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A s pr im ei ra s m an ife st aç õe s da e sc rit a in fa nt il Ocsana Sônia Danyluk alf ab eti za çã o m at em át icaA pesquisa fenomenológica, na qual Ocsana ancorou seus trabalhos de Mestrado e Doutorado, deu a ela o material original para elaborar este livro. A metodologia adotada é rigorosa e apresentada com muita clareza. Na verdade, convida o próprio leitor a se enveredar na pesquisa. Eu vejo os Capítulos II, IV e V como uma excelente sugestão de inovação para os professores encarregados da disciplina “Metodologia da Pesquisa”, ainda presos a métodos estatísticos obsoletos e desinspiradores. O livro pode ser utilizado, com muito proveito, como texto nessa disciplina. Uma vez mais, embora com foco na matemática, Ocsana dá a seu livro uma abrangência que permite utilizá-lo em todas as disciplinas. Ubiratan D’ Ambrosio alf ab et iza çã o m at em át ica O cs an a Sô ni a Da ny lu k A pesquisa realizada pela professora Ocsana Sônia Danyluk é de grande importância para a área da educação e, em especial, da Educação Matemática. A autora perseguiu uma questão, posta de maneira clara: o que é alfabetizar em matemática? Para tanto, nesta pesquisa, tematizou a escrita em matemática, colocan- do em evidência o ato de escrever essa linguagem. De modo com- prometido e responsável, estudou autores que tratam do assunto nas perspectivas da filosofia, da psicologia e da pedagogia. Por ser professora de matemática, pôde analisar os dados obtidos de maneira a evidenciar os aspec- tos matemáticos presentes na escrita das crianças. Esse ponto é relevante e inovador. Maria Aparecida Viggiani Bicudo A obra insere-se numa linha de pesquisa que, ancorada em análi- ses fenomenológicas, permite vislumbrar claramente novas pers- pectivas para o ensino e para a aprendizagem da matemática. É de uma clareza incontestável, e toda a trama de levantamento bibliográfico, coleta de dados, análises e compreensões finais é extremamente consistente. Estabe- lece a pesquisadora compreen- sões sobre um tema pouco estuda- do entre os educadores matemáti- cos, quer seja panorama nacional ou internacional. Traz, assim, contribuições substanciais à área. Antonio Vicente. M. Garnica EDITORA editora@upf.br www.upf.br/editora O termo alfabetização mate- mática não se refere apenas e somente às crianças, na edu- cação infantil ou nos anos iniciais. Consideramos que uma pessoa está alfabetizada matematicamente quando consegue realizar o ato de ler a linguagem matemática encon- trando significado. E a escrita faz com que a compreensão existencial e a interpretação sejam desenvolvidas, fixadas e comunicadas pelo registro efetuado. Dessa forma, ser alfabetizado em matemática é entender o que se lê, o que se escreve e o que se entende a respeito das primeiras noções de aritmética, geometria, lógica e álgebra, dentre outros temas significativos para a construção de um conheci- mento sólido nessa área. Diante isso, é possível afirmar que as primeiras noções dos diferentes conceitos matemáti- cos também podem ser desen- volvidas em todos os graus de ensino. 9 788575 158906 ISBN 978-85-7515-890-6 UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO José Carlos Carles de Souza Reitor Rosani Sgari Vice-Reitora de Graduação Leonardo José Gil Barcellos Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Bernadete Maria Dalmolin Vice-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários Agenor Dias de Meira Junior Vice-Reitor Administrativo UPF Editora Karen Beltrame Becker Fritz Editora CONSELHO EDITORIAL Altair Alberto Fávero Carlos Alberto Forcelini Cleci Teresinha Werner da Rosa Giovani Corralo José Ivo Scherer Jurema Schons Karen Beltrame Becker Fritz Leonardo José Gil Barcellos Luciane Maria Colla Paula Benetti Telmo Marcon Verner Luis Antoni CORPO FUNCIONAL Daniela Cardoso Coordenadora de revisão Cristina Azevedo da Silva Revisora de textos Mara Rúbia Alves Revisora de textos Sirlete Regina da Silva Coordenadora de design Rubia Bedin Rizzi Designer gráfico Carlos Gabriel Scheleder Auxiliar administrativo Ocsana Sônia Danyluk As primeiras manifestações da escrita infantil Alfabetização matemática 5a edição 2015 Associação Brasi le ira das Editoras Universitár ias Editora UPF af i l iada à Copyright© da autora Daniela Cardoso Revisão de textos e revisão de emendas Sirlete Regina da Silva Projeto gráfico e produção da capa Rubia Bedin R.izzi Diagramação Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do(s) autor(es). A exatidão das informações e dos conceitos e as opiniões emitidas, as imagens, as tabelas, os quadros e as figuras são de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es). UPF EDITORA Campus I, BR 285 - Km 292 - Bairro São José Fone/Fax: (54) 3316-8374 CEP 99052-900 - Passo Fundo - RS - Brasil Home-page: www.upf.br/editora E-mail: editora@upf.br CÓDIGO ISBN 372.7 CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação _____________________________________________________________ D198a Danyluk, Ocsana Sônia Alfabetização matemática : as primeiras manifestações da escrita infantil [recurso eletrônico] / Ocsana Sônia Danyluk. – 5. ed. – Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2015. 3,134 Kb ; PDF. Inclui bibliografia. Modo de acesso gratuito: <www.upf.br/editora>. ISBN 978-85-7515-889-0 1. Matemática - Estudo e ensino. 2. Alfabetização matemática. 3. Escrita. I. Título. CDU: 372.47 _____________________________________________________________ Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569 A obra é dedicada a João Dimitri, meu filho, que estenderá sua luz a todas as crianças para que tenham uma educação matemática significativa. Minha gratidão e o meu obrigada aos grandes mestres Joel Martins e Maria Aparecida Viggiani Bicudo pela possibilidade de segui-los no caminho fenomenológico- hermenêutico. A Maria Crusius e a Dário Fiorentini, pela honra de tê-los como amigos sempre. Súmario Prefácio ........................................................................................ 8 Na busca de um prólogo ................................................................11 Apresentação............................................................................... 13 Capítulo I A origem da pesquisa .................................................................. 18 1 A leitura da linguagem matemática .................................................18 2 Do horizonte de compreensão ......................................................... 27 3 Das interrogações ..........................................................................30 Capítulo II A escrita da linguagem matemática: consultando autores que pesquisaram o assunto ..................................................................31 1 Da educação e da psicologia ...........................................................32 2 Da filosofia ....................................................................................54 2.1 Discurso, linguagem, escrita e texto ..............................................................54 2.2 Escrita na matemática .................................................................................60 3 A pergunta após o estudo da literatura ............................................63 Capítulo III O encaminhamento metodológico ................................................. 66 1 Situando o fenômeno da escrita da linguagem matemática ...............68 2 Análise do individual ou análise idiográfica .....................................72 3 Análise nomotética .........................................................................74 4 Da reflexão: síntese de transição .....................................................75 5 Da metacompreensão .....................................................................75Capítulo IV Análise idiográfica: construindo resultados ................................... 76 1 Descrição e análise dos encontros .................................................... 77 2 O desenvolvimento individual dos sujeitos ......................................122 3 Quadro das unidades de significado e quadro individual dos momentos de registro ..................................................................173 Capítulo V Análise nomotética: construindo resultados ................................. 176 1 Como as crianças realizam suas escritas ....................................... 177 2 O que as crianças escrevem ..........................................................196 3 O por que as crianças escrevem .....................................................213 4 As idiossincrasias ......................................................................... 217 Capítulo VI Da reflexão:elaborando sínteses de transição .............................. 226 Capítulo VII Da meta-compreensão escrita eleitura da linguagem matemática .......235 Referências ............................................................................... 244 Prefácio Fiquei profundamente honrado e feliz com o convite para pre-faciar este livro, que oferece uma contribuição tão original e importante para a educação matemática. É uma grande satis- fação para um professor ver seus alunos atin gindo um alto padrão acadêmico. A leitura matemática do mundo parece ser uma das característi- cas da espécie humana. O homem age matematicamente, por razões que os cientistas da cognição ainda não podem dar uma explicação satisfatória. Assim como falamos, matematizamos. Linguagem é a capacidade organizacional de expres sar o nosso agir. Ao falar damos espaço para que nossa criatividade se manifes te, organizando e trans- mitindo o imaginário. Isso não é menos verdade com a matemática. No processo de geração do conhecimento, a transição do indivi- dual para o social foi, e continua sendo, o ponto crucial na evolução do indivíduo e da espécie. É aí que surgem os sistemas de codificação e a linguagem, já identifica dos por Sócrates como um dos momentos mais conflitantes na história do homem. Igualmente importante é a criação da matemática. E, em Sócrates, a es crita e a aritmética são criadas pelo mesmo faraó mitológico. O essencial é conceber sistemas de códigos que, uma vez socializados, são reconhecidos como escrita e como aritmética. Está assim criada a necessidade da literácia e da materácia para elevar o homem à sua condição maior. A literácia tem recebido atenção de pesquisadores. Mas pouca atenção tem sido dada, internacionalmente, à materácia. O livro de Ocsana Sônia Danyluk, uma elaboração de sua tese de doutoramento, brilhantemente defendida na Universidade Federal do Rio Gran de do Sul, é um dos poucos trabalhos que conheço em todo o Alfabetização matemática - 9 - mundo, que examinam não somente a aquisição social dos conceitos matemáticos, como também o processo de aquisição dessa codificação, que é o primeiro passo da materácia. A pergunta diretora da autora é “como a criança entra no mundo da escrita da linguagem matemática?” Ocsana aborda um problema muitíssimo importante, trabalhan- do com crianças de uma faixa etária pouco estudada com relação à aquisição de lingua gem matemática. Sabe-se que a criança chega à escola com muitas ideias e familiaridade com inúmeros conceitos que serão objeto de seus estudos. Mas conhecemos quase nada sobre o que se passa com a aquisição de linguagem matemática antes de a criança ser iniciada na matemática. O que normalmente o professor de mate- mática faz é ensinar a matemática como se estivesse alfabeti zando em uma outra língua. Não leva em conta os passos já dados pela criança antes da aprendizagem formal. Muitos estudos sobre educação bilín- gue têm sido feitos; pouco ou nada sobre alfabetização matemática. Ocsana contribui para esse conhecimento. O livro é abrangente. Logo no Capítulo II faz uma síntese de pes- quisas recentes sobre o ato de escrever, para logo a seguir rever o que alguns importan tes fenomenologistas dizem a respeito da escrita. Muito embora a matemática seja sempre o centro das explicações da autora, essa exposição é muito útil para educadores. O livro é provei- toso para todos os educadores em geral, não somen te para os profes- sores de matemática. A pesquisa fenomenológica, na qual Ocsana ancorou seus traba- lhos de Mestrado e Doutorado, deu a ela o material original para ela- borar este livro. A metodologia adotada é rigorosa e apresentada com muita clareza. Na verdade, convida o próprio leitor a se enveredar na pesquisa. Eu vejo os Capítulos II, IV e V como uma excelente sugestão de inovação para os professores encarregados da disciplina “Metodo- logia da Pesquisa”, ainda presos a métodos estatísticos obsoletos e desinspiradores. O livro pode ser utilizado, com muito proveito, como texto nessa disciplina. Uma vez mais, embora com foco na matemáti- ca, Ocsana dá a seu livro uma abrangência que permite utilizá-lo em todas as disci plinas. Nesta obra fica evidente a forte presença de Ocsana na educação mate mática. As entrevistas revelam uma pesquisadora experiente Ocsana Sônia Danyluk - 10 - que, nos seus mui tos anos de prática, assimilou o que é essencial em um educador, que é a curio sidade em saber como e por que as crianças agem e respondem de tal maneira. A pesquisa qualitativa está incor- porada à sua prática, o que caracteriza um educa dor na sua integri- dade. Ocsana Sônia Danyluk nos oferece uma leitura agradável, um livro mui to bem organizado e rico em originalidade. A sequência de ideias flui muito bem, o embasamento teórico é muito bem focalizado e a bibliografia muito rica e atual. Este livro se distingue, dentre as obras que tenho visto no Brasil e no exterior, pela sua qualidade e rigor de pesquisa. O tema é da mais alta importân cia, a metodologia proposta é aplicada com seriedade e a análise é feita com precisão. Ubiratan D’ Ambrosio Na busca de um prólogo Talvez por simples acaso, começamos uma relação intelectual, e de amizade, com Ocsana. No Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Oc- sana buscava um co orientador para realizar o desenvolvimento de sua tese doutoral. No come ço, ficamos surpresos com a solicitação da dou- toranda. Por um lado, em primeiro lugar, a matemática não é nosso campo de atuação profissional; em segundo, a abordagem teórica que Ocsana fazia no estudo do fenômeno em foco não era de nosso interes- se. Por outro, desenvolver a atividade de coorientador não é, em geral, bem aceita pelo rol de natureza secundária que isso pode significar no processo e no resultado final da tese. Além disso, estávamos, naquele momento, sobrecarregados de orientandos e de outros compromissos. Mas, à medida que conversávamos, fomos descobrindo em Ocsa- na uma viva e plástica capacidade intelectual, unida a uma força de expressão nas ideias, a uma clareza na exposição de seus pontos de vista e a uma modéstia natural e espontânea, como atributo singular de sua personalida de. Naquela mesma manhã da primeira reunião de estudo, já discutimos e planejamos o processo de elaboração da tese. A matemática, na verdade, sempre nos interessou. Muitas vezes es colhemos nossos bolsistas de iniciação científica ou de aperfeiçoa- mento por sua condição de estudantes ou formandos em matemática. Em nossa expe riência profissional, temos, inclusive, uma participação num Encontro Nacio nal de Educação Matemática, em Natal, falando precisamente sobre esse tema, a educação matemática. Como educadores, nunca tivemos uma resposta absoluta para o por quê de alguns professores de matemática terem transformado essa matéria, nos currículos escolares, no terror dos alunos, que se concre- Ocsana Sônia Danyluk - 12 - tiza não só nas angústias de crianças e adolescentes, como também em índices mais altos de fracassonas escolas. Como podemos conseguir que a matemática deixe de ser a bête noire do mundo estudantil? Cremos que os estudos de alfabetização matemática de Ocsana Danyluk, iniciados, sistematicamente, com sua dissertação de mestrado e que agora avançam extraordinariamente, com o conteúdo deste livro, que reflete o trabalho realizado em nível de doutorado, ajudarão, de maneira importante, aos educadores em geral e, especialmente, aos profes sores de matemática. Porém, a pes- quisa realizada por Ocsana oferece tam bém aos pais elementos claros e simples para que possam compreender como seus filhos começam a escrever matemática. Em outras palavras, o estudo de Ocsana, por um lado, pela profundi dade alcançada na abordagem temática e pela solidez teóri- co-metodológica do enfoque, é uma fonte de discussão, de análise e de inspiração para os educadores que trabalham no campo das mate- máticas e, de maneira singela, para os que se sentem envolvidos nos processos de alfabetização matemáti ca. De outro modo, as famílias, que só percebem as dificuldades do ensino das matemáticas quando seus filhos têm os primeiros desencontros com o temido e árido terre- no dos números, terão uma mão serena, segura, para avançar pelos caminhos que iniciam o conhecimento das ciências exatas. Sentimos, apesar dos avanços indiscutíveis que mostram os estu- dos de Ocsana no campo da alfabetização matemática, que ela apenas está des cobrindo e aprofundando uma rica veia. As universidades na América Lati na, geralmente, são o túmulo dos talentos que fazem da pesquisa seu princi pal horizonte intelectual. Elas descobrem estra- tégias de natureza burocráti ca ou de sobrecarga de aulas, além de maltratá-los economicamente, para que esses talentos fiquem na me- diocridade, privando-os do tempo e do apoio pecuniário indispensá- veis. Esperamos que Ocsana tenha à sua disposição todos os meios a seu alcance para avançar na conquista das verdades que, no campo da matemática, lhe interessam. Augusto Silva Triviños Apresentação Temos a satisfação e a alegria de trazer, novamente, “Alfabetiza-ção Matemática: as primeiras manifestações da escrita infan-til”. Pensamos em esclarecer, aqui, indagações de leitores que têm abordado quanto à questão da denominação “Alfabetização mate- mática”. Por que não enumeramento? numeramento? ou matheracy? Ou, então: ler, escrever e contar? Ou ainda outros termos que têm se mostrado no meio acadêmico? Outra questão é a de que a alfabetiza- ção matemática tem sido tomada como processo de aprendizagem e de ensino somente nos anos iniciais. Quando escrevemos esta obra, resultado de dissertação e tese, res- pectivamente, não tivemos como objetivo lançar um novo termo para estudos de Educação Matemática, na área de ensino-aprendizagem. Ti- vemos, sim, o cuidado de saber como ocorre o desenvolvimento da lei- tura e da escrita do texto matemático, tomando o texto como mediador entre o estudante e o professor. Nesse sentido, Bicudo (1991) esclarece, que texto é um mediador entre tradição, horizontes de compreensão, contexto social, história, conteúdo a ser ensinado, professor e estudante. Por considerarmos que as pessoas têm informações, contatos e lei- turas de textos matemáticos antes de ingressarem na instituição escolar, iniciamos estudos com crianças em momentos de pré alfabetização, ou seja, crianças que não participavam de escolas. Oferecemos à academia, aos professores e aos pais um estudo que mostra o porquê de as crianças escreverem como escrevem e como realizam suas escritas. Mostramos registros fiéis de crianças de 4 a 5 anos de idade, considerando que elas não participavam ainda de uma instituição formalizada, ou seja, uma escola. Pesquisas recentes fazem com que essa faixa etária seja modi- ficada, podendo iniciar antes mesmo dessa idade. Viera Melo (2002), Docente Realce Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 14 - nossa orientanda de mestrado, aponta parte dessa evolução e mostra, com sua pesquisa, que, nessa faixa etária, as crianças evoluíram, po- dendo iniciar o desenvolvimento de noções matemáticas antes da idade já mencionada. Pensando em Alfabetização Matemática de crianças, po- demos constatar que são comuns práticas de memorização de algaris- mos isolados, bem como a preocupação com a repetição e a memorização; consequentemente, há pouco espaço para a construção de conceitos ma- temáticos por parte dos estudantes. Muitas vezes, o próprio professor, por desconhecimento, não se dá conta da importância de possibilitar um ambiente de alfabetização matemática, no qual o estudante possa ser desafiado a resolver situações matemáticas significativas. Voltemos ao termo abordado: alfabetização matemática. A teoria considerada neste livro mostra que é possível perceber que o ato de ler e de escrever a linguagem matemática não se realiza apenas nos anos iniciais. É possível constatar que, no ensino básico, os estudan- tes entram em contato com os primeiros conceitos de Álgebra, para citar um dos ramos da matemática. Da mesma forma, no ensino supe- rior, ao se deparar com um texto de Cálculo ou mesmo de Geometria Analítica, ou outro, os acadêmicos também necessitam ser iniciados na linguagem matemática para que tenham compreensão do que está registrado no texto, veiculado pelo quadro na lousa, pelos slides proje- tados pelo professor e, também, pelas próprias máquinas tecnológicas, sendo esses últimos instrumentos manuseados a todo momento, de modo fácil, por crianças e jovens. Outra situação possível de constatar é a dos adultos não escola- rizados. Ao iniciarem seus processos de Alfabetização, muitos desses passam por momentos semelhantes aos da criança no que diz respei- to ao registro matemático de alguma situação. Por serem adultos e viverem no mundo realizando suas atividades, já reconhecem núme- ros, convivem com esses em diferentes ações que realizam. Conforme pesquisa realizada por Danyluk et al. (1992), foi possível constatar que muitos adultos se utilizam de riscos verticais para expressarem pequenas quantidades ou, então, bolinhas ou, ainda, ao registrarem o número 23, por exemplo, o fazem “203”, o que para nós, alfabetizados, no Sistema Numérico Decimal, seria o número duzentos e três. Outras pessoas se utilizam, ainda, de desenhos. Assim, no campo da alfabeti- Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Alfabetização matemática - 15 - zação matemática para adultos ainda há muito o que ser pesquisado e realizado sobre essa etapa de ensino, em relação à matemática. Mui- tos programas foram desenvolvidos, governos realizaram investimen- tos financeiros, porém, ainda há muitos que se pensar sobre forma de como trabalhar com adultos não escolarizados em relação à matemáti- ca. Somos sabedores de que eles conseguem realizar cálculos mentais fabulosos e criativos. Não lhes falta inteligência. Estudos apontam aspectos comuns na escrita matemática de crianças e de adultos não escolarizados. Nesse sentido, consideramos que é necessário investir esforços indagativos e ações que possam contribuir com essa modali- dade de ensino e aprendizagem. Assim, voltamos a afirmar que o termo alfabetização matemáti- ca não se refere apenas e somente às crianças, na educação infantil ou nos anos iniciais. Consideramos que uma pessoa está alfabetizada matematicamente quando consegue realizar o ato de ler a linguagem matemática encontrando significado. E a escrita faz com que a com- preensão existencial e a interpretação sejam desenvolvidas, fixadas e comunicadas pelo registro efetuado. Dessa forma, ser alfabetizado em matemática é entender o que se lê, o que se escreve e o que se enten- de a respeito das primeiras noções de aritmética, geometria, lógica e álgebra, dentre outros temas significativos para a construção de um conhecimento sólido nessa área. Esclarecemos aos leitores, também, que, embora a denominação para o processo de ler e escrever matemática– alfabetização matemá- tica esteja concretizado por livros, instituições escolares e pelo pró- prio Ministério de Educação, o que consideramos mais relevante nisso tudo não é o termo conquistado. O mais importante é que o educador matemático saiba e considere que nossos estudantes trazem vários sentidos para as noções ou conceitos matemáticos e que nós, enquan- to profissionais dessa área de conhecimento, precisamos conduzi-los à compreensão, interpretação, comunicação e transformação daquilo que leem em matemática. A mera repetição de informações superfi- ciais em tempos de transformações constantes e imediatas em nossos mundos vidas, não pode ser aceita. Estamos diariamente carregados de conhecimento, no entanto, o educador matemático tem como tarefa principal possibilitar ao estudante o significado daquilo que o discurso Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 16 - matemático veicula. É como escreve Rosa (1991, p. 20), em Grande Sertão: Veredas, “o importante e bonito do mundo é isso: que as pes- soas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam”. Assim o é com a Al- fabetização Matemática: estamos sempre buscando mais, conhecendo outras teorias e indagando teorias já existentes. Quanto à modalidade de pesquisa abordada nesta obra, afirma- mos que se utiliza do suporte da fenomenologia hermenêutica, na qual o pesquisador está em busca da percepção do fenômeno, que, no entanto, não ocorre no vazio, mas é entendida como um estar com o percebido. Nessa perspectiva, Bicudo (1994, p. 18) alerta “o que é per- cebido nunca é visto sem que seja olhado. É o invisível se mostrando, tornando-se visível. Para que esse visível vá se mostrando, é condição primeira que haja uma consciência atenta que o veja.” Nesse sentido, ir às coisas mesmas mostra que a experiência fundante na abordagem fenomenológica é acompanhada de um rigor do pensar fenomenológi- co. Podemos dizer que, no momento em que o pesquisador indaga pelo fenômeno, ele não se deixa influenciar por conhecimentos prévios; é um exercício difícil, mas necessário para que o fenômeno possa se ma- nifestar naquilo que é. Finalizando, é possível afirmar que nossas ações ao ensinar ma- temática necessitam ser modificadas. Como já afirmado anteriormen- te: vivemos constantes transformações, especialmente aquelas que as novas tecnologias nos apresentam. As pessoas, crianças ou não, nos trazem inúmeras informações que, sem dúvida, são importantes; no entanto, lembremos de que cabe à nós educadores matemáticos pos- sibilitar caminhos do conhecimento formal, escolar e científico. Isso significa que, em suas práticas pedagógicas, professores podem “abrir espaços” para manifestações de seus estudantes, visando um melhor entendimento da ciência matemática. De que modo? Uma das formas pode ser aquela em que o professor presta atenção às manifestações dos estudantes, considerando-os como seres históricos, que possuem vivências e expressões próprias e que se manifestam criando suas es- critas matemáticas. Essa é uma postura fenomenológica hermenêutica. Agora sim, palavras finais. Temos constatado que livros recen- tes, ou até pessoas “esclarecidas”, têm se referido ao processo de al- Alfabetização matemática - 17 - fabetização matemática como: “ler, escrever e contar”. Nesse sentido, os atos de ler e escrever têm se direcionado à língua materna sendo que, o contar ironicamente, está ligado à matemática. Não desejamos que nossos estudantes apenas “contem” ou cantem números, ou ainda, copiem ou escrevam cálculos matemáticos de modo mecânico e sem compreender o que estão realizando ao desenvolver algoritmos ou si- tuações matemáticas. Papagaios e outros animais mostram que iden- tificam pequenas quantidades, alguns deles, se ensinarmos, repetirão números. Nossos estudantes são racionais, são dotados de pensamen- to, são inteligentes e não meros repetidores. Assim, temos que possi- bilitar um ensino e uma aprendizagem que sejam relevantes para que eles possam utilizar-se dessa ferramenta para viver melhor. Para vivermos melhor, é necessário pensarmos e atuarmos no mundo em que estamos inseridos. De acordo com Rawls em Sandel (2012), o que necessitamos é alcançarmos uma sociedade justa, pre- cisamos raciocinar juntos sobre o significado de vida boa e criar uma cultura pública que aceite as divergências que, inevitavelmente, ocor- rerão. Concordamos com o autor e mais, compreendemos que, como educadores matemáticos, podemos contribuir para que as pessoas sejam mais lúcidas e mais pensantes. Assim, conseguiremos realizar ações para um mundo mais humano, mais político e menos individu- alista. Juntos, temos a possibilidade de fazermos o melhor para me- lhores vivências. Talvez, para isso, precisemos lembrar da afirmação categórica de Descartes: “penso; logo, existo”. No mundo escolar, em todos os graus de ensino, nossos estudantes podem perceber que são capazes de criar, estudar e fazer um mundo onde a tecnologia não dei- xe de ser relevante e ferramenta útil; porém, que também percebam que o pensamento é nossa “máquina” de refletir sobre vivências. Desejamos ter esclarecido o que nos propomos nesta breve apre- sentação. Não deixemos que denominações tenham mais valores do que nossas ideias. Reafirmamos: há muito que se pesquisar sobre a Alfabetização Matemática. O caminho está apenas iniciado. Outono de 2015. Profa. Dra. Ocsana Sônia Danyluk Capítulo I A origem da pesquisa 1 A leitura da linguagem matemática O novo não está no que é dito, mas no aconteci mento do seu retorno (Foucault, p. 3). Por ocasião de meu mestrado em Educação matemática, traba-lhei na dissertação: O sentido e o significado da alfabetização matemática.1 Fun damentada na trajetória fenomenológica e nas ideias de Martin Heidegger, realizei a pesquisa em uma institui- ção da rede pública escolar. Nesse trabalho, tratei do ato de ler o discurso matemático tal como ele aparece na prática docente. Meu objetivo foi entender o sen- tido daquilo que me foi mostrado nas classes da escola em que escolhi fazer a pesquisa. Na época, minha predileção era a pesquisa na sala de aula, pelas relações sociais que aí se estabelecem entre os alunos, entre alunos e professor, pelos conteúdos de saber tidos como impor- tantes e fundamentais nos programas e nos cursos e, também, pelos processos afetivos que se desenrolam nas salas de aula. 1 Danyluk, Ocsana. O sentido e o significado da alfabetização matemática. Dissertação (mestra- do em Educação matemática). Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Unesp, Campus de Rio Claro, 1989. Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 19 - Ao debruçar-me sobre a sala de aula procurando ver o que ali acon tece, deparei com a possibilidade de não apenas analisar o cur- rículo da escola, como também, mediante situações enfrentadas por professores e alu nos, de perceber ainda, conforme, posteriormente, encontrei em Sirotá, que “a análise da sala de aula permite compre- ender melhor como o profes sor se situa como agente de controle social e, portanto, como exerce seu poder na sala de aula” (1993, p. 33). As- sim, junto a outros autores que vivenciam e pesquisam a realidade escolar, constatei que a sala de aula pode ser tida como uma organiza- ção social em que vários estudos sobre diferentes perspectivas podem ser realizados. Procurei a escola com a preocupação de pesquisar o fenômeno2 alfa betização matemática.3 Assisti às aulas das séries iniciais de es- colarização em que as professoras e os alunos trabalhavam com mate- mática. Tive o cuidado constante de não me deter em nenhum conceito preestabelecido quanto ao fenômeno ou às classes olhadas. Parti tão- somente de meu real vivido e indaguei sobre como as crianças, nessa escola, eram encaminhadas ao ato de ler4 a linguagem matemática, como ele pode ser compreendidoe onde acontece, no seu modo especí- fico de manifestar-se. Como, na escola, esse ato ocorre na sala de aula, eu me detive nessa situação. Para poder desvelar o fenômeno indagado, assim contextualiza- do, acompanhei, durante um semestre, classes de uma escola, na in- tenção de compreender e interpretar o discurso5 da professora, o seu 2 A palavra fenômeno vem do grego Fainomenon e significa aquilo que se mostra, o manifesto. É o que se manifesta para uma consciência. Consciência, na fenomenologia, é a intencionalidade, é o estar voltado para... atentivamente (Bicudo, 1995, p. 17). 3 O termo alfabetização matemática refere-se aos atos de aprender a ler e a escrever a linguagem matemática usada nas primeiras séries da escolarização. Ser alfabetizado em matemática é entender o que se lê e escrever, o que se entende a respeito das primeiras noções de aritmética, de geometria e de lógica. 4 Ato de ler é compreendido como sendo, "fundamentalmente, um ato de conhecimento" (Silva, 1986, p. 12). A leitura é entendida como ato de compreender, de interpretar e de transformar. É olhada como a compreensão da expressão de uma linguagem e não apenas como decifração de traços codificados e impressos em um papel. 5 Discurso, aqui, é entendido como fundamento da linguagem, pois ele é a articulação da inteligi- bilidade, isto é, da possibilidade do inteligível, do aí, do onde os entes e seres se manifestam. No enfoque heideggeriano, as coisas-no-mundo se mostram mundanamente mediante uma lingua- gem que revela o discurso. Assim, o discurso é sempre revelação e torna a linguagem possível; é a expressão da inteligência. E, linguagem, conforme Lima, sempre exige uma sintaxe, uma semântica e uma pragmática (Lima, 1993). Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Alfabetização matemática - 20 - modo de ser com os alunos, o seu fazer no que se refere ao ensino da ciência matemática, bem como a atitude do aluno diante daquilo que a professora dizia e fazia. Esses aspectos foram tomados como fenôme- nos dados6 que me permitiram com preender a linguagem matemática trabalhada naquelas classes. Inicialmente, eu via o que ocorria na classe e registrava, escre- vendo, o que se mostrava para mim. Com o passar de algumas aulas, percebi que, ao escrever, eu deixava escapar de meus olhos muitas situações que poderiam ser importantes para o estudo, pois os acon- tecimentos da sala eram muito diversifi cados e inesperados. Fiz uso, então, do gravador para registrar a fala da profes sora e a dos alunos. Desse modo, pude dirigir, com maior atenção e cuidado, o meu olhar e pensamento para a linguagem matemática utilizada pelo aluno. Posteriormente, ouvi as gravações e as transcrevi para a lingua- gem escrita. Organizei, assim, meus registros, anexando aquilo que meus olhos e atenção haviam captado e registrado no momento da aula. À medida que ia transcrevendo o conteúdo, a ideia de uma peça teatral foi surgindo. O teatro era a própria escola; os personagens, os alunos e a professora e as mensagens eram mostradas em cada aula. Dessa forma, tive em mãos um discurso escrito que documentava as aulas a que assisti. Na cotidianidade desses encontros, constatei que a professora não dialogava com os alunos, não conversava com eles sobre aquilo que esta vam fazendo, nem sobre o significado do que era escrito no quadro-negro. Percebi que não os tratava como pessoas capazes de compreender e de des velar a linguagem daquilo que estava sendo dito nas atividades. Apenas agia mecanicamente, escrevendo, no quadro- -negro, e induzindo os alunos a emitir, também, de forma mecânica, suas referências7 às respostas que indi cava. Os alunos, por sua vez, deixavam-se levar pela fala da professora, que não revelava uma or- ganização do seu pensamento. Assim, não se estabelecia entre a professora e os alunos o diálogo no qual a inteligibilidade de ambos sobre o significado da matemática 6 O dado significa aquilo que está aí, disponível, no mundo-vida. 7 O ente se descobre na medida em que está referindo a uma coisa como o ente que mesmo é. O ente tem como o ser que ele é algo junto... algo se deixa e faz junto. É nessa remissão de com... junto... que se pretende indicar o termo referência (Heidegger, 1989, p. 128). Ocsana Sônia Danyluk - 21 - pudesse aparecer. A professora não conseguia ser-com-os-alunos,8 ao limitar o ensi no e os questionamentos a padrões do seu conhecimento, conduzindo-os a uma resposta já elaborada por ela. Não havia espa- ço para o aluno desenvol ver sua compreensão e elaborar suas ideias. Desse modo, a realização das atividades escolares era sentida como algo enfadonho. E por não ouvir o aluno ou por não incentivá-lo ao pensamento me ditativo9 para aquilo que estava sendo mostrado, não ficava clara para ele a coerência das atividades desenvolvidas. Não se dava, por- tanto, o envolvi mento da criança com a matemática nem com a lingua- gem da professora. Ao induzir ao ato de pensar, a professora não criou possibilidades para que a compreensão e a interpretação do sentido e do significado se desenvolvesse em seus alunos, pois o que se ressaltava era o falar. Os alunos ficavam, dessa forma, entregues à fala vazia,10 mostrada pelo dis curso da professora. Do que pudera até então constatar na pesquisa em realização, muitos aspectos me deixavam preocupada. Dentre eles, um, em espe- cial: a profes sora não estava atenta ao pensamento do aluno, não ou- via quais eram suas dúvidas, não procurava entender como seu aluno raciocinava nem como compreendia os significados. Nas aulas, não havia espaço para conversar sobre o que a pro- fessora e os alunos estavam fazendo. Era um fazer por fazer, isto é, era um fazer para preencher o espaço temporal em que a criança e a professora deveriam ficar dentro da sala de aula. Essa prática levava os alunos a se sentir domi nados e dependentes, afastando-se de um pensar autêntico, ou seja, ficavam impossibilitados de compreender 8 Ser-com-os-alunos significa estar em estado de solicitude, de cuidado. “Ser com é caráter consti- tutivo do próprio homem-no-mundo. O mundo é sempre algo que eu partilho com os outros. O mundo do homem é um mundo-com. Ser-em é um ser-com-os-outros” (Heidegger, 1981, p. 35). 9 O pensamento meditativo que se detém, que analisa o porque daquilo que está sendo pensado e expresso, é um pensamento que não tende a ser imediato. Assim, ele “requer um esforço maior. Exige uma prática, necessita de cuidados mais delicados do que qual-quer outra arte genuína. Mas, também, deve estar apto para aguardar sua oportunidade, esperar, como faz o agricultor, com o tempo em que a semente nasce e amadurece” (Heidegger, 1983, p. 20). 10 “Uma fala é vazia quando o homem não escuta, passa por cima do dizer silencioso do Ser e, por não ter escutado, não revela seu discurso com autenticidade. De acordo com Heidegger, o discurso que é compreendido, mas que não veicula comunicação compreensiva e interpretativa, mas apenas os sentidos das palavras, faz surgir a palavra vazia. O que é primordial na fala vazia é o poder dizer alguma coisa, não importa o quê” (Heidegger, 1989, p. 227). Alfabetização matemática - 22 - o sentido do que faziam e ouviam, além de atribuírem significados às experiências por eles vividas às ações da profes sora e à linguagem matemática trabalhada em aula. Essas observações, por mim vivenciadas na pesquisa realizada por ocasião do Mestrado em Educação Matemática, encontram resso- nância no livro Rituais na Escola.11 Muitas das minhas constatações também são postas por Peter Mc Laren, para quem o fato de o ritual da escola manter as crian ças ocupadas em tarefas individuais faz par- te da estratégia de controle, na qual ocorrem somente diálogos ocasio- nais entre professores e alunos. Minha constatação a respeito das professoras foi a de que o mun- do para elas não se mostrava como “um conjunto organizado derela- ções signi ficativas, no qual a pessoa existe e de cujo projeto participa” (May, 1982, p. 49). Quando os alunos conversavam ou riam, isso era tido como indisciplina, como estar desatento para aquilo que a profes- sora mostrava. Quando solicitados a permanecerem em silêncio, os alunos fecha- vam a boca e ficavam parados. Ouvir alguma coisa e compreendê-la é uma for ma existencial de ser-no-mundo-com. O silêncio é uma possi- bilidade de dis curso, porém não é ficar parado sem se manifestar. De acordo com Heidegger, ouvir é um constitutivo do discurso. Muitas vezes, a pessoa que mantém silêncio pode-se fazer entender, e esse seu meio de expressão pode ser mais bem compreendido do que a fala. Quer dizer, há possibilidades de se enten der através do silêncio, me- lhor do que qualquer fala abundante. No entanto, não era esse o sen- tido de os alunos permanecerem em silêncio. Eles lança vam olhares àquilo que a professora fazia, porém nada viam, ou seja, não endereça- vam a atenção e o pensamento para o que estava sendo olhado. Nessa hora, os alunos entravam em estado de estudante.12 As crianças eram oprimidas e, devido a isso, tornavam-se obe- dientes e conformistas. Eram repreendidas por frases ditas pelas pro- 11 McLaren, Peter. Rituais na escola: em direção a uma economia política de símbolos e gestos na educação. Trad. Juracy C. Marques e Angela M. Biaggio. Rio de Janeiro, Vozes, 1991. 12 Peter McLaren fala em rituais de instrução, diz que os estudantes, na escola, sofrem transfor- mações, passam do estado de esquina de rua para o estado de estudante, no qual são domados, despidos de sua imprevisibilidade e de seus mistérios. “Eles são enfiados em carteiras duras, são forçados a ficar sentados, imóveis durante horas, ouvindo aulas maçantes e fazendo tarefas que consideram irrelevantes” (1991, p. 151). Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 23 - fessoras. Os alunos eram castigados por não ficarem quietos. Seus castigos eram: ficar em pé em um cantinho da sala de aula, não poder colorir algum desenho, escrever linhas e linhas de numerais ou, então, recitar mecanicamente a tabuada. Com base no que presenciei no contexto escolar em relação à ati- tude dos alu nos e da professora na realização do ato de ler a lingua- gem matemática, constatei que a professora esteve com o aluno de modo autoritário, não significativo, não dialógico, repressor e puniti- vo. Não houve compreensão daquilo que foi ensinado de matemática. Desse modo, a leitura da lingua gem matemática, realizada na escola, foi mecânica, sem significado e vazia de sentido. Assim, a linguagem matemática não foi lida, pois os alunos eram treinados, condicionados, instruídos, porém não conduzidos para a leitura da linguagem mate- mática. A leitura se dá quando há o envolvimento do leitor com aquilo que está sendo lido. O ato de ler e de ler a linguagem matemática está fundamentado nos atos humanos de compreender, de interpretar e de comunicar a experiência vivi da. Assim, a leitura, quando é com- preensão e interpretação, abre para o leitor novas possibilidades de compreensão de si, do outro e do mundo. O Ser13 se mostra no discurso por meio da linguagem, e essa lingua gem pode ser lida. O homem, vivendo no mundo-com-os-outros, tem a pos sibilidade de fazer leituras de diferentes expressões. Assim sendo, não se lê apenas a linguagem mostrada pelo discurso expresso por palavras. É possí vel ler os sinais emitidos pela natureza, assim como a tela de um pintor, os gestos corporais, os olhares das pessoas. São tipos de expressões que estão presentes no mundo, cuja compre- ensão dos sinais é feita pelo ser humano, mediante o ato de ler. Vê-se, então, que o ato de ler é abrangente e que ele não se re- duz apenas à leitura de palavras escritas. Diante dos muitos tipos de expressões, fazem-se presentes diferentes tipos de leitura. “O ato de ler é, fundamental mente, um ato de conhecimento” (Silva, 1986, p. 12). Pensando assim e con siderando o homem como um ser que é compreensão, o seu aprender a ler só tem sentido quando emprega as palavras ou as significações daquilo que lê na vida cotidiana para 13 “Ser é a essência do ente que somos e de tudo que é” (Beiani, 1981, p. 24). Alfabetização matemática - 24 - compreender a si próprio, compreender o mundo e comunicar-se com os outros. O leitor, dirigindo sua consciência para o lido, encontra, na leitura, uma possibilidade de revelação do mundo. Dessa forma, o significado do lido encontra-se no inundo onde o ho mem vive, portanto, onde está situado. O sentido do que se lê adqui- re signi ficado no contexto, ou seja, no mundo, lugar onde se insere o homem e aquilo que é dito. Portanto, é no contexto que o leitor percebe o sentido e atribui significado para aquilo que a linguagem mostra. A leitura pode ser tomada também como um tipo de comunicação entre os humanos, e sua prática gera reflexão sobre o dito do ser. A comuni- cação do ato de ler dá-se na medida em que a pessoa lê e expõe aquilo que leu. No ato de ler, o leitor é solicitado para o entendimento do sig- nificado e da referência, atribuídos por quem diz o que é dito. Assim, o leitor-receptor reelabora aquilo que leu, atribuindo novos significados e ampliando, desse modo, suas possibilidades de compreensão. A possibilidade de transformação do sujeito se realiza quando, após ler, ele modifica seus atos de pensar e de agir. A transformação do ser humano, após a leitura, é um lançar-se para novas compreensões. É refletindo sobre o lido e buscando novas leituras que o leitor, dirigido por sua interrogação e impulsionado por sua vontade de conhecer mais, pode participar de forma ativa, crítica e reflexiva do lugar onde vive. As ideias aqui sintetizadas sobre o ato de ler aplicam-se também à leitura da linguagem matemática. Dentre os vários tipos de lingua- gem pre sentes no horizonte da existência humana, encontra-se a lin- guagem mate mática expressa pelo discurso matemático. O discurso matemático é a articulação inteligível dos aspectos matemá ticos compreendidos, interpretados e comunicados pela pes- soa, dentro de uma civilização14. Ao compreender o mundo objetivo onde vive, a pessoa não ape nas se locomove no seu horizonte, como também encontra o de seu-outro, quer dizer: “estamos conscientes de- les como meus outros, como aqueles com quem podemos entrar em relação de empatia e olharmos juntos o mundo, em um ato de compre- ensão” (Bicudo, 1990, p. 58). É nessa unidade relacional entre pes soas 14 “Uma comunidade daqueles que podem se expressar reciprocamente, de modo normal e plena- mente inteligente” (Husserl, 1970, p. 7). Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 25 - que estão em uma mesma comunidade que a linguagem matemática pode ser compreendida, interpretada e expressa e, desse modo, lida. A matemática tem uma linguagem de abstração completa. Como qual quer sistema linguístico, a ciência matemática utiliza-se de sig- nos15 comunicar significados matemáticos. Assim, a leitura da lingua- gem mate mática ocorre a partir da compreensão e da interpretação dos signos e das relações implícitas naquilo que é dito de matemática. Ler matemática significativamente é ter a consciência dirigida para o sentido e para o significado matemático do que está sendo lido. É compreen der, interpretar e comunicar ideias matemáticas. É nesse ato de conhecimen to que os atos de criticar e de transformar se fazem pre- sentes, realizando o movimento da consciência direcionado para as coi- sas. Dessa forma, o leitor não é consumidor passivo de mensagens. Ele é um receptor de mensagens que tem a possibilidade de examinar criti- camente aquilo que lê e, ao mesmo tempo, reelaborar o discurso lido no seu mundo-vida, abrindo novos cami nhos e criando novas alternativas. Sintetizada até aqui a minha compreensão sobre o ato de ler e, tam bém, sobre o ato de ler a linguagemmatemática, torna-se neces- sário que eu diga ao leitor o que entendo por alfabetização matemática para que se pos sa, no decorrer deste livro, expressar esse termo com o significado por mim entendido, enquanto estudo realizado em minha dissertação de mestrado. Fazendo o estudo do significado da palavra alfabetização é que fui conduzida a outras palavras tais como leitura, escrita e alfabeto. Ao procurar no dicionário16 alfabetização, encontrei: “ação de alfabe- tizar, de pro pagar o ensino da leitura, que alfabetizar é ensinar a ler”. Consultando bibliografia de caráter pedagógico sobre alfabetização, vi que esse termo diz respeito à apren dizagem da leitura e da escrita, e não somente ao ato de ler. Ainda no mesmo dicionário consultado, encontrei que “ler é percor rer com a vista aquilo que está escrito, é interpretar o sentido de, é explicar, é ver as letras do alfabeto e juntá-las em palavras”. 15 “Signo é qualquer objeto ou acontecimento, usado como citação de outro objeto ou aconteci- mento. E símbolo é o mesmo que signo. Com essa significação genérica a palavra é usada mais frequentemente na linguagem comum” (Abbagnano, 1982, p. 867). 16 Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário de língua portuguesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993, p. 81. Docente Realce Docente Realce o discurso matemático Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Alfabetização matemática - 26 - A esses conceitos, relacionei uma terceira palavra: alfabeto17. Foi essa palavra que me assegurou adotar o termo alfabetização mate- mática. Considerada como ciência, a matemática mostra-se mediante uma lingua gem, a qual possui uma disposição convencional de ideias que são expres sas por signos com significados. Um exemplo disso é o próprio sistema de numeração, em que cada símbolo representa uma ideia que diz sobre uma quantidade. Quer dizer, são signos transcri- tos pelos diferentes numerais, que podem ser tomados como parte do alfabeto da matemática. Assim considerada, entendo que a alfabetização matemática diz res peito aos atos de aprender a ler e a escrever a linguagem mate- mática, usada nas séries iniciais da escolarização. Compreendo a alfabetização matemáti ca, portanto, como fenômeno que trata da compreensão, da interpretação e da comunicação dos conteúdos ma- temáticos ensinados na escola, tidos como iniciais para a construção do conhecimento matemático. Ser alfabetizado em matemática, então, é compreender o que se lê e escreve o que se com preende a respeito das primeiras noções de lógica, de aritmética e de geome tria. Assim, a escrita e a leitura das primeiras ideias matemáticas podem fazer par- te do contexto de alfabetização. Ou seja, podem fazer parte da etapa cujas primeiras noções das diversas áreas do conhecimento podem ser enfocadas e estudadas dentro de um contexto geral da alfabetização. Na síntese apresentada do trabalho elaborado na fase do mestra- do, fica exposto que, na época, detive-me ao aspecto leitura da alfabe- tização matemática. Já, nesta pesquisa, interrogo a escrita da alfabe- tização mate mática. No entanto, em vez de ir à sala de aula, trabalhei diretamente com as crianças, buscando ver o registro matemático. Com essa decisão, afastei-me das facticidades da escola e da possi- bilidade de, novamente, ver-me na situação de presenciar relaciona- mentos autoritários, não dialógicos e práti cas mecânicas e também de deparar-me com questões pertinentes ao ensino e à apren dizagem que ocorrem na instituição Escola. Minha busca foi o pensar das crianças a respeito de quantidades numéri cas e a respectiva escrita. Pensar entendido no âmbito do sig- 17 “Alfabeto é abecedário, disposição convencional das letras de un'a língua, primeiras noções de qualquer ciência ou arte, qualquer série convencional” (Ferreira, 1993). Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 27 - nificado heideg geriano e merleau-pontyano atribuído a esse termo, ou seja, o desdobramento da compreensão existencial em interpretação e comunicação, envolvendo as mu danças e possibilidades desses atos e modos de conhecer. E, ainda, como o cógito enquanto “um pensamen- to particular engajado em certos objetos, um pensamento em ato...” (Merleau-Ponty, 1990, p. 58). 2 Do horizonte de compreensão Como foi afirmado, no trabalho realizado na dissertação de mes- trado, busquei compreender e interpretar a alfabetização matemáti- ca, buscando entendê-la como aprendizagem da leitura da linguagem matemática. Voltei ao tema alfabetização matemática, buscando en- tendê-lo na perspectiva da aprendizagem da escrita da linguagem ma- temática, uma vez que, naquela pesquisa, não foi possível envolver os atos de leitura e de escrita, pela com plexidade própria do fenômeno alfabetização. Os atos de ler e de escrever são inerentes à alfabetização. Embora não se igualem, não são excludentes. Ambos têm sido objeto de estu- do por parte daquele que se propõe a compreendê-los. Na dissertação anteriormen te citada, enfatizo o ato de ler por entender que, antes de o homem escrever qualquer garatuja, ele já lê. Isso, no sentido de perceber que os rabiscos traçados são significantes, que expõem um significado já elaborado, são lidos, ou seja, interpretados no nível do ante-reflexivos,18 presente nas experiências vividas19 nas relações que o leitor mantém no mundo.20 18 Ante-reflexivo ou pré-reflexivo significa um modo de compreensão existencial do homem, ainda não desenvolvido no modo reflexivo. 19 Experiências vividas, de acordo com Heidegger, dizem respeito ao homem-no-mundo, vivendo em estado de abertura, dirigindo sua consciência para o que deseja conhecer. É o ver em torno. “Nos momentos em que estamos absorvidos ou envolvidos em nossos afazeres, o para que eles se destinam, o para onde eles se dirigem não são tomados tematicamente para serem compre- endidos: fica mais em evidência um o que fazer. Em outros momentos, esses nossos afazeres nos aparecem como algo a ser entendido, explicado, julgado, valorado, avaliado. Nesse segundo momento, o da compreensão teórica, não fazemos propriamente mas conjecturamente... Esses dois momentos não meramente se sucedem, mas imbricam mutuamente” (Critelli, 1981, p. 34). 20 No pensamento heideggeriano, mundo é o lugar onde o homem vive, mantendo relações con- sigo mesmo, com outros homens e com as coisas. É onde o ser se expõe ao homem. A palavra mundo é considerada como o lugar onde o ser aí existe e é submetido à cotidianidade, ou seja, ao que está à sua volta, mundanamente (Heidegger, 1981). Alfabetização matemática - 28 - Antes de o homem envolver-se com o simbolismo matemático, ele faz cálculos mentais realizando a sua possibilidade de pensar matematicamen te. Isso é visto no cotidiano e mostra que o homem consegue desenvolver a sua compreensão, interpretação e comunica- ção mediante as relações que estabelece no seu mundo-vida. Ao expor- se, mostrando o seu pensar, ele o faz mediante a linguagem. Essa pode ser a forma que expressa verbalmente afirmações sobre o mundo. Nes- se caso, o homem se vale da linguagem fala da, manifestando, assim, sua racionalidade, aqui também compreendida como inteligibilidade. O falar de maneira significativa comunicando uma mensagem, em Heidegger21, tem suas raízes na constituição existencial do homem como ser-no-mundo. A inteligibilidade é sempre articulação. Até antes de ter uma interpretação desenvolvida e sofisticada, o homem con- segue, mesmo que seja, de modo pré-predicativo22, desenvolver uma compreensão. O homem, estando no mundo, tem como essência o discurso. Discur sar falando é uma das formas por meio da qual articula, de maneira signifi cativa, a inteligibilidade acerca da compreensão que ele tem do mundo. Nesse ato de compreender o seu horizonte de exis- tência, está implícita a presençado outro23. Ele está no mundo e o partilha com os demais entes. De acordo com Husserl, Antes mesmo de notá-lo, ao todo, estamos sempre conscientes do horizonte aberto do nosso companheiro... como aqueles com os quais eu posso entrar em relação de empatia real e potencial, imediata ou mediata, um conviver com os outros (1970, p. 8). Assim, homem, civilização e fala formam uma unidade insepa- rável; e a afetividade, a compreensão, a interpretação e a comunica- ção fazem par te do modo de ser do ser humano. Logo, os significados das coisas do mun do não se encontram nos objetos, nem no sujeito, mas são construídos pelas relações estabelecidas por ele ao estar com- -os-objetos e com-os-outros. Ao compreender e interpretar, o homem 21 Heidegger, M. Ser e tempo. Trad. Márcia S. Cavalcante. Petrópolis, Vozes, 1989. 22 Pré-predicativo ou pré-reflexivo ou antepredicativo envolve um conhecimento que é uma com- preensão e uma interpretação, mas que ainda não é expresso de forma proposicional. “É o pré- teórico- (Bicudo, 1988, p. 94). 23 O outro pode ser entendido como os entes envolventes e também os outros seres humanos, que são encontrados emergindo do mundo o qual habita. Ocsana Sônia Danyluk - 29 - desenvolve significados, os quais são expressos, ou seja, são comu- nicados. Assim, ao pensar sobre aquilo que percebe, o ser humano sente, intui, imagina, fantasia e organiza seu pensa mento por meio de comparações, de diferenças e de semelhanças vivenciadas. Quando organiza seu pensar, ele o expõe em expressão, quer dizer, revela a inteligibilidade daquilo que compreendeu e interpretou; dessa forma, é que se dá a comunicação. A comunicação “nunca é a transposição de vivência de um sujeito para o interior de outro sujeito” (Heidegger, 1989, p. 221). É comuni- cação enquanto movimento dialético entre as relações construídas e reconstruídas constantemente. Ao estar no mundo, então, com os entes envolventes e os demais se res, o homem torna inteligível, por meio de expressões sígnicas, aquilo que compreendeu e articulou. Além de realizar atos de pensa- mento matemático e de ações sobre esses, o homem pode expressar sua razão de forma que ele próprio compreenda e se faça compreender pelo outro. Uma das formas de expressão mostrada pode ser a lingua- gem falada. De acordo com Arnauld e Lancelot: Falar é explicar seus pensamentos por meio de signos que os ho- mens inventaram para este fim. Achou-se que os signos maiscômo- dos eram os sons e as vozes. Como, porém, estes sons se esvaem, inventaram-se outros signos para torná-los duráveis e visíveis, que são os caracteres da escrita (1992, p. 2). Sendo assim, o ato de falar se esvai no próprio momento da sua exe cução. Uma forma de ele persistir é a expressão linguística escrita. No mun do contemporâneo está a escrita, e é importante que o homem expresse seu pensamento não só falando, como também escrevendo, porque a escrita pode ser tomada como um continuar a ser. Da mesma forma que os signos repre sentados pela linguagem escrita são utiliza- dos para comunicar o pensamen to, a linguagem escrita dá “existência persistente aos objetos ideais, mesmo durante períodos em que o in- ventor e seus companheiros já não estejam altamente relacionados” (Husserl, 1970, p. 10). A escrita revela, também, a cultura, a tradição, ou seja, a interpretação de toda uma experiência de uma civilização. Alfabetização matemática - 30 - 3 Das interrogações Diante do exposto, e tendo presente o horizonte de compreensão da alfabetização, interrogo o ato de registrar a compreensão do discur- so mate mático. O que é escrever? Em que consiste registrar os signos matemáti- cos estabelecidos no contexto como importantes e iniciais na constru- ção do co nhecimento matemático? Se o signo diz algo, é importante que o leitor o compreenda e possa usá-lo em suas atividades presentes no contexto histó rico e cultural no qual vive; da mesma forma, o leitor pode utilizar-se do símbolo em suas notações para comunicar o que tem a dizer. Ideias como essas fazem surgir questões tais como: de que modo o homem expressa pela escrita a sua interpretação do mundo? Para ele mesmo e para os outros? Essas perguntas me fazem perseguir, neste trabalho, a interrogação: como a criança entra no inundo da escrita da linguagem matemática? Creio que mostrar o significado da alfabetização matemática tanto nos aspectos da leitura como nos da escrita contribui para uma melhor com preensão dos atos de ler e de escrever matemática, na escola. Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Capítulo II A escrita da linguagem matemática: consultando autores que pesquisaram o assunto Preocupar-se com a escrita é estender a todos, em todas as áreas, o poder de transformar e as sim compreender o inundo; é promover as con dições da produção de textos; é a conquista des se status de poder que inclui a escrita como meio de pensar o real (Foucambert, 1994, p. 81). Esta segunda parte do trabalho está dividida em dois itens: no pri meiro deles, intitulado Da educação e da psicologia, trato dos estudos rea lizados nas áreas da educação e da psicologia, apresentando síntese das pesquisas que enfocam o ato da escrita. Os autores consultados mediante seus textos são: Ferreiro, Luria, Good- man, Cohen e Gilabert, Sinclair, Ma chado, Ramirez e Garcia e, ainda, Sastre e Moreno. No segundo item, que denomino Da filosofia, busco, nas ideias de Ricoeur e de Husserl, o que eles dizem a respeito da escrita. Esse significado, porém, entendido no como e no onde a inte- ligibilidade do que procuro se mantém, é desvelado na com preensão e articulado na interpretação do fenômeno. Ao indagar sobre como ocorre a alfabetização no que concerne à escrita, há vários estudiosos que, por intermédio de suas pesquisas e livros, tratam do ato de escrever. No entanto, ao se procurar pela al- fabetização matemática, não há ainda uma literatura suficientemente desenvolvida, por que, muitas vezes, o enfoque à alfabetização é dado Docente Realce Alfabetização matemática - 32 - pela área da língua portuguesa e não pela da matemática. De certa for- ma, essa ideia faz pare cer que é apenas a língua materna que se dedica ao ato de alfabetizar. As sim, é dada ênfase à escrita, ao saber escrever à linguagem ordinária. Poucos são os textos que tratam da alfabetiza- ção matemática, ou seja, do ato inicial de ler e de escrever matemática. 1 Da educação e da psicologia Inquirir sobre a escrita da linguagem matemática me conduz nova mente à origem da minha pesquisa. Quando iniciei os estu- dos acerca do ensino da matemática nas séries iniciais, deparei com o termo alfabetização, mais precisamente com os atos de ler e de escrever. Lembro que fiquei surpresa com o fato de que a maioria das obras, consultadas na época (1984 a 1988), destinavam à língua materna o cuida do para com os atos de ler e de escrever, restando para a área da matemáti ca, o contar. Passados sete anos e com a intenção de complementar meu tra- balho sobre a alfabetização matemática, consultei a produção literá- ria de pesqui sadores que por suas pesquisas e obras tratam do tema escrita. Mais uma vez, apoio-me fortemente na área da comunicação e ex pressão, pois a grande maioria dos trabalhos que exploram o desenvolvi mento da escrita infantil ainda se encontra vinculada a essa parte do conhe cimento. Dessa forma, passo a realizar uma lei- tura dos trabalhos que se reportam à questão do desenvolvimento da escrita da língua materna. É necessário que eu diga não ser minha intenção, neste momento, aprofundar-me em uma ou em outra teoria sobre escrita. Trata-se de me colocar em estado de escuta sobre o que os pesquisadores dizem a respeito do desenvol vimento da escrita in- fantil. Devo dizer, também, que este estudo não se reporta a todos os pesquisadores que tratam do ato da escrita. Refiro-me somente àque- las obras consideradas significativas no mundo acadêmico onde este trabalhose insere. Emília Ferreiro, educadora do Centro de Investigações e Estudos Avançados, no México, parte da perspectiva de que a criança compreen- Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 33 - de a sua aquisição de escrita antes da intervenção formal da escola. “A sua ma neira e de acordo com suas possibilidades, a criança tenta com- preender que classes de objetos são essas marcas gráficas, que classe de atos são aqueles em que os usuários as utilizam” (Ferreiro, 1987, p. 102). Essa autora diz que, ao observar a escrita de uma criança de quatro anos de idade, percebeu que seus registros limitavam-se a bolinhas e a pali tos. Essa forma de grafia não acontecia por acaso; o uso de bolinhas represen tava maçãs e o uso de palitos, objetos retilíneos. Os grafismos, nessa idade, segundo Ferreiro, são ainda pouco diferenciados; limitam- se a curvas fe chadas e a traçados angulares. Sobre esse aspecto, mostra que, no desenho24 de um boneco, quando se pede à criança que coloque letras no mesmo papel em que faz o desenho, ela faz círculos dentro des- se, os quais tanto podem ser letras como representarem nariz para o bo- neco. Nesse caso, as grafias são apenas letras que ainda não dizem. Aos poucos, para a escrita não se confundir com o desenho, a criança passa a registrar a grafia fora dos limites desse. Tam bém, na diferenciação entre desenho e escrita, que, muitas vezes, tem nitidez apenas para quem os produziu, as grafias distribuem-se no espaço disponí vel que a criança tem para escrever. Segundo Ferreiro, é interessante obser- var ainda que, quando interrogadas sobre o que estão desenhando, as crian ças não têm dúvidas, e respondem indignadas: são letras. Ferreiro afirma que, de início, as letras não são vistas pelas crian- ças como objetos que servem para representar outros objetos, de for- ma que todos os signos que escrevem em um papel são denominados de nome. Diz que as crianças, ao serem interpeladas sobre o que está escrito, respondem: é o nome de... Há uma passagem de letras-obje- tos-em-si que se manifesta, ao dizerem são letras, para letra-objeto- substituto; é a fase em que afirmam que o nome do objeto está expres- so pela imagem. Já com referência ao nome escrito, aparecerão mais letras, se o objeto cujo nome vão escrever é maior, mais pesado, maior em quantidade, ou maior em idade. Assim é que “Marfim, um menino de 5 anos e 7 meses, põe quatro letras para o gato e o dobro para os ga- 24 Para Emilia Ferreiro, a distinção entre desenho e escrita é de fundamental importância. Ao dese- nhar se está no domínio do icônico; as formas dos grafismos importam porque reproduzem a forma dos objetos. Ao escrever, se está fora do icônico: as formas dos grafismos não reproduzem a forma dos objetos, nem sua ordenação espacial reproduz o contorno desses (Ferreiro, 1987). Docente Realce Docente Realce Alfabetização matemática - 34 - tos, esclarecendo que vai com muitas letras, porque são muitos gatos” (Ferreiro, 1987, p. 118). A autora afirma que o período antecedente às escritas convencionais [...] mostra, no estado mais puro, os processos construtivos que apa- recem quando o sujeito tenta apropriar-se do conhecimento dos ou- tros; porque permite-nos compreender quanto há de criatividade na busca de regularidade, de princípios gerais e de hipóteses (Ferreiro, 1987, p. 118). Para ela, a escrita pode ser concebida de duas formas: como uma representação da linguagem ou como um código de transcrição gráfica das unidades sonoras. Toma a expressão codificar como a “construção de códigos de transcrição alternativa baseados em uma representação já constituída (o sistema alfabético para a linguagem ou o sistema ideográfico para os números)” (Ferreiro, 1987, p. 12). Afirma que, no caso de codificação, tanto os elementos como as relações estão prede- terminadas. Assim, o sistema de representação não é um processo de codificação. Concebida como um código de transcrição, a escrita é vista por Fer reiro como uma aquisição de técnica. Para ela, a invenção da escri- ta cons truída pela humanidade foi um processo histórico de “constru- ção de um sistema de representação, não de um processo de codifica- ção” (1987, p. 12). As crianças, na escola, reinventam os sistemas de representação, [...] não se trata de que as crianças reinventem as letras nem os números, mas que, para poderem se servir desses elementos como elementos de um sistema, devem compreender seu pro cesso de cons- trução e suas regras de produção (1987, p. 13). Ao centrar seus estudos nas concepções de leitura e escrita, Fer- reiro e colaboradores25 apontam que a evolução da escrita, realizada durante o primeiro ano escolar, passa por diferentes estágios, cate- gorias e subcategorias. No entanto, nesse momento em que realizo a revisão da lite ratura existente no que diz respeito à escrita, não serão abordados os aspec tos que envolvem as categorias e subcategorias de cada nível. Julgo que este trabalho minucioso não se faz necessário, 25 Ferreiro, Gomes Palacio G. M. Análisis de las pertubaciones en el processo de aprendizage esco- lar de la lectura y la escritura. México. Siglo XXI, 1982. Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 35 - uma vez que a intenção, neste capítulo, é fazer uma síntese geral do que está sendo estudado e considerado sobre a escrita. Considerando a escrita da criança durante o primeiro ano esco- lar, Ferreiro e seus colaboradores apontam quatro grandes níveis de evolução26 desse processo, caracterizado como: pré-silábico, silábico, silábico-alfabé tico e alfabético. De acordo com a autora, no nível pré- silábico, as escritas não apresentam correspondência sonora, quer di- zer, grafia e som não estão associados. Nessa fase, a criança costuma repetir uma mesma grafia para todas as escritas; muitas vezes, é o li- mite do papel em que escreve o que determina onde sua escrita finali- za; ela repete sequência de duas ou três grafias ao longo de uma linha. As crianças pensam que tudo o que escrevem deve ser feito da mesma maneira. Aquelas que já sabem escrever seus no mes utilizam-se dessa escrita para expressar qualquer outra palavra ou fra se escrita. Com o passar do tempo, começam a utilizar uma quantidade de signos cons- tantes e um repertório fixo parcial. Assim é que, na escrita de várias palavras diferentes, pode aparecer sempre, no início ou no final das palavras, a mesma sequência de grafias. Às vezes, é uma só letra que, constantemente, inicia ou termina uma escrita; geralmente, a letra inicial do seu nome é também a inicial de todas as suas produções. Os primeiros intentos de escrever, associando cada grafia a um valor silábico, ocorre no nível silábico, com a correspondência entre grafias e sílabas. Geralmente, segundo Ferreiro, as crianças usam uma grafia para cada sílaba, mas há casos em que a criança não concebe escrever pela exi gência que ela tem de quantidade mínima de letras. Emília Ferreiro também constatou que a criança muito pequena não concebe a palavra monossilábica para a representação escrita de um objeto; da mesma forma, não admite que uma palavra de várias sílabas, como, por exemplo, borboleta, tenha muitas letras para re- presentar um animal muito pequeno. Essa constatação de que objetos grandes devem ter nomes na mes ma proporção também foi encontra- da nos trabalhos de Rego (1988). A palavra monossilábica é muito perturbadora para a criança desse nível. 26 Ferreiro refere-se a quatro sistemas ordenados de escrita: pré-silábico, silábico, silábico-alfabé- tico e alfabético. Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Alfabetizaçãomatemática - 36 - Ao nível da escrita silábica, Ferreiro aponta que as crianças estão em melhor condição de compreender o ensino escolar do que aquelas que são pré-silábicas, porque as silábicas já têm elaborado um esque- ma de corres pondência sonora. Quando escrevem, usam uma letra para cada sílaba. O número de letras que as crianças empregam para cada palavra coincide com o número de sílabas dessa mesma palavra, usando, geralmente, a letra que tem o valor sonoro convencional. A hipótese silábica vincula a escrita aos aspectos formais da fala. Nesse momento, por exemplo, a letra p vale a sílaba pa porque é o pa de papai e servirá então para escrever pato, mas não para escrever pipoca porque é necessário pi (Ferreiro, 1987, p. 55). Sobre o nível silábico alfabético, a autora afirma que “nesse nível coexistem duas formas de fazer corresponder sons e grafias: a silábica e a alfabética” (1987, p. 29). Isso significa que, nesse período, ocorre a transição entre o nível silábico e o nível alfabético. Para cada gra- fia, há correspon dência de um som; desaparece a análise silábica, e a criança passa a organi zar sua escrita com base na correspondência entre grafias e fonemas. Nesse nível de aprendizagem da língua escri- ta, segundo Ferreiro, a palavra monossilábica já não é tão perturbado- ra como antes. No nível alfabético, a corres pondência entre grafias e fonemas é organizada na escrita, e a análise silábi ca desaparece. Outro pesquisador do desenvolvimento da escrita na criança é o sovié tico Alexander Romanovicht Luria. Fazendo parte do grupo de estudo de Lev S. Vigotsky e tendo-o como líder intelectual, Luria, as- sim como Vigotsky, interessou-se por temas tais como: relação pen- samento e linguagem, nature za do processo de desenvolvimento da criança e o papel da instrução no desenvolvimento. Esses estudiosos soviéticos, interessados no funcionamento cognitivo do ser humano enquanto parte de sua realidade histórico-cultural, contribuem, na atualidade, não só com temas de psicologia do desenvolvi mento, como também com temas da educação. Da mesma forma que Ferreiro, Luria afirma que a “escrita na crian ça começa muito antes da primeira vez em que o professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras. Na realidade, esse não é o primeiro estágio do desenvolvimento da escrita” (1988, p. 143). O que ele propõe é o desenvolvimento dessa pré-história da Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Docente Realce Ocsana Sônia Danyluk - 37 - escrita, que é o período no qual se encontram as origens da escrita. “Se formos capazes de desenterrar essa pré-história da escrita, teremos adquirido um importante instrumento para os professores: o conhe- cimento daquilo que a criança era capaz de fazer antes de entrar na escola” (Luria 1988, p. 145). A escrita, para Luria, é definida como uma função que se tem cultu ralmente por mediação. A escrita “constitui o uso funcional de linhas, pon tos e outros signos para recordar e transmitir ideias e con- ceitos” (1988, p. 146). Observou, também, que o ato de escrever, para crianças de 3, 4 e 5 anos de idade, está dissociado de seu objetivo imediato, e as linhas que ela usa em seus registros mostram que não tem consciência do significado fun cional da escrita como um sistema de signos auxiliares. A criança, nesse primeiro estágio da pré-história da escrita, toma a forma externa da escrita e acredita que sabe escrever até antes de saber ou de ouvir o que deve ser escrito. Quer dizer, os rabiscos das crianças não mantêm nenhuma relação com sentenças significativas que lhe são propos tas para escrever. Segundo Luria, o escrever, para as crianças pesquisadas, “não mantinha qualquer relação com a ideia invocada pela sentença a ser escrita; não era instrumental ou funcio- nalmente relacionada com o conteú do do que tinha de ser escrito” (Lu- ria, 1988, p. 151). Nesse caso, essa fase da escrita, denominada pelo autor de pré-escrita ou de fase pré-instrumental, é por ele considerada não exatamente como uma escrita, mas como simples rabiscos. Nos estudos do referido autor, incluem-se casos de algumas poucas crianças que produziram a mesma escrita indistinta, linhas de rabis- cos. No entanto, mostraram-se capazes de lembrar as sentenças dita- das pelo pesqui sador e anotadas por elas. Os rabiscos, então, mostram algo mais que sim ples garatujas. Outro caso apontado por Luria foi o de uma criança que dispôs seus rabiscos, usando riscos em cada canto de papel, associando as sentenças ditadas com suas anotações. “Essa criança estava passando por um processo de criação de um sistema de auxílios técnicos de memória semelhante à escrita dos povos primitivos” (Luria, 1988, p. 157). A posição de um rabisco, a sua situação e a relação com outros rabiscos permitiam à criança recordar o que havia registra- do, isto é, os rabiscos conferiam-lhe a função técnica de memória. Alfabetização matemática - 38 - Isso mostra que a criança passa a ligar o objeto relembrado com algum signo. Essa sequência de acontecimentos, ou seja, de linhas e rabiscos para figuras ou linguagens que dão lugar a signos é a mesma, tanto na história da civilização quanto no desenvolvimento da criança. É o que diz Luria, denomi nando de “transição de um estágio de escrita não diferenciada para um nível de signos com sentido expressando um conteúdo” (1988, p. 161). Para o autor, “é possível que as origens reais da escrita venham a ser encontradas na necessidade de registrar o número ou a quanti- dade” (1988, p. 164). A quantidade, em crianças de 4 anos, ainda não está claramente mani festa, mas as relações já são expressas. Assim é que Lena, uma das crianças observadas pelo pesquisador, registrou de forma diferente um nariz de dois olhos, cada sentença tinha seu próprio rabisco. Nesse caso, essa criança passa da escrita não diferen- ciada para uma atividade gráfica expressiva diferenciada. Luria, em seus experimentos, verificou que os atributos quan tidade, tamanho e cor, quando utilizados em sentenças ditadas às crianças, as conduzem à pictografia, o que, para o pesquisador, tem efeito de traços de verda- deira escrita; é o primeiro uso da escrita como meio de expressão. Em uma das sessões em que o pesquisador trabalhou com uma menina de 5 anos de idade, pôde constatar a influência do fator quantidade na escrita de uma criança. A experiência foi realizada com um número de sessões conse cutivas; em cada uma, foram ditadas cinco ou seis sentenças com a instru ção para a criança anotá-las para, depois, se lembrar. O diálogo relatado a seguir, ocorrido entre o pesquisador e a menina Brina, em uma das sessões27, mostra que as linhas traçadas tornam-se um instrumento diferenciado, ex pressivo, e que o processo de recordação começa a se dar pela mediação. Isso, segundo Luria, ocorreu pela intervenção do fator quantidade e pela insistente soli- citação por parte do pesquisador, para que a criança anotasse aquilo que estava sendo ditado, de forma a poder compreender, posterior- mente, o que escrevera. 27 Ver em Vygotsky, Lev, Luria, R. A., Leontiev, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendiza- gem. Trad. Maria da Penha Villa Lobos, São Paulo, Ícone, 1988, p. 169. Ocsana Sônia Danyluk - 39 - 1 Pesquisador: Eis um homem e ele tem duas pernas. Criança: Então, eu traçarei duas linhas. Desenho: 2 Pesquisador: No céu, há muitas estrelas. Criança: Então, eu traçarei muitas linhas. Desenho: 3 Pesquisador: A garça tem uma perna. Criança: (faz uma marca)... A garça está sem uma perna. Desenho: Aí está você: 4 Pesquisador: Brina tem 20 dentes. Criança: Traça várias linhas. Desenho: 5 Pesquisador: A galinha grande e quatro pintinhos. Criança: Faz uma linha grande e duas pequenas; pensa um pouco e acrescenta mais duas. Desenho: Alfabetização matemática - 40 - De acordo com Luria, o
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