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Piaget, J - 1996 - Cinco Estudos de Educação Moral

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2- 
ed
iç
ão
*
Casa do Psicólogo
Cinco Estudos de Educação Mora
J e a n Piaget 
M a r i a S u z a n a de Stefano Menin 
U l is s e s F e r r e i r a de A r a ú j o 
Yves de La Tai l le 
Lino de Mace do (Org.)
P S IC O L O G IA E ED U C A Ç Á O
Coleção dirigida por Lino de Macedo
www.facebook.com/groups/livrosparadownload
www.slideshare.net/jsfernandes/documents
http://www.facebook.com/groups/livrosparadownload
http://www.slideshare.net/jsfernandes/documents
Cinco Estudos 
de Educação Moral
P s i c o l o g i a e E d u c a ç ã o 
C o l e ç ã o d i r i g i d a p o r L i n o d e M a c e d o
Cinco Estudos 
de Educação Moral
4
Jean Piaget 
Maria Suzana de Stefano Menin 
Ulisses Ferreira de Araújo
Yves de La Taille 
Lino de Macedo (org.)
Casa do Psicólogo®
© 1996 Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade,
sem autorização por escrito dos editores.
I3 edição
Í996
2- edição
1999
3- edição
2003
Editores
Ingo Bemd Güntert e Silésia Delphino 1osi
Produção Gráfica
Renata Vieira Nunes
Capa
Yi/oí^ Macambira
Editoração Eletrônica
Angélica Gomes Borba
Revisão
Liitan Brazão
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Cinco estudos de educação moral / Jean Piaget ... (et ai);
organizador Lino de Macedo. - São Paulo: Casa do Psicólogo,
1996. — (Coleção psicologia e educação)
Outros autores: Maria Suzana de Stefano Menin,
Ulisses Ferreira de Araújo, Yves de La Taile, Lino de Macedo.
Bibliografia.
ISBN 85 '85141 -67-0
1. Desenvolvimento moral 2. Educação moral 3. Psicologia 
educacional 4. Psicologia de desenvolvimento 5. Psicologia 
infantil I. Piaget, Jean. II. Menin, Maria Suzana de Stefano.
III. Araújo, Ulisses Ferreira de. IV. Taille, Yves de La.
V. Macedo, Lino de. V. Série.
96-1853___________________________________________ CDD-370.114
*
Índices para catálogo sistemático:
1. Criança : Educação moral 370.114
2. Educação : Fundamentos éticos 370.114
3. Educação moral 370.114
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à
Casa do Psicólogo® Livraria e Editora Ltda.
^ Rua Mourato Coelho, 1.059 - Vila Madalena - 05417-011 - São Paulo/SP - Brasil 
® Tel.: (11) 3034.3600 — E-mail: casadopsicologo@casadopsicologo.com.br
mailto:casadopsicologo@casadopsicologo.com.br
Sumário
Prefácio........................................................................................... VII
Os procedimentos da educação moral.............................................. 1
Jean Piaget
Desenvolvimento m oral.................................................................... 37
Maria Suzana de Stefano Menin
4
O ambiente escolar e o desenvolvimento do
juízo moral infantil............................................................................ 103
Ulisses Ferreira de Araújo
A educação moral: Kant e Piaget................................................... 135
Yves de La Taille
O lugar dos erros nas leis ou nas regras.........................................177
Lino de Macedo
Prefácio
Sessenta anos separam o primeiro capítulo deste volume dos 
demais. Há, pois, uma distância temporal, interposta entre os anos de 
1930, em que foi publicado o artigo de Jean Piaget, e a última década 
na qual as pesquisas e reflexões, que constituem a outra parte deste 
volume, foram realizadas. Essa diferença cronológica é acompanhada 
pela espacial que separa Genebra de São Paulo. Creio, entretanto, 
que se não fossem declaradas a data e a localização todos poderiam 
ser considerados contemporâneos e globais, dada a impressionante 
atualidade do artigo de Piaget, uma vez que a violência e o cinismo 
se alternam na luta contra a formação moral das novas gerações. 
Esse trabalho, datado de 1930, constou dos anais do Cinquième 
Congrès International d ’ Éducation Morale (Paris, ed. Alcan) e 
situa-se, na vida e obra de Piaget (nascido em 1896), no momento 
em que, muito jovem ainda, já assumira o posto de diretor de pesquisas 
{chef de travaux) na mais renomada instituição de estudos 
psicológicos e pedagógicos da época, o Institut Jean-Jacques 
Rousseau, do qual se torna co-diretor (com Bovet e Claparéde), em 
1932. Antes, em 1929, fora nomeado diretor do Bureau International 
de L ’Éducation.
Em sua autobiografia, Piaget declarou que um dos motivos de 
seu interesse por essa associação internacional era poder “contribuir 
para melhorar os métodos pedagógicos e para a adoção oficial de 
técnicas mais adaptadas à mentalidade infantil”. Referências autobio­
gráficas e o desenvolvimento dos trabalhos do pesquisador permitem 
reconhecer, na época, duas inclinações em suas atividades: de um
vm P refácio
lado, a psicopedagógica, da qual faz parte o artigo transcrito neste 
livro; e, de outro, a decidida e predominante inclinação epistemológi- 
ca, que conduziu o pesquisador ao grande desenvolvimento da psico­
logia genética. Sendo sua preocupação dominante, a psicogênese 
dos conhecimentos induziu-o à busca dos mecanismos de adaptação 
biológica e à análise da mais alta forma de adaptação humana que é 
o pensamento científico (The Essencial Piaget, Foreword, 1977), 
levando-o por conseqüência ao estudo do desenvolvimento da inteli­
gência. Antes de 1930, já havia publicado dois conjuntos de estudos 
sobre a lógica da criança, focalizando a linguagem e o pensamento, o 
julgamento e o raciocínio (1923/24), seguidos dos trabalhos sobre a 
representação do mundo e a causalidade física na criança (1926). 
Ao mesmo tempo, esse pesquisador interdisciplinar prosseguia, como 
naturalista, investigando moluscos nos lagos de Genebra.
Evidenciando o interesse pedagógico, que vai acompanhar toda, 
a sua carreira, como uma trilha ao lado da larga estrada seguida por 
suas pesquisas epistemológicas, vários escritos as época expuseram 
suas idéias a respeito de educação intelectual e moral. Dentre estes, 
o que foi escolhido para participar desta seleção ocupa lugar especi­
al, porque no ano de 1932 foi editada a obra mais marcante de Piaget 
sobre o problema ético: O julgamento moral na criança. Em virtu­
de da data de publicação ser posterior à do artigo sobre procedimen­
tos da educação moral, entende-se que sejam contemporâneos, já 
que a temática de ambos se refere ao julgamento moral e à sua 
construção pela criança, que enfrenta na vida cotidiana conflitos en­
volvendo valores de natureza ética. Constitui um deles a parte expe­
rimental e teórica do problema e o outro - o pequeno artigo - o 
aspecto prático e educacional correspondente. O livro resultou de 
longa pesquisa, com vários colaboradores. Nele, o método clínico, 
típico dos trabalhos de Genebra, toma feição especial, que marcará a 
pesquisa subseqüente nessa área: pequenas histórias envolvendo 
conflitos de ordem moral são relatadas aos pequenos, em seguida 
convidados a dar suas opiniões e a emitir juízos de valor sobre os 
eventos. A observação de jogos infantis e o diálogo, que a seu res­
peito se estabelece entre os adultos e os participantes da brincadeira,
C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l I X
kão os outros caminhos que levaram Piaget à descoberta do modo 
pelo qual as crianças constroem ou reconstroem as regras e normas 
sociais e morais da sociedade em que vivem. Foi assim que o pesqui­
sador desenvolveu suas teses sobre o respeito unilateral da criança 
ao adulto e sobre o respeito mútuo que se desenvolve entre pares, 
chegando a esclarecer como as crianças esboçam seus julgamentos 
sobre os grandes problemas éticos da humanidade, como justiça, so­
lidariedade e veracidade. Do mesmo modo, investiga as noções de 
castigo e culpa e o lento esboçar das questões referentes à motiva­
ção e à intenção nos “crimes’1 infantis. Com base nas pesquisas e na 
discussão de idéias de outros pensadores, o psicólogo descobre o 
valor da solidariedade, da cooperação e do respeito mútuo, que vão 
constituirvalores essenciais numa educação moral, segundo a ótica 
de Piaget. Ao final da obra, refere-se à questão pedagógica, dizendo, 
entretanto, que a “pedagogia está longe de ser uma simples aplica­
ção do saber psicológico” e que cumpre aos especialistas em educa­
ção a pesquisa que esclareça a prática.
Ora, a questão educacional é, precisamente, o tema do artigo 
que faz parte desta coletânea. Dele constam sugestões e não certe­
zas, já que nele Piaget reitera sua opinião acerca da necessidade da 
pesquisa pedagógica para pôr à prova suas hipóteses. Pequeno em 
número de páginas e aliviado de discussões teóricas, o artigo traz a 
público a proposta prática que o autor concebe, em pesquisas e teo­
rias referidas na obra maior, agora apenas mencionadas como pon­
tos de referência. Toma posição com relação aos fins de uma educa­
ção moral que pretende formar personalidades tão livres quanto res­
ponsáveis. Suas proposições parecem constituir o contraponto das 
dificuldades que as crianças manifestam em seus juízos morais. O 
artigo, é certo, não constitui apenas uma síntese ou uma aplicação da 
teoria à prática. Bem mais do que isso, é o levantamento de novos 
problemas e a elaboração de uma nova área de pesquisas referentes 
à educação moral, área essa até então entregue a normas e regras 
de caráter disciplinar, sem que se procurasse saber como a criança 
constrói ou reconstrói as suas exigências morais e quais os obstácu­
los que encontra para tanto. Também eram ignoradas as relações
X P refácio
dessas determinações adultas, com a inteligência e o sentimento da 
criança. Para o autor, a educação ético-social fica inserida na totali­
dade da vida infantil e paralela à educação intelectual. Algumas per­
guntas que emergem no decurso do estudo merecem atenção. Por 
exemplo: é possível ensinar a criança a ser livre por métodos coerci­
tivos? Ensinar respeito mútuo por meio de respeito unilateral? Note- 
se que a educação ética e social, para o autor, faz parte da vida total 
do sujeito, é paralela à educação intelectual e obedece ao mesmo 
princípio que esta, ou seja, não impor ao aluno o que ele pode desco­
brir por si mesmo.
Há um mistério a decifrar na vida científica piagetiana. Por que, 
depois de demonstrar especial interesse pela educação, o autor de 
tão marcante contribuição ao problema da construção ética da 
personalidade reduziu suas intervenções sobre esse setor, embora 
continuando, durante longos anos, à frente do Bureau International 
de L *Éducationl Na verdade, ao enfrentar com todas as suas forças 
o problema epistemológico da construção das noções fundamentais 
que permitem à inteligência organizar o mundo e do funcionamento 
da mente, que reflete e coordena suas aquisições, Piaget estava, 
quanto à educação intelectual, fornecendo aos professores material 
relevante. Alguns trabalhos do autor exploram essas possibilidades. 
Contudo, também nesse campo, preferiu seguir o atalho estreito de 
uns poucos artigos e sugestões. Haveria para tanto alguma outra 
explicação, além da natural inclinação de um pesquisador? Fernando 
Vidai refere-se a problemas políticos enfrentados pelo Instituto J.J. 
Rousseau nessa época, que chega a perder seu nome emblemático, 
tornando-se o Instituto de Ciências da Educação da Universidade de
Genebra (Vidal, L'Institut Rousseau au temps des passions,
f
Education et Recherche, 1/88, p. 61).
O que ocorreu no decurso dos 60 anos que separam o artigo 
sobre os procedimentos da educação moral dos outros artigos deste 
volume? De modo gérai, as contribuições de Piaget, embora raras, 
demonstram que o assunto continuava incomodando. Aparecem junto 
a estudos de natureza sociológica ou pedagógica.Vamos encontrar 
um reavivamento do interesse pelo tema somente nos anos que se
C in c o E s t u d o s dk E d u c a ç ã o M o r a i . XI
«
seguem à Segunda Guerra Mundial. Piaget rejeitara a idéia de estabe­
lecer estágios do desenvolvimento moral, mas Lawrence Kohlberg o 
faz, nos Estados Unidos. Trabalhando sobre o modelo piagetiano dos 
dilemas hipotéticos que devem ser julgados pelos sujeitos experimen­
tais, desde 1958, o autor constrói testes para a classificação de pesso­
as em níveis de desenvolvimento moral. Outros pesquisadores seguem 
essa linha de trabalho, que provoca amplas discussões acerca da signi­
ficação e universalidade das medidas de julgamento moral.
Poucos foram os pesquisadores ligados aos trabalhos de Ge­
nebra que, como Ruth Nielsen (1951), abordam os problemas da 
sociedade infantil, tema que oferece muita afinidade com as ques­
tões do desenvolvimento moral. Dentre nós, o trabalho de Duri ei 
Cavicchia, defendido como tese de doutorado em 1973, foi reali­
zado quando também pesquisadores europeus o faziam (Perret- 
Clermont, Doise, Mugny, dentre outros). O desenvolvimento social 
da inteligência foi a via nova que veio ao encontro dos estudos 
ético-pedagógicos. Quando, nos anos 1970, há uma convergência 
desses problemas, procura-se também deixar clara a distinção 
básica entre o julgamento moral e o comportamento moral, o juízo 
e a realidade. Quanto mais se conhecer sobre o primeiro, melhor 
se poderá tratar do segundo, e sobretudo de sua orientação, como 
problema pedagógico; mas eles não devem ser confundidos. Piaget, 
que em sua obra maior não tivera por objetivo a questão do com­
portamento moral, no artigo aqui publicado abre a discussão so­
bre a responsabilidade da escola e da família, e inaugura um novo 
modo de encarar a velha e ineficiente educação moral feita por 
discursos e exortações, punições e recompensas. A moral, de algo 
suposto e exterior colocado como um verniz no comportamento 
da criança, torna-se nesse modo de ver, algo interiorizado e pre­
sente em toda a vida do indivíduo. Piaget entendia que as chama­
das virtudes morais, como a veracidade, a solidariedade e a res­
ponsabilidade, dentre outras, não são ensinadas por transmissão 
verbal, mas construídas ativamente no decurso da infância e ado­
lescência. Para que se pudesse conhecer como se dá essa cons­
trução, como facilitá-la e afastar dela os obstáculos, havia todo
Xil P refácio
um mundo desconhecido e camuflado de comportamento moral 
aparente, que deveria ser desvendado. Piaget havia acenado, para 
o pesquisador, com a formulação de novos problemas e havia en­
contrado uma explicação para a “caixa de Pandora” dos males 
m orais, nas suas argum entações sobre o egocentrism o, a 
heteronomia e os seus inversos, a solidariedade, a autonomia. Como 
no caso do mito grego, ficava ao fundo da “caixa” a esperança - 
a esperança de que outros especialistas continuassem no cami­
nho da busca. Somente a partir dos anos 1970 que essas contri­
buições começam a ser encontradas.
Os artigos que os leitores vão encontrar neste livro representam 
uma amostra das pesquisas de professores universitários das três 
universidades estaduais paulistas que buscam desvendar aspectos 
relevantes do problema do desenvolvimento e da educação moral. 
Do mais experiente ao mais jovem, possuem em comum a competência 
comprovada na pesquisa em psicologia genética e em psicopedagogia. 
Seu potencial e sua exigência têm-se multiplicado nas muitas situações 
em que a cooperação, o trabalho em comum, a discussão e o diálogo 
os tem reunido, muito piagetianamente. Não é difícil a quem os lê 
discernir suas raízes no livro O Juízo Moral na Educação e no 
artigo Os Procedimentos da Educação Moral (ver cap. I), que
Piaget publicou na década de 30, bem como em outros trabalhos da
/
mesma linha que constituem seus interlocutores. E fácil também 
reconhecer sua contemporaneidade, o largo caminho percorrido pela 
abertura de novas indagações, pelo comprometimento com problemas 
atuais e nacionais, e a agilidade metodológica que exemplificam. 
Construindo o saber, nessa área em que ainda existem escassas 
certezao e muitas dúvidas, demonstram uma séria inquietação 
intelectual na busca de melhor qualidade da vida moral do homem.
Os artigos representam quatro experiências diferenciadas,duas 
das quais, embora constantemente referidas à pesquisa, dialogam 
com as reflexões de outros pensadores, num curioso ritmo de ida e 
volta, como que a testar o que já se pensou diante do que a investiga­
ção revelou, aferindo e duvidando para poder concluir. Assim faz 
Yves de La Taille quando confronta Piaget e Kant, num terreno em
C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l X I I I
que não é aquele que notabilizou um ou outro: o pedagógico. Refletir 
sobre as idéias de Kant, da perspectiva piagetiana, é o desafio que 
enfrenta e que lhe permite repensar o ideal kantiano do dever, perante 
a idéia construtivista de Piaget. O autor coloca, com especial sensi­
bilidade, o problema da dupla natureza dos sentimentos morais, nem 
apenas cognitivos, nem totalmente afetivos.
Lino de Macedo destaca alguns conceitos ainda não totalmente 
esclarecidos, já que são constantemente refletidos, quando se trata 
de julgamento moral. Indagando sobre as diferentes espécies de lei e 
de regra, procura discernir seu preciso significado no campo da 
moralidade. De modo original, trabalha a questão do lugar do erro 
nas leis e regras, conduzindo a discussão até o problema magno da 
veracidade. Atentem os leitores para a segura interpretação que dá 
à idéia piagetiana do respeito, na qual distingue uma interpretação 
genética de outra não-genética.
Tenho especial admiração pelas pesquisas realizadas na esco­
la. São difíceis e dependem de grande discrição, clareza de propó­
sitos e receptividade. Suzana Menin e Ulisses Araújo relatam ex­
periências desse tipo, nas quais interrogam crianças e docentes, 
coordenam dados, percebem tendências e comparam informações, 
para encontrar respostas a suas indagações. Voltando dessas ex­
pedições exploratórias, trazem tanto esclarecimentos e conheci­
mentos novos, quanto novos problemas, que tecem o futuro da in­
vestigação psicopedagógica. Suzana Menin oferece-nos deliciosas 
e francas apreciações dos alunos sobre as regras da escola e seus 
dolorosos conflitos, quando devem escolher entre a norma do adul­
to e a solidariedade entre colegas. Ulisses Araújo recorre a dife­
rentes técnicas de coleta de dados para verificar como o compor­
tamento moral do aluno é afetado pelo clima social da escola.
Os estados aqui reunidos falam do que se pode chamar de 
cultura moral ou, talvez, da moral de nossa cultura, levando- 
nos a perguntar qual a sua relação com os valores éticos 
universais. Apesar do número crescente dos trabalhos sobre 
desenvolvimento sociomoral, poucos são os que apresentam o 
interesse peculiar, no diálogo entre a teoria e a realidade cotidiana
XIV P refácio
dos escolares brasileiros. Não obstante, toda a prudência com a qual 
é tratada a relação entre o julgamento moral e o comportamento 
efetivo de crianças, o problema emerge sempre, já que pode constituir 
o fundamento de uma educação moral. Sobram perguntas, para a 
continuidade desse filão de pesquisas por tanto tempo ignorado. Por 
exemplo: qual a relação entre o tipo de educação moral à qual foi 
submetida a atual geração e o efetivo comportamento anti-social de 
tão grande parte da população? Onde estarão as sementes de violência 
que afetam a sociedade atual? Onde estarão as raízes da indiferença 
de tantos diante da marginalização e da exclusão de múltiplos grupos 
de seres humanos, privados de uma vida digna? Trabalhos como os 
que constam deste volume poderão trazer importante propostas para 
a solução de tais problemas.
A esperança de uma educação moral em novos moldes não pode 
limitar-se apenas aos projetos piagetianos de 60 anos atrás, já que os 
próprios problemas se exacerbaram e evoluíram. Com a releitura 
que dele fizeram os pesquisadores de hoje, que vêm aprofundando e 
diversificando os estudos do problema, os educadores podem esperar 
um salto à frente, recuperando o tempo perdido. A humanidade precisa 
muito de uma nova geração capaz de pensar sentir e agir de modo 
solidário, justo e honesto.
São Paulo, maio de 1996.
Amélia Domingues de Castro
Os Procedimentos da 
Educação Moral 1
Jean Piaget
Tradução de Maria Suzana de Stefano Menin
Os procedimentos da educação moral podem ser classifica­
dos sob diferentes pontos de vista. Primeiramente, do ponto de vista 
dos fins perseguidos: é evidente que os métodos serão muito dife­
rentes se desejarmos formar uma personalidade livre ou um indiví­
duo submetido ao conformismo do grupo social a que ele pertence. 
Verdade é que aqui não temos de tratar dos fins de educação moral, 
mas somos forçados para classificar os procedimentos a distinguir 
aqueles que favorecem a autonomia da consciência e aqueles que 
conduzem ao resultado inverso. Em segundo lugar, podemos consi­
derar o ponto de vista das próprias técnicas: se queremos alcançar a 
autonomia da consciência, podemos perguntar se um ensinamento
I
oral da moral - uma “lição de moral” - é tão eficaz como supõe 
Durkheim, por exemplo, ou se uma pedagogia inteiramente “ativa” é 
necessária para este fim. Para um mesmo fim podem ser concebí­
veis diferentes técnicas. Em terceiro lugar, podemos classificar os
* V Congresso Internacional de Educação Moral, Paris, 1930
2 C in c o Es t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l
procedimentos de educação moral em função do domínio moral con­
siderado: um procedimento excelente para desenvolver a veracida­
de, a sinceridade e as virtudes que podemos chamar intelectuais, é 
bom, também, para a educação da responsabilidade ou do caráter?
Classificando o conjunto de procedimentos de educação moral 
sob três pontos de vista e construindo, assim, uma tabela de tripla en­
trada, nós corremos o risco de cairmos num caos. Não existe alguma 
divisão mais simples, algum princípio que nos permita a orientação 
simultânea para os fins, as técnicas e os domínios? Nós acreditamos 
que sim, mas sob a condição de partirmos primeiramente da própria 
criança e de aclarar a pedagogia moral por meio da psicologia da mo­
ral infantil. Quaisquer que sejam os fins que se proponha alcançar, 
quaisquer que sejam as técnicas que se decida adotar e quaisquer que 
sejam os domínios sob os quais se aplique essas técnicas, a questão 
primordial é a de saber quais são as disponibilidades da criança. Sem 
uma psicologia precisa das relações das crianças entre si e delas com 
os adultos, toda a discussão sobre os procedimentos de educação mo­
ral resulta estéril. Conseqüentemente, impõe-se um rápido exame dos 
dados psicológicos atuais. Isso nos permitirá, ademais, classificar sem 
dificuldade os procedimentos em função de seus fins.
I. Os dados psicológicos e os fins da educação 
moral
Há uma proposição sobre a qual todos os psicólogos e todos 
os educadores estão seguramente de acordo: nenhuma realidade 
moral é completamente inata. O que é dado pela constituição 
psicobiológica do indivíduo como tal são as disposições, as tendên­
cias afetivas e ativas: a simpatia e o medo - componentes do “res­
peito” - , as raízes instintivas da sociabilidade da subordinação, da 
imitação etc., e sobretudo certa capacidade indefinida de afeição, 
que permitirá a criança amar um ideal como amar a seus pais e, 
tender ao bem como à sociedade de seus semelhantes. Mas, deixadas
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 3
livres, essas forças puramente inatas permaneceriam anárquicas: fonte 
dos piores excessos como de todos os desenvolvimentos, a natureza 
psicológica do indivíduo como tal permanece neutra do ponto de vista 
moral. Para que as realidades morais se constituam é necessário uma 
disciplina normativa, e para que essa disciplina se constitua é necessário 
que os indivíduos estabeleçam relações uns com os outros. Que as nor­
mas morais sejam consideradas impostas, a priori, ao espírito ou que 
nos atenhamos aos dados empíricos, é sempre verdade, do ponto de 
vista da experiência psicopedagógica, que é nas relações interindi viduais 
que as normas se desenvolvem: são as relações que se constituem entre 
a criança e o adultoou entre ela e seus semelhantes que a levarão a 
tomar consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa realidade 
normativa na qual a moral consiste. Não há, portanto, moral sem sua 
educação moral, “educação” no sentido amplo do termo, que se sobre­
põe à constituição inata do indivíduo.
V
Somente - e é aqui que se coloca finalmente a questão dos proce­
dimentos da educação moral - na medida em que a elaboração das reali­
dades espirituais depende das relações que o indivíduo tem com seus se­
melhantes, não há uma única moral e nem haverá tantos tipos de reações 
morais quanto as formas de relações sociais ou interindi viduais que ocor­
rerem entre a criança e seu meio ambiente. Por exemplo, a pressão exclu­
siva do adulto sobre a alma infantil conduz a resultados muito diversos que 
a livre cooperação entre crianças e, dependendo de como a educação 
moral emprega uma ou outra dessas técnicas, ela moldará as consciências 
e determinará comportamentos de modos diferentes.
Ora, ao nos referirmos a um conjunto de pesquisas, das quais 
utilizaremos especialmente as dos sociólogos - de Durkheim e de sua 
escola, em particular - e dos psicólogos da infância - os trabalhos de 
Bovet e as experiências ainda inéditas que esses trabalhos nos têm su­
gerido1 cremos que podemos afirmar que existe entre as crianças, 
senão no geral, duas “morais”, isto é, duas maneiras de sentir e de se
1 O resultado dessas experiências aparece na obra intitulada O julgamento moral na 
criança.
4 C in c o E s t u d o s d e E d u c a ç ã o M o r a l
conduzir que resultam da pressão no espírito da criança de dois tipos 
fundamentais de relações interindividuais. Essas duas morais que se 
combinam entre si, mais ou menos intimamente, ao menos em nos­
sas sociedades civilizadas, são muito distintas durante a infância e se
✓
reconciliam mais tarde, no curso da adolescência. E essa análise 
desse dado essencial que nos parece indispensável para a classifica­
ção e o estudo dos diversos procedimentos de educação moral.
Admitimos, juntamente a quase todos os estudiosos da mo­
ral, que o respeito constitui o sentimento fundamental que possibili­
ta a aquisição das noções morais. Duas condições, nos diz M. Bovet2, 
são necessárias e suficientes para que se desenvolva a consciên­
cia de obrigação: em primeiro lugar, que um indivíduo dê conselhos 
a outro e, em segundo -lugar, que esse outro respeite aquele de 
quem emanam os conselhos. Dito de outro modo, é suficiente que a 
criança respeite seus pais ou professores para que os conselhos 
prescritos por esses sejam aceitos por ela, e mesmo sentidos como 
obrigatórios. Enquanto Kant vê no respeito um resultado de lei e 
Durkheim um reflexo da sociedade; Bovet mostra, pelo contrário, 
que o respeito pelas pessoas constitui um fato primário e que mes­
mo a lei dele deriva. Esse resultado, essencial para a educação 
moral, posto que conduz de uma só vez a situar as relações de 
indivíduo a indivíduo acima de não importar qual ensinamento oral 
e teórico, parece confirmar tudo o que sabemos sobre a psicologia 
moral infantil.
Porém, se o fenômeno do respeito apresenta assim uma 
inegável unidade funcional, pode-se, por abstração, distinguir-se 
ao menos dois tipos de respeito (o segundo constituindo-se como 
um caso limite do primeiro). Em primeiro lugar, há o respeito que 
chamaremos unilateral, porque ele implica uma desigualdade en­
tre aquele que respeita e aquele que é respeitado: é o respeito do 
pequeno pelo grande, da criança pelo adulto, do caçula pelo irmão 
mais velho. Esse respeito, o único em que normalmente se pensa e
2 P. Bovet: Les conditions de L'obligation de consciece , Année psych., 1912.
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 5
no qual Bovet tem insistido muito especialmente, implica uma coa­
ção inevitável do superior sobre o inferior; é, pois, característico de 
uma primeira forma de relação social, que nós chamaremos de re­
lação de coação. Mas existe, em segundo lugar, o respeito que 
podemos qualificar de mútuo, porque os indivíduos que estão em 
contato se consideram como iguais e se respeitam reciprocamente. 
Esse respeito não implica, assim, nenhuma coação e caracteriza 
um segundo tipo de relação social, que nós chamaremos relação 
de cooperação. Essa cooperação constitui o essencial das rela­
ções entre crianças ou entre adolescentes num jogo regulamenta­
do, numa organização de self-government ou numa discussão sin­
cera e bem conduzida.
São esses dois tipos de respeito que nos parecem explicar a 
existência de duas morais cuja oposição se observa sem cessar nas 
crianças. De modo geral, pode-se afirmar que o respeito unilateral, 
fazendo par com a relação de coação moral, conduz, como Bovet bem 
notou, a um resultado específico que é o sentimento de dever. Mas o 
dever primitivo assim resultante da pressão do adulto sobre a criança 
permanece essencialmente heterônomo. Ao contrário, a moral resul­
tante do respeito mútuo e das relações de cooperação pode caracteri- 
zar-se por um sentimento diferente, o sentimento do bem, mais interior 
à consciênci a e, então, o ideal da reciprocidade tende a tomar-se intei­
ramente autônomo.
Tomemos alguns exemplos dessas oposições, a começar pela 
submissão às regras, esse espírito de disciplina no qual Durkheim vê 
o primeiro elemento da moralidade. Quando se estuda de 
perto, pela observação sistemática dos jogos espontâneos ou por ques­
tionamentos sobre a consciência da regra, a maneira como as crianças 
de diferentes idades se submetem a uma disciplina tal como a da regra 
do jogo; não se pode deixar de notar a diferença de reação dos peque­
nos e dos mais velhos. Os pequenos, de cinco a oito anos mais ou 
menos, aceitam a regra dos mais velhos por respeito unilateral e a 
assimilam a um dever prescrito pelo próprio adulto: eles a consideram 
imutável e sagrada. No entanto, impondo-se assim às consciências, a
6 C in c o Es t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l
regra permanece exterior a elas e é, de fato, muito mal observada. Os 
mais velhos, ao contrário, fazem eles mesmos a regra por cooperação 
e a observam, graças ao respeito mútuo: essa regra autônoma vem 
participar de suas personalidades e é seguida cuidadosamente. Do mes­
mo modo, existem deveres impostos pelos adultos que, embora apare­
çam como tais, permanecem sem sentido: a regra de não mentir, mes­
mo que respeitada pela consciência dos pequenos, não é efetivamente 
observada em seu comportamento. No momento em que esta mesma 
regra intervém como condição de cooperação, isto é, quando as crian­
ças a praticam entre si, não somente ela é mais bem compreendida 
como verdadeiramente aplicada. Há, então, dois tipos de regras que 
acompanham os dois respeitos: a regra exterior ou heterônoma e a 
regra interior; somente a segunda conduz a uma real transformação 
do comportamento espontâneo.
Em segundo lugar, os efeitos do respeito unilateral e do res­
peito mútuo são muito diferentes no que concerne à personalida­
de. A coação adulta, como testemunham os exemplos aos quais 
nos referimos, não é, por si mesmo, capaz de reprimir o egocentrismo 
infantil. A submissão, mesmo que interior, a este Deus que é o 
adulto e a fantasia anárquica do eu não são tão contraditórias quanto 
aparentam: de fato, anomia e heteronomia podem acomodar-se entre 
si. Quantas crianças nos disseram que é permitido mentir quando 
isso não é percebido! Ao contrário, a cooperação conduz a consti­
tuição da verdadeira personalidade, isto é, a submissão efetiva do 
eu às regras reconhecidas como boas. A personalidade e a auto­
nomia implicam-se, assim, uma a outra, enquanto egocentrismo 
e heteronomia coexistem sem se anular.
Em terceiro lugar, do ponto de vista da responsabilidade a opo­
sição permanece muito clara. Ao fazer as crianças avaliarem um cer­
to número de relatos de mentiras, roubos e transgressões, temos en­
contrado o que se segue. Na medida em que as regras de não mentir e 
de não roubar permanecem como imposiçõespelo adulto e aceitas por 
respeito unilateral, as mentiras e os roubos são avaliados de um ponto 
de vista inteiramente realista, ou como dizem os juristas, inteiramente
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 7
“objetivo”: a mentira mais grave é a mais inverossímil, a que mais nos 
custa crer, a menos “má” é a menos aparente; o roubo mais grave é o 
de objeto mais custoso etc. A intenção não desempenha nenhum pa­
pel: o ato material, ou melhor, a própria materialidade da desobediência 
à regra é tudo. Ao contrário, quando há cooperação, há responsabili­
dade subjetiva e julgamento em função das intenções. Os dois tipos de 
moral que se evidenciam na história da moral e que têm sido tão bem 
estudados por P. Fauconnet3 se encontram, assim, na criança e cons­
tituem o primeiro, sinal da exterioridade ineficaz da relação de coação 
e o segundo, sinal da interiorização própria do respeito mútuo e da 
cooperação.
No campo da justiça , as mesmas reflexões podem ser fei­
tas. Na medida em que o respeito unilateral predomina sobre o 
respeito mútuo, a autoridade predomina sobre a justiça. Certamente, 
o adulto pode ser justo com a criança e, assim, seu exemplo se 
tornará lei como princípio de justiça. No entanto, pode ocorrer 
que suas decisões entrem em conflito com a igualdade das crian­
ças entre si (quando se pede mais trabalho a uns que a outros 
etc.). Neste último caso, os pequenos dão, invariavelmente, razão 
ao adulto: é justo o que está de acordo com as regras recebidas. 
Pelo contrário, depois dos sete-oito anos, a vida social entre cri­
anças firma-se e regulamenta-se cada vez mais, a necessidade 
de igualdade se estabelece com força crescente. A adesão aos 
grupos e a cooperação se convertem em fatores de igualitarismo. 
A partir daí, a criança colocará a justiça acima da autoridade e a 
solidariedade acima da obediência. Parece-nos que as noções 
referentes à justiça distributiva constituem-se, assim, à margem 
da influência do adulto e, às vezes, às expensas desse.
Quando à justiça retributiva ou à noção de sanção, mostra­
remos ainda, para terminar nossa exposição sobre os domínios psi­
cológicos do problema, o quanto a reação da criança é diferente 
quando dominada pelo respeito unilateral ou pelo respeito mútuo. A
P. Fauconnet: La responsabilité, Paris, Alcan.
8 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l
coação do adulto é a origem, senão única, a principal noção de 
sanção expiatória. O único meio de impor uma regra exterior à 
consciência de um indivíduo é, com efeito, sancioná-la, seja pela 
censura ou por esses símbolos materiais da censura que são os 
castigos. Ora, como a criança respeita o adulto, essa reação lhe 
parece como normal e necessária: toda falta implica, assim, uma 
censura e uma dor; estes constituem a conseqüência obrigatória da 
desobediência. Ao contrário, a infração às regras da cooperação e 
do respeito mútuo não provoca outra conseqüência que a supres­
são momentânea dos laços de solidariedade. Há, então, dois tipos 
de sanções ditas naturais, elas implicam sempre uma relação social 
e encaixam-se, portanto, nas categorias precedentes. Ora, quando 
possibilitamos às crianças as escolhas de castigos para faltas que 
lhes relatamos, nós observamos uma reação relativamente clara: 
os pequenos, na medida em que são dominados pelo respeito unila­
teral, optam todos pela expiação e são muito duros nos modos de 
castigar; enquanto os mais velhos consideram como mais justas as 
simples medidas de reciprocidade. Pode-se dizer, com Foerster4, 
que a criança reclama a expiação. Mas deve-se considerar que 
isto assim ocorre somente enquanto a criança é dominada por cer­
to tipo de relação social que a une ao adulto e que, na medida em 
que se aproxima do ideal de cooperação e do self-government, 
precisamente preconizado por este autor, a criança separa-se da 
sanção expiatória para voltar-se à pura reciprocidade.
Em suma, não há exagero em se falar de duas morais que 
coexistem na criança e que as características de heteronomia e da 
autonomia conduzem a avaliações e comportamentos muito dife­
rentes. Antes de considerarmos os fins da educação moral desta­
camos, ainda, que essas duas morais se encontram igualmente no 
adulto, porém essa dualidade é verificada desde que enfoquemos a 
totalidade das sociedades atualmente conhecidas, graças à socio­
logia e à história. A moral da heteronomia e do respeito unilateral
F. W. Foerster. Schuld und Sühne, München, 1920.
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 9
parece corresponder à moral das prescrições e das interdições ri­
tuais (tabus), próprias das sociedades ditas “primitivas”, nas quais 
o respeito aos costumes encarnados nos anciões prima sobre toda 
manifestação da personalidade. A moral da cooperação, ao con­
trário, é um produto relativamente recente da diferenciação social 
e do individualismo que resulta do tipo “civilizado” de solidarieda­
de. Em nossas sociedades, conseqüentemente, o próprio conteúdo 
da moral é, em síntese, o da cooperação. Dito de outro modo, as 
regras prescritas, mesmo que na forma de deveres categóricos e 
de imperativos de motivos religiosos, não contêm, a título de “maté­
ria”, mais que o ideal de justiça e de reciprocidade próprios à 
moral do respeito mútuo. Somente cada um, tendo em vista a 
educação que recebeu, pode, no que concerne à “forma”, diferen­
ciar o sentimento de dever do livre consentimento próprio do senti­
mento do bem.
No que concerne ao fim da educação moral, podemos, pois, por 
uma legítima abstração, considerar que é o de constituir personalida­
des autônomas, aptas à cooperação; se desejarmos, ao contrário, fa­
zer da criança um ser submisso durante toda a sua existência à coação 
exterior, qualquer que seja ela, será suficiente todo o contrário do que 
dissemos.
Não temos que discutir aqui os fins da educação moral, mas 
somente classificá-los, para saber a que resultados conduzem os dife­
rentes procedimentos pedagógicos que agora vamos estudar. Pela 
mesma razão, não temos aqui que nos posicionar entre uma moral 
religiosa e uma moral laica: tanto numa como noutra se encontram 
traços pertencentes à moral do respeito unilateral e outros pertencen­
tes à moral da cooperação. Só difere a “motivação”. Propomo-nos, 
assim, a situar a discussão sobre um terreno suficientemente objetivo 
e psicológico para qualquer um, sejam quais forem os fins a que se 
propõe, possa utilizar nossa análise.
Dito isso, o problema é o seguinte: entre os procedimentos em 
curso na educação moral, uns apelam somente para recursos própri­
os do respeito unilateral e da coação do adulto, outros apelam so-
10 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l
mente para a cooperação entre crianças e outros. Enfim, utilizam em 
graus variados esses dois tipos de mecanismos. Todos, segundo o 
que acabamos de ver, repousam sobre as realidades profundas da 
alma infantil, de tal modo que podemos considerá-los como igual­
mente bons. No entanto, longe de se apresentarem sob a forma de 
uma síntese harmoniosa, os diversos componentes da moralidade da 
criança aparecem-nos, ao contrário, como em oposição de uns aos 
outros: há duas morais na criança e duas morais cujos conflitos 
eclodem quando a vida ou a reflexão psicológica lhes dá ocasião de 
se manifestarem. Se o fim da educação é o de constituir personalida­
des aptas à cooperação, podemos, como se vê em geral, utilizar indi­
ferentemente uma ou outra das duas tendências fundamentais de 
moral infantil e utilizalá-las nas mesmas idades? Ou será necessário 
utilizá-las sucessivamente, ou, ainda, fazer prevalecer uma sobre a 
outra? Isso é o que vamos investigar agora, analisando os 
procedimentos de educação moral: primeiramente sob o ponto de 
vista da técnica geral posta em prática e, em seguida, do ponto de
vista dos diferentes domínios que habitualmente distinguimos.
\
II. As técnicas gerais da educação moral
Ao se estudar os procedimentos de educação doponto de 
vista de suas técnicas gerais, pode-se considerar três aspectos dis­
tintos: conforme sejam fundamentados sobre tal ou qual tipo de 
respeito ou relações interindividuais, conforme eles recorrem ou 
não à própria ação da criança.
a) Autoridade e liberdade
O procedimento mais conhecido de educação moral é aquele 
que recorre exclusivamente ao respeito unilateral; o adulto impõe 
suas regras e as faz observar graças a uma coação espiritual ou em ' 
parte material. Comum na pedagogia familiar, embora dificilmente
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l
único, esse procedimento encontra sua aplicação mais sistemática 
no domínio da disciplina escolar tradicional. Que se apóie sobre uma 
moral religiosa ou sobre uma moral laica, o procedimento é o mesmo: 
para a criança, com efeito, pouco importa que as regras emanem de 
Deus, dos pais ou dos adultos em geral, se elas são recebidas de fora 
e impostas de uma vez por todas.
Podemos citar como modelo de pedagogia moral fundada na 
autoridade a bela obra póstuma de Durkheim: A Educação Moral. 
Esse livro é particularmente instrutivo porque é em nome de preocupa­
ções puramente científicas (sociológicas) que o autor procura des­
crever uma pedagogia geralmente combatida pelos homens de ciên­
cia e, em segundo lugar, porque o que Durkheim pretende formar 
são personalidades livres e autônomas; ele quer chegar à moral da 
cooperação por meio da autoridade. Como a tese de Durkheim é 
muito representativa de nossa educação moral tradicional na Euro­
pa, convém que a discutamos em detalhes.
Três elementos principais constituem a moralidade, segundo 
Durkheim. Primeiramente, o espírito de disciplina: a moral é um sis­
tema de regras que se impõem à consciência e deve-se habituar a 
criança a respeitá-las. Em segundo lugar, a ligação aos grupos soci­
ais: a moral implica o elo social e deve-se cultivar a solidariedade nas 
crianças. Finalmente, a autonomia da vontade. Porém, como a regra 
se impõe ao indivíduo sob a pressão dos grupos, ser autônomo signi­
fica não libertar-se dessa pressão dos grupos, mas compreender sua 
necessidade de aceitá-la livremente. Como satisfazer a essas três 
exigências na pedagogia escolar?
No que concerne à disciplina, Durkheim pretende recorrer, 
somente, à autoridade do professor e às regras da escola enquanto
*
uma instituição adulta. E necessário que a criança sinta uma vonta­
de que lhe seja superior e é necessário que cada uma das ativida­
des seja limitada e canalizada por esse sistema de prescrições e 
interdições que são as regras escolares. É necessário, além disso, 
que por intermédio do professor só a lei seja respeitada, e toda 
disciplina deve tender a esse culto da lei como tal. Daí a necessida­
de dos castigos escolares, constituindo a sanção a maneira tangível
12 C in c o E s t u d o s d e E d u c a ç ã o M o r a l
de acentuar a repreensão, tendo esta, por sua vez, a função de 
conservar e de reforçar o respeito à lei. Quanto à adesão aos gru­
pos e à autonomia, Durkheim conta, para constituí-las, com um 
ensino puramente oral; um ensino fundado, igualmente, no respeito 
ao adulto. Uma vez que a criança tenha sentido, graças a seu altru­
ísmo espontâneo e à disciplina adquirida, a unidade e a coerência 
das sociedades que são a escola e a família, lições apropriadas a 
conduzirão a descobrir a existência de grupos maiores aos quais 
deverá se adaptar: a cidade e a nação e, enfim, a própria humani­
dade. Por outro lado, a autonomia se adquire graças a um ensino 
que faz a criança compreender a natureza da sociedade e o porquê 
das regras morais.
Sem entrar na d iscussão das teses socio lógicas de 
Durkheim e simplesmente considerando seu livro representativo 
de uma pedagogia de autoridade tão largamente divulgada na 
Europa, podemos fazer as observações que se seguem. De um 
lado, a educação moral, fundada sobre o respeito exclusivo ao 
adulto ou às regras adultas, desconhece esse dado essencial da 
psicologia de que existe na criança não uma, mas duas morais 
presentes; assim, os procedimentos educativos fundados somente 
no respeito unilateral negligenciam a metade, e não a menos 
importante, dos profundos recursos da alma infantil. De outro 
lado, parece ignorar-se que a moral adulta civilizada, precisa­
mente a das sociedades às quais se procura adaptar a criança, 
assemelha-se muito mais à moral das crianças entre si (a moral 
do respeito mútuo e da cooperação) que à moral da autoridade a 
qual se recorre para forçar o espírito da criança. Pode-se per­
guntar, então, se não será um erro confundir uma única noção 
de respeito à regra com duas coisas tão distintas como a coação 
unilateral e a livre cooperação dos espíritos autônomos. No que 
concerne à disciplina, por exemplo, há não somente um, mas 
dois tipos de regras: a regra exterior, aceita pelo respeito unila­
teral; e a regra interior, devida ao acordo mútuo. Ora, a obser­
vação psicológica mostra, cremos nós, o quanto a segunda é a mais
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a i , 13
eficaz: a criança considera, é verdade, a primeira como sagrada e 
intangível, mas não a aplica como à segunda, isto é, com sua perso­
nalidade por inteiro. Além disso, a segunda não se deriva diretamen­
te da primeira. Ela supõe um conjunto de condições funcionais, toda 
uma atmosfera de atividade e de interesse que só o self-government 
pode realizar. Quanto à adesão aos grupos e à autonomia, pode-se 
crer, em realidade, que a palavra do professor, mesmo que respeita­
da, possa valer mais por si mesma que a experiência verdadeira? 
Quem será o melhor cidadão ou o espírito mais racional e moralmente 
livre? Aquele que tenha ouvido falar, mesmo que com entusiasmo, da 
pátria e das realidades espirituais, ou aquele que tenha vivido em uma 
república escolar o respeito à solidariedade e a necessidade da lei? 
Não nos é permitido hoje resolver esta questão sem consultarmos a 
experiência, e esta nos parece realizada. Recordemos, simplesmente, 
a título de exemplo, o livro de um autor tão próximo de Durkheim por 
sua maneira de sentir a vida moral, o respeito à autoridade e a neces­
sidade de sanções expiatórias, mas cuja experiência pedagógica lhe 
tenha conduzido a se juntar ao self-government: o livro tão conhecido 
de E W. Foerster, A escola e o caráter.
Em um outro extremo da pedagogia moral clássica difundida 
por Durkheim, vemos nos trabalhos de certas escolas experimentais 
um procedimento fundado na liberdade absoluta da criança: nenhu­
ma coação adulta de qualquer modo que seja, nenhuma indicação 
sobre a maneira de conduzir-se junto aos seus iguais ou com as pes­
soas mais velhas5. Infelizmente, não conhecemos documentos publi­
cados suficientemente completos para responder ao problema es­
sencial que semelhante tentativa coloca: na ausência de toda relação 
de respeito unilateral, a criança, mesmo de 3 a 4 anos, em presença 
somente de seus semelhantes, chegará por si mesma ao respeito 
mútuo e à cooperação? Chegará a constituir uma moral e esta será
5 Nós podemos citar o ensaio da Mailing House em Cambridge, cujos resultados 
serão discutidos numa importante obra que S. ísaacs prepara e, também, num artigo em 
que Pykc trabalha.
14 C in c o E s t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l
adaptada a essa nossa sociedade adulta? Somos obrigados a dei­
xar essa questão em aberto. Porém, podemos perguntar: o res­
peito unilateral não representará um papel útil e necessário na 
medida em que for espontâneo? Ora, ele é inegavelmente es­
pontâneo nos pequenos, em particular na família, e sobre esse 
ponto os trabalhos de P. Bovet nos parecem decisivos. Se colo­
carmos em dúvida o valor dos procedimentos que consistem em 
imposições durante toda a infância e adolescência, sentimo-nos 
céticos perante a tentativa inversa. Quando se constata o tempo 
que a humanidade tomou simplesmente para dar lugar à livre 
cooperação ao lado da coação social, podemos nos perguntar se 
não é queimar etapas quererconstituir na criança uma moral do 
respeito mútuo antes de toda moral unilateral. O puro dever não 
esgota a vida moral. Mas não é necessário conhecê-lo para com­
preender plenamente o valor desse livre ideal que é o Bem? O 
respeito mútuo é uma espécie de forma limite de equilíbrio para 
a qual tende o respeito unilateral, e pais e professores devem 
fazer tudo o que for possível, segundo cremos, para converte­
rem-se em colaboradores iguais à criança. Cremos, no entanto, 
que essa possibilidade depende da própria criança, e pensamos 
que durante os primeiros anos um elemento de autoridade fatal­
mente se mescla às relações que unem as crianças aos adultos.
A verdade nos parece estar entre e consiste em não negligen­
ciar nem o respeito mútuo nem o respeito unilateral, fontes essenci­
ais da vida moral infantil. É o que buscam os procedimentos “ativos” 
de educação dos quais falaremos adiante. Mas, antes disso, devemos 
ainda discutir o problema do ensino verbal da moralidade.
b) Os procedimentos verbais de educação moral
Do mesmo modo que a escola em geral, há séculos, pensa ser 
suficiente falar à criança para instruí-la e formar seu pensamento, os 
moralistas contam com o discurso para educar a consciência. Pode-se, 
na verdade, distinguir um grande número de variações do ensino da
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 15
moral pela palavra, do mais verbal ao mais “ativo”, isto é, do mais im­
pregnado de coação espiritual adulta ao mais direto e próximo da crian­
ça. Há, primeiramente, a “lição moral” tal qual se pratica na França, 
conforme um programa sistemático, abarcando os principais aspectos 
da prática moral6. Há, em seguida, as conversações morais sob forma 
de relatos, de comentários sobre os grandes e pequenos exemplos histó­
ricos ou literários etc. Devemos citar, em particular, o método Gould, 
assim como os seguidos entre F. W. Foerster e Ch. Wagner. Em terceiro 
lugar, deve-se distinguir o procedimento que consiste em não dar à moral 
um lugar especial entre o horário das lições, mas utilizar as diferentes 
matérias de ensino para tecer considerações morais feitas, assim, ao 
vivo. Enfim, destacamos o procedimento que consiste em não falar de 
moral se não a propósito de experiências efetivas vividas pelas crianças: 
a “lição” nada mais é aqui que uma conversação provocada pelas peri­
pécias do self-govemment ou do trabalho em grupo.
Io) Como exemplo de “lições” propriamente ditas, nós podemos 
citar o Curso de Moral de Jules Payot7, ou o Curso mais recente 
e vivo devido à F. Challaye e M. Reynier8. O próprio princípio dos 
cursos de moral parece nos colocar as duas questões seguintes. 
Em primeiro lugar, consegue-se interessar a criança sobre o pro­
blema tratado independentemente da pessoa que o trata? Se a lição 
de moral pode ser algo admirável, enquanto ela é dada por um edu­
cador entusiasta, não é o contato com o indivíduo mais o conteúdo 
do curso, o que é verdadeiramente fecundo? E se a lição for dada 
por um indivíduo não excepcional (não falemos nada além disso), 
não se corre o risco de criar no espírito da criança uma prevenção 
contra a própria moral? Em segundo lugar, uma lição segundo os 
princípios da educação funcional deve ser uma resposta. Para to­
car o âmago da alma infantil, um ensinamento oral deve vir depois
Programas oficiais de 18 de agosto de 1920 para as escolas primárias, para
meninos e meninas.
Jules Payot, Cours de Morale , Paris, Colin.
K F. Challage e Marg. Reynier, Cours de Morale à L'usage des Écoles primaires 
supérieures et des Cours complémentaires, Paris. Aican.
16 C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l
e não antes da experiência vivida. Em conseqüência, por mais sedutoras 
e elevadas que sejam as lições as quais nos referimos, nós nos questio­
namos se seu alcance não seria decuplicado num meio escolar onde a 
própria prática do self-governmenl ou dos trabalhos coletivos tenha co­
locado concretamente ao espírito da criança as mil questões que dão seu 
valor e sua significação a toda codificação da moral adulta.
Seria conveniente, para resolver essas questões, recorrer-se a 
uma investigação experimental sobre os resultados efetivos das lições 
de moral. De um lado, para ver se a lição aperfeiçoou o julgamento 
moral, seria adequado submeter a provas idênticas crianças que te­
nham seguido um curso e outras que não o tivessem feito. Em segundo 
lugar, porém muito mais difícil e supondo-se uma longa e metódica 
observação, seria necessário determinar se a lição de moral, bem com­
preendida pela criança e depois de uma repetição verbal correta, muda 
em algo a própria vida da criança. É importante ressaltar que, dos 
pontos de vista científico e psicológico nos quais devemos necessaria­
mente nos colocar e onde se pode verificar o resultado de qualquer 
método pedagógico, não estamos atualmente, de modo algum, em con­
dições de responder essas questões. Existe uma relação entre o aper­
feiçoamento do julgamento moral - supondo que as lições de fato o 
desenvolvam - e a parte prática da moral? Não o sabemos, e uma 
série de pesquisas deveria ser realizada sobre esses pontos, antes que 
se permitisse julgar o método puramente verbal de educação moral.
2o) Quanto às conversações excelentemente preparadas por E 
J. Gould e por F. W. Foerster, seu sucesso na Inglaterra e na Alema­
nha mostra suficientemente que elas correspondem a algo no espírito 
da criança. O princípio é o seguinte. Em lugar de partir de uma “lição” 
para ilustrá-la com exemplos, os autores começam relatando histórias 
cuidadosamente selecionadas e classificadas, e a “lição” nada mais é 
que uma reflexão em comum e uma discussão sobre esses relatos. 
Deve-se reconhecer que, admitido o princípio, as histórias propostas 
são excelentes e altamente sugestivas. Mas certos problemas se colo­
cam, a propósito desse método, como a propósito das “lições” propri­
amente ditas. Pode-se supor - e a observação parece indicar - que os
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 17
relatos concretos e vivos agem com mais vantagens sobre a vida mo­
ral da criança que os comentários mais ou menos teóricos. Seria, tam­
bém, interessante verificar objetivamente essa situação, buscando eli­
minar o papel pessoal do narrador e determinando com que indivíduos 
os relatos propostos exerceriam sua ação sobre o espírito da criança.
Porém, é evidente que a personalidade do narrador constitui aqui, como
/
nas “lições”, o fator de maior importância. E assim que as falas morais 
de Ch. Wagner9, que se inspiravam em princípios análogos aos das 
conversações de Gould e de Foerster, produziam nas crianças uma 
impressão considerável, enquanto as mesmas coisas ditas por um indi­
víduo menos vivaz deixavam-nas indiferentes ou, o que é o pior, inspi­
ravam nelas uma certa aversão contra essa moral que se quer incul­
car-lhes de fora e impor à sua admiração. A este propósito deve-se
/
colocar uma terceira questão. E possível transmitir, por meio de um 
ensino que repousa sobre o respeito unilateral, a moral de um ensino 
que repousa sobre o respeito unilateral, a moral da cooperação, do 
respeito mútuo e da autonomia preconizados pela maioria dos educa­
dores? O exemplo proposto no relato do professor produz o mesmo 
efeito que se este exemplo fosse sugerido e discutido pelas próprias 
crianças em conseqüência de uma experiência “ativamente” realizada 
de self-government ou da confissão livre, análoga àquelas usadas na 
“Liga da Bondade”? Aqui também nos faltam materiais, e uma pes­
quisa científica nos informaria mais que todas as impressões subjeti­
vas dos pedagogos aferrados a seus métodos.
3o) Certos educadores são avessos à idéia de lições de moral; 
consideram que a moral não pode constituir uma matéria de ensino 
como outra qualquer, mas sim em um espírito que deve penetrar toda 
a educação. Assim, ao lado da atmosfera geral da classe, não se 
recorre, nesse caso, para o ensino verbal da moral, mais que nas 
ocasiõesoferecidas pelas diversas matérias. A história e a geogra­
fia, a literatura e as lições da língua, a composição etc., convertem- 
se, assim, em espaços para discussões e desenvolvimento morais.
Ch. Wagner, Par lê sourire.
18 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l
Aqui não é lugar para discutir a questão de se a história ou 
outras ciências podem servir ou não aos fins morais. Se qualquer dis­
ciplina científica, a história não mais que a outras, não deve ser desvi­
ada da pura pesquisa da verdade, nos parece impossível negar ao his­
toriador, como homem que é, o direito de julgar os fatos que ele tenha 
estudado e mesmo de tirar deles a lição que desejar. Pelo contrário, 
uma objeção freqüentemente feita é a de que se não se der mais lições 
de moral, esta corre o risco de não aparecer em nenhum outro lugar: 
cada professor, levado por sua própria matéria, deixa para mais tarde 
o cuidado de extrair a significação humana e o ano se passa sem dis­
cussões morais. Colocando de lado essa dificuldade, devemos confes­
sar que uma conversação organizada sobre as composições das crian­
ças ou dos fatos da história, da geografia e da literatura é suscetível de 
fundir-se muito melhor com as preocupações do aluno e de mostrar- 
se, assim, mais vantajosa que um ensinamento sistemático e isolado de 
moral. Mas isso depende unicamente de quanta atividade se concede 
às crianças na preparação das conversações. A este propósito se tem 
tentado, principalmente na Inglaterra, utilizar para a educação moral a 
admiração espontânea das crianças pelos grandes homens. Organi­
zando com alunos comemorações periódicas, as “cerimônia in 
curriculum”, consegue-se exaltar tais virtudes, desqualificar tais víci­
os ou transgressões, sem cair no artificialismo das lições de moral 
propriamente ditas. Nessas festas colaboram naturalmente as própri­
as crianças que trabalham para documentar e reunir materiais para 
celebrar, com conhecimento de causa, o aniversário histórico.
4o) Todos os procedimentos orais aos quais já fizemos alusão aqui 
têm em comum o fato de suporem como única fonte de inspiração moral 
a autoridade do professor ou do adulto em geral: a lição é, em conseqü­
ência, o lugar de divulgação da verdade toda pronta e a criança é coagi­
da a recebê-la de fora. Queiramos ou não, os métodos orais repousam 
sempre sobre um fundo de respeito unilateral. Que ocorreria se todo o 
trabalho da classe se baseasse sobre a própria atividade da criança e, 
em particular, sobre a atividade comum? O respeito mútuo tomando-se, 
assim, fonte da experiência moral, a “lição” desapareceria inteiramen­
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 19
te? Todos os elementos da discussão e da transmissão oral deveriam ser 
proscritos? Nós pensamos que não, mas cremos que a “lição de moral” 
não deveria ultrapassar o papel atribuído a todas as lições pela pedago­
gia moderna: constituir a resposta a uma questão prévia. Tomemos como 
exemplo as conversações morais, conduzidas com tanta habilidade pe­
las diretoras da “Casa das Crianças”, ligada ao Instituto de Ciência da 
Educação da Universidade de Genebra10. O método dessa escola é o 
“ativo”, isto é, as crianças dedicam-se individualmente ou em grupos aos 
seus trabalhos espontâneos. Evidencia-se logo que essa vida escolar 
provoca sem cessar no espírito das próprias crianças os numerosos pro­
blemas relativos à vida em comum, à disciplina, ao esforço pessoal etc. 
A cada dia, uma pequena mentira, um ato rude ou uma indolência provo­
cam uma discussão ou, ainda, a alusão a uma virtude ou a um belo 
exemplo. Ora, essas discussões que se estabelecem primeiramente en­
tre crianças, acabam sempre apelando à opinião adulta. Aí, e somente 
neste momento, o professor se encontra em condições de dar uma lição 
proveitosa: longe de intervir de fora, correndo o risco de não ser ouvido, 
ele intervém a pedidos e suas palavras adquirem toda significação. Se 
esse sistema pode não ser generalizável a todas as idades, veremos em 
instantes que isso depende da totalidade do método do ensino.
Queremos apenas ressaltar, no momento, que mantidas as jus­
tas proporções a “lição de moral” não deve ser proscrita. Porém, ela 
não desenvolverá produtivamente a não ser por ocasião de uma vida 
social autêntica e no interior da própria classe.
c) Os métodos “ativos” de educação moral
A “escola ativa” baseia-se na idéia de que as matérias a
serem ensinadas à criança não devem ser impostas de fora, mas 
redescobertas pela criança por meio de uma verdadeira investi­
gação e de uma atividade espontânea. “Atividade” se opõe, assim, à 
receptividade. A educação moral ativa supõe, conseqüentemente, que a
10 Ver Audemars M. et Lafendel L.In:intermédiaire des Educateurs, passim.
20 C in c o H$t u ix >s de E d u c a ç ã o M o r a l
criança possa fazer experiências morais e que a escola constitui um 
meio próprio para tais experiências. Pensamos que três pontos devem 
ser assinalados a esse respeito.
1°) Para os participantes da escola ativa, a educação moral não 
constitui uma matéria especial de ensino, mas um aspecto particular da 
totalidade do sistema. Dito de outro modo, a educação forma um todo, e a 
atividade que a criança executa com relação a cada uma das disciplinas 
escolares supõe um esforço do caráter e um conjunto de condutas morais, 
assim como supõe uma certa tensão da inteligência e mobilização de inte­
resses. Esteja ocupada em analisar regras da gramática, a resolver um 
problema de matemática, ou a documentar um ponto da história, a criança 
que trabalha “ativamente” é obrigada, não só diante de si como diante do
*
grupo social que é a classe ou da “equipe” da qual faz parte, a comportar- 
se de modo muito diferente do aluno tradicional que escuta uma lição ou 
realiza um “dever” escolar. Enquanto neste, tudo reconduz à obediência e 
às virtudes a ela ligadas, isto é, à moral do respeito unilateral, naquele, ao 
contrário, a investigação escolar implica as mesmas qualidades pessoais e 
as mesmas condutas coletivas de ajuda recíproca, de respeito na discus­
são, de desinteresse e de objetividade que a pesquisa cientifica de intelec­
tuais adultos. A classe constitui, assim, uma associação de trabalho e evi­
dencia-se que a vida moral está intimamente ligada a toda a atividade 
escolar. A educação do caráter é, em particular, singularmente intensifica­
da e, para estimular o esforço, para canalizar as atitudes e para constituir 
o controle pessoal, não é necessário recorrer a meios exteriores artificiais: 
o próprio princípio da atividade conduz a esses resultados. Para se docu­
mentar essas experiências da pedagogia nova deve-se ler as obras e arti­
gos consagrados à educação ativa na Áustria, na Alemanha, na Inglaterra 
etc11.
11 Ver Seidel, Arbeitschule, Zurique, 1910. Kerschensteiner, Bregrijf der Arbeitschule, 
Leipzig, Teuhner. 1912. Glogkel., Die Entwicklung der Wiener Schulwesens, Deutsche 
Verlag J. Junged U. Volk, Viena, 1927. Dottrens, V Education nouvelle en Autriche, 
Delachaux et Niestlé, 1928. Rugg A. Shumaker; The child-Centered School , Word 
Book Company, Nova York e Chicago, 1928. E o último informe da Liga Internacional 
de Educação nova: Toward a New Education, edited by W. Boyd, Knopf, Londres e 
Nova York, 1930.
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a i 21
2o) A escola ativa supõe necessariamente a colaboração no 
trabalho. Na escola tradicional, cada um trabalha para si: a classe 
escuta o professor e, em seguida, cada um deve mostrar no de­
correr de seus trabalhos e de provas apropriadas o que reteve 
das lições ou das leituras em casa. A classe, desse modo, nada 
mais é que uma soma de indivíduos e não uma sociedade: a co­
municação entre alunos é proibida e a colaboração quase 
inexistente. Ao contrário, na medida em que o trabalho suscita a 
iniciativa da criança, torna-se coletivo; pois, se os pequenos são 
egocêntricos e inaptos à cooperação, ao se desenvolverem as cri­
anças constituemuma vida social cada vez mais forte. A liberda­
de do trabalho em classe tem implicado, geralmente, a coopera­
ção na atividade escolar. Quer este procedimento tenha sido uti­
lizado deliberadamente, como no método do “trabalho em grupo” 
de Dewey, de Cousinet etc., ou que tenha se formado à margem 
do método ativo, ele tem se tornado muito comum12. Ora, é evi­
dente que uma tal transformação é central no que concerne à 
educação moral. Se, realmente, o desenvolvimento moral da cri­
ança ocorre em função do respeito mútuo, além do respeito unila­
teral, como destacamos desde o início deste capítulo, a coopera­
ção no trabalho escolar está apta a definir-se como o procedi­
mento mais fecundo de educação moral.
3o) Depois das duas observações mais gerais que acaba­
mos de fazer, vejamos agora os procedimentos “ativos” especifi­
camente morais. Esses procedimentos se inspiram na noção bem 
conhecida de self-government. Para aprender a física ou a gra­
mática, não há método melhor que descobrir por si, por meio de 
experiência, ou da análise de textos, as leis da matéria ou as re­
gras da linguagem; do mesmo modo, para adquirir o sentido da 
disciplina, da solidariedade e da responsabilidade, a escola “ati­
va” se esforça em colocar a criança numa situação tal que ela
12 O “Bureau Internacional cPÉducation” realizou uma pesquisa sobre a prática atual 
do trabalho em grupos e sobre seus resultados nas principais áreas de ensino.
22 C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o ral
experimente diretamente as realidades espirituais e discuta por si 
mesma, pouco a pouco, as leis constitutivas. Ora, posto que a 
classe forma uma sociedade real, uma associação que repousa 
sobre o trabalho em comum de seus membros, é natural confiar 
às próprias crianças a organização dessa sociedade. Elaborando, 
elas mesmas, as leis que regulamentarão a disciplina escolar, ele­
gendo, elas mesmas, o governo que se encarregará de executar 
tais leis e constituindo o poder judiciário que terá por função a 
repressão dos delitos, as crianças adquirirão a possibilidade de 
aprender, pela experiência, o que é a obediência à regra, a adesão 
ao grupo social e a responsabilidade individual. Longe de prepa­
rar-se para a autonomia da consciência por meio de procedimen­
tos fundados na heteronomia, o estudante descobre as obrigações 
morais por uma experimentação verdadeira, envolvendo toda a 
sua personalidade.
O self-government tem se revestido na Europa de formas 
muito diversas e é difícil hoje saber exatamente o que se pratica 
nos diferentes países sob este nome. Às vezes, limita-se a confiar 
às crianças o poder judiciário: os tribunais de classe aprendem, 
assim, a avaliar os atos e a julgar os indivíduos no decorrer de 
deliberações cujos testemunhos têm demonstrado seu caráter pro­
fundamente educativo13. Outras vezes, vai-se mais longe e as 
crianças são revestidas do poder executivo e mesmo do poder 
legislativo.
Infelizmente, embora essas experiências sejam tão impor­
tantes, estamos ainda mal-informados sobre seus resultados exa­
tos. Se existem célebres exemplos de êxito, que se fizeram conhe­
cidos, graças aos trabalhos de Foerster e de Ferriére14, sabe-se 
também, e nisso se têm insistido menos, que algumas experiências
13 Ver por exemplo na revista Der Sáemanrn (Teubner) de abril de 1914 um artigo de 
Jos. Ruppert sobre o “selj-government " judiciário em “Münchner Jungendheim".
14 F. W. Foerster, L ’ Ecole et le Caractère, trad. P. Bovet, 5a ed. Delachaux et Niestlé ed. Ad. 
Ferriére, V autonomie des écoliers, coll. Actual. Ped. Delachaux et Niestlé, ed.
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o b a l 23
não têm dado resultados. É muito difícil de determinar, na avalia­
ção das experiências, o que resulta do próprio self-government, o 
que vêm de outras circunstâncias externas (situação da sociedade 
adulta ambiente, externatos ou internatos, valores dos professores 
etc.); e, enfim, o que resulta da pedagogia geral da escola interes­
sada (escola ativa ou tradicional etc.). Por essa razão o Bureau 
International d’Education tem pesquisado sobre esse tema, bus­
cando analisar com toda a objetividade as experiências feitas e os 
resultados obtidos.
Sem poder entrar em detalhes nas referências, citamos, no 
entanto, um ou dois estudos simplesmente a título de exemplos. As 
experiências mais instrutivas são aquelas que se constituíram em 
condições excepcionais; nas quais, por força das circunstâncias, a 
criança pôde, sem prejuízo para si, estar separada do adulto e que 
forneceram, assim, um indício da capacidade desta para o self- 
government. Por exemplo, o pedagogo russo Rougatcheff soube 
organizar em Kfar-deladine, na Palestina, uma república de crian­
ças com 110 pequenos refugiados israelitas dos dois sexos15. Essa 
república constitui, sem dúvida, o resultado mais marcante da auto­
nomia infantil, tanto pelo grau de organização e solidariedade que 
alcançou como pela diversidade de tarefas que as crianças enfren­
tam. Mesmo nos internatos, o self-government tem podido alcan­
çar uma grande extenção. Citemos como exemplo a escola nova 
de Frensham, próxima a Londres, fundada por Ensor, e na qual a 
experiência continua obtendo sucesso depois de vários anos; os 
processos com relatos das sessões, organizados por alunos e alu­
nas, atestam a vitalidade das instituições democráticas dessa esco­
la e a permanência de um espírito de grupo nas freqüentes modifi­
cações nas leis e nos regulamentos. Mesmo as Public-School têm 
podido realizar experiências semelhantes16. Se essas são possíveis 
em tais meios, o serão, seguramente, em outros locais!
° Ver J. Kessel, Terra cV amour, Paris, Flammarion, p. 119-131.
i0 Ver J.H. Simpson: An adventure in Education, Londres, Sidgwick and Jakson..
24 C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l
III. Sobre alguns procedimentos classificados 
conforme os domínios da educação moral
Admitindo com a psicologia que a vida moral se desenvolve 
em função das relações efetivas dos indivíduos entre si, e admitindo 
com a pedagogia funcional que a educação moral está relacionada a 
toda “atividade” da criança, temos, sob o nosso domínio, um princí­
pio geral do qual as tentativas mais recentes da pedagogia européia 
têm-se limitado a diversificar as aplicações. Qualquer que seja o 
domínio em que se estenda a educação moral, o método ativo busca 
sempre: Io - não impor pela autoridade aquilo que a criança possa 
descobrir por si mesma; 2o - em conseqüência, criar um meio social 
especificamente infantil no qual a criança possa fazer as experiências 
desejadas. Vejamos alguns exemplos.
1 - ) A formação do caráter e o cultivo da 
bondade
É necessário citar sobre esse assunto a Liga da Bondade, bem 
conhecida aqui, pois a primeira referência sobre suas atividades foi 
apresentada, em 1912, no Congresso de Educação Moral de La Haya. 
Para fazer parte da Liga da Bondade, a criança se compromete, sim­
plesmente, a “perguntar, todas as manhãs, o que poderá fazer de bom 
durante o dia. À noite, deve dar-se conta do resultado de seus esfor­
ços e lembrar-se do bem que tenha desejado fazer ao seu redor”. Os 
resultados, quaisquer que sejam, tratem-se de vitórias ou de fracassos, 
são escritos numa folha não assinada, que a criança deposita numa 
caixa colocada em uma classe para esse fim. Essas anotações anôni­
mas são lidas na classe durante a aula de moral (extrato da circular 
francesa). O sucesso desse método tão simples tem sido surpreenden-
í
te e contrasta com a carência de benefícios dos métodos simplesmen­
te verbais. De onde vem esse sucesso? Em primeiro lugar, evidencia-
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 25
se que toda a atenção está colocada sobre a própria atividade da cri­
ança e não sobre o discurso. Os assuntos que servem de matéria para 
a reflexão moral não são episódios históricos ou fictícios, que o profes­
sor propõe arbitrariamente e que se mantêm exteriores aos interesses 
espontâneosdo aluno: são os próprios atos da criança. Em segundo 
lugar, pelo fato de haver uma “liga”, uma mutualidade é criada entre as 
crianças, e um foite empenho conjunto é, assim, desencadeado. Segu­
ramente, continua havendo o risco de que o professor se imponha em 
demasiado no decorrer da discussão e substitua o julgamento dos alu­
nos pelo seu. Mas, se há respeito às próprias crianças, o pedagogo 
inteligente poderá se omitir e deixar à classe uma autonomia suficiente
✓
para a organização das “ligas” e para a avaliação de seus membros. E 
assim, que, em muitos casos, são as próprias crianças que designam o 
titular do prêmio anual das “ligas”17. Essa flexibilidade permite, então, 
um livre progredir do self-government e da atividade da criança. Ou­
tro movimento bastante conhecido, de modo que não precisamos falar 
muito dele, deve seu imenso sucesso aos mesmos princípios da ativi­
dade e da mutualidade: é o escotismo. Limitemo-nos a destacar que 
essa admirável experiência de educação moral é instrutiva, isto do 
ponto de vista que temos adotado neste artigo. Sobre o conteúdo de 
sua “lei”, o escotismo não apresenta nada de muito novo. O apelo à 
honra para formar o caráter, à ajuda aos outros e o equilíbrio entre a 
saúde física e a saúde moral são os preceitos usados; quando Baden- 
Powell busca relatar, em seus escritos, os artigos de sua pedagogia 
moral não suplanta em quase nada os melhores autores sobre lições de 
moral. Mas, na prática, que psicologia18! A esse respeito, parece-nos 
que o central do escotismo é alcançar um equilíbrio mais flexível entre 
as duas morais da criança às quais temos procurado distinguir no de­
correr deste artigo. O respeito dos pequenos pelos mais velhos e des­
tes pelos chefes explica, essencialmente, porque os conselhos do edu-
17 Página 26 do manifesto francês.
58 Baden-Powell, Le Guide du chef éclaireur, trad. Carrard, Coll. Actual. Pédag. 
1921, p. 11.
26 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l
cador não caem em vão, mas adquirem um valor duplamente obrigató­
rio: Baden-Powell compreendeu muito bem não só que o exemplo é 
tudo na educação, mas também que as relações das pessoas entre si 
constituem a verdadeira fonte dos imperativos morais. Além disso, ele 
compreendeu, também, e este não é o seu mérito menor, que a moral 
do dever constitui-se apenas como uma etapa do desenvolvimento da 
consciência e que o respeito unilateral exige, por seus fins, ser mode­
rado pelo respeito mútuo, até o momento em que será definitivamente 
substituído por este. Essa é a razão pela qual o ideal do chefe dos 
escoteiros é ser um treinador e não um comandante: “O instrutor não 
deve ser nem um professor de escola, nem um oficial de tropa, nem 
um pastor, nem um monitor* ele deve ser ‘um homem-criança’, ele 
deve ter, em si, a alma de uma criança; ele deve colocar-se no mesmo 
plano daqueles de quem vai ocupar-se” 19. Ademais, entre o chefe 
adulto e o escoteiro-criança, toda uma hierarquia de intermediários 
provoca uma diluição da oposição entre o respeito unilateral e o mútuo 
e, em conseqüência, a assimilação progressiva da moral do dever à da 
cooperação e do bem. Por outro lado, constituindo a sociedade dos 
escoteiros uma grande fraternidade e, graças ao sistema de patrulhas, 
uma coleção orgânica de grupos fraternais, é evidente que há as me­
lhores condições para o desenvolvimento do respeito mútuo e da coo­
peração. Por fim, estando a manifestação da moral da colaboração 
autônoma ligada, na criança, à prática das regras dos jogos coletivos, 
nota-se que uma das instituições mais notáveis do escotismo é a de ter 
ligado a educação do caráter e do altruísmo a todo um sistema de 
jogos organizados.
2- ) Veracidade e objetividade
No que concerne a esse aspecto, de certo modo intelectual 
da vida moral, não se tem encontrado procedimento melhor d e .
19 Ver o livro de P. Bovet, Le Génie de Baden-Pawell, edit. Fórum.
Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 27
educação que os métodos de colaboração no trabalho dos quais 
falamos anteriormente. Tudo que sabemos atualmente da psico­
logia da criança parece demonstrar que o pensamento infantil não 
comporta espontaneamente nem a objetividade em geral, nem a 
veracidade. Com efeito, a função primitiva do pensamento é as­
segurar a satisfação dos desejos, mais que adaptar o eu à realida­
de objetiva; quando a adaptação sensório-motora não é suficiente 
para assegurar essa satisfação, o pensamento assume esse papel 
graças à imaginação e ao jogo. É pelos outros e em função de 
uma colaboração organizada que nós renunciamos à nossa fanta­
sia individual para ver a realidade tal qual ela é e para dar prima­
zia à veracidade sobre o jogo ou a mentira. Ora, a criança é natu­
ralmente egocêntrica e enquanto não tiver conseguido socializar 
seu pensamento, ela não compreenderá nem o valor da verdade 
nem a fortiori a obrigação da veracidade.
Como conduzir seu espírito aos valores da verdade? Os con­
selhos dos adultos e as melhores lições serão suficientes para se 
chegar a essa consciência? A experiência nos mostra o contrá­
rio: mesmo que a criança aceite os deveres relativos à veracida­
de e sinta-se culpada nos casos de infração às regras, ela não 
chega à incorporar em sua personalidade uma lei que não com­
preende internamente e continua a ser dominada pelas tendênci­
as naturais de sua mentalidade. Só a colaboração entre crianças 
e a prática da discussão organizada dão a cada um o significado 
da objetividade. Só a ação mútua faz a criança compreender o 
que a mentira é em realidade e qual o valor social da veracidade. 
E isso o que nós temos mostrado na análise das avaliações mo­
rais da criança a respeito da mentira: como já dissemos, na idade 
do respeito unilateral, o sujeito considera uma mentira, como mais 
culpável quanto mais inverossímil e como menos importante quando 
ocorre entre crianças, enquanto na idade da cooperação, a men­
tira é avaliada em função da intenção de enganar e mentir entre 
crianças; torna-se mais “feio” que fazê-lo aos adultos.
28 C in c o Es t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l
3- ) A educação das tendências instintivas
De modo geral, a educação do instinto sexual ou do instinto de 
agressão é evidentemente subordinado à educação moral geral. Quan­
to mais a eficácia de conselhos for imposta em uma educação pela 
autoridade, tanto mais ocorrerá a submissão da criança às suas incli­
nações, à raiva, à luta ou a seus maus costumes. Quanto mais acon­
tecer, de outro lado, a expansão da personalidade, graças à atividade 
coletiva dos alunos, mais haverá a capacidade de controle pessoal 
nos mesmos domínios. Portanto, não temos porque rever as vanta­
gens dos métodos ditos “ativos” aplicados a esses novos objetivos. O 
apelo dos escoteiros ao respeito mútuo e à honra pessoal, o compro­
misso em fazer o bem da Liga da Bondade e, sobretudo, os interes­
ses espontâneos tornados ação e as possibilidades de colaboração 
são de uma importância decisiva no que concorre ao domínio das 
tendências instintivas. Pode-se dizer que uma perturbação sexual na 
criança provém, quase sempre, do indivíduo não ter encontrado um 
ideal dominante ao qual consagrar-se; ao remediar isso, a educação 
ativa interessa, também, à educação sexual.
Mas as pesquisas psicológicas20 têm conduzido os pedagogos a 
entrever certos problemas específicos da educação dos instintos: des­
tacam-se, por exemplo, os que se originam na curiosidade sobre o 
nascimento, seja porque os pais enganaram as crianças, seja porque 
os colegas mal-intencionados tenham se antecipado às lições do adul­
to. Tem-se descrito os desvios da sexualidade infantil e, sobretudo, as 
repressões e distúrbios afetivos, resultantes de situações anormais. 
Para evitar esses perigos, têm sido propostas diversas soluções: a ini­
ciação precoce da criança pela família ou pela escola, uma informa­
ção biológica elementar dada desde o início da escolaridade etc. Infe­
lizmente, as obras públicas sobre

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