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2- ed iç ão * Casa do Psicólogo Cinco Estudos de Educação Mora J e a n Piaget M a r i a S u z a n a de Stefano Menin U l is s e s F e r r e i r a de A r a ú j o Yves de La Tai l le Lino de Mace do (Org.) P S IC O L O G IA E ED U C A Ç Á O Coleção dirigida por Lino de Macedo www.facebook.com/groups/livrosparadownload www.slideshare.net/jsfernandes/documents http://www.facebook.com/groups/livrosparadownload http://www.slideshare.net/jsfernandes/documents Cinco Estudos de Educação Moral P s i c o l o g i a e E d u c a ç ã o C o l e ç ã o d i r i g i d a p o r L i n o d e M a c e d o Cinco Estudos de Educação Moral 4 Jean Piaget Maria Suzana de Stefano Menin Ulisses Ferreira de Araújo Yves de La Taille Lino de Macedo (org.) Casa do Psicólogo® © 1996 Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda. É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores. I3 edição Í996 2- edição 1999 3- edição 2003 Editores Ingo Bemd Güntert e Silésia Delphino 1osi Produção Gráfica Renata Vieira Nunes Capa Yi/oí^ Macambira Editoração Eletrônica Angélica Gomes Borba Revisão Liitan Brazão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cinco estudos de educação moral / Jean Piaget ... (et ai); organizador Lino de Macedo. - São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. — (Coleção psicologia e educação) Outros autores: Maria Suzana de Stefano Menin, Ulisses Ferreira de Araújo, Yves de La Taile, Lino de Macedo. Bibliografia. ISBN 85 '85141 -67-0 1. Desenvolvimento moral 2. Educação moral 3. Psicologia educacional 4. Psicologia de desenvolvimento 5. Psicologia infantil I. Piaget, Jean. II. Menin, Maria Suzana de Stefano. III. Araújo, Ulisses Ferreira de. IV. Taille, Yves de La. V. Macedo, Lino de. V. Série. 96-1853___________________________________________ CDD-370.114 * Índices para catálogo sistemático: 1. Criança : Educação moral 370.114 2. Educação : Fundamentos éticos 370.114 3. Educação moral 370.114 Impresso no Brasil Printed in Brazil Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à Casa do Psicólogo® Livraria e Editora Ltda. ^ Rua Mourato Coelho, 1.059 - Vila Madalena - 05417-011 - São Paulo/SP - Brasil ® Tel.: (11) 3034.3600 — E-mail: casadopsicologo@casadopsicologo.com.br mailto:casadopsicologo@casadopsicologo.com.br Sumário Prefácio........................................................................................... VII Os procedimentos da educação moral.............................................. 1 Jean Piaget Desenvolvimento m oral.................................................................... 37 Maria Suzana de Stefano Menin 4 O ambiente escolar e o desenvolvimento do juízo moral infantil............................................................................ 103 Ulisses Ferreira de Araújo A educação moral: Kant e Piaget................................................... 135 Yves de La Taille O lugar dos erros nas leis ou nas regras.........................................177 Lino de Macedo Prefácio Sessenta anos separam o primeiro capítulo deste volume dos demais. Há, pois, uma distância temporal, interposta entre os anos de 1930, em que foi publicado o artigo de Jean Piaget, e a última década na qual as pesquisas e reflexões, que constituem a outra parte deste volume, foram realizadas. Essa diferença cronológica é acompanhada pela espacial que separa Genebra de São Paulo. Creio, entretanto, que se não fossem declaradas a data e a localização todos poderiam ser considerados contemporâneos e globais, dada a impressionante atualidade do artigo de Piaget, uma vez que a violência e o cinismo se alternam na luta contra a formação moral das novas gerações. Esse trabalho, datado de 1930, constou dos anais do Cinquième Congrès International d ’ Éducation Morale (Paris, ed. Alcan) e situa-se, na vida e obra de Piaget (nascido em 1896), no momento em que, muito jovem ainda, já assumira o posto de diretor de pesquisas {chef de travaux) na mais renomada instituição de estudos psicológicos e pedagógicos da época, o Institut Jean-Jacques Rousseau, do qual se torna co-diretor (com Bovet e Claparéde), em 1932. Antes, em 1929, fora nomeado diretor do Bureau International de L ’Éducation. Em sua autobiografia, Piaget declarou que um dos motivos de seu interesse por essa associação internacional era poder “contribuir para melhorar os métodos pedagógicos e para a adoção oficial de técnicas mais adaptadas à mentalidade infantil”. Referências autobio gráficas e o desenvolvimento dos trabalhos do pesquisador permitem reconhecer, na época, duas inclinações em suas atividades: de um vm P refácio lado, a psicopedagógica, da qual faz parte o artigo transcrito neste livro; e, de outro, a decidida e predominante inclinação epistemológi- ca, que conduziu o pesquisador ao grande desenvolvimento da psico logia genética. Sendo sua preocupação dominante, a psicogênese dos conhecimentos induziu-o à busca dos mecanismos de adaptação biológica e à análise da mais alta forma de adaptação humana que é o pensamento científico (The Essencial Piaget, Foreword, 1977), levando-o por conseqüência ao estudo do desenvolvimento da inteli gência. Antes de 1930, já havia publicado dois conjuntos de estudos sobre a lógica da criança, focalizando a linguagem e o pensamento, o julgamento e o raciocínio (1923/24), seguidos dos trabalhos sobre a representação do mundo e a causalidade física na criança (1926). Ao mesmo tempo, esse pesquisador interdisciplinar prosseguia, como naturalista, investigando moluscos nos lagos de Genebra. Evidenciando o interesse pedagógico, que vai acompanhar toda, a sua carreira, como uma trilha ao lado da larga estrada seguida por suas pesquisas epistemológicas, vários escritos as época expuseram suas idéias a respeito de educação intelectual e moral. Dentre estes, o que foi escolhido para participar desta seleção ocupa lugar especi al, porque no ano de 1932 foi editada a obra mais marcante de Piaget sobre o problema ético: O julgamento moral na criança. Em virtu de da data de publicação ser posterior à do artigo sobre procedimen tos da educação moral, entende-se que sejam contemporâneos, já que a temática de ambos se refere ao julgamento moral e à sua construção pela criança, que enfrenta na vida cotidiana conflitos en volvendo valores de natureza ética. Constitui um deles a parte expe rimental e teórica do problema e o outro - o pequeno artigo - o aspecto prático e educacional correspondente. O livro resultou de longa pesquisa, com vários colaboradores. Nele, o método clínico, típico dos trabalhos de Genebra, toma feição especial, que marcará a pesquisa subseqüente nessa área: pequenas histórias envolvendo conflitos de ordem moral são relatadas aos pequenos, em seguida convidados a dar suas opiniões e a emitir juízos de valor sobre os eventos. A observação de jogos infantis e o diálogo, que a seu res peito se estabelece entre os adultos e os participantes da brincadeira, C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l I X kão os outros caminhos que levaram Piaget à descoberta do modo pelo qual as crianças constroem ou reconstroem as regras e normas sociais e morais da sociedade em que vivem. Foi assim que o pesqui sador desenvolveu suas teses sobre o respeito unilateral da criança ao adulto e sobre o respeito mútuo que se desenvolve entre pares, chegando a esclarecer como as crianças esboçam seus julgamentos sobre os grandes problemas éticos da humanidade, como justiça, so lidariedade e veracidade. Do mesmo modo, investiga as noções de castigo e culpa e o lento esboçar das questões referentes à motiva ção e à intenção nos “crimes’1 infantis. Com base nas pesquisas e na discussão de idéias de outros pensadores, o psicólogo descobre o valor da solidariedade, da cooperação e do respeito mútuo, que vão constituirvalores essenciais numa educação moral, segundo a ótica de Piaget. Ao final da obra, refere-se à questão pedagógica, dizendo, entretanto, que a “pedagogia está longe de ser uma simples aplica ção do saber psicológico” e que cumpre aos especialistas em educa ção a pesquisa que esclareça a prática. Ora, a questão educacional é, precisamente, o tema do artigo que faz parte desta coletânea. Dele constam sugestões e não certe zas, já que nele Piaget reitera sua opinião acerca da necessidade da pesquisa pedagógica para pôr à prova suas hipóteses. Pequeno em número de páginas e aliviado de discussões teóricas, o artigo traz a público a proposta prática que o autor concebe, em pesquisas e teo rias referidas na obra maior, agora apenas mencionadas como pon tos de referência. Toma posição com relação aos fins de uma educa ção moral que pretende formar personalidades tão livres quanto res ponsáveis. Suas proposições parecem constituir o contraponto das dificuldades que as crianças manifestam em seus juízos morais. O artigo, é certo, não constitui apenas uma síntese ou uma aplicação da teoria à prática. Bem mais do que isso, é o levantamento de novos problemas e a elaboração de uma nova área de pesquisas referentes à educação moral, área essa até então entregue a normas e regras de caráter disciplinar, sem que se procurasse saber como a criança constrói ou reconstrói as suas exigências morais e quais os obstácu los que encontra para tanto. Também eram ignoradas as relações X P refácio dessas determinações adultas, com a inteligência e o sentimento da criança. Para o autor, a educação ético-social fica inserida na totali dade da vida infantil e paralela à educação intelectual. Algumas per guntas que emergem no decurso do estudo merecem atenção. Por exemplo: é possível ensinar a criança a ser livre por métodos coerci tivos? Ensinar respeito mútuo por meio de respeito unilateral? Note- se que a educação ética e social, para o autor, faz parte da vida total do sujeito, é paralela à educação intelectual e obedece ao mesmo princípio que esta, ou seja, não impor ao aluno o que ele pode desco brir por si mesmo. Há um mistério a decifrar na vida científica piagetiana. Por que, depois de demonstrar especial interesse pela educação, o autor de tão marcante contribuição ao problema da construção ética da personalidade reduziu suas intervenções sobre esse setor, embora continuando, durante longos anos, à frente do Bureau International de L *Éducationl Na verdade, ao enfrentar com todas as suas forças o problema epistemológico da construção das noções fundamentais que permitem à inteligência organizar o mundo e do funcionamento da mente, que reflete e coordena suas aquisições, Piaget estava, quanto à educação intelectual, fornecendo aos professores material relevante. Alguns trabalhos do autor exploram essas possibilidades. Contudo, também nesse campo, preferiu seguir o atalho estreito de uns poucos artigos e sugestões. Haveria para tanto alguma outra explicação, além da natural inclinação de um pesquisador? Fernando Vidai refere-se a problemas políticos enfrentados pelo Instituto J.J. Rousseau nessa época, que chega a perder seu nome emblemático, tornando-se o Instituto de Ciências da Educação da Universidade de Genebra (Vidal, L'Institut Rousseau au temps des passions, f Education et Recherche, 1/88, p. 61). O que ocorreu no decurso dos 60 anos que separam o artigo sobre os procedimentos da educação moral dos outros artigos deste volume? De modo gérai, as contribuições de Piaget, embora raras, demonstram que o assunto continuava incomodando. Aparecem junto a estudos de natureza sociológica ou pedagógica.Vamos encontrar um reavivamento do interesse pelo tema somente nos anos que se C in c o E s t u d o s dk E d u c a ç ã o M o r a i . XI « seguem à Segunda Guerra Mundial. Piaget rejeitara a idéia de estabe lecer estágios do desenvolvimento moral, mas Lawrence Kohlberg o faz, nos Estados Unidos. Trabalhando sobre o modelo piagetiano dos dilemas hipotéticos que devem ser julgados pelos sujeitos experimen tais, desde 1958, o autor constrói testes para a classificação de pesso as em níveis de desenvolvimento moral. Outros pesquisadores seguem essa linha de trabalho, que provoca amplas discussões acerca da signi ficação e universalidade das medidas de julgamento moral. Poucos foram os pesquisadores ligados aos trabalhos de Ge nebra que, como Ruth Nielsen (1951), abordam os problemas da sociedade infantil, tema que oferece muita afinidade com as ques tões do desenvolvimento moral. Dentre nós, o trabalho de Duri ei Cavicchia, defendido como tese de doutorado em 1973, foi reali zado quando também pesquisadores europeus o faziam (Perret- Clermont, Doise, Mugny, dentre outros). O desenvolvimento social da inteligência foi a via nova que veio ao encontro dos estudos ético-pedagógicos. Quando, nos anos 1970, há uma convergência desses problemas, procura-se também deixar clara a distinção básica entre o julgamento moral e o comportamento moral, o juízo e a realidade. Quanto mais se conhecer sobre o primeiro, melhor se poderá tratar do segundo, e sobretudo de sua orientação, como problema pedagógico; mas eles não devem ser confundidos. Piaget, que em sua obra maior não tivera por objetivo a questão do com portamento moral, no artigo aqui publicado abre a discussão so bre a responsabilidade da escola e da família, e inaugura um novo modo de encarar a velha e ineficiente educação moral feita por discursos e exortações, punições e recompensas. A moral, de algo suposto e exterior colocado como um verniz no comportamento da criança, torna-se nesse modo de ver, algo interiorizado e pre sente em toda a vida do indivíduo. Piaget entendia que as chama das virtudes morais, como a veracidade, a solidariedade e a res ponsabilidade, dentre outras, não são ensinadas por transmissão verbal, mas construídas ativamente no decurso da infância e ado lescência. Para que se pudesse conhecer como se dá essa cons trução, como facilitá-la e afastar dela os obstáculos, havia todo Xil P refácio um mundo desconhecido e camuflado de comportamento moral aparente, que deveria ser desvendado. Piaget havia acenado, para o pesquisador, com a formulação de novos problemas e havia en contrado uma explicação para a “caixa de Pandora” dos males m orais, nas suas argum entações sobre o egocentrism o, a heteronomia e os seus inversos, a solidariedade, a autonomia. Como no caso do mito grego, ficava ao fundo da “caixa” a esperança - a esperança de que outros especialistas continuassem no cami nho da busca. Somente a partir dos anos 1970 que essas contri buições começam a ser encontradas. Os artigos que os leitores vão encontrar neste livro representam uma amostra das pesquisas de professores universitários das três universidades estaduais paulistas que buscam desvendar aspectos relevantes do problema do desenvolvimento e da educação moral. Do mais experiente ao mais jovem, possuem em comum a competência comprovada na pesquisa em psicologia genética e em psicopedagogia. Seu potencial e sua exigência têm-se multiplicado nas muitas situações em que a cooperação, o trabalho em comum, a discussão e o diálogo os tem reunido, muito piagetianamente. Não é difícil a quem os lê discernir suas raízes no livro O Juízo Moral na Educação e no artigo Os Procedimentos da Educação Moral (ver cap. I), que Piaget publicou na década de 30, bem como em outros trabalhos da / mesma linha que constituem seus interlocutores. E fácil também reconhecer sua contemporaneidade, o largo caminho percorrido pela abertura de novas indagações, pelo comprometimento com problemas atuais e nacionais, e a agilidade metodológica que exemplificam. Construindo o saber, nessa área em que ainda existem escassas certezao e muitas dúvidas, demonstram uma séria inquietação intelectual na busca de melhor qualidade da vida moral do homem. Os artigos representam quatro experiências diferenciadas,duas das quais, embora constantemente referidas à pesquisa, dialogam com as reflexões de outros pensadores, num curioso ritmo de ida e volta, como que a testar o que já se pensou diante do que a investiga ção revelou, aferindo e duvidando para poder concluir. Assim faz Yves de La Taille quando confronta Piaget e Kant, num terreno em C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l X I I I que não é aquele que notabilizou um ou outro: o pedagógico. Refletir sobre as idéias de Kant, da perspectiva piagetiana, é o desafio que enfrenta e que lhe permite repensar o ideal kantiano do dever, perante a idéia construtivista de Piaget. O autor coloca, com especial sensi bilidade, o problema da dupla natureza dos sentimentos morais, nem apenas cognitivos, nem totalmente afetivos. Lino de Macedo destaca alguns conceitos ainda não totalmente esclarecidos, já que são constantemente refletidos, quando se trata de julgamento moral. Indagando sobre as diferentes espécies de lei e de regra, procura discernir seu preciso significado no campo da moralidade. De modo original, trabalha a questão do lugar do erro nas leis e regras, conduzindo a discussão até o problema magno da veracidade. Atentem os leitores para a segura interpretação que dá à idéia piagetiana do respeito, na qual distingue uma interpretação genética de outra não-genética. Tenho especial admiração pelas pesquisas realizadas na esco la. São difíceis e dependem de grande discrição, clareza de propó sitos e receptividade. Suzana Menin e Ulisses Araújo relatam ex periências desse tipo, nas quais interrogam crianças e docentes, coordenam dados, percebem tendências e comparam informações, para encontrar respostas a suas indagações. Voltando dessas ex pedições exploratórias, trazem tanto esclarecimentos e conheci mentos novos, quanto novos problemas, que tecem o futuro da in vestigação psicopedagógica. Suzana Menin oferece-nos deliciosas e francas apreciações dos alunos sobre as regras da escola e seus dolorosos conflitos, quando devem escolher entre a norma do adul to e a solidariedade entre colegas. Ulisses Araújo recorre a dife rentes técnicas de coleta de dados para verificar como o compor tamento moral do aluno é afetado pelo clima social da escola. Os estados aqui reunidos falam do que se pode chamar de cultura moral ou, talvez, da moral de nossa cultura, levando- nos a perguntar qual a sua relação com os valores éticos universais. Apesar do número crescente dos trabalhos sobre desenvolvimento sociomoral, poucos são os que apresentam o interesse peculiar, no diálogo entre a teoria e a realidade cotidiana XIV P refácio dos escolares brasileiros. Não obstante, toda a prudência com a qual é tratada a relação entre o julgamento moral e o comportamento efetivo de crianças, o problema emerge sempre, já que pode constituir o fundamento de uma educação moral. Sobram perguntas, para a continuidade desse filão de pesquisas por tanto tempo ignorado. Por exemplo: qual a relação entre o tipo de educação moral à qual foi submetida a atual geração e o efetivo comportamento anti-social de tão grande parte da população? Onde estarão as sementes de violência que afetam a sociedade atual? Onde estarão as raízes da indiferença de tantos diante da marginalização e da exclusão de múltiplos grupos de seres humanos, privados de uma vida digna? Trabalhos como os que constam deste volume poderão trazer importante propostas para a solução de tais problemas. A esperança de uma educação moral em novos moldes não pode limitar-se apenas aos projetos piagetianos de 60 anos atrás, já que os próprios problemas se exacerbaram e evoluíram. Com a releitura que dele fizeram os pesquisadores de hoje, que vêm aprofundando e diversificando os estudos do problema, os educadores podem esperar um salto à frente, recuperando o tempo perdido. A humanidade precisa muito de uma nova geração capaz de pensar sentir e agir de modo solidário, justo e honesto. São Paulo, maio de 1996. Amélia Domingues de Castro Os Procedimentos da Educação Moral 1 Jean Piaget Tradução de Maria Suzana de Stefano Menin Os procedimentos da educação moral podem ser classifica dos sob diferentes pontos de vista. Primeiramente, do ponto de vista dos fins perseguidos: é evidente que os métodos serão muito dife rentes se desejarmos formar uma personalidade livre ou um indiví duo submetido ao conformismo do grupo social a que ele pertence. Verdade é que aqui não temos de tratar dos fins de educação moral, mas somos forçados para classificar os procedimentos a distinguir aqueles que favorecem a autonomia da consciência e aqueles que conduzem ao resultado inverso. Em segundo lugar, podemos consi derar o ponto de vista das próprias técnicas: se queremos alcançar a autonomia da consciência, podemos perguntar se um ensinamento I oral da moral - uma “lição de moral” - é tão eficaz como supõe Durkheim, por exemplo, ou se uma pedagogia inteiramente “ativa” é necessária para este fim. Para um mesmo fim podem ser concebí veis diferentes técnicas. Em terceiro lugar, podemos classificar os * V Congresso Internacional de Educação Moral, Paris, 1930 2 C in c o Es t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l procedimentos de educação moral em função do domínio moral con siderado: um procedimento excelente para desenvolver a veracida de, a sinceridade e as virtudes que podemos chamar intelectuais, é bom, também, para a educação da responsabilidade ou do caráter? Classificando o conjunto de procedimentos de educação moral sob três pontos de vista e construindo, assim, uma tabela de tripla en trada, nós corremos o risco de cairmos num caos. Não existe alguma divisão mais simples, algum princípio que nos permita a orientação simultânea para os fins, as técnicas e os domínios? Nós acreditamos que sim, mas sob a condição de partirmos primeiramente da própria criança e de aclarar a pedagogia moral por meio da psicologia da mo ral infantil. Quaisquer que sejam os fins que se proponha alcançar, quaisquer que sejam as técnicas que se decida adotar e quaisquer que sejam os domínios sob os quais se aplique essas técnicas, a questão primordial é a de saber quais são as disponibilidades da criança. Sem uma psicologia precisa das relações das crianças entre si e delas com os adultos, toda a discussão sobre os procedimentos de educação mo ral resulta estéril. Conseqüentemente, impõe-se um rápido exame dos dados psicológicos atuais. Isso nos permitirá, ademais, classificar sem dificuldade os procedimentos em função de seus fins. I. Os dados psicológicos e os fins da educação moral Há uma proposição sobre a qual todos os psicólogos e todos os educadores estão seguramente de acordo: nenhuma realidade moral é completamente inata. O que é dado pela constituição psicobiológica do indivíduo como tal são as disposições, as tendên cias afetivas e ativas: a simpatia e o medo - componentes do “res peito” - , as raízes instintivas da sociabilidade da subordinação, da imitação etc., e sobretudo certa capacidade indefinida de afeição, que permitirá a criança amar um ideal como amar a seus pais e, tender ao bem como à sociedade de seus semelhantes. Mas, deixadas Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 3 livres, essas forças puramente inatas permaneceriam anárquicas: fonte dos piores excessos como de todos os desenvolvimentos, a natureza psicológica do indivíduo como tal permanece neutra do ponto de vista moral. Para que as realidades morais se constituam é necessário uma disciplina normativa, e para que essa disciplina se constitua é necessário que os indivíduos estabeleçam relações uns com os outros. Que as nor mas morais sejam consideradas impostas, a priori, ao espírito ou que nos atenhamos aos dados empíricos, é sempre verdade, do ponto de vista da experiência psicopedagógica, que é nas relações interindi viduais que as normas se desenvolvem: são as relações que se constituem entre a criança e o adultoou entre ela e seus semelhantes que a levarão a tomar consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa realidade normativa na qual a moral consiste. Não há, portanto, moral sem sua educação moral, “educação” no sentido amplo do termo, que se sobre põe à constituição inata do indivíduo. V Somente - e é aqui que se coloca finalmente a questão dos proce dimentos da educação moral - na medida em que a elaboração das reali dades espirituais depende das relações que o indivíduo tem com seus se melhantes, não há uma única moral e nem haverá tantos tipos de reações morais quanto as formas de relações sociais ou interindi viduais que ocor rerem entre a criança e seu meio ambiente. Por exemplo, a pressão exclu siva do adulto sobre a alma infantil conduz a resultados muito diversos que a livre cooperação entre crianças e, dependendo de como a educação moral emprega uma ou outra dessas técnicas, ela moldará as consciências e determinará comportamentos de modos diferentes. Ora, ao nos referirmos a um conjunto de pesquisas, das quais utilizaremos especialmente as dos sociólogos - de Durkheim e de sua escola, em particular - e dos psicólogos da infância - os trabalhos de Bovet e as experiências ainda inéditas que esses trabalhos nos têm su gerido1 cremos que podemos afirmar que existe entre as crianças, senão no geral, duas “morais”, isto é, duas maneiras de sentir e de se 1 O resultado dessas experiências aparece na obra intitulada O julgamento moral na criança. 4 C in c o E s t u d o s d e E d u c a ç ã o M o r a l conduzir que resultam da pressão no espírito da criança de dois tipos fundamentais de relações interindividuais. Essas duas morais que se combinam entre si, mais ou menos intimamente, ao menos em nos sas sociedades civilizadas, são muito distintas durante a infância e se ✓ reconciliam mais tarde, no curso da adolescência. E essa análise desse dado essencial que nos parece indispensável para a classifica ção e o estudo dos diversos procedimentos de educação moral. Admitimos, juntamente a quase todos os estudiosos da mo ral, que o respeito constitui o sentimento fundamental que possibili ta a aquisição das noções morais. Duas condições, nos diz M. Bovet2, são necessárias e suficientes para que se desenvolva a consciên cia de obrigação: em primeiro lugar, que um indivíduo dê conselhos a outro e, em segundo -lugar, que esse outro respeite aquele de quem emanam os conselhos. Dito de outro modo, é suficiente que a criança respeite seus pais ou professores para que os conselhos prescritos por esses sejam aceitos por ela, e mesmo sentidos como obrigatórios. Enquanto Kant vê no respeito um resultado de lei e Durkheim um reflexo da sociedade; Bovet mostra, pelo contrário, que o respeito pelas pessoas constitui um fato primário e que mes mo a lei dele deriva. Esse resultado, essencial para a educação moral, posto que conduz de uma só vez a situar as relações de indivíduo a indivíduo acima de não importar qual ensinamento oral e teórico, parece confirmar tudo o que sabemos sobre a psicologia moral infantil. Porém, se o fenômeno do respeito apresenta assim uma inegável unidade funcional, pode-se, por abstração, distinguir-se ao menos dois tipos de respeito (o segundo constituindo-se como um caso limite do primeiro). Em primeiro lugar, há o respeito que chamaremos unilateral, porque ele implica uma desigualdade en tre aquele que respeita e aquele que é respeitado: é o respeito do pequeno pelo grande, da criança pelo adulto, do caçula pelo irmão mais velho. Esse respeito, o único em que normalmente se pensa e 2 P. Bovet: Les conditions de L'obligation de consciece , Année psych., 1912. Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 5 no qual Bovet tem insistido muito especialmente, implica uma coa ção inevitável do superior sobre o inferior; é, pois, característico de uma primeira forma de relação social, que nós chamaremos de re lação de coação. Mas existe, em segundo lugar, o respeito que podemos qualificar de mútuo, porque os indivíduos que estão em contato se consideram como iguais e se respeitam reciprocamente. Esse respeito não implica, assim, nenhuma coação e caracteriza um segundo tipo de relação social, que nós chamaremos relação de cooperação. Essa cooperação constitui o essencial das rela ções entre crianças ou entre adolescentes num jogo regulamenta do, numa organização de self-government ou numa discussão sin cera e bem conduzida. São esses dois tipos de respeito que nos parecem explicar a existência de duas morais cuja oposição se observa sem cessar nas crianças. De modo geral, pode-se afirmar que o respeito unilateral, fazendo par com a relação de coação moral, conduz, como Bovet bem notou, a um resultado específico que é o sentimento de dever. Mas o dever primitivo assim resultante da pressão do adulto sobre a criança permanece essencialmente heterônomo. Ao contrário, a moral resul tante do respeito mútuo e das relações de cooperação pode caracteri- zar-se por um sentimento diferente, o sentimento do bem, mais interior à consciênci a e, então, o ideal da reciprocidade tende a tomar-se intei ramente autônomo. Tomemos alguns exemplos dessas oposições, a começar pela submissão às regras, esse espírito de disciplina no qual Durkheim vê o primeiro elemento da moralidade. Quando se estuda de perto, pela observação sistemática dos jogos espontâneos ou por ques tionamentos sobre a consciência da regra, a maneira como as crianças de diferentes idades se submetem a uma disciplina tal como a da regra do jogo; não se pode deixar de notar a diferença de reação dos peque nos e dos mais velhos. Os pequenos, de cinco a oito anos mais ou menos, aceitam a regra dos mais velhos por respeito unilateral e a assimilam a um dever prescrito pelo próprio adulto: eles a consideram imutável e sagrada. No entanto, impondo-se assim às consciências, a 6 C in c o Es t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l regra permanece exterior a elas e é, de fato, muito mal observada. Os mais velhos, ao contrário, fazem eles mesmos a regra por cooperação e a observam, graças ao respeito mútuo: essa regra autônoma vem participar de suas personalidades e é seguida cuidadosamente. Do mes mo modo, existem deveres impostos pelos adultos que, embora apare çam como tais, permanecem sem sentido: a regra de não mentir, mes mo que respeitada pela consciência dos pequenos, não é efetivamente observada em seu comportamento. No momento em que esta mesma regra intervém como condição de cooperação, isto é, quando as crian ças a praticam entre si, não somente ela é mais bem compreendida como verdadeiramente aplicada. Há, então, dois tipos de regras que acompanham os dois respeitos: a regra exterior ou heterônoma e a regra interior; somente a segunda conduz a uma real transformação do comportamento espontâneo. Em segundo lugar, os efeitos do respeito unilateral e do res peito mútuo são muito diferentes no que concerne à personalida de. A coação adulta, como testemunham os exemplos aos quais nos referimos, não é, por si mesmo, capaz de reprimir o egocentrismo infantil. A submissão, mesmo que interior, a este Deus que é o adulto e a fantasia anárquica do eu não são tão contraditórias quanto aparentam: de fato, anomia e heteronomia podem acomodar-se entre si. Quantas crianças nos disseram que é permitido mentir quando isso não é percebido! Ao contrário, a cooperação conduz a consti tuição da verdadeira personalidade, isto é, a submissão efetiva do eu às regras reconhecidas como boas. A personalidade e a auto nomia implicam-se, assim, uma a outra, enquanto egocentrismo e heteronomia coexistem sem se anular. Em terceiro lugar, do ponto de vista da responsabilidade a opo sição permanece muito clara. Ao fazer as crianças avaliarem um cer to número de relatos de mentiras, roubos e transgressões, temos en contrado o que se segue. Na medida em que as regras de não mentir e de não roubar permanecem como imposiçõespelo adulto e aceitas por respeito unilateral, as mentiras e os roubos são avaliados de um ponto de vista inteiramente realista, ou como dizem os juristas, inteiramente Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 7 “objetivo”: a mentira mais grave é a mais inverossímil, a que mais nos custa crer, a menos “má” é a menos aparente; o roubo mais grave é o de objeto mais custoso etc. A intenção não desempenha nenhum pa pel: o ato material, ou melhor, a própria materialidade da desobediência à regra é tudo. Ao contrário, quando há cooperação, há responsabili dade subjetiva e julgamento em função das intenções. Os dois tipos de moral que se evidenciam na história da moral e que têm sido tão bem estudados por P. Fauconnet3 se encontram, assim, na criança e cons tituem o primeiro, sinal da exterioridade ineficaz da relação de coação e o segundo, sinal da interiorização própria do respeito mútuo e da cooperação. No campo da justiça , as mesmas reflexões podem ser fei tas. Na medida em que o respeito unilateral predomina sobre o respeito mútuo, a autoridade predomina sobre a justiça. Certamente, o adulto pode ser justo com a criança e, assim, seu exemplo se tornará lei como princípio de justiça. No entanto, pode ocorrer que suas decisões entrem em conflito com a igualdade das crian ças entre si (quando se pede mais trabalho a uns que a outros etc.). Neste último caso, os pequenos dão, invariavelmente, razão ao adulto: é justo o que está de acordo com as regras recebidas. Pelo contrário, depois dos sete-oito anos, a vida social entre cri anças firma-se e regulamenta-se cada vez mais, a necessidade de igualdade se estabelece com força crescente. A adesão aos grupos e a cooperação se convertem em fatores de igualitarismo. A partir daí, a criança colocará a justiça acima da autoridade e a solidariedade acima da obediência. Parece-nos que as noções referentes à justiça distributiva constituem-se, assim, à margem da influência do adulto e, às vezes, às expensas desse. Quando à justiça retributiva ou à noção de sanção, mostra remos ainda, para terminar nossa exposição sobre os domínios psi cológicos do problema, o quanto a reação da criança é diferente quando dominada pelo respeito unilateral ou pelo respeito mútuo. A P. Fauconnet: La responsabilité, Paris, Alcan. 8 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l coação do adulto é a origem, senão única, a principal noção de sanção expiatória. O único meio de impor uma regra exterior à consciência de um indivíduo é, com efeito, sancioná-la, seja pela censura ou por esses símbolos materiais da censura que são os castigos. Ora, como a criança respeita o adulto, essa reação lhe parece como normal e necessária: toda falta implica, assim, uma censura e uma dor; estes constituem a conseqüência obrigatória da desobediência. Ao contrário, a infração às regras da cooperação e do respeito mútuo não provoca outra conseqüência que a supres são momentânea dos laços de solidariedade. Há, então, dois tipos de sanções ditas naturais, elas implicam sempre uma relação social e encaixam-se, portanto, nas categorias precedentes. Ora, quando possibilitamos às crianças as escolhas de castigos para faltas que lhes relatamos, nós observamos uma reação relativamente clara: os pequenos, na medida em que são dominados pelo respeito unila teral, optam todos pela expiação e são muito duros nos modos de castigar; enquanto os mais velhos consideram como mais justas as simples medidas de reciprocidade. Pode-se dizer, com Foerster4, que a criança reclama a expiação. Mas deve-se considerar que isto assim ocorre somente enquanto a criança é dominada por cer to tipo de relação social que a une ao adulto e que, na medida em que se aproxima do ideal de cooperação e do self-government, precisamente preconizado por este autor, a criança separa-se da sanção expiatória para voltar-se à pura reciprocidade. Em suma, não há exagero em se falar de duas morais que coexistem na criança e que as características de heteronomia e da autonomia conduzem a avaliações e comportamentos muito dife rentes. Antes de considerarmos os fins da educação moral desta camos, ainda, que essas duas morais se encontram igualmente no adulto, porém essa dualidade é verificada desde que enfoquemos a totalidade das sociedades atualmente conhecidas, graças à socio logia e à história. A moral da heteronomia e do respeito unilateral F. W. Foerster. Schuld und Sühne, München, 1920. Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 9 parece corresponder à moral das prescrições e das interdições ri tuais (tabus), próprias das sociedades ditas “primitivas”, nas quais o respeito aos costumes encarnados nos anciões prima sobre toda manifestação da personalidade. A moral da cooperação, ao con trário, é um produto relativamente recente da diferenciação social e do individualismo que resulta do tipo “civilizado” de solidarieda de. Em nossas sociedades, conseqüentemente, o próprio conteúdo da moral é, em síntese, o da cooperação. Dito de outro modo, as regras prescritas, mesmo que na forma de deveres categóricos e de imperativos de motivos religiosos, não contêm, a título de “maté ria”, mais que o ideal de justiça e de reciprocidade próprios à moral do respeito mútuo. Somente cada um, tendo em vista a educação que recebeu, pode, no que concerne à “forma”, diferen ciar o sentimento de dever do livre consentimento próprio do senti mento do bem. No que concerne ao fim da educação moral, podemos, pois, por uma legítima abstração, considerar que é o de constituir personalida des autônomas, aptas à cooperação; se desejarmos, ao contrário, fa zer da criança um ser submisso durante toda a sua existência à coação exterior, qualquer que seja ela, será suficiente todo o contrário do que dissemos. Não temos que discutir aqui os fins da educação moral, mas somente classificá-los, para saber a que resultados conduzem os dife rentes procedimentos pedagógicos que agora vamos estudar. Pela mesma razão, não temos aqui que nos posicionar entre uma moral religiosa e uma moral laica: tanto numa como noutra se encontram traços pertencentes à moral do respeito unilateral e outros pertencen tes à moral da cooperação. Só difere a “motivação”. Propomo-nos, assim, a situar a discussão sobre um terreno suficientemente objetivo e psicológico para qualquer um, sejam quais forem os fins a que se propõe, possa utilizar nossa análise. Dito isso, o problema é o seguinte: entre os procedimentos em curso na educação moral, uns apelam somente para recursos própri os do respeito unilateral e da coação do adulto, outros apelam so- 10 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l mente para a cooperação entre crianças e outros. Enfim, utilizam em graus variados esses dois tipos de mecanismos. Todos, segundo o que acabamos de ver, repousam sobre as realidades profundas da alma infantil, de tal modo que podemos considerá-los como igual mente bons. No entanto, longe de se apresentarem sob a forma de uma síntese harmoniosa, os diversos componentes da moralidade da criança aparecem-nos, ao contrário, como em oposição de uns aos outros: há duas morais na criança e duas morais cujos conflitos eclodem quando a vida ou a reflexão psicológica lhes dá ocasião de se manifestarem. Se o fim da educação é o de constituir personalida des aptas à cooperação, podemos, como se vê em geral, utilizar indi ferentemente uma ou outra das duas tendências fundamentais de moral infantil e utilizalá-las nas mesmas idades? Ou será necessário utilizá-las sucessivamente, ou, ainda, fazer prevalecer uma sobre a outra? Isso é o que vamos investigar agora, analisando os procedimentos de educação moral: primeiramente sob o ponto de vista da técnica geral posta em prática e, em seguida, do ponto de vista dos diferentes domínios que habitualmente distinguimos. \ II. As técnicas gerais da educação moral Ao se estudar os procedimentos de educação doponto de vista de suas técnicas gerais, pode-se considerar três aspectos dis tintos: conforme sejam fundamentados sobre tal ou qual tipo de respeito ou relações interindividuais, conforme eles recorrem ou não à própria ação da criança. a) Autoridade e liberdade O procedimento mais conhecido de educação moral é aquele que recorre exclusivamente ao respeito unilateral; o adulto impõe suas regras e as faz observar graças a uma coação espiritual ou em ' parte material. Comum na pedagogia familiar, embora dificilmente Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l único, esse procedimento encontra sua aplicação mais sistemática no domínio da disciplina escolar tradicional. Que se apóie sobre uma moral religiosa ou sobre uma moral laica, o procedimento é o mesmo: para a criança, com efeito, pouco importa que as regras emanem de Deus, dos pais ou dos adultos em geral, se elas são recebidas de fora e impostas de uma vez por todas. Podemos citar como modelo de pedagogia moral fundada na autoridade a bela obra póstuma de Durkheim: A Educação Moral. Esse livro é particularmente instrutivo porque é em nome de preocupa ções puramente científicas (sociológicas) que o autor procura des crever uma pedagogia geralmente combatida pelos homens de ciên cia e, em segundo lugar, porque o que Durkheim pretende formar são personalidades livres e autônomas; ele quer chegar à moral da cooperação por meio da autoridade. Como a tese de Durkheim é muito representativa de nossa educação moral tradicional na Euro pa, convém que a discutamos em detalhes. Três elementos principais constituem a moralidade, segundo Durkheim. Primeiramente, o espírito de disciplina: a moral é um sis tema de regras que se impõem à consciência e deve-se habituar a criança a respeitá-las. Em segundo lugar, a ligação aos grupos soci ais: a moral implica o elo social e deve-se cultivar a solidariedade nas crianças. Finalmente, a autonomia da vontade. Porém, como a regra se impõe ao indivíduo sob a pressão dos grupos, ser autônomo signi fica não libertar-se dessa pressão dos grupos, mas compreender sua necessidade de aceitá-la livremente. Como satisfazer a essas três exigências na pedagogia escolar? No que concerne à disciplina, Durkheim pretende recorrer, somente, à autoridade do professor e às regras da escola enquanto * uma instituição adulta. E necessário que a criança sinta uma vonta de que lhe seja superior e é necessário que cada uma das ativida des seja limitada e canalizada por esse sistema de prescrições e interdições que são as regras escolares. É necessário, além disso, que por intermédio do professor só a lei seja respeitada, e toda disciplina deve tender a esse culto da lei como tal. Daí a necessida de dos castigos escolares, constituindo a sanção a maneira tangível 12 C in c o E s t u d o s d e E d u c a ç ã o M o r a l de acentuar a repreensão, tendo esta, por sua vez, a função de conservar e de reforçar o respeito à lei. Quanto à adesão aos gru pos e à autonomia, Durkheim conta, para constituí-las, com um ensino puramente oral; um ensino fundado, igualmente, no respeito ao adulto. Uma vez que a criança tenha sentido, graças a seu altru ísmo espontâneo e à disciplina adquirida, a unidade e a coerência das sociedades que são a escola e a família, lições apropriadas a conduzirão a descobrir a existência de grupos maiores aos quais deverá se adaptar: a cidade e a nação e, enfim, a própria humani dade. Por outro lado, a autonomia se adquire graças a um ensino que faz a criança compreender a natureza da sociedade e o porquê das regras morais. Sem entrar na d iscussão das teses socio lógicas de Durkheim e simplesmente considerando seu livro representativo de uma pedagogia de autoridade tão largamente divulgada na Europa, podemos fazer as observações que se seguem. De um lado, a educação moral, fundada sobre o respeito exclusivo ao adulto ou às regras adultas, desconhece esse dado essencial da psicologia de que existe na criança não uma, mas duas morais presentes; assim, os procedimentos educativos fundados somente no respeito unilateral negligenciam a metade, e não a menos importante, dos profundos recursos da alma infantil. De outro lado, parece ignorar-se que a moral adulta civilizada, precisa mente a das sociedades às quais se procura adaptar a criança, assemelha-se muito mais à moral das crianças entre si (a moral do respeito mútuo e da cooperação) que à moral da autoridade a qual se recorre para forçar o espírito da criança. Pode-se per guntar, então, se não será um erro confundir uma única noção de respeito à regra com duas coisas tão distintas como a coação unilateral e a livre cooperação dos espíritos autônomos. No que concerne à disciplina, por exemplo, há não somente um, mas dois tipos de regras: a regra exterior, aceita pelo respeito unila teral; e a regra interior, devida ao acordo mútuo. Ora, a obser vação psicológica mostra, cremos nós, o quanto a segunda é a mais Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a i , 13 eficaz: a criança considera, é verdade, a primeira como sagrada e intangível, mas não a aplica como à segunda, isto é, com sua perso nalidade por inteiro. Além disso, a segunda não se deriva diretamen te da primeira. Ela supõe um conjunto de condições funcionais, toda uma atmosfera de atividade e de interesse que só o self-government pode realizar. Quanto à adesão aos grupos e à autonomia, pode-se crer, em realidade, que a palavra do professor, mesmo que respeita da, possa valer mais por si mesma que a experiência verdadeira? Quem será o melhor cidadão ou o espírito mais racional e moralmente livre? Aquele que tenha ouvido falar, mesmo que com entusiasmo, da pátria e das realidades espirituais, ou aquele que tenha vivido em uma república escolar o respeito à solidariedade e a necessidade da lei? Não nos é permitido hoje resolver esta questão sem consultarmos a experiência, e esta nos parece realizada. Recordemos, simplesmente, a título de exemplo, o livro de um autor tão próximo de Durkheim por sua maneira de sentir a vida moral, o respeito à autoridade e a neces sidade de sanções expiatórias, mas cuja experiência pedagógica lhe tenha conduzido a se juntar ao self-government: o livro tão conhecido de E W. Foerster, A escola e o caráter. Em um outro extremo da pedagogia moral clássica difundida por Durkheim, vemos nos trabalhos de certas escolas experimentais um procedimento fundado na liberdade absoluta da criança: nenhu ma coação adulta de qualquer modo que seja, nenhuma indicação sobre a maneira de conduzir-se junto aos seus iguais ou com as pes soas mais velhas5. Infelizmente, não conhecemos documentos publi cados suficientemente completos para responder ao problema es sencial que semelhante tentativa coloca: na ausência de toda relação de respeito unilateral, a criança, mesmo de 3 a 4 anos, em presença somente de seus semelhantes, chegará por si mesma ao respeito mútuo e à cooperação? Chegará a constituir uma moral e esta será 5 Nós podemos citar o ensaio da Mailing House em Cambridge, cujos resultados serão discutidos numa importante obra que S. ísaacs prepara e, também, num artigo em que Pykc trabalha. 14 C in c o E s t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l adaptada a essa nossa sociedade adulta? Somos obrigados a dei xar essa questão em aberto. Porém, podemos perguntar: o res peito unilateral não representará um papel útil e necessário na medida em que for espontâneo? Ora, ele é inegavelmente es pontâneo nos pequenos, em particular na família, e sobre esse ponto os trabalhos de P. Bovet nos parecem decisivos. Se colo carmos em dúvida o valor dos procedimentos que consistem em imposições durante toda a infância e adolescência, sentimo-nos céticos perante a tentativa inversa. Quando se constata o tempo que a humanidade tomou simplesmente para dar lugar à livre cooperação ao lado da coação social, podemos nos perguntar se não é queimar etapas quererconstituir na criança uma moral do respeito mútuo antes de toda moral unilateral. O puro dever não esgota a vida moral. Mas não é necessário conhecê-lo para com preender plenamente o valor desse livre ideal que é o Bem? O respeito mútuo é uma espécie de forma limite de equilíbrio para a qual tende o respeito unilateral, e pais e professores devem fazer tudo o que for possível, segundo cremos, para converte rem-se em colaboradores iguais à criança. Cremos, no entanto, que essa possibilidade depende da própria criança, e pensamos que durante os primeiros anos um elemento de autoridade fatal mente se mescla às relações que unem as crianças aos adultos. A verdade nos parece estar entre e consiste em não negligen ciar nem o respeito mútuo nem o respeito unilateral, fontes essenci ais da vida moral infantil. É o que buscam os procedimentos “ativos” de educação dos quais falaremos adiante. Mas, antes disso, devemos ainda discutir o problema do ensino verbal da moralidade. b) Os procedimentos verbais de educação moral Do mesmo modo que a escola em geral, há séculos, pensa ser suficiente falar à criança para instruí-la e formar seu pensamento, os moralistas contam com o discurso para educar a consciência. Pode-se, na verdade, distinguir um grande número de variações do ensino da Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 15 moral pela palavra, do mais verbal ao mais “ativo”, isto é, do mais im pregnado de coação espiritual adulta ao mais direto e próximo da crian ça. Há, primeiramente, a “lição moral” tal qual se pratica na França, conforme um programa sistemático, abarcando os principais aspectos da prática moral6. Há, em seguida, as conversações morais sob forma de relatos, de comentários sobre os grandes e pequenos exemplos histó ricos ou literários etc. Devemos citar, em particular, o método Gould, assim como os seguidos entre F. W. Foerster e Ch. Wagner. Em terceiro lugar, deve-se distinguir o procedimento que consiste em não dar à moral um lugar especial entre o horário das lições, mas utilizar as diferentes matérias de ensino para tecer considerações morais feitas, assim, ao vivo. Enfim, destacamos o procedimento que consiste em não falar de moral se não a propósito de experiências efetivas vividas pelas crianças: a “lição” nada mais é aqui que uma conversação provocada pelas peri pécias do self-govemment ou do trabalho em grupo. Io) Como exemplo de “lições” propriamente ditas, nós podemos citar o Curso de Moral de Jules Payot7, ou o Curso mais recente e vivo devido à F. Challaye e M. Reynier8. O próprio princípio dos cursos de moral parece nos colocar as duas questões seguintes. Em primeiro lugar, consegue-se interessar a criança sobre o pro blema tratado independentemente da pessoa que o trata? Se a lição de moral pode ser algo admirável, enquanto ela é dada por um edu cador entusiasta, não é o contato com o indivíduo mais o conteúdo do curso, o que é verdadeiramente fecundo? E se a lição for dada por um indivíduo não excepcional (não falemos nada além disso), não se corre o risco de criar no espírito da criança uma prevenção contra a própria moral? Em segundo lugar, uma lição segundo os princípios da educação funcional deve ser uma resposta. Para to car o âmago da alma infantil, um ensinamento oral deve vir depois Programas oficiais de 18 de agosto de 1920 para as escolas primárias, para meninos e meninas. Jules Payot, Cours de Morale , Paris, Colin. K F. Challage e Marg. Reynier, Cours de Morale à L'usage des Écoles primaires supérieures et des Cours complémentaires, Paris. Aican. 16 C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l e não antes da experiência vivida. Em conseqüência, por mais sedutoras e elevadas que sejam as lições as quais nos referimos, nós nos questio namos se seu alcance não seria decuplicado num meio escolar onde a própria prática do self-governmenl ou dos trabalhos coletivos tenha co locado concretamente ao espírito da criança as mil questões que dão seu valor e sua significação a toda codificação da moral adulta. Seria conveniente, para resolver essas questões, recorrer-se a uma investigação experimental sobre os resultados efetivos das lições de moral. De um lado, para ver se a lição aperfeiçoou o julgamento moral, seria adequado submeter a provas idênticas crianças que te nham seguido um curso e outras que não o tivessem feito. Em segundo lugar, porém muito mais difícil e supondo-se uma longa e metódica observação, seria necessário determinar se a lição de moral, bem com preendida pela criança e depois de uma repetição verbal correta, muda em algo a própria vida da criança. É importante ressaltar que, dos pontos de vista científico e psicológico nos quais devemos necessaria mente nos colocar e onde se pode verificar o resultado de qualquer método pedagógico, não estamos atualmente, de modo algum, em con dições de responder essas questões. Existe uma relação entre o aper feiçoamento do julgamento moral - supondo que as lições de fato o desenvolvam - e a parte prática da moral? Não o sabemos, e uma série de pesquisas deveria ser realizada sobre esses pontos, antes que se permitisse julgar o método puramente verbal de educação moral. 2o) Quanto às conversações excelentemente preparadas por E J. Gould e por F. W. Foerster, seu sucesso na Inglaterra e na Alema nha mostra suficientemente que elas correspondem a algo no espírito da criança. O princípio é o seguinte. Em lugar de partir de uma “lição” para ilustrá-la com exemplos, os autores começam relatando histórias cuidadosamente selecionadas e classificadas, e a “lição” nada mais é que uma reflexão em comum e uma discussão sobre esses relatos. Deve-se reconhecer que, admitido o princípio, as histórias propostas são excelentes e altamente sugestivas. Mas certos problemas se colo cam, a propósito desse método, como a propósito das “lições” propri amente ditas. Pode-se supor - e a observação parece indicar - que os Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 17 relatos concretos e vivos agem com mais vantagens sobre a vida mo ral da criança que os comentários mais ou menos teóricos. Seria, tam bém, interessante verificar objetivamente essa situação, buscando eli minar o papel pessoal do narrador e determinando com que indivíduos os relatos propostos exerceriam sua ação sobre o espírito da criança. Porém, é evidente que a personalidade do narrador constitui aqui, como / nas “lições”, o fator de maior importância. E assim que as falas morais de Ch. Wagner9, que se inspiravam em princípios análogos aos das conversações de Gould e de Foerster, produziam nas crianças uma impressão considerável, enquanto as mesmas coisas ditas por um indi víduo menos vivaz deixavam-nas indiferentes ou, o que é o pior, inspi ravam nelas uma certa aversão contra essa moral que se quer incul car-lhes de fora e impor à sua admiração. A este propósito deve-se / colocar uma terceira questão. E possível transmitir, por meio de um ensino que repousa sobre o respeito unilateral, a moral de um ensino que repousa sobre o respeito unilateral, a moral da cooperação, do respeito mútuo e da autonomia preconizados pela maioria dos educa dores? O exemplo proposto no relato do professor produz o mesmo efeito que se este exemplo fosse sugerido e discutido pelas próprias crianças em conseqüência de uma experiência “ativamente” realizada de self-government ou da confissão livre, análoga àquelas usadas na “Liga da Bondade”? Aqui também nos faltam materiais, e uma pes quisa científica nos informaria mais que todas as impressões subjeti vas dos pedagogos aferrados a seus métodos. 3o) Certos educadores são avessos à idéia de lições de moral; consideram que a moral não pode constituir uma matéria de ensino como outra qualquer, mas sim em um espírito que deve penetrar toda a educação. Assim, ao lado da atmosfera geral da classe, não se recorre, nesse caso, para o ensino verbal da moral, mais que nas ocasiõesoferecidas pelas diversas matérias. A história e a geogra fia, a literatura e as lições da língua, a composição etc., convertem- se, assim, em espaços para discussões e desenvolvimento morais. Ch. Wagner, Par lê sourire. 18 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l Aqui não é lugar para discutir a questão de se a história ou outras ciências podem servir ou não aos fins morais. Se qualquer dis ciplina científica, a história não mais que a outras, não deve ser desvi ada da pura pesquisa da verdade, nos parece impossível negar ao his toriador, como homem que é, o direito de julgar os fatos que ele tenha estudado e mesmo de tirar deles a lição que desejar. Pelo contrário, uma objeção freqüentemente feita é a de que se não se der mais lições de moral, esta corre o risco de não aparecer em nenhum outro lugar: cada professor, levado por sua própria matéria, deixa para mais tarde o cuidado de extrair a significação humana e o ano se passa sem dis cussões morais. Colocando de lado essa dificuldade, devemos confes sar que uma conversação organizada sobre as composições das crian ças ou dos fatos da história, da geografia e da literatura é suscetível de fundir-se muito melhor com as preocupações do aluno e de mostrar- se, assim, mais vantajosa que um ensinamento sistemático e isolado de moral. Mas isso depende unicamente de quanta atividade se concede às crianças na preparação das conversações. A este propósito se tem tentado, principalmente na Inglaterra, utilizar para a educação moral a admiração espontânea das crianças pelos grandes homens. Organi zando com alunos comemorações periódicas, as “cerimônia in curriculum”, consegue-se exaltar tais virtudes, desqualificar tais víci os ou transgressões, sem cair no artificialismo das lições de moral propriamente ditas. Nessas festas colaboram naturalmente as própri as crianças que trabalham para documentar e reunir materiais para celebrar, com conhecimento de causa, o aniversário histórico. 4o) Todos os procedimentos orais aos quais já fizemos alusão aqui têm em comum o fato de suporem como única fonte de inspiração moral a autoridade do professor ou do adulto em geral: a lição é, em conseqü ência, o lugar de divulgação da verdade toda pronta e a criança é coagi da a recebê-la de fora. Queiramos ou não, os métodos orais repousam sempre sobre um fundo de respeito unilateral. Que ocorreria se todo o trabalho da classe se baseasse sobre a própria atividade da criança e, em particular, sobre a atividade comum? O respeito mútuo tomando-se, assim, fonte da experiência moral, a “lição” desapareceria inteiramen Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 19 te? Todos os elementos da discussão e da transmissão oral deveriam ser proscritos? Nós pensamos que não, mas cremos que a “lição de moral” não deveria ultrapassar o papel atribuído a todas as lições pela pedago gia moderna: constituir a resposta a uma questão prévia. Tomemos como exemplo as conversações morais, conduzidas com tanta habilidade pe las diretoras da “Casa das Crianças”, ligada ao Instituto de Ciência da Educação da Universidade de Genebra10. O método dessa escola é o “ativo”, isto é, as crianças dedicam-se individualmente ou em grupos aos seus trabalhos espontâneos. Evidencia-se logo que essa vida escolar provoca sem cessar no espírito das próprias crianças os numerosos pro blemas relativos à vida em comum, à disciplina, ao esforço pessoal etc. A cada dia, uma pequena mentira, um ato rude ou uma indolência provo cam uma discussão ou, ainda, a alusão a uma virtude ou a um belo exemplo. Ora, essas discussões que se estabelecem primeiramente en tre crianças, acabam sempre apelando à opinião adulta. Aí, e somente neste momento, o professor se encontra em condições de dar uma lição proveitosa: longe de intervir de fora, correndo o risco de não ser ouvido, ele intervém a pedidos e suas palavras adquirem toda significação. Se esse sistema pode não ser generalizável a todas as idades, veremos em instantes que isso depende da totalidade do método do ensino. Queremos apenas ressaltar, no momento, que mantidas as jus tas proporções a “lição de moral” não deve ser proscrita. Porém, ela não desenvolverá produtivamente a não ser por ocasião de uma vida social autêntica e no interior da própria classe. c) Os métodos “ativos” de educação moral A “escola ativa” baseia-se na idéia de que as matérias a serem ensinadas à criança não devem ser impostas de fora, mas redescobertas pela criança por meio de uma verdadeira investi gação e de uma atividade espontânea. “Atividade” se opõe, assim, à receptividade. A educação moral ativa supõe, conseqüentemente, que a 10 Ver Audemars M. et Lafendel L.In:intermédiaire des Educateurs, passim. 20 C in c o H$t u ix >s de E d u c a ç ã o M o r a l criança possa fazer experiências morais e que a escola constitui um meio próprio para tais experiências. Pensamos que três pontos devem ser assinalados a esse respeito. 1°) Para os participantes da escola ativa, a educação moral não constitui uma matéria especial de ensino, mas um aspecto particular da totalidade do sistema. Dito de outro modo, a educação forma um todo, e a atividade que a criança executa com relação a cada uma das disciplinas escolares supõe um esforço do caráter e um conjunto de condutas morais, assim como supõe uma certa tensão da inteligência e mobilização de inte resses. Esteja ocupada em analisar regras da gramática, a resolver um problema de matemática, ou a documentar um ponto da história, a criança que trabalha “ativamente” é obrigada, não só diante de si como diante do * grupo social que é a classe ou da “equipe” da qual faz parte, a comportar- se de modo muito diferente do aluno tradicional que escuta uma lição ou realiza um “dever” escolar. Enquanto neste, tudo reconduz à obediência e às virtudes a ela ligadas, isto é, à moral do respeito unilateral, naquele, ao contrário, a investigação escolar implica as mesmas qualidades pessoais e as mesmas condutas coletivas de ajuda recíproca, de respeito na discus são, de desinteresse e de objetividade que a pesquisa cientifica de intelec tuais adultos. A classe constitui, assim, uma associação de trabalho e evi dencia-se que a vida moral está intimamente ligada a toda a atividade escolar. A educação do caráter é, em particular, singularmente intensifica da e, para estimular o esforço, para canalizar as atitudes e para constituir o controle pessoal, não é necessário recorrer a meios exteriores artificiais: o próprio princípio da atividade conduz a esses resultados. Para se docu mentar essas experiências da pedagogia nova deve-se ler as obras e arti gos consagrados à educação ativa na Áustria, na Alemanha, na Inglaterra etc11. 11 Ver Seidel, Arbeitschule, Zurique, 1910. Kerschensteiner, Bregrijf der Arbeitschule, Leipzig, Teuhner. 1912. Glogkel., Die Entwicklung der Wiener Schulwesens, Deutsche Verlag J. Junged U. Volk, Viena, 1927. Dottrens, V Education nouvelle en Autriche, Delachaux et Niestlé, 1928. Rugg A. Shumaker; The child-Centered School , Word Book Company, Nova York e Chicago, 1928. E o último informe da Liga Internacional de Educação nova: Toward a New Education, edited by W. Boyd, Knopf, Londres e Nova York, 1930. Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a i 21 2o) A escola ativa supõe necessariamente a colaboração no trabalho. Na escola tradicional, cada um trabalha para si: a classe escuta o professor e, em seguida, cada um deve mostrar no de correr de seus trabalhos e de provas apropriadas o que reteve das lições ou das leituras em casa. A classe, desse modo, nada mais é que uma soma de indivíduos e não uma sociedade: a co municação entre alunos é proibida e a colaboração quase inexistente. Ao contrário, na medida em que o trabalho suscita a iniciativa da criança, torna-se coletivo; pois, se os pequenos são egocêntricos e inaptos à cooperação, ao se desenvolverem as cri anças constituemuma vida social cada vez mais forte. A liberda de do trabalho em classe tem implicado, geralmente, a coopera ção na atividade escolar. Quer este procedimento tenha sido uti lizado deliberadamente, como no método do “trabalho em grupo” de Dewey, de Cousinet etc., ou que tenha se formado à margem do método ativo, ele tem se tornado muito comum12. Ora, é evi dente que uma tal transformação é central no que concerne à educação moral. Se, realmente, o desenvolvimento moral da cri ança ocorre em função do respeito mútuo, além do respeito unila teral, como destacamos desde o início deste capítulo, a coopera ção no trabalho escolar está apta a definir-se como o procedi mento mais fecundo de educação moral. 3o) Depois das duas observações mais gerais que acaba mos de fazer, vejamos agora os procedimentos “ativos” especifi camente morais. Esses procedimentos se inspiram na noção bem conhecida de self-government. Para aprender a física ou a gra mática, não há método melhor que descobrir por si, por meio de experiência, ou da análise de textos, as leis da matéria ou as re gras da linguagem; do mesmo modo, para adquirir o sentido da disciplina, da solidariedade e da responsabilidade, a escola “ati va” se esforça em colocar a criança numa situação tal que ela 12 O “Bureau Internacional cPÉducation” realizou uma pesquisa sobre a prática atual do trabalho em grupos e sobre seus resultados nas principais áreas de ensino. 22 C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o ral experimente diretamente as realidades espirituais e discuta por si mesma, pouco a pouco, as leis constitutivas. Ora, posto que a classe forma uma sociedade real, uma associação que repousa sobre o trabalho em comum de seus membros, é natural confiar às próprias crianças a organização dessa sociedade. Elaborando, elas mesmas, as leis que regulamentarão a disciplina escolar, ele gendo, elas mesmas, o governo que se encarregará de executar tais leis e constituindo o poder judiciário que terá por função a repressão dos delitos, as crianças adquirirão a possibilidade de aprender, pela experiência, o que é a obediência à regra, a adesão ao grupo social e a responsabilidade individual. Longe de prepa rar-se para a autonomia da consciência por meio de procedimen tos fundados na heteronomia, o estudante descobre as obrigações morais por uma experimentação verdadeira, envolvendo toda a sua personalidade. O self-government tem se revestido na Europa de formas muito diversas e é difícil hoje saber exatamente o que se pratica nos diferentes países sob este nome. Às vezes, limita-se a confiar às crianças o poder judiciário: os tribunais de classe aprendem, assim, a avaliar os atos e a julgar os indivíduos no decorrer de deliberações cujos testemunhos têm demonstrado seu caráter pro fundamente educativo13. Outras vezes, vai-se mais longe e as crianças são revestidas do poder executivo e mesmo do poder legislativo. Infelizmente, embora essas experiências sejam tão impor tantes, estamos ainda mal-informados sobre seus resultados exa tos. Se existem célebres exemplos de êxito, que se fizeram conhe cidos, graças aos trabalhos de Foerster e de Ferriére14, sabe-se também, e nisso se têm insistido menos, que algumas experiências 13 Ver por exemplo na revista Der Sáemanrn (Teubner) de abril de 1914 um artigo de Jos. Ruppert sobre o “selj-government " judiciário em “Münchner Jungendheim". 14 F. W. Foerster, L ’ Ecole et le Caractère, trad. P. Bovet, 5a ed. Delachaux et Niestlé ed. Ad. Ferriére, V autonomie des écoliers, coll. Actual. Ped. Delachaux et Niestlé, ed. Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o b a l 23 não têm dado resultados. É muito difícil de determinar, na avalia ção das experiências, o que resulta do próprio self-government, o que vêm de outras circunstâncias externas (situação da sociedade adulta ambiente, externatos ou internatos, valores dos professores etc.); e, enfim, o que resulta da pedagogia geral da escola interes sada (escola ativa ou tradicional etc.). Por essa razão o Bureau International d’Education tem pesquisado sobre esse tema, bus cando analisar com toda a objetividade as experiências feitas e os resultados obtidos. Sem poder entrar em detalhes nas referências, citamos, no entanto, um ou dois estudos simplesmente a título de exemplos. As experiências mais instrutivas são aquelas que se constituíram em condições excepcionais; nas quais, por força das circunstâncias, a criança pôde, sem prejuízo para si, estar separada do adulto e que forneceram, assim, um indício da capacidade desta para o self- government. Por exemplo, o pedagogo russo Rougatcheff soube organizar em Kfar-deladine, na Palestina, uma república de crian ças com 110 pequenos refugiados israelitas dos dois sexos15. Essa república constitui, sem dúvida, o resultado mais marcante da auto nomia infantil, tanto pelo grau de organização e solidariedade que alcançou como pela diversidade de tarefas que as crianças enfren tam. Mesmo nos internatos, o self-government tem podido alcan çar uma grande extenção. Citemos como exemplo a escola nova de Frensham, próxima a Londres, fundada por Ensor, e na qual a experiência continua obtendo sucesso depois de vários anos; os processos com relatos das sessões, organizados por alunos e alu nas, atestam a vitalidade das instituições democráticas dessa esco la e a permanência de um espírito de grupo nas freqüentes modifi cações nas leis e nos regulamentos. Mesmo as Public-School têm podido realizar experiências semelhantes16. Se essas são possíveis em tais meios, o serão, seguramente, em outros locais! ° Ver J. Kessel, Terra cV amour, Paris, Flammarion, p. 119-131. i0 Ver J.H. Simpson: An adventure in Education, Londres, Sidgwick and Jakson.. 24 C in c o Es t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l III. Sobre alguns procedimentos classificados conforme os domínios da educação moral Admitindo com a psicologia que a vida moral se desenvolve em função das relações efetivas dos indivíduos entre si, e admitindo com a pedagogia funcional que a educação moral está relacionada a toda “atividade” da criança, temos, sob o nosso domínio, um princí pio geral do qual as tentativas mais recentes da pedagogia européia têm-se limitado a diversificar as aplicações. Qualquer que seja o domínio em que se estenda a educação moral, o método ativo busca sempre: Io - não impor pela autoridade aquilo que a criança possa descobrir por si mesma; 2o - em conseqüência, criar um meio social especificamente infantil no qual a criança possa fazer as experiências desejadas. Vejamos alguns exemplos. 1 - ) A formação do caráter e o cultivo da bondade É necessário citar sobre esse assunto a Liga da Bondade, bem conhecida aqui, pois a primeira referência sobre suas atividades foi apresentada, em 1912, no Congresso de Educação Moral de La Haya. Para fazer parte da Liga da Bondade, a criança se compromete, sim plesmente, a “perguntar, todas as manhãs, o que poderá fazer de bom durante o dia. À noite, deve dar-se conta do resultado de seus esfor ços e lembrar-se do bem que tenha desejado fazer ao seu redor”. Os resultados, quaisquer que sejam, tratem-se de vitórias ou de fracassos, são escritos numa folha não assinada, que a criança deposita numa caixa colocada em uma classe para esse fim. Essas anotações anôni mas são lidas na classe durante a aula de moral (extrato da circular francesa). O sucesso desse método tão simples tem sido surpreenden- í te e contrasta com a carência de benefícios dos métodos simplesmen te verbais. De onde vem esse sucesso? Em primeiro lugar, evidencia- Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 25 se que toda a atenção está colocada sobre a própria atividade da cri ança e não sobre o discurso. Os assuntos que servem de matéria para a reflexão moral não são episódios históricos ou fictícios, que o profes sor propõe arbitrariamente e que se mantêm exteriores aos interesses espontâneosdo aluno: são os próprios atos da criança. Em segundo lugar, pelo fato de haver uma “liga”, uma mutualidade é criada entre as crianças, e um foite empenho conjunto é, assim, desencadeado. Segu ramente, continua havendo o risco de que o professor se imponha em demasiado no decorrer da discussão e substitua o julgamento dos alu nos pelo seu. Mas, se há respeito às próprias crianças, o pedagogo inteligente poderá se omitir e deixar à classe uma autonomia suficiente ✓ para a organização das “ligas” e para a avaliação de seus membros. E assim, que, em muitos casos, são as próprias crianças que designam o titular do prêmio anual das “ligas”17. Essa flexibilidade permite, então, um livre progredir do self-government e da atividade da criança. Ou tro movimento bastante conhecido, de modo que não precisamos falar muito dele, deve seu imenso sucesso aos mesmos princípios da ativi dade e da mutualidade: é o escotismo. Limitemo-nos a destacar que essa admirável experiência de educação moral é instrutiva, isto do ponto de vista que temos adotado neste artigo. Sobre o conteúdo de sua “lei”, o escotismo não apresenta nada de muito novo. O apelo à honra para formar o caráter, à ajuda aos outros e o equilíbrio entre a saúde física e a saúde moral são os preceitos usados; quando Baden- Powell busca relatar, em seus escritos, os artigos de sua pedagogia moral não suplanta em quase nada os melhores autores sobre lições de moral. Mas, na prática, que psicologia18! A esse respeito, parece-nos que o central do escotismo é alcançar um equilíbrio mais flexível entre as duas morais da criança às quais temos procurado distinguir no de correr deste artigo. O respeito dos pequenos pelos mais velhos e des tes pelos chefes explica, essencialmente, porque os conselhos do edu- 17 Página 26 do manifesto francês. 58 Baden-Powell, Le Guide du chef éclaireur, trad. Carrard, Coll. Actual. Pédag. 1921, p. 11. 26 C in c o E s t u d o s de E d u c a ç ã o M o r a l cador não caem em vão, mas adquirem um valor duplamente obrigató rio: Baden-Powell compreendeu muito bem não só que o exemplo é tudo na educação, mas também que as relações das pessoas entre si constituem a verdadeira fonte dos imperativos morais. Além disso, ele compreendeu, também, e este não é o seu mérito menor, que a moral do dever constitui-se apenas como uma etapa do desenvolvimento da consciência e que o respeito unilateral exige, por seus fins, ser mode rado pelo respeito mútuo, até o momento em que será definitivamente substituído por este. Essa é a razão pela qual o ideal do chefe dos escoteiros é ser um treinador e não um comandante: “O instrutor não deve ser nem um professor de escola, nem um oficial de tropa, nem um pastor, nem um monitor* ele deve ser ‘um homem-criança’, ele deve ter, em si, a alma de uma criança; ele deve colocar-se no mesmo plano daqueles de quem vai ocupar-se” 19. Ademais, entre o chefe adulto e o escoteiro-criança, toda uma hierarquia de intermediários provoca uma diluição da oposição entre o respeito unilateral e o mútuo e, em conseqüência, a assimilação progressiva da moral do dever à da cooperação e do bem. Por outro lado, constituindo a sociedade dos escoteiros uma grande fraternidade e, graças ao sistema de patrulhas, uma coleção orgânica de grupos fraternais, é evidente que há as me lhores condições para o desenvolvimento do respeito mútuo e da coo peração. Por fim, estando a manifestação da moral da colaboração autônoma ligada, na criança, à prática das regras dos jogos coletivos, nota-se que uma das instituições mais notáveis do escotismo é a de ter ligado a educação do caráter e do altruísmo a todo um sistema de jogos organizados. 2- ) Veracidade e objetividade No que concerne a esse aspecto, de certo modo intelectual da vida moral, não se tem encontrado procedimento melhor d e . 19 Ver o livro de P. Bovet, Le Génie de Baden-Pawell, edit. Fórum. Os P r o c e d im e n t o s d a E d u c a ç ã o M o r a l 27 educação que os métodos de colaboração no trabalho dos quais falamos anteriormente. Tudo que sabemos atualmente da psico logia da criança parece demonstrar que o pensamento infantil não comporta espontaneamente nem a objetividade em geral, nem a veracidade. Com efeito, a função primitiva do pensamento é as segurar a satisfação dos desejos, mais que adaptar o eu à realida de objetiva; quando a adaptação sensório-motora não é suficiente para assegurar essa satisfação, o pensamento assume esse papel graças à imaginação e ao jogo. É pelos outros e em função de uma colaboração organizada que nós renunciamos à nossa fanta sia individual para ver a realidade tal qual ela é e para dar prima zia à veracidade sobre o jogo ou a mentira. Ora, a criança é natu ralmente egocêntrica e enquanto não tiver conseguido socializar seu pensamento, ela não compreenderá nem o valor da verdade nem a fortiori a obrigação da veracidade. Como conduzir seu espírito aos valores da verdade? Os con selhos dos adultos e as melhores lições serão suficientes para se chegar a essa consciência? A experiência nos mostra o contrá rio: mesmo que a criança aceite os deveres relativos à veracida de e sinta-se culpada nos casos de infração às regras, ela não chega à incorporar em sua personalidade uma lei que não com preende internamente e continua a ser dominada pelas tendênci as naturais de sua mentalidade. Só a colaboração entre crianças e a prática da discussão organizada dão a cada um o significado da objetividade. Só a ação mútua faz a criança compreender o que a mentira é em realidade e qual o valor social da veracidade. E isso o que nós temos mostrado na análise das avaliações mo rais da criança a respeito da mentira: como já dissemos, na idade do respeito unilateral, o sujeito considera uma mentira, como mais culpável quanto mais inverossímil e como menos importante quando ocorre entre crianças, enquanto na idade da cooperação, a men tira é avaliada em função da intenção de enganar e mentir entre crianças; torna-se mais “feio” que fazê-lo aos adultos. 28 C in c o Es t u d o s de Ed u c a ç ã o M o r a l 3- ) A educação das tendências instintivas De modo geral, a educação do instinto sexual ou do instinto de agressão é evidentemente subordinado à educação moral geral. Quan to mais a eficácia de conselhos for imposta em uma educação pela autoridade, tanto mais ocorrerá a submissão da criança às suas incli nações, à raiva, à luta ou a seus maus costumes. Quanto mais acon tecer, de outro lado, a expansão da personalidade, graças à atividade coletiva dos alunos, mais haverá a capacidade de controle pessoal nos mesmos domínios. Portanto, não temos porque rever as vanta gens dos métodos ditos “ativos” aplicados a esses novos objetivos. O apelo dos escoteiros ao respeito mútuo e à honra pessoal, o compro misso em fazer o bem da Liga da Bondade e, sobretudo, os interes ses espontâneos tornados ação e as possibilidades de colaboração são de uma importância decisiva no que concorre ao domínio das tendências instintivas. Pode-se dizer que uma perturbação sexual na criança provém, quase sempre, do indivíduo não ter encontrado um ideal dominante ao qual consagrar-se; ao remediar isso, a educação ativa interessa, também, à educação sexual. Mas as pesquisas psicológicas20 têm conduzido os pedagogos a entrever certos problemas específicos da educação dos instintos: des tacam-se, por exemplo, os que se originam na curiosidade sobre o nascimento, seja porque os pais enganaram as crianças, seja porque os colegas mal-intencionados tenham se antecipado às lições do adul to. Tem-se descrito os desvios da sexualidade infantil e, sobretudo, as repressões e distúrbios afetivos, resultantes de situações anormais. Para evitar esses perigos, têm sido propostas diversas soluções: a ini ciação precoce da criança pela família ou pela escola, uma informa ção biológica elementar dada desde o início da escolaridade etc. Infe lizmente, as obras públicas sobre
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