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1. Regime da empresa no Codigo Civil

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1. O conceito de empresário
Bom, no ordenamento jurídico brasileiro, as disposições normativas referentes ao Direito Empresarial não se encontram exclusivamente no Código Civil, já que também existem legislações esparsas sobre matérias de Direito Empresarial (como a Lei das Sociedades por Ações, a Lei de Propriedade Industrial, a Lei de Falência e Recuperação, dentre outras). No entanto, nós podemos dizer que é no Código Civil que se encontram as regras básicas do Direito Empresarial, as disposições centrais, enquanto alguns temas especiais são tratados em leis específicas.
	Pois bem. Sabendo disso, o primeiro conceito essencial ao Direito Empresarial trazido pelo Código Civil é o conceito de empresário. Segundo o art. 966 do Código, empresário é todo aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Desse conceito, nós podemos extrair 04 núcleos, que são os elementos indispensáveis à caracterização do empresário aqui no Brasil.
	O primeiro deles é o “profissionalmente”, que significa que a atividade exercida precisa ser habitual, ela não pode ocorrer de forma esporádica. O segundo deles é o “atividade econômica”, ou seja, a atividade exercida pelo empresário precisa visar ao lucro, ter uma natureza comercial, mercantil. O terceiro deles é o “organizada”, que significa dizer que o empresário precisa controlar todos os fatores produtivos (ou seja, o capital, a mão de obra, os insumos, a tecnologia) — e aqui cabe um parêntese, porque parte da doutrina mais recente tem compreendido que esse requisito vem sendo mitigado por novas formas de configuração da empresa, como no caso dos microempresários e dos empresários virtuais, que muitas vezes atuam sozinhos, sem qualquer mão de obra auxiliar, ou simplesmente fazendo a intermediação de produtos e serviços, sem controlar toda a cadeia produtiva (e nem por isso deixam de ser legalmente considerados empresários). Por fim, o quarto e último elemento é o “produção ou circulação de bens ou de serviços”, ou seja, elemento caracterizador que abarca qualquer atividade econômica da forma mais abrangente possível, e isso é um reflexo da Teoria da Empresa adotada pelo ordenamento jurídico nacional (em contraponto à antiga Teoria dos Atos de Comércio, que limitava a proteção do Direito Empresarial a certas atividades específicas, elencadas em lei).
	É essencial que a gente tenha em mente que o conceito de empresário do art. 966 do Código Civil abrange tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas, ou seja, o empresário pode ser tanto um empresário individual quanto uma sociedade empresária, adotando, em cada caso, diversos modelos possíveis, como aqueles que o próprio Código disciplina a partir do art. 980-A ou aqueles previstos em legislações específicas, como a Lei das Sociedades por Ações, o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar 123/2006), etc.
	Também é importante lembrar que, apesar do conceito de empresário do art. 966 do Código Civil parecer ser muito abrangente, existem alguns agentes que, mesmo desenvolvendo atividades econômicas, não são considerados empresários. São eles: os profissionais intelectuais, que podem tanto ser pessoas físicas individuais quanto sociedades simples (as chamadas “sociedades uniprofissionais”, que agrupam esses profissionais intelectuais), não são considerados empresários, conforme determina o parágrafo único do art. 966; os indivíduos que exercem atividade econômica rural e optam por não se registrarem na Junta Comercial, também não são legalmente considerados empresários, por força do disposto no art. 971 do Código Civil; e as sociedades cooperativas, que sempre vão ter natureza de sociedade simples, por conta da regra do art. 982, parágrafo único, do Código.
2. Registro do empresário
	Bom, após definir o que é empresário, o Código Civil passa a disciplinar o registro desse empresário.
	O art. 967 determina que é obrigação de todo e qualquer empresário, seja ele individual ou sociedade, se registrar perante a Junta Comercial antes de dar início às suas atividades.
	É importante destacar que esse registro é uma formalidade legal que confere regularidade à empresa, mas não é um requisito p/ que determinada atividade econômica seja considerada empresarial. Assim, se um empresário individual ou uma sociedade empresária iniciarem as suas atividades sem o registro, eles ainda assim vão ser considerados empresas e vão estar submetidos ao regime jurídico do Direito Empresarial, somente não vão ter acesso a alguns benefícios que a regularidade conferida pelo registro traz (como a possibilidade de requerer recuperação judicial, por exemplo).
	Segundo o art. 969 do Código, o empresário que instituir sucursal, filial ou agência em lugar sujeito à jurisdição de outra Junta Comercial deve proceder a uma nova inscrição suplementar, comprovando a inscrição originária. Ou seja, quando uma sucursal, uma filial ou uma agência é aberta em um estado da federação diferente daquele que consta nos atos constitutivos da “empresa mãe” (que é o domicílio dessa empresa), deve ocorrer um novo registro perante a Junta Comercial desse novo estado da federação. Essa regra é importante porque esses tipos de estabelecimentos secundários são cada vez mais comuns na dinâmica empresarial brasileira, com companhias que possuem ramificações em todo o território nacional. Aqui, cabe frisar que o STF possui entendimento sumulado, através da Súmula 363, no sentido de que as empresas podem ser demandadas (ou seja, responder a processos judiciais) tanto em seu domicílio central quanto no local da sucursal ou da agência em que se praticou o ato discutido na ação judicial.
3. Escrituração do empresário
	Outra obrigação legal imposta a todo empresário, seja ele individual ou sociedade, é aquela prevista no art. 1.179 do Código Civil, que é manter um sistema de escrituração contábil periódico e realizar, anualmente, dois balanços financeiros: o patrimonial e o de resultado econômico.
	Essa obrigação é tão importante que a Lei de Falência e Recuperação considera crime a escrituração irregular em caso de decreto de falência da empresa, e o Código Penal equipara os livros contábeis da empresa a documento público p/ fins penais, tipificando como crime a falsificação, no todo ou em parte, da escrituração comercial.
	Embora algumas leis exijam certos tipos específicos de livros comerciais de certos tipos específicos de empresários, o livro cuja obrigatoriedade é comum a todo e qualquer empresário é o Livro Diário, que é tratado a partir do art. 1.180 do Código Civil. Esse livro deve ser elaborado por um profissional contador, regularmente habilitado, e nele devem constar todas as operações diárias da empresa, ainda que seja de forma resumida.
	O art. 1.190 do Código também confere sigilo legal aos livros empresariais, ou seja, via de regra, nenhuma autoridade pode consultar os livros contábeis de uma empresa p/ verificar se a escrituração daquela companhia está sendo feita de acordo com as formalidades legais. Mas o próprio art. 1.190 também determina que esse sigilo não é absoluto, podendo ser afastado nos casos previstos em lei, e um deles está no art. 1.193, que permite que as autoridades fazendárias consultem os livros empresariais quando estiverem no exercício da fiscalização tributária. Importante frisar que, pela Súmula 439 do STF, esse acesso deve se limitar ao objeto da fiscalização, não podendo ocorrer de forma integral e irrestrita. Por fim, o sigilo dos livros contábeis também pode ser quebrado por ordem judicial, como permite o parágrafo 1º do art. 1.191 do Código Civil.
4. Nome empresarial
	Bom, assim como nós, pessoas físicas, possuímos um nome civil que nos identifica nas relações jurídicas do dia-a-dia, as empresas (individuais ou sociedades) também precisam ter um nome. Esse é um direito personalíssimo da empresa, que tem tanto uma função subjetiva, que é individualizar e identificar aquele agente econômico, quanto uma função objetiva, que é construira fama, a reputação da empresa em cima daquele nome.
	É preciso tomar cuidado p/ não confundir o nome empresarial com outros elementos de identificação do empresário, como a marca, o nome fantasia, o nome de domínio e os sinais de propaganda.
	A marca, cujo conceito está na Lei de Propriedade Industrial, é um sinal visual que identifica os produtos ou os serviços daquela empresa específica. Assim, quando o público enxerga aquela marca, já faz uma conexão com certo produto ou certo serviço de uma empresa específica.
	O nome fantasia é, de forma simplória, uma espécie de apelido. Da mesma forma que muitas pessoas atendem pelos seus apelidos e se identificam através deles, quando essas pessoas precisam estabelecer alguma relação jurídica formal elas não usam esses apelidos, mas sim seus nomes civis. Com as empresas é a mesma coisa: elas podem ter um nome fantasia, um “apelido” mais simples nas fachadas, nos panfletos, nos uniformes dos empregados, mas nos contratos ou nos documentos públicos, por exemplo, o empresário sempre vai se identificar com o seu nome empresarial, como está lá nos seus atos constitutivos.
	Por fim, o nome de domínio é o endereço eletrônico dos sites das empresas na internet, e os sinais de propaganda são toda e qualquer ferramenta publicitária utilizada p/ chamar a atenção dos consumidores p/ os produtos ou serviços da empresa.
	Segundo o art. 1.155 do Código Civil, existem 02 tipos de nome empresarial: a firma e a denominação. A firma é o nome civil do empresário individual ou de um ou mais sócios, no caso de sociedade, que pode vir acompanhado de outras expressões que especifiquem melhor a área de atuação da empresa. Já a denominação é um atributo exclusivo das sociedades, não pode ser adotada por empresários individuais, e é composta por uma expressão linguística seguida do ramo de atividade da empresa.
	É importante destacar que o nome empresarial deve obedecer a 02 princípios, previstos na Lei de Registro de Empresas: a veracidade e a novidade. Veracidade significa dizer que o nome empresarial não pode conter nenhuma informação falsa, todos os dados presentes nele devem ser legítimos; e novidade significa que o empresário não pode registrar um nome igual ou muito semelhante a outro já existente. Vale lembrar que essa proteção conferida ao nome empresarial pelo princípio da novidade se inicia a partir do registro na Junta Comercial, e se limita ao território do estado dessa Junta Comercial.
5. Estabelecimento empresarial
	Passemos então a tratar um pouco sobre o estabelecimento empresarial.
	Segundo o art. 1.142 do Código Civil, estabelecimento é “todo complexo de bens organizado para exercício da empresa”. Assim, de cara nós já podemos perceber que estabelecimento não se confunde com o local em que a empresa exerce as suas atividades, como muitas pessoas tendem a associar inicialmente. O local é apenas um dos elementos do estabelecimento, já que estabelecimento é toda a expressão patrimonial da empresa, tudo que compõe o seu acervo patrimonial e que tem relação com a sua atividade-fim.
	Quanto à natureza jurídica do estabelecimento empresarial, a doutrina majoritária entende que o estabelecimento é uma universalidade de fato. Isso significa dizer que os elementos patrimoniais que compõem o estabelecimento formam uma unidade não devido a uma previsão legal (como ocorre com a massa falida, com o espólio...), mas sim por conta da destinação prática que o empresário confere a esse patrimônio. Ou seja, tudo que for aplicado pelo empresário no exercício das suas atividades configura essa universalidade, e daí a gente percebe que o estabelecimento empresarial tem origem na vontade do empresário, na intenção dele em aplicar certos bens na execução da atividade-fim da empresa.
	O Código Civil permite que o estabelecimento seja negociado como um todo, como essa unidade que ele de fato é. Essa previsão está no art. 1.143, e esse tipo de negociação é conhecida como contrato de trespasse, quando o empresário transfere todo o seu estabelecimento p/ um terceiro de forma onerosa, ou seja, recebendo um pagamento em troca. É importante destacar que, segundo o Código Civil, o empresário que quer vender o estabelecimento comercial deve ter um cuidado importante: ou ele conserva bens suficientes p/ pagar todas as suas dívidas, ou, caso contrário, precisa da anuência de todos os credores p/ concretizar a negociação.
	Ocorrendo o trespasse, ocorre também a chamada sucessão empresarial. A partir daí, segundo o art. 1.146 do Código Civil, o adquirente do estabelecimento passa a responder por todas as dívidas assumidas pelo antigo proprietário, desde que essas dívidas estejam regularmente discriminadas nos livros contábeis no momento do trespasse. Mas o Código também prevê que o antigo proprietário permanece solidariamente responsável por essas dívidas, pelo prazo de 01 ano. Vale lembrar que essas regras não se aplicam a dívidas tributárias e trabalhistas, porque esses créditos têm regimes de sucessões próprios, previstos no CTN e na CLT, e também não se aplicam quando a alienação do estabelecimento é feita em processo de falência ou recuperação judicial, porque a Lei de Falência e Recuperação prevê que nesses casos o trespasse deve ser livre de qualquer ônus p/ o adquirente.
	Após a sucessão, quem vendeu o estabelecimento não pode fazer concorrência a quem comprou pelo prazo de 05 anos. Isso está no art. 1.147 do Código Civil e é a chamada cláusula de não concorrência, que nada mais é do que uma aplicação do princípio da boa-fé objetiva. Vale lembrar que o próprio art. 1.147 permite que as partes, o vendedor e o comprador, alterem livremente essa questão no contrato de trespasse, podendo diminuir ou aumentar o prazo de não concorrência ou até mesmo afastar completamente a cláusula. Muito se discute qual seria o limite territorial em que essa concorrência seria proibida, mas a doutrina majoritária entende que isso deve ser analisado caso a caso, cabendo ao juiz verificar no caso concreto se dentro daquele espaço territorial efetivamente houve alguma influência do antigo proprietário nas negociações do novo proprietário.
6. Auxiliares e colaboradores do empresário
	Por fim, o Código Civil também traz algumas regras referentes aos profissionais que auxiliam e colaboram com o empresário, que o Código chama de “prepostos” do seu art. 1.169 em diante.
	Esses prepostos devem exercer as atividades para as quais foram incumbidos de forma pessoal, ou seja, não podem delegar as suas atribuições p/ terceiros, a não ser que possuam autorização expressa do empresário. Eles também não podem fazer concorrência ao empresário, ainda que de forma indireta, sem autorização expressa.
	Os dois principais prepostos mencionados pelo Código Civil são o contador (que o Código chama de contabilista) e o gerente. 
O contador, como já falado anteriormente, é o profissional essencial à escrituração dos atos da empresa, e a atuação dele só pode ser dispensada quando não houver nenhum contador na localidade em que a empresa atua. Nesse caso, os dados de escrituração devem ser lançados por qualquer outra pessoa de confiança do empresário (ou pelo próprio empresário), e vão produzir os mesmos efeitos como se tivessem sido lançados por um contador. Vale ressaltar que o contador, assim como qualquer preposto, responde solidariamente com o empresário em caso de prática dolosa de ilícitos, como por exemplo na elaboração do chamado “caixa dois”, que é a falsificação dos dados de escrituração da empresa.
O gerente, por sua vez, é o preposto mais importante do empresário, já que ele tem poderes de chefia muito amplos, podendo inclusive figurar em juízo em nome do empresário, como permite o art. 1.176 do Código Civil. Esses poderes podem ser limitados pelo empresário, desde que de forma expressa e mediante instrumento escrito, averbado na Junta Comercial onde a empresa tem o seu registro.

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