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1 Tópicos de aula de Biofísica Médica Área 1 Introdução a respeito da regulação do pH, volume e tonicidade do fluido extracelular Renato Moreira Rosa Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 2 Sumário 1. Objetivos específicos de cada aula..................................................................04 2. Importância biológica da água. Compartimentos e líquidos do organismo (Aula 1).......................................................................................................................08 3. Princípios físicos da movimentação entre os compartimentos. Difusão, osmose, diálise e tônus celular (Aula 2)..........................................................................26 4. Introdução à regulação do pH do fluido extracelular (Aula 3)...........................43 5. Perturbações do equilíbrio ácido-base (Aula 4)................................................56 6. Exercícios comentados.....................................................................................73 7. Roteiro de exercícios.........................................................................................76 8. Exercícios complementares a respeito das aulas 3 e 4....................................86 9. Provas aplicadas no curso de medicina..........................................................102 10. Provas aplicadas no curso de farmácia...........................................................122 11. Tópico extra I – Hemodiálise e diálise peritonial.............................................142 12. Tópico extra II – Medida do volume dos compartimentos (protocolo de aula prática).............................................................................................................147 13. Tópico extra III – Diálise (protocolo de aula prática) ......................................151 14. Tópico extra IV – Resistência globular (protocolo de aula prática) .........................................................................................................................154 15. Tópico extra V- Permeabilidade celular (protocolo de aula prática).............................................................................................................159 16. Tópico extra VI- Exercícios para discussão em aula......................................164 17. Tópico extra VII- Exercício para discussão em aula.......................................166 18. Tópico extra VIII- Exercício de correção de osmolaridade ............................168 19. Tópico extra IX- Alcalinização da urina ..........................................................169 20. Recomendações de artigos para leitura..........................................................170 21. Bibliografia recomendada e consultada..........................................................174 Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 3 1. Objetivos específicos de cada aula Os objetivos específicos de cada tópico das aulas, somado ao conhecimento contido nos exercícios, atividades práticas e discussões em sala de aula, referentes a “Introdução a regulação do pH, volume e tonicidade do fluido extracelular são: Encontro Conteúdo Objetivos específicos/programa 1 Importância biológica da água a) Entender como a água consegue dissolver os compostos iônicos e polares b) Entender como as proteínas dispõem os aminoácidos na sua estrutura em função da sua polaridade c) Entender as maneiras de acomodação de lipídios em meio aquoso e a ocorrência de cada uma d) Viscosidade e sua correlação com o bombeamento cardíaco; compostos que existem no sangue e fazem com que sua viscosidade seja maior que da água pura. e) Definição de calor específico e como ele contribui para a água desempenhar o papel de moderador térmico dos organismos vivos f) Tensão superficial e mecanismo de ação do surfactante pulmonar. Doenças que alteram a tensão superficial nos alvéolos 1 Compartimentos e líquidos do organismo a) Definir os compartimentos líquidos do organismo; saber qual tem o maior volume e as maiores concentrações de sódio, potássio, cloretos, bicarbonato e proteínas. Composição de proteínas no líquido intersticial e no plasma; funções das proteínas no plasma. b) Variação do conteúdo de água corpórea e dos compartimentos durante o crescimento. Conteúdo de água no tecido adiposo. c) Balanço hídrico corporal: quais as via de entrada e de perda de líquido no organismo. Desidratação; conhecer a via pelo qual ocorre a perda excessiva de água em algumas situações patológicas como as queimaduras graves, diarréias, insuficiência supra renal, diabetes insipidus, pacientes febris e na prostração pelo calor. d) Manejo em pacientes com insolação e graves queimaduras: reposição oral de líquidos, reposição endovenosa, aplicação de hidratantes e umectantes de barreira. e) Definir volemia e entender seus componentes; entender o estado de choque hipovolêmico. Cálculo da volemia pelo método da diluição do corante de azul de Evans. Saber como estará a volemia e o hematócrito em algumas situações patológicas como queimaduras graves, hiperhidratação e policitemia primária. Cálculo do volume líquido corporal pela medida da concentração do sódio plasmático. f) Cálculo do balanço hidroeletrolítico. g) Edemas: definir edema e retenção hídrica; estratégias para resolver os edemas; classificação dos líquidos patológico em transudato e exsusato. Doenças que levam ao acúmulo de líquidos: edema pulmonar agudo (saber as origens e correlacionar com a pressão hidrostática, oncótica e com a drenagem linfática; edemas pulmonares secundários a hipertensão grave; em casos de hipoproteinemia e em pacientes submetidos a aspiração pleural exagerada); edema cerebral; ascite e glaucoma. 2 Princípios físicos da a) entender as barreiras de distribuição de substâncias pelo organismo: sangue, interstício e tecido periférico. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 4 movimentação entre os compartimentos: difusão, osmose, diálise e tônus celular b) Ocorrência do movimento de difusão de soluto: objetivo da difusão; Primeira lei de Fick. Correlacionar os parâmetros da lei de Fick com as evidências biológicas: pulmão alveolado dos mamíferos; intestino delgado como sítio absortivo; via sublingual com rápido tempo de ação; via pulmonar com rápido tempo de ação; renovação da solução dialisante em uma diálise. Propriedades do soluto que influenciam na difusão: tamanho, forma, polaridade e presença de carga. Absorção e eliminação de substâncias: correlação com a polaridade (lipofilia e hidrofilia) e com a ionização (absorção e ação em função da ionização; ionização em função do pH; anestésicos locais e sua ação em abcesso; aplicações intersticiais; procedimento de alcalinização da urina para tratamento de intoxicações; intoxicação por AINES; passagem pela barreira hematoencefálica) c) Osmose: ocorrência. Compartimentos interconectados em meio aquoso e água podendo fluir livremente entre eles. Sentido de movimentação de líquido em razão de diferença de osmolaridade em algumas situações patológicas como: intolerância a lactose, diarréia colérica e síndrome do desequilíbrio. Uso da diurese osmótica no tratamento de edemas graves. Laxantes salinos. d) Cálculo da osmolaridade de soluções puras, de misturas e acerto de osmolaridade das formulações. e) Pressão osmótica: definições, funcionamento do osmômetro. f) Osmolaridade dos líquidos biológicos. Soluções de uso endovenoso que são isosmolares ao plasma. Conceito de solução isotônica. Necessidade de infusão lenta das soluções que não são isosmolares ao plasma. Regulação da osmolaridade: osmoreceptores, bombeamento ativo de sódio do interstício, regulação do sódio, mecanismo da sede e hormônio antidiurético. g) Entender que a perda de água de qualquer compartimentoafeta todos os demais e como isso pode conduzir ao choque hipovolêmico. Entender que a alteração da osmolaridade de um compartimento causará alteração de volume. Entender a razão pelo qual o volume dos compartimentos é diferente e se autoequilibra. h) Saber como estará a osmolaridade plasmática nas situações patológicas que causam alteração de volume tais como a hiperhidratação, queimaduras graves, síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético, diarréia colérica. Classificação das desidratações: isotônica, hipertônica e hipotônica. i) Entender por que as desidratações hipotônicas apresentam alto risco de conduzir ao choque hipovolêmico e ao edema cerebral. j) Manutenção da pressão arterial: pressão hidrostática vascular, pressão osmótica dos íons e pressão oncótica. Alteração da pressão vascular por redução da concentração de albumina em pacientes renais graves e na desnutrição severa. Reposição de líquidos: soluções cristalóides e coloidais. h) Utilização da diálise como processo de purificação de moléculas. Características da membrana dialisante e da solução dialisante. Solução dialisante na hemodiálise: composição e renovação. Hemodiálise e diálise peritonial. 3 Introdução à regulação do pH do fluido extracelular a) entender o conceito de pH e sua importância na manutenção da conformação das proteínas e ácidos nucléicos, nos fenômenos de transporte (em razão da alteração do grau de ionização) e na manunteção da homeostase metálica (em razão de co-transporte com o próton) e geração de energia. b) visualizar a diferença de pH existente entre os compartimentos do organismos e entre os Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 5 compartimentos intracelulares e tecidos; entender a produção normal dos diversos ácidos pelo metabolismo e portanto a necessidade de um sistema tampão c) definir quimicamente um sistema tampão e seu funcionamento, baseando-se em tampões formados por um ácido fraco e sua base conjugada. Entender a equação de Handerson-Hasselbach e a influência do pKa na eficiência de um tampão. Cálculos básicos de pH e tampões d) Tampões intracelulares: relacionar as dissociações do ácido fosfórico com a importância do tampão fosfato para o meio intracelular. Poder tamponante dos aminoácidos e proteínas. e) Tampões da urina: sistema fosfato e amônio/amônia; entender a facilidade da determinação do pH urinário e sua importância na correlação com o pH plasmático. Influência da dieta no pH urinário. pH urinário limitante. f) Tampões extracelulares: importância do sistema bicarbonato/ácido carbônico. Pressão de gás carbônico dissolvida no plasma e gás carbônico total. Função pulmonar: regulação do ritmo ventilatório em resposta a alterações do pH plasmático; velocidade de compensação. Função renal: introdução a organização do néfron; correlação entre secreção tubular ativa de prótons e reabsorção de bicarbonato do filtrado glomerular; parâmetros renais na acidose e alcalose; importância da anidrase carbônica. Influência no pH plasmático por drogas inibidoras da anidrase carbônica g) Oxigenação tecidual e pH: Efeito Bohr. Entender a estrutura da molécula de hemoglobina e a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio em função do pH tecidual. Entender os locais de ligação de oxigênio, próton e monóxido de carbono na molécula de hemoglobina. Transporte de oxigênio no plasma. Transporte de gás carbônico do tecido periférico aos pulmões. h) Parâmetros utilizados para avaliação do estado ácido- base: gás carbônico total, pCO2, bicarbonato plasmático e pH. Gasometria arterial e venosa. Diferenças entre sangue arterial e venoso. Técnica de punção arterial. 4 Perturbações do equilíbrio ácido-base a) Acidoses e alcaloses: definição e valores aceitáveis; Distúrbios primários e mecanismos compensatórios: entendimento e identificação b) Acidoses respiratórias: entender as principais causas de acidose respiratória por redução do ritmo ventilatório e redução da área de eliminação do gás carbônico correlacionando com o deslocamento de equilíbrio químico do sistema bicarbonato/ácido carbônico. Diferencias as causas das patologias mais comuns em termos de redução do estímulo nervoso para ventilação, do ritmo de ventilação e das alterações da árvore brônquica. Causas mais comuns de acidoses respiratórias: depressão do SNC por opióides e barbitúricos, isquemias cerebrais e cerebelares, lesão do nervo frênico, uso de bloqueadores neuromusculares, poliomielite, asma e enfisema. Entender que os distúrbios crônicos apresentam compensação renal constante e completa, como na asma. Diferenciar distúrbios agudos e crônicos. Parâmetros da gasometria nas acidoses respiratórias. Compensação renal: correlacionar os fenômenos envolvidos baseando-se no sistema bicarbonato/ácido carbônico. Tratamento das acidoses respiratórias. c) Acidoses metabólicas: entender que a redução dos níveis plasmáticos de bicarbonato ou elevação da quantidade de prótons pode conduzir a uma acidose metabólica. Compensação pulmonar. Cetoacidose diabética. Acidose lática. Distúrbios que reduzem a concentração plasmática de bicarbonato: ileostomias e colostomias; acidose tubular renal; diarréia colérica. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 6 Correlacionar a perda de bicarbonato de outros compartimentos com o bicarbonato plasmático. Intoxicações exógenas: álcoois e salicilatos. Tratamento das acidoses metabólicas e diagnóstico laboratorial. Vantagens e desvantagens da administração endovenosa de bicarbonato de sódio; cálculos. d) Alcaloses respiratórias: causas mais comuns e diagnóstico clínico. Ansiedade grave e situações de oxigênio rarefeito. Correlacionar as acidoses com estado de coma e alcaloses com estados de hiperexcitabilidade. Espirometria de circuito fechado e sedativos mais empregados. e) Alcaloses metabólicas: compensação pulmonar. Causas mais comuns: administração excessiva de bicarbonato de sódio endovenoso. Entender o fenômeno da maré alcalina pós-prandial e as situações de alcalose metabólica em pacientes em quadros graves de vômitos ou uso de sonda nasogástrica aberta. Uso excessivo de antiácidos. Introduzir mecanismos de regulação renal do potássio sérico e relacionar as concentrações de potássio com o pH plasmático. Uso de diuréticos espoliadores de potássio e alcalose meabólica. Hiperaldosteronismo primário. Tratamentos. g) Distúrbios mistos: diagnóstico laboratorial e exemplos. h) Cuidados com a coleta de sangue para gasometria. Erros instrumentais. i) Alterações do pH plasmático durante cirurgias com uso de circulação extracorpórea com oxigenadores de bolhas e de membranas. j) Representação gráfica do estado ácido-base. Diagrama de Davenport. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 7 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Biociências Departamento de Biofísica Biofísica Médica Aula 01- A importância biológica da água. Compartimentos e líquidos do organismo Notas de aula A água é a substância química mais abundante nos seres vivos, os quais podem ser considerados, de modo muito simplista, como uma série de soluções aquosas interconectadas e envolvidas em vesículas fosfolipídicas. O objetivo desse primeiro encontro é analisar as propriedades químicas e físicas da água que justificam a sua escolha para solvente dos meios biológicos e estudar os compartimentos e líquidos do organismo humano. 1. Estrutura da água e solubilização das biomoléculas A molécula de água é capaz de solvatar uma grande quantidade de substâncias inorgânicas e orgânicas, sendo portanto considerada um solvente universal. Essa capacidade é conseqüência de sua estrutura polarizada e capacidade de realizar diferentes tipos de interações intermoleculares. Cada átomo de hidrogênio da molécula compartilha um par eletrônico com o átomo central de oxigênio, conferindo uma geometriaangular a esse arranjo, no qual os orbitais eletrônicos mais externos do oxigênio assemelham-se aos orbitais sp3 ligantes do carbono. O ângulo de ligação entre hidrogênio e oxigênio é 104,5 º, um pouco menor que os 109,5 º existentes em um tetraedro perfeito em razão da distorção causada pelos orbitais não ligantes do oxigênio . O átomo de oxigênio é muito eletronegativo e portanto atrai a densidade eletrônica da ligação oxigênio e hidrogênio em sua direção. O resultado é uma distribuição desigual da carga elétrica, criando dois dipolos na molécula de água: o pólo negativo, representado pelo oxigênio e os pólos positivos, pelos hidrogênios. Dessa forma, a água é uma molécula polarizada. O átomo de oxigênio possui uma cara negativa correspondente a carga dos dois pólos positivos para contrabalançar a distribuição da densidade eletrônica das ligações. Além de polarizada, a água é uma molécula pequena, orientando-se no espaço em um raio de 1,5 Å. A água é a substância da natureza com a maior constante dielétrica, o que é resultado de sua forte polarização. A constante dielétrica é a grandeza física que expressa a capacidade de uma substância em separar íons de cargas opostas ligados entre si. Assim sendo, somente substâncias de alta constante dielétrica são capazes de se intercalar entre esses íons e impedir a atração. Esse mecanismo de intercalação entre os íons é o modo pelo qual a água consegue solubilizar compostos iônicos. E também é por isso que os compostos iônicos encontram-se dissociados quando em meio aquoso. Dessa maneira, nos líquidos biológicos sempre encontraremos os compostos iônicos dissociados em cátions e ânions, os quais são denominados eletrólitos. Por exemplo, em uma análise de eletrólitos no plasma, você frequentemente determinará a concentração de sódio, potássio, cálcio, bicarbonato e outros íons. Alem disso, é importante notar que os íons sempre estarão hidratados em meio biológicos. A interação com Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 8 cátions é feita pelo pólo negativo da água enquanto a interação com ânions fica por conta dos pólos positivos Para interação das moléculas de água entre si e para que seja possível a solubilização dos compostos polares existentes no organismo, tais como os açúcares, os aminoácidos polares, nucleotídeos entre outros, é necesário a interação entre essas moléculas e a água por meio de forças intermoleculares. A atração eletrostática entre o pólo negativo de uma molécula de água e o o hidrogênio de outra forma uma interação intermolecular muito forte e importante, conhecida como ponte de hidrogênio. O arranjo dos orbitais na molécula permite que cada água realize interação por meio de pontes de hidrogênio, com mais 4 moléculas de água. Essas interações explicam o fato da alta coesividade dessa substância (tensão superficial) e também o alto calor específico, que serão discutidos a seguir. A água é capaz de promover a solubilização de uma série de compostos orgânicos de natureza covalente polar, tais como os açúcares, os aminoácidos polares, algumas vitaminas, nucleotídeos e ácidos nucléicos entre outros. Essa solubilização ocorre por meio de interações intermoleculares do tipo pontes de hidrogênio. Essas ligações intermoleculares não existem somente entre moléculas de água, mas são rapidamente formadas quando um átomo muito eletronegativo (como oxigênio, nitrogênio ou flúor) está ligado a hidrogênio, formando um dipolo elétrico. Dessa forma, esse dipolo elétrico pode estabelecer as pontes de hidrogênio com a molécula de água, seja pelo pólo positivo ou pelo pólo negativo. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 9 Por exemplo, na estrutura da glicose, mostrada a seguir, cada grupamento hidroxila pode estabelecer pontes de hidrogênio com a molécula de água. Muitos compostos de natureza covalente possuem grupos que encontram-se ionizados em meio fisiológico, como por exemplo, grupamentos carboxilas, amino, entre outros. A água interage com esses grupamentos em virtude de sua polarização elétrica e promove essa solubilização por meio do estabelecimento de interações eletrostáticas, da mesma forma que ocorre com os íons. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 10 No entanto, existem diversas biomoléculas, como os lipídeos, os aminoácidos apolares, algums vitaminas, entre outras que possuem natureza covalente apolar (ou pouco polares). Nessa situação, é importante considerar que a interação entre um composto polar (como a água) e um apolar é termodinamicamente desfavorável. Portanto, nessa situação, a solvatação requer outros mecanimos. Interessantemente, a água consegue organizar essas substâncias em meio aquoso. Por essa razão também, ela é considerada solvente universal e foi escolhida para formar o meio em que a vida iria se desenvolver. Uma das estratégias de solvatação é a formação de clatratos, ou seja, gaiolas contendo várias moléculas de água, arranjadas entre si, circundando o soluto apolar mas não interagindo com ele. Os lipídios são as biomoléculas insolúveis em água e livremente solúveis em solventes orgânicos. Para essas moléculas existem formas especiais de organização em meio aquoso. Os lipídios são moléculas contendo uma porção polar, representada pela sua cabeça, e uma porção apolar, que é a sua cauda (longa cadeia hidrocarbonada do ácido graxo). Ou seja, são moléculas anfipáticas. A porção polar tem afinidade por interagir com a molécula de água enquanto a porção apolar necessita evitar essa interação. As regiões não polares dessas moléculas são comprimidas pelas moléculas de água (por forças intermoleculares denominadas interações hidrofóbicas), com o objetivo de minimizar a área exposta para interação com a água. Dessa forma, em meio aquoso, os lipídios podem se arranjar na forma de micelas ou bicamadas. A micela é uma estrutura esférica em que as cabeças polares dos lipídeos se orientam de maneira a interagir com a água na superfície da esfera enquanto as caudas apolares voltam-se para o interior da vesícula ficando escondidas da água. Quando os lipídeos possuem duas caudas hidrocarbonadas é impossível a organização na forma de micela, pois o volume interno aumenta muito devido à existência de duas caudas. Dessa forma, a estrutura mais estável é a bicamada lipídica, onde as caudas estão no interior e as cabeças interagem com a água nas superfícies. O objetivo é: esconder as caudas e hidratar as cabeças polares Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 11 Uma terceira estrutura possível é o lipossoma, que é uma vesícula formada por uma bicamada lipídica. O lipossoma é uma forma de liberação de fármacos bastante eficiente: pode-se inserir qualquer substância no interior do lipossomo e no momento que a vesícula encontrar o tecido, funde-se com a membrana celular, arremessando o composto no interior celular. Este método facilita a absorção de fármacos. Um exemplo são os lipossomas encontrados em cremes, que facilitam a absorção de algumas substâncias pela pele. Outros são os lipossomas projetados para uso em tumores sólidos. Nas proteínas, a água interage com os grupamentos dos aminoácidos, hidratando toda a cadeia polipeptídica. Os aminoácidos que possuem pouca afinidade pela água (hidrofóbicos) permanecem no interior da estrutura enquanto os aminoácidos mais polares situam-se nas regiões externas interagindo com a água. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 12 Dessas maneiras, a água consegue organizar todas as moléculas importantes para o funcionamentocelular e parar vida, sendo, portanto o líquido em que os seres vivos desenvolveram-se. Existem outras propriedades dessa interessante molécula que colaboram para essa escolha. 2. Meio de transporte Como todos compartimentos do organismo são aquosos, o transporte de moléculas é feito através da sua difusão na água. Assim, a circulação pode carregar gases (os quais estão dissolvidos no plasma), gorduras (que podem transitar na circulação conjugadas com a albumina ou em partículas lipoprotéicas, ambas solvatadas pela água), eletrólitos (hidratados no plasma), proteínas a todos lugares do corpo. Isso é possível pois a água é capaz de dissolver todo esse conjunto de substâncias. 3. Reações de hidrólise Uma série de reações do metabolismo requer a participação de água como agente nucleofílico, tais como as reações de hidrólise (lise=quebra), ou seja, quebra pela água. Um exemplo importantíssimo é a hidrólise do ATP (trifosfato de adenosina, o composto energético da célula). Em contrapartida, a água também participa de diversas reações denominadas reações de condensação, como por exemplo, a formação de ATP a partir de ADP e fosfato inorgânico. 4. Importância da tensão superficial Em um líquido que esteja em contato com um outro meio, como o ar, as moléculas localizadas na interface líquido-ar formam uma monocamada extremamente compacta, que delimita a superfície líquida. A força necessária para qualquer molécula atravessar essa camada é denominada tensão superficial. A água é possui uma elevada tensão superficial e essa alta coesividade deve-se a força e estabelecimento das ligações do tipo pontes de hidrogênio. Essa propriedade dificulta as trocas gasosas no nível dos alvéolos nos mamíferos terrestres. Antes do nascimento, os alvéolos encontram-se preenchidos por líquido. Na primeira respiração, o ar comprime esse líquido contra a parede alveolar e a grande parte é rapidamente absorvida, restando apenas uma fina camada de líquido recobrindo a superfície alveolar. Mesmo assim, esse filme líquido apresenta uma tensão superficial tão alta que impede a passagem de gases. Para os gases atravessarem a barreira líquida eles deveriam exercer uma força muito Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 13 grande. O organismo resolveu este problema secretando substâncias que reduzem a tensão superficial nessa região, os surfactantes ou detergentes. O surfactante tem uma natureza anfipática, ou seja possui uma porção polar em sua molécula e uma porção apolar (geralmente lipídica). Sendo um detergente, a região polar e atrai algumas moléculas de água da superfície do filme líquido e estabelece interação com a região. Além disso, as moléculas do surfactante podem se intercalar entre as moléculas de água da monocamada para propiciar a exposição da região apolar com o ar e assim desfazer a continuidade do filme líquido. O surfactante pulmonar é secretado acima da concentração micelar crítica, ou seja, em uma concentração tão elevada que não permite mais a formação de micelas; assim sendo, as moléculas livres dirigem-se para a superfície de forma a expor suas caudas apolares ao contato com o ar (que também é apolar), evitando a interação termodinâmicamente desfavorável com a molécula de água. Assim sendo, formam-se aberturas na superfície do filme, permitindo que os gases possam transitar e as trocas gasosas (hematose) podem ocorrer sem problemas. Entre a 12-14º semana de gestação, produz-se o surfactante pulmonar pelos pneumócitos tipo II, formado principalmente por uma substância chamada dipalmitoil lecitina. Quando o recém- nascido não possui surfactante um grave quadro de cianose se estabelece – a doença da membrana hialina do recém-nascido. Para solucionar esse problema faz-se uso da administração de surfactantes sintéticos em aerossol ou uso de compostos tiólicos (contendo o grupamento SH) como a N-acetilcisteína. Em nascimentos prematuros é possível a administração de uma alta dose de glicocorticóides cerca de 48 h antes do parto para acelerar a maturação dos penumócitos. Os adultos também podem apresentar quadros agudos da doença em função de outras patologias como a acidose metabólica, edema pulmonar, em casos de afogamento ou em cirurgias cardíacas que fazem uso da circulação extracorpórea. Nos maioria dos afogamentos, a água penetra no tubo digestivo em razão de um rápido reflexo que impede o acesso ao pulmão. Nessa situação, o indíviduo sempre sobrevive. Ao contrário, quando a água penetra na região pulmonar geralmente o acidente é letal. A causa, ao menos em parte, deve-se ao desbalanço entre o conteúdo de líquido na cavidade pulmonar e a quantidade de surfactante disponível. Além de dificultar as trocas gasosas, a alta tensão superficial dessa fina camada de líquido que recobre a superfície do alvéolo forma uma camada tão compacta que pode impedir a abertura do alvéolo. É como se o filme de líquido puxasse as paredes dos alvéolos até que eles colabassem. O surfactante reduz a tensão superfical e assim impede que os alvéolos colabem. Uma vantagem da tensão superficial foi permitir a compartimentalização biológica ao longo da evolução das espécies. 5. Importância da viscosidade Viscosidade é a resistência de um fluido ao escoamento. A água é a substância de maior tensão superficial, entretanto sua viscosidade é baixíssima. Esse contraste pode ser explicado pelo rearranjo das pontes de hidrogênio entre as moléculas, o que acontece a cada 10-11 segundos. Um aspecto importante da viscosidade do plasma é a sua função hemodinâmica. Alterações que Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 14 tornam o sangue mais viscoso irão requerer um maior trabalho cardíaco para realizar o bombeamento na mesma vazão. Pacientes com uma doença conhecida como hipercolesterolemia familiar não conseguem absorver o colesterol da circulação. Esse acúmulo de gordura aumenta a viscosidade do sangue e conduz a um maior esforço cardíaco, podendo levar à insuficiência cardíaca. Alguns fármacos inibem a síntese de colesterol e são indicados nesse caso para redução da viscosidade do plasma. Essa classe de fármacos são as estatinas de baixo peso molecular (sinvastatina, lovastatina, pravastatina). A viscosidade do sangue é maior que da água pura, em razão dos compostos que encontram-se dissolvidos nesse líquido, especialmente gorduras e proteínas. Alguns líquidos corporais possuem um valor de viscosidade extremamente elevado, tal como a sinóvia (ou líqudo sinovial). Considerando que a função desse líquido é a lubrificação de articulações, realmente, a viscosidade deve ser elevada para impedir o escoamento. 6. Importância do calor específico Calor específico é a quantidade de energia que se deve fornecer a uma substância para elevar a sua temperatura em 1ºC. Em função da forte organização das moléculas de água pela formação de pontes de hidrogênio, a água possui um elevado calor específico. O papel da água nos organismos vivos é a moderação térmica, uma vez que os organismos vivos são ¾ de água. Sendo necessário uma grande quantidade de energia para aumentar em 1ºC a temperatura da água, será necessário fornecer muito calor para alterar a temperatura corpórea de um animal. Por isso, o alto calor específico da água é importante para a regulação da temperatura corporal de animais homeotermos. Por exemplo, uma pessoa pode estar em um ambiente a 40ºC e a temperatura corpórea permanece em 37ºC. Uma vez que é necessária uma grande quantidade de energia para aumentar a temperatura corporal, também é necessário remover uma grande quantidade de energia para resfriar o corpo. Por isso, o alto calor específico é importante para impedir o resfriamento dos animais. É por isso que podemos caminhar na rua a 15ºC e continuamos a 37ºC. A água também possui um alto calor de vaporização, ou seja, é preciso muita energia para promover a evaporaçãoda água. Portanto, se um organismo recebe uma quantidade muito grande de calor, a água do seu corpo não entra em ebulição. Essa quantidade extra de energia deve ser dissipada com a finalidade de não alterar a temperatura corporal. A alta quantidade de calor é eliminada através da perda de uma pequena massa de água através de sudorese, do ofego ou da perspiração insensível. Então, a importância do alto calor específico também é promover a eliminação do excesso de energia (calor). 7. Influência da densidade Cerca de ¾ da composição dos tecidos biológicos deve-se a água e portanto, a densidade desses tecidos é similar a da água. Uma exceção é observada em tecidos pobres em água, como o tecido ósseo, o que lhes confere a resistência mecânica necessária para manutenção do esqueleto. A densidade dos líquidos biológicos é próxima a da água mas sempre maior, pois além de água, os fluidos do corpo contém solutos dissolvidos, como proteínas e gorduras. A densidade da urina é determinada muito facilmente em laboratório (é um parâmetro do exame qualitativo de urina) e tm importância clínica. Por exemplo, um paciente diabético com perda elevada de glicose na urina (um quadro denominado glicosúria) apresentará uma densidade fora do normal. 8. Compartimentos e líquidos do organismo A distribuição de água nos organismos vivos acontece de forma heterogênea, de modo a permitir que o corpo apresente graus variados de resistência mecânica; regiões mais pobre em líquido mostram uma consistência e dureza maior enquanto as vísceras com maior conteúdo de água são mais moles. Quando analisamos os diferentes filos do reino animal, podemos observar que a composição líquida corpórea dos animais é constante e em torno de 60 a 70% de sua massa. No organismo humano, esse líquido está distribuído em três compartimentos distintos: Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 15 a) o compartimento intracelular, o qual corresponde a água contida no interior das células. b) a água transcelular, que representa a água em trânsito na luz do trato gastrintestinal (compondo os sucos digestivos) e urinário. Essa água é praticamente reabsorvida em sua totalidade ao longo do dia c) o compartimento extracelular, representando a água localizada fora das células, ou seja, água contida no espaço vascular (no plasma, que é a fração líquida do sangue), vasos linfáticos, na região intersticial e nos espaços aquosos menores. O líquido intersticial é o líquido que nutre e banha os tecidos, envolvendo as células. Os vasos sanguíneos constituem um sistema fechado de circulação, de maneira que as substâncias (nutrientes, gases) são transportadas do sangue para a região intersticial e então, do líquido intersticial para o interior das células dos tecidos adjacentes ao vaso. O líquido intersticial é continuamente drenado pela circulação linfática. Da mesma maneira, as substâncias secretadas pelos tecidos primeiramente passam para o interstício e posteriomente difundem-se para os vasos. Para chegar à célula ou ao vaso, qualquer molécula deve transitar antes pelo interstício. Duda Highlight Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 16 Enquanto a circulação vascular é um sistema fechado de trânsito de líquido, a circulação linfática é um sistema fechado de terminações cegas. Os vasos linfáticos terminam em nível de tecidos, local em que atuam na regulação do volume de líquido intersticial. Nas regiões de linfonodos, os vasos linfáticos podem comunicar-se com o sistema vascular e realizar intercâmbrio de líquidos e substâncias. Os espaços aquosos menores compreendem outros líquidos extracelulares, como o líquido pleural, humor aquoso, líquor, líquido sinovial, lágrimas e outros. No organismo humano, 64% do volume de líquido está presente no compartimento intracelular, 25% no interstício, 8% no espaço vascular e 3% nos espaços aquosos menores. Essa prevalência de volume do interstício em relação ao sangue também pode ser observada em outros animais Em seres humanos adultos, a porcentagem de água córporea está em torno de 70% da massa corpórea, variando com peso, idade, gênero e tipo físico. Por exemplo, pessoas obesas possuem uma massa grande de tecido adiposo em seu peso corpóreo. Entretanto, os adipócitos são células de acúmulo de gordura e por isso possuem um conteúdo muito pequeno de água. Dessa maneira torna-se fácil entender por que uma pessoa obesa possui menos água corpórea que uma pessoa magra. Em fetos, 95% da massa corporal é água. Nas crianças esse valor reduz-se a 80% e em adultos em torno de 60-70%. Durante certo período do crescimento, a quantidade de água do compartimento intracelular sofre um aumento e a quantidade de água intersticial sofre uma considerável redução, pois há retração do espaço extracelular durante o desenvolvimento (afinal, as novas células devem ocupar espaço; e assim vão enchendo o espaço intersticial disponível). DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA NOS COMPARTIMENTOS 10 20 30 40 50 60 70 80 % ÁGUA 0 3 6 9 1 3 5 7 9 11 13 15 IDADE EM MESES ANOS ADULTO ÁGUA TOTAL ÁGUA INTRACELULAR ÁGUA EXTRACELULAR ISRAEL FIGUEREDO JUNIOR DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA NOS COMPARTIMENTOS 10 20 30 40 50 60 70 80 % ÁGUA 0 3 6 9 1 3 5 7 9 11 13 15 IDADE EM MESES ANOS ADULTO ÁGUA TOTAL ÁGUA INTRACELULAR ÁGUA EXTRACELULAR ISRAEL FIGUEREDO JUNIOR Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 17 Os compartimentos também apresentam composições eletrolíticas e protéicas diferenciadas. O compartimento extracelular possui uma concentração maior de íons sódio e cloreto, sendo pobre em potássio. O compartimento intracelular possui uma elevada concentração de potássio e é pobre em termos de sodio e cloreto. Se analisarmos a composição do líquido extracelular de diversos animais e compararmos com a composição iônica da água do mar iremos encontrar semelhanças nesses itens ( Na, Cl, K ). Esse fato colabora para a hipótese de surgimento da vida no mar. Em termos de proteínas, a composição do fluido intracelular apresenta uma quantidade muito maior de proteínas. As proteínas são macromoléculas biológicas executoras das funções biológicas tais como catálise de reações (enzimas) , sustentação ( proteínas do citoesqueleto), sinalização (receptores), transporte (canais e bombas de membrana), geração de energia, funções informacionais (proteínas envolvidas na replicação de DNA, transcrição e tradução) etc. Então, é lógico que elas são muito mais importantes dentro da célula que fora. Na circulação (espaço extracelular) as proteínas desempenham principalmente funções de transporte ( ex: a albumina ajuda a carregar os ácidos graxos no sangue), sinalização (alguns hormônios de natureza protéica), manutenção da pressão oncótica (albumina), coagulação e defesa (anticorpos). A concentração de proteínas do vaso sanguíneo é cerca de seis vezes a do interstício Idade (anos) % água Prematuro 81 RN 72 01 58 16-30 M: 60 F:50 31-60 M: 54,7 F: 46,9 61-90 M: 51,6 F:45,2 Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 18 O balanço hídrico relaciona as vias de entrada e saída de água do organismo. As principais vias de entrada são a ingestão de líquido, a ingestão de alimentos e a água endógena (ou água metabólica), que é a água proveniente das reações de oxidação do metabolismo, uma vez que a oxidação de glicídios, ácidos graxos e aminoácidos no ciclo de Krebs e cadeia transportadora de elétrons gera gás carbônico e água, os produtos finais da oxidação da matériaorgânica. Por exemplo, em animais que hibernam a degradação dos ácidos graxos (gorduras) do tecido adiposo fornece uma quantidade muito grande de água para ser utilizada pelo organismo. As principais vias de eliminação de líquido do organismo são a urina, fezes, a pele (perspiração insensível e pelas glândulas sudoríparas) e pelos pulmões (no ar aquecido eliminado na ventilação pulmonar e no ofego, em animais que não possuem quantidade significativa de glândulas sudoríparas). O requerimento basal de água para o adulto varia de 1,25 a 3 litros por dia, dependendo da superfície corporal, quantidade de massa celular, idade e sexo. O requerimento basal de líquido também relaciona-se com a taxa metabólica do indivíduo, a qual é determinada por diversos fatores. No contexto de organismo humano, é importante notar que a taxa metabólica é regulada e afetada diretamente pela resposta hormonal, notadamente pelos hormônios tireiodianos. É importante considerar que os três compartimentos estão interconectados (afinal todos usam água como meio de transporte) e em equilíbrio. A água pode mover-se livremente entre eles. Assim sendo, uma redução ou aumento no volume de algum compartimento irá refletir em alterações nos outros. Em patologias com secreção muito alterada de hormônios da tireóide, conhecida como tempestade tireoidiana, a requisição de água é muito elevada em razão da perda que ocorre pelas crises febris. No hipotireoidismo, é comum encontrarmos pacientes com intoxicação hídrica, gerada pelo excesso da ingesta de água em situação de metabolismo reduzido. Alguns animais realizam adaptações em seu balanço hídrico em função do ambiente em que vivem. O rato canguru, espécie comum nos desertos americanos, bebe 6 mL de água em um mês (a água é escassa) e obtém 54 mL através da oxidação de 100 g de cevada (comum no seu habitat). Em função disso, perde pouca água na urina (apenas 13,5 mL por mês – urina bastante concentrada), pouca água nas fezes ( apenas 2,6 mL) e a maior parte de água é eliminada na evaporação pelos pulmões (para resfriar o corpo que está no deserto). E lembre que ratos não tem glândulas sudoríparas. Alguns camelos no deserto possuem uma secreção nasal extremamente higroscópica que captura a água que eles perderiam na respiração, contribuindo para a economia de água. Por curiosidade, existe uma espécie de camelo na região norte da Índia que bebe apenas água salgada. Diversos mecanismos fisiológicos operam para manter constante o volume dos compartimentos, tais como o mecanismo da sede, a secreção do hormônio antidiurético (que promove a reabsorção tubular de água no ducto coletor renal) e as alterações na eliminação do íon sódio pelos rins na urina. O íon sódio é um dos principais responsáveis pela manutenção do volume do líquido extraceular. O organismo tenta ao máximo manter o seu balanço hídrico, mesmo em situações patológicas, para que não ocorram alterações de volume dos compartimentos. Por exemplo, o paciente diabético (Diabetes insipidus; causada pela redução da produção de hormônio antidiurético pelo hipotálamo – dito diabetes insipidus central - ou pela impossibilidade de ação desse hormônios nos túbulos renais em conseqüência de defeitos em receptores ou em canais de aquaporina 2 – conhecido como diabetes insipidus nefrogênico) possui uma eliminação de elevado volume urinário (poliúria), podendo causar uma desidratação. Como organismo necessita manter o balanço hídrico para manutenção da homeostase, esse indíviduo apresenta Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 19 uma sede muito aumentada (polidipsia) para compensar o líquido perdido pela urina. No diabetes insipidus o paciente pode eliminar até 9 litros de urina por dia, justificando sua sede anormal. As desidratações são os quadros patológicos caracterizados por um aumento na perda de líquido do organismo. Essa perda elevada pode ocorrer pelas diversas vias. Por exemplo, em pacientes com insuficiência suprarenal existe uma perda elevada de líquido pela urina. Em alguns casos ocorre uma perda excessiva de água nas fezes (quadro conhecido como diarréia), o qual pode ser causado por agentes infecciosos microbianos (ex: infecção intestinal por Salmonella sp.) ou parasitários ( ex: amebas, outros protozoários, vermes....), reações inflamatórias entre outras causas. A pele elimina uma pequena quantidade de líquido pela perspiração insensível e uma quantidade razoável pela sudorese. Por exemplo, uma pessoa em prostração pelo calor torna-se desidratada pela perda excessiva de líquido pela sudorese. Os pacientes com queimaduras graves apresentaram quadros complicados de desidratação pela perda contínua de líquido em função da disrupção da barreira epitelial. Os pulmões podem aumentar o ritmo de ventilação e assim provocar uma perda de água superaquecida na ventilação; essa é uma via importante na desidratação que ocorre em pacientes febris, para evitar o superaquecimento corporal. Crianças ou pacientes comatosos que não recebem o suprimento externo de líquidos adequado também apresentar-se-ão desidratados. Em algumas disfunções do hipotálamo, o mecanismo da sede fica afetado e com isso a ingesta de líquido não é apropriada. O aumento do metabolismo, observado em situações como queimaduras graves e hiperparatioreoidismo também elevam a requisição de água enquanto a redução metabólica, como na velhice, infecções prolongadas, insuficiência renal e cardíaca e desnutrição reduzem a necessidade de água. Em algumas situações, ocorre migração anormal de volume de líquido entre os compartimentos, conduzindo a quadros patológicos, que serão abordados a seguir. Por exemplo, em pacientes com uma fístula entérica, uma abertura que permite a perda de líquido do trato digestivo para a cavidade abdominal, ocorre perda de líquido do compartimento transcelular para o extracelular. Em pacientes com sangramento (hemorragia) gastrintestinal com catabolismo protéico intraluminal ocorre perda de líquido do compartimento extracelular vascular para o transcelular. Nos vômitos existe perda de água do trato digestivo. Relembrando, como os compartimentos estão interligados e em equilíbrio, independente do local de ínicio da perda de líquido, todos demais são também afetados. Considerando que as crianças possuem mais água intersticial que adultos, é possível entender a razão pela qual as diarréias (perda de água nas fezes) são mais graves na infância pois a perda de líquido da região intersticial no processo torna-se elevada e com isso o volume hídrico da criança reduz rapidamente. As hiperhidratações ou intoxicação hídrica são quadros em que a ingesta de líquido é muito maior que a necessidade do organismo. Por exemplo, em cirurgias que duram por muito tempo é comum a infusão excessiva de líquido por via endovenosa. Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 20 9. Volemia e choque hipovolêmico Volemia é o parâmetro laboratorial que informa o volume de sangue circulante de um indíviduo. Esse parâmetro tem especial interesse em serviços de hemodinâmica e em situações em que a redução da volemia ocorre em grau que possa levar ao óbito do paciente, como nos grandes queimados, em casos graves de hemorragias e em pacientes gravemente traumatizados. Uma estimativa do volume corpóreo total pode ser realizada pela determinação dos valores de sódio do plasma (Veja Exercícios comentados) enquanto a volume é determinada por outros métodos. Sendo o sangue composto por uma fração líquida e pelos elementos figurados (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas), o valor do volume de sangue do indivíduo corresponde a soma do volume plasmático e do volume ocupado pelas células, notadamente a série vermelha, denominado volume globular. A fração líquidado sangue denomina-se plasma enquanto a fração líquida remanescente após a coagulação do plasma (portanto, o plasma sem o fibrinogênio) denomina-se soro. No laboratório clínico alguns exames são realizados no plasma humano e alguns somente no soro. Embora a série branca também ocupe volume no sangue, a imensa maioria do volume globular corresponde a série vermelha, a qual é extremamente mais numerosa que a branca. Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 21 Os compartimentos estão interconectados e a água move-se livremente entre eles. Sendo assim, qualquer alteração de volume em um compartimento irá repercutir em mudanças no volume dos demais. O plasma é o sistema mais altruísta no âmbito de manter o volume corporal, pois está em perfeita comunicação com o sistema renal para regulação da perda ou reasbsorção de líquido; em situações de perda de volume, o plasma direciona-se para repor essa perda; em casos de excesso de volume em algum compartimento, o espaço vascular recebe a sobrecarga. Dessa forma, quando acontece uma perda de água da região intersticial, com no caso da diarréia, ou de outra região, o plasma doa o seu conteúdo líquido para repor esse volume perdido. Com essa ação, o volume plasmático reduz e consequentemente a volemia acaba também reduzindo. Em casos graves, a quantidade de sangue presente no leito vascular é tão pequena que o coração não consegue manter a perfusão adequada de nutrientes e oxigênio aos tecidos. Dessa forma, estabelece-se uma colapso da microcirculação com objetivo de conseguir bombear o reduzido conteúdo existente. Esse estado é gravíssimo e evolui para parada cardíaca e por fim conduz ao óbito se não forem instituídas medidas de emergência. Esse quadro denomina-se choque hipovolêmico, ou seja, um choque causado pela redução da volemia. Em termos de sintomatologia, a pressão arterial reduz (hipotensão), ocorre aumento dos batimentos cardíacos por minuto (taquicardia), pulso fino e rápido, extremidades e lábios de cor azulada em razão da falta de chegada de oxigênio (cianose), pele fria e pegajosa, sede intensa, palidez, hipotermia, resfriamento das extremidades, respiração superficial rápida e irregular e alterações neurosensoriais. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 22 Os sintomas variam em função da gravidade do estado, como mostrado a seguir Queda da volemia Sintomas Discreta: menor que 20% perfusão diminuída de órgãos que toleram bem isquemia (pele, ossos , músculos, tecido adiposo) sensação de frio hipotensão postural taquicardia postural palidez sudorese fria Moderada: 20-40% perfusão diminuida de orgãos que toleram mal isquemia (pancreas, rins, baço) sensação de sêde hipotensão taquicardia oligúria (< 0,5 ml / kg / h) Grave: maior que 40% perfusão diminuída do coração e cérebro agitação , confusão mental hipotensão taquicardia (> 120 bpm) pulso fino e irregular parada cardíaca Oligúria é a redução do volume urinário. Considera-se um adulto em estado de oligúria quando ele elimina menos que 0,5 mL de urina por kilo de massa corpórea por hora. Para determinar esse estado, coleta-se a urina do paciente durante um certo período e posteriomente calcula-se. Para crianças acima de 2 anos, o valor muda para 1 mL/Kg/h e para crianças abaixo de 2 anos, 2 mL/Kg/h. Um caso preocupante, por exemplo, acontece em crianças acometidas de cólera, uma infecção bacteriana. Na diarréia colérica uma criança pode perder 1 litro de água corporal em 1 hora, evoluindo rapidamente para o choque hipovolêmico. Além disso, os pacientes gravemente queimados comumente apresentam esse quadro, assim como os pacientes com graves hemorragias em função de traumas. O paciente com queimaduras graves possui uma perda aumentada de líquido do espaço vascular em razão do aumento da permeabilidade vascular, causado pela reação inflamatória sistêmica em resposta a queimadura. Assim, a água pode abandonar o plasma e ser perdida como conseqüência da falta da integridade da barreira epitelial. Para o tratamento das queimaduras simples, como em uma insolação, é recomendável o uso de cremes hidratantes. Os cremes possuem uma fase aquosa, que cede água para o tecido, e uma fase oleosa, que forma uma barreira gordurosa que impede a perda de água pela pele. Além disso, o uso de substâncias de natureza apolar, denominadas umectantes de barreira (como a vaselina), formam essa barreira mantendo a água no tecido e portanto deixando-o hidratado. Outra causa comum de choque hipovolêmico é o rompimento de aneurismas. Os aneurismas são dilatações pulsáteis de um vaso sanguíneo, que podem romper e conduzir a uma hemorragia interna. Os aneurismas mais perigosos são o aneurisma da aorta abdominal, em razão do seu calibre, e os aneurismas cerebrais. No caso de redução da volemia por hemorragia, é importante notar que o tratamento varia de acordo com o grau da hemorragia, como mostrado na tabela a seguir: Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 23 Hemorragia I II III IV Perda em volume Até 15% 15-30% 30-40% >40% Conduta Soluções cristalóides Soluções cristalóides Solução cristalóide + transfusão Solução cristalóide, expansores plasmáticos, transfusão. Emergência cirúrgica Em vias gerais, o tratamento do choque hipovolêmico é realizado com reposição imediata de líquido, feito através de sangue ou soro fisiológico e expansores plasmáticos além de outras medidas para combater o choque (vasopressores, glicocorticóides, oxigênio). Em casos de hemorragia, é importante corrigir o problema. O exército possui um tipo de calça denominado calça anti-choque. Quando a hemorragia é extensa demais para ser controlada, por meio de uns manguitos acoplados a um manômetro (idêntico a um equipamento de determinação de pressão arterial), a calça é inflada e comprime o local do sangramento, reduzindo a perda de sangue. Nos pacientes desidratados as preocupações são: cessar a perda de líquido e repor o líquido perdido, para evitar o choque hipovolêmico. Nos pacientes queimados, reduz-se a perda de líquido pela pele (que não está íntegra e por isso permite uma perda elevada de líquido pela perspiração insensível) com uso de hidratantes e umectantes de barreira. Os hidratantes e umectantes são emulsões de fácil aplicação que reduzem a perda de líquido por formar uma barreia gordurosa sobre a pele, bloqueando a passagem de água. Além disso, a fase aquosa dessas emoções serve para ceder água ao tecido queimado. A reposição de líquidos por via oral pode ser realizada com soro caseiro, água, e soluções de reposição oral. Por via endovenosa, são utilizadas soluções fisiológicas, como o soro fisiológico e o soro glicosado principalmente; algumas vezes solução hipotônica de cloreto de sódio. 10. Edemas Edema é o termo que descreve um acúmulo de líquido na região intersticial ou em alguma cavidade do organismo. Os edemas podem ser localizados ou generalizados. Por exemplo, o Duda Highlight Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 24 acúmulo de líquido nos alvéolos conduz ao edema pulmonar; o acúmulo de líquido por aumento do volume de líquor gera o edema cerebral, assim como na região intersticial dos membros inferiores é caracterestício no quadro de elefantíase. O acúmulo de líquido na cavidade peritonial denomina-se ascite (ou hidroperitônio) enquanto no espaço pleural o quadro é conhecido como hidrotórax. Em pacientes com glaucoma, os defeitos na drenagem do humor aquoso causam um aumento na pressão intraocular, podendo lesar retina e nervo ótico. Em situações de edema generalizado, devido por exemplo a uma insuficiência renal ou fruto de alguns quadros alérgicosviolentos, podemos dizer que o paciente está em retenção hídrica. Na verdade, ambos termos são praticamente sinônimos. O edema generalizado conhecido como anasarca caracteriza-se por um acúmulo generalizado de mais de 3 litros de líquido no organismo. Existem várias causas e mecanismos operantes na formação dos edemas. Em termos de mecanismos, três merecem destaque: o aumento da pressão hidrostática vascular; a redução da perssão oncótica vascular e a obstrução linfática. A pressão hidrostática vascular é uma das componentes da pressão vascular, representando a carga de líquido contido no vaso e a força com que o coração bombeia o sangue. Quando ocorre um aumento exagerado da força de bombeamento, a pressão hidrostática eleva-se e assim a água do vaso colide com muito mais força contra as paredes do espaço vascular. Em locais em que a parede dos vasos é mais fina, como nos alvéolos, a água acaba extravasando mecanicamente do vaso para o meio externo e acumula-se no alvéolo, por exemplo. Quando um paciente apresenta uma crise de hipertensão arterial severa, um edema pulmonar pode se originar por esse mecanismo. No entanto, o aumento da pressão hidrostática não causa acúmulo somente na região pulmonar; ocorre extravasamento do plasma para o interstício em vários órgãos. Os edemas gerados quando o coração não consegue suportar o retorno venoso (insuficiência cardíaca congestiva) devem-se ao aumento da pressão venosa e passagem de água do plasma para o interstício. Na obstrução venosa, quadro mais comum nos membros inferiores, o entupimento da veia causa um aumento da pressão hidrostática, causando edema e podendo gerar o rompimento do vaso. A função do sistema linfático é a drenagem da região intersticial. Quando a rede linfática é obstruída, um volume anormal de líquido acumula-se no interstício causando o edema. Uma causa comum desse quadro é a obstrução dos vasos linfáticos pelo parasita causador da elefantíase. Contudo, outras causas também existem, tais como a inflamação dos vasos linfáticos, alguns tumores e cirugias de remoção de linfonodos. O terceiro mecanismo básico é a redução da pressão oncótica vascular. A albumina, principal proteína do plasma, é responsável pela manutenção da pressão oncótica (ou coloidosmótica vascular). Essa pressão nada mais é que a pressão osmótica exercida pelas proteínas. Além de participar da osmolaridade do vaso como partícula, a albumina atrai muitas moléculas de água para sua hidratação, aumentando muito a carga líquida do vaso. Em paciente com síndrome nefrótica em estado avançado, ocorre perda elevada de albumina na urina (um quadro conhecido com albuminúria). Dessa forma, a albumina plasmática acaba reduzindo e portanto a osmolaridade do vaso reduz; consequentemente haverám migração de água do plasma em direção ao interstício. Com a redução da albumina, a água que se ocupava de hidratar a molécula encontra-se livre para movimentação. Dessa forma, ocorre saída exagerada de água do vaso em direção ao interstício, reduzindo a pressão oncótica e vascular e causando o edema. Em pacientes desnutridos, os quais não possuem ingesta de aminoácidos para a renovação da albumina plasmática, o mesmo mecanismo explica o edema observado. Esse quadro também é observado na insuficiência hepática, quando o fígado encontra-se incapaz de produzir a albumina e em pacientes queimados, pois existem poucos aminoácidos disponíveis para síntese de albumina, desde que a maior parte será direcionada para regeneração do tecido perdido. O aumento da permeabilidade capilar também permite o plasma extravase para o interstício causando o edema. Diversas situações patológicas podem elevar a permeabilidade dos capilares, como reações imunológicas exageradas, queimaduras graves, toxinas e infecções bacterianas. 11. Espaços potenciais Duda Highlight Duda Highlight Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 25 A melhor maneira de descrever um espaço potencial do organismo é listar alguns exemplos: cavidade pleural, cavidade pericárdica, cavidade peritonial, cavidades sinoviais, incluindo junções e a bursa. Os espaços potenciais possuem superfícies em contato, contendo apenas uma fina camada de fluido entre elas. A membrana de superfície de uma espaço potencial não oferece resistência significativa a passagens de fluidos e eletrólitos, os quais movem-se constantemente entre interstício e espaço potencial. Da mesma maneira que o interstício, o espaço potencial recebe substâncias do vaso e é drenado pelo sistema linfático. Quando um edema ocorre nos tecidos subcutâneos adjacente ao espaço potencial, o líquido do edema é usualmente encontrado e coletado no espaço potencial, sendo denominado efusão. Os edemas mais comuns nos espaços potenciais são a ascite e o derrame pleural. 12. Exsudatos e transudatos Em termos de diagnóstico laboratorial o líquido que constitui o edema pode ser classificado como exsudato ou transudato: Exsudato ⇒ o líquido é gerado a partir de reação inflamatória, em reposta a um processo infeccioso ou neoplásico. Nesse caso, como existe ruptura de células na região, os exsudatos são caracterizados pela alta presença de proteínas. Um exemplo clássico pode ser imaginado em caso de uma infecção grave do tipo meningite bacteriana ( em alguns casos, a punção do líquido cefalorraquidiano além de alta concentração de proteína vem acompanhada de pus e pode-se até observar a bactéria viva ao microscópio). Uma infecção abdominal generalizada (peritonite) causada pela ruptura de um apêndice inflamado também produz um exsudato (líquido rico em proteínas). Transudato ⇒ o líquido acumula-se por um processo mecânico. Por exemplo, uma pessoa em crise hipertensiva pode chegar a um nível de bombeamento cardíaco tão alto que a água do plasma consiga extravasar para o interstício. Isso é muito comum nos capilares finos do pulmão e por essa razão, não são raros os quadros de edema pulmonar secundário a crise hipertensiva. Nesse caso o líquido acumulado é praticamente apenas água, ou seja, um transudato. Uma simples drenagem ou um tratamento diurético resolvem a questão. A insuficiência cardíaca também pode prejudicar o retorno venoso e originar essa classe de edemas. � Conhecendo a composição química característica dos líquidos do organismo é possível orientar alguns quadros diagnósticos. Veja o exemplo: Líquido pleural Proteínas totais > 3 % : exsudato Proteínas totais < 3 % : transudato Uma vez que os exsudatos são ricos em proteínas, pois tem origem inflamatória, infecciosa ou neoplásica, um achado de alta concentração de proteínas pode indicar um exsudato. O exsudato pode orientar um diagnóstico de, por exemplo, infecção hospitalar após cirugia pulmonar enquanto um transudato poderia sugerir edema pulmonar consequente de crise hipertensiva. Líquido pleural Densidade > 1.016 : Exsudato Densidade < 1.016 : transudato Uma vez que os exsudatos são ricos em proteínas, é normal que a presença desses componentes em alta concentração aumente a densidade do fluido. Como os transudatos são apenas água, vc acaba diluindo os demais componentes do fluido e a densidade baixa. Líquido cefaloraquidiano Proteinas aumentadas: Hemorragia subaracnóidea O líquido extracelular tem uma concentração baixa de proteínas. Em caso de hemorragia, o sangue extravasado pode aumentar a concentração de proteínas no local. Líquido cefaloraquidiano Cloretos muito reduzidos: Meningite tuberculosa Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 26 O líquido extracelular possui uma quantidade alta de cloretos. Se a quantidade reduz, algo não está normal. Essa redução é comum na meningite tuberculosa. Sinóvia Presença de hemácias: lesão vascular Um líquido lubrificante de articulação não deve conter hemácias. Se elas surgiram, devem ter vindo de algum vaso na periferia. Biofísica –Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 27 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Biociências Departamento de Biofísica Biofísica Médica Aula 02-Princípios físicos da movimentação entre compartimentos Notas de aula 1. Introdução Nos organismos vivos existe um constante fluxo de soluto e solvente (água) entre os compartimentos intra e extracelular. Dessa forma é possível que os nutrientes (açúcares, aminoácidos, lipídios, nucleotídeos, água, íons) oriundos da dieta possam ser absorvidos no trato gastrintestinal, viajar pela circulação sendo por fim distribuídos a todas células do organismo, desde as mais superficiais até as localizadas no interior dos tecidos, através da rede capilar. Da mesma maneira, o oxigênio é conduzido a todas células e os catabólitos (resíduos) do metabolismo são excretados da célula, recolhidos pelo sistema circulatório e eliminados pelo corpo, seja na urina (uréia, potássio, ácido úrico, corpos cetônicos...), no ar expirado (gás carbônico, corpos cetônicos). No entanto, para o entendimento a respeito da manutenção da perfeita homeostase (equilíbrio fisiológico) desses sistemas é necessário compreender alguns princípios e mecanismos envolvidos no transporte celular e entre zonas compartimentalizadas. Dentre esses mecanismos, estudaremos a difusão e a osmose. Na primeira parte serão definidos e diferenciados os conceitos de difusão e osmose para o entendimento da movimentação de água e solutos entre os compartimentos. A partir do conceito de pressão osmótica e osmolaridade será então explicado o mecanismo de movimentação de liquídos e introduzido o conceito de isotonicidade. As soluções fisiológicas, usadas endovenosamente a nível hospitalar para administração de fármacos e rehidratação, serão estudadas com base nesses conceitos anteriormente estudados. Por fim, as aplicações clínicas serão mostradas através do mecanismo de ação de diuréticos osmóticos, laxantes salinos, manutenção da pressão vascular e formação de edemas. 2. Difusão 2.1. Definição Difusão é o movimento aleatório individual das moléculas (movimento browniano) componentes de uma mistura qualquer com objetivo de atingir a uniformidade de distribuição das moléculas em toda extensão disponível, o que confere um estado de maior energia e portanto, maior estabilidade. Ocorre em gases, líquidos e sólidos. Na prática, é a movimentação de um soluto de uma região de maior concentração para uma de menor concentração em um meio. Por exemplo, a dissolução de açúcar em água promove a difusão do açúcar em todas as direções com finalidade de se obter a mesma concentração do soluto em toda extensão do líquido. Podemos também expandir a definição de difusão para a movimentação de um determinado soluto através de uma membrana que separa duas zonas compartimentalizadas na direção da zona em que este soluto encontra-se em maior concentração para a zona de concentração menor. Esse movimento visa atingir o equilíbrio de concentração do soluto entre as duas zonas. Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 28 � O movimento de difusão é individual para cada soluto e poderá existir somente quando houver um gradiente (diferença) de concentração desse soluto entre as duas zonas. Vamos imaginar a seguinte situação: A B Observe dois compartimentos separados por uma membrana. Em ambos lados existe uma solução dos solutos “bolinhas e quadradinhos”. Admita que ambos compartimentos apresentam o mesmo volume (lembrar: solução = soluto + solvente). Ora, se o volume de solvente é o mesmo, obviamente o compartimento A está mais concentrado de “bolinhas” que o compartimento B. Considerando que a membrana que separa os dois compartimentos seja permeável ao soluto “bolinhas”, existirá um fluxo de bolinhas da zona A para zona B com intuito de igualar a concentração de bolinhas em ambos compartimentos. Esse movimento denomina-se difusão (ou difusão simples). Por que isso ocorre ? Porque existe uma diferença de concentração de bolinhas entre os compartimentos (ou seja, temos um gradiente de concentração). Entretanto, como a concentração de quadradinhos é a mesma em ambos lados, não ocorre difusão desse soluto. Cada soluto movimenta-se a favor do seu gradiente de concentração, não importando-se com as outras substâncias presentes. Na verdade, a movimentação de soluto ocorre mas com mesma velocidade em ambos sentidos pois o equilíbrio químico é um estado dinâmico. Adequando nossa explicação aos sistemas biológicos podemos imaginar que bolinhas podem representar o oxigênio; o compartimento A é o ar inspirado e B, o interior dos alvéolos. A membrana representa a membrana alveolar. Bolinhas podem ser um nutriente; A pode ser a luz do intestino e B, as células intestinais responsáveis pela absorção. A membrana representa então a membrana celular dos enterócitos. Bolinhas podem ser glicose, A pode representar a circulação capilar e B, as células do interstício que estão necessitando de glicose. Nesse caso, a membrana simula a parede do capilar. Bolinhas podem representar o sódio, A pode ser a luz do túbulo convolto proximal do rim, B pode ser a célula do tubo proximal e novamente a membrana seria a membrana celular. Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 29 Uma observação importantíssima deve ser feita: o movimento de difusão somente ocorrerá se a membrana for permeável ao soluto. A permeabilidade de uma membrana é uma característica inerente à sua estrutura e composição, variando entre os tipos celulares e as espécies. No caso da membrana celular é preciso conhecer sua estrutura para poder determinar se um soluto poderia atravessá-la por simples difusão. Quando existe um gradiente de concentração para um determinado soluto e as membranas celulares são permeáveis a esse soluto por simples difusão, ocorre passagem de soluto da zona de maior concentração molar para a de menor. O movimento de simples difusão não requer gasto de energia pois ocorre a favor do gradiente de concentração. Dessa maneira, as substâncias que atingem a circulação sanguínea distribuem-se por todo volume de plasma disponível e assim viajam a todos pontos do organismo, difundindo-se no sangue, posteriormente ao espaço intersticial e por fim aos tecidos. 2.2. Velocidade de difusão (Fluxo) Existem vários fatores que influenciam na velocidade da simples difusão de um soluto através da membrana. Esses fatores são tratados matematicamente pela equação da 1ª Lei de Fick (Adolf Fick, 1855). j = - DA ∆C/∆x j: velocidade de difusão (fluxo) D: constante do meio A: área de secção tranversal disponível ∆C: variação da concentração entre as zonas (gradiente de concentração) ∆x: distância entre as zonas ( ou espessura da membrana) Em relação aos fatores que influenciam na velocidade de fluxo de um soluto por uma membrana por simples difusão é importante considerar a área da superfície disponível para o Duda Highlight Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 30 processo, a espessura da membrana que separa os compartimentos, o meio em que o processo acontece e o gradiente de concentração. Quanto maior a área de superfície disponível, mais rápido o processo acontece. Da mesma forma, quanto menor a espessura da membrana, maior a velocidade de fluxo. Esses fatores explicam as razões do intestino constitutir o principal sítio absortivo do trato gastrintestinal (em razão de sua grande área). Além disso, a estrutura dos alvéolos possibilita uma área grande, favorecendo a difusão do oxigênio, o que é muito importante em animais de sangue quente com elevada taxa metabólica. Em contrapartida, os anfíbios (animais de sangue frio) possuem um pulmão em forma de sacoúnico, o que é compensado pela respiração cutânea. Os túbulos renais são longos e finos, o que faz com que a taxa de reabsorção de solutos por simples difusão nunca torne-se um fator limitante para o processo. O gradiente de concentração também influencia no processo. Quanto maior o gradiente de concentração, maior será a velocidade de fluxo, pois o gradiente é a força que impulsiona o processo. Dessa maneira será possível entender a necessidade da renovação da solução dialisante durante a hemodiálise. Os vasos sanguíneos da região sublingual são numerosos e finos, o que faz com que os fármacos administrados por essa via, como a nitroglicerina, nifedipina, isosorbida, vitamina B12, algumas vacinas, tenham efeito praticamente imediato. Os capilares alveolares também são finos, fazendo com que as substâncias administradas em aerosol (e congêneres) tenham efeito rápido no organismo. A composição do meio influencia no processo. A expressão da influência do meio faz-se através de uma constante, a qual varia para cada ambiente. Por exemplo, a difusão do oxigênio no ar não ocorre na mesma velocidade de difusão do oxigênio do sangue para os tecidos. A massa molecular do soluto também exerce certa influência: quanto menor o tamanho da molécula, maior sua energia cinética e movimentação (movimento Browniano). Isso torna mais rápido o processo. Nesse sentido, quanto maior a temperatura maior será o fluxo, pois a energia térmica influencia a energia cinética das moléculas. Em relação ao estado físico, a difusão é sempre mais rápida em fase gasosa > líquida > sólida. Quanto maior o tempo de contato, maior é a eficiência do processo. Assim permite-se a conclusão da movimentação e estabelecimento do equilíbrio. 2.3. Fatores inerentes ao soluto Mesmo quando existe um gradiente de concentração para determinado soluto, só haverá simples difusão se a membrana que separa as regiões for permeável ao soluto. As membranas biológicas são livremente permeáveis água, mas são seletivamente permeáveis ao soluto. Os fatores da natureza do soluto que influenciam na sua passagem pelas membranas por simples difusão são o tamanho, a polaridade e a presença de carga. As membranas celulares são uma bicamada lipídica contendo proteínas. A região central da membrana tem caráter apolar, pois é composta pela cauda dos lipídeos de membrana enquanto suas cabeças polares ficam orientadas para o meio externo e para a região citosólica. Os fosfolipideos de membrana acomodam-se na bicamada deixando um espaço de 0,6 nm entre suas caudas, por onde solutos pequenos podem transitar. De tal maneira, solutos pequenos tem passagem por simples difusão mais fácil que os solutos de maior tamanho. Além Duda Highlight Duda Highlight Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 31 disso, as polaridade é importante. Os solutos pouco polares tem mais facilidade em atravessar a membrana por simples difusão que os solutos polares. Em termos de organismo, as substâncias de caráter menos polar (lipofílicas – amigas da gordura) tem uma passagem pelas membranas por simples difusão mais fácil que as substâncias de caráter mais polar (hidrofílicas - amigas da água). No entanto, como os compartimentos do organismo são montados em meio aquoso e interconectados, as substâncias que se dissolvem mais facilmente em água tem uma distribuição mais favorecida pelo organismo. Dessa forma, as substâncias devem possuir uma polaridade intermediária, ou seja, um caráter lipofílico e hidrofílico para o uso terapêutico. A medida do caráter de polaridade de uma determinada molécula é realizada pela determinação do seu coeficiente de partição óleo/água. As substâncias mais lipofílicas possuem uma absorção mais fácil e eliminação mais demorada, pois a excreção pela urina ou outros meios necessita de solubilização em água. No organismo, o fígado metaboliza as substâncias lipofílicas tornando-as hidrofílicas. As substâncias hidrofílicas possuem uma absorção menos facilitada, mas distribuição e eliminação fáceis. A questão do caráter da substância e sua correlação com o perfil de absorção é muitas vezes a etapa limitante no desenvolvimento de novos medicamentos; algumas vezes, para eliminar a necessidade da absorção ao longo de tubo digestivo, outras vias (como a endovenosa ou uma injeção localizada no tecido alvo) são utilizadas. O grau de ionização também é importante, pois os grupamento ionizados atraem água para hidratação, tornando-se maiores em tamanho que a molécula original. O grau de ionização, ou seja as porcentagens de uma molécula que encontram-se na forma ionizada e forma não ionizada dos seus grupamentos é determinada pelo pH do meio. As substâncias de natureza ácida encontram-se menos ionizadas em pH ácido; consequentemente sua absorção é favorecida no estômago ao invés do intestino delgado, por exemplo. A equação de Handerson Hasselbach modificada permite determinar a porcentagem de ionização de uma substância em função do pH. As passagens de um soluto entre os compartimentos depende do grau de ionização, pois os compartimentos tem valores diferentes de pH. Por exemplo, na mucosa gástrica temos pH em torno de 1,0, no plasma pH 7,4 enquanto um tecido inflamado tem um pH em torno de 5,0. % de ionização = 100 – [ 100 / 1 + antilog (pH – pKa) ] Por exemplo, os anestésicos locais são administrados na proximidade do tecido a ser anestesiado, em espaços aquosos do organismo ou superfície da pele. Quando a injeção é realizada na proximidade do tecido, a molécula anestésica deverá transitar do liquído intersticial para o axônio do nervo sensor, atravessando o perineuro por simples difusão. Dessa forma, os anestésicos que apresentarem a maior parte de suas moléculas na forma não ionizada no pH do líquido intersticial (7,4) atravessarão a membrana mais facilmente. Quando o tecido está inflamado, o seu pH está mais ácido, propriciando que mais moléculas do anestésico fiquem na forma ionizada, diminuindo a quantidade de substância para o tecido e reduzindo o efeito anestésico. Todos esses parâmetros devem ser levados em conta quando queremos que uma certa substância penetre no sistema nervoso central, pois esse é protegido por uma camada gordurosa denominada barreira hematoencefálica, que inibe a passagem de uma série de substâncias do sangue para o sistema nervoso central. É exatamente por isso que várias moléculas possuem ação em diversos tecidos do organismo, mas não possuem ação ou efeito colateral em nível de SNC. 3. Osmose 3.1. Definições Observe a situação anterior: Biofísica – Renato M. Rosa e profa. Ana Lígia L.P. Ramos 32 Considerando que a membrana seja livremente permeável aos solutos, com o passar do tempo, cada soluto se difundiu a favor de seu gradiente e ao final do processo como cada soluto atingiu seu equilíbrio químico, o que faz com que os compartimentos estão com a mesma quantidade total de partículas. No entanto, considere que a membrana que separa os compartimentos não seja permeável a solutos mas seja livremente permeável a solvente. Como poderia atingir-se o equilíbrio nesse sistema, ou seja, como os compartimentos poderiam atingir a mesma concentração total de partículas em ambos lados sem a existência de difusão dos solutos ? Uma membrana permeável a solvente mas impermeável a solutos recebe a denominação de membrana semipermeável. As membranas celulares, na realidade, são seletivamente permeáveis, deixando passar livremente a água e seletivamente alguns solutos por difusão simples. Enfim, independente das características da membrana, o sistema precisa atingir o estado de equilíbrio, caracterizado pela mesma quantidade de partículas em ambos compartimentos. Uma vez que o soluto esteja impedido de se difundir, uma alternativa é utilizar um fluxo de solvente para equilibrar concentrações. Esse fluxo de solvente denomina-se fluxo osmótico
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