Buscar

James, W - 1892 - A vontade de crer

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

□s escritos de UJíliism James figuram 
entre os clássicas da psicologia e da 
filosofia do século XX. Nenhum outro 
pensador demonsfroii tamanho talento
v- T־־- !.· *1- —־ . J ■. ; -
para fundir uma mente ,,científica" com a
inquietação espiritual.
R vontade de crer é para muitos a maior 
expressão dessa capacidade de fusão e 
se afirmou no decorrer do tempo como a 
mais completa e coerente afirmação da 
necessidade da fé na era moderna.
Neste ensaio, UUiiiiam James procede à 
união de sua cienda e de sua filosofia 
numa afirmação positiva da fé religiosa.
Anscoíeles e o logos 
Barbara Cassin
Aristóteles no século XX 
Ennco Berti
Filosofia da Ciência, 2 a ed 
Rubem Alves
A metafora vivo 
Paul Ricoeur
0 niilismo 
Franco Volpi
O oficio do filósofo estóico 
Rachel Gazolla
A ordem do discurso, 6* ed.
Michel Foucault
Que é a filosofia amiga 
Pierre Hadot
As razOes de Aristóteles 
Ennco Bem
Saber dos antigos terapia para os tempos atuais 
Giovanni Reale
Sete liçóes sobre o ser 
Jacques Maritain
Transformação da filosofia, vol. 1 
Karl-Ouo Apel
Transformação da filosofia, vol 2 
Karl-Ouo Apel
A vontade de crer 
William James
L E I T U R A S 9 0 FILOSÓFICAS
WILLIAM JAMES
y 4 Vont&òe h Cm
Tradução:
Cecília Camargo Buruiíoífi
r
Título original:
The Wiü to Believe
Conferência dirigida aos grêmios filosóficos da 
Universidade de Yale e Brown University. publicado 
em 1896.
Diagramação 
Ronaldo Hideo Inaue
Preparação
Maurício Balthazar Leal
Revisão 
Renato Rocha
Edições Loyola
Rua 1822 n° 347 - Ipiranga 
04216-000 São Paulo, SP 
Caixa Postal 42.335 - 04299-970 - São Paulo, SP 
c£ : (0**11) 6914-1922 
(0**11) 6163-4275
Home page e vendas: www.loyola.com.br 
Editorial: loyola@ loyola.com.br 
Vendas: vendas@loyola.com.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra 
pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma 
e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo 
fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema 
ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
ISBN: 85-15-02252-4
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2001
http://www.loyola.com.br
mailto:vendas@loyola.com.br
y4 Vontade òe «
-
N o recentemente publicado Life, de Leslie Stephen, sobre seu irmão Fitz-James, há 
o relato de um incidente ocorrido numa escola que 
este último frequentou quando menino. O professor, 
um certo Mr. Guest, costumava conversar com seus 
alunos nos seguintes termos: “Gumey, qual é a dife­
rença entre justificação e santificação? — Stephen, 
prove a onipotência de Deus!" etc. Em meio ao nos­
so livre-pensar e à nossa indiferença “harvardianos", 
somos inclinados a imaginar que aqui, nesta boa e 
velha universidade ortodoxa, as conversas continuam 
a ser um pouco dessa ordem; e, para mostrar a vocês 
que nós, em Harvard, não perdemos todo o interesse 
por esses temas vitais, trouxe comigo esta noite algo 
como um sermão sobre a justificação pela fé para ser 
lido — ou melhor, um ensaio sobre a justificação da 
fé, uma defesa do nosso direito a adotar uma atitude 
de crença em questões religiosas, mesmo que nosso
W illiam James
intelecto meramente lógico talvez não tenha sido 
compelido a isso. A vontade de crer, por conseguinte, 
é o título deste trabalho.
Há muito tenho defendido diante de meus alu­
nos a licitude da íé voluntariamente adotada; porém, 
assim que eles se tomam íntensamente imbuídos do 
espírito lógico, têm como regra recusar-se a admitir 
que minha argumentação seja filosoficamente lícita, 
mesmo que, na verdade, tenham estado todo o tem­
po pessoalmente repletos, eles próprios, de uma ou 
outra fé. Eu, no entanto, mantenho-me sempre tão 
profundamente convencido de que minha posição 
está correta, que este convite me pareceu uma boa 
ocasião para tornar minhas afirmações mais claras. 
Talvez suas mentes estejam mais abenas do que aque­
las com que tive de lidar até aqui. Serei tão pouco 
técnico quanto possível, embora se!a necessário co­
meçar estabelecendo algumas distinções técnicas que 
nos ajudarão no final.
Vamos dar o nome de hipótese a qualquer coisa 
que possa ser proposta à nossa crença; e, assim
8
A Vontade de Crer
como os eletricistas falam de fios vivos e mortos, 
falaremos das hipóteses como vivas ou mortas. Uma 
hipótese viva é a que aparece como uma possibili­
dade real para a pessoa a quem é proposta. Se eu 
lhes pedir para acreditar no Mahdi1, a idéia não 
criará nenhuma conexão elétrica com a natureza de 
vocês — ela se recusa a cintilar com qualquer cre­
dibilidade que seja. Como hipótese, é completa­
mente morta. Para um árabe, porém (mesmo que ele
1. (N. do R.] A crença no maftífi parece ter-se originado da con­
fusão resultante das lutas religiosas e políticas ocorridas nos primór­
dios do islamismo, nos séculos VII e VIII.
Na escatologia islâmica, o mahdi (em árabe, “aquele que é guia­
do por Deus") é o libertador messiânico que virá no fim dos tempos 
para restabelecer a justiça e a equidade no mundo, restaurar a verda­
deira religião e a pureza dos costumes e anunciar uma breve idade de 
ouro, que durará entre sete e nove anos antes do fim do mundo.
A doutrina do mahdi não consta do Alcorão nem pode ser defi­
nida de nenhum hadith (sentença de Maomé). Os teólogos sunitas 
ortodoxos põem em dúvida essa crença, que no entanto é aceita pe­
los xiitas. Nos tempos de cnse, a crença tende a ganhar força entre os 
fiéis. Uma vez que o mahdi é tido como restaurador do poder políti­
co e da ortodoxia religiosa islâmica, o título costuma ser reivindica­
do pelos líderes revolucionários da comunidade islâmica ,Assim ocor­
reu, por exemplo, com Ubayd Allah, fundador da dinastia dos 
fatimidas (909); Moharr.ed ibn Tumart, que fundou no Marrocos, no 
século XII, o império aimóada; eMnhamed Ahmad, mahdi do Sudão, 
que se revoltou em 1881 contra a administração egípcia,
9
William James
não seja um dos seguidores de Mahdi), a hipótese 
está entre as possibilidades da mente: ela é viva. Isso 
mostra que o caráter vivo ou morto de uma hipó­
tese não é uma propriedade intrínseca, mas está re­
lacionado ao pensador individual. É medido pela dis­
posição do indivíduo para agir. O máximo de vida 
em uma hipótese significa uma disposição irre­
vogável para agir. Na prática, isso representa crença; 
mas há alguma tendência de crença sempre que exis­
te alguma disposição a agir.
Em seguida, vamos chamar de opção a decisão 
entre duas hipóteses, As opções podem ser de vários 
tipos: 1) vivos ou mortos; 2) forçosas ou evitáveis; 3) 
prementes ou triviais; e, para nossos propósitos, pode­
mos chamar uma opção de genuína quando ela é do 
tipo vivo, forçoso e premente.
1. A opção viva é aquela em que ambas as hi­
póteses são vivas. Se lhes digo: “Sejam teosofístas 
ou sejam muçulmanos”, esta possivelmente é uma 
opção morta, porque é provável que, para vocês, ne­
nhuma das duas hipóteses seja viva. Mas, se eu digo: 
“Sejam agnósticos ou sejam cristãos’1, a situação será 
diferente: pela formação que vocês têm, cada uma 
dessas hipóteses tem algum apelo, mesmo que pe­
queno, à sua crença.
10
A Vontade de Crer
2. Em seguida, se lhes digo: “Escolham entre sair 
com o guarda-chuva ou sem ele", eu não lhes ofere­
ço uma opção genuína, pois ela não é forçosa. Vocês 
podem evitá-la facilmente decidindo não sair. De 
maneira semelhante, se eu digo: “Amem-me ou 
odeiem-me”, “Chamem minha teoria de verdadeira 
ou chamem-na de falsa", sua opção é evitável. Vocês 
podem permanecer indiferentes a mim, sem me amar 
nem me odiar, e podem recusar-se a fazer qualquer 
julgamento a respeito de minha teoria. Porém, se 
digo: “Aceitem esta verdade ou passem sem ela", eu 
lhes apresento uma opção forçosa, pois não há ne­
nhuma posição fora das alternativas. Todo dilema ba­
seado numa disjunção lógica completa, sem nenhu­
ma possibilidade de não escolher, é uma opção des­
se tipo forçoso.
3. Por fim, se eu fosse o doutor Nansen e lhes 
propusesse participar de minha expedição ao Pólo 
Norte, sua opção seria premente,
pois essa provavel­
mente seria a única oportunidade semelhante, e sua 
escolha nesse momento o excluiria de vez da imor­
talidade proporcionada pela experiência ou, ao con­
trário, poria pelo menos uma chance disso em suas 
mãos. Aquele que se recusa a abraçar uma oportu­
nidade única perde o prêmio tão certameme como 
se tivesse tentado e falhado. Per contra , a opção é tri-
11
William James
vial quando a oportunidade não é única, quando o 
que está em jogo é insignificante, ou quando a de­
cisão é reversível se, posteriormente, se revela equi­
vocada. Tais opções triviais são abundantes na vida 
científica. Um químico julga uma hipótese viva o 
suficiente para que passe um ano verificando-a: ele 
acredita nela a esse ponto. Porém, se suas experiên­
cias se mostram inconclusivas em algum aspecto, ele 
está redimido de sua perda de tempo, nenhum dano 
essencial foi causado.
Nossa discussão será facilitada se mantivermos 
essas distinções em mente.
A próxima questão a considerar é a própria psico­
logia da opinião humana. Quando olhamos certos fa­
tos, é como se nossa natureza passional e volitiva se 
encontrasse na raiz de todas as nossas convicções. 
Quando olhamos para outros, parece-nos que eles não 
poderiam fazer mais nada após o intelecto ter dado seu 
veredicto. Vamos examinar este último caso primeiro.
Não parece despropositado, diante disso, supor 
que nossas opiniões possam ser modificáveis de acor-
12
A Vontade de Crer
do com a nossa vontade? Pode nossa vontade ajudar 
ou atrapalhar o intelecto em suas percepções da ver­
dade? Podemos nós, pelo simples desejo, acreditar 
que a existência de Abraham Lincoln é um mito e 
que seus retratos na McClure's M agazine são de algu­
ma outra pessoa? Podemos nós, por qualquer esfor­
ço da vontade, ou por qualquer força do desejo de 
que isso seja verdade, acreditar que estamos bem 
quando nos encontramos na cama gemendo de reu­
matismo, ou sentir-nos seguros de que a soma das 
duas notas de 1 dólar que temos no bolso deve ser 
100 dólares? Podemos d izer qualquer uma dessas 
coisas, mas nos é absolutamente impossível acredi­
tar nelas; e exatamente dessas coisas é constituída 
toda a tessitura das verdades em que acreditamos — 
fatos estabelecidos, imediatos ou remotos, como dis­
se Hume, e relações entre idéias, que existem ou não 
para nós na medida em que as vemos assim, e que, 
se não existirem, não poderão ser introduzidas por 
nenhuma ação de nossa parte.
Nos Pensamentos de Pascal, há uma célebre passa­
gem conhecida na literatura como a aposta de Pascal. 
Nela, ele tenta nos convencer a adotar o cristianismo 
argumentando como se nossa preocupação com a ver­
dade. se assemelhasse a nossa preocupação com as 
apostas num jogo de azar. Traduzidas livremente, suas
13
William James
palavras são as seguintes: é preciso acreditar ou nào 
acreditar que Deus existe — o que você fará? Sua ra­
zão humana não pode dizer. Entre você e a natureza 
das coisas está acontecendo um jogo que, no dia do 
juízo» dará cara ou coroa. Pese quais seriam seus ga­
nhos e suas perdas se você apostasse tudo o que tem 
na cara, ou na existência de Deus: se você ganhar 
nesse caso, o prêmio será a beatitude eterna; se per­
der, não perderá absolutamente nada. Se houvesse 
uma infinidade de chances e apenas uma para Deus 
nessa aposta, ainda assim seria aconselhável apostar 
tudo em Deus, pois, embora certamente você se ar­
riscasse a uma perda finita por esse procedimento, 
qualquer perda finita é razoável, mesmo uma perda 
certa é razoável, caso haja uma mínima possibilida­
de de ganho infinito. Vá em frente, então, e use água 
benta, encomende missas; a crença virá e estupidi- 
ficará seus escrúpulos — Cela \o u s fe ra croire et vous 
abêtira. Por que não? No fim das contas, o que você 
tem a perder?
Vocês provavelmente sentirão que, quando a fé 
religiosa se expressa dessa maneira, na linguagem da 
mesa de jogos, é sinal de que está reduzida a seus úl­
timos trunfos. Certamente a própria crença pessoal 
de Pascal em missas e na água benta tinha razões bem 
outras; e essa sua página famosa não passa de uma
14
A Vontade de Crer
argumentação dirigida aos outros, uma última bus- 
ca desesperada de uma arma contra a inflexibilida­
de do coração descrente. Parece-nos que a fé em mis­
sas e água benta adotada mtencionalmente após tal 
cálculo mecânico seria desprovida da alma interior 
da realidade da fé; e, se estivéssemos nós mesmos no 
lugar da Divindade, provavelmente teríamos um pra­
zer especial em excluir os crentes dessa espécie de sua 
recompensa infinita. É evidente que, a menos que 
haja alguma tendência preexistente a acreditar em 
missas e água benta, a opção oferecida à vontade por 
Pascal não é uma opção viva. Certamente nenhum 
turco jamais voltou-se para missas e água benta por 
causa dessa argumentação; e mesmo para nós, pro­
testantes, esses meios de salvação parecem impossi­
bilidades tão previsíveis, que a lógica de Pascal, in­
vocada especificamente para eles, não nos comove. 
Seria como se Mahdi nos escrevesse dizendo: “Sou 
o Esperado que Deus criou em seu resplendor. Se­
reis infinitamente felizes se professardes vossa fé em 
mim; caso contrário, sereis excluídos da luz do sol. 
Pesai, portanto, vosso ganho infinito, se eu for genuí­
no, em comparação com vosso sacrifício finito, se eu 
não for!" Sua lógica seria a mesma de Pascal; no en­
tanto, ele a usaria em vão conosco, pois a hipótese 
que ele nos oferece é morta. Não há em nós nenhu­
ma tendência a agir com base nela.
15
W iiltam James
A discussão quanto a acreditar por nossa própria 
vontade parece então, sob certo ponto de vista, sim­
plesmente tola. Sob outro ponto de vista, ela é pior do 
que tola, é vil. Quando nos voltamos para o magnífico 
edifício das ciências físicas e vemos como foi construí­
do, quantos milhares de vidas morais desinteressadas 
encontram-se enterradas em suas fundações, que pa­
ciência e postergação, que sacrifício de preferências, 
que submissão às leis gélidas do fato externo estão gra­
vados em suas pedras e em seu cimento, quão absolu­
tamente impessoal ele se ergue em sua vasta majesta­
de — diante disso, quão estúpido e desprezível pare­
ce cada pequeno sentimentalista que vem soprando 
suas voluntárias espirais de fumaça e pretendendo de­
cidir coisas a partir de seu próprio sonho pessoal! Po­
demos ter alguma dúvida de que aqueles criados na 
escola árdua e briosa da ciência terão vontade de vo­
mitar tal subjetivismo de sua boca? Todo o sistema de 
lealdades que cresce nas escolas de ciência ergue-se 
contra sua tolerância; assim, é natural que aqueles que 
pegaram a febre científica passem para o extremo opos­
to e escrevam às vezes como se o intelecto incorrupti- 
velmente confiável devesse sem hesitação preferir 
amargor e inaceitabilidade ao coração inebriado.
Fortalece m inha alm a saber
Que, embora eu pereça, a Verdade é esta —
16
A Vontade de Crer
canta Clough, enquanto Huxley exclama: ‘1Meu úni­
co consolo está na reflexão de que, por pior que nos­
sa posteridade possa se tornar, enquanto eles adota­
rem a regra simples de não fingir acreditar no que não 
têm razão para acreditar, porque talvez seja vantajo­
so para eles assim fingir [a palavra “fingir” é cenamen­
te redundante aqui], não terão atingido o nível mais 
baixo de imoralidade”. E o delicioso cnfant terríble 
Clifford escreve: “A crença é profana quando conferi­
da a afirmações não-provadas e não-questionadas, 
pelo conforto e prazer pessoal do crente. ... Quem 
quer que deseje a consideração de seus pares nessa 
questão deve guardar a pureza de sua crença com um 
verdadeiro fanatismo de cuidado atento, para que ela 
não venha a pousar de repente sobre um objeto in­
digno e adquirir uma mancha que jamais poderá ser 
removida.., Se ]uma] crença tiver sido aceita com base 
em evidências insuficientes [mesmo que a crença seja 
verdadeira, como Clifford explica na mesma página], 
o seu é um prazer roubado.... Ela é pecadora porque 
é roubada em desrespeito
a nossa obrigação para com 
a humanidade. Essa obrigação é nos guardar de tais 
crenças como de uma peste que pode rapidamente 
dominar nosso próprio corpo e, depois, se espalhar 
para o resto da cidade. .״ É sempre errado, em toda 
parte, e para qualquer pessoa, acreditar em qualquer 
coisa com base em evidências insuficientes”.
William James
Tudo isso soa muito saudável, mesmo quando 
expresso, como no caso de Clifford, com um certo ex­
cesso de pathos ruidoso na voz. A livre vontade e o sim­
ples desejo parecem, no contexto de nossas convicções, 
não passar de rodas sobressalentes para o condutor. No 
entanto, se alguém pressupusesse, em vista disso, que 
o discernimento intelectual é o que permanece depois 
que o desejo, a vontade e a preferência sentimental 
tiverem sido removidos, ou que a razão pura é o que 
então determina nossas opiniões, estaria voando con­
tra os fatos de forma igualmente direta.
São apenas nossas hipóteses já mortas que nossa 
natureza volitiva é incapaz de trazer de volta à vida. 
Mas o que as fez mortas para nós foi, essencialmente, 
uma ação prévia de um tipo antagônico por parte de 
nossa natureza volitiva. Quando digo “natureza voli­
tiva”, não me refiro apenas às volições deliberadas que 
podem ter estabelecido hábitos de crença dos quais 
não conseguimos escapar — refiro-me a todos os fa­
tores de crença, como medo e esperança, preconceito 
e paixão, imitação e participação, a pressão circundan­
te de nossa classe e nosso círculo social. Na verdade, 
nós nos pegamos acreditando sem saber ao certo como
18
A Vontade de Crer
ou por quê. O senhor Balfour dá o nome de “autori­
dade” a todas essas influências, nascidas do clima in­
telectual, que tornam hipóteses possíveis ou impos­
síveis para nós, vivas ou mortas. Aqui nesta sala, to­
dos acreditamos em moléculas e na conservação da 
energia, em democracia e no progresso necessário, no 
cristianismo protestante e no dever de lutar pela “dou­
trina do imortal Monroe”, tudo isso sem nenhuma 
razão que mereça esse nome. Olhamos essas questões 
sem mais clareza interior, e provavelmente com mui­
to menos, do que qualquer descrente poderia possuir. 
A inconvencionalidade deste último provavelmente te­
ria alguma base a oferecer para suas conclusões; para 
nós, porém, não o discernimento, mas o prestígio das 
opiniões é o que as faz emitir a centelha e acender 
nosso pavio adormecido da fé. Nossa razão estará per­
feitamente satisfeita, em novecentos e noventa e nove 
casos em cada mil de nós, se puder encontrar alguns 
argumentos para apresentar no caso de nossa credu­
lidade ser criticada por alguém. Nossa fé é a fé na fé 
de outro e, nas maiores questões, esse é quase sem­
pre o caso. Nossa crença na própna verdade, por exem­
plo, de que existe uma verdade e de que nossa mente 
e essa verdade são feitas uma para a outra — o que é 
isso senão uma afirmação apaixonada de desejo, em 
que nosso sistema social nos dá suporte? Queremos 
ter uma verdade; queremos acreditar que nossas ex-
19
W illiam James
periendas, nossos estudos e nossas discussões devem 
nos colocar numa posição continuamente melhor para 
isso; e, seguindo essa linha, concordamos em lutar 
para levar adiante nossa vida pensante. Mas, se um 
céptico pirrônico nos perguntar como sabemos tudo 
isso, será que nossa lógica poderá encontrar uma res­
posta? Não! Certamente não poderá. É apenas uma vo­
lição contra outra — nós, dispostos a encarar a vida 
com base em uma confiança ou pressuposição que 
ele, por seu lado, não acha importante adotar.
Como regra, desacreditamos de todos os fatos e 
teorias para os quais não temos uso. As emoções cós­
micas de Clifford não têm nenhum uso para os sen­
timentos cristãos. Huxley ataca os bispos porque não 
há uso para o sacerdotalismo em seu esquema de 
vida. Newman, ao contrário, volta-se para o catoli­
cismo romano e julga ter todo tipo de boas razões pa­
ra permanecer lá, porque um sistema sacerdotal é, 
para ele, uma necessidade e um prazer orgânicos. Por 
que ião poucos "cientistas” chegam a pelo menos exa­
minar as evidências a favor da chamada telepatia? Por­
que acham, como um importante biólogo, já morto, 
certa vez me disse, que mesmo que tal coisa fosse ver­
dadeira os cientistas deveriam se unir para mantê-la 
suprimida e escondida. Ela desfaria a uniformidade 
da Natureza e todo o tipo de outras coisas sem as
20
A Vontade de Crer
quais os cientistas não podem levar adiante seus pro­
jetos. Porém, se a esse mesmo homem fosse mostra­
do algo que ele, como cientista, pudesse Jazer com a 
telepatia, ele talvez tivesse não só examinado as evi­
dências, mas até as julgado suficientemente boas. Essa 
própria lei que os lógicos pretendem impor a nós — 
se posso chamar de lógicos os que descartariam nos­
sa natureza volitiva nessa questão — é baseada em 
nada mais do que em seu próprio desejo natural de 
excluir todos os elementos para os quais eles, em seu 
atributo profissional de lógicos, não podem encon­
trar um uso.
É evidente, portanto, que nossa natureza não- 
intelectual influencia de fato nossas convicções, Há 
tendências passionais e volições que vêm antes e ou­
tras que vêm depois da crença, e são apenas estas úl­
timas que estão atrasadas para a festa; e não estão 
atrasadas quando o trabalho passional anterior já foi 
em sua direção. O argumento de Pascal, em vez de 
ser ineficaz, parece então um argumento válido, e é 
a última pincelada necessária para tomar nossa fé em 
missas e água benta completa. O estado de coisas, 
evidentemente, está longe de ser simples; e puro dis­
cernimento e lógica, o que quer que possam fazer 
idealmente, não são as únicas coisas que de fato pro­
duzem nossos credos.
21
William James
V
Tendo reconhecido esse confuso estado de coisas, 
nossa próxima tarefa é indagar se ele é simplesmente 
repreensível e patológico ou, ao contrário, se devemos 
tratá-lo como um elemento normal ao tomar nossas 
decisões. Em poucas palavras, a tese que defendo é a 
seguinte: "Nossa natureza passional não só pode, como 
deve, licitamente decidir-se por um a opção entre proposi­
ções sempre que esta fo r uma opção genuína que não pos­
sa, por suo natureza, ser decidida sobre bases intelectuais; 
pois dizer, nessas circunstâncias: ‘Não decida, deixe a 
questão em aberto’ é, por si só, um a decisão passional — 
assim como decidir sim ou não — e acompanha-se do 
mesmo risco de perder a verdade״, A tese, assim abstra­
tamente expressa, logo irá, espero, tomar-se bastante 
clara. Mas antes é necessário mais um pouco de tra-
Será observado que, para os propósitos desta dis­
cussão, estamos em terreno “dogmático” — ou seja, 
terreno que deixa o cepticismo filosófico sistemáti-
balho preliminar.
22
A Vontode de Crer
co totalmente fora da questão. O postulado de que 
existe verdade, e de que é o destino de nossa mente 
alcançá-la, é algo que estamos decidindo deliberada- 
mente adotar, embora o céptico náo pense assim. As­
sim, separamo-nos dele de forma absoluta neste pon­
to. Mas a fé de que a verdade existe, e de que nossas 
mentes podem encontrá-la, pode ser mantida de 
duas maneiras. Podemos falar do modo empirista e 
do modo absolutista de acreditar na verdade. Os ab­
solutistas, a esse respeito, dizem que não só podemos 
chegar a conhecer a verdade como podemos saber 
quando chegamos a conhecê-la; enquanto os empi- 
rislas dizem que, embora possamos alcançá-la, náo 
podemos saber infalivelmente quando. Saber é uma 
coisa, e saber com certeza que sabemos é outra. É pos­
sível afirmar que o primeiro é possível sem o segun­
do; daí os empiristas e os absolutistas, conquanto ne­
nhum deles seja céptico no sentido filosófico usual 
do termo, apresentarem diferentes graus de dogma­
tismo em suas vidas.
Se examinarmos a história das opiniões, veremos 
que a tendência empirista tem, em grande medida, 
prevalecido na ciência, ao passo que, na filosofia, a 
tendência absolutista tem tido a última palavra. O tipo 
característico de felicidade, de tato, que as filosofias
produzem tem consistido basicamente na convicção
23
William Jomes
sen li da por cada escola ou sistema sucessivo de que, 
por seu intermédio, a certeza definitiva foi obtida. 
“Outras filosofias sáo coleções de opiniões, em sua 
maioria falsas; a minha filosofia oferece uma base só­
lida para sempre” — quem não reconhece nisto a nota 
dominante de todos os sistemas dignos desse nome? 
Um sistema, para que seja realmente um sistema, deve 
vir como um sistema fechado, reversível neste ou na­
quele detalhe, talvez, mas, em suas características es­
senciais, jamais!
A ortodoxia escolástica, à qual sempre é preci­
so recorrer quando se deseja encontrar afirmações 
perfeitamente claras, fez uma bela elaboração dessa 
convicção absolutista numa doutrina que ela chama 
de “evidência objetiva”. Se, por exemplo, sou inca­
paz de duvidar de que eu agora existo diante de vo­
cês, de que dois é menos do que três ou de que, se 
todos os homens sáo mortais, então eu também sou 
mortal, é porque essas coisas iluminam meu intelec­
to de forma irresistível. A base decisiva dessa evidên­
cia objetiva possuída por certas proposições é o 
adcequatio intellectus nostn cum. re [adequação de nos­
so intelecto à realidadel. A certeza que ela traz envol­
ve uma aptitudinem ad extorquendum certum assensum 
[capacidade de fazer surgir uma anuência segura] 
por parte da verdade intuída e, por parte do sujeito,
24
A Vontade de Crer
uma quietem in cognitione (confiança serena no conhe­
cimento(, pelo qual, uma vez tendo sido o objeto 
mentalmente recebido, ele não deixa atrás de si ne­
nhuma possibilidade de dúvida; e, na transação como 
um todo, nada opera além do cntitas ipsa [o próprio 
ser] do objeto e do entitas ipsa da mente. Nós, negli­
gentes pensadores modernos, não gostamos de falar 
em latim — de fato, não gostamos de falar em ne­
nhum termo estabelecido; no fundo, porém, nosso 
próprio estado mental segue de perto esse modelo 
sempre que nos abandonamos de forma não-crítica: 
você acredita em evidência objetiva e eu também. De 
certas coisas, consideramos estar seguros: sabemos, 
e sabemos que sabemos. Há algo que dá um “clique״ 
dentro de nós, um sino que toca as doze badaladas, 
depois de os ponteiros de nosso relógio mental terem 
percorrido todo o mostrador e chegado à hora meri­
diana. Os maiores empiristas entre nós são apenas 
empiristas em reflexão: quando deixados a seus ins­
tintos, eles dogmatizam como papas infalíveis. Quan­
do os Cliffords nos dizem como é pecaminoso ser cris­
tão com base em tais ״evidências insuficientes”, a in­
suficiência é, na realidade, a última coisa que eles têm 
em mente. Para eles, a evidência é absolutamente su­
ficiente, só que segue o caminho oposto. Eles acredi­
tam tão completamente numa ordem anlicristã do
25
William James
universo, que não há uma opção viva: o cristianismo 
é uma hipótese morta desde o início.
Mas então, já que somos todos absolutistas por 
instinto, o que, em nossa qualidade de estudantes de 
filosofia, devemos fazer a respeito desse fato? Deve­
mos adotá-lo e endossá-lo? Ou devemos tratá-lo como 
uma fraqueza de nossa natureza da qual precisamos
Acredito sinceramente que o segundo curso é o 
único que podemos seguir como homens reflexivos. 
Evidência objetiva e certeza são, sem dúvida, ideais 
muito bons para se trabalhar, mas onde neste pla­
neta iluminado pela lua e visitado pelos sonhos sáo 
encontradas? Sou pessoalmente, portanto, um com­
pleto empirista no que tange à minha teoria do co­
nhecimento. Vivo, de fato, de acordo com a fé prá­
tica de que devemos seguir experimentando e refle­
tindo sobre nossa experiência, pois só assim nossas 
opiniões podem se tornar mais verdadeiras; porém, 
acredito ser uma atitude tremendamente equivoca­
da adotar qualquer uma delas — para mim é total-
nos libertar, se pudermos?
26
A Vontade de Crer
mente indiferente qual — como se nunca pudesse 
ser reimerpreiável ou corrigível, e acho que toda a 
história da filosofia me apoiará nisso. Há apenas uma 
verdade indefectivelmeme certa, e essa é a verdade 
que o próprio cepticismo pirrõnico deixa intocada 
— a verdade de que o presente fenômeno da cons­
ciência existe. Esse, porém, é o mero ponto de par­
tida do conhecimento, a simples admissão de algo 
sobre o que filosofar. As várias filosofias não passam 
de muitas tentativas de expressar o que esse algo 
realmente é. E, se formos a nossas bibliotecas, quan­
ta divergência descobriremos! Onde pode ser encon­
trada uma resposta seguramente verdadeira? À par­
te as proposições abstratas de comparação (como 
dois mais dois é igual a quatro), proposições que nüo 
nos dizem nada por si sós sobre a realidade concre­
ta, não encontramos nenhuma proposição que já 
tenha sido considerada por qualquer um evidente- 
mente certa, que não tenha também sido chamada 
de falsa, ou que pelo menos não tenha tido sua ver­
dade sinceramente questionada por outro alguém. 
A superação dos axiomas da geometria, não de brin­
cadeira mas a sério, por alguns de nossos contem­
porâneos (como Zõllner e Charles H. Hinton) e a re­
jeição de toda a lógica aristotélica pelos hegelianos 
são exemplos marcantes.
27
Williom Jomes
Nenhum teste concretu do que é realmente ver­
dadeiro encontrou consenso até hoje. Alguns adotam 
um critério exterior ao momento da percepção, pon­
do-o na revelação, o consensus gentium [consenso uni­
versal das nações], nos instintos do coração ou na 
experiência sistematizada da raça. Outros fazem do 
momento da percepção o seu próprio teste — Des­
cartes, por exemplo, com suas idéias claras e distin­
tas garantidas pela veracidade de Deus; Reid com seu 
1*bom senso”; e Kant com suas formas de juízo sinté­
tico a priori. A inconcebibilidade do oposto; a capa­
cidade de ser verificável pelo raciocínio; a posse de 
completa unidade orgânica ou auto-relação, concre­
tizada quando uma coisa é seu próprio outro — são 
padrões que, cada um por sua vez, foram utilizados. 
A muito louvada evidência objetiva nunca está triun­
fantemente presente, é mera aspiração ou Grenzhegrifj 
[conceito sobre o limite], marcando o ideal infinita- 
mente remoto de nossa vida pensante. Afirmar que 
certas verdades agora a possuem é simplesmente di­
zer que, quando as pensamos como verdadeiras e elas 
s<3o verdadeiras, então sua evidência é objetiva, caso 
contrário não o é. Porém, na prática, a convicção de 
uma pessoa de que a evidência que ela adota é de fato 
do tipo objetivo é apenas mais uma opinião subjeti­
va acrescentada às demais Que variedade de opiniões 
contraditórias tiveram reivindicadas para si evidência
28
A Vontade de Crer
objetiva e certeza absoluta! O mundo é racional por 
completo — sua existência é um fato concreto defi­
nitivo; há um Deus pessoal — um Deus pessoal é in­
concebível; há um mundo físico extramental imedia- 
lamente conhecido — a mente só pode conhecer suas 
próprias idéias; existe um imperativo moral — a obri­
gação é apenas o resultante de desejos; um princípio 
espiritual permanente está em todos — há apenas es­
tados fluidos da mente, há uma infindável cadeia de 
causas — há uma primeira causa absoluta; uma ne­
cessidade eterna — uma liberdade; um propósito — 
nenhum propósito; o Um primordial — um Muitos 
primordial; uma continuidade universal — uma des­
continuidade essencial nas coisas; uma infinitude — 
nenhuma infinitude. Há isto — há aquilo; nào há de 
fato nada que alguém não tenha julgado absolutamen- 
te verdadeiro enquanto seu vizinho considerava ab­
solutamente falso; e nenhum absolutista entre eles pa­
rece jamais ter suposto que o problema pode todo o 
tempo ser essencial, e que o intelecto, mesmo com a 
verdade diretamente ao seu alcance, pode nào ter 
nenhum smal infalível para saber se ela é verdade ou 
não. Quando, de fato, lembramos que a mais notá­
vel aplicação prática à vida da doutrina da certeza ab­
soluta foram os trabalhos escrupulosos do Santo Ofí­
cio da Inquisição, sentimo-nos menos tentados do 
que nunca a dar ouvidos respeitosos a ela,
29
William James
Mas, por favor, observemos agora que quando, 
como empiristas, abandonamos a doutrina da certe­
za objetiva, não estamos, em consequência, abando­
nando a busca ou a esperança da verdade propriamen­
te dita. Ainda centramos nossa fé em sua existência e 
ainda acreditamos que ganhamos uma posição cada 
vez melhor em direção a ela ao continuarmos sistema­
ticamente somando experiências e reflexões. Nossa 
grande diferença em relação ao escolástico está no lado 
para o qual nos voltamos. A força do sistema dele en­
contra-se nos princípios, na ongem, no terminus a quo 
de seu pensamento; para nós, a força está no resulta­
do, no desfecho, no termmus ad quem . O que decide 
a situação para nós não é de onde vem, mas para onde 
leva. Não importa para um empirista de que pane uma 
hipótese pode chegar até ele; ele pode tê-la obtido por 
meios decentes ou não; a paixão pode tê-la sussurra­
do ou o acidente a sugerido; porém, se a tendência 
total do pensamento continua a confirmá-la, isso é o 
que ele leva em conta para considerá-la verdadeira.
Mais um ponto, pequeno porém importante, e 
nossos preliminares estarão encerrados. Há dois mo­
dos de olhar para nossa tarefa na questão da opimão
30
A Vonlode de Crer
— modos inteiramente diferentes, no entanto modos 
cuja diferença não parece ter sido motivo de muita 
preocupação, até o momento, para a teoria do conhe­
cimento. Precisamos conhecer a verdade; e precisamos 
evitar o e-rro — estes são nossos primeiros e grandes 
mandamentos como conhecedores potenciais; mas 
não são duas maneiras de expressar um mandamen­
to idêntico: são duas leis separadas. Embora de fato 
possa acontecer que, quando acreditamos na verda­
de A , escapamos, como conseqüência incidental, de 
acreditar na falsidade B, quase nunca acontece que, 
por meramente não acreditar em B, necessariamente 
acreditemos em A , Podemos, ao escapar de B, cair na 
crença de outras falsidades, C ou D, tão ruins quanto 
B; ou podemos escapar de B por não acreditar em 
absolutamente nada, nem mesmo em A.
Acreditar na verdade! Evitar o erro! — estas, como 
vemos, são duas leis materialmente diferentes; e, ao 
escolher entre elas, podemos acabar dando um colo- 
ndo diferente a toda a nossa vida intelectual. Podemos 
perceber a busca da verdade como fundamental, e a 
evitação do erro como secundária; ou podemos, por 
outro lado, tratar a evitação do erro como mais impe­
rativa, e deixar a verdade arriscar-se. Clifford, na pas­
sagem instrutiva que citei, exorta-nos a este último 
curso. Não acreditem em nada, nos diz ele, mantenham 
a mente para sempre em incerteza, preferivelmente a
31
W illiam James
se decidir com base em evidências insuficientes e in­
correr no risco terrível de acreditar em mentiras. Vo­
cês, por outro lado, podem achar que o risco de es­
tar em erro é uma questão muito pequena quando 
comparada à bênção do conhecimento real, e estar 
dispostos a se descobrir enganados muitas vezes em 
suas investigações em vez de adiar indefinidameme 
a chance de fazer uma suposição verdadeira. Pessoal­
mente, acho impossível concordar com Clifford. Pre­
cisamos lembrar que esses sentimentos quanto à nos­
sa tarefa em relação à verdade ou ao erro são, de qual­
quer forma, apenas expressões de nossa vida pas­
sional. Biologicamente considerada, nossa mente está 
tão pronta para se dedicar à falsidade como à veraci­
dade, e aquele que diz “Melhor ficar para sempre sem 
crença do que acreditar numa mentira!” meramente 
mostra a preponderância de seu próprio horror pes­
soal a passar por tolo. Ele pode ser crítico em relação 
a muitos de seus desejos e medos, mas, a esse medo, 
ele submissamente obedece. Não pode imaginar que 
alguém questione sua força restritiva. De minha par­
te, tenho horror a me ver enganado, mas acredito que 
coisas piores do que estar enganado podem aconte­
cer a um homem neste mundo: assim, a exortação de 
Clifford tem, a meus ouvidos, um som completamente 
fantástico. É como um general informando seus sol­
dados que é melhor manter-se para sempre fora da ba-
A Vonlcde de Crer
talha do que se arriscar a um único ferimento. Não é 
assim que se obtêm vitórias sobre inimigos ou sobre 
a natureza. Nossos erros seguramente não são coisas 
tão solenememe terríveis. Num mundo em que é tão 
certo que venhamos a incorrer neles apesar de toda a 
nossa cautela, um pouco de leveza de coração parece 
mais saudável do que esse nervosismo excessivo quan­
to ao próprio comportamento. De qualquer forma, 
esta parece ser a atitude mais adequada para o filó­
sofo empirista.
E agora, depois de toda essa introdução, vamos 
direto à nossa questão. Eu disse, e agora repito, que 
não só encontramos nossa natureza passional nos in­
fluenciando em nossas opiniões como um processo 
natural, como também que há algumas opções entre 
opiniões em que essa influência deve ser vista como 
um determinante inevitável e lícito de nossa escolha.
Temo que aqui alguns de vocês começarão a pres­
sentir perigo e passarão a me dedicar ouvidos menos 
hospitaleiros. Dois primeiros passos passionais vocês 
já tiveram de admitir como necessários — precisamos
33
W illiam James
pensar para evitar ser iludidos e precisamos pensar 
para chegar à verdade; porém, o caminho mais segu­
ro para essas consumações ideais, vocês provavelmen­
te considerarão, é, de agora em diante, não dar mais 
nenhum passo passional.
Bem, claro, concordo na medida em que os fatos 
permitam. Sempre que a opção entre perder a verda­
de ou ganhá-la não estiver premente, poderemos jogar 
fora a chance de ganhar a verdade e pelo menos pou­
parmo-nos de qualquer chance de acreditar em falsida­
des, não fazendo nenhuma escolha até que apareçam 
evidências objetivas, hm questões científicas, este é 
quase sempre o caso; mesmo em assuntos humanos de 
uma forma geral, a necessidade de agir raramente é tão 
urgente a ponto de ser melhor agir com base numa 
crença falsa do que em crença nenhuma. Os tribunais 
de justiça, de fato, têm de decidir com base nas me­
lhores evidências obteníveis no momento, porque a 
tarefa de um juiz é tanto fazer a lei como verificá-la, e 
(como um juiz douto certa vez me disse) poucos ca­
sos são merecedores de que se gaste muito tempo ne­
les: o bom é decidi-los com base em qualquer princí­
pio aceitável e tirá-los do caminho. Porém, em nossa 
relação com a natureza objetiva, somos evidentemen­
te registradores, e não criadores, da verdade; e decisões 
tomadas com o simples propósito de decidir sem de-
34
A Vontade de Crer
mora e passar para o próximo assunto seriam totalmen­
te inadequadas. Por toda a extensão da natureza físi­
ca, os fatos são o que são, independentemente de nós, 
e é raro que haja tanta pressa em relação a eles que pre­
cisemos enfrentar os riscos de ser iludidos por acredi­
tar numa teoria prematura. As questões aqui são sem­
pre opções triviais, as hipóteses dificilmente são vivas 
(de qualquer forma, não são vivas para nós, especta­
dores), a escolha entre acreditar na verdade ou na fal­
sidade raramente é forçosa. A atitude de meio-termo 
céptico será, portanto, a mais sábia se desejarmos es­
capar de enganos. Que diferença faz, de fato, para a 
maioria de nós se temos ou não uma teoria sobre os 
raios Röntgen, se acreditamos ou não nas coisas da 
mente ou se temos uma convicção quanto à causalida­
de dos estados conscientes? Não faz nenhuma diferen­
ça. Tais opções não são forçosas para nós. Em todos os 
sentidos, é melhor não as fazer e, em atitude de indi­
ferença, continuar pesando razões pro et contra.
Falo aqui, claro, nos termos da reflexão puramen­
te crítica. Para propósitos de descoberta, tal indiferen­
ça seria menos altamente recomendável, e a ciência 
seria muito menos avançada do que é, se os desejos 
passionais dos indivíduos de ver suas próprias fés con­
firmadas tivessem sido mantidos fora do jogo. Vejam, 
por exemplo, a sagacidade que Spencer e Weismann
35
William James
agora apresentam. Por outro lado, se quiserem ver um 
néscio absoluto
numa investigação, deverão pegar al­
guém que não tenha nenhum interesse em seus resul­
tados: ele é o incapaz rematado, o indiscutível inep­
to. O investigador mais útil, por ser o observador mais 
sensível, é sempre aquele cujo interesse por um lado 
da questão é equilibrado por um receio igualmente 
ansioso de estar enganado. A ciência organizou esse 
receio numa técnica regular, seu chamado método de 
verificação, e se apaixonou de tal forma por esse mé­
todo que seria mesmo possível dizer que deixou de 
se preocupar com a verdade em si. É apenas a verda­
de tecnicamente verificada que interessa a ela. A ver­
dade das verdades poderia vir numa forma meramente 
afirmativa, e ela se negaria a tocá-la. Uma verdade 
como essa, poderia repetir com Clifford, seria rouba­
da em desrespeito à sua obrigação para com a huma­
nidade. As paixões humanas, porém, são mais fortes 
do que as regras técnicas. “Le coeur a ses raisons”, 
como diz Pascal, “que la raison ne connaít pas” (“O 
coração tem suas razões, que a razão desconhece”], e, 
por mais indiferente que o juiz, o intelecto abstrato, 
possa ser a tudo que esteja fora das puras regras do 
jogo, os jogadores concretos que o suprem do mate­
rial a ser julgado geralmente estão, cada um deles, 
apaixonados por alguma “hipótese viva" favorita pes­
soal. Vamos concordar, porém, que, não havendo
3ó
A Vontade de Crer
nenhuma opção forçosa, salvando-nos pelo menos de 
ser iludidos, o intelecto crítico não-passional, sem 
nenhuma hipótese favorita, deve ser nosso ideal.
Surge a próxima questão: não haverá, em algum 
ponto, opções forçosas em nossas questões especula­
tivas, e podemos nós (como homens que podem es­
tar pelo menos tão interessados em obter a verdade 
quanto em meramente evitar ser iludidos) sempre 
esperar impunemente até que as evidências coercivas 
cheguem? Parece improvável, a priori, que a verdade 
deva estar tão bem ajustada a nossas necessidades e a 
nossos poderes. Na grande hospedaria da natureza, os 
bolos, a manteiga e o mel raramente saem tão bem e 
deixam os pratos tão limpos. De fato, deveríamos olhá- 
los com desconfiança científica se isso acontecesse.
Questões m orais apresentam-se imediatamente 
como questões cuja solução não pode esperar por uma 
prova sensível. Uma questão moral não é uma ques­
tão do que existe no plano sensível, mas do que é bom, 
ou do que seria bom se existisse. A ciência pode nos 
dizer o que existe, mas, para comparar os valores tan-
37
W illiam James
to do que existe como do que não existe, precisamos 
consultar não a ciência, mas o que Pascal chama de 
nosso coração. A própria ciência consulta seu coração 
quando afirma que a infinita determinação do fato e a 
correção da falsa crença são os bens supremos para o 
homem. Desafie-se a afirmação, e a ciência só poderá 
repeti-la oracularmente, ou então prova-la mostrando 
que tal determinação e tal correção trazem ao homem 
todo tipo de outros bens que seu coração, por sua vez, 
declara. A questão de ter ou não crenças morais é de­
cidida por nossa vontade. São nossas preferências 
morais verdadeiras ou falsas, ou são elas apenas fenô­
menos biológicos casuais, que tomam as coisas boas 
ou más para nós, mas em si mesmos são indiferentes? 
Como o intelecto puro pode decidir? Se seu coração 
não quiser um mundo de realidade moral, sua cabeça 
certamente nunca o fará acreditar em um. O cepti- 
cismo mefistofélico, de fato, satisfará muito melhor os 
instintos lúdicos da cabeça do que qualquer idealismo 
rigoroso. Alguns homens (mesmo na idade de estudan­
tes) são tão naturalmente desapaixonados que a hipó­
tese moralista nunca tem para eles nenhuma vida pun­
gente, e, em sua presença desdenhosa, o jovem mora­
lista inflamado sempre se sente estranhamente pouco 
à vontade. A aparência de conhecimento está do lado 
daqueles, a de naiveté e credulidade, do lado dele. No 
entanto, em seu coração inartículado, ele se agarra à
38
A Vontade de Crer
idéia de que não é um tolo, e de que há um domínio 
em que (como diz Emerson) toda a perspicácia e su­
perioridade intelectual deles não é melhor do que a 
astúcia de uma raposa. O cepticismo moral não pode 
ser mais refutado ou provado pela lógica do que o 
cepticismo intelectual. Quando insistimos em que hâ 
verdade (seja ela de um ou de outro tipo), fazemos isso 
com toda a nossa natureza e nos decidimos a perma­
necer de pé ou cair pelos resultados. O céptico adota 
com toda a sua natureza a atitude de suspeita; mas qual 
de nós é o mais sábio, apenas a Onisciência sabe.
Voltemo-nos agora dessas questões amplas do 
bem para uma certa classe de questões de fatos, ques­
tões que se referem a relações pessoais, estados de 
mente entre um homem e outro. Você gosta de m im ou 
não? — por exemplo. O fato de você gostar ou não 
depende, em inúmeros casos, de eu fazer ou não con­
cessões a você, de eu estar disposto a supor que você 
deva gostar de mim e de eu demonstrar confiança e 
expectativa em relação a você. A fé anterior de minha 
parte na existência de. sua disposição favorável é, em 
tais casos, o que faz essa disposição favorável existir. 
Porém, se eu permanecer indiferente e recusar a me 
mover um centímetro até possuir alguma evidência 
objetiva, até que você tenha feito alguma coisa capaz, 
como dizem os absolutistas, ad extorquendum assensum
39
William James
m eum [de fazer surgir minha anuência segura], as 
chances serão de dez para um de que você nunca ve­
nha a gostar de mim. Quantos corações femininos são 
conquistados pela mera insistência incansável de al­
gum homem de que elas devem amá-lo! Ele não acei­
tará a hipótese de que elas possam não o amar. O de­
sejo de um certo tipo de verdade, neste caso, ocasio­
na a existência dessa verdade especial; e assim se dá 
em inúmeros casos de outras espécies. Quem ganha 
promoções, favores, entrevistas senão o homem em 
cuja vida essas coisas desempenham o papel de hipó­
teses vivas, que as antecipa, sacnfica outras coisas por 
elas antes de terem acontecido e assume riscos de an­
temão por elas? Sua fé atua sobre os poderes acima dele 
como uma afirmação e cria sua própria realização.
Um organismo social de qualquer tipo, grande ou 
pequeno, é o que é porque cada membro realiza suas 
próprias tarefas com a confiança de que os outros 
membros cumprirão simultaneamente as deles. Sem­
pre que um resultado desejado é obtido pela coope­
ração de muitas pessoas independentes, sua existên­
cia como fato é pura consequência da fé mútua pre­
viamente nutrida pelos diretamente envolvidos. Um 
governo, um exército, um sistema comercial, um na­
vio, uma faculdade, uma equipe esportiva, todos exis-
40
A Vontade de Crer
tem sob essa condição, sem a qual não só nada é con­
seguido, como nada sequer é tentado. Um trem intei­
ro de passageiros (individualmente muito corajosos) 
será saqueado por um pequeno grupo de ladrões pelo 
simples fato de que estes últimos podem contar uns 
com os outros, enquanto cada passageiro teme que, se 
fizer algum movimento de resistência, receberá um tiro 
antes que qualquer outra pessoa o apoie. Se acreditás­
semos que todo o vagão se levantaria imediatamente 
conosco, cada um de nós individualmente se levanta­
ria, e roubos a trens jamais seriam sequer tentados. Há, 
portanto, casos em que um fato não pode ocorrer a 
menos que exista uma fé preliminar em sua ocorrên­
cia. E, nos casos em que a fé num fa to pode a judar a enar 
o fato , seria uma lógica insana dizer que a fé que vem 
antes da evidência científica é “o nível mais baixo de 
imoralidade” a que um ser pensante pode descer. No 
entanto, tal é a lógica pela qual nossos absolutistas 
científicos pretendem regular nossa vida!
Em verdades dependentes de nossa ação pessoal, 
portanto, a fé baseada na vontade é, certamente, algo 
lícito e possivelmente indispensável.
41
William James
Porém, será dito» esses são todos casos humanos 
pueris e não têm nada a ver com grandes temas cós­
micos, como a questão da fé religiosa. Vamos, então, 
passar a isso.
As religiões diferem tanto em suas cir­
cunstâncias que, ao discutir a questão religiosa, pre­
cisamos fazê-lo de forma muito genérica e ampla. A 
que, então, nos referimos agora ao falar da hipótese 
religiosa? A ciência diz que as coisas são; a moralida­
de diz que algumas coisas são melhores do que ou­
tras; e a religião diz, essencialmente, duas coisas.
Primeiro, ela diz que as melhores coisas são as 
coisas mais eternas, as coisas que se sobrepõem às 
demais, as coisas no universo que atiram a última 
pedra, por assim dizer, e têm a palavra final. "A per­
feição é eterna” — esta frase de Charles Secrétan pa­
rece uma boa maneira de expressar essa primeira afir­
mação da religião, afirmação que, obviamente, ainda 
não pode ser verificada em termos científicos.
A segunda afirmação da religião é que, mesmo 
agora, ficaremos em melhor situação se acreditarmos 
que a primeira afirmação é verdadeira.
Vamos examinar, então, quais são os elementos 
lógicos dessa situação no caso de a hipótese religiosa 
em ambas as suas expressões ser de ja to verdadeira. 
(Claro que precisamos admitir essa possibilidade
42
A Vontade de Crer
desde o início. Para que possamos discutir a ques­
tão, ela deve envolver uma opção viva. Se, para al­
gum de vocês, a religião for uma hipótese que não 
pode, por nenhuma possibilidade viva, ser verdadei­
ra, não é necessário prosseguir. Falo apenas ao ‘1res­
to fiel”.) Assim procedendo, vemos, primeiramente, 
que a religião se oferece como uma opção premente. 
Presume-se que ganhemos, ainda agora, por meio de 
nossa crença, e que percamos, por nossa não-cren­
ça, um certo bem vital. Em segundo lugar, a religião 
é uma opção forçosa no que se refere a esse bem. Não 
podemos escapar à questão permanecendo cépticos 
e esperando por mais luz porque, embora evitemos 
o erro dessa maneira se a religião n ã o jo r verdadeira , 
perderemos o bem se ela fo r verdadeira, tão certamen­
te quanto se escolhêssemos definitivamente não acre­
ditar. É como se um homem hesitasse indefinida- 
mente quanto a pedir uma certa mulher em casa­
mento por não ter certeza absoluta de que ela se 
mostraria um anjo depois que ele a levasse para casa. 
Não estaria ele negando a si próprio essa possibili­
dade particular de ela ser um anjo de forma tão de­
cisiva quanto se decidisse casar com outra pessoa? 
O cepticismo, portanto, não é o ato de evitar a op­
ção; é a opção por um certo tipo específico de risco. 
Ê melhor se arriscar à perda da verdade do que á chan­
ce de erro — esta é a posição exata daquele que veta
43
William James
a fé. Ele está fazendo sua aposta tanto quanto aque­
le que crê; está se defendendo contra a hipótese re­
ligiosa, assim como o crente está defendendo a hi­
pótese religiosa contra seu opositor. Pregar para nós 
o cepticismo como sendo um dever até que “evidên­
cias suficientes” em favor da religião possam ser en­
contradas é equivalente, portanto, a nos dizer, quan­
do na presença da hipótese religiosa, que ceder a 
nosso receio de que ela esteja errada é mais sábio e 
melhor do que ceder à nossa esperança de que ela 
possa ser verdadeira. Não é, então, o intelecto con­
tra todas as paixões; é apenas o intelecto com uma 
paixão estabelecendo a sua lei. E o que, por acaso, 
garante a sabedoria suprema dessa paixão? Engano 
por engano, que prova existe de que o engano pela 
esperança é tão pior do que o engano pelo medo? Eu, 
pessoalmente, não consigo ver nenhuma prova; sim­
plesmente recuso obediência à ordem do cientista de 
que eu imite seu tipo de opção, num caso em que 
minha própria aposta é importante o suficiente para 
me dar o direito de escolher minha própria forma de 
risco. Se a religião for verdadeira e as evidências em 
prol dela ainda forem insuficientes, não desejo, pela 
aplicação de seu extintor de incêndio à minha natu­
reza (que me parece, afinal de contas, ter algo a ver 
com toda essa questão), ser privado de minha única
44
A Vontade de Crer
chance na vida de ficar do lado vencedor — chance 
que depende, claro, de minha disposição de correr 
o risco de agir como se minha necessidade passional 
de encarar o mundo religiosamente pudesse ser pro­
fética e certa.
Tudo isso se apoia na suposição de que ela real- 
meme possa ser profética e certa e de que, para nós 
mesmos que estamos discutindo a questão, a religião 
seja uma hipótese viva que pode ser verdadeira. Po­
rém, para a maioria de nós, a religião tem ainda uma 
outra característica que torna um veto à nossa fé ati­
va ainda mais ilógico. O aspecto mais perfeito e mais 
eterno do universo é representado, em nossas reli­
giões, por uma forma pessoal. O universo não é mais 
um mero Isso para nós se somos religiosos, mas um 
Tu; e qualquer relação que possa ser possível de pes­
soa para pessoa poderia ser possível aqui. Por exem­
plo, embora, em certo sentido, sejamos partes passi­
vas do universo, em outro sentido apresentamos uma 
curiosa autonomia, como se fôssemos pequenos cen­
tros ativos por nós mesmos. Sentimos, também, como 
se o apelo da religião nos fosse feito à nossa própria 
boa vontade ativa, como se as evidências pudessem 
ficar para sempre ocultas a nós se não fôssemos ao 
encontro da hipótese no meio do caminho. Dando um 
exemplo trivial: assim como um homem que, num
45
W illiam James
grupo de cavalheiros, não tomasse nenhuma inicia­
tiva, exigisse uma garantia para cada concessão e não 
acreditasse na palavra de ninguém sem provas fica­
ria privado, por tal intratabilidade, de todas as recom­
pensas sociais que um espírito mais aberto proporcio­
naria — também aqui, aquele que se fechasse num 
logicismo ríspido e tentasse fazer que os deuses ar­
rancassem seu reconhecimento por bem ou por mal, 
ou então não o conseguissem de forma alguma, po­
deria privar-se para sempre de sua única oportuni­
dade de travar conhecimento com os deuses. Esse 
sentimento — instilado em nós sem nem sabermos 
de onde — , de que, por acreditar obstinadamente 
que hã deuses (embora não fazer isso fosse tão fácil 
tanto para nossa lógica como para nossa vida) esta­
mos prestando ao universo o maior serviço que po­
demos, parece parte da essência viva da hipótese re­
ligiosa. Se a hipótesejosse verdadeira em todas as suas 
partes, inclusive esta, então o puro intelectualismo, 
com seu veto a que tomemos iniciativas volitivas, 
seria um absurdo; e alguma participação de nossa 
natureza compassiva seria logicamente requerida. 
Sendo assim, eu, pessoalmente, não vejo como acei­
tar as regras agnósticas para a busca da verdade, ou 
concordar voluntariamente em manter minha natu­
reza volitiva fora do jogo. Não posso fazer isso por
46
A Vontade de Crer
esta simples razáo: um a regra de pensam ento que me 
impedisse completamente de reconhecer certos tipos de 
verdade, se esses tipos de verdade de fa to estivessem pre­
sentes, seria um a regra irracional Este para mim é o 
resumo da lógica formal da situação, quaisquer que 
possam ser, materiaimente, os tipos de verdade.
Confesso que não vejo como escapar a essa ló­
gica. Mas a triste experiência me faz recear que al­
guns de vocês ainda possam se recusar a afirmar ra­
dicalmente comigo, in abstracto , que temos o direi­
to de acreditar, assumindo nossos próprios riscos, 
em qualquer hipótese que seja suficientemente viva 
para atrair nossa vontade. Suspeito, porém, que se 
isso acontece é porque vocês se afastaram inteira­
mente do ponto de vista lógico abstrato e estão pen­
sando (talvez sem ter consciência disso) em alguma 
hipótese religiosa específica que para vocês é morta. 
A liberdade de “acreditar no que quisermos” vocês 
aplicam ao caso de alguma superstição evidente; e a 
fé, consideram como sendo a fé definida pela crian­
ça que diz; “Fé é quando você acredita em alguma 
coisa que sabe que não é verdade”. Só posso repetir 
que essa é uma idéia equivocada. In concreto, a liber­
dade de acreditar só pode abranger opções vivas que 
o intelecto do indivíduo não consegue, por si só, re­
solver; e opções vivas jamais parecem
absurdos para
47
W illiom James
aquele que as considera. Quando olho para a ques­
tão religiosa da fornia como ela realmente se apresenta 
a homens concretos, e quando penso em todas as 
possibilidades que ela envolve, tanto na prática como 
em teoria, essa ordem de que devemos pôr um freio 
em nosso coração, em nossos instintos e em nossa 
coragem, e esperar — agindo, claro, nesse meio tem­
po, mais ou menos como se a religião não fosse ver­
dadeira — até o dia do juízo, ou até o momento em 
que nosso intelecto e nossos sentidos, trabalhando 
em conjunto, talvez consigam reunir evidências su­
ficientes — essa ordem, repito, parece para mim o 
ídolo mais estranho jamais fabricado na caverna filo­
sófica. Fôssemos nós absolutistas escolásticos, pode­
ria haver mais desculpas. Se tivéssemos um intelecto 
infalível com suas certezas objetivas, poderíamos nos 
sentir desleais a tal órgão perfeito de conhecimento 
se não confiássemos exclusivamente nele, se não es­
perássemos por sua palavra de autorização. Mas se 
somos empiristas, se acreditamos que não existe um 
sino dentro de nós que toca para nos avisar com se­
gurança quando a verdade está ao nosso alcance, en­
tão parece um tanto fantástico pregar de forma tão 
solene nosso dever de esperar pelo sino. Sem dúvida 
podemos esperar se quisermos —- espero que não pen­
sem que eu esteja negando isso — , mas, se fizermos
48
A Vontade de Crer
isso, assumiremos as conseqüências de nossa decisão 
tanto quanto se acreditássemos. De uma forma ou de 
outra, nós agimos, tomando nossa vida em nossas 
mãos. Nenhum de nós deveria impor vetos aos ou­
tros, nem nos atacar mutuamente com palavras gros­
seiras. Deveríamos, ao contrário, respeitar profunda 
e sensivelmente a liberdade mental uns dos outros: 
apenas então poderemos constituir a república inte­
lectual; apenas então teremos esse espírito de tole­
rância interior sem o qual toda a nossa tolerância ex­
terior é desprovida de alma; apenas então viveremos 
e deixaremos viver, tanto nas coisas especulativas 
como nas práticas.
Comecei com uma referência a Fitz-James Ste- 
phen; vou concluir com uma citação dele: “O que 
você pensa de si mesmo? O que você pensa do mun­
do? ... Estas são perguntas com as quais todos têm de 
lidar da forma como lhes parece bom. São enigmas 
da Esfinge e, de uma maneira ou de outra, precisa­
mos lidar com eles. ... Em todas as situações impor­
tantes da vida, temos de dar um salto no escuro. ... 
Se decidirmos deixar os enigmas sem resposta, essa 
será uma escolha; se hesitarmos em nossa resposta, 
essa também será uma escolha: mas, qualquer que 
seja a nossa escolha, assumiremos as suas conseqüên­
cias. Se um homem escolhe dar as costas definitiva-
49
W illiam James
mente para Deus e para o futuro, ninguém pode im­
pedi-lo; ninguém pode demonstrar, sem nenhuma 
margem de dúvida razoável, que ele está enganado. 
Se um homem pensa da maneira contrária e age con­
forme pensa, não vejo também como alguém possa 
provar que ele está enganado. Cada um deve agir 
como julga melhor; e, se está errado, o problema é 
dele. Estamos num desfiladeiro na montanha em meio 
à neve rodopiante e à neblina que nos cega e, por 
entre a bruma, temos apenas vislumbres ocasionais 
de trilhas que podem ser enganosas. Se ficarmos pa­
rados, congelaremos até morrer. Se tomarmos a estra­
da errada, seremos despedaçados. Nem sequer sabe­
mos com segurança se existe um caminho certo, O 
que devemos fazer? ‘Ser íortes e corajosos.’ Agir da 
melhor maneira, esperar pelo melhor e assumir o que 
vier. ... Se a morte for o fim de tudo, não poderemos 
ter encontro melhor com ela”.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Mais conteúdos dessa disciplina