem do final do ano, provocariam muito mais aci- dentes aos banhistas. 270 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Às vezes, é comum confundir um grão de vidro colorido achado em um praia com pedras preciosas. Mas, em alguns lugares, uma boa quantidade de grãos desse tipo já aparece e é identificada como vidro. Em 1998, em um antigo terreno particular, foi criado o Parque Estadual Mackerricher (Forte Bragg - Califórnia - EUA), onde há uma praia chamada praia de vidro. Veja algumas fotos no endereço: http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/turismo- -sol-e-praia/conheca-a-praia-de-vidro-que-foi-criada-pela-po- luicao-18045.asp. Há situações de enorme repercussão, que envolvem vultosos prejuí- zos e riscos, como os grandes derrames de óleo de vazamento de navios ou em áreas de exploração de petróleo. Tais situações demandam altos investimentos para a descontaminação de ambientes costeiros atingi- dos, como as praias, que logo acabam incorporando o óleo e seus resí- duos em suas areias. Além dos materiais que se incorporam aos sedimentos trazidos pe- los processos marinhos e pelas ações do homem, existem outros que são produzidos na própria praia por seres vivos. São restos de matéria orgânica deixados pelos animais e vegetais que habitam permanente- mente ou temporariamente as praias, ou por outros que nela chegam procurando descanso, alimento ou mesmo a sua reprodução. São esque- letos e carapaças de animais (como conchas), além de excrementos de animais diversos, entre os quais se incluem muitas aves marinhas (como os pinguins) e grandes grupos de mamíferos das regiões costeiras frias (como as focas). A presença da fauna e flora, normalmente encontradas nas praias, tem sido afetada diretamente pela ocupação feita pelo homem e indi- retamente pela poluição que ele provoca nesses ambientes. Assim, a ausência ou a presença de algumas espécies é indicadora do nível de conservação e qualidade do ambiente. O caranguejo de praia (ocypo- despp), conhecido por vários nomes, como guruça e maria farinha, e o tatuí (emeritabrasiliensis), espécies muito conhecidas pelos banhistas, são exemplos desses indicadores. http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/turismo-sol-e-praia/conheca-a-praia-de-vidro-que-foi-criada-pela-poluicao-18045.asp http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/turismo-sol-e-praia/conheca-a-praia-de-vidro-que-foi-criada-pela-poluicao-18045.asp http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/turismo/turismo-sol-e-praia/conheca-a-praia-de-vidro-que-foi-criada-pela-poluicao-18045.asp 271 Geomorfologia Costeira Os sedimentos de natureza orgânica e os derivados de atividades dos seres vivos, principalmente os relacionados ao homem, além de fazerem parte dos depósitos praiais, podem gerar informações impor- tantes. A constatação de suas presenças é mais um modo de identifi- car e datar antigas praias, hoje encontradas no interior do continente. Ao se descobrirem quais seres vivos faziam parte desses ambientes, são geradas informações que auxiliam nas reconstituições paleogeográfi- cas de suas características físicas, químicas e biológicas e também das áreas adjacentes. Merece ainda menção que os animais que andam ou habitam as praias, além de gerarem sedimentos, são responsáveis por imprimir marcas nas estruturas sedimentares dos depósitos praiais. Existem geó- logos especializados em sedimentologia. Eles trabalham registrando di- versos tipos de alterações nas estruturas de feições de praia, provocadas por diferentes causas, inclusive as biológicas. Alguns exemplos são as marcas de patas de animais e colunas de areia. Estas últimas, originárias de buracos abandonados feitos por caranguejos, cortam verticalmente camadas de sedimentos. Como foi possível saber a idade de uma praia atual? Em 1970, na localidade denominada Saí (Mangaratiba - RJ), na retaguarda do arco praial que ali existia, eram encontrados ou- tros arcos mais antigos e interiorizados. Eles formavam um relevo com sucessivas ondulações, bem característico da morfologia de praias. Foi aberta uma trincheira, cortando verticalmente a antiga praia, que se posicionava logo depois da atual. As estruturas se- dimentares que foram expostas eram bem nítidas, confirmando que eram de uma praia. Para surpresa de todos, na parte inferior da estrutura (base da an- tiga praia), foi encontrado um boneco de boliche da marca Trol, uma antiga fábrica de brinquedos. A partir de informações obti- das sobre a fábrica, pôde-se estabelecer idades relativas do local. 272 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? A praia onde estava o boneco já poderia existir no final da década de 1950, quando os primeiros brinquedos com esse modelo fo- ram fabricados. Sendo assim, a praia atual deveria ter menos de 20 anos de idade (isso em 1970). Em menos de cinco anos, toda essa área teve o seu relevo totalmente modificado pelo homem, que a terraplanou, visando à ocupação do local por edificações. Essa história ocorreu em um trabalho de campo realizado em um curso de especialização ministrado no Departamento de Geogra- fia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pelo pro- fessor convidado João José Bigarella, considerado um dos mais importantes geomorfólogos brasileiros. Para conhecer melhor o professor e sua conceituada obra, acesse seu Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/ visualizacv.do?id=K4787282H2. Atividade 2 Atende ao objetivo 2 1. Por que os sedimentos grosseiros tendem a ficar na praia e os finos tendem a sair? 2. Por que as areias monazíticas se concentram nas praias e por que não há concentração dessas areias em todas as praias? http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787282H2 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787282H2 273 Geomorfologia Costeira 3. O que podemos dizer sobre os biodetritos presentes nas praias e sua importância? 4. Como os sedimentos em praias podemter os seus grãos arredonda- dos e polidos? Resposta comentada 1. Porque o principal processo de seleção do material é realizado pelas ondas. A energia de uma onda lhe dá condições de transportar e lançar sobre a praia água e sedimentos, que tendem a subir a face inclinada da praia. Nesse trajeto vai perdendo energia, pelo atrito, até chegar a uma posição máxima. Depois de subir, a água tem que descer devido à gravidade. Porém, nesse trajeto de retorno, sua capacidade de trabalho é menor, conseguindo apenas transportar os sedimentos mais leves, que, via de regra, são os menores em tamanho. 2. Para uma praia se formar, é preciso que exista uma fonte de sedi- mentos a ser trabalhada. Portanto, para uma praia ter areia monazítica, é necessário existir uma área fonte que forneça esses minerais. A con- centração desses minerais na praia dependerá da capacidade do traba- lho de ondas e de correntes que lhe são associadas, em deixar os sedi- mentos pesados e levar de volta os finos. 3. Os biodetritos encontrados nas praias são sedimentos de natureza orgânica, que foram trazidos ou produzidos por seres vivos. São cons- tituídos de restos ou pedaços de materiais derivados de animais e plan- tas, como, por exemplo, os esqueletos e carapaças de animais mortos e, 274 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? inclusive, seus excrementos. Quando identificados, os seres vivos, aos quais pertenciam os biodetritos encontrados em depósitos de sedimen- tos fora do atual litoral, podem servir para reconhecer esses lugares como praias antigas, datar a época de sua existência e ajudar em recons- tituições paleoambientais. Essas reconstituições, além de reconhecerem a presença de seres vivos que habitavam o local, indiretamente indi- cam as possíveis condições físico-químicas capazes de manter a vida naquela época. 4. O fluxo e o refluxo das ondas na superfície da praia fazem com que exista um constante atrito entre os grãos de areia que rolam uns sobre os outros. O atrito leva-os a perderem as suas arestas e a se arredondarem. É algo similar aos dados que são lançados no jogo sobre um pano de feltro e que rolam sobre ele. Depois de algum tempo, os vértices (bicos) dos dados começam a se arredondar e, em seguida, as arestas. Comportamento de praias e classificação Praias abrigadas Muitas pessoas viveram a sua infância e adolescência ao lado de pe- quenas praias em ilhas no interior de baías, bem abrigadas dos efeitos das ondas. Quase todas elas seriam capazes de lembrar que as porções emersas e submersas das praias em si não mudavam, com exceção da- quilo que foi sendo agregado pela ocupação humana. Por que essa visão de um ambiente quase sem mudanças? Porque são praias características do ambiente de baías, com influências maiores apenas das marés. Algumas têm areias finas, ou não muito grosseiras, e perfil emerso de baixa declividade. Em sua continuação, mar adentro, é uma praia com piso arenoso que fica rasa na maré baixa. Outras têm areias mais grosseiras, um perfil emerso mais inclinado. Entretanto, em sua continuação dentro do mar, a declividade diminui, seu piso passa a ser lamoso e a ficar em grande parte exposto com a maré baixa. Nessas praias, com a maré baixa, a maioria dos banhistas não entra no mar. Eles esperam a maré subir para tomar banho de mar e não pisar na lama. 275 Geomorfologia Costeira Em praias desses tipos, mudanças maiores seriam provocadas por eventos de grande energia e mais raros, como: • ação das ondas, a partir de fortes ventanias e temporais; • ocorrência de movimentos de massa em relevos elevados próximos; • eventual escoamento de água, sob a forma de torrente, em períodos de grandes chuvas, trazendo sedimentos de áreas elevadas próximas; • obras realizadas pelo homem, como enrocamentos e aterros. Na dé- cada de 1960, algumas praias da Ilha do Governador (Rio de Janeiro- -RJ) foram engordadas com areias oriundas de dragagens realiza- das na Baía da Guanabara, para abertura e melhorias de canais de navegação marítima. Praias oceânicas Em praias oceânicas, uma ressaca, em menos de um dia, pode al- terar tanto o perfil emerso quanto o submerso da praia, deixando registros visíveis. Como foi explicado, o cliff é uma forma, mas, ao mesmo tempo, pode representar o registro do resultado de um momento de forte transfor- mação das condições ambientais. A Figura 8.13 exemplifica a situação de uma praia que está sofrendo processo de erosão. Assim como em uma costa alta, porém com mais facilidade, a continuidade do processo erosivo acabaria com a berma e alcançaria o pós-praia. Figura 8.13: Erosão produzindo uma falésia no perfil de praia. Como foi visto nas primeiras aulas, a maré varia diariamente; os valores dos níveis de maré vão ter variações, que serão decorrentes e 276 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? aferidas levando-se em consideração o posicionamento dos astros em períodos diários, mensais e anuais. A direção, a frequência e a in- tensidade das ondas podem apresentar grandes variações; as marés, as ondas e as correntes criam comportamentos característicos devido às suas interações. Dessas condições decorrem comportamentos bastante variáveis, com maior ou menor possibilidade de criar efeitos, principalmente, nas praias oceânicas. Além disso, existem outros efeitos que não estão apenas ligados diretamente à posição dos astros, como os resultantes das já es- tudadas marés meteorológicas. O clima apresenta sazonalidades que se repetem de um ano para o outro; entretanto, as mesmas características que definem um período não se reproduzem, necessariamente, no outro com a mesma frequência e intensidade. Por exemplo, existem verões em que há mais dias de chuvas e maiores precipitações do que em outros. Os furacões que assolam as costas do Golfo do México e as suas ilhas não são sempre em mesmo número, não aparecem com a mesma inten- sidade e não atingem sempre e do mesmo modo todos os lugares. O litoral brasileiro sazonalmente sente os efeitos das subidas das frentes frias que afetam diretamente o clima e as condições do mar, ge- rando principalmente as ressacas. A repetição das condições em cada período sazonal, como verão e inverno, mesmo com diferenças de um ano para o outro, cria compor- tamentos nos regimes de ondas, que vão se refletir nas praias. Em pe- ríodo de tempo bom, haverá o predomínio do aumento de sedimentos depositados; a praia se alarga. Em período de tempo ruim (tempestade), haverá erosão; a praia vai encolher. Há, portanto, certa previsibilidade de como estará o ambiente em cada período. Classificação de praias Depois de descrever e comparar ambientes, verificando as suas simi- laridades e diferenciações, é possível passar a analisar, interpretar e criar modelos classificatórios que permitam representar a interação entre for- mas e processos. De acordo com Muehe (2012), deve-se à escola australiana de ge- omorfologia a criação de um modelo espacial que retrata os compor- tamentos morfodinâmicos de praias. Esse modelo leva em conta os comportamentos de ondas e marés. Através dele, são apresentados seis 277 Geomorfologia Costeira estados (ou estágios) morfológicos, dois extremos (dissipativo e refleti- vo) e quatro intermediários. De modo resumido, o modelo parte de uma situação, chamada de estado dissipativo, em que a praia tem uma zona de surfe larga, com a arrebentação afastada, um perfil de baixo gradiente (declive), tanto em sua porção emersa quanto submersa, e muita areia. No outro extremo, no estado refletivo, a berma é elevada, com uma zona de surfe estreita, perfil de alto gradiente tanto na parte emersa quanto na submersa, que está com pouco estoque de areia. Os quatro estados intermediários representam a passagem de um es- tado extremo para o outro, que dependerá da hidrodinâmica do local, ou seja, está basicamente relacionada às correntes longitudinais, propi- ciando a formação de um banco arenosoe seu deslocamento. O primeiro estado intermediário, depois do dissipativo, caracteriza- -se pela definição de uma calha longitudinal entre a praia e um banco arenoso na zona de arrebentação, devido ao aumento das ondas. No segundo, aparecem cúspides ao longo da praia e do banco, indi- cando transporte longitudinal. Já no terceiro, a calha é mais estreita e aparecem bancos transversais. No quarto, a calha deixa de existir, com o banco chegando à praia, aparecendo o terraço de maré baixa. Segue-se o estado refletivo. Explorando praias e modelos Para se aprofundar mais nos modelos de praia descritos por Muehe, explore o conteúdo do capítulo “Geomorfologia Costeira” do livro Geomorfologia: uma Atualização de Bases e Conceitos. Lá será possível observar imagens e exemplos dos modelos apresen- tados pelo autor. Entende-se também que cada praia pode ser classificada por esse modelo, levando-se em conta o tempo em que se mantém em uma morfologia, ou seja, no seu estado mais frequente. Assim, podemos ter praias mais refletivas e outras mais dissipativas. 278 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Atividade 3 Atende ao objetivo 3 Explique como foram produzidas pelas ondas as formas dos perfis 1 e 2 a) b) 279 Geomorfologia Costeira Resposta comentada 1. Ao se analisar um perfil de praia, deve ser lembrado que a forma mais recente está localizada junto à área de atuação dos processos. Logo, convém começar a analisar pela forma mais antiga, que está mais para o interior (do passado para o presente). Assim, temos, na posição mais interior, uma ruptura (declive abrupto - cliff), que indica a ocorrência de um evento erosivo (inclusive impedindo o avanço da vegetação, o qual estava ocorrendo). As duas cristas de bermas indicam que ocorreram dois momentos de deposição: um mais antigo e outro recente. 2. Mais para o interior, a presença de uma crista da berma indica a ocorrência de antigo período de deposição. Em seguida, a presença de um cliff indica a ocorrência de um período de erosão. No presente, está havendo novo período de deposição. Ferramentas de análise da morfodinâmica O monitoramento e a análise do comportamento dinâmico dos pro- cessos ambientais são trabalhos considerados, atualmente, muito im- portantes. Para realizá-los com mais eficiência e qualidade, é preciso sempre utilizar escalas adequadas para alcançar o detalhamento neces- sário exigido pela temática da pesquisa. Outros aspectos a se considerar são o tempo de acompanhamento do processo e a precisão empregada. Existem muitas metodologias e, frequentemente, novos equipamen- tos, instrumentos e tecnologias que são empregados para trabalhos de pesquisa em várias áreas do conhecimento e no acompanhamento de processos naturais. A produção e a utilização dessas ferramentas co- muns também se orientam na necessidade de atender os objetivos de aplicações inerentes às temáticas específicas de cada uma dessas áreas de conhecimento. Para acompanhar o comportamento dos processos ambientais hoje, é indispensável o uso de sistemas globais de posicionamento (GPS); sensoriamento remoto, com imagens de satélite e radar; geoprocessa- mento empregando bancos de dados e Sistema de Informações Geográ- ficas (SIG). 280 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? No caso das praias, estabelecer comparações entre suas áreas ao longo do tempo e criar mapas, com o emprego de imagens de satélite e geoprocessamento, são também procedimentos eficientes e usuais, para mapear e responder onde, como e quanto a praia engordou por deposi- ção ou diminuiu por erosão. A cada dia, instrumentos e equipamentos antigos são aperfeiçoados ou aparecem novos. As novas tecnologias permitem aprimorar a quali- dade dos resultados obtidos. Além disso, são criadas novas aplicações, visando atender a demanda de melhor conhecer os fenômenos naturais ou aqueles induzidos pela ação humana. No grupo dos novos equipamentos, incluem-se as câmeras Argus (Figura 8.14), de alta definição para emprego em vídeo-monitoramen- to. Trabalham em trechos superiores a 1 km. Elas ajudam a obter alguns dados, tais como imagens em tempos que podem ser de 30 em 30 mi- nutos, determinação da linha de água, determinação de taxas de erosão e deposição em curtos e médios prazos, perfil entre marés e batimetria da zona de surfe. E ls ho ff E ls ho ff Figura 8.14: Monitoramento costeiro com uso de câmeras Argus. (A) Torre Argus na praia de Sand Engine, Holanda; (B) estrutura ancorada para câmeras Argus. Fonte: (A): http://en.wikipedia.org/wiki/File:ZandmotorMast.jpg; (B): http://en.wikipedia. org/wiki/File:Gravity_anchored_frame_for_Argus_cameras.jpg http://en.wikipedia.org/wiki/File:ZandmotorMast.jpg http://en.wikipedia.org/wiki/File:Gravity_anchored_frame_for_Argus_cameras.jpg http://en.wikipedia.org/wiki/File:Gravity_anchored_frame_for_Argus_cameras.jpg 281 Geomorfologia Costeira Embora o custo de aquisição de equipamentos eletrônicos ao longo dos anos esteja diminuindo, o acesso a eles nem sempre é possível. Por isso, métodos práticos e simples, que se mostraram eficientes para pesquisas de monitoramento de praias, com a feitura de perfis, ain- da são empregados. Entre eles, a utilização do tradicional levantamento da topografia com instrumentos de precisão, como teodolitos, e com as chamadas balizas de Emery (1961). Como a praia, principalmente na parte mais seca, tem a sua super- fície de areia solta normalmente rugosa, a “escolha” da posição de colo- cação da mira (régua de leitura) em um levantamento topográfico sobre essa superfície irregular de pequenos altos e baixos levará a erros de alguns centímetros. Isso faz com que a precisão do levantamento com o teodolito não seja muito diferente da obtida com o uso das balizas. Como os princípios topográficos usados são os mesmos para os dois métodos, a seguir será descrito o mais simples: o da baliza, desenvolvido por Emery. No método da baliza de Emery, são empregadas duas balizas de 1,5 m de altura cada uma. Ambas são graduadas da altura de 1,0 m até 1,5 m, com 50 pequenas faixas de 1,0 cm cada. Para melhor visualizar das faixas de um 1,0 cm, elas geralmente são pintadas alternadamente com duas cores (preto e branco). As leituras das diferenças de altura são feitas conforme apresentado nas Figuras 8.15, 8.16 e 8.17. Com duas pessoas, cada uma se posiciona ao lado de uma baliza, mantendo-as na vertical. A leitura é feita sempre de frente para a linha do horizonte no mar. Figura 8.15: Leitura da diferença de altura no relevo de uma praia através do método de baliza de Emery. Momento em que a baliza da frente está mais baixa. 282 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Quando a baliza da frente (2) está mais baixa, o observador se abaixa atrás da baliza (1), buscando, do alto para baixo, colocar os olhos no mesmo nível (plano) em que está o topo da outra baliza (2) e a linha do horizonte. Quando as três posições (a vista do observador, o topo da baliza (2) e a linha do horizonte) estiverem alinhadas, com um dedo, o observador marca a posição, em sua baliza (1), onde essa linha passa. Na prática, o observador, ao descer a posição de sua vista, já vem com um dedo acompanhando na baliza a posição de seus olhos. Uma vez marcada a posição de alinhamento, é só contar o número de pequenas faixas entre seu dedo e o topo da baliza (1) para saber a diferença de altura (X) entre as duas balizas (em centímetros) e anotar o valor, que será negativo, porque a outra baliza está mais baixa, conforme é visto na Figura 8.15. Figura 8.16: Leitura da diferença de altura no relevo de uma praia através do método de baliza de Emery. Momento em que a baliza da frente está mais alta. Quando a baliza da frente (2) está mais alta, o observador procura alinhar o topo da sua baliza (1) com a linha do horizonte. Uma vez feito isso, ele observa por onde passa esse alinhamento (topo de sua balizae a linha do horizonte) na outra baliza e conta nela o número de pequenas faixas que estão acima (X). Esse valor será (em centímetros) o quanto a outra baliza está mais alta. Nesse caso, o valor será anotado como posi- tivo mais alto, conforme se observa na Figura 8.16. 283 Geomorfologia Costeira Figura 8.17: Leitura da diferença de altura no relevo de uma praia através do método de baliza de Emery. Como fazer a leitura da baliza. Na Figura 8.17, há um esquema com detalhes das faixas que fun- cionam como régua. Na baliza à esquerda, está marcada uma diferença de nível observada. Na direita, é visto em detalhe o número de faixas de um centímetro cada, que no total corresponde ao valor da diferença de altura entre as balizas. Uma vez entendido como são feitas as medidas de altura, ainda é ne- cessário fazer uma planilha (Tabela 8.1) para a colocação das medidas obtidas e atentar para as seguintes observações: Tabela 8.1: Planilha de anotação de dados de topografia Ponto de observação Distância entre as balizas Diferença de altura entre as balizas Diferença positiva ou negativa? 0 - 1 1 - 2 2 - 3 • o perfil deve começar em posição (marcar com estaca) acima do começo da vegetação ou da borda do calçadão (marcar com tinta) se a praia for urbana. O importante é que esse ponto inicial não sofra variações de altura por processos erosivos ou deposicionais, para que possa outra vez ser feito o perfil a partir do mesmo ponto em direção ao mar; • para que o perfil se mantenha reto e perpendicular ao mar, deve-se, em cada novo ponto, observar para trás se as duas balizas estão na mesma linha do ponto inicial; 284 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? • A primeira medição ocorre colocando uma baliza na posição inicial (ponto zero) e a outra a 1,5 m à frente (ponto 1), usando a própria baliza como trena. Após a primeira medição no ponto inicial (anotar, em uma planilha como a exemplificada na Tabela 8.1, do ponto zero ao ponto1, o valor da diferença de altura e a distância de 1,5 m entre as duas balizas e se a altura é para mais ou menos). O observador que está na posição zero passa pelo outro, que está na posição 1, colocando sua baliza a 1,5 m à frente dele, criando o ponto 2, medindo essa distância com a própria baliza que está se deslocando. O que ficou parado no ponto 1 passa a ser o observador que fará as medições. Esse processo é repetido suces- sivamente (pontos 2-3, 3-4, 4-5 etc.), sempre ficando fixa a baliza mais próxima ao mar e trocando a posição da outra. O perfil é feito até as medições chegarem ao nível da maré, que é es- tabelecido pelo ponto mais baixo a que a água recua no refluxo da onda. Existindo prática em fazer esses perfis, quando se observa que em trechos maiores, sem desnivelamentos, a topografia é mais plana, ou mantém a mesma declividade, a distância entre as balizas pode ser au- mentada, acelerando a realização do trabalho. Anota-se o dia e o horário de início e fim do trabalho. É impor- tante associar ao perfil o valor previsto da maré para esse local nesses horários. Isso porque a altura da maré muda o compri- mento do perfil e, consequentemente, facilita a análise compara- tiva com outros a serem feitos no local. Com os dados, em gabinete, o perfil da praia é feito. O monitora- mento se dá pela feitura de novos perfis no mesmo local em diferentes ocasiões e pela análise dos dados feita junto com os valores das condi- ções ambientais durante essas ocasiões. A elaboração de dois perfis, um ao lado do outro, permite estabelecer o volume de sedimentos existente entre eles. Basta fazer o perfil, calcular 285 Geomorfologia Costeira a área abaixo de cada um, somá-las e multiplicar o resultado pelo valor da metade da distância entre eles. O valor final será o volume de areia em m³. Se mais dois perfis forem feitos em outro dia no mesmo local e calcu- lado o volume, será possível comparar o resultado para saber o quanto de areia chegou ou saiu no período de tempo estabelecido. Dependendo do tamanho da praia, do número de balizas e de pesso- as para realizar os trabalhos, poderão ser feitos muitos perfis ao mesmo tempo ou também muitos perfis em várias praias ao mesmo tempo. Em ambos os casos, a análise de variações de comportamento podem ser feitas em uma praia ou entre praias. Pode-se observar que há vários métodos de monitoramento de uma praia. Alguns caros, trabalhosos e altamente sofisticados; outros não tão custosos e mais tradicionais, e alguns bem simples, que podem ser feitos de cabos de vassoura. Não há como negar que o avanço da tecnologia per- mite que obtenhamos dados e resultados mais qualificados e contínuos, mas não tira a importância dos métodos mais simples. As balizas podem ser utilizadas até no ensino infantil, em exercícios básicos de topografia. Conclusão As praias constituem ambientes valorizados e relativamente frágeis. Elas tentam suportar e se ajustar às variações do nível do mar, às varia- ções constantes da atuação dos processos marinhos e às intervenções de natureza antrópica. Pelo próprio interesse do homem e pelos riscos ambientais que cada vez mais vêm aumentando, há interesse em intervenções para a recu- peração de praias ou para a adoção de medidas preventivas que evitem grandes prejuízos futuros. Para essas ações, é preciso conhecer mais as relações formas × pro- cessos nos ambientes costeiros. Nordstrom (2010) apresenta justificati- vas e razões para recuperação de praias e dunas, diagnosticando e apon- tando causas de impactos e soluções possíveis, mas não deixa, em seu último capítulo, de afirmar a necessidade de mais pesquisas. Monitorar as praias é uma forma de melhor conhecer suas dinâmi- cas e, ao mesmo tempo, constatar, pelos efeitos, que ações impactantes estão existindo. Disso decorre que as causas precisam ser identificadas, para que sejam tomadas as medidas necessárias para buscar alcançar soluções para os problemas. 286 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? Só com conhecimento, há possibilidade de estabelecer maior contro- le na manutenção do equilíbrio ambiental em áreas costeiras. Atividade final Atende ao objetivo 3 Como foi visto nesta aula, existem diversas formas de se buscarem dados e informações sobre o relevo das praias, suas características e suas condi- ções dinâmicas. Dentre elas, estão as câmeras Argus e a baliza de Emery. Destaque as vantagens e desvantagens de cada um desses métodos. Resposta comentada Com ambas (câmeras e balizas), é possível obter informações conside- radas importantes. Entretanto, as diferenças são contrastantes. Enquan- to as câmeras representam sofisticados equipamentos, as balizas podem ser enquadradas no rol de instrumentos e equipamentos alternativos. Com as câmeras Argus, podem-se obter muitos tipos distintos de dados e informações, enquanto com as balizas, apenas os perfis de praia. As câmeras trazem consigo muitas qualidades, entre elas, o fato de se- rem automáticas. Não precisam de pessoas ao lado delas para operar 287 Geomorfologia Costeira e fazer registros e trabalham durante um longo período contínuo de tempo, atendem a múltiplos objetivos e com valores de maior precisão. Entretanto, são caras, precisam ser montadas por técnicos especializa- dos, implicam gastos de manutenção e segurança, necessitam de trei- namento para operadores e utilizadores de seus dados e informações. Apesar disso, são muito eficientes e fornecem dados de alta qualidade. As balizas, por sua vez, são de fácil feitura, baratas, simples de operar, demandam o trabalho direto de pessoas e custos de locomoção ou de permanência em um lugar. Elas permitem perfilar simultaneamente vá- rios lugares e chegam a um bom nível de precisão. Trazem resultados confiáveis e sensíveis à identificação de mudanças. Resumo Foi visto nesta aula que as praias são relevos de topografia baixa, cons- tituídos de sedimentos frequentemente arenosos e tendo, naação das ondas, o processo mais destacado na sua existência e evolução. Seus as- pectos mais significativos referem-se à sua localização, seus limites, suas dimensões, as feições que definem seu relevo, seus sedimentos identifi- cados por suas estruturas e as características e propriedades dos mate- riais que os compõem. Como em todos os litorais, atuam processos de erosão e deposição a partir da ação de ondas, correntes e marés. A praia não é exceção. Foi visto que a atuação das ondas e das correntes a elas associadas, como o fluxo e o refluxo das águas e as correntes litorâneas, constituem os pro- cessos mais destacados na formação e na dinâmica do ambiente praial. Foi abordado que as praias podem sofrer variações em seus compri- mentos, largura e profundidade de seus depósitos. Foi explicado como modificações se produzem pela ação de ondas e correntes, sendo inclu- ída também a participação do processo eólico que retira da praia sedi- mentos, mas que se torna importante para ela quando os perde para os processos marinhos. Sobre os sedimentos, foram colocadas as suas origens a partir da erosão marinha, dos sedimentos mobilizados pelos processos continentais e da sua presença na plataforma continental. Em relação à sua importân- cia, ressaltaram suas características, que servem para identificar praias 288 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? existentes no passado e os tipos de praia do presente. Tais características podem agregar ou retirar valor das praias. Dentre elas, estão: • positivas: beleza, pela cor dos seus sedimentos; valor econômico, por ter areias monazíticas; limpeza, pela transparência e cor das suas águas. • negativas: presença do material trazido por esgotos em suas águas e areias, perigos para banhistas pela força das ondas e das correntes, e o lixo em suas areias. Outro aspecto colocado se refere às relações entre as características dos sedimentos e os processos de transporte e deposição. Nesse caso, a im- portância se estabelece na associação entre o nível de energia do proces- so (capacidade de transporte e o peso aferido pelo tamanho dos grãos ou fragmentos que constituem os sedimentos). Foram mostradas as diferenças entre as praias oceânicas e as abrigadas, como as presentes no interior de baías. Nas oceânicas, a ação de ondas prevalece e os sedimentos tendem a ser bem trabalhados. Nas abrigadas, a importância das marés aumenta, os sedimentos tendem a ser menos trabalhados e há acumulação de lama. Outro aspecto colocado como importante é o que diz respeito à morfo- dinâmica dos ambientes praiais. As praias podem ser classificadas pelos seus comportamentos. A classificação mais divulgada, a da escola aus- traliana, apresenta seis tipos de praia, que se caracterizam em função de estados, os quais se distribuem com dois extremos – o dissipativo e o reflexivo – e quatro intermediários. O estado dissipativo apresenta maior estoque de sedimentos com um gradiente mais suave. O reflexivo tem menos estoque de areias e um gradiente mais elevado. Os interme- diários exemplificam situações em que os sedimentos se afastam ou se aproximam da praia. Em função da importância e da fragilidade das praias, foi chamada a atenção para a necessidade de se criar e ter condições de monitorar es- ses ambientes. Para tal ação, foram descritos procedimentos e recur- sos disponíveis, como o uso de câmeras Argus e das balizas de Emery. Destacou-se que o aumento do nível de conhecimento sobre as praias permitem que se conviva melhor com elas e se possa usufruir melhor de seus recursos. 289 Geomorfologia Costeira Informação sobre a próxima aula O assunto da próxima aula será as lagoas costeiras. Referências CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 1. ed. São Paulo: Edgard Blüchere, USP, 1974, 149p. EMERY, K. O. A Simple Method of Measuring Beach Profiles. Limnologi- cal Oceanography, 6:90-93, 1961. GUERRA, A. T. Dicionário Geológico-Geomorfológico. 8. ed. Rio de Ja- neiro: IBGE, 1993, 446p. KING, C. M. Beaches and Coast. London. Edward Arnold, 1972. 570p. MARTINS, L. R.; TABAJARA, L. L.; PEREIRA, E. E. Linha da Costa: Problemas e Estudos. Gravel, n. 2, 2004, p. 40-56. NORSTROM, K. F. Recuperação de Praias e Dunas. 1. ed. São Paulo. Oficina de Textos, 2010. 263p. MUEHE, D. Geomorfologia Costeira, in Geomorfologia: uma Atualiza- ção de Bases e Conceitos. GUERRA, A. J. T. e CUNHA, S. B. da. (Orgs.) 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 253 -308. MUEHE, D. Geomorfologia Costeira in Geomorfologia: Exercícios, Téc- nicas e Aplicações. GUERRA, A. T. G. e CUNHA, S. B. da. (Orgs.) 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p. 191 - 238. MUEHE, D. Evidências de recuo dos cordões litorâneos em direção aocon- tinente no litoral do Rio de Janeiro. In: LACERDA, L. D., ARAÚJO, D. S. D., CERQUEIRA, R. e TURCQ, B. (orgs). Restingas: Origem, Estrutura, Processos. CEUFF, Niterói, 1984, p. 75-80. ROSSETI, D. de F. Ambientes Costeiros. In: FLORENSANO, T. G. (Org.). Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. 1. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2008, 318p. TEIXEIRA, W., FRAIRCHILD, T. R., TOLEDO, M. C. M. de., TAIOLI, F. Decifrando a Terra. 2. ed. Companhia Editora Nacional. São Paulo. 2009. TESSLER, M. G; MAHIQUES, M. M. Processos Oceânicos e a Fisiografia dos Fundos Marinhos. In: TEIXEIRA, W. et al.(Orgs.) Decifrando a Ter- ra. São Paulo. Oficina de Textos. 2000, p. 261-304. 290 Aula 8 • Como surgem as praias que tanto gostamos de frequentar? SUGUIO, K. Dicionário de Geologia Marinha. 1. ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 1992, 171p. VENTURI, L. A. B. (Org.) Praticando Geografia: Técnicas de Campo e Laboratório. 1. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2005, 239p.
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