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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E HUMANAS CURSO DE DIREITO COMPONENTE CURRICULAR: FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA E DA SOCIOLOGIA DOCENTE: DR. THIAGO ARRUDA QUEIROZ LIMA JOÃO PEDRO MARTINS CRUZ MANUEL JOSÉ DO NASCIMENTO NETO RESENHA CRÍTICA DO LIVRO “O QUE É RACISMO ESTRUTURAL?” DE SILVIO ALMEIDA MOSSORÓ 2021 ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018. O livro “O que é racismo estrutural?” escrito por Silvio Almeida, foi publicado pela primeira vez no ano de 2018 e compõe a coleção “Feminismos Plurais”, que recebeu organização da Djamila Ribeiro. Posteriormente, no ano de 2019 teve seu título modificado para “Racismo Estrutural” em sua nova publicação. Esta obra trata-se de seu terceiro trabalho publicado, onde aborda e problematiza o racismo de forma estrutural. Silvio Almeida se graduou em Direito e fez mestrado em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), também se graduou em Filosofia e fez doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, atua como professor em algumas instituições, entre elas: Universidade Presbiteriana Mackenzie e Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, ambas localizadas no estado de São Paulo; e Universidade Duke, nos Estados Unidos da América (EUA). Quando o autor faz essa problematização acerca do racismo (visto de forma estrutural), é perceptível que não se trata de um problema simples, mas de um problema amplo e complexo que vai além do campo individual ou até mesmo institucional. Elucida a relevância do entendimento de fatos históricos, sociais, políticos, jurídicos e econômicos para compreensão da existência do racismo. Em sua introdução nos traz alguns pontos relevantes que devem ser frisados para entendermos o que ele pretende abordar no decorrer do seu trabalho. Nos deixa a par de que não se trata apenas de um livro sobre racismo e raça, mas sim de um livro de teoria social. Doravante, aponta que para entender a sociedade contemporânea é necessário levar em consideração os conceitos de raça e racismo, não podendo ser deixados de lado, e que através dos conhecimentos da teoria social será possível compreender como esses conceitos se configuram e se manifestam. No primeiro capítulo, intitulado “Raça e Racismo”, realiza primordialmente uma contextualização histórica sobre o conceito de raça. Toma-se uma vil necessidade de classificação do homem realizado nas ciências naturais. O homem (humanidade) deixou, com o Iluminismo (séc. XVI), de ser um ser cognoscente e passou a ser objeto e sujeito de estudo, ou seja, passou a ser estudado como ser vivo, social, psicológico e econômico, surge aí a ideia de raça como classificação humana. Adiante, o período renascentista desperta, através do Colonialismo, uma divisão entre “civilizado x selvagem” sendo, respectivamente, os europeus e os outros povos em descoberta. Nota-se daí uma tentativa de divisão racial através não só da cor da pele, tipo de cabelo ou fala, mas sim da localização geográfica. A partir daí entende-se que o termo “raça” parte de dois fatores, as características biológicas, que dizem respeito a questões físicas no geral, e as características étnico-culturais, fundamentadas nos aspectos sociais e históricos do ser. No século XX a Antropologia surge tendo em meio a seus objetivos a constatação da não existência de determinações e “divisões” acerca da origem dos povos, ressalta também que não haveria sentido concreto o uso de uma hierarquização levando em consideração cor, religião, língua e etc. Como resultado desses esforços, que se estendem até os dias atuais, criou-se a concepção de que “ raça é um elemento essencialmente político” e que se esgota nos meios de estudos das ciências sociais. Seguidamente, aponta as diferenças entre os termos: preconceito, racismo e discriminação; que são comumente entendidos como sinônimos. Desse modo, tem de ser compreendido por preconceito toda e qualquer expressão que julga um indivíduo (seja por raça, gênero, orientação sexual, etc.) por meio de estereótipos, ou seja, através de conceitos preconcebidos, um exemplo corriqueiro desse caso é que na maioria das vezes, senão todas, a população negra é associada ao crime, que pessoas negras são criminosas. A discriminação diz respeito ao modo como o indivíduo é tratado, seja por “distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica” (ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL, 2010). Já o racismo, por sua vez, deve ser entendido como “uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2018, p. 25). Destarte, o racismo consiste no ato particular de preconceito e discriminação contra indivíduos por causa da sua raça, que acarretam tratamentos diferentes e interferem em suas oportunidades sociais e econômicas. Dando continuidade nos apresenta três tipos de racismo, que são identificados como individual, institucional e estrutural; para que assim seja possível compreender o racismo de um modo mais didático. A primeira concepção seria a individualista, refere-se à relação estabelecida entre o racismo e a subjetividade. Nessa perspectiva o racismo é entendido como uma “patologia” de índole individual ou coletiva, ao modo como os comportamentos individuais dos sujeitos implicam sobre os demais. Este se desencadearia por meio da discriminação racial. O autor aponta ainda que esta é uma concepção frágil e limitada, que é comumente usada em análises desprovidas de contexto histórico e de reflexões acerca dos seus efeitos para a sociedade. Na concepção institucional o racismo está ligado ao funcionamento das instituições (públicas e privadas), que aplicam e mantém, implicitamente, privilégios e desvantagens baseados na raça. Na visão do autor, as instituições são responsáveis pela instauração de normas e medidas que norteiam as práticas dos sujeitos, moldando, assim, comportamentos, pontos de vista nas tomadas de decisões e até mesmo dos sentimentos e preferências. Este fator ocasiona a disputa de poder, no qual o grupo racial privilegiado sempre se manterá no comando, usufruindo da capacidade de fazer uso dos mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos, econômicos, etc. Desse modo, o poder é o epicentro da relação racial que reflete a dominação. O autor considera essa concepção um avanço nos estudos das relações raciais, pois, traz novos horizontes para a sistematização e compreensão do racismo, demonstrando que esta prática excede a ideia de se tratar de um comportamento individual. As regras e padrões racistas estabelecidos pelas instituições são baseados em uma estrutura social. Em vista disso, na concepção estrutural o racismo é uma consequência da ordem social que produz, normatiza e mantém padrões e regras fundamentados em princípios discriminatórios de raça, que são reproduzidos nas instituições e subjetividades. Para o autor, o racismo "é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional” (ALMEIDA, 2018, p. 38), pontuando, portanto, que o racismo está estruturado nas formas de organização da sociedade. Por fim, nos traz uma sucinta explicação de que o racismo pode ser desdobrado por meio de processo político e processo histórico. Relaciona-se com um objetivo de caráter meramente político de atingir determinados grupos minoritários através do aparato institucional ou social, visando então alcançar privilégios para as elites e grupos majoritários. Contempla a ideia de que há um elemento históriconos “diversos tipos de racismo” existentes, sendo fundados no contexto histórico da sociedade em que é analisada, levando em consideração todos os aspectos que formam e consolidam toda a estrutura societária de determinado local. Racismo não se trata apenas de uma prática isolada, mas sim de um condicionamento estrutural. Os negros estão em condição subalterna por motivos de violência institucional e estrutural. A desigualdade racial no trabalho, por exemplo, nos mostra que estes possuem as menores chances de ascensão em cargos e salários, estagnados em carreiras e condições de trabalho precárias. Também existe muita vulnerabilidade, violência e negligência nos campos da educação, saúde, moradia, entre outros. Este é um fator que interfere nas diversas áreas da vida da população negra. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2020, das 6.416 pessoas mortas por policiais 78,9% das vítimas eram negras. Este é um dado que reflete as abordagens policiais, que muitas vezes são violentas e vistas como práticas racistas, que influenciam no alto índice de vítimas negras nas taxas de letalidade policial. Quando falamos do sistema carcerário brasileiro os dados são ainda mais assustadores. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referentes a 2019, dos 657,8 mil presos, 438,7 mil são negros. A proporção de negros presos cresceu para 14% nos últimos 15 anos, enquanto a de brancos diminui 19%. Quando o caso é a pobreza os dados não mudam muito, essa população é a mais afetada também. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos 13,5 milhões vivendo em extrema pobreza, 75% são pretos ou pardos. Esses são alguns dados e exemplos que nos mostram como o racismo é velado e estruturado em nossa sociedade. Um caso que reverberou por vários veículos e mídias nos últimos anos foi o evento de aniversário da diretora de estilo da revista VOGUE Brasil, Donata Meirelles. A festa foi decorada com uma temática um tanto quanto duvidosa, onde foi montado um local para tirar fotos ao lado de mulheres negras usando roupas e turbantes branco, posicionadas em volta de uma grande cadeira que se assemelha a de coronéis de engenho. Essa cena remete muito a saudade do escravo na sociedade vigente e ao duplo vínculo que o jornalista e sociólogo Muniz Sodré conceitua como sendo a relação esquisita de amor e ódio ao povo negro. Desse modo, o racismo velado e estruturado por muitas vezes passa despercebido, mas não é como se ele não estivesse lá ou não existisse como muitas figuras políticas e afins afirmam, negando a existência do racismo. Apesar de ser considerado crime, este é sempre tratado com descaso, sendo possível observar que o Direito falha no seu dever de reprimir o racismo. Mesmo tentando resolver o problema ele também é usado de acordo com as vontades e convicções dos detentores do capital econômico e cultural. É utilizado pela classe dominante sobre outras classes sociais que de modo consequente perpetuam todas as desigualdades sociais e raciais; e o racismo de modo geral. Apresentando-se, portanto, como um instrumento de dominação social. Como podemos ver, o racismo se configura de diversas formas e está presente em todas as instâncias da sociedade. É evidente que se faz necessário ponderar o racismo e as suas formas que estruturam a sociedade para que assim possa-se compreendê-lo de fato. Suas causas devem ser investigadas na estrutura social contemporânea, mesmo que esteja ligado a um período colonial e escravista. Justo que a violência, distinção e opressão por aspectos raciais tem se tornado cada dia mais corriqueiro, e por motivos de ainda contarmos com políticas públicas frágeis que não seguem qualitativamente os seus objetivos e as necessidades para o combate do racismo. O governo precisa dialogar com as redes, movimentos e grupos para levantar estratégias eficazes para o seu enfrentamento. Então urge a necessidade de debates políticos nacionais quanto internacionais para mediar a adoção de práticas de combate ao racismo e às desigualdades raciais, pois, trata-se de um dos problemas sociais mais preocupantes que assolam as sociedades hodiernas.
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