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V254s Van Haecht, Anne.
 Sociologia da educação : a escola posta à prova / Anne Van
Haecht ; tradução Sandra Loguercio. – 3. ed. – Porto Alegre :
Artmed,
2008.
232 p. ; 23 cm.
ISBN 978-85-363-1362-7
1. Educação. 2. Sociologia da educação. I. Título.
CDU 37.015.4
Catalogação na publicação : Mônica Ballejo Canto – CRB10/1023.
V254s Van Haecht, Anne.
Sociologia da educação [recurso eletrônico] : a escola posta à
prova / Anne Van Haecht ; tradução Sandra Loguercio. – 3. ed.
Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2008.
Editado também como livro impresso 2008.
ISBN 978-85-363-1427-3
1. Educação. 2. Sociologia da educação. I. Título.
CDU 37.015.4
Catalogação na publicação : Mônica Ballejo Canto – CRB10/1023.
Sociologia da educação 23
1
O esquema da reprodução:
da escola ao sistema de classes sociais
No mundo francófono, a teoria da reprodução de Bourdieu e Passeron
é certamente a mais conhecida. Ela leva a uma teoria geral da cultura,
ganhando sentido em uma sociologia das classes sociais mais sofisticada
que aquela desenvolvida pelos sociólogos marxistas (Baudelot e Establet,
1971).
Os trabalhos de Bourdieu e de Passeron inspiram-se em várias gran-
des tradições – durkheimiana – weberiana e marxista e tentam, senão
conciliá-las, ao menos tirar de cada uma as contribuições essenciais. Aliás,
aí está a dificuldade de criticar a sociologia desses autores que acertaram
em mostrar que não subestimam nenhuma das contribuições importantes
de cada uma dessas correntes de pesquisa.
De maneira bastante sintética, podemos encontrar em Bourdieu e
Passeron, para cada uma das três grandes tradições abordadas, as seguin-
tes influências:
– Tradição durkheimiana: ruptura com o senso comum, confronto
da teoria com a empiria, afirmação de um método sociológico
específico (para Durkheim: “é preciso tratar dos fatos sociais como
coisas”, “o social explica-se pelo social”).
– Tradição weberiana: importância do fato mental, reconhecimento
de um método científico (explicar e compreender) como busca
da verdade a partir de uma relação subjetiva com os valores (a do
pensador), do ideal-tipo como instrumento heurístico, e, ainda, o
questionamento sobre as modalidades da legitimação.
– Tradição marxista: importância das determinações econômicas,
da “situação” de classe no espaço das posições sociais, da deter-
minação em “última instância” pela economia retomada em
Althusser (“autonomia relativa” da superestrutura em relação à
infra-estrutura), reconhecimento do papel importante da escola
24 Anne Van Haecht
(aparelho ideológico do Estado em Althusser ainda) na reprodu-
ção das relações de força.
O pensamento de Bourdieu, assim como o de Passeron, é evolutivo.
A honestidade intelectual obriga a salientá-lo, pois, muito freqüentemente,
seus detratores prendem-se a uma leitura de seus primeiros trabalhos.
Em relação à área que nos diz respeito, Os herdeiros (1964) e A reprodu-
ção (1970) constituem a base da reflexão. Vejamos seus pontos essenciais,
não sem já levar em conta alguns desenvolvimentos posteriores.
ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS
A reprodução, que representa o apanhado teórico de Os herdeiros
baseia-se em uma teoria da violência simbólica da qual é preciso lembrar
os principais elementos. O corpo de propostas que representa o Livro I
desse estudo apóia-se em uma “estenografia de sistemas de relações lógi-
cas”, cuja compreensão supõe que se compreendam previamente as se-
guintes definições:
– poder de violência simbólica: todo poder que acaba por impor sig-
nificações como legítimas, dissimulando as relações de força que
as subjazem;
– ação pedagógica: constitui objetivamente a violência simbólica. É
exercida por todos os membros educados de uma formação social
ou de um grupo, pelos membros do grupo familiar, pelos profes-
sores;
– autoridade pedagógica: necessariamente implicada pela ação pe-
dagógica, aparece como poder de violência simbólica, na forma
de um direito de imposição legítima;
– trabalho pedagógico: trabalho de inculcação que deve perdurar
por um longo tempo, a fim de produzir uma formação durável e
profunda: habitus;
– habitus: produto da interiorização de um arbitrário cultural ca-
paz de se perpetuar após o término da atividade pedagógica e,
assim, perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário cultural.
O axioma fundador da teoria de Bourdieu e Passeron pode ser resu-
mido da seguinte forma: todo poder de violência simbólica une sua pró-
pria força às relações de força que lhe permitiram se manifestar como tal.
A violência em geral pode se expressar, com efeito, na forma da coação
física ou na da coação moral. O poder que consegue se afirmar passando
da primeira e utilizando-se da segunda beneficia-se de uma espécie de
“mais-valia” simbólica, da legitimação do arbitrário que ele impõe. Em
Sociologia da educação 25
outras palavras, a violência simbólica permite a institucionalização de
relações de força desconhecidas, graças a ela, em sua nudez crua.
No coração da ação pedagógica que todos os agentes investidos pro-
fissionalmente ou não de uma tarefa de socialização exercem se encontra
uma dupla arbitrariedade: a do poder que instaura a relação pedagógica
e a do conteúdo da mensagem transmitida. Determinações sociais espe-
cificam as relações entre os adultos e as crianças, mesmo no caso das
relações de parentalidade biológica: a cada formação social suas institui-
ções educativas, assim como suas estruturas familiares e seu modo de
descendência (patrilinear ou matrilinear). E, ainda, a cada formação so-
cial uma autoridade pedagógica dominante, isto é, a que serve melhor, de
forma mediata, aos interesses objetivos1 (materiais, simbólicos, etc., mais
particularmente pedagógicos) dos grupos e classes dominantes. É preciso
reconhecer também na mensagem imposta e inculcada a seleção arbi-
trária que um grupo ou uma classe realiza de forma objetiva em e por seu
arbitrário cultural. Este constitui um sistema simbólico que não é dedutível
de nenhum princípio geral, “natureza das coisas” ou “natureza humana”.
Acontece que um patrimônio cultural particular, se é “arbitrário” em com-
paração à totalidade das culturas existentes ou que existiram, ou, mais
amplamente ainda, de todas as culturas possíveis, torna-se “necessário” desde
que seja colocado nessas condições sociais de produção e de perpetuação.
A ação pedagógica, cujo poder de impor significações legítimas an-
cora-se nas relações de força que opõem os grupos ou as classes entre si,
garante, por meio de sua função de reprodução cultural, uma função de
reprodução social. Ao mesmo tempo em que se perpetua a dominação do
arbitrário cultural dominante, reproduzem-se as relações de força que
colocaram este em posição dominante.
Bourdieu e Passeron (1970, p. 11) sugerem subsumir o conjunto dos
atos marcados pelo duplo arbitrário da imposição simbólica em uma “te-
oria geral das ações de violência simbólica (que elas sejam exercidas pelo
curador, bruxo, padre, profeta, propagandista, professor, psiquiatra ou
psicanalista)”, que pertenceria, por sua vez, a uma “teoria geral da violên-
cia e da violência legítima, pertença testemunhada, diretamente, pela
substituibilidade das diferentes formas de violência social e, indiretamen-
te, pela homologia entre o monopólio escolar da violência simbólica legí-
tima e o monopólio estatal do exercício legítimo da violência física”.
Para dar conta dessa teoria geral, é preciso mencionar ainda alguns
conceitos essenciais. Trata-se da autoridade pedagógica e da autonomia
relativa da instância que é investida disso, que se pode definir como as
condições sociais de exercício do poder de violência simbólica, ou como
as fontes de sua legitimidade. Toda instância que exerce uma ação peda-
gógica só dispõe da autoridade pedagógica a título de mandatário dos
grupos ou das classes para as quais impõe o arbitrário cultural.
26 Anne Van Haecht
É como instância legítima de imposição que a ação pedagógica chega
a produzir o desconhecimento de sua verdade objetivade violência. Depois,
o trabalho pedagógico, processo que deve durar por bastante tempo para
consagrar irreversivelmente a autoridade pedagógica e produzir um habitus,
análogo na ordem da cultura ao capital genético na ordem biológica, prin-
cípio gerador, portanto, de práticas consoantes ao arbitrário cultural.
A ação pedagógica primária (primeira educação) vai estar na origem
de um habitus primário, atributo de um grupo ou de uma classe, que se
revelará o princípio de percepção e de avaliação de toda experiência pos-
terior, mesmo que seja realizada em condições muito diferentes. Vivendo
em um contexto social determinado, cada indivíduo se vê dotado – com o
passar das experiências da primeira infância e da juventude marcadas
pelos gostos e pelo estilo de vida familiar – de um habitus específico que,
em último caso, dará conta da maneira como ele assimilará, na forma de
aspirações e de modos de agir, todas suas experiências posteriores. Con-
seqüentemente, como Bourdieu (1972, p. 188-189) o precisará,
as experiências se integram na unidade de uma biografia sistemática
que se organiza a partir da situação originária de classe, sentida em
um determinado tipo de estrutura familiar [...]. O estilo “pessoal”,
isto é, essa marca que trazem todos os produtos de um mesmo habitus,
práticas ou hábitos, não passa nunca de um intervalo, ele mesmo re-
gulado e às vezes até codificado, em relação ao estilo próprio de uma
época ou de uma classe.
O habitus, a partir daí, pode ser apreendido como um princípio de
retradução e de transformação, que produz continuamente metáforas prá-
ticas em função do contexto onde age. As diferentes manifestações do
habitus de um mesmo indivíduo oferecem um caráter analógico: assim
ocorre com a escritura que permanece a mesma qualquer que seja o ins-
trumento (lápis, pluma ou feltro), e qualquer que seja o suporte (ardósia,
papel ou quadro-negro). É a sistematicidade do opus operandi, diz
Bourdieu, que confere sua sistematicidade ao opus operatum.
Quanto ao habitus de classe que funda a classe, é o princípio de uma
“orquestração sem maestro” que vai trazer regularidade, unidade e sis-
tematicidade às práticas dessa classe. É a mola de um acordo perfeito,
como o dos dois relógios de Leibniz, concebidos com tanta arte e justeza
que não têm como não estarem perfeitamente em conformidade. E
se as práticas dos membros do mesmo grupo ou da mesma classe es-
tão sempre mais e melhor em conformidade do que supõem ou que-
rem os agentes, é porque, como diz ainda Leibniz, seguindo apenas
suas próprias leis cada um entra em conformidade com o outro
(Bourdieu, 1972, p. 181).
Sociologia da educação 27
O habitus está na junção do passado que incorpora e do futuro que
engendra; lemos em O sentido prático:
ele garante a presença ativa das experiências passadas que, deposita-
das em cada organismo na forma de esquemas de percepção, de pen-
samento e de ação, tendem, mais seguramente que todas as regras
formais e todas as normas explícitas, garantir a conformidade das prá-
ticas e sua constância através do tempo (Bourdieu, 1980a, p. 91).
Lembrando com Durkheim que em cada um de nós há o homem de
ontem, que esse homem de ontem é predominante em nós, mesmo que
não o sintamos, Bourdieu afirma que o inconsciente não passa do esque-
cimento da história. Assim como a consciência coletiva só pode ocupar
consciências individuais enquanto é mais do que estas, o habitus só pode
ocupar os indivíduos enquanto cristaliza as aquisições da história coleti-
va. Conseqüentemente,
a visão dualista que só quer conhecer o ato de consciência transparen-
te a si mesmo ou a coisa determinada em exterioridade, é preciso
opor, portanto, a lógica real da ação que coloca em presença duas
objetivações da história, a objetivação nas instituições ou, o que dá no
mesmo, dois estados do capital, objetivado e incorporado, pelos quais
se instaura uma distância em relação à necessidade e a suas urgências
(Bourdieu, 1980a, p. 95).
Confrontado com a acusação de determinismo, obrigado a se situar
no debate que opõe objetivismo e subjetivismo, Bourdieu quer se defen-
der tanto de um quanto de outro, rejeitando a escolha exclusiva do realis-
mo da estrutura, à qual leva o primeiro, e a da ignorância das necessida-
des, à qual leva o segundo.
De forma densa, ele expressa em um texto retomado em Coisas ditas
o projeto que sempre teria sido seu, qual seja, passar da oposição ob-
jetivismo-subjetivismo:
De um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no mo-
mento objetivista, afastando as representações subjetivas dos agentes,
são o fundamento das representações subjetivas e constituem os limi-
tes estruturais que pesam nessas interações; mas, de outro, essas re-
presentações também devem ser retidas caso se queira dar conta es-
pecialmente das lutas cotidianas, individuais ou coletivas que visam
transformar ou conservar essas estruturas (Bourdieu, 1987, p. 150).
Os dois momentos inscrevem-se em uma relação dialética; mas é
preciso salientar que, nessa ótica, os pontos de vista subjetivos são inter-
pretados transferindo-os para o lugar ocupado pelos agentes correspon-
dentes na estrutura social, o que distingue claramente, nas palavras do
28 Anne Van Haecht
próprio autor, o momento subjetivista do olhar etnometodológico ou
interacionista.
É preciso acrescentar, ainda, a respeito do habitus, conceito primordial
desde A reprodução, que Bourdieu designa como uma lógica prática: a
tendência que os indivíduos manifestam em agir de maneira regular em
razão do “sistema de disposições à prática” que os caracteriza não é
relacionável a uma regra ou a uma lei explícita e, então,
é o que faz com que as condutas engendradas pelo habitus não te-
nham a bela regularidade das condutas deduzidas de um princípio
legislativo: o habitus está relacionado com o flexível e o vago. Esponta-
neidade geradora que se afirma na confrontação improvisada com si-
tuações sempre renovadas, ele obedece a uma lógica prática, do flexí-
vel, do “mais-ou-menos”, que define a relação comum com o mundo
(Bourdieu, 1987, p. 96).
Para qualificar essa lógica prática engendrada pelo habitus, Bourdieu
evoca uma lógica do jogo e sugere a metáfora do jogador de tênis.
As outras proposições teóricas do Livro I de A reprodução dizem res-
peito diretamente ao sistema de ensino, uma das formas de autoridade
pedagógica entre as mais importantes em nosso tipo de sociedade. De
fato, Bourdieu dirá, em O sentido prático, que é preciso salientar a oposi-
ção entre os universos sociais em que as relações de dominação se estabe-
lecem e se desfazem em interações pessoais, e os universos sociais onde
essas relações permanecem opacas, pois mediatizadas por mecanismos
objetivos e institucionalizados, como o mercado auto-regulado, o aparelho
jurídico ou o sistema de ensino. Em uma formação social como a nossa,
paradoxalmente, é a existência de áreas relativamente autônomas, que
funcionam segundo mecanismos rigorosos e capazes de impor aos
agentes sua necessidade, que faz com que os detentores dos meios,
para dominar esses mecanismos e se apropriarem dos benefícios mate-
riais ou simbólicos produzidos por seu funcionamento, possam fazer a
economia das estratégias orientadas direta e expressamente para a
dominação das pessoas (Bourdieu, 1980a, p. 226).
A partir daí – isso será o assunto do próximo item –, as relações de
poder e de dependência se objetivam em títulos socialmente valorizados e
em postos socialmente definidos. O campo escolar, como instituição
legitimadora, contribui para a produção e para a distribuição desses atri-
butos sociais ao longo das gerações.
UMA TEORIA DO SISTEMA DE ENSINO
Para Bourdieu e Passeron, a estrutura e o funcionamento de qual-
quer sistema de ensino institucionalizado devem estar relacionados di-
Sociologia da educação 29
retamente com a dupla missão que lhe é atribuída: em primeiro lugar, a
função própria de inculcação; em segundo, a função de reprodução de
um arbitrário cultural, do qual não é produtor. Ainstituição deve conse-
guir garantir sua auto-reprodução cuidando da conservação das condi-
ções que lhe permitem exercer essa dupla missão: a primeira acerca da
auto-reprodução, a segunda acerca da reprodução das relações entre os
grupos ou as classes, isto é, de uma tarefa de perpetuação das estruturas
sociais.
Lembremos que, segundo Durkheim, é preciso considerar a universi-
dade medieval como fundadora do campo escolar ocidental: ela impôs a
avaliação, juridicamente sancionada, dos resultados da inculcação e, ao
mesmo tempo, a profissionalização da especialidade. A questão é impor-
tante:
Se podemos indiferentemente compreender as características estrutu-
rais relacionadas aos interesses de um corpo de especialistas que pro-
gridem para um monopólio dessa prática ou vice-versa, é porque esses
processos representam duas manifestações indissociáveis da autonomi-
zação de uma prática, isto é, de sua constituição enquanto tal (...)
(Bourdieu e Passeron, 1970, p. 72).
A autonomia relativa do sistema de ensino definida dessa forma pela
independência profissional aparente de seus agentes é a chave que per-
mite compreender por que esse sistema só cumpre bem sua função exter-
na de reprodução social quando parece buscar objetivos que garantem a
possibilidade de sua função própria de inculcação. Na medida em que ele
afirma a especificidade dessa função e pretende exercê-la de maneira
monopolística, o sistema de ensino deve garantir a produção e a reprodu-
ção, por meios próprios, das condições institucionais do desconhecimen-
to da violência simbólica que realiza, em outras palavras, do reconheci-
mento de sua legitimidade enquanto instituição pedagógica.
A última proposição do Livro I constitui a síntese da teoria do siste-
ma de ensino proposta por Bourdieu e Passeron. Nesse caso, também, é
necessário retomar o essencial.
Em uma determinada formação social, dizem os autores, o sistema
de ensino pode designar o trabalho pedagógico dominante como trabalho
escolar, com a garantia de ver os mecanismos de desconhecimento da
violência simbólica atuarem, pois:
1. Ele produz e reproduz, pelos próprios meios da instituição, as
condições necessárias do exercício de sua função interna de
inculcação que são, ao mesmo tempo, as condições suficientes
da realização de sua função externa de reprodução da cultura
legítima e de sua contribuição correlativa à reprodução das rela-
ções de força.
30 Anne Van Haecht
Mas também porquê:
2. Somente por existir e subsistir como instituição, ele implica as
condições institucionais do desconhecimento da violência sim-
bólica que exerce, isto é, porque os meios institucionais dos quais
dispõe enquanto instituição relativamente autônoma, detentora
do monopólio do exercício legítimo da violência simbólica, são
predispostos a servir como complementação, portanto sob a apa-
rência da neutralidade, aos grupos ou classes dos quais repro-
duz o arbitrário cultural (dependência pela independência)
(Bourdieu e Passeron, 1970, p. 83-84).
Concluindo, dessa forma, a parte teórica, o Livro 2 de A reprodução
pode, então, ser lido como uma aplicação a um caso histórico particular
de princípios cuja abrangência é bem mais geral. Partindo de resultados
de pesquisas prévias sobre a variação das aptidões das diferentes catego-
rias de estudantes de letras na área da competência lingüística, bem como
do desempenho diferencial desses estudantes conforme o sexo, a origem
social, ou mesmo a origem geográfica (Paris ou o interior), os autores
pretendem tratar da relação pedagógica enquanto relação de comunica-
ção da qual se pode medir o rendimento em função das características
sociais e escolares dos receptores. Construindo o sistema de relações que
existem entre a escola, instituição de reprodução da cultura legítima, e as
classes sociais caracterizadas por distâncias desiguais em relação à cultu-
ra escolar e por disposições diferentes a serem apreendidas e dominadas,
é preciso, segundo eles, ultrapassar a apreensão sincrônica das relações
que se estabelecem em um dado nível do curso entre as características dos
diferentes grupos e seu grau de desempenho, e construir, portanto, um
modelo diacrônico das carreiras escolares.
Apoiando-se em dados empíricos que valiam para aquela época, mos-
tram que o fenômeno de sobre-seleção dos estudantes provenientes das
classes mais afastadas da língua escolar deve ser levado em conta para
compreender as variações da competência lingüística em função da ori-
gem social, pois, do contrário, fica-se privado de interpretar a anulação
ou a inversão do elo existente entre a posse de um capital cultural (via
profissão do pai) e o grau de desempenho, tal como pôde ser observado
em níveis de preparação para o curso. Quanto ao uso escolar da língua
escolar, os estudantes rigorosamente selecionados oriundos dos meios cul-
turalmente pouco favorecidos terminam por se revelar, no mínimo, tão
Sociologia da educação 31
bons quanto aqueles dos meios culturalmente mais bem favorecidos, sele-
cionados de maneira menos rigorosa, e melhores que os estudantes dos
meios intermediários, tão fracos quanto eles nesse sentido, mas seleciona-
dos de maneira menos severa.2 É preciso notar que esse fenômeno de
sobre-seleção se enfraqueceu muito hoje em dia.
Julgando a relação pedagógica como uma relação de comunicação
da qual constatam o baixo rendimento, Bourdieu e Passeron chegam en-
tão à análise das “condições sociais que permitem à relação pedagógica
se perpetuar, na inconsciência feliz daqueles que estão envolvidos com
ela, mesmo quando ela falha completamente também em sua finalidade
aparentemente mais específica [...]” (Bourdieu, 1970, p. 134).
Seria a autoridade estatutária conferida ao discurso professoral que
permitiria ocultar a questão do rendimento informativo da comunicação.
Atribuindo ao professor o benefício da legitimidade da instituição, permi-
te-se a ele conduzir, em seu próprio proveito, essa autoridade e, portanto,
creditar à coisa comunicada o prestígio que sua forma pessoal de comuni-
car (jogo com adjuvantes, como a acrobacia verbal, a alusão hermética
ou mesmo a dissimulação das fontes, etc.) confere-lhe inicialmente a si
mesmo. Assim, vê-se sustentado um carisma professoral que tem suas
melhores possibilidades de expressão em um sistema universitário que
atribui a primazia à “função social da cultura” sobre “a função técnica da
competência”.
Entre os piores obstáculos, a uma real democratização dos estudos,
Bourdieu e Passeron estigmatizam essa pedagogia elitista que alimenta
os mal-entendidos lingüísticos e que supõe que a maneira de dizer (que
tem a ver com a linguagem) e a maneira de fazer (hexis corporal) são
mais importantes do que é dito ou feito.
Na realidade, a duplicidade do sistema de ensino é dupla:
1. enquanto ele não dá explicitamente o que exige, o sistema de
ensino pretende avaliar da mesma forma, em todos os estu-
dantes, uma competência que ele não lhes oferece, na medida
em que ela não passa de uma relação com a cultura, produto
de um modo de inculcação relacionado às classes dominantes;
2. o mesmo sistema se satisfaz em dar uma informação e uma
formação que só podem ser assimiladas plenamente por aque-
les que já contam com uma formação que o próprio sistema
não dá.
32 Anne Van Haecht
E os autores acrescentam com certa ironia: “É a verdade por trás de
sua dependência em relação às relações de classe que o sistema de ensino
trai quando desvaloriza as maneiras muito escolares daqueles que lhe
devem suas maneiras, negando, assim, sua maneira própria de produzir
maneiras e admitindo, ao mesmo tempo, sua impotência em afirmar a
autonomia de um modo propriamente escolar de seleção” (Bourdieu,
Passeron, 1970, p. 163).
No entanto, a instituição se afirma completamente autônoma em
suas modalidades de seleção: o exame, tão característico da vida univer-
sitária, não garante a eqüidade da sanção? Para além do entusiasmo
tipicamente francês pelos concursos, poder-se-ia ver na multiplicação
desse tipo de provas umatendência geral da sociedade ocidental cuja
burocratização não parou de acentuar. Tratar-se-ia de uma resposta às
demandas técnicas que provêm das empresas privadas e públicas, na
medida em que a ascensão social ou a simples conservação do estatuto
tornaram-se cada vez menos independentes do nível de instrução. Mas
se poderia ver aí também a sobrevivência da tradição da competição
pela competição herdada dos colégios jesuítas:3 o sistema de ensino fran-
cês teria encontrado, assim, na demanda externa de produtos de série
intercambiáveis, a possibilidade de perpetuá-la, colocando-a a serviço de
outras classes sociais.
Mais profundamente, apoiando-se em uma comparação entre os sis-
temas da França moderna e da China mandarina, Bourdieu e Passeron
(1970, p. 176) formulam a hipótese de que esses dois sistemas apresen-
tam orientações comuns, pois “têm em comum o fato de fazer de uma
demanda de seleção social (seria a demanda de uma burocracia tradicio-
nal, em um caso, e de uma economia capitalista, no outro) a oportunida-
de de expressar completamente a tendência propriamente professoral em
maximizar o valor social das qualidades humanas e das qualificações pro-
fissionais que eles produzem, controlam e consagram”. O que significa
dizer que o sistema francês não deveria unicamente suas características à
obrigação de responder a demandas econômicas externas, mas também a
sua própria tendência à autonomização que o leva a retraduzir tais de-
mandas de acordo com normas oriundas de sua própria história
institucional. Certamente, o sistema mandarim podia impor sua hierar-
quia de valores como princípio oficial de qualquer hierarquia social, o que
não é o caso do sistema de ensino francês. Acontece que a adesão aos
valores escolares, remetendo à ideologia meritocrática, será ainda mais
forte à medida que se tratar de categorias sociais que devem sua posição
social sobretudo a sua certificação escolar (classes médias e parte intelec-
tual da grande burguesia). A partir daí, a tendência à autonomização ou,
ainda, à autoperpetuação, com base nas tendências jesuítas,
Sociologia da educação 33
encontrou as condições para sua plena realização à medida que veio
ao encontro dos interesses da pequena burguesia e dos segmentos
intelectuais da burguesia que encontravam na ideologia jacobina da
igualdade formal de oportunidades o reforço de sua impaciência exa-
cerbada por todas as espécies de ‘favoritismo’ ou de ‘nepotismo’, e
também à medida que ela pôde se apoiar na estrutura centralizada da
burocracia estatal que [...] oferecia à instituição escolar a melhor opor-
tunidade de se fazer reconhecer o monopólio da produção e da imposi-
ção de uma hierarquia unitária ou, no mínimo, de hierarquias redutíveis
ao mesmo princípio (Bourdieu e Passeron, 1970, p. 181-183).
O “livre jogo” da instituição é preservado em troca de uma servidão
implícita: “a legitimidade da reprodução das hierarquias sociais pela
transmutação das hierarquias sociais em hierarquias escolares” (Bourdieu
e Passeron, 1970, p. 186).
Por outro lado, se o exame ou o concurso podem ser apresentados
como as garantias de uma independência ilusória, não se deve esquecer o
número daqueles que se sacrificam com o autodesprezo ou com a auto-
eliminação sem mesmo investir em tais provas, ajustando, assim, suas
esperanças subjetivas às chances objetivas de desempenhos específicos de
sua categoria social. A ideologia do dom chega a ponto de convencer os
eleitos da idéia de que eles só devem essa graça a seus méritos verdadeiros.
A escola, desde a pré-escola até a universidade, é o caldeirão onde se
opera a transformação do capital social em capital cultural instituciona-
lizado, que permite à hereditariedade social se realizar com toda a legiti-
midade:
Instrumento privilegiado supremo de não aparecer como privilégios,
ela (a escola) consegue ainda mais facilmente convencer os deserdados
de que devem seu destino escolar e social à falta de dons ou de méri-
tos à medida que, em matéria de cultura, a privação absoluta exclui a
consciência da privação (Bourdieu e Passeron, 1970, p. 253).
Compreende, assim, que a especificidade da teoria da reprodução
contém em seu axioma primeiro o da violência como constitutiva do so-
cial. Todo processo de socialização só pode, portanto, proceder daí, trate-
se da educação familiar, escolar, religiosa, profissional, militar, ou de qual-
quer outra.
Se a família é, por excelência, o lugar de construção do habitus primário,
a escola é um dos lugares onde se testa a eficácia desse habitus na perpe-
tuação das relações sociais. Em outras palavras: das relações de dominação.
Nesse sentido, Bourdieu mostrará uma verdadeira constância argumentativa,
evitando ser pouco ou muito funcionalista. Assim, em seus textos dedicados
às grandes escolas francesas, dirá que falar de mecanismos escolares
34 Anne Van Haecht
é somente lembrar, por uma maneira de estenografia, que todas as
ações e as reações individuais, cujo resultado é a seleção dessas partí-
culas desigualmente carregadas de energia social que os indivíduos
constituem ao entrar no sistema escolar, são realizadas sob condicio-
nante estrutural. [...] Na verdade, a distribuição dos alunos conforme
a origem social e o capital escolar entre as diferentes escolas, tal como
se pode observar, é a resultante das incontáveis “escolhas” que se ins-
tauram na relação entre os habitus estruturados dos “selecionadores”
e dos “selecionados” e a estrutura do campo das instituições escola-
res, cujos efeitos mais fortes e mais bem escondidos acontecem a
favor da homologia que a une às estruturas fundamentais do espaço
social, e especialmente do campo do poder (Bourdieu e Saint-Martin,
1987, p. 17).
Se a palavra escolha é colocada entre aspas, é para salientar que não
se deve ver nela a “escolha consciente de um sujeito racional, mas a esco-
lha da operação, freqüentemente obscura para si mesma, de um sentido
da colocação”.
Enquanto antes a escola era analisada como uma instituição natural
e que contribuía, assim, para a reprodução dos saberes e dos saber-fazer
exigidos pela divisão do trabalho, a sociologia crítica da educação, da
qual Bourdieu é um dos principais pensadores, termina com a tranqüilida-
de desse esquema, redefinindo-a como o instrumento de produção/repro-
dução das relações de força, isto é, da sociedade em sua própria essência.
Assim, Bourdieu (1987, p. 18) persiste nessa análise quase 20 anos
após A reprodução:
[...] o sistema escolar age como um algoritmo de classificação
objetivado: distribui os indivíduos que lhe são propostos em classes
tão homogêneas quanto possível e, ao mesmo tempo, tão diferentes
entre si quanto possível do ponto de vista de um certo número de
critérios determinantes. Dessa forma, contribui para reproduzir e para
legitimar o conjunto das diferenças que constitui, em cada momento,
a estrutura social, contrariando a tendência à entropia niveladora que
uma real independência estatística das posições no espaço escolar
implicaria em relação às posições no espaço social.
DEPOIS DE A REPRODUÇÃO: A METÁFORA ECONÔMICA
Após a publicação de A reprodução, Bourdieu continua explorando a
temática da autonomia relativa das relações simbólicas no que diz respei-
to às relações de força. Assim, em A distinção (1979), depois em O sentido
prático (1980), desenvolve, além de uma reflexão sobre os modos de do-
minação em que intervêm as estratégias de excelência e de conformidade,
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esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual 
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
	O que é sociologia 
	A imaginação sociológica 
	Você é o que você tem?
	A sociologia e as ciências sociais 
	Sociologia e senso comum
	O que é teoria sociológica?
	O desenvolvimento da sociologia 
	As perspectivas teóricas mais importantes 
	Perspectiva funcionalista 
	Perspectiva do conflito 
	Perspectiva interacionsita 
	A abordagem sociológica 
	Comparação das perspectivas teóricas mais importantes 
	Desenvolvendoa imageinação sociológica 
	A teoria na prática 
	Pesquisa em ação

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