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1 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2022.1 Manejo de TCE e Morte encefálica CONDUTA NO TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO AVALIAÇÃO INICIAL História clínica, exame físico geral e avaliação neurológica fornecem informações básicas para estratificação de risco de um paciente ter ou desenvolver lesão neurológica. A avaliação do paciente com trauma craniano deve enfatizar a procura de lesões secundárias ao trauma, ou seja, aquelas que decorrem após um período de tempo de ocorrido o trauma craniano. O primeiro passo é a obtenção e manutenção das vias aéreas pérvias, por meio das manobras de desobstrução das vias aéreas: Tração do mento; Elevação da mandíbula; Cânula orofaríngea (Guedel); Aspiração; Via aérea definitiva (intubação orotraqueal ou cricotireidostomia); Proteção da coluna cervical. Avaliar a respiração e a ventilação através da ausculta pulmonar, avaliando a necessidade de se realizar procedimentos como a drenagem do tórax (hemotórax ou pneumotórax e pneumotórax hipertensivo). Devem-se tentar normalizar os parâmetros hemodinâmicos dos pacientes por meio da infusão de solução cristaloide, sangue ou mesmo fármacos vasopressores, em casos específicos, e realizar a retirada de amostra de sangue para realização de exames laboratoriais de emergência como tipo sanguíneo, hemoglobina e hematócrito em todos os pacientes e teste de gravidez em mulheres. A avaliação neurológica no paciente com trauma craniano deve receber uma atenção especial, principalmente na avaliação secundária, após se realizar o ABCDE, preconizado pelo ATLS. Durante a realização da avaliação primária, deve-se avaliar a ECG (Escala de coma de Glasgow), já na admissão, avaliação dos padrões pupilares, avaliação de déficit motor e dos reflexos. As pupilas assimétricas está associada à lesão expansiva, necessitando de descompressão cirúrgica em mais de 30% dos casos. Após a avaliação neurológica deve-se realizar a exposição do paciente, despindo-o e fazendo a avaliação de todo o paciente e lembrar-se de ter preocupação com a prevenção de hipotermia. Durante a exposição à realização do toque retal e exame ginecológico pode trazer informações úteis, como a possibilidade e indicação ou não de passagem de sonda ureteral e lesões em órgãos genitais. CUIDADOS GERAIS O paciente com TCE deve ter sua cabeceira elevada e ser mantido em posição neutra, pensando na facilidade do retorno venoso e auxiliando na diminuição da pressão intracraniana. Qualquer sinal de trombose deve ser pesquisado e tratado. Com base nesse raciocínio, evitar a passagem de cateter venoso central (CVC) em acessos cervicais. Essa medida é importante por diminuir chance de trombose e facilitar o retorno venoso. S u p o r t e V e n t i l a t ó r i o Deve-se evitar hipoxemia e manter a normocapnia, porém em ventilação espontânea esse manejo é mais complexo. As vítimas de TCE grave habitualmente requerem ventilação mecânica. Pacientes com TCC grave (ECG 3-8) exigem intubação e ventilação mecânica para manter a PO2 arterial acima de 80 mmHg e a PCO2 arterial em torno de 34 a 38 mmHg. Não existe contraindicação ao uso de pressão positiva ao final da inspiração em doentes que se apresentam hipoxêmicos se não houver redução do retorno venoso e, consequente, aumento da pressão intracraniana. Hipercapnia deve ser evitada por conta da vasodilatação da circulação cerebral e aumento na pressão intracraniana que esta ocasiona. S e d a ç ã o A sedação adequada diminui a dor, ansiedade e agitação, reduzindo o metabolismo cerebral, diminuindo o consumo de oxigênio e facilitando a ventilação mecânica. Isso pode ser conseguido por meio do uso de fármacos sedativos e opioides. Benzodiazepínicos de ação curta como o midazolam são comumente utilizados, tendo função sedativa e anticonvulsivante. A n a l g e s i a A analgesia é obtida através do uso de acetaminofeno e infusão de opioides, como remifentanil, fentanil ou morfina, os quais possuem efeitos mínimos no controle hemodinâmico cerebral. O uso de bloqueadores neuromusculares pode aumentar a PIC. S u p o r t e h e m o d i n â m i c o Pacientes com TCE tendem à instabilidade hemodinâmica por inúmeras razões. Lesões associadas podem conduzir a depleção do volume intravascular e o trauma do miocárdio pode resultar em 2 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 falência cardíaca. Além disso, as lesões cerebrais podem afetar diretamente a estabilidade cardiovascular. A manutenção da estabilidade hemodinâmica é essencial para o tratamento do paciente com TCE grave, já que a lesão cerebral pode levar a perda da capacidade de auto-regulação vascular de modo localizado, no sistema nervoso central, ou sistemicamente. Inicialmente, o volume vascular deve ser mantido buscando uma pressão venosa central em torno de 5-10 mmHg, usando soluções isotônicas de cristaloides ou coloides. Se a pressão sanguínea adequada não pode ser mantida facilmente com uso de volume, a introdução de um agente vasoativo está indicada. P r e s s ã o a r t e r i a l Os pacientes com TCE sem sinais de HIC não precisam de controles intensos da PA, mas deve-se evitar hipotensões. Pacientes com HIC merecem atenção especial. S u p o r t e n u t r i c i o n a l O suporte nutricional precoce é recomendado em pacientes com TCE, devendo ser iniciada assim que a estabilidade hemodinâmica for obtida. Estudos mostram que o início precoce da dieta está associado à melhores resultados de sobrevida e melhores taxas de recuperação pós-lesão neuronal. Estudos mostram que o início precoce de suporte nutricional está associado a um aumento na função imunológica dos pacientes, com aumento dos valores de células T CD4, relação CD4-CD8 e linfócitos T mais responsivos. O uso de fórmula enteral é preferível, mas em casos de grande volume residual gástrico, com risco de broncoaspiração ou trauma abdominal associado, o uso de dieta parenteral pode ser utilizado. C o n t r o l e g l i c ê m i c o O estresse responde ao trauma, inclusive ao trauma craniano, gerando um estado hipercatabólico levando à rápida quebra de proteína muscular causando um estado de hiperglicemia. Em nível celular, a hiperglicemia possui efeito deletério na função dos macrófagos e neutrófilos, estando relacionado diretamente com a lesão axonal difusa. O controle glicêmico com insulina reduz o número de mortes por falência de múltiplos órgãos com sepse, mesmo com história de presença de diabetes ou hiperglicemia. Em pacientes com TCE, a hiperglicemia está associada com aumento da PIC, levando a um aumento no tempo de internação, piora das lesões neurológicas secundárias ao trauma e reduzindo a sobrevida. A introdução de um protocolo de controle glicêmico com a manutenção da glicose dentro de parâmetros normais (entre 140 e 180 mg/dL) em pacientes traumatizados, ocorre uma redução de 30% na mortalidade dos pacientes. P r o f i l a x i a d e t r o m b o e m b o l i s m o v e n o s o As evidências são fracas para o uso regular, mas existe consenso para o uso de profilaxia mecânica (meias elásticas e compressão pneumática). O uso de heparina aumenta o risco de sangramento. Recomenda-se início precoce do uso de heparina, dentro de 24 a 48 horas, quando o quadro se estabiliza e o hematoma já foi drenado. No mais, sugere-se preferencialmente heparina não fracionada em razão de apresentar fácil reversão e meia-vida curta. P r o f i l a x i a d e ú l c e r a d e e s t r e s s e Como todo paciente crítico, o uso de profilaxia de úlcera de estresse deve ser considerado. No TCE moderado e grave está sempre indicada. Contudo, quando houver melhorado paciente, extubado e sob dieta enteral ou por via oral, considerar a suspensão da profilaxia. U s o d e c o r t i c o s t e r o i d e O uso de corticosteroide como rotina no trauma encefálico para diminuir edema não está indicado. CUIDADOS ESPECÍFICOS A v a l i a ç ã o i n i c i a l d a p r e s s ã o i n t r a c r a n i a n a e d a p r e s s ã o d e p e r f u s ã o c e r e b r a l O compartimento intracraniano pós-trauma consiste no cérebro, líquido cefalorraquidiano, sangue e em alguns casos lesões de massa patológicas. O volume desses conteúdos mantém uma pressão na caixa craniana, a pressão intracraniana (PIC). Primeiro, deve-se realizar a monitorização precoce da PIC no paciente com TCE podendo revelar precocemente lesões de massas expansivas, mesmo nos pacientes sedados ou intubados, onde não se consegue realizar um exame neurológico preciso ou estabelecer o local acometido pela lesão. Depois de estabelecida a monitorização da PIC, a PPC pode ser calculada pela fórmula PPC = PAM – PIC. No último consenso em neurotrauma foi definido como um valor aceitável a PPC > 60 mmHg no paciente com TCE. Valores de PPC abaixo de 60 mmHg em pacientes com TCE sugerem isquemia cerebral, e está associado a maiores taxas de mortalidade e sequelas tardias. A regulação vascular no cérebro traumatizado está diminuída, causando uma dissociação entre o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e a demanda metabólica cerebral15. Nessas circunstâncias, o aumento da PPC pode levar a um aumento passivo do diâmetro do vaso sanguíneo, aumentando o volume sanguíneo cerebral e consequentemente a aumento da PIC. H i p e r v e n t i l a ç ã o i n d u z i d a O maior determinante do calibre dos vasos cerebrais é a pressão e dióxido de carbono (PaCO2 ). A redução da PaCO2 causa vasoconstrição cerebral, reduzindo o volume sanguíneo cerebral e, consequentemente, reduzindo a PIC. Quando for utilizada a hiperventilação em paciente traumatizado deve-se levar em conta os efeitos benéficos da hiperventilação e os efeitos deletérios do efeito no FSC. Particularmente nas primeiras 24h após o trauma craniano, o FSC está reduzido, sendo que a hiperventilação pode provocar isquemia cerebral. Por essas razões não deve usar hiperventilação fora dos cuidados da UTI, em vista das inúmeras complicações. 3 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 T e r a p i a h i p e r o s m o l a r A terapia hiperosmolar é a principal conduta na intervenção e no manuseio do paciente com edema cerebral e aumento da PIC após o trauma craniano. É indicada particularmente nos casos de aumento súbito nos valores da PIC, tendo efeito rápido. O manitol, um diurético osmótico, é comumente usado por rápida ação e eficácia, sem causar a hipercalemia e disfunção renal. O manitol também estabiliza o gradiente de concentração entre o plasma e as células cerebrais, reduzindo o edema cerebral, drenando a água através da barreira hematoencefálica, para o compartimento vascular. H i p o t e r m i a A hipotermia é usada há muitos anos no controle da PIC em pacientes com TCE grave. Evidências sugerem que hipotermia moderada de 33º C quando instituída na admissão do paciente está associada com aumento da sobrevida de 3 a 6 meses após o trauma I n t e r v e n ç ã o c i r ú r g i c a O modo mais efetivo de se diminuir a PIC é remover a lesão expansiva que está ocupando o espaço das estruturas cerebrais. As duas formas genéricas de se reduzir o espaço ocupado pela lesão são a drenagem externa dos ventrículos e a craniotomia descompressiva. Ambos os procedimentos cirúrgicos devem ser realizados por profissionais qualificados e preparados para realizar a técnica, por isso a presença de um neurocirurgião se faz necessária ao atender um paciente com TCE. PROGNÓSTICO Existe evidência clara de que a elevação da pressão intra craniana é um predito r independente de mau prognóstico. Outros mecanismos, como redução na drenagem liquórica de maneira aguda, podem contribuir para a elevação da PIC no TCE. Diversos estudos sugerem que PIC > 20 a 25 mmHg de maneira persistente é um fator capaz de discriminar uma evolução clínica boa ou ruim. A longo prazo, o prognóstico pode ser acompanhado por meio da escala de prognóstico de Glasgow (Glasgow outcome score - GOS). Comparado a outras lesões neurológicas graves, o prognóstico do paciente com TCE é muito bom e deve ser esperado por pelo menos 6 meses antes de se definir algum grau de déficit, mas pode haver melhora significativa em até 1 ano, ao contrário de lesões não traumáticas. CONDUTA/TRATAMENTO PARA AS LESÕES DE TCE TRATAMENTO DAS LESÕES DE ENVOLTÓRIO O tratamento de lesões de envoltório baseia-se na limpeza do ferimento e na reconstituição dos planos. A laceração do couro cabeludo deve ser lavada com soro fisiológico, retirando-se os corpos estranhos e o tecido necrótico, procedendo-se ao debridamento, se necessário, e sutura em plano único com fio inabsorvível, dado o seu potencial de infecção. Lesões com perda de substância requerem o emprego das técnicas de cirurgia plástica. Os grandes hematomas subgaleais e subperiostais podem ser tratados com cu rativos compressivos. A punção deve ser evitada devido ao risco de infecção, apenas justificando, em casos de grandes hematomas com medida prévia, enfaixamento compressivo, ou quando causa dor intensa por distensão do couro cabeludo. Os hematomas subperiostais, caso venham a se calcificar, podem requerer tratamento cirúrgico por razões estéticas. As fraturas cominutivas da região frontal anterior e frontobasal acompanhadas de ferimentos abertos também devem ser exploradas devido à alta incidência de laceração concomitante da dura-máter nestes locais. Enquanto os afundamentos “abertos” são cirúrgicos a princípio, os “fechados” não o são, desde que o fragmento afundado não esteja comprimindo estruturas vasculares ou nervosas. A cirurgia do afundamento visa à limpeza e à reconstrução dos planos, devendo-se sempre que possível proceder à osteossíntese e recolocação dos fragmentos afundados. Exceção deve ser feita a fragmentos inviáveis, indicações cirúrgicas tardias e falhas de pequena extensão em crianças menores. Ao se realizar uma craniectomia, deve ser retirado o menor número possível de fragmentos ósseos. A cranioplastia para tratamento de falha óssea 4 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 deve ser feita posteriormente, em condições eletivas, com próteses de acrílico ou enxertos ósseos. Os afundamentos sobre seios venosos, mesmo “abertos”, a princípio não são cirúrgicos, dada a periculosidade da sua manipulação. Após a limpeza local, deve ser feita apenas a sutura do couro cabeludo. A correção das fraturas extensas e afundamentos craniofaciais requer o concurso de outros especialistas além do neurocirurgião, e quando o comprometimento nervoso contraindica ou dificulta a sua realização inicial, a correção deve ser adiada após limpeza e sutura sumárias locais. A dura-máter, sempre que lacerada, deve ser hermeticamente fechada, podendo ser feita plástica com a utilização de outros tecidos (aponeurose temporal, periósteo, fascia lata, derme, dura-máter conservada etc.). Quando necessário, as fossas anterior e média devem ser recobertas por estes mesmos tecidos por via intra ou extradural. TRATAMENTO DAS FÍSTULAS LIQUÓRICAS O tratamento das fístulas liquóricas que ocorrem através das fraturas da base do crânio, e que se manifestam pela rino ou otoliquorréia, a princípio é clínico (antibióticos, medidas posturais), uma vez que costumam ceder espontaneamente. A sua não resolução na primeira semana nos leva a instalarum sistema de drenagem liquórica lombar contínua, que tem a finalidade de favorecer a cicatrização do local fistuloso através da diminuição do seu débito. Caso a fístula persista, deve-se considerar o seu tratamento cirúrgico. O recente desenvolvimento do sistema de derivação lomboperitoneal permite que a sua instalação se constitua no tratamento cirúrgico inicial. Quando há dilatação ventricular concomitante, a derivação ventricular para o átrio direito ou para o peritônio pode ser utilizada, também na tentativa de controle do débito. É importante ressaltar que qualquer derivação interna só deve ser realizada na ausência de meningite. O tratamento cirúrgico por abordagem direta é indicado quando houver insuficiência das medidas terapêuticas iniciais, uma vez que constitui cirurgia de grande porte e nem sempre bemsucedida, dada a possível multiplicidade e eventual impossibilidade de acesso às lacerações durais associadas às fraturas da base do crânio. Estas dificuldades são mais relacionadas às fístulas através do rochedo temporal, causando otoliquorréia. O paciente deve ser pormenorizadamente avaliado através de tomografia computadorizada de alta resolução, se necessário com administração de metrizamida no espaço subaracnóideo, visando ao diagnóstico topográfico preciso da fístula. Tal caracterização é importante nas fístulas que se manifestam por rinoliquorréias, uma vez que, enquanto as do seio etmoidal requerem acesso cirúrgico por via subfrontal, as do seio esfenoidal devem ser tratadas por acesso cirúrgico transesfenoidal. A abordagem direta visa à sutura das lacerações durais e deve ser feita através de ampla exposição da região acometida. Recentemente a correção cirúrgica de fístulas liquóricas do andar anterior tem sido também realizada por via endoscópica transnasal, com bons resultados. Após a identificação da fístula, o local é obliterado em geral com enxerto de mucosa e cola biológica. TRATAMENTO DAS LESÕES FOCAIS INTRACRANIANAS O tratamento dos hematomas e lesões encefálicas visa impedir a acentuação da lesão nervosa e criar condições favoráveis à recuperação do parênquima ainda viável, particularmente através do combate às diferentes causas de hipertensão intracraniana. Enquanto o tratamento clínico procura atuar metabolicamente nestes processos, a cirurgia o faz removendo compressões extrínsecas e intrínsecas. HEMATOMA EXTRADURAL O tratamento do hematoma extradural na fase aguda é sempre cirúrgico, dado o seu caráter progressivo. A sua indicação cirúrgica não se limita ao comprometimento neurológico atual, justificado pelo simples diagnóstico associado a qualquer quadro evolutivo. A sua drenagem deve ser feita através de craniotomia no local do hematoma, de maneira a retirá-lo completamente e fazer hemostasia. HEMATOMA SUBDURAL A indicação de drenagem cirúrgica depende da avaliação da sua repercussão sobre o quadro clínico do paciente, uma vez que não costuma ser evolutivo. Enquanto os mais volumosos têm indicação cirúrgica formal, os menores devem ser avaliados também segundo os critérios pertinentes à contusão cerebral e ao inchaço hemisférico geralmente associados e responsáveis pela gravidade do caso. A presença de déficits neurológicos que tenham correspondência com a topografia do hematoma, qualquer deterioração progressiva do estado de consciência, ocorrência de quaisquer sinais que indiquem herniação e mesmo a ausência de melhora de quadros comatosos estabilizados indicam a cirurgia, que deve ser realizada o mais precocemente possível. A sua abordagem é feita através de craniotomia ampla que permita a sua total aspiração e uma eventual descompressão da contusão e inchaço subjacentes. A dura-máter deve ser sempre fechada, com ou sem plástica, a não ser que haja necessidade premente de abreviar o tempo cirúrgico. LESÕES PARENQUIMATOSAS Nos casos com simples contusões, lacerações e/ ou hematomas intraparenquimatosos, é mais difícil estabelecer uma relação entre o quadro clínico e a magnitude do comportamento expansivo, uma vez que as próprias lesões estruturais podem ser em parte responsáveis pelo comprometimento neurológico. A princípio, os seus tratamentos são conservadores. A eventual indicação cirúrgica destas lesões baseia-se na magnitude dos seus comportamentos expansivos, ou devido às suas associações com diferentes tipos de inchaço, o que em grande parte é apreciado através do quadro clínico e da TCC. Os parâmetros mais importantes são a deterioração do estado de consciência, a presença de déficit, a caracterização de sinais sugestivos de herniação, a ausência de melhora em quadros estabilizados e a análise do comportamento da pressão intracraniana quando possível. O chamado “lobo explodido”, misto de todas as lesões anteriores, e que geralmente ocorre na ponta e base do lobo frontal e/ou na ponta 5 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 do lobo temporal, deve ser operado quando há efeito de massa significativo, independentemente do quadro clínico, dado o seu potencial de compressão direta do tronco cerebral, caso ocorra qualquer aumento da lesão em função de inchaço e/ou sangramento intra-contusional. A indicação de cirurgias descompressivas externas (não recolocação do flap ósseo) em pacientes que apresentam contusões e inchaço grave associado constitui uma polêmica diária do neurocirurgião que assiste traumatizados cranioencefálicos. Os dados mais recentes da literatura especializada inclinam-se a contraindicar a cirurgia descompressiva externa sempre que possível, propondo medidas descompressivas internas (retirada de áreas contusas e lobectomias parciais frontais e temporais) quando necessário. MORTE ENCEFÁLICA Independentemente da etiologia que esteja levando ao comprometimento da consciência, o estado neurológico pode deteriorar para uma situação de irreversibilidade e ausência de funções encefálicas, o que caracteriza a morte encefálica (ME). O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a primeira resolução brasileira normatizando o diagnóstico de ME em 1997, sendo atualizada em 2017. Por determinação legal, deve-se seguir rigorosamente todos os critérios, mesmo que haja diferenças em relação às diretrizes internacionais (há países que, por exemplo, dispensam o exame complementar). O conceito de ME deve se basear em quatro princípios fundamentais, de acordo com a Resolução CFM nº 2.173/17 1. Reconhecimento de uma causa conhecida e irreversível do coma. 2. Demonstração de um coma aperceptivo com ausência de reflexos do tronco encefálico. 3. Evidência de falência do centro respiratório a ser constatada por meio do teste da apneia. 4. Ausência de perfusão sanguínea e de atividade elétrica ou metabólica encefálica a serem constatadas por meio de exames complementares. O quadro clínico do paciente também deve apresentar todos os seguintes pré-requisitos: a) Presença de lesão encefálica de causa conhecida e irreversível; b) Ausência de fatores tratáveis que confundiriam o diagnóstico; c) Tratamento e observação no hospital pelo período mínimo de seis horas; d) Temperatura corporal superior a 35º graus; e e) Saturação arterial de acordo com critérios estabelecidos pela Resolução. No caso de crianças, os parâmetros são um pouco diferentes, com um período de observação maior. O paciente com morte encefálica é um desafio ao corpo clínico do hospital. A equipe multidisciplinar deve ter uma boa compreensão sobre os eventos fisiopatológicos que surgem após a lesão cerebral grave, levando o paciente ao coma não reativo e com ausência dos reflexos do tronco cerebral. Surgem distúrbios endócrinos, pulmonares e cardiovasculares que podem comprometer a perfusão e boa oxigenação de órgãos como,por exemplo, intestinos, pâncreas e rins, os quais, se não forem corrigidas de imediato, comprometem a função do órgão que eventualmente possa ser doado. Além do exame clínico, que deve ser realizado por dois médicos diferentes, com um intervalo mínimo de uma hora entre o primeiro e o segundo, o paciente deve ser submetido a um teste de apneia e a exames complementares. É obrigatória a realização desses exames para que seja demonstrada, de forma inequívoca, a ausência de perfusão sanguínea ou de atividade elétrica ou metabólica encefálica e, também, para que se tenha uma confirmação documental da situação. Esses exames podem ser a angiografia cerebral, o eletroencefalograma, o doppler transcraniano e a cintilografia. O laudo deve ser assinado por profissional com comprovada experiência e capacitação para a realização desse tipo de exame.O paciente também deve ser submetido a um teste de apneia, que estimula o centro respiratório de forma máxima. É necessária a realização de um único teste. Vários estudos demonstraram que a realização de dois testes não aumenta a especificidade ou a segurança do diagnóstico. O relator da Resolução nº 2.173/17 ressalta que os critérios brasileiros são conservadores e mais seguros do que o de outros países. “Na Alemanha, a morte encefálica é diagnosticada por apenas um médico e um exame complementar. E nos Estados Unidos o exame complementar é opcional. A resolução CFM 1.480/1997 que normatizou a Morte Encefálica por 20 anos foi substituída pela nova Resolução CFM 2.173/2017, onde foram incluídas algumas mudanças resultado do avanço do conhecimento científico, mantendo na sua essência a segurança, especificidade e praticidade. Entre as mudanças destaca-se: a) Seguem sendo necessários dois exames clínicos realizados por médicos diferentes, mas, apenas um teste de apneia é requerido; b) Os intervalos entre os exames a partir de 24 meses foram fixados em, no mínimo, uma hora; › Esse intervalo deve ser ampliado para 24 horas de observação em casos quadro hipóxico-isquemico (p.ex.: afogamento) c) Cabe ao médico decidir qual exame complementar irá utilizar de acordo com a condição e recursos disponíveis; d) Os médicos examinadores deverão ser capacitados, sendo exigido, preferentemente que tenham especialização em neurologia, medicina intensiva ou emergência; e) Cabe ao diretor técnico da instituição definir a equipe clínica que realizará os exames clínicos, assim como, os responsáveis pelos exames complementares. Diante de tal situação, é importante compreender que não está em pauta a discussão do prognóstico do paciente, mas sim os aspectos 6 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 éticos, morais e legais decorrentes da constatação da morte encefálica naquele momento. PARA O DIAGNÓSTICO DE ME É ESSENCIAL QUE TODAS AS SEGUINTES CONDIÇÕES SEJAM OBSERVADAS 1. Pré-requisitos a) Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar a ME; b) Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de ME; c) Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período mínimo de seis horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas; d) Temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior 35°C, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial média maior ou igual a 65 mmHg para adultos, ou conforme a tabela a seguir para menores de 16 anos: 2. Dois exames clínicos Para confirmar a presença do coma e a ausência de função do tronco encefálico em todos os seus níveis, com intervalo mínimo de acordo com a Resolução. 3. Teste de apneia Para confirmar a ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios em presença de PaCO2 superior a 55 mmHg. 4. Exames complementares Para confirmar a ausência de atividade encefálica, caracterizada pela falta de perfusão sanguínea encefálica, de atividade metabólica encefálica ou de atividade elétrica encefálica. PRESENÇA DE LESÃO ENCEFÁLICA DE CAUSA DESCONHECIDA, IRREVESÍVEL E CAPAZ DE PROVOCAR QUADRO CLÍNICO O diagnóstico da lesão causadora do coma deve ser estabelecido pela avaliação clínica e confirmada por exames de neuroimagem ou por outros métodos diagnósticos. A incerteza da presença de uma lesão irreversível, ou da sua causa, impossibilita a determinação de ME. Um período mínimo de observação e tratamento intensivo em ambiente hospitalar de seis horas após o estabelecimento do coma, deverá ser respeitado. Quando a encefalopatia hipóxico-isquêmica for a causa primária do quadro, deverá ser aguardado um período mínimo de 24 horas após a parada cardiorrespiratória ou reaquecimento na hipotermia terapêutica, antes de iniciar a determinação de ME. AUSÊNCIA DE FATORES QUE POSSAM CONFUNDIR O QUADRO CLÍNICO Os fatores listados a seguir, quando graves e não corrigidos, podem agravar ou ocasionar coma. A equipe deverá registrar no prontuário do paciente sua análise justificada da situação e tomar medidas adequadas para correção das alterações antes de iniciar determinação de ME. ❖ Distúrbio hidroeletrolítico, ácido-básico/endócrino e intoxicação exógena graves: Na presença ou suspeita de alguma dessas condições, caberá à equipe responsável pela determinação do ME definir se essas anormalidades são capazes de causar ou agravar o quadro clínico, a consequência da ME ou somática. A hipernatremia grave refratária ao tratamento não inviabiliza determinação de ME, exceto quando é a única causa do coma. ❖ Hipotermia (temperatura retal, vesical ou esofagiana inferior a 35°C): A hipotermia grave é fator confundidor na determinação de ME, pois reflexos de tronco encefálico podem desaparecer quando a temperatura corporal central e menor ou igual a 32°C. É essencial que seja corrigida a hipotermia até alcançar temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35°C antes de iniciar- se a determinação de ME. ❖ Fármacos com ação depressora do Sistema Nervoso Central (FDSNC) e bloqueadores neuromusculares (BNM) Quando os FDSNC (fenobarbital, clonidina, dexmedetomidina, morfina e outros) e BNM forem utilizados nas condições a seguir especificadas, deverão ser tomados os seguintes cuidados antes de iniciar a determinação de ME: a) Quando utilizados em doses terapêuticas usuais não provocam coma não perceptivo, não interferindo nos procedimentos para determinação de ME; b) Quando utilizados em infusão contínua em pacientes com função renal e hepática normais e que não foram submetidos à hipotermia terapêutica, nas doses usuais para sedação e analgesia, será necessário aguardar um intervalo mínimo de 7 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 quatro a cinco meias-vidas após a suspensão dos fármacos, antes de iniciar procedimentos para determinação de ME; c) Quando os FDSNC e BNM forem utilizados na presença de insuficiência hepática, de insuficiência renal, e utilização de hipotermia terapêutica, ou quando há suspeita de intoxicação por uso em doses maiores que as terapêuticas usuais, ou por metabolização/eliminação comprometida, deve-se aguardar tempo maior que cinco meias-vidas do fármaco. Esse tempo deverá ser definido de acordo com a gravidade das disfunções hepáticas e renais, das doses utilizadas e do tempo de uso, para que haja certeza que ocorreu a eliminação/metabolização dos fármacos ou pela constatação que seu nível sérico se encontra na faixa terapêutica ou abaixo dela. d) Nas condições anteriormente citadasdeverá ser dada preferência a exames complementares que avaliam o fluxo sanguíneo cerebral, pois o EEG sofre significativa influência desses agentes nessas situações. EXAMES CLÍNICO C o m a n ã o p e r c e p t i v o Estado de inconsciência permanente com ausência de resposta motora supraespinhal a qualquer estimulação, particularmente dolorosa intensa em região supraorbitária, trapézio e leito ungueal dos quatro membros. A presença de atitude de descebração ou decorticação invalida o diagnóstico de ME. Poderão ser observados reflexos tendinosos profundos, movimentos de membros, atitude em opistótono ou flexão do tronco, adução/elevação de ombros, sudorese, rubor ou taquicardia, ocorrendo espontaneamente ou durante a estimulação. A presença desses sinais clínicos significa apenas a persistência de atividade medular e não invalida a determinação de ME. A u s ê n c i a d e r e f l e x o s d e t r o n c o c e r e b r a l 1. Ausência do reflexo fotomotor – as pupilas deverão estar fixas e sem resposta à estimulação luminosa intensa (lanterna), podendo ter contorno irregular, diâmetros variáveis ou assimétricos. 2. Ausência de reflexo córneo-palpebral – ausência de resposta de piscamento à estimulação direta do canto lateral inferior da córnea com gotejamento de soro fisiológico gelado ou algodão embebido em soro fisiológico ou água destilada. 3. Ausência do reflexo oculocefálico – ausência de desvio do(s) olho(s) durante a movimentação rápida da cabeça no sentido lateral e vertical. Não realizar em pacientes com lesão de coluna cervical suspeitada ou confirmada. 4. Ausência do reflexo vestíbulo-calórico – ausência de desvio do(s) olho(s) durante um minuto de observação, após irrigação do conduto auditivo externo com 50 a 100 ml de água fria (± 5°C), com a cabeça colocada em posição supina e a 30°. O intervalo mínimo do exame entre ambos os lados deve ser de três minutos. Realizar otoscopia prévia para constatar a ausência de perfuração timpânica ou oclusão do conduto auditivo externo por cerume. 5. Ausência do reflexo de tosse – ausência de tosse ou bradicardia reflexa à estimulação traqueal com uma cânula de aspiração. Na presença de alterações morfológicas ou orgânicas, congênitas ou adquiridas, que impossibilitam a avaliação bilateral dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico ou vestíbulo-calórico, sendo possível exame em um dos lados, e constatada ausência de reflexos do lado sem alterações morfológicas, orgânicas, congênitas ou adquiridas, dar-se-á prosseguimento às demais etapas para determinação de ME. A causa dessa impossibilidade deverá ser fundamentada no prontuário. TESTE DE APNEIA A realização do teste de apneia é obrigatória na determinação da ME. A apneia é definida pela ausência de movimentos respiratórios espontâneos, após a estimulação máxima do centro respiratório pela hipercapnia (PaCO2 superior a 55 mmHg). A metodologia proposta permite a obtenção dessa estimulação máxima, prevenindo a ocorrência de hipóxia concomitante e minimizando o risco de intercorrências. Na realização dos procedimentos de determinação de ME os pacientes devem apresentar temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35°C, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial média maior ou igual a 65 mmHg para adultos, ou conforme a tabela a seguir para menores de 16 anos: T é c n i c a 1. Ventilação com FiO2 de 100% por, no mínimo, 10 minutos para atingir PaO2 igual ou maior a 200 mmHg e PaCO2 entre 35 e 45 mmHg. 2. Instalar oxímetro digital e colher gasometria arterial inicial (idealmente por cateterismo arterial). 3. Desconectar ventilação mecânica. 4. Estabelecer fluxo contínuo de O2 por um cateter intratraqueal ao nível da carina (6 L/min), ou tubo T (12 L/min) ou CPAP (até 12 L/min + até 10 cm H2 O). 5. Observar a presença de qualquer movimento respiratório por oito a dez minutos. Prever elevação da PaCO2 de 3mmHg/min em adultos e de 5 mmHg/min em crianças para estimar o tempo de desconexão necessário. 6. Colher gasometria arterial final. 7. Reconectar ventilação mecânica. I n t e r r u p ç ã o d o t e s t e Caso ocorra hipotensão (PA sistólica < 100 mmHg ou PA média < que 65 mmHg), hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca, deverá ser 8 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 colhida uma gasometria arterial e reconectado o respirador, interrompendo-se o teste. Se o PaCO2 final for inferior a 56 mmHg, após a melhora da instabilidade hemodinâmica, deve-se refazer o teste. I n t e r p r e t a ç ã o d o s r e s u l t a d o s 1. Teste positivo (presença de apneia) – PaCO2 final superior a 55 mmHg, sem movimentos respiratórios, mesmo que o teste tenha sido interrompido antes dos dez minutos previstos. 2. Teste inconclusivo – PaCO2 final menor que 55 mmHg, sem movimentos respiratórios. 3. Teste negativo (ausência de apneia) – presença de movimentos respiratórios, mesmo débeis, com qualquer valor de PaCO2. Atentar para o fato de que em pacientes magros ou crianças os batimentos cardíacos podem mimetizar movimentos respiratórios débeis. EXAMES COMPLEMENTARES O diagnóstico de ME é fundamentado na ausência de função do tronco encefálico confirmado pela falta de seus reflexos ao exame clínico e de movimentos respiratórios ao teste de apneia. É obrigatória a realização de exames complementares para demonstrar, de forma inequívoca, a ausência de perfusão sanguínea ou de atividade elétrica ou metabólica encefálica e obtenção de confirmação documental dessa situação. A escolha do exame complementar levará em consideração a situação clínica e as disponibilidades locais, devendo ser justificada no prontuário. Os principais exames a ser executados em nosso meio são os seguintes: 1. Angiografia cerebral - após cumpridos os critérios clínicos de ME, a angiografia cerebral deverá demonstrar ausência de fluxo intracraniano. Na angiografia com estudo das artérias carótidas internas e vertebrais, essa ausência de fluxo é definida por ausência de opacificação das artérias carótidas internas, no mínimo, acima da artéria oftálmica e da artéria basilar, conforme as normas técnicas do Colégio Brasileiro de Radiologia. 2. Eletroencefalograma – constatar a presença de inatividade elétrica ou silêncio elétrico cerebral (ausência de atividade elétrica cerebral com potencial superior a 2 μV) conforme as normas técnicas da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica. 3. Doppler Transcraniano – constatar a ausência de fluxo sanguíneo intracraniano pela presença de fluxo diastólico reverberante e pequenos picos sistólicos na fase inicial da sístole, conforme estabelecido pelo Departamento Científico de Neurossonologia da Academia Brasileira de Neurologia. 4. Cintilografia, SPECT cerebral – ausência de perfusão ou metabolismo encefálico, conforme as normas técnicas da Sociedade Brasileira Medicina Nuclear. REPETIÇÃO DO EXAME CLÍNICO (SEGUNDO EXAME) Na repetição do exame clínico (segundo exame) por outro médico será utilizada a mesma técnica do primeiro exame. Não é necessário repetir o teste de apneia quando o resultado do primeiro teste for positivo (ausência de movimentos respiratórios na vigência de hipercapnia documentada). O intervalo mínimo de tempo a ser observado entre o primeiro e o segundo exame clínico é de uma hora nos pacientes com idade igual ou maior a dois anos de idade. Nas demais faixas etárias esse intervalo é variável devendo ser observada a seguinte tabela: COMUNICAÇÃO AOS FAMILIARES OU RESPONSÁVEL LEGAL Os familiares do paciente ou o responsável legal deverão ser adequadamente esclarecidos, de forma clara e inequívoca,sobre a situação crítica do paciente, o significado da ME, o modo de determiná-la e também sobre os resultados de cada uma das etapas da determinação. Esse esclarecimento é de responsabilidade da equipe médica assistente do paciente ou, na sua impossibilidade, da equipe de determinação da ME. Será admitida a presença de médico de confiança da família do paciente para acompanhar os procedimentos de determinação de ME, desde que a demora no comparecimento do profissional não inviabilize o diagnóstico. Os contatos com o médico escolhido serão de responsabilidade dos familiares ou do responsável legal. O profissional indicado deverá comparecer nos horários estabelecidos pela equipe de determinação da ME. A decisão quanto à doação de órgãos somente deverá ser solicitada aos familiares ou responsáveis legais do paciente após o diagnóstico da ME e a comunicação da situação a eles. DECLARAÇÃO DE ME A equipe médica que determinou a morte encefálica (ME) deverá registrar as conclusões dos exames clínicos e os resultados dos exames complementares no Termo de Declaração de Morte Encefálica (DME) ao término de cada etapa e comunicá-la ao médico assistente do paciente ou ao substituto. Esse termo deverá ser preenchido em duas vias. A primeira via deverá ser arquivada no prontuário do paciente, junto com o(s) laudo(s) de exame(s) complementar(es) utilizados na determinação. A segunda via ou cópia deverá ser encaminhada à Central Estadual de Transplantes (CET), complementarmente à notificação da ME, nos termos da Lei 9.434/1997, artigo 13. Nos casos de morte por causa externa, uma cópia da declaração será necessariamente encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML). A Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes (CIHDOTT), a Organização de Procura de Órgãos (OPO) ou a CET deverão ser obrigatoriamente comunicadas nas seguintes situações: a) possível morte encefálica (início do procedimento de determinação de ME); b) após constatação da provável ME (primeiro exame clínico e teste de apneia compatíveis); e 9 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 c) após confirmação da ME (término da determinação com o segundo exame clínico e exame complementar confirmatórios). CRITÉRIOS DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E MANUTENÇÃO DE POTENCIAL DOADOR LEI 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. ➢ Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE ➢ Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. ➢ Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (Redação dada pela Lei 10.211, de 23.3.2001) QUEM É POTENCIAL DOADOR DE ÓRGÃOS? Todo paciente que tenha seu protocolo de ME finalizado e a doação autorizada pela família é potencial doador de órgãos. Porém, existem condições que contraindicam de forma absoluta a doação: ❖ soropositividade para HIV; ❖ soropositividade para HTLV l e ll; ❖ tuberculose em atividade; ❖ sepse refratária; ❖ infecções virais e fúngicas graves ou potencialmente graves na presença de imunossupressão, exceto as hepatites B e C; ❖ neoplasias, exceto carcinoma in situ de útero e pele e tumores primários do Sistema Nervoso Central. Além da análise dos critérios de exclusão, a doação de cada órgão e tecido depende das condições clínicas, laboratoriais e sorológicas do paciente. A avaliação dessas condições é feita individualmente pela equipe da CET. É importante ressaltar que sepse controlada e em tratamento não contraindica a doação de órgãos. O mesmo se aplica a pacientes com sorologia positiva para hepatite, que podem ser doadores por critérios expandidos. QUAIS EXAMES SÃO NECESSÁRIOS PARA A DOAÇÃO? Exames são necessários para habilitar o paciente para a doação. Podem ser indicados exames de laboratório e de imagem, dependendo da situação. Cada órgão que possivelmente será doado exige uma série de exames específicos. A tabela a seguir expõe os principais exames que devem ser solicitados: MEDIDAS CLÍNICAS DE MANUTENÇÃO DO POTENCIAL DOADOR DE ÓRGÃOS O processo de ME é um evento amplo, que cursa com diversas alterações fisiopatológicas decorrentes da inativação de centros 10 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 de controle pressórico, hormonal e respiratório. A detecção precoce dessas alterações e a intervenção imediata permitem a minimização das perdas de potenciais doadores por más condições clínicas e uma melhora importante nas condições do enxerto no pós-transplante. Sendo assim, é essencial que medidas para a manutenção do potencial doador de órgãos sejam instituídas durante o processo de certificação da ME e enquanto se aguarda a entrevista familiar para concretizar a doação. Os aspectos mínimos indispensáveis para a manutenção do potencial doador são: T e m p e r a t u r a c o r p o r a l Manter temperatura central > 35˚C, idealmente entre 36 e 37,5˚C; Reverter a hipotermia – aquecer o ambiente, usar mantas térmicas, infundir líquidos aquecidos; S u p o r t e h e m o d i n â m i c o Monitorizar a pressão arterial de forma invasiva; Tratar a HAS relacionada à tempestade simpática; Iniciar drogas anti-hipertensivas endovenosas (nitroprussiato de sódio ou betabloqueadores) sempre que PAS > 180, PAD > 120 ou PAM > 95 mmHg; Manter PAM > 65 ou PAS > 90 mmHg; Iniciar reposição volêmica com cristalóides se houver hipotensão - (20-30 ml/kg); Infundir drogas vasoativas (noradrenalina, adrenalina ou dopamina) na dose necessária para atingir a meta da PA; Adequar a reposição volêmica subseqüente usando parâmetros dinâmicos (variação da pressão de pulso, elevação das pernas, ecocardiograma). A medida da pressão venosa central pode ser usada como parâmetro de segurança. Usar vasopressina sempre que houver indicação de vasopressores – infusão contínua na dose de 0,5 a 2,4 U/h; Tratar a PCR e as taquiarritmias conforme orientação da American Heart Association; Nas bradiarritmias, não utilizar atropina e o uso de marca- - passo transcutâneo ou transvenoso pode ser indicado. S u p o r t e v e n t i l a t ó r i o Ventilar todos os pacientes utilizando estratégia protetora; Utilizar modo volume ou pressão controlada, com VC de 6 ml/Kg de peso ideal, FiO2 mínima necessária para obter PaO2 ≥ 90 mmHg na gasometria, PEEP de 8 a 10 cmH2O e Pressão de platô < 30 cmH2O. S u p o r t e e n d o c r i n o m e t a b ó l i c o Manter suporte nutricional enteral de 15 a 30% das necessidades diárias; Suspender a infusão de dieta se houver necessidade de doses elevadas de drogas vasoativas e sinais de hipoperfusãotecidual; Monitorizar a glicemia capilar pelo menos a cada 6 horas – iniciar a infusão de insulina por protocolo se a glicemia for > 180 mg/dl; Monitorizar diurese visando o diagnóstico precoce de diabetes insipidus – diurese > a 200 ml/h deve ser investigada; Administrar DDAVP (desmopressina) nas doses de 1 a 2 mcg a cada 4 horas até obter diurese menor que 4 ml/kg/h. Na ausência de DDAVP, pode-se usar vasopressina; Manter sódio sérico entre 130 e 150 mEq/L – a correção da hipernatremia deve ser feita com solução glicosada a 5% ou solução salina a 0,45%; Manter pH > 7,2; Infundir metilprednisolona 15 mg/Kg a cada 24 horas – iniciar após fechamento do protocolo; O uso de levotiroxina 300 mcg por via enteral uma vez ao dia é recomendado pela literatura, mas evidências recentes demonstram que sua utilização não traz benefícios na manutenção do potencial doador. S u p o r t e h e m a t o l ó g i c o Transfundir hemácias se Hb ≤ 7 g/dl para todos os pacientes; Transfundir hemácias para doentes com Hb entre 7 a 10 g/dl se instabilidade hemodinâmica com perfusão tecidual inadequada; Transfundir plaquetas se sangramento ativo e plaquetopenia < de 100.000/mm3 e se alto risco de sangramento com plaquetas inferiores a 50.000/mm3; Transfundir plasma fresco se RNI >1,5 e alto risco de sangramento, pré-procedimento invasivo ou sangramento ativo; Transfundir crioprecipitado se fibrinogênio < 100 mg/dl associado a alto risco de sangramento, pré-procedimento invasivo ou sangramento ativo. Aspectos infecciosos: Coletar culturas sempre que houver suspeita de infecção; Manter ou iniciar antibioticoterapia apropriada se houver indicação clínica. C u i d a d o s c o m a s c ó r n e a s Colírios e pomadas podem ser usados, mas não são indicações obrigatórias; Manter as pálpebras fechadas e protegidas com gazes umedecidas com solução isotônica. 11 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 12 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2
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