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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Sociologia “A Classe Média: Ascensão e Declínio” Análise crítica Mariana Sofia Ribeiro Esteves Trabalho desenvolvido para disciplina de Temas da Sociedade Contemporânea Licenciatura em Sociologia (1º ciclo de estudos) Professora: Filomena Santos Covilhã, Maio de 2021 2 II parte: 4. A persistência das desigualdades: tendências recentes O capítulo 4 “A persistência das desigualdades: tendências recentes” (Elísio Estanque, 2012) faz uma abordagem sobre uma possível necessidade de reformar o atual sistema de trabalho que tem vindo a sofrer uma grande regressão no que toca ao direitos e condições laborais, desencadeada pelo fenómeno da globalização e agravada pela crise económica do novo milénio. O que deveria ter sido a ascensão das classes trabalhadoras a melhores condições económicas e de vida, foi na verdade o seu declínio, com condições de trabalho precárias que lhes foram impostas e que os trabalhadores acabaram por aceitar, porque mesmo sem condições de trabalho, era o seu único meio de sobrevivência e de sustento das suas famílias. Ao passo que as classes mais baixas viram os seus direitos e condições laborais ameaçadas para garantir a sua subsistência, o oposto aconteceu nas classes mais altas, que viram a sua riqueza aumentar exponencialmente. A reconfiguração da classe trabalhadora incentivada pelo aumento do grau de qualificação, avanço da ciência e criação de mais postos de trabalho nos setores da saúde, justiça e educação, teve consequências significativas, na medida em que as famílias começaram a endividar-se na compra de bens e de luxos, na ilusão de ascenderem de patamar social. O que não passou de isso mesmo, uma ilusão, a ascensão da classe média deu-se muito na sua dimensão, mas muito pouco na estratificação social. Tanto em Portugal, como na restante União Europeia, revelou-se um aumento dos contratos a prazo, ao mesmo passo que os contratos permanentes diminuíram, assim como o desemprego também aumentou. A conhecida “Geração à Rasca” que compreende as idades entre os 15 e os 24 anos, está literalmente “à rasca”, porque é nesta faixa etária que se verifica uma maior taxa de desempregabilidade, de contratos temporários e de tempo parcial. Apesar de o sistema de ensino superior ser considerado uma porta aberta para a emancipação dos jovens de classe média baixa, estes vêm-se deparados com a impossibilidade de ter uma profissão estável o suficiente que lhes permita subir a um escalão social, que seja superior ao de sua origem. O impulsionamento por parte do Estado na tecnologia e na ciência, a institucionalização das adversidades laborais e as políticas educativas, que, por conseguinte, aumentaram os postos de trabalho nas áreas da saúde, educação e administração pública, tendem agora a regredir ou a estancar o seu progresso. Com isto, a classe média, constituída em grande parte pelos trabalhadores destas áreas, vê-se ameaçada pelas severas medidas políticas que decorrem no 3 momento, pois, o que começou por ser uma fomentação por parte do Estado nestes setores, é agora a sua decadência, na medida em que muitas famílias se encontram agora endividadas, com créditos à habitação, por exemplo, e desamparadas por este mesmo Estado, justamente porque a quantidade de apoios que este atribuía diminuiu em grande escala. Segundo a DECO, este processo continua a crescer década após década e está a resultar num “círculo vicioso”, na medida em que muitas famílias, para fazer face às primeiras dívidas que lhes foram surgindo, requisitaram novos empréstimos que se converteram em novas dívidas. Os dados da DECO revelam que as famílias chegam a contrair acima de oito créditos e que na maioria das vezes recorrem a ajuda, quando já todas as opções se esgotaram dentro do ceio familiar. Tendo em consideração este quadro de pobreza e endividamento torna-se crucial que o sistema económico tome providências relativamente a estes parâmetros, ao invés de continuar a enriquecer os que já são ricos e a empobrecer o que já são pobres, combatendo assim as desigualdades económicas que continuam a persistir, tanto a nível nacional como internacional. Para que se combata as desigualdades e a pobreza, é necessária uma reformulação da racionalização e distribuição de recursos de modo igualitário, com o objetivo de obter coesão e equilíbrio social. De acordo com os estudos realizados entre 1995 e 2008, aufere-se que a diferença entre os salários mais bem remunerados e os menos bem remunerados dos trabalhadores portugueses, foi de 6,8 vezes, aumentando progressivamente e chegando a calcular-se uma diferença de cerca de 11 vezes, o que eleva Portugal ao top 3 dos países com maior nível de desigualdades económicas. Não obstante, que 18% dos portugueses vivem em pobreza extrema, sobretudo os reformados, cerca de 35% encontram-se desempregados e não menos importante, as desigualdades de género que perduram. Ainda que o setor feminino componha 62,5% do mercado de trabalho, as mulheres continuam a ser alvo de discriminação de género sendo-lhes atribuída a impossibilidade de aceder aos cargos mais altos, em que notoriamente é possível observar os 71,6% dos homens que pertencem aos quadros mais qualificados, face a apenas 54,6% das mulheres que têm acesso a estes mesmos quadros. Segundo os últimos relatórios do ISCTE, as diferenças salariais entre géneros variam entre os 13,5% e os 27,2%, concluindo que quanto mais alto for o nível de escolaridade, maiores se verificam as diferenças salariais. Nos últimos 40 anos observa-se um crescimento da classe média portuguesa. Importa- se aqui discutir quais os meios sociais que enfrentam, os trabalhadores que procuram cargos profissionais que lhes permitem melhorar as suas condições de vida e socioeconómicas, de 4 acordo com as suas competências. Se compararmos os diferentes níveis de instrução entre gerações, observamos um efeito de mobilidade, isto é, os níveis de instrução base evoluíram. Atualmente o nível mínimo de instrução exigido pelas empresas é o ensino secundário completo, no entanto, a maioria dos jovens prossegue estudos a nível superior. Em termos estatísticos, observou-se um decréscimo de trabalhadores industriais e agrícolas, enquanto que um acréscimo de trabalhadores profissionais e técnicos especializados. Com tudo isto, podemos concluir que o efeito de mobilidade é um tanto ou quanto delusório, visto que houve um avanço nos níveis de instrução base, mas que também as exigências do mercado de trabalho se exacerbaram. Para conseguirmos obter uma mobilidade social real, e não ilusória, é necessário remover determinados obstáculos como as objeções financeiras ou no acesso ao ensino superior, assim como garantir a igualdade nas oportunidades profissionais e a justiça social. Torna-se desta forma urgente eliminar a desigualdade de oportunidades e focar-se nas competências individuais, independentemente do escalão social de cada indivíduo. As dificuldades socioeconómicas durante o percurso escolar também podem incentivar ao abandono dos estudos e dos objetivos traçados, tendo impacto no nível educacional auferido. As discrepâncias de oportunidades profissionais e de bem-estar económico são recorrentemente associadas aos antigos regimes de opressão e dependência socioeconómica. Marcel Proust afirmou que “a nossa personalidade social é a criação do pensamento dos outros” e é neste mesmo sentido que surge a auto-identificação, que se traduz em agirmos perante os outros como sendo oriundos de um estrato social superior ao que na realidade pertencemos. Este “jogo de espelho” ou princípio mimético contribui de facto para a progressão económica do indivíduo. No entanto, é de se observar nas classes mais baixas uma certa resistência ao poder, isto é, queremsubir na vida o quanto baste de modo a ficarem confortáveis e manter uma distância considerável do poder. Existe aqui uma dicotomia com raízes no autoritarismo de Salazar, que induziu na cultura portuguesa este espírito conformista dos fracos diante as oportunidades e privilégios dos poderosos, e o espírito de sacrifício dos pobres perante às dificuldades. Esta conformidade perante o poder e o estatuto social justifica-se na maioria das vezes com a necessidade de manter o emprego. 5 O conjunto de contrastes sociais referidos anteriormente, definem Portugal como um país extremamente complexo socialmente e em “transição problemática”, na medida em que apresenta múltiplas contradições e eminentes desigualdades sociais. As amplificações dos direitos de cidadania abriram portas aos privados de posses económicas, de alcançarem a sua emancipação, durante algumas décadas, no entanto, continuam com a sua liberdade individual e igualdade legal condicionadas pelos contextos sociais que definem o seu destino social. Com isto, quer-se dizer que apesar dos objetivos traçados por cada um de nós, estamos sempre condicionados ao ambiente social que nos rodeia e de onde provimos. Independentemente de classe de origem não ser apenas constituída pelo capital económico e ter também em conta o capital cultural, educacional, social e por aí fora, este determina o ponto de partida do percurso do indivíduo. Na vivência em sociedade, o que somos nem sempre corresponde com o que pensamos ser, assim como o que pensamos ser determina determinadas atitudes e comportamentos. A distinção social permite às elites sociais que se reinventem constantemente dentro da sociedade, contrariamente às restantes camadas sociais que ficam abaixo destas. A elevação de estatuto não passa de uma simulação, considerando que quanto mais competências são adquiridas, simultaneamente mais exigências são feitas nesse campo. É possível então deduzir que as desigualdades em Portugal estão constantemente a ajustar-se, no entanto, ao invés de se erradicarem, enfatizam-se ainda mais. Por último, é necessário perceber de que forma a classe média contribui nos processos de mudança social, além da coesão e integração. Este percurso, que assenta particularmente na classe média, é determinante para conceber o padrão de desenvolvimento da sociedade dos seus pontos de vista económico, científico, educacional, governamental, etc. Ademais, o papel ativo da classe média na cultura e na esfera pública é muitas vezes ignorado. As teorias antes concebidas em torno da classe média inspiradas no modelo marxista, retratavam a classe média como algo negativo, o que não impediu uma reconceptualização mais positiva com base no marxismo e weberianismo, que contribuíram com interpretações mais adequadas à atualidade, no que diz respeito à ação coletiva e aos movimentos sociais. É-nos possível então afirmar, que os novos movimentos sociais emergentes desde a década de 60 até atualidade, constituem um novo significado político e sociológico da classe média. Resta-nos averiguar, até que ponto esta restruturação teve impacto no progresso das qualificações, da 6 burocracia, da tecnologia e o seu impacto na sociedade, e consequentemente na mobilização da classe média. A partir da década de 60, esses movimentos sociais que emergiram, provocaram uma época de grande agitação sociocultural por parte da população e da comunidade estudantil, o que tendo em conta a época conturbada de crise que temos vivido na Europa, é possível encontrar uma relação entre esses fenómenos e a classe média. O objetivo deste movimento é chamar a atenção para a necessidade de repensar a identidade das camadas sociais, não como entidades já pré-existentes, mas sim como um novo processo social em transformação. Uma nova abordagem mais positiva, surgiu nesta época, a abordagem culturalista que resultou no fenómeno do “radicalismo da classe média, que contraiu uma nova visão sobre a classe média e objetou contra o velho argumento divergente, que dá sentido à sua essência política e sociológica. É atualmente inadequado qualificar a classe média com esta visão diminutiva fundamentada na sua boa vontade cultural, assim com a tentativa de assemelhança com as elites, a conformidade perante a ordem vigente e o desespero de igualar os estatutos sociais. Os movimentos pacifistas, ambientalistas, estudantis, feministas e vários outros que se sucederam nesta época, evidenciaram notoriamente que a classe média se encontrava ativa na sociedade. Estas mobilizações, apesar de se manterem adormecidas a partir da década de 70, ditaram o rumo da sociedade à escala global, dado que aqui foram impulsionados padrões estéticos em diversos parâmetros, como a música, o vestuário, as predições literárias e intelectuais, assim como a liberdade e expressão da sexualidade, alterando a qualidade de vida das gerações futuras e moldaram a esfera pública e política. Consumando, assim como existem discriminações quanto à raça e à sexualidade, também são factuais quanto à classe e por isso, é crucial refletirmos os papéis sociais das classes, para que nos seja possível evoluir quer individualmente, como em sociedade. Bibliografia Estanque, Elísio (2012), “A persistência das desigualdades: tendências recentes” em A Classe Média: Ascensão e Declínio, Lisboa, pp. 64-104.