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Manejo TCE e morte encefálica

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1 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2022.1 
Manejo de TCE e Morte encefálica
CONDUTA NO TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO 
AVALIAÇÃO INICIAL 
História clínica, exame físico geral e avaliação neurológica fornecem 
informações básicas para estratificação de risco de um paciente ter 
ou desenvolver lesão neurológica. A avaliação do paciente com 
trauma craniano deve enfatizar a procura de lesões secundárias ao 
trauma, ou seja, aquelas que decorrem após um período de tempo 
de ocorrido o trauma craniano. O primeiro passo é a obtenção e 
manutenção das vias aéreas pérvias, por meio das manobras de 
desobstrução das vias aéreas: 
 
 Tração do mento; 
 Elevação da mandíbula; 
 Cânula orofaríngea (Guedel); 
 Aspiração; 
 Via aérea definitiva (intubação orotraqueal ou 
cricotireidostomia); 
 Proteção da coluna cervical. 
Avaliar a respiração e a ventilação através da ausculta pulmonar, 
avaliando a necessidade de se realizar procedimentos como a 
drenagem do tórax (hemotórax ou pneumotórax e pneumotórax 
hipertensivo). 
Devem-se tentar normalizar os parâmetros hemodinâmicos dos 
pacientes por meio da infusão de solução cristaloide, sangue ou 
mesmo fármacos vasopressores, em casos específicos, e realizar a 
retirada de amostra de sangue para realização de exames 
laboratoriais de emergência como tipo sanguíneo, hemoglobina e 
hematócrito em todos os pacientes e teste de gravidez em mulheres. 
A avaliação neurológica no paciente com trauma craniano deve 
receber uma atenção especial, principalmente na avaliação 
secundária, após se realizar o ABCDE, preconizado pelo ATLS. 
Durante a realização da avaliação primária, deve-se avaliar a ECG 
(Escala de coma de Glasgow), já na admissão, avaliação dos padrões 
pupilares, avaliação de déficit motor e dos reflexos. 
As pupilas assimétricas está associada à lesão expansiva, 
necessitando de descompressão cirúrgica em mais de 30% dos casos. 
Após a avaliação neurológica deve-se realizar a exposição do 
paciente, despindo-o e fazendo a avaliação de todo o paciente e 
lembrar-se de ter preocupação com a prevenção de hipotermia. 
Durante a exposição à realização do toque retal e exame ginecológico 
pode trazer informações úteis, como a possibilidade e indicação ou 
não de passagem de sonda ureteral e lesões em órgãos genitais. 
CUIDADOS GERAIS 
O paciente com TCE deve ter sua cabeceira elevada e ser mantido em 
posição neutra, pensando na facilidade do retorno venoso e 
auxiliando na diminuição da pressão intracraniana. Qualquer sinal de 
trombose deve ser pesquisado e tratado. Com base nesse raciocínio, 
evitar a passagem de cateter venoso central (CVC) em acessos 
cervicais. Essa medida é importante por diminuir chance de trombose 
e facilitar o retorno venoso. 
 
S u p o r t e V e n t i l a t ó r i o 
Deve-se evitar hipoxemia e manter a normocapnia, porém em 
ventilação espontânea esse manejo é mais complexo. 
As vítimas de TCE grave habitualmente requerem ventilação 
mecânica. Pacientes com TCC grave (ECG 3-8) exigem intubação e 
ventilação mecânica para manter a PO2 arterial acima de 80 mmHg e 
a PCO2 arterial em torno de 34 a 38 mmHg. Não existe 
contraindicação ao uso de pressão positiva ao final da inspiração em 
doentes que se apresentam hipoxêmicos se não houver redução do 
retorno venoso e, consequente, aumento da pressão intracraniana. 
Hipercapnia deve ser evitada por conta da vasodilatação da 
circulação cerebral e aumento na pressão intracraniana que esta 
ocasiona. 
S e d a ç ã o 
A sedação adequada diminui a dor, ansiedade e agitação, reduzindo o 
metabolismo cerebral, diminuindo o consumo de oxigênio e 
facilitando a ventilação mecânica. Isso pode ser conseguido por meio 
do uso de fármacos sedativos e opioides. Benzodiazepínicos de ação 
curta como o midazolam são comumente utilizados, tendo função 
sedativa e anticonvulsivante. 
A n a l g e s i a 
A analgesia é obtida através do uso de acetaminofeno e infusão de 
opioides, como remifentanil, fentanil ou morfina, os quais possuem 
efeitos mínimos no controle hemodinâmico cerebral. O uso de 
bloqueadores neuromusculares pode aumentar a PIC. 
S u p o r t e h e m o d i n â m i c o 
Pacientes com TCE tendem à instabilidade hemodinâmica por 
inúmeras razões. Lesões associadas podem conduzir a depleção do 
volume intravascular e o trauma do miocárdio pode resultar em 
 
2 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 
falência cardíaca. Além disso, as lesões cerebrais podem afetar 
diretamente a estabilidade cardiovascular. 
A manutenção da estabilidade hemodinâmica é essencial para o 
tratamento do paciente com TCE grave, já que a lesão cerebral pode 
levar a perda da capacidade de auto-regulação vascular de modo 
localizado, no sistema nervoso central, ou sistemicamente. 
Inicialmente, o volume vascular deve ser mantido buscando uma 
pressão venosa central em torno de 5-10 mmHg, usando soluções 
isotônicas de cristaloides ou coloides. Se a pressão sanguínea 
adequada não pode ser mantida facilmente com uso de volume, a 
introdução de um agente vasoativo está indicada. 
P r e s s ã o a r t e r i a l 
Os pacientes com TCE sem sinais de HIC não precisam de controles 
intensos da PA, mas deve-se evitar hipotensões. Pacientes com HIC 
merecem atenção especial. 
S u p o r t e n u t r i c i o n a l 
O suporte nutricional precoce é recomendado em pacientes com 
TCE, devendo ser iniciada assim que a estabilidade hemodinâmica for 
obtida. Estudos mostram que o início precoce da dieta está associado 
à melhores resultados de sobrevida e melhores taxas de recuperação 
pós-lesão neuronal. 
Estudos mostram que o início precoce de suporte nutricional está 
associado a um aumento na função imunológica dos pacientes, com 
aumento dos valores de células T CD4, relação CD4-CD8 e linfócitos T 
mais responsivos. O uso de fórmula enteral é preferível, mas em 
casos de grande volume residual gástrico, com risco de 
broncoaspiração ou trauma abdominal associado, o uso de dieta 
parenteral pode ser utilizado. 
C o n t r o l e g l i c ê m i c o 
O estresse responde ao trauma, inclusive ao trauma craniano, 
gerando um estado hipercatabólico levando à rápida quebra de 
proteína muscular causando um estado de hiperglicemia. Em nível 
celular, a hiperglicemia possui efeito deletério na função dos 
macrófagos e neutrófilos, estando relacionado diretamente com a 
lesão axonal difusa. O controle glicêmico com insulina reduz o 
número de mortes por falência de múltiplos órgãos com sepse, 
mesmo com história de presença de diabetes ou hiperglicemia. 
Em pacientes com TCE, a hiperglicemia está associada com aumento 
da PIC, levando a um aumento no tempo de internação, piora das 
lesões neurológicas secundárias ao trauma e reduzindo a sobrevida. 
A introdução de um protocolo de controle glicêmico com a 
manutenção da glicose dentro de parâmetros normais (entre 140 e 
180 mg/dL) em pacientes traumatizados, ocorre uma redução de 
30% na mortalidade dos pacientes. 
P r o f i l a x i a d e t r o m b o e m b o l i s m o v e n o s o 
As evidências são fracas para o uso regular, mas existe consenso para 
o uso de profilaxia mecânica (meias elásticas e compressão 
pneumática). O uso de heparina aumenta o risco de sangramento. 
Recomenda-se início precoce do uso de heparina, dentro de 24 a 48 
horas, quando o quadro se estabiliza e o hematoma já foi drenado. 
No mais, sugere-se preferencialmente heparina não fracionada em 
razão de apresentar fácil reversão e meia-vida curta. 
P r o f i l a x i a d e ú l c e r a d e e s t r e s s e 
Como todo paciente crítico, o uso de profilaxia de úlcera de estresse 
deve ser considerado. No TCE moderado e grave está sempre 
indicada. Contudo, quando houver melhorado paciente, extubado e 
sob dieta enteral ou por via oral, considerar a suspensão da 
profilaxia. 
U s o d e c o r t i c o s t e r o i d e 
O uso de corticosteroide como rotina no trauma encefálico para 
diminuir edema não está indicado. 
CUIDADOS ESPECÍFICOS 
A v a l i a ç ã o i n i c i a l d a p r e s s ã o 
i n t r a c r a n i a n a e d a p r e s s ã o d e p e r f u s ã o 
c e r e b r a l 
O compartimento intracraniano pós-trauma consiste no cérebro, 
líquido cefalorraquidiano, sangue e em alguns casos lesões de massa 
patológicas. O volume desses conteúdos mantém uma pressão na 
caixa craniana, a pressão intracraniana (PIC). 
Primeiro, deve-se realizar a monitorização precoce da PIC no 
paciente com TCE podendo revelar precocemente lesões de massas 
expansivas, mesmo nos pacientes sedados ou intubados, onde não se 
consegue realizar um exame neurológico preciso ou estabelecer o 
local acometido pela lesão. Depois de estabelecida a monitorização 
da PIC, a PPC pode ser calculada pela fórmula PPC = PAM – PIC. 
No último consenso em neurotrauma foi definido como um valor 
aceitável a PPC > 60 mmHg no paciente com TCE. Valores de PPC 
abaixo de 60 mmHg em pacientes com TCE sugerem isquemia 
cerebral, e está associado a maiores taxas de mortalidade e sequelas 
tardias. 
A regulação vascular no cérebro traumatizado está diminuída, 
causando uma dissociação entre o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e a 
demanda metabólica cerebral15. Nessas circunstâncias, o aumento 
da PPC pode levar a um aumento passivo do diâmetro do vaso 
sanguíneo, aumentando o volume sanguíneo cerebral e 
consequentemente a aumento da PIC. 
H i p e r v e n t i l a ç ã o i n d u z i d a 
O maior determinante do calibre dos vasos cerebrais é a pressão e 
dióxido de carbono (PaCO2 ). A redução da PaCO2 causa 
vasoconstrição cerebral, reduzindo o volume sanguíneo cerebral e, 
consequentemente, reduzindo a PIC. Quando for utilizada a 
hiperventilação em paciente traumatizado deve-se levar em conta os 
efeitos benéficos da hiperventilação e os efeitos deletérios do efeito 
no FSC. 
Particularmente nas primeiras 24h após o trauma craniano, o FSC 
está reduzido, sendo que a hiperventilação pode provocar isquemia 
cerebral. Por essas razões não deve usar hiperventilação fora dos 
cuidados da UTI, em vista das inúmeras complicações. 
 
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T e r a p i a h i p e r o s m o l a r 
A terapia hiperosmolar é a principal conduta na intervenção e no 
manuseio do paciente com edema cerebral e aumento da PIC após o 
trauma craniano. É indicada particularmente nos casos de aumento 
súbito nos valores da PIC, tendo efeito rápido. 
O manitol, um diurético osmótico, é comumente usado por rápida 
ação e eficácia, sem causar a hipercalemia e disfunção renal. O 
manitol também estabiliza o gradiente de concentração entre o 
plasma e as células cerebrais, reduzindo o edema cerebral, drenando 
a água através da barreira hematoencefálica, para o compartimento 
vascular. 
H i p o t e r m i a 
A hipotermia é usada há muitos anos no controle da PIC em 
pacientes com TCE grave. Evidências sugerem que hipotermia 
moderada de 33º C quando instituída na admissão do paciente está 
associada com aumento da sobrevida de 3 a 6 meses após o trauma 
I n t e r v e n ç ã o c i r ú r g i c a 
O modo mais efetivo de se diminuir a PIC é remover a lesão 
expansiva que está ocupando o espaço das estruturas cerebrais. As 
duas formas genéricas de se reduzir o espaço ocupado pela lesão são 
a drenagem externa dos ventrículos e a craniotomia descompressiva. 
Ambos os procedimentos cirúrgicos devem ser realizados por 
profissionais qualificados e preparados para realizar a técnica, por 
isso a presença de um neurocirurgião se faz necessária ao atender 
um paciente com TCE. 
 
PROGNÓSTICO 
Existe evidência clara de que a elevação da pressão intra craniana é 
um predito r independente de mau prognóstico. Outros mecanismos, 
como redução na drenagem liquórica de maneira aguda, podem 
contribuir para a elevação da PIC no TCE. Diversos estudos sugerem 
que PIC > 20 a 25 mmHg de maneira persistente é um fator capaz de 
discriminar uma evolução clínica boa ou ruim. 
A longo prazo, o prognóstico pode ser acompanhado por meio da 
escala de prognóstico de Glasgow (Glasgow outcome score - GOS). 
Comparado a outras lesões neurológicas graves, o prognóstico do 
paciente com TCE é muito bom e deve ser esperado por pelo menos 
6 meses antes de se definir algum grau de déficit, mas pode haver 
melhora significativa em até 1 ano, ao contrário de lesões não 
traumáticas. 
 
CONDUTA/TRATAMENTO PARA AS LESÕES DE TCE 
TRATAMENTO DAS LESÕES DE ENVOLTÓRIO 
O tratamento de lesões de envoltório baseia-se na limpeza do 
ferimento e na reconstituição dos planos. A laceração do couro 
cabeludo deve ser lavada com soro fisiológico, retirando-se os corpos 
estranhos e o tecido necrótico, procedendo-se ao debridamento, se 
necessário, e sutura em plano único com fio inabsorvível, dado o seu 
potencial de infecção. Lesões com perda de substância requerem o 
emprego das técnicas de cirurgia plástica. Os grandes hematomas 
subgaleais e subperiostais podem ser tratados com cu rativos 
compressivos. A punção deve ser evitada devido ao risco de infecção, 
apenas justificando, em casos de grandes hematomas com medida 
prévia, enfaixamento compressivo, ou quando causa dor intensa por 
distensão do couro cabeludo. Os hematomas subperiostais, caso 
venham a se calcificar, podem requerer tratamento cirúrgico por 
razões estéticas. 
As fraturas cominutivas da região frontal anterior e frontobasal 
acompanhadas de ferimentos abertos também devem ser exploradas 
devido à alta incidência de laceração concomitante da dura-máter 
nestes locais. Enquanto os afundamentos “abertos” são cirúrgicos a 
princípio, os “fechados” não o são, desde que o fragmento afundado 
não esteja comprimindo estruturas vasculares ou nervosas. 
A cirurgia do afundamento visa à limpeza e à reconstrução dos 
planos, devendo-se sempre que possível proceder à osteossíntese e 
recolocação dos fragmentos afundados. Exceção deve ser feita a 
fragmentos inviáveis, indicações cirúrgicas tardias e falhas de 
pequena extensão em crianças menores. Ao se realizar uma 
craniectomia, deve ser retirado o menor número possível de 
fragmentos ósseos. A cranioplastia para tratamento de falha óssea 
 
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deve ser feita posteriormente, em condições eletivas, com próteses 
de acrílico ou enxertos ósseos. Os afundamentos sobre seios 
venosos, mesmo “abertos”, a princípio não são cirúrgicos, dada a 
periculosidade da sua manipulação. Após a limpeza local, deve ser 
feita apenas a sutura do couro cabeludo. A correção das fraturas 
extensas e afundamentos craniofaciais requer o concurso de outros 
especialistas além do neurocirurgião, e quando o comprometimento 
nervoso contraindica ou dificulta a sua realização inicial, a correção 
deve ser adiada após limpeza e sutura sumárias locais. A dura-máter, 
sempre que lacerada, deve ser hermeticamente fechada, podendo 
ser feita plástica com a utilização de outros tecidos (aponeurose 
temporal, periósteo, fascia lata, derme, dura-máter conservada etc.). 
Quando necessário, as fossas anterior e média devem ser recobertas 
por estes mesmos tecidos por via intra ou extradural. 
TRATAMENTO DAS FÍSTULAS LIQUÓRICAS 
O tratamento das fístulas liquóricas que ocorrem através das fraturas 
da base do crânio, e que se manifestam pela rino ou otoliquorréia, a 
princípio é clínico (antibióticos, medidas posturais), uma vez que 
costumam ceder espontaneamente. A sua não resolução na primeira 
semana nos leva a instalarum sistema de drenagem liquórica lombar 
contínua, que tem a finalidade de favorecer a cicatrização do local 
fistuloso através da diminuição do seu débito. Caso a fístula persista, 
deve-se considerar o seu tratamento cirúrgico. O recente 
desenvolvimento do sistema de derivação lomboperitoneal permite 
que a sua instalação se constitua no tratamento cirúrgico inicial. 
Quando há dilatação ventricular concomitante, a derivação 
ventricular para o átrio direito ou para o peritônio pode ser utilizada, 
também na tentativa de controle do débito. É importante ressaltar 
que qualquer derivação interna só deve ser realizada na ausência de 
meningite. 
O tratamento cirúrgico por abordagem direta é indicado quando 
houver insuficiência das medidas terapêuticas iniciais, uma vez que 
constitui cirurgia de grande porte e nem sempre bemsucedida, dada 
a possível multiplicidade e eventual impossibilidade de acesso às 
lacerações durais associadas às fraturas da base do crânio. Estas 
dificuldades são mais relacionadas às fístulas através do rochedo 
temporal, causando otoliquorréia. O paciente deve ser 
pormenorizadamente avaliado através de tomografia 
computadorizada de alta resolução, se necessário com administração 
de metrizamida no espaço subaracnóideo, visando ao diagnóstico 
topográfico preciso da fístula. Tal caracterização é importante nas 
fístulas que se manifestam por rinoliquorréias, uma vez que, 
enquanto as do seio etmoidal requerem acesso cirúrgico por via 
subfrontal, as do seio esfenoidal devem ser tratadas por acesso 
cirúrgico transesfenoidal. A abordagem direta visa à sutura das 
lacerações durais e deve ser feita através de ampla exposição da 
região acometida. 
Recentemente a correção cirúrgica de fístulas liquóricas do andar 
anterior tem sido também realizada por via endoscópica transnasal, 
com bons resultados. Após a identificação da fístula, o local é 
obliterado em geral com enxerto de mucosa e cola biológica. 
 
TRATAMENTO DAS LESÕES FOCAIS INTRACRANIANAS 
O tratamento dos hematomas e lesões encefálicas visa impedir a 
acentuação da lesão nervosa e criar condições favoráveis à 
recuperação do parênquima ainda viável, particularmente através do 
combate às diferentes causas de hipertensão intracraniana. 
Enquanto o tratamento clínico procura atuar metabolicamente 
nestes processos, a cirurgia o faz removendo compressões 
extrínsecas e intrínsecas. 
HEMATOMA EXTRADURAL 
O tratamento do hematoma extradural na fase aguda é sempre 
cirúrgico, dado o seu caráter progressivo. A sua indicação cirúrgica 
não se limita ao comprometimento neurológico atual, justificado pelo 
simples diagnóstico associado a qualquer quadro evolutivo. A sua 
drenagem deve ser feita através de craniotomia no local do 
hematoma, de maneira a retirá-lo completamente e fazer 
hemostasia. 
HEMATOMA SUBDURAL 
A indicação de drenagem cirúrgica depende da avaliação da sua 
repercussão sobre o quadro clínico do paciente, uma vez que não 
costuma ser evolutivo. Enquanto os mais volumosos têm indicação 
cirúrgica formal, os menores devem ser avaliados também segundo 
os critérios pertinentes à contusão cerebral e ao inchaço hemisférico 
geralmente associados e responsáveis pela gravidade do caso. A 
presença de déficits neurológicos que tenham correspondência com 
a topografia do hematoma, qualquer deterioração progressiva do 
estado de consciência, ocorrência de quaisquer sinais que indiquem 
herniação e mesmo a ausência de melhora de quadros comatosos 
estabilizados indicam a cirurgia, que deve ser realizada o mais 
precocemente possível. 
A sua abordagem é feita através de craniotomia ampla que permita a 
sua total aspiração e uma eventual descompressão da contusão e 
inchaço subjacentes. A dura-máter deve ser sempre fechada, com ou 
sem plástica, a não ser que haja necessidade premente de abreviar o 
tempo cirúrgico. 
LESÕES PARENQUIMATOSAS 
Nos casos com simples contusões, lacerações e/ ou hematomas 
intraparenquimatosos, é mais difícil estabelecer uma relação entre o 
quadro clínico e a magnitude do comportamento expansivo, uma vez 
que as próprias lesões estruturais podem ser em parte responsáveis 
pelo comprometimento neurológico. 
A princípio, os seus tratamentos são conservadores. A eventual 
indicação cirúrgica destas lesões baseia-se na magnitude dos seus 
comportamentos expansivos, ou devido às suas associações com 
diferentes tipos de inchaço, o que em grande parte é apreciado 
através do quadro clínico e da TCC. Os parâmetros mais importantes 
são a deterioração do estado de consciência, a presença de déficit, a 
caracterização de sinais sugestivos de herniação, a ausência de 
melhora em quadros estabilizados e a análise do comportamento da 
pressão intracraniana quando possível. 
O chamado “lobo explodido”, misto de todas as lesões anteriores, e 
que geralmente ocorre na ponta e base do lobo frontal e/ou na ponta 
 
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do lobo temporal, deve ser operado quando há efeito de massa 
significativo, independentemente do quadro clínico, dado o seu 
potencial de compressão direta do tronco cerebral, caso ocorra 
qualquer aumento da lesão em função de inchaço e/ou sangramento 
intra-contusional. 
A indicação de cirurgias descompressivas externas (não recolocação 
do flap ósseo) em pacientes que apresentam contusões e inchaço 
grave associado constitui uma polêmica diária do neurocirurgião que 
assiste traumatizados cranioencefálicos. Os dados mais recentes da 
literatura especializada inclinam-se a contraindicar a cirurgia 
descompressiva externa sempre que possível, propondo medidas 
descompressivas internas (retirada de áreas contusas e lobectomias 
parciais frontais e temporais) quando necessário. 
MORTE ENCEFÁLICA 
Independentemente da etiologia que esteja levando ao 
comprometimento da consciência, o estado neurológico pode 
deteriorar para uma situação de irreversibilidade e ausência de 
funções encefálicas, o que caracteriza a morte encefálica (ME). 
O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a primeira resolução 
brasileira normatizando o diagnóstico de ME em 1997, sendo 
atualizada em 2017. Por determinação legal, deve-se seguir 
rigorosamente todos os critérios, mesmo que haja diferenças em 
relação às diretrizes internacionais (há países que, por exemplo, 
dispensam o exame complementar). O conceito de ME deve se 
basear em quatro princípios fundamentais, de acordo com a 
Resolução CFM nº 2.173/17 
1. Reconhecimento de uma causa conhecida e irreversível do 
coma. 
2. Demonstração de um coma aperceptivo com ausência de 
reflexos do tronco encefálico. 
3. Evidência de falência do centro respiratório a ser constatada 
por meio do teste da apneia. 
4. Ausência de perfusão sanguínea e de atividade elétrica ou 
metabólica encefálica a serem constatadas por meio de 
exames complementares. 
O quadro clínico do paciente também deve apresentar todos os 
seguintes pré-requisitos: 
a) Presença de lesão encefálica de causa conhecida e 
irreversível; 
b) Ausência de fatores tratáveis que confundiriam o 
diagnóstico; 
c) Tratamento e observação no hospital pelo período mínimo 
de seis horas; 
d) Temperatura corporal superior a 35º graus; e 
e) Saturação arterial de acordo com critérios estabelecidos pela 
Resolução. 
No caso de crianças, os parâmetros são um pouco diferentes, com 
um período de observação maior. 
O paciente com morte encefálica é um desafio ao corpo clínico do 
hospital. A equipe multidisciplinar deve ter uma boa compreensão 
sobre os eventos fisiopatológicos que surgem após a lesão cerebral 
grave, levando o paciente ao coma não reativo e com ausência dos 
reflexos do tronco cerebral. 
Surgem distúrbios endócrinos, pulmonares e cardiovasculares que 
podem comprometer a perfusão e boa oxigenação de órgãos como,por exemplo, intestinos, pâncreas e rins, os quais, se não forem 
corrigidas de imediato, comprometem a função do órgão que 
eventualmente possa ser doado. 
Além do exame clínico, que deve ser realizado por dois médicos 
diferentes, com um intervalo mínimo de uma hora entre o primeiro e 
o segundo, o paciente deve ser submetido a um teste de apneia e a 
exames complementares. 
É obrigatória a realização desses exames para que seja demonstrada, 
de forma inequívoca, a ausência de perfusão sanguínea ou de 
atividade elétrica ou metabólica encefálica e, também, para que se 
tenha uma confirmação documental da situação. 
Esses exames podem ser a angiografia cerebral, o 
eletroencefalograma, o doppler transcraniano e a cintilografia. O 
laudo deve ser assinado por profissional com comprovada 
experiência e capacitação para a realização desse tipo de exame.O 
paciente também deve ser submetido a um teste de apneia, que 
estimula o centro respiratório de forma máxima. É necessária a 
realização de um único teste. Vários estudos demonstraram que a 
realização de dois testes não aumenta a especificidade ou a 
segurança do diagnóstico. 
O relator da Resolução nº 2.173/17 ressalta que os critérios 
brasileiros são conservadores e mais seguros do que o de outros 
países. “Na Alemanha, a morte encefálica é diagnosticada por apenas 
um médico e um exame complementar. E nos Estados Unidos o 
exame complementar é opcional. 
A resolução CFM 1.480/1997 que normatizou a Morte Encefálica por 
20 anos foi substituída pela nova Resolução CFM 2.173/2017, onde 
foram incluídas algumas mudanças resultado do avanço do 
conhecimento científico, mantendo na sua essência a segurança, 
especificidade e praticidade. Entre as mudanças destaca-se: 
a) Seguem sendo necessários dois exames clínicos realizados 
por médicos diferentes, mas, apenas um teste de apneia é 
requerido; 
b) Os intervalos entre os exames a partir de 24 meses foram 
fixados em, no mínimo, uma hora; › Esse intervalo deve ser 
ampliado para 24 horas de observação em casos quadro 
hipóxico-isquemico (p.ex.: afogamento) 
c) Cabe ao médico decidir qual exame complementar irá utilizar 
de acordo com a condição e recursos disponíveis; 
d) Os médicos examinadores deverão ser capacitados, sendo 
exigido, preferentemente que tenham especialização em 
neurologia, medicina intensiva ou emergência; 
e) Cabe ao diretor técnico da instituição definir a equipe clínica 
que realizará os exames clínicos, assim como, os responsáveis 
pelos exames complementares. 
Diante de tal situação, é importante compreender que não está em 
pauta a discussão do prognóstico do paciente, mas sim os aspectos 
 
6 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 
éticos, morais e legais decorrentes da constatação da morte 
encefálica naquele momento. 
 
PARA O DIAGNÓSTICO DE ME É ESSENCIAL QUE TODAS AS 
SEGUINTES CONDIÇÕES SEJAM OBSERVADAS 
1. Pré-requisitos 
a) Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e 
capaz de causar a ME; 
b) Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o 
diagnóstico de ME; 
c) Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período 
mínimo de seis horas. Quando a causa primária do quadro for 
encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de tratamento e 
observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas; 
d) Temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior 
35°C, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão 
arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial 
média maior ou igual a 65 mmHg para adultos, ou conforme a 
tabela a seguir para menores de 16 anos: 
2. Dois exames clínicos 
Para confirmar a presença do coma e a ausência de função do tronco 
encefálico em todos os seus níveis, com intervalo mínimo de acordo 
com a Resolução. 
3. Teste de apneia 
Para confirmar a ausência de movimentos respiratórios após 
estimulação máxima dos centros respiratórios em presença 
de PaCO2 superior a 55 mmHg. 
4. Exames complementares 
Para confirmar a ausência de atividade encefálica, caracterizada pela 
falta de perfusão sanguínea encefálica, de atividade metabólica 
encefálica ou de atividade elétrica encefálica. 
 
PRESENÇA DE LESÃO ENCEFÁLICA DE CAUSA 
DESCONHECIDA, IRREVESÍVEL E CAPAZ DE PROVOCAR 
QUADRO CLÍNICO 
O diagnóstico da lesão causadora do coma deve ser estabelecido pela 
avaliação clínica e confirmada por exames de neuroimagem ou por 
outros métodos diagnósticos. A incerteza da presença de uma lesão 
irreversível, ou da sua causa, impossibilita a determinação de ME. Um 
período mínimo de observação e tratamento intensivo em ambiente 
hospitalar de seis horas após o estabelecimento do coma, deverá ser 
respeitado. Quando a encefalopatia hipóxico-isquêmica for a causa 
primária do quadro, deverá ser aguardado um período mínimo de 24 
horas após a parada cardiorrespiratória ou reaquecimento na 
hipotermia terapêutica, antes de iniciar a determinação de ME. 
AUSÊNCIA DE FATORES QUE POSSAM CONFUNDIR O 
QUADRO CLÍNICO 
Os fatores listados a seguir, quando graves e não corrigidos, podem 
agravar ou ocasionar coma. A equipe deverá registrar no prontuário 
do paciente sua análise justificada da situação e tomar medidas 
adequadas para correção das alterações antes de iniciar 
determinação de ME. 
❖ Distúrbio hidroeletrolítico, ácido-básico/endócrino e 
intoxicação exógena graves: 
Na presença ou suspeita de alguma dessas condições, caberá à 
equipe responsável pela determinação do ME definir se essas 
anormalidades são capazes de causar ou agravar o quadro clínico, a 
consequência da ME ou somática. A hipernatremia grave refratária 
ao tratamento não inviabiliza determinação de ME, exceto quando é 
a única causa do coma. 
❖ Hipotermia (temperatura retal, vesical ou esofagiana inferior 
a 35°C): 
A hipotermia grave é fator confundidor na determinação de ME, pois 
reflexos de tronco encefálico podem desaparecer quando a 
temperatura corporal central e menor ou igual a 32°C. 
É essencial que seja corrigida a hipotermia até alcançar temperatura 
corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35°C antes de iniciar-
se a determinação de ME. 
❖ Fármacos com ação depressora do Sistema Nervoso Central 
(FDSNC) e bloqueadores neuromusculares (BNM) 
Quando os FDSNC (fenobarbital, clonidina, dexmedetomidina, 
morfina e outros) e BNM forem utilizados nas condições a seguir 
especificadas, deverão ser tomados os seguintes cuidados antes de 
iniciar a determinação de ME: 
a) Quando utilizados em doses terapêuticas usuais não 
provocam coma não perceptivo, não interferindo nos 
procedimentos para determinação de ME; 
b) Quando utilizados em infusão contínua em pacientes com 
função renal e hepática normais e que não foram submetidos 
à hipotermia terapêutica, nas doses usuais para sedação e 
analgesia, será necessário aguardar um intervalo mínimo de 
 
7 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 
quatro a cinco meias-vidas após a suspensão dos fármacos, 
antes de iniciar procedimentos para determinação de ME; 
c) Quando os FDSNC e BNM forem utilizados na presença de 
insuficiência hepática, de insuficiência renal, e utilização de 
hipotermia terapêutica, ou quando há suspeita de 
intoxicação por uso em doses maiores que as terapêuticas 
usuais, ou por metabolização/eliminação comprometida, 
deve-se aguardar tempo maior que cinco meias-vidas do 
fármaco. Esse tempo deverá ser definido de acordo com a 
gravidade das disfunções hepáticas e renais, das doses 
utilizadas e do tempo de uso, para que haja certeza que 
ocorreu a eliminação/metabolização dos fármacos ou pela 
constatação que seu nível sérico se encontra na faixa 
terapêutica ou abaixo dela. 
d) Nas condições anteriormente citadasdeverá ser dada 
preferência a exames complementares que avaliam o fluxo 
sanguíneo cerebral, pois o EEG sofre significativa influência 
desses agentes nessas situações. 
EXAMES CLÍNICO 
C o m a n ã o p e r c e p t i v o 
Estado de inconsciência permanente com ausência de resposta 
motora supraespinhal a qualquer estimulação, particularmente 
dolorosa intensa em região supraorbitária, trapézio e leito ungueal 
dos quatro membros. A presença de atitude de descebração ou 
decorticação invalida o diagnóstico de ME. 
Poderão ser observados reflexos tendinosos profundos, movimentos 
de membros, atitude em opistótono ou flexão do tronco, 
adução/elevação de ombros, sudorese, rubor ou taquicardia, 
ocorrendo espontaneamente ou durante a estimulação. A presença 
desses sinais clínicos significa apenas a persistência de atividade 
medular e não invalida a determinação de ME. 
A u s ê n c i a d e r e f l e x o s d e t r o n c o c e r e b r a l 
1. Ausência do reflexo fotomotor – as pupilas deverão estar 
fixas e sem resposta à estimulação luminosa intensa 
(lanterna), podendo ter contorno irregular, diâmetros 
variáveis ou assimétricos. 
2. Ausência de reflexo córneo-palpebral – ausência de resposta 
de piscamento à estimulação direta do canto lateral inferior 
da córnea com gotejamento de soro fisiológico gelado ou 
algodão embebido em soro fisiológico ou água destilada. 
3. Ausência do reflexo oculocefálico – ausência de desvio do(s) 
olho(s) durante a movimentação rápida da cabeça no sentido 
lateral e vertical. Não realizar em pacientes com lesão de 
coluna cervical suspeitada ou confirmada. 
4. Ausência do reflexo vestíbulo-calórico – ausência de desvio 
do(s) olho(s) durante um minuto de observação, após 
irrigação do conduto auditivo externo com 50 a 100 ml de 
água fria (± 5°C), com a cabeça colocada em posição supina e 
a 30°. O intervalo mínimo do exame entre ambos os lados 
deve ser de três minutos. Realizar otoscopia prévia para 
constatar a ausência de perfuração timpânica ou oclusão do 
conduto auditivo externo por cerume. 
5. Ausência do reflexo de tosse – ausência de tosse ou 
bradicardia reflexa à estimulação traqueal com uma cânula 
de aspiração. 
Na presença de alterações morfológicas ou orgânicas, congênitas ou 
adquiridas, que impossibilitam a avaliação bilateral dos reflexos 
fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico ou vestíbulo-calórico, 
sendo possível exame em um dos lados, e constatada ausência de 
reflexos do lado sem alterações morfológicas, orgânicas, congênitas 
ou adquiridas, dar-se-á prosseguimento às demais etapas para 
determinação de ME. A causa dessa impossibilidade deverá ser 
fundamentada no prontuário. 
TESTE DE APNEIA 
A realização do teste de apneia é obrigatória na determinação da ME. 
A apneia é definida pela ausência de movimentos respiratórios 
espontâneos, após a estimulação máxima do centro respiratório pela 
hipercapnia (PaCO2 superior a 55 mmHg). A metodologia proposta 
permite a obtenção dessa estimulação máxima, prevenindo a 
ocorrência de hipóxia concomitante e minimizando o risco de 
intercorrências. 
Na realização dos procedimentos de determinação de ME os 
pacientes devem apresentar temperatura corporal (esofagiana, 
vesical ou retal) superior a 35°C, saturação arterial de oxigênio acima 
de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou 
pressão arterial média maior ou igual a 65 mmHg para adultos, ou 
conforme a tabela a seguir para menores de 16 anos: 
 
T é c n i c a 
1. Ventilação com FiO2 de 100% por, no mínimo, 10 minutos 
para atingir PaO2 igual ou maior a 200 mmHg e PaCO2 entre 
35 e 45 mmHg. 
2. Instalar oxímetro digital e colher gasometria arterial inicial 
(idealmente por cateterismo arterial). 
3. Desconectar ventilação mecânica. 
4. Estabelecer fluxo contínuo de O2 por um cateter 
intratraqueal ao nível da carina (6 L/min), ou tubo T (12 
L/min) ou CPAP (até 12 L/min + até 10 cm H2 O). 
5. Observar a presença de qualquer movimento respiratório por 
oito a dez minutos. Prever elevação da PaCO2 de 
3mmHg/min em adultos e de 5 mmHg/min em crianças para 
estimar o tempo de desconexão necessário. 
6. Colher gasometria arterial final. 
7. Reconectar ventilação mecânica. 
I n t e r r u p ç ã o d o t e s t e 
Caso ocorra hipotensão (PA sistólica < 100 mmHg ou PA média < que 
65 mmHg), hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca, deverá ser 
 
8 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 
colhida uma gasometria arterial e reconectado o respirador, 
interrompendo-se o teste. Se o PaCO2 final for inferior a 56 mmHg, 
após a melhora da instabilidade hemodinâmica, deve-se refazer o 
teste. 
I n t e r p r e t a ç ã o d o s r e s u l t a d o s 
1. Teste positivo (presença de apneia) – PaCO2 final superior a 
55 mmHg, sem movimentos respiratórios, mesmo que o 
teste tenha sido interrompido antes dos dez minutos 
previstos. 
2. Teste inconclusivo – PaCO2 final menor que 55 mmHg, sem 
movimentos respiratórios. 
3. Teste negativo (ausência de apneia) – presença de 
movimentos respiratórios, mesmo débeis, com qualquer 
valor de PaCO2. Atentar para o fato de que em pacientes 
magros ou crianças os batimentos cardíacos podem 
mimetizar movimentos respiratórios débeis. 
EXAMES COMPLEMENTARES 
O diagnóstico de ME é fundamentado na ausência de função do 
tronco encefálico confirmado pela falta de seus reflexos ao exame 
clínico e de movimentos respiratórios ao teste de apneia. É 
obrigatória a realização de exames complementares para 
demonstrar, de forma inequívoca, a ausência de perfusão sanguínea 
ou de atividade elétrica ou metabólica encefálica e obtenção de 
confirmação documental dessa situação. A escolha do exame 
complementar levará em consideração a situação clínica e as 
disponibilidades locais, devendo ser justificada no prontuário. Os 
principais exames a ser executados em nosso meio são os seguintes: 
1. Angiografia cerebral - após cumpridos os critérios clínicos de ME, 
a angiografia cerebral deverá demonstrar ausência de fluxo 
intracraniano. Na angiografia com estudo das artérias carótidas 
internas e vertebrais, essa ausência de fluxo é definida por 
ausência de opacificação das artérias carótidas internas, no 
mínimo, acima da artéria oftálmica e da artéria basilar, conforme 
as normas técnicas do Colégio Brasileiro de Radiologia. 
2. Eletroencefalograma – constatar a presença de inatividade 
elétrica ou silêncio elétrico cerebral (ausência de atividade 
elétrica cerebral com potencial superior a 2 μV) conforme as 
normas técnicas da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia 
Clínica. 
3. Doppler Transcraniano – constatar a ausência de fluxo sanguíneo 
intracraniano pela presença de fluxo diastólico reverberante e 
pequenos picos sistólicos na fase inicial da sístole, conforme 
estabelecido pelo Departamento Científico de Neurossonologia 
da Academia Brasileira de Neurologia. 
4. Cintilografia, SPECT cerebral – ausência de perfusão ou 
metabolismo encefálico, conforme as normas técnicas da 
Sociedade Brasileira Medicina Nuclear. 
REPETIÇÃO DO EXAME CLÍNICO (SEGUNDO EXAME) 
Na repetição do exame clínico (segundo exame) por outro médico 
será utilizada a mesma técnica do primeiro exame. Não é necessário 
repetir o teste de apneia quando o resultado do primeiro teste for 
positivo (ausência de movimentos respiratórios na vigência de 
hipercapnia documentada). 
O intervalo mínimo de tempo a ser observado entre o primeiro e o 
segundo exame clínico é de uma hora nos pacientes com idade igual 
ou maior a dois anos de idade. Nas demais faixas etárias esse 
intervalo é variável devendo ser observada a seguinte tabela: 
 
COMUNICAÇÃO AOS FAMILIARES OU RESPONSÁVEL LEGAL 
Os familiares do paciente ou o responsável legal deverão ser 
adequadamente esclarecidos, de forma clara e inequívoca,sobre a 
situação crítica do paciente, o significado da ME, o modo de 
determiná-la e também sobre os resultados de cada uma das etapas 
da determinação. Esse esclarecimento é de responsabilidade da 
equipe médica assistente do paciente ou, na sua impossibilidade, da 
equipe de determinação da ME. 
Será admitida a presença de médico de confiança da família do 
paciente para acompanhar os procedimentos de determinação de 
ME, desde que a demora no comparecimento do profissional não 
inviabilize o diagnóstico. Os contatos com o médico escolhido serão 
de responsabilidade dos familiares ou do responsável legal. 
O profissional indicado deverá comparecer nos horários 
estabelecidos pela equipe de determinação da ME. A decisão quanto 
à doação de órgãos somente deverá ser solicitada aos familiares ou 
responsáveis legais do paciente após o diagnóstico da ME e a 
comunicação da situação a eles. 
DECLARAÇÃO DE ME 
A equipe médica que determinou a morte encefálica (ME) deverá 
registrar as conclusões dos exames clínicos e os resultados dos 
exames complementares no Termo de Declaração de Morte 
Encefálica (DME) ao término de cada etapa e comunicá-la ao médico 
assistente do paciente ou ao substituto. Esse termo deverá ser 
preenchido em duas vias. 
A primeira via deverá ser arquivada no prontuário do paciente, junto 
com o(s) laudo(s) de exame(s) complementar(es) utilizados na 
determinação. A segunda via ou cópia deverá ser encaminhada à 
Central Estadual de Transplantes (CET), complementarmente à 
notificação da ME, nos termos da Lei 9.434/1997, artigo 13. 
Nos casos de morte por causa externa, uma cópia da declaração será 
necessariamente encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML). A 
Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes (CIHDOTT), a Organização 
de Procura de Órgãos (OPO) ou a CET deverão ser obrigatoriamente 
comunicadas nas seguintes situações: 
a) possível morte encefálica (início do procedimento de 
determinação de ME); 
b) após constatação da provável ME (primeiro exame clínico e 
teste de apneia compatíveis); e 
 
9 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 
c) após confirmação da ME (término da determinação com o 
segundo exame clínico e exame complementar 
confirmatórios). 
CRITÉRIOS DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E MANUTENÇÃO 
DE POTENCIAL DOADOR 
LEI 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 
Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo 
humano para fins de transplante e tratamento e dá outras 
providências. 
➢ Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do 
corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de 
transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei. 
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão 
compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o 
sangue, o esperma e o óvulo. 
DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO 
CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE 
➢ Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes 
do corpo humano destinados a transplante ou tratamento 
deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, 
constatada e registrada por dois médicos não participantes 
das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização 
de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do 
Conselho Federal de Medicina. 
➢ Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de 
pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade 
terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou 
parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta 
ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em 
documento subscrito por duas testemunhas presentes à 
verificação da morte. (Redação dada pela Lei 10.211, de 
23.3.2001) 
QUEM É POTENCIAL DOADOR DE ÓRGÃOS? 
Todo paciente que tenha seu protocolo de ME finalizado e a doação 
autorizada pela família é potencial doador de órgãos. Porém, existem 
condições que contraindicam de forma absoluta a doação: 
❖ soropositividade para HIV; 
❖ soropositividade para HTLV l e ll; 
❖ tuberculose em atividade; 
❖ sepse refratária; 
❖ infecções virais e fúngicas graves ou potencialmente graves 
na presença de imunossupressão, exceto as hepatites B e C; 
❖ neoplasias, exceto carcinoma in situ de útero e pele e 
tumores primários do Sistema Nervoso Central. 
Além da análise dos critérios de exclusão, a doação de cada órgão e 
tecido depende das condições clínicas, laboratoriais e sorológicas do 
paciente. A avaliação dessas condições é feita individualmente pela 
equipe da CET. É importante ressaltar que sepse controlada e em 
tratamento não contraindica a doação de órgãos. O mesmo se aplica 
a pacientes com sorologia positiva para hepatite, que podem ser 
doadores por critérios expandidos. 
 
QUAIS EXAMES SÃO NECESSÁRIOS PARA A DOAÇÃO? 
Exames são necessários para habilitar o paciente para a doação. 
Podem ser indicados exames de laboratório e de imagem, 
dependendo da situação. Cada órgão que possivelmente será doado 
exige uma série de exames específicos. A tabela a seguir expõe os 
principais exames que devem ser solicitados: 
 
MEDIDAS CLÍNICAS DE MANUTENÇÃO DO POTENCIAL 
DOADOR DE ÓRGÃOS 
O processo de ME é um evento amplo, que cursa com diversas 
alterações fisiopatológicas decorrentes da inativação de centros 
 
10 Kalina Carvalho Vieira | Medicina/Pitágoras II | 2021.2 
de controle pressórico, hormonal e respiratório. A detecção precoce 
dessas alterações e a intervenção imediata permitem a minimização 
das perdas de potenciais doadores por más condições clínicas e uma 
melhora importante nas condições do enxerto no pós-transplante. 
Sendo assim, é essencial que medidas para a manutenção do 
potencial doador de órgãos sejam instituídas durante o processo de 
certificação da ME e enquanto se aguarda a entrevista familiar para 
concretizar a doação. Os aspectos mínimos indispensáveis para a 
manutenção do potencial doador são: 
T e m p e r a t u r a c o r p o r a l 
 Manter temperatura central > 35˚C, idealmente entre 36 e 
37,5˚C; 
 Reverter a hipotermia – aquecer o ambiente, usar mantas 
térmicas, infundir líquidos aquecidos; 
S u p o r t e h e m o d i n â m i c o 
 Monitorizar a pressão arterial de forma invasiva; 
 Tratar a HAS relacionada à tempestade simpática; 
 Iniciar drogas anti-hipertensivas endovenosas (nitroprussiato 
de sódio ou betabloqueadores) sempre que PAS > 180, PAD > 
120 ou PAM > 95 mmHg; 
 Manter PAM > 65 ou PAS > 90 mmHg; 
 Iniciar reposição volêmica com cristalóides se houver 
hipotensão - (20-30 ml/kg); 
 Infundir drogas vasoativas (noradrenalina, adrenalina ou 
dopamina) na dose necessária para atingir a meta da PA; 
 Adequar a reposição volêmica subseqüente usando 
parâmetros dinâmicos (variação da pressão de pulso, 
elevação das pernas, ecocardiograma). A medida da pressão 
venosa central pode ser usada como parâmetro de 
segurança. 
 Usar vasopressina sempre que houver indicação de 
vasopressores – infusão contínua na dose de 0,5 a 2,4 U/h; 
 Tratar a PCR e as taquiarritmias conforme orientação da 
American Heart Association; 
 Nas bradiarritmias, não utilizar atropina e o uso de marca- -
passo transcutâneo ou transvenoso pode ser indicado. 
S u p o r t e v e n t i l a t ó r i o 
 Ventilar todos os pacientes utilizando estratégia protetora; 
 Utilizar modo volume ou pressão controlada, com VC de 6 
ml/Kg de peso ideal, FiO2 mínima necessária para obter PaO2 
≥ 90 mmHg na gasometria, PEEP de 8 a 10 cmH2O e Pressão 
de platô < 30 cmH2O. 
S u p o r t e e n d o c r i n o m e t a b ó l i c o 
 Manter suporte nutricional enteral de 15 a 30% das 
necessidades diárias; 
 Suspender a infusão de dieta se houver necessidade de doses 
elevadas de drogas vasoativas e sinais de hipoperfusãotecidual; 
 Monitorizar a glicemia capilar pelo menos a cada 6 horas – 
iniciar a infusão de insulina por protocolo se a glicemia for > 
180 mg/dl; 
 Monitorizar diurese visando o diagnóstico precoce de 
diabetes insipidus – diurese > a 200 ml/h deve ser 
investigada; 
 Administrar DDAVP (desmopressina) nas doses de 1 a 2 mcg a 
cada 4 horas até obter diurese menor que 4 ml/kg/h. Na 
ausência de DDAVP, pode-se usar vasopressina; 
 Manter sódio sérico entre 130 e 150 mEq/L – a correção da 
hipernatremia deve ser feita com solução glicosada a 5% ou 
solução salina a 0,45%; 
 Manter pH > 7,2; 
 Infundir metilprednisolona 15 mg/Kg a cada 24 horas – iniciar 
após fechamento do protocolo; 
 O uso de levotiroxina 300 mcg por via enteral uma vez ao dia 
é recomendado pela literatura, mas evidências recentes 
demonstram que sua utilização não traz benefícios na 
manutenção do potencial doador. 
S u p o r t e h e m a t o l ó g i c o 
 Transfundir hemácias se Hb ≤ 7 g/dl para todos os pacientes; 
 Transfundir hemácias para doentes com Hb entre 7 a 10 g/dl 
se instabilidade hemodinâmica com perfusão tecidual 
inadequada; 
 Transfundir plaquetas se sangramento ativo e plaquetopenia 
< de 100.000/mm3 e se alto risco de sangramento com 
plaquetas inferiores a 50.000/mm3; 
 Transfundir plasma fresco se RNI >1,5 e alto risco de 
sangramento, pré-procedimento invasivo ou sangramento 
 ativo; 
 Transfundir crioprecipitado se fibrinogênio < 100 mg/dl 
associado a alto risco de sangramento, pré-procedimento 
invasivo ou sangramento ativo. Aspectos infecciosos: 
 Coletar culturas sempre que houver suspeita de infecção; 
 Manter ou iniciar antibioticoterapia apropriada se houver 
indicação clínica. 
C u i d a d o s c o m a s c ó r n e a s 
 Colírios e pomadas podem ser usados, mas não são 
indicações obrigatórias; 
 Manter as pálpebras fechadas e protegidas com gazes 
umedecidas com solução isotônica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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