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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha celebrado entre a União e o Estado de Pernambuco. Descumprimento reiterado por parte do ente subnacional. Dissidência estabelecida entre a União e o Estado de Pernambuco que possui como questão central o domínio do arquipélago de Fernando de Noronha, ex-território federal, que integra o conceito de ilha oceânica, afetada ao serviço público e a unidade ambiental federal, bem como engloba terrenos de marinha (cf. inc. IV e VII do art. 20 da CRFB). Conflito federativo. Ação Cível Originária. A UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelos seus Advogados infra-assinados1, vem, com fundamento no art. 102, I, “f”, da Constituição da República, dos artigos 319 e seguintes do Código de Processo Civil e art. 247 e ss do RISTF, propor a presente AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA COM PEDIDO DE LIMINAR em face do Estado de Pernambuco, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ 10571982000125, com sede na Praça da República, S/N, Palácio do Campo das Princesas, Bairro Santo Antônio, Recife/PE, CEP: 50010-928, representada judicialmente por sua Procuradoria-Geral (art. 132 da Constituição da República), situada na Rua do Sol, 143, Bairro Santo Antônio, Recife/PE, CEP: 50010-470, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos. 1 Art. 4º, III, da Lei Complementar nº 73/1993; Portarias de delegação nº 476, de 16 de maio de 2007 (DOU de 17 de maio de 2007), e nº 1, de 06 de janeiro de 2022 (DOU de 07 de janeiro de 2022). 2 I – DA CONTEXTUALIZAÇÃO FÁTICA Em 12 de julho de 2002, a União e o Estado de Pernambuco celebraram Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha, integrante do Arquipélago de Fernando de Noronha, “instituído como Distrito Estadual de Fernando de Noronha, Estado de Pernambuco”, área sobre a qual o ente central goza da titularidade do domínio, por força do art. 20, incisos IV e VII, da Constituição Federal (Doc. 01). A celebração do contrato se deu à luz do art. 18, inciso I, e 19, inciso III, da Lei no 9.636/19982, a qual dispõe sobre a regularização, administração, cessão e alienação de bens imóveis de domínio da União. O supramencionado instrumento contratual, em sua cláusula segunda, descreve e caracteriza o imóvel objeto do contrato de cessão de uso. Em síntese, quanto à descrição da área cedida, confira-se a ementa do contrato: CONTRATO DE CESSÃO DE USO, EM CONDIÇÕES ESPECIAIS, da parcela dominial do imóvel, parte urbano e parte rural, constituído pelas benfeitorias de domínio da União e por terrenos de marinha, acrescidos de marinha e nacionais interiores, composto pela Área 1, com área de 5.751.327,59 m², e pela Área 2, com área de 7.657,86 m², perfazendo área total de 5.758.985,44 m², localizado na Ilha de Fernando de Noronha, integrante do Arquipélago de Fernando de Noronha, instituído como Distrito Estadual de Fernando de Noronha, Estado de Pernambuco, com as características e confrontações constantes do memorial descritivo autuado no Processo no 14.235.000078/99-16. No entanto, o ente subnacional vem descumprindo os termos do contrato e embaraçando a atuação da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União e de órgãos ambientais federais na gestão da área objeto da 2 Art. 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei no 9.760, de 1946, imóveis da União a: I - Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde; Art. 19. O ato autorizativo da cessão de que trata o artigo anterior poderá: (...) III - permitir a locação ou o arrendamento de partes do imóvel cedido e benfeitorias eventualmente aderidas, desnecessárias ao uso imediato do cessionário; 3 avença. Isso porque, o Estado de Pernambuco sustenta que, “a teor do art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o Constituinte Originário atribuiu a propriedade do arquipélago de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco, excepcionando a regra geral do inciso IV do art. 20 das disposições permanentes da Constituição, que insere as ilhas oceânicas no rol de bens da União”, conforme é possível extrair, exemplificativamente, do Ofício nº 2360/2021 (Doc. 02). Tal situação de recalcitrância quanto ao cumprimento do contrato de cessão pelo referido Estado-membro se arrasta há anos. Nessa senda, a Secretaria do Patrimônio da União do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – SPU/MPOG, através da Nota Técnica nº 4968/2017-MP (Doc. 03), apontou diversas evidências de descumprimento de cláusulas contratuais na gestão da Ilha de Fernando de Noronha por parte do Estado cessionário, tais como: (i) concessão de autorizações indevidas por parte do Estado de Pernambuco para edificações na faixa de praia sem autorização do então SPU/MPOG; (ii) expedição de "Termos de Permissão de Uso" em contrariedade com a legislação de regência e também sem submissão à SPU; (iii) crescimento de rede hoteleira em ocupações irregulares, com várias denúncias apresentadas ao Ministério Público Federal; (iv) conflitos de competências e na proteção do meio ambiente entre o IBAMA e a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco - CPRH; e (v) diversas outras irregularidades identificadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Posteriormente, a então Coordenação-Geral Jurídica do Patrimônio Imobiliário da União (CGJPU) emitiu a Nota n. 00786/2017/DPC/CGJPU/CONJURMP/CGU/AGU (Doc. 04), destacando que o Arquipélago de Fernando de Noronha consiste em bem imóvel da União em razão 4 do que dispõe o art. 20, inciso IV, da Constituição da República e que o art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias versou tão somente sobre a competência político-administrativa, não outorgado o domínio da respectiva área ao Estado de Pernambuco. Em seguida, na tentativa de solução consensual da controvérsia consistente no descumprimento do contrato e no não reconhecimento do domínio da União sobre a Ilha de Fernando de Noronha, a matéria foi submetida à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal da Consultoria Geral da União (CCAF/CGU/AGU), tendo sido admitido o pedido de mediação e composição extrajudicial de conflito entre os órgãos públicos federais interessados e o Estado de Pernambuco (Doc. 05). No âmbito da CCAF foram realizadas diversas reuniões, conjuntas e isoladas, sem que houvesse uma solução construída pelas partes. Em uma destas reuniões, conforme Termo de Reunião nº 05/2018/CCAF/CGU/AGU-LMB (Doc. 06), o Estado de Pernambuco fez referência ao entendimento expresso no Parecer nº 579/2017 - PGE/PE (Doc. 07), de lavra da respectiva Procuradoria-Geral do Estado, no bojo do qual se sustenta, em síntese, a propriedade do ente subnacional sobre a totalidade da área referente ao Arquipélago de Fernando de Noronha, com base no art. 15 do ADCT. Após, a Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco, em reforço ao Parecer nº 579/2017 - PGE/PE, aprovou o Parecer GAB nº 15/2018 (Doc. 08), no qual, analisando a questão dos limites de atuação dos órgãos federais na concessão de licenciamentos ambientais na Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha, expôs o entendimento de que os bens que integram o Arquipélago de Fernando de Noronha teriam sido transferidos ao Estado de Pernambuco pelo constituinteoriginário por força do artigo 15 do ADCT, que teria sido convalidado 5 pela Constituição Estadual e pela Lei Estadual nº 11.304/1995 (Doc. 09 e 10). Com efeito, o então Ministério da Transparência e Controladoria- Geral da União, por meio da Nota Técnica nº 1916/2018/NAC2/PE/REGIONAL/PE (Doc. 11), apontou que o “desde março de 2017, o Estado de Pernambuco passou a defender que a titularidade/propriedade do Arquipélago de Fernando de Noronha era sua”. Naquela oportunidade, o referido órgão federal de controle interno, com base no art. 20, inciso IV, da Constituição Federal, se manifestou no sentido de que “a titularidade do Arquipélago de Fernando de Noronha é da União”. Na mesma toada, no âmbito da CCAF, a Consultoria Jurídica-Adjunta ao Comando da Marinha, através da Informação nº 016/2018- RDA/CJACM/CGU/AGU (Doc. 12), assentou que “deve ser assegurada a condição de dominialidade atual, a fim de garantir a presença da Marinha do Brasil no Arquipélago de Fernando de Noronha e, assim, assegurar o pleno desempenho das missões constitucionais e legais da Força”. Vale relatar, ainda, que, em 17/09/2018, a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal emitiu a Nota Técnica 4ª CCR nº 2/2018 (Doc. 13), ao tratar sobre a expansão da ocupação humana e capacidade de suporte para turismo na APA de Fernando de Noronha, constatou diversas irregularidades que teriam sido cometidas pela Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco - CPRH e pela Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha, os quais estariam emitindo licenças e autorizações em desacordo com o Plano de Manejo da Unidade de Conservação e, ainda, prejudicando os trabalhos do Instituto Chico Mendes - ICMBio diante da ausência de transparência nos atos. Por fim, a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União do Ministério da Economia (SPU/ME), através da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME (Doc. 14), concluiu que o fato de o Estado de Pernambuco não 6 reconhecer o domínio da União sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha e, consequentemente, não considerar os termos do contrato de cessão em condições especiais firmado com o ente central, acaba por “impactar fortemente a gestão da Ilha e o interesse público, implicando em não observância de dispositivos legais referentes à gestão patrimonial e de mecanismos de tutela e proteção da população que ali reside”. Desse modo, em razão do Estado de Pernambuco não reconhecer o domínio da União sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha e desconsiderar o conteúdo do contrato de cessão em condições especiais firmado com o ente central, como será demonstrado, e com o intuito de impor ao Estado a obrigação de cumprimento dos termos do mencionado contrato de cessão, é que se propõe a presente ação cível originária. II – DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONFLITO FEDERATIVO. Nos termos do art. 102, inciso I, alínea “f”, da Constituição da República, compete a esse Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta”. Nessa senda, convém destacar que a Lei Fundamental contemplou o modelo de Estado Federal e estabeleceu a organização político-administrativa que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, dotados de competências próprias e indispensáveis ao desenvolvimento das atribuições constitucionais, a fim de que sejam atendidas as diversas políticas públicas e as necessidades das respectivas populações em seus territórios. Nesse ponto, foi atribuída à União a predominância de interesses nacionais, tais como a garantia da defesa nacional, a execução dos serviços de 7 polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (cf. inc. III e XXII do art. 21 da CRFB). Notadamente, este exercício de competências constitucionais entre os entes da Federação possui potencialidade de ingressar em zonas de conflito quando as atribuições são intercambiáveis, gerando a necessidade de uma adequada interpretação dos papéis constitucionais que foram reservados através dos signos existentes na Magna Carta, com primazia à construção de um solução consensual, articulada e, por vezes, compartilhada, em busca do “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional" (cf. parágrafo único do art. 23 da CRFB). Nessa linha, o conflito federativo se assenta na existência de desacordo, no antagonismo ou dissidência entre os membros da Federação de natureza subjetiva-objetiva, exigindo-se, para a atração da competência desse Supremo Tribunal Federal, a qualificação do conflito com densidade suficiente para acarretar o desequilíbrio do próprio pacto federativo. Com efeito, não se olvida que essa Suprema Corte tem entendimento seguro de só reconhecer a sua competência diante da existência de contenda que envolva “interesses substanciais entre os dois entes federativos capaz de afetar a harmonia e o equilíbrio nas relações institucionais entre os entes federados” (ACO 1989 AgR, Relator(a): Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 18/11/2016, Processo Eletrônico DJe-264 Divulg 12-12-2016 Public 13-12-2016). No presente caso, a dissidência estabelecida entre a União e o Estado de Pernambuco possui como questão central a discussão sobre o domínio do Arquipélago de Fernando de Noronha, ex-território federal, que integra o conceito de ilha oceânica, afetada ao serviço público e a unidade ambiental federal, bem como engloba terrenos de marinha (cf. inc. IV e VII do art. 20 da CRFB). Na prática, como será demonstrado, esta dissonância vem afetando o desempenho das competências constitucionais da União no poder-dever de gestão 8 patrimonial, fiscalização e proteção ao meio ambiente e respeito às normas de proteção do território e das comunidades locais. Nesse aspecto, vê-se que as irregularidades praticadas pelo Estado de Pernambuco na gestão do arquipélago, algumas delas destacadas pelo Ministério Público Federal, pela Controladoria-Geral da União, pelo Tribunal de Contas da União e pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União do Ministério da Economia, acarretam grave conflito de competências, especialmente quanto à proteção patrimonial e do meio ambiente, bem como representam frontal violação ao contrato de cessão de uso celebrado entre os entes federativos. De fato, o caso em tela não se limita à discussão de titularidade de bem patrimonial da União, mas envolve a atribuição constitucional do domínio do Arquipélago de Fernando de Noronha e, reflexamente, o exercício de competências exclusivas da União como a de segurança nacional e de competências comuns como o resguardo dos documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos e proteção do meio ambiente. Revela-se evidente, assim, a configuração de um conflito federativo. Importante trazer à baila que essa Suprema Corte reconheceu a existência de conflito federativo na Ação Civil Originária nº 402-1/010, promovida pelo Estado de Pernambuco contra a União e o IBAMA, no âmbito da qual se buscava exatamente a declaração de titularidade do Arquipélago de Fernando de Noronha, supostamente, por força do art. 15 da ADCT da CRFB; a invalidade dos Decretos nº 96.693, 96.813 e 96.879, de 1988; e a condenação a perdas e danos (Doc. 15). Desse modo, resta demonstrada a competência desse Supremo Tribunal Federal para apreciação do conflito federativo ora estabelecido entre a União e o Estado de Pernambuco, uma vez que secontrapõem interesses 9 substanciais, revestidos de rasgos jurídico-constitucionais3, capazes de afetar a harmonia e o equilíbrio nas relações institucionais entre os entes federados, mormente no que se refere à titularidade do domínio sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha e ao exercício das respectivas competências constitucionais naquela área. III – DO ARCABOUÇO NORMATIVO REFERENTE AO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA De início, cumpre assinalar que o Arquipélago de Fernando de Noronha compreende 21 ilhas oceânicas de origem vulcânica e 13 praias marítimas, circundada pelo Mar Territorial Brasileiro, distando 345 quilômetros do município de Natal/RN e 561 quilômetros do município de Recife/PE, em localização estratégica entre os continentes americano e africano, o que representa um avanço da presença brasileira no Atlântico Sul e o prolongamento de sua soberania de base continental oceânica4. No que se refere ao domínio daquela área e à sua natureza jurídica, o Decreto-lei nº 4.102/1942 foi o ato normativo responsável pela criação do território federal de Fernando de Noronha, constituído pelo respectivo arquipélago. Por oportuno, o referido Decreto-lei dispôs: “Os bens, situados no Território de Fernando de Noronha, bem como os impostos e taxas, pertencentes ao Estado de Pernambuco, são transferidos à União”. Posteriormente, a Lei Federal nº 6.971/1981 tratou sobre a administração do Território Federal de Fernando de Noronha, conferindo à União a administração do território, além de dispor sobre as competências do Governador, bem como demais estruturas administrativas de apoio. 3 Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017. – (Série IDP) 4 Informações extraídas da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME. 10 Ademais, a Lei Federal nº 7.608/1987, que dispõe sobre a administração do Território Federal de Fernando de Noronha, vinculou o território ao então Ministério do Interior e determinou a instalação e manutenção de uma infraestrutura para operações militares com a finalidade de criar estruturas relativas e necessárias à defesa e à segurança do Território Nacional5. Observe-se, portanto, que 1 (um) ano antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Congresso Nacional atribuiu a Fernando de Noronha a condição de área de interesse para a “defesa e segurança do Território Nacional”, competência essa exclusiva da União, sendo necessário, para tanto, que ela possa dispor de todo o espaço físico do arquipélago a qualquer momento, sem qualquer tipo de entraves burocráticos ou legais. Necessário, por conseguinte, que detenha o domínio pleno do território6. Por sua vez, o Decreto nº 92.755/1986 instituiu a Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha-Rocas-São Pedro e São Paulo - APA FN, compondo uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, o que inclui o entorno da Reserva Biológica do Atol das Rocas, o arquipélago de São Pedro e São Paulo e 30% da parte terrestre do Arquipélago de Fernando de Noronha, onde se encontra o núcleo urbano de sua ilha principal. Noutro quadrante, foi criado o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha - PARNAMAR7, através do Decreto nº 96.693/1988, como Unidade de Conservação de Proteção Integral, para proteção do ecossistema e preservação do meio ambiente no Arquipélago de Fernando de Noronha, sendo sua gestão de 5 Art. 3° As medidas que vierem a ser adotadas, em cumprimento do disposto no art. 2° desta Lei, deverão prever a instalação e manutenção de uma infra-estrutura adequada às operações militares, que possam tornar-se necessárias à defesa e segurança do Território Nacional. 6 Nesse sentido se posicionou a SPU/ME, por meio da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME. 7 Art. 1° Fica criado, no Território Federal de Fernando de Noronha, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, com o objetivo de proteger amostra representativa dos ecossistemas marinhos e terrestres do arquipélago, assegurando a preservação de sua fauna, flora e demais recursos naturais, proporcionando oportunidades controladas para visitação, educação e pesquisa científica e contribuindo para a proteção de sítios e estruturas de interesse histórico-cultural porventura existentes na área. 11 responsabilidade direta do Instituto Chico Mendes para Biodiversidade - ICMBio. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foram extintos os territórios federais até então existentes, e com a finalidade de reorganização política-administrativa, previu o art. 15 do ADCT, que a área referente ao antigo Território Federal de Fernando de Noronha seria “reincorporada ao Estado de Pernambuco”. Desse modo, sob o ponto de vista da organização político- administrativa, o Arquipélago de Fernando de Noronha está vinculado ao Estado de Pernambuco, na forma de Distrito Estadual, com natureza de autarquia territorial. Por outro lado, a Carta Maior, através do seu art. 20, inciso IV, dispõe que são bens da União “as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II”. A Constituição Federal preconiza, ainda, que pertencem à União os terrenos de marinha e seus acrescidos, nos termos do inciso VII do art. 20. Todavia, no âmbito do Estado de Pernambuco, assim prevê sua Constituição Estadual, destacando-se o inciso II, do seu art. 4º: Art. 4º Incluem-se entre os bens do Estado: (Redação alterada pelo art. 1º da Emenda Constitucional n˚ 9, de 28 de dezembro de 1995) (...) II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, incluídas as do Arquipélago de Fernando de Noronha e excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou de terceiros; (acrescido pelo art. 1º da Emenda Constitucional n˚ 9, de 28 de dezembro de 1995.) E, também no âmbito estadual, assim dispõe a Lei no 11.304/1995: Art. 6º São bens do Distrito Estadual de Fernando de Noronha: 12 I - a totalidade da extensão territorial da ilha de Fernando de Noronha e das demais ilhas componentes do Arquipélago de Fernando de Noronha; II - os bens móveis e imóveis, integrantes do patrimônio do antigo Território Federal, transferidos ao Estado em decorrência de acordo, contrato ou convênio com a União, decisão judicial ou por força de Lei; Vê-se, assim, de antemão, que a legislação do Estado de Pernambuco, tanto constitucional, quanto infraconstitucional, reconhece a extensão territorial de todas as ilhas do Arquipélago de Fernando de Noronha como bens estaduais, em frontal contrariedade ao que dispõe a Constituição da República. A partir desse cenário normativo constitucional e legal é que se passa a demonstrar o descumprimento do contrato de cessão de uso da Ilha de Fernando de Noronha, que se dá por força de equivocada interpretação do Texto Constitucional federal adotada pelo Estado de Pernambuco. IV – DO CONTRATO DE CESSÃO DE USO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS DA ILHA DE FERNANDO DE NORONHA IV.1 – Do descumprimento do Contrato de Cessão de Uso pelo Estado de Pernambuco No caso dos autos, o Estado de Pernambuco, em descompasso com o art. 20, incisos IV e VII, da Constituição da República e com o Contrato de Cessão de Uso da Ilha de Fernando de Noronha celebrado com a União em julho de 2002, entende ser detentor da titularidade integral da área objeto do contrato e que o ente central não possui nenhuma“prerrogativa inerente à propriedade, tampouco poder de ingerência (...) sobre imóveis situados em Fernando de Noronha”8. Com efeito, conforme se extrai do Parecer nº 579/2017 - PGE/PE e do Parecer GAB nº 15/2018, ambos editados pela Procuradoria-Geral do Estado de 8 Trecho extraído do Ofício nº 2360/2021 (em anexo), de lavra da Procuradoria-Geral do Estado de Pernambuco. 13 Pernambuco, aquele Estado-membro possui o posicionamento institucional segundo o qual seria proprietário do referido arquipélago, por força de errônea interpretação do art. 15 do ADCT e do que dispõem o art. 4o, inciso II, da Constituição Estadual9 e o art. 6o, incisos I e II, da Lei Estadual no 11.304/199510. Confira-se o seguinte trecho da manifestação jurídica do referido ente subnacional: O art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT da Constituição de 1988 extinguiu o Território Federal de Fernando de Noronha e reincorporou sua área ao Estado de Pernambuco. (...) Dando concretude ao art. 15 do ADCT, o inciso 11 do art. 4° da Constituição do Estado de Pernambuco incluiu expressamente o Arquipélago de Fernando de Noronha entre os bens do Estado, sendo-lhe atribuída, no art. 963 da Carta Estadual, a forma de Distrito Estadual. Na mesma trilha, o inciso I do art. 6° da Lei Estadual n. 11.304/1995 estabeleceu serem bens do Distrito Estadual de Fernando de Noronha, dentre outros, "a totalidade da extensão territorial da ilha de Fernando de Noronha e das demais ilhas componentes do Arquipélago de Fernando de Noronha". Uma análise acurada do art. 15 do ADCT da Constituição de 1988 conduz à conclusão de que, ao proceder com a reincorporação da área, o Constituinte não devolveu ao Estado de Pernambuco apenas a gestão político-administrativa do território (o chamado domínio eminente), mas a plena propriedade das terras. Com base nesse entendimento, o Estado de Pernambuco vem adotando condutas temerárias quanto às regras patrimoniais e ambientais federais e sem submissão às cláusulas do contrato de cessão de uso firmado com o ente central. Desse modo, urge seja determinado o cumprimento do Contrato de Cessão de Uso da Ilha de Fernando de Noronha, uma vez que, nos termos do que informa a SPU/ME, através da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME, esta situação de insegurança jurídica advinda do equivocado entendimento adotado pelo ente 9 Art. 4º Incluem-se entre os bens do Estado: (Redação alterada pelo art. 1º da Emenda Constitucional n˚ 9, de 28 de dezembro de 1995.) (...) II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, incluídas as do Arquipélago de Fernando de Noronha e excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou de terceiros; (Acrescido pelo art. 1º da Emenda Constitucional n˚ 9, de 28 de dezembro de 1995.) 10 Art. 6º São bens do Distrito Estadual de Fernando de Noronha: I - a totalidade da extensão territorial da ilha de Fernando de Noronha e das demais ilhas componentes do Arquipélago de Fernando de Noronha; II - os bens móveis e imóveis, integrantes do patrimônio do antigo Território Federal, transferidos ao Estado em decorrência de acordo, contrato ou convênio com a União, decisão judicial ou por força de Lei; (...) 14 subnacional faz com que a gestão daquele território se encontre à deriva, sem que os órgãos federais, em especial a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, tenha “sua atuação reconhecida pela administração estadual, a qual pratica flagrantes atos em contrariedade à legislação federal vigente, em especial à legislação patrimonial e à Lei de Licitações”. A título de esclarecimento, convém colacionar o seguinte trecho da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME, no que concerne às consequências negativas que o dissenso acerca da titularidade dominial da Ilha de Fernando de Noronha pode acarretar para o prosseguimento de ações, programas e políticas públicas, bem como ao fiel cumprimento ao contrato de cessão de uso: A relevância e urgência do pedido de reconhecimento da titularidade da União sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha, bem como de declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos contidos na Constituição do Estado de Pernambuco (Inciso II, do Art. 4º) e na Lei 11.304/1995 (incisos I e II, do Art. 6º), deve-se ao fato de aquele território se encontrar à deriva, com os órgãos federais, em especial a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, por meio de sua Superintendência em Pernambuco, não ter sua atuação reconhecida pela administração estadual, a qual pratica flagrantes atos em contrariedade à legislação federal vigente, em especial à legislação patrimonial e à Lei de Licitações. A atuação da administração e dos gestores estaduais, com inobservância da legislação e do papel das instituições federais atuantes no arquipélago, gerou o comprometimento da credibilidade e desmoralização institucionalizada dos órgãos e entidades federais que atuam no território. Um sem número de irregularidades decorrentes do não reconhecimento da titularidade da União sobre o arquipélago tem implicado na utilização e disposição irregulares de terras públicas federais pelo Estado, o que resulta em evidentes danos ao meio ambiente, desrespeito às políticas e legislação de acesso à terra pela população nativa e de baixa renda, em exploração econômica de terrenos da União sem licitação e contraprestação financeira, entre outros. Ademais, o não reconhecimento da titularidade sobre as 21 ilhas que integram o arquipélago de Fernando de Noronha pelo Estado ensejou o descumprimento do Contrato de Cessão de Uso firmado em favor do Estado em 2002, no qual constavam como obrigações do Estado o cadastramento dos ocupantes à época de sua assinatura, a promoção da regularização fundiária das mesmas em observância à legislação patrimonial federal e a aplicação de instrumentos onerosos, mediante licitação, para as atividades econômicas, com repasse de parte dos recursos auferidos para a União. Em virtude da utilização do território de forma descoordenada, áreas impróprias à ocupação por particulares passaram a interferir em áreas sob jurisdição militar, a exemplo do Aeroporto e Base Aérea, que teve parcela do sítio aeroportuário ocupado por particulares, tendo sido observada a utilização do espaço destinado à pista de pouso do aeroporto para travessia de pessoas e pastagem de animais. 15 Outro ponto impactado pela gestão não coordenada refere-se à ocupação e uso de terras públicas, permitindo a edificação de bares e restaurantes em faixa de areia, o que é totalmente vedado pela legislação federal. A esse respeito, no que importa ao presente caso, veja-se os seguintes trechos das cláusulas primeira, sétima e décima primeira do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais da Ilha de Fernando de Noronha, as quais estão sendo objeto de constante descumprimento pelo Estado de Pernambuco: CLÁUSULA PRIMEIRA – Que a União é senhora e legítima possuidora do imóvel, parte urbano e parte rural, constituído pelas benfeitorias de domínio da União e por terrenos de marinha, acrescidos de marinha e nacionais interiores, composto pela Área 1, com área de 5.751.327,59 m², e Área 2, com área de 7.657,86 m², localizado na Ilha de Fernando de Noronha, instituído como Distrito Estadual de Fernando de Noronha, Estado de Pernambuco, por força do art. 20, incisos IV e VII da Constituição Federal. (...) CLÁUSULA SÉTIMA – As áreas remanescentes, passíveis de utilização, poderão ser destinadas para uso de terceiros, observada a legislação patrimonial da União (Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, e o Decreto-Leino 9.760, de 05 de setembro de 1946), bem como a legislação ambiental nacional (Lei no 9.285, de 18 de junho de 2000, e o Plano de Manejo da Área de Preservação Ambiental Federal de Fernando de Noronha), assim como os procedimentos licitatórios previstos em lei, devendo as receitas auferidas pelo OUTORGADO Cessionário, em decorrência desta cessão, serem investidas na área cedida. (...) CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA – Fica o OUTORGADO Cessionário obrigado a: I) administrar, guardar, zelar, fiscalizar e controlar o imóvel cedido, devendo conservá-lo e manter as benfeitorias no estado de padrão de conservação estabelecido; II) submeter para exame e anuência da Secretaria do Patrimônio da União – SPU e dos órgãos competentes, em especial o ambiental, os projetos a serem realizados, bem como eventuais alterações, ficando a sua implantação condicionada ao respectivo licenciamento ambiental; III) efetuar pagamento mensal à União, pelo uso de parcelas das áreas remanescentes, mencionadas na Cláusula Sétima, que forem destinadas à execução de empreendimentos de fins lucrativos, em valor correspondente, no mínimo, ao percentual de remuneração devido ao Estado, a ser estabelecido, para cada utilização, em Portaria da Secretaria do Patrimônio da União; IV) adotar as medidas necessárias, no âmbito administrativo e/ou judicial de sua competência, para cumprir os objetivos da cessão pretendida; V) cadastrar os atuais ocupantes, e manter os respectivos assentamentos atualizados junto à GRPU/PE, bem como promover o levantamento sócio-econômico dessa comunidade, com vista à identificação das famílias carentes e de baixa renda, desde que observados o disposto na cláusula sexta; VI) no caso de novas ocupações, nos termos da Cláusula Sétima, cadastrar os usuários das áreas e manter os respectivos assentamentos atualizados junto à GRPU/PE, identificando as destinações para uso público do Estado de Pernambuco; VII) caracterizar as benfeitorias (plantas arquitetônicas e memorial descritivo) e elaborar laudo sobre seu estado atual de conservação; VIII) elaborar plano de reformas das benfeitorias, com estabelecimento do estado padrão de conservação; IX) elaborar normas de uso que nortearão o uso e ocupação da 16 área cedida, devendo ser referendadas pela SPU e fazer parte integrante do contrato de cessão; X) elaborar diagnóstico de capacitação de suporte da área cedida, que deverá ser obedecido pela Administração da Ilha na implementação dos projetos e das ações de gestão e integrar o Contrato de Cessão; XI) fornecer os dados necessários para que a GRPU/PE promova, junto ao Cartório de Registro de Imóveis jurisdicionante, o registro da área cedida e averbação das benfeitorias da União nela existentes; XII) impedir ocupações e usos irregulares na área, notificando a SPU de qualquer ocorrência em tal sentido, bem como adotar as medidas cabíveis, administrativas ou judiciais, em relação às atuais ocupações indevidas, visando a sua readequação, remanejamento ou demolição; XIII) promover a cobrança das receitas patrimoniais devidas pelos ocupantes da Ilha, até a data do contrato de cessão, com base no cadastro e no levantamento sócio-econômico que realizar, em consonância com as orientações a serem expedidas em Portaria da Secretaria do Patrimônio da União, exceto quanto às atividades típicas de Estado; XIV) apresentar Relatório Anual de Prestação de Contas à SPU das atividades desenvolvidas em cumprimento às obrigações assumidas neste instrumento. É possível extrair do instrumento contratual que a União, por força do art. 20, incisos IV e VII, da Constituição da República, goza da titularidade do bem objeto da referida avença - área referente à Ilha de Fernando de Noronha – e que o Estado de Pernambuco deve observância às regras patrimoniais e ambientais federais, bem como se submete à fiscalização e à ingerência da SPU/ME na condução da gestão da ilha. No entanto, o ente subnacional não só vem se conduzindo em total desconformidade com a previsão constitucional quanto aos bens de pertencentes à União, como ignora a força vinculante do contrato por ele firmado no tocante à regular administração da área cedida. Nesse sentido, a SPU/ME, por meio da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME, informa que “decorridos 15 anos da assinatura do contrato de cessão, a maioria das cláusulas contratuais não foram cumpridas, o que levou o Tribunal de Contas da União - TCU (Processo SEI/MP 04962.004283/2017-06), a Controladoria Geral da União - CGU (Processo SEI/MP 04962.001665/2016-99) e o Ministério Público Federal – MPF (Processo 04962.001142/2009-13) a exigirem manifestação da SPU quanto à inadimplência e, mais ainda, a informar se o Estado de Pernambuco teria condições de fazer a gestão daquele território, 17 ou se a União teria de fazê-lo”. Em face dessa realidade, no período de 13 a 16 de março de 2017, a SPU/ME realizou uma oficina de trabalho na Ilha de Fernando de Noronha, no âmbito do Projeto Orla, consoante dispõe o Decreto nº 5.300/2004. Deste grupo de trabalho participaram a Unidade Central da SPU, a SPU/PE, o Governo do Estado de Pernambuco, o Ministério Público Estadual – MP/PE, conselhos e associações locais e diversos empresários e moradores. Naquela oportunidade, conforme destacado pela Secretaria do Patrimônio da União, “foi possível a obtenção de importantes depoimentos que atestaram os desmandos praticados pelo Estado de Pernambuco na gestão da Ilha”, a saber: a) Somente aos nativos é dado o direito de usufruto dos espaços físicos na Ilha, tanto para moradia, quanto para atividades econômicas. Então, vários deles “associaram-se” a empresários não nativos ou simplesmente tornaram-se “laranjas” para que grandes empreendimentos pudessem ser implantados. Assim, essas famílias passam a residir no continente, em situação mais confortável, abrindo espaço para que empresários possam ocupar esses espaços. b) O Estado concede, irregularmente, grandes extensões de áreas para empreendimentos hoteleiros e comerciais, ao “arrepio da Lei”, enquanto aos locais, nada é concedido. c) Os nativos penam, por anos, para conseguir autorização para qualquer reforma ou ampliação de um cômodo em suas residências, mesmo quando seus filhos se casam. Para os não nativos, as autorizações são concedidas sem restrições, com a possibilidade de adquirirem e interiorizarem material de construção diretamente do continente, enquanto ao nativo só resta fazê-lo na própria Ilha, a preços escorchantes. O mesmo ocorre quanto aos gêneros alimentícios; d) Não há controle sobre as cargas que chegam ao Porto de Noronha, sendo comum a interiorização de containers sem a devida vistoria (após a realização da Oficina, em agosto de 2017, o porto passou para a administração da Autarquia responsável pela gestão da Ilha – Resolução nº 5.594/2017); e) Os empreendedores não se sujeitam às normas federais de uso e ocupação do solo, edificando irregularmente em áreas da União, inclusive praias, e desobedecendo a legislação urbanística e ambiental, o que pode comprometer a qualidade de vida e até a balneabilidade de algumas praias, tudo objeto de uma infinidade de ações civis públicas promovidas pela AGU e pelo MPF. É de se destacar que a superexploração da Ilha pode comprometer o meio ambiente e a atividade turística na região; f) E, o mais grave; baseado na premissa de que o nativo tem direito ao uso da terra, o Estado passou a inibir o nascimento de novos noronhenses. A estratégia utilizada foi a de desativar a maternidade local e enviar compulsoriamente para o continente as gestantes no sétimo mês de gravidez, para que as crianças não nasçam em Noronha. Isso traz enorme desconforto para a parturiente que é obrigada a se afastar do convívio daqueles que ama (filhos menores, mãe,marido, amigos) exatamente em um momento que mais necessita de apoio e do 18 fortalecimento dos laços familiares. O recém-nascido recebe uma autorização precária para ingresso na Ilha, como se fosse morador provisório Os vídeos https://youtu.be/U2_zbDJP2zg e https://www.youtube.com/watch?v=lt85REj_oAg bem demonstram essas agressões e humilhações impostas às mulheres e demais nativos de Noronha; g) O atendimento à saúde é precário, o que coloca em risco a segurança, também dos turistas; O Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, relatou a situação ao Ministério Público Federal quando de sua passagem pela Ilha, o que fez com que a então Subprocuradora-Geral da República, Dra. Deborah Duprat interpelasse a SPU acerca dos acontecimentos e reclamasse providências para o fim dessas agressões àqueles brasileiros “de segunda classe”. Desde 2017 a Câmara de Conciliação e Arbitragem Federal – CCAF busca uma solução para o impasse quanto ao domínio do Território de Fernando de Noronha. Solução difícil, uma vez que o Estado de Pernambuco não aceita o domínio da União e que esta lhe faça concessões de áreas, única possibilidade legal de gestão compartilhada da ilha. Mas, como se vê, mais do que a questão do domínio, o Estado Brasileiro está assistindo, inerte, à supressão do sagrado direito à cidadania imposta aos nativos da Ilha de Fernando de Noronha, instalando verdadeiro clima de terror à população local, o que demonstra mais uma vez a urgente necessidade de a União colocar um fim às arbitrariedades apresentadas, o que poderá ser feito com a definição da dominialidade da Ilha, o que permitirá uma ação assertiva dos entes Federais. (grifos acrescidos) Diante do cenário de ineficiência e irregularidades na gestão patrimonial da ilha, a SPU, através de relatório elaborado no bojo do Projeto Orla, consignou que o Estado de Pernambuco vem atuando em “descumprimento quase que absoluto das cláusulas contratuais e da legislação federal vigente (patrimonial, de licitações etc), resultando na consolidação de situações de difícil reversão, tanto do ponto de vista físico como legal” (Doc. 16). Nessa linha, cumpre trazer à baila o seguinte quadro que exemplifica algumas das irregularidades identificadas por órgãos federais de controle interno e externo quanto à gestão da Ilha de Fernando de Noronha pelo Estado de Pernambuco, demonstrando cenário de reiterado descumprimento do contrato de cessão de uso da ilha pelo ente subnacional: Manifestação do órgão de controle Irregularidades identificadas Cláusulas do Contrato de Cessão 19 de Uso Violadas Nota Técnica 4ª CCR nº 2/2018, da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Meio Ambiente e Patrimônio Cultural) Apontou diversas irregularidades na concessão de licenças ambientais, relativas a descumprimento da melhoria de condições habitacionais para os moradores da ilha, ampliação indevida de meios de hospedagem em áreas livres destinadas prioritariamente à habitação, excesso de número de visitantes, entre outras, em desacordo com o Plano de Manejo da APA Fernando de Noronha, por parte da CPRH e da ATDEFN, conforme noticiado pelo próprio ICMBio, na Nota Técnica nº 4/2018/ICMBio Noronha e outros documentos encaminhados ao MPF. Cláusula décima primeira, itens I e II Recomendação MPF nº 17/2018 Recomendação destinada ao Gestor do ICMBio em Fernando de Noronha e para a Coordenadora Regional do ICMBio em Cabedelo - CR6, para que fossem adotadas medidas competentes em face da Agência Estadual do Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), tendo vista as situações constatadas de concessão de licença ambiental para reforma/ampliação/implantação de meios de hospedagem e/ou de áreas livres em zona urbana em desconformidade com o Plano de Manejo, autuando-a e cominando as Cláusula décima primeira, itens I e II 20 sanções administrativas que reputar cabíveis em cada caso, nos termos do Decreto 6.514/2008, bem como solicitando o cancelamento da respectiva licença emitida. Recomendação MPF nº 18/2018 Recomendação destinada ao Diretor- Presidente da CPRH - Agência Estadual do Meio Ambiente para que se abstenha de emitir licenças ambientais para regularização, reforma, ampliação ou construção de meios de hospedagem e/ou para quaisquer obras, construções ou reformas nas áreas livres em zona urbana, em desconformidade com o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha - Rocas - São Pedro e São Paulo. Cláusula décima primeira, itens I e II Ação Civil Pública nº 0806985-09.2017.4.05.8300 (Doc. 17) ACP proposta pelo MPF para demolição de barracas de praia e recuperação das áreas. Funcionamento de bares e barracas que de há muito ocupam, irregularmente, faixa de praia e terreno de marinha em Fernando de Noronha, muitos dos quais autuados, por ocupação indevida, no já distante ano de 2002. Verificação de danos Cláusulas quarta, sétima e décima primeira, itens I, II e XII 21 ambientais. Ausência de promoção dos procedimentos licitatórios para seleção de empreendedores. Acórdão n. 10940/2016- TCU-Segunda Câmara (Doc. 18) (...) 1.9. Determinar à Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Pernambuco (SPU/PE), com fundamento no art. 250, inciso II, do RITCU, que apresente a este Tribunal, no prazo de 120 dias, planos de ação, contendo, no mínimo, as medidas a serem adotadas, os responsáveis pelas ações e os prazos previstos para a sua implementação, a fim de: 1.9.1. analisar a boa e regular execução do Contrato de Cessão de Uso, em condições especiais, da área onde está localizado o Arquipélago de Fernando de Noronha, firmado com o Estado de Pernambuco, a fim de ser verificado a situação dos cadastramentos e das cessões de áreas da União realizados pelo governo do Estado, em especial aqueles apontados como irregulares no Relatório de Auditoria 201316876 da CGU (peça 10); Cláusula décima primeira, itens I, II e XII 22 Relatório de Vistoria no 06/2015 da SPU/ME de Pernambuco (Doc. 19) a)Não observância da legislação patrimonial, notadamente a Lei n. 9.636/1998 e o Decreto n. 3.725/2001, por parte do Governo do Estado de Pernambuco no ato de emissão dos Termos de Permissão de Uso. Após análise das informações obtidas quando da realização da vistoria, não foi possível identificar os critérios adotados pelo Governo do Estado de Pernambuco para lavratura dos TPUs; b) Após realização de vistoria, verificou-se que os projetos e as alterações na área objeto do Contrato de Cessão de Uso não estão sendo submetidas à SPU. Cláusulas sétima e décima primeira, item II Relatório de Auditoria 201316876 da Controladoria-Geral da União (Doc. 20) Identifica ilegalidades dos Termos de Permissão de Uso (TPU) lavrados em favor de particulares pelo Governo do Estado de Pernambuco, considerando que o domínio patrimonial da ilha é da União. Cláusulas quinta, sexta, sétima, oitava, nona e décima primeira Parecer n. 076-2021- PFIPHAN-PGF-AGU e Nota Técnica 85/2021 do IPHAN (Doc. 21) Danos identificados na vistoria sobre o estado de conservação da Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios, localizada em Fernando de Noronha, um ano após a restauração (realizada entre jan/2018 e mar/2020, ao custo de R$ 10.978.658,08). Indica danos decorrentes de mau uso e os custos Cláusula décima primeira, item I 23 estimados em R$ 750.000,00 para reparação. “Após a conclusão da obra, em 25/03/2020, o Iphan devolveu as chavesda edificação à Administração Territorial do Distrito Estadual de Fernando de Noronha - ATDEFN, conforme registrado no Termo de entrega chaves” Nota Técnica SEI nº 60754/2021/ME, da Secretaria do Patrimônio da União, e anexos (Doc. 22, 23, 24, 25 e 26) a) Ausência de submissão à SPU de projetos e alterações realizadas pela Administração Estadual na área contratada; b) Apesar de a legislação patrimonial exigir que toda utilização com finalidade lucrativa deve ser onerosa, não é de conhecimento da SPU que algum dia o Estado tenha cobrado pelos Termos de Permissão de Uso (TPUs) – em prejuízo do imóvel sob gestão do Estado, já que as receitas auferidas dessas cessões seriam investidas na Ilha; c) Não foi localizado o cadastro dos ocupantes que deveria ter sido apresentado pelo Estado (Cláusula Quinta: três anos para cumprimento dos encargos); d) SPU nunca foi consultada quanto a novas ocupações, tendo em vista que o Estado de Pernambuco não reconhece Cláusulas quinta, décima primeira, itens II, III, V, VI, VII, XII, XIII, XIV 24 a titularidade dominial da União sobre a área; e) Não foram caracterizadas as benfeitorias (plantas arquitetônicas e memorial descritivo) e nem elaborado laudo sobre estado de conservação de Fernando de Noronha; f) Indícios de novas ocupações irregulares, tais como construções realizadas em faixa de areia de praia; g) SPU não vem sendo notificada pelo Estado de Pernambuco a respeito das ocupações irregulares. Pelo contrário, aquele órgão da União solicita providências e o ente subnacional permanece inerte; h) O Estado de Pernambuco nunca apresentou o Relatório Anual de Prestação de Contas à SPU das atividades desenvolvidas em cumprimento às obrigações assumidas no instrumento contratual. A atual gravidade do conflito federativo ora estabelecido também pode ser extraída das informações colacionadas pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União do Ministério da Economia (SPU/ME) que, por meio da Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME, relata que o Distrito Estadual de Fernando de Noronha instaurou, em 2021, o Processo Licitatório nº 001.2021.PP.001, para concessão onerosa do espaço físico da Fortaleza Nossa 25 Senhora dos Remédios para uso comercial11. A Fortaleza Nossa Senhora dos Remédios, que consiste em um dos diversos patrimônios históricos e culturais situados no Arquipélago de Fernando de Noronha e tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi incluída no Programa REVIVE, objeto de cooperação internacional que pretende recuperar aqueles patrimônios que se encontrem subutilizados e degradados, para aproveitamento turístico e geração de emprego e renda no País, firmado entre os Governos de Portugal e do Brasil, por meio do Ministério do Turismo12. Em razão do referido procedimento de licitação e a fim de dar prosseguimento ao Programa REVIVE, a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União do Ministério da Economia encaminhou o Ofício SEI nº 294193/2021/ME (Doc. 27) ao Governador do Estado de Pernambuco, informando a supressão do espaço relativo ao mencionado Forte do poligonal constante na cláusula segunda do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais e solicitando “sejam interrompidos os procedimentos licitatórios previstos pelo Estado de Pernambuco relativos àquele bem pertencente à União”. Em total desconsideração aos termos do contrato e ao que determina o art. 20 da Constituição Federal, o Estado de Pernambuco, em resposta ao ofício da União, requereu que as providências consignadas pela SPU/ME fossem tornadas sem efeito, uma vez que “o Constituinte Originário atribuiu a propriedade do arquipélago de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco, excepcionando a regra geral do inciso IV do art. 20 das disposições permanentes da Constituição, que insere as ilhas oceânicas no rol de bens da União”13. Ainda quanto à concessão onerosa da Fortaleza Nossa Senhora dos 11 http://www.licitacoes.pe.gov.br/web/DetalheLicitacao.aspx?idLicitacao=41342&NovaLic=OK 12 https://investimento.turismo.gov.br/parcerias-e-concessoes/revive/ 13 Nos termos do que consignado no Ofício nº 2360/2021, de lavra da PGE/PE (em anexo). 26 Remédios, convém destacar que tal controvérsia foi judicializada no âmbito da Justiça Federal do Estado de Pernambuco, por meio da Ação Ordinária nº 0822067- 41.2021.4.05.8300. Naquela oportunidade, a União pleiteou a anulação do Processo Licitatório nº 001.2021.PP.001, apontando o descumprimento do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais e pelo fato de que “o citado bem não mais se encontra na gestão do Estado de Pernambuco, ou seja, desde a comunicação formalizada pelo OFÍCIO SEI Nº 294193/2021/ME” (Doc. 28). Entretanto, o Juízo da 9º Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, em 15/02/2022, não acolheu a pretensão do ente central, sob o errôneo fundamento de que a Ilha de Fernando de Noronha pertenceria ao ente subnacional (Doc. 29). De outra parte, em mais uma tentativa de obstar a atuação dos órgãos da União no Arquipélago de Fernando de Noronha, o Estado de Pernambuco, em 24/11/2021, encaminhou notificação extrajudicial ao Superintendente do Patrimônio da União em Pernambuco requerendo seja interrompido procedimento administrativo de demarcação de terrenos de marinha naquela área, iniciado pelo ente central, sob o argumento de que “por força do art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT da Constituição de 1988 e do art. 4o da Constituição Pernambucana de 1989, toda a área do arquipélago de Fernando de Noronha é de propriedade do Estado de Pernambuco” (Doc. 30). É possível verificar que o Estado-membro, na prática, ao não reconhecer o domínio da União sobre o Arquipélago de Fernando de Noronha, acabou por esvaziar os termos do Contrato de Cessão de Uso em Condições Especiais, mormente no tocante às competências constitucionais do ente central para gestão de bem público de sua titularidade, conforme sintetizado pela SPU/ME na Nota Técnica SEI nº 60754/2021/ME (em anexo). 27 Diante desse cenário, a dissidência acerca de qual dos entes federativos detém a titularidade do Arquipélago de Fernando de Noronha tem implicado na utilização e disposição irregulares de terras públicas federais pelo Estado, o que resulta, por exemplo, em evidentes danos ao meio ambiente, em desrespeito às políticas e legislação de acesso à terra pela população nativa e de baixa renda, em exploração econômica de terrenos da União sem licitação e contraprestação financeira. Assim, considerando que o Estado de Pernambuco vem reiteradamente descumprindo os termos do contrato de cessão de uso, sobretudo as cláusulas primeira, sétima e décima primeira, e que os órgãos da União estão sendo impedidos de fazer cumprir a avença pelo ente subnacional, a SPU/ME assenta, na Nota Técnica SEI nº 46207/2021/ME, ser “a definição da dominialidade da Ilha, o que permitirá uma ação assertiva dos entes Federais”. IV. 2 – Da necessidade de cobrança dos valores devidos à União pelo Estado de Pernambuco em razão do descumprimento do Contrato de Cessão de Uso Diante do contexto de total inobservância ao Contrato de Cessão de Uso da Ilha de Fernando de Noronha por parte do Estado de Pernambuco, vale sublinhar que também há deveres financeiros advindos de cláusulas contratuais que não estão sendo levados a efeito pelo ente subnacional. Nesse ponto, urge destacar que, nos termos da cláusula sétima do referido contrato, ao Estado de Pernambuco, na qualidade de cessionário, é permitida a destinação a terceirosdas áreas remanescentes passíveis de utilização “observada a legislação patrimonial da União (Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, e o Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946), bem como a legislação ambiental nacional (Lei nº 9.28, de 18 de junho de 2.000, e o Plano de Manejo da Área de Preservação Ambiental Federal de Fernando de Noronha), assim como os procedimentos licitatórios previstos em lei, devendo as receitas auferidas pelo 28 OUTORGADO Cessionário, em decorrência desta cessão, serem investidas nas áreas cedida”. Nesse passo, conforme disposto no item III da cláusula décima primeira, na hipótese de uso de parcelas das áreas remanescentes, mencionadas na Cláusula Sétima, que forem destinadas à execução de empreendimentos de fins lucrativos, o cessionário deverá efetuar pagamento mensal à União. No entanto, a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, através da Nota Técnica SEI nº 60754/2021/ME, expôs que “a SPU não foi informada sobre os contratos e valores auferidos pelo Estado pelo uso das áreas remanescentes”. A título de esclarecimento, confira-se: Comentário SPU: O contrato previu que o Estado poderia outorgar destinações. Para novas utilizações (posteriores à assinatura do contrato) com finalidade lucrativa, o Estado deveria auferir receitas, devendo ser uma parcela repassada à União, em percentual definido caso a caso (Cláusula Décima Primeira, III), e outra, investida nas áreas cedidas (Cláusula Sétima). A SPU não foi informada sobre os contratos e valores auferidos pelo Estado pelo uso das áreas remanescentes. Para que a União possa estabelecer métrica de cálculo dos valores devidos, são necessárias: Verificação das destinações outorgadas pelo Estado e o método de cálculo de retribuição utilizado; Verificação da adequação da onerosidade/gratuidade e dos valores cobrados, em comparação aos valores mínimos que seriam devidos à União, com base na legislação patrimonial e nos normativos da SPU Para cálculo dos valores devidos à União, além do conhecimento do montante total mínimo que deveria ser cobrado pelo Estado, devem ser considerados também os valores comprovadamente reinvestidos pelo Estado na área cedida, conforme Cláusula Sétima. (grifos acrescidos) Com efeito, conforme demonstrado, o Estado de Pernambuco não cumpre sua obrigação relativa à prestação de contas à SPU/ME quanto às atividades desenvolvidas no Arquipélago de Fernando de Noronha, o que deveria ser realizado através do Relatório Anual de Prestação de Contas - item XIV da cláusula décima primeira. Tal situação inviabiliza o cálculo dos valores efetivamente devidos à União a esse título, tendo em vista ser necessário o conhecimento acerca (i) das destinações outorgadas pelo Estado e o método de cálculo de retribuição utilizado; e (ii) do montante total mínimo que deveria ser 29 cobrado pelo Estado, devendo ser levado em consideração também os valores comprovadamente reinvestidos pelo Estado na área cedida. Ora, atualmente, sequer há informações prestadas pelo ente subnacional sobre as ocupações na ilha, quer sejam as regulares ou mesmo as irregulares. De fato, a Nota Técnica SEI nº 60754/2021/ME, apontando violação ao item XII da cláusula décima primeira do contrato, destaca que o Estado de Pernambuco em nenhum momento notificou a SPU/ME acerca das ocupações irregulares vastamente comprovadas pelos órgãos de controle, bem como ressaltou que “não se tem informação de medidas adotadas para readequação das irregularidades existentes à época do contrato ou impedimento de novas”. Vê-se que aquele ente federativo parece adotar postura negligente quanto ao cumprimento do contrato, sobretudo no tocante às irregularidades quanto ao uso e ocupação das terras públicas que compõem Fernando de Noronha, o que, segundo sustenta a SPU/ME, tem o condão de atrair “responsabilização solidária do cessionário por ter incorrido em omissão”. Em verdade, o artigo 37, §6o, da Constituição da República14 possibilita a responsabilização civil da Administração Pública e, em caso de conduta omissiva, tal responsabilidade restará configurada diante da negligência no cumprimento de dever legal de impedir a efetivação do dano15. Ora, no presente caso, é patente a omissão do Estado de Pernambuco no que se refere aos danos ambientais e patrimoniais acarretados pela ausência da adoção das providências legais e contratuais em face das irregularidades no uso e ocupação da Ilha de Fernando de Noronha. 14 Art. 37 (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 15 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 621. 30 A esse respeito, José dos Santos Carvalho Filho16 vai além e sustenta que, para que um dos celebrantes do contrato seja considerado inadimplente de forma culposa e daí decorra a sua responsabilidade, “é irrelevante que a parte tenha agido com dolo (ânimo intencional de descumprir) ou culpa (ação ou omissão com imprudência, imperícia ou negligência)”, bastando, para tanto, que seja verificado o descumprimento das obrigações fixadas contratualmente. Dessa forma, é possível a cobrança, pela União, de multas e custos referentes a eventuais demolições e remoções de ocupações irregulares, nos termos do que prevê o art. 10 da Lei nº 9.636/199817 e o art. 6º do Decreto-lei 2.398/198718. 16 CARVALHO FILHO, José dos Santos, ob.cit., p. 216 e 217. 17 Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas. Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. 18 Art. 6o Considera-se infração administrativa contra o patrimônio da União toda ação ou omissão que viole o adequado uso, gozo, disposição, proteção, manutenção e conservação dos imóveis da União. (...) § 1o Incorre em infração administrativa aquele que realizar aterro, construção, obra, cercas ou outras benfeitorias, desmatar ou instalar equipamentos, sem prévia autorização ou em desacordo com aquela concedida, em bens de uso comum do povo, especiais ou dominiais, com destinação específica fixada por lei ou ato administrativo. § 2o O responsável pelo imóvel deverá zelar pelo seu uso em conformidade com o ato que autorizou sua utilização ou com a natureza do bem, sob pena de incorrer em infração administrativa. § 3o Será considerado infrator aquele que, diretamente ou por interposta pessoa, incorrer na prática das hipóteses previstas no caput. § 4o Sem prejuízo da responsabilidade civil, as infrações previstas neste artigo serão punidas com as seguintes sanções: I - embargo de obra, serviço ou atividade, até a manifestação da União quanto à regularidade de ocupação; II - aplicação de multa; III - desocupação do imóvel; e IV - demolição e/ou remoção do aterro, construção, obra, cercas ou demais benfeitorias, bem como dos equipamentos instalados, à conta de quem os houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização. § 5o A multa será no valor deR$ 73,94 (setenta e três reais e noventa e quatro centavos) para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas ou em que forem realizadas obras, cercas ou instalados equipamentos. § 6o O valor de que trata o § 5o será atualizado em 1o de janeiro de cada ano com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os novos valores serão divulgados em ato do Secretário de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. § 7o Verificada a ocorrência de infração, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão aplicará multa e notificará o embargo da obra, quando cabível, intimando o responsável para, no prazo de 30 (trinta) dias, comprovar a regularidade da obra ou promover sua regularização. § 9o A multa de que trata o inciso II do § 4o deste artigo será mensal, sendo automaticamente aplicada pela Superintendência do Patrimônio da União sempre que o cometimento da infração persistir. § 10. A multa será cominada cumulativamente com o disposto no parágrafo único do art. 10 da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998. § 11. Após a notificação para desocupar o imóvel, a Superintendência do Patrimônio da União verificará o http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9636.htm#art10 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9636.htm#art10 31 Pelo exposto, pugna a União que (i) seja determinado ao Estado de Pernambuco que preste contas à SPU/ME acerca das atividades desenvolvidas na área cedida, a fim de que seja possível apurar os valores devidos ao ente central a título do que dispõe o item III da cláusula décima primeira do contrato; e (ii) seja reconhecida a responsabilidade civil por omissão do ente subnacional quanto ao cumprimento do instrumento contratual por ele firmado com o ente central. V – DA TITULARIDADE DA UNIÃO SOBRE O ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA. DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ARTIGO 4º, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO E DO ARTIGO 6º, INCISOS I E II, DA LEI ESTADUAL Nº 11.304/1995 A controvérsia instaurada pelo Estado de Pernambuco perpassa por uma interpretação histórica da titularidade e posse do Arquipélago de Fernando de Noronha, que, pela posição geográfica, a seu ver, deveria integrar o seu patrimônio imobiliário. O ente subnacional sustenta, a partir de errônea interpretação do texto do artigo 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que após a promulgação da Carta Magna de 1988 o constituinte originário lhe teria transferido a titularidade do domínio sobre aquela área. Nessa toada, a Constituição do Estado de Pernambuco, alterada pela Emenda Constitucional nº 09, de 28 de dezembro de 1995, inseriu o inciso II ao seu artigo 4º, atribuindo ao Estado-membro a titularidade do domínio do Arquipélago de Fernando de Noronha. Confira-se: Art. 4º Incluem-se entre os bens do Estado: (Redação alterada pelo art. 1º atendimento da notificação e, em caso de desatendimento, ingressará com pedido judicial de reintegração de posse no prazo de 60 (sessenta) dias. § 12. Os custos em decorrência de demolição e remoção, bem como os respectivos encargos de qualquer natureza, serão suportados integralmente pelo infrator ou cobrados dele a posteriori, quando efetuados pela União. § 13. Ato do Secretário do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão disciplinará a aplicação do disposto neste artigo, sendo a tramitação de eventual recurso administrativo limitada a 2 (duas) instâncias. 32 da Emenda Constitucional n˚ 9, de 28 de dezembro de 1995.) (...) II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, incluídas as do Arquipélago de Fernando de Noronha e excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou de terceiros; (Acrescido pelo art. 1º da Emenda Constitucional n˚ 9, de 28 de dezembro de 1995.) Por sua vez, a Lei Estadual nº 11.304/1995, ao instituir o Distrito Estadual de Fernando de Noronha declarou que Arquipélago de Fernando de Noronha seria bem do distrito estadual. Segue a transcrição do normativo: Art. 6º São bens do Distrito Estadual de Fernando de Noronha: I - a totalidade da extensão territorial da ilha de Fernando de Noronha e das demais ilhas componentes do Arquipélago de Fernando de Noronha; II - os bens móveis e imóveis, integrantes do patrimônio do antigo Território Federal, transferidos ao Estado em decorrência de acordo, contrato ou convênio com a União, decisão judicial ou por força de Lei; No entanto, os referidos atos normativos estaduais colidem com as normas da Constituição Federal que atribuem à União o domínio do Arquipélago de Fernando de Noronha, estando eivados de vícios materiais de inconstitucionalidade com parâmetro no bloco de constitucionalidade, que se expressa numa relação lógica de desconformidade com o texto da Lei Fundamental. A Constituição da República reservou à União, para exercer suas competências e atribuições, a destinação de vários bens à luz de uma pertinência lógica entre os deveres, os resultados de políticas públicas e os interesses nacionais. Assim, prescreve em seu artigo 20 que são bens da União as ilhas oceânicas e as costeiras, os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, o mar territorial e os terrenos de marinha. Confira-se: Redação originária da CF 88 Art. 20. São bens da União: [...] IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II; V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos. 33 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005: IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; Quanto ao ponto, à luz da previsão constitucional, a Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco/ME, através da Nota Técnica SEI nº 40884/2021/ME (Doc. 31), destacou que “toda a extensão e terrenos do Arquipélago incluídas suas ilhas, praias marítimas e terrenos de marinha são de domínio da União”. Confira-se: 19. De acordo com o Relatório Técnico de Identificação Direta das Áreas de Domínio Constitucional da União no Arquipélago de Fernando de Noronha (SEI 18067431), toda a extensão e terrenos do Arquipélago, incluídas suas ilhas, praias marítimas e terrenos de marinha são de domínio da União com fulcro no Art. 20 da Constituição Federal de 1988: Ilhas oceânicas - Inciso IV, do Art. 20 Praias marítimas - Inciso IV, do Art. 20 Terrenos de marinha - Inciso VII, do Art. 20 20. Registre-se que, na mesma linha, o Inciso III, do Art. 20, da CF 88 atribui à União a titularidade dos lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio. Dessa forma, qualquer corpo ou curso d'água existente no Arquipélago também é de domínio da União. 21. Além da parte emersa que integra o Arquipélago, de acordo com o Inciso VI, do Art. 20 da CF 88 também são de domínio da União as águas marítimas que o circundam,caracterizadas como Mar Territorial, cuja extensão é definida pelo Art. 1º da Lei 8.617/1993: (...) Em que pese a previsão constitucional federal de que as ilhas que integram o Arquipélago de Fernando de Noronha são de domínio da União, esta não é reconhecida pelo Ministério Público Estadual de Pernambuco - MPPE, tampouco pela Procuradoria-Geral do Estado, em face à disposição contida na Constituição do Estadual de Pernambuco, tendo sido instaurada entre os anos de 2017/2018 uma Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF para tratar da "disputa" sobre a titularidade do Arquipélago (Processo 04905.001050/2017-28). Especificamente quanto às ilhas oceânicas, registre-se que desde a Constituição Federal de 1967, estas foram reservadas ao domínio da União (cf. inc. II do art. 4º). Do mesmo modo, pela redação originária da atual Carta Magna, as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas destas as áreas que estivessem sob o http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc46.htm#art1 34 domínio dos Estados-membros quando da promulgação da CRFB, foram atribuídas à União como bens privativos e tem por finalidade a proteção de interesses nacionais estratégicos para a defesa do País e preservação dos ecossistemas. Nessa linha, a fim de confirmar o fundamento constitucional ora consignado, é de relevo trazer à lume o seguinte trecho do voto condutor do acórdão prolatado pelo Plenário desse Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE no 636.199/ES. Naquela oportunidade, restou delineado o histórico dominial das ilhas oceânicas e costeiras, concluindo que, sob a égide do atual Texto Constitucional, as ilhas oceânicas que não pertenciam, quando da promulgação da Carta Magna, por outro título, a Estado, Município ou particular, são considerados de titularidade dominial da União. Confira-se: 5. Relembrando, brevemente, a história republicana do Brasil, destaco que a Carta Constitucional de 1891, ao estabelecer o domínio da União sobre “a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais” (art. 64), silenciou acerca do domínio das ilhas. O mesmo ocorreu com as Constituições seguintes, até o advento da Constituição de 1967, em que a propriedade das ilhas oceânicas, fluviais e lacustres passou a ser expressamente prevista como da União, in verbis (...) Em 06.03.1985, este Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 101.037/SP, de relatoria do Ministro Francisco Rezek, pacificou a controvérsia até então existente sobre o alcance da expressão “ilhas oceânicas”, objeto do texto constitucional. Diferenciando-as das ilhas costeiras, decidiu-se, na ocasião, que somente as ilhas oceânicas integrariam o patrimônio da União. Isso porque, à ausência de ressalvas no texto constitucional, conclusão em sentido inverso importaria em desconsiderar a existência, nas ilhas costeiras, de qualquer bem reservado ao domínio de particular ou dos demais entes da Federação. O acórdão restou assim ementado: (...) A Constituição Federal de 1988, adotando a classificação das ilhas marítimas em oceânicas e costeiras, incluiu-as, indistintamente, na relação dos bens da União, a teor do art. 20, IV, em sua redação original, verbis: (...) Extrai-se, da leitura dos dispositivos, que, anteriormente à Emenda Constitucional nº 46/2005, todos os imóveis situados nas ilhas oceânicas e costeiras que não pertencessem, por outro título, a Estado, Município ou particular, eram considerados propriedade da União. Tal compreensão foi consagrada no julgamento da ACO 317 (Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ 20.11.1992), em que reconhecido o domínio da União sobre as terras situadas nas ilhas litorâneas (art. 20, IV), resguardada a legitimidade de eventual transferência da titularidade para os Estados, pelos meios regulares de direito (art. 26, II). Além de explicitar-se o sentido da mútua remissão entre os referidos dispositivos, assentando-se pertencerem aos 35 Municípios, Estados-membros e particulares as áreas que a União lhes transferira pelos meios jurídicos apropriados, foi confirmado, nesse julgado, o domínio do ente federal sobre as terras devolutas presentes nas ilhas costeiras. Eis a ementa: (...) Em voto concordante, consignou o Ministro Rezek, reportando-se ao voto que proferira como relator no RE 101.037, antes referido, que “a Constituição de 88 observou a distinção vernácula que o acórdão fizera entre ilhas oceânicas e ilhas costeiras, mas liquidou o assunto por inteiro, dizendo que umas e outras pertencem naturalmente à União, a menos que outra forma de domínio ali se possa demonstrar, seja do Estado, seja do Município, seja do particular”. (...) A alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 46/2005 criou, no ordenamento jurídico, exceção à regra geral então vigente sobre a propriedade das ilhas costeiras. Com a redação conferida ao art. 20, IV, da Lei Maior pelo constituinte derivado, deixaram de pertencer à União as ilhas costeiras em que sediados entes municipais, expressamente ressalvadas, no novo comando constitucional, as “áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art. 26, II”, que remanesceram no patrimônio federal. (...) (RE 636199, Relator(a): Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2017, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-170 Divulg 02-08-2017 Public 03-08-2017) A respeito das características destes bens destinados à União pela Lei Maior, convém destacar os seguintes apontamentos de Thiago Marrara19, quanto aos interesses nacionais que justificaram a opção do constituinte, in verbis: Os bens inseridos nessa listagem dividem quatro características comuns: (1) eles são estratégicos para a proteção da soberania, para a integração nacional, para a proteção da identidade pátria e para o exercício de atividades econômicas e de direitos fundamentais diversos; (2) são, em sua maioria, imóveis; (3) em regra, consistem em bens naturais e, em poucos casos, configuram obras do ser humano, como as ilhas ou os lagos artificiais; (4) são reservados com exclusividade à União, de modo que nem os particulares, nem outras entidades da Federação estão autorizados a se apropriar deles, nem mesmo por ato de entidades federais ou contratos celebrados com elas – salvo no tocante às ilhas, que parecem estar em regime mais flexível, daí poderem ser chamadas de bens reservados, porém não exclusivos. Sem prejuízo, a despeito do tipo de bem, as outorgas de uso e de exploração se afiguram plenamente compatíveis com a normatização constitucional. Nesse contexto, torna-se indispensável, para melhor construção das significações e amplitude do Texto Constitucional, a aferição conceitual das ilhas 19 MARRARA, Thiago. Bens estatais e bens públicos: fundamentos, histórico e conceitos. Parte 1. Cap. 1. In: Tratado de Direito Administrativo, Vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, Página RB-2.3. Disponível: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/100964044/v2/page/RB-2.3. Acesso em 8 out 2021 36 oceânicas e das ilhas costeiras, como espécies do gênero ilhas marítimas. As ilhas oceânicas são formadas por trechos submersos da plataforma submarina ou grandes bordas oceânicas que sofreram influências dos movimentos de placas tectônicas e fenômenos de vulcanismo, associadas ao desenvolvimento de formações coralígenas e “se encontram afastadas da costa e nada têm a ver com o relevo continental ou com a plataforma submarina”20. Já as ilhas costeiras representam a formação emersa de terrenos contínuos da plataforma
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