Buscar

SEMINÁRIO - TEORIA DA LITERATURA - GÊNROS LITERÁRIOS

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

IV. Gêneros Literários
1. O conceito de gênero literário tem sofrido múltiplas variações históricas desde a antigüidade helênica até os nossos dias e permanece como um dos mais árduos da estética literária. Aliás, o problema dos gêneros literários conexiona-se intimamente com outros problemas de fundamental magnitude, como as relações do individual e do universal, as relações entre visão do mundo e forma artística, a existência ou inexistência de regras, etc, e estas implicações agravam a complexidade do assunto. Existem ou não existem os gêneros literários? Se existem, como deve ser concebida a sua existência? E qual a sua função, o seu valor?
Considerando a questão numa perspectiva diacrônica, encontramos
para estas perguntas muitas e discordantes respostas. E como os valores literários se afirmam e atuam na história, o modo mais adequado de abordar o problema dos gêneros literários será adotar a perspectiva diacrônica e analisar as mais significativas soluções concedidas a tal problema no transcurso da história.
2. Platão, no livro III da República, distingue três grandes divisões dentro da poesia: a poesia mimética ou dramática, a poesia não mimética ou lírica e a poesia mista ou épica. Trata-se da primeira referência teorética ao problema dos gêneros literários. Importa observar, porém, que aquela distinção é abolida no livro X do mencionado diálogo, passando aí o filósofo a considerar toda a poesia como mimética. As razões desta alteração não são bem conhecidas, supondo-se, todavia, que entre a redação do livro III e do livro X tenha mediado um certo período de tempo, durante o qual Platão teria modificado os seus pontos de vista. A estética platônica orienta-se logicamente para a abolição dos gêneros literários, pois procura captar a universalidade e a unicidade da arte, desprezando a arte como poikilia, isto é, como multiplicidade e diversidade.
A Poética de Aristóteles constitui a primeira reflexão profunda acerca da existência e da caracterização dos gêneros literários e ainda hoje permanece como um dos textos fundamentais sobre esta matéria. Logo no início da Poética se lê o seguinte: "Falaremos da Arte Poética em si e das suas modalidades, do efeito de cada uma delas, do processo de composição a adotar, se quiser produzir uma obra bela, e ainda do número e qualidade das suas partes. (...) E assim o Estagirita estabelece as modalidades, ou gêneros, de poesia:
a) Segundo os meios diversos com que se realiza a mimese. Como já sabemos, para Aristóteles a mimese é o fundamento de todas as artes, diversificando-se estas consoante o meio com que cada uma se realiza a mimese. (...)
b) Segundo os objetos diversos da mimese. Incidindo a mimese sobre pessoas que atuam, e podendo ser as pessoas nobres ou ignóbeis, virtuosas ou não virtuosas, melhores ou piores do que a média humana, é óbvio que as composições poéticas diversificar-se-ão conforme os objetos imitados.
c) Segundo os diversos modos da mimese. Duas formas poéticas, utilizando os mesmos meios de mimese e imitando o mesmo objeto, podem ainda distinguir-se consoante os modos diversos como se realiza a mimese. Aristóteles considera dois modos fundamentais da mimese poética: um modo narrativo e um modo dramático. No primeiro caso, o poeta narra em seu próprio nome ou narra assumindo personalidades diversas; no segundo caso, os atores representam diretamente a ação, "como se fossem eles próprios as personagens vivas e operantes".
[...]
3. Horácio, com alguns preceitos da sua Epistula ad pisones, ocupa um lugar de relevo na evolução do conceito de gênero literário, sobretudo pela influência exercida na poética e na retórica dos séculos XVI, XVII e XVIII.
Horácio concebe o gênero literário como correspondendo a uma certa tradição formal e sendo simultaneamente caracterizado por um determinado tom. Quer dizer, o gênero define-se mediante um determinado metro, por exemplo, e mediante um conteúdo específico.
(...) O poeta deve portanto escolher, conforme os assuntos tratados, as convenientes modalidades métricas ou estilísticas, de maneira a não exprimir um tema cômico num metro próprio da tragédia ou, pelo contrário, um tema trágico num estilo pertencente à comédia. (...) Horácio foi deste modo conduzido a conceber os gêneros como entidades perfeitamente distintas, correspondendo a distintos movimentos psicológicos, pelo que o poeta deve mantê-los rigorosamente separados, de modo a evitar, por exemplo, qualquer hibridismo entre o gênero cômico e o gênero trágico. (...) Assim se fixava a famosa regra da unidade de tom, de tão larga aceitação no classicismo francês e na estética neoclássica, que prescreve a separação absoluta dos diversos gêneros.
[...] 
A doutrina romântica acerca dos gêneros literários é multiforme e, por vezes, contraditória. Não encontramos uma solução unitária, embora se possa apontar como princípio comum a todos românticos a condenação da teoria clássica dos gêneros literários, em nome da liberdade e da espontaneidade criadoras, da unicidade da obra literária, etc. Todavia, a atitude radicalmente negativa do Sturm und drang não foi em geral aceita pelos românticos, que, se afirmavam por um lado o caráter absoluto da arte não deixava de reconhecer, por outro, a multiplicidade e a diversidade das obras artísticas existentes. E verifica-se, na verdade, que alguns românticos buscaram estabelecer novas teorias dos gêneros literários, fundamentando-se não em elementos externos e formalistas, mas em elementos intrínsecos e filosóficos.
(...)
Um aspecto muito importante da teoria romântica dos gêneros literários diz respeito à defesa do hibridismo dos gêneros. O texto mais famoso sobre esta matéria, texto que representou um pendão de revolta, é sem dúvida o prefácio de Cromwell(1827) de Victor Hugo. Nessas páginas agressivas e tumultuosas, Hugo condena a regra da unidade de tom e a pureza dos gêneros literários em nome da própria vida, de que a arte deve ser a expressão.
[...]
6. Nas últimas décadas do século XIX foi novamente definida a substancialidade dos gêneros literários, especialmente por Brunètiere (1849-1906), crítico e professor universitário francês. Brunètier influenciado pelo dogmatismo da doutrina clássica, concebe os gêneros como entidades substancialmente existentes, como essências literárias providas de um significado e de um dinamismo próprios, não como simples palavras ou categorias arbitrárias, e, seduzido pelas teorias evolucionistas aplicadas por Darwin ao domínio biológico, procura aproximar o gênero literário da espécie biológica. Deste modo, Brunètiere apresenta o gênero literário como um organismo que nasce, se desenvolve, envelhece e morre, ou se transforma. A tragédia francesa, por exemplo, teria nascido com Jodelle, atingiria a maturidade com Corneille, entraria em declínio com Voltaire e morreria antes de Victor Hugo. Tal como algumas espécies biológicas desaparecem, vencidas por outras mais fortes e mais bem apetrechadas, assim alguns gêneros literários morreriam, dominados por outros mais vigorosos. (...)
O problema dos gêneros literários adquiriu nova acuidade precisamente na reflexão estética deBenedetto Croce, sendo bem visível no pensamento do grande esteta italiano o intuito polêmico de combater e invalidar as congeminações dogmatistas de Bruntière.
Croce identifica a poesia – e a arte em geral – com a forma da atividade teorética que é a intuição, conhecimento do individual, das coisas singulares, produtora de imagens – em suma, forma de conhecimento oposta ao conhecimento lógico. A intuição é concomitantemente expressão, pois a intuição distingue-se da sensação, do fluxo sensorial, enquanto forma, e esta forma constitui a expressão. Intuir é exprimir. A poesia, como toda a arte, revela-se portanto como intuição-expressão: conhecimento e representação do individual, elaboração alógica, e por conseguinte irrepetível, de determinados conteúdos. A obra poética, consequentemente, é una e indivisível, porque "cada expressão é uma expressão única".
[...]
A moderna poética, desenganada de quaisquertentações dogmáticas e absolutistas, procurando na história a sua fundamentação, reabilitou o conceito de gênero literário. Mencionaremos apenas dois grandes nomes da poética e da crítica literária contemporâneas, dois autores profundamente distintos na formação, na ideologia e nos métodos de investigação, que repensaram com delonga e rigor o conceito de gênero literário, concedendo-lhe na sua obra um lugar preponderante.
Emil Staiger, ao publicar em 1952 a sua obra Grundbegriffe der
Poetik [Conceitos fundamentais de poética], mostrou qual o caminho seguro no estudo dos gêneros literários. Condenando uma poética apriorística e anti-histórica, Staiger acentua a necessidade de a poética se apoiar firmemente na história, na tradição formal concreta e histórica da literatura, já que a essência do homem é a temporalidade. Retomando a tradicional tripartição de lírica, épica e drama, reformulou-a profundamente, substituindo estas formas substantivas pelos conceitos estilísticos de lírico, épico e dramático. O que permite fundamentar a existência destes conceitos básicos da poética? A própria realidade do ser humano, pois "os conceitos do lírico, do épico e do dramático são termos da ciência literária para representar possibilidades fundamentais da existência humana em geral; e existe uma lírica, uma épica e uma dramática porque as esferas do emocional, do intuitivo e do lógico constituem finalmente a própria essência do homem, tanto na sua unidade como na sua sucessão, tal como aparecem refletidas na infância, na juventude e na maturidade". (...)
Lukács revelou sempre ao longo da sua obra um profundo interesse pelo problema dos gêneros literários. Já na sua juvenil Teoria do romance, redigida entre 1914-1915, abundam as observações acerca dos elementos que permitem distinguir a narrativa e a lírica, a narrativa e o drama, o romance e a epopéia. Estas reflexões juvenis, inspiradas na estética hegeliana, ganharam corpo e densidade na obra intitulada O romance histórico, onde se encontra uma pormenorizada diferenciação entre o romance e o drama. O que permite, segundo Lukács, distinguir estes dois gêneros literários? Fundamentalmente, essa diferenciação repousa no fato de o romance e o drama corresponderem a visões diferentes da realidade, o que implica necessariamente diversidade de conteúdo e de forma. Por outro lado, impõe-se tomar em conta fatores de ordem sociológica ou sociocultural: a natureza do público a que se destina o romance e o drama, bem como a estrutura da sociedade em que os gêneros literários são criados e/ou cultivados. Efetivamente, como acentua Lukács nas páginas que na sua Estética consagrou ao problema da continuidade e da descontinuidade da esfera estética, a determinação histórico-social "é tão intensa que pode levar a extinção de determinados gêneros (a épica clássica) ou ao nascimento de outros novos (o romance)".
O estruturalismo, desenvolvendo algumas tentativas realizadas pelo formalismo russo, tem procurado definir os gêneros a partir dos elementos constitutivos da srespectivas estruturas lingüísticas, embora os resultados obtidos nem sempre sejam muito fecundos. Roman Jakobson, num importante estudo publicado há pouco, relacionou as particularidades dos gêneros literários com a participação, ao lado da função poética – que é a dominante -, das outras funções da linguagem. Assim, a épica, centrada sobre a terceira pessoa, envolve a função referencial da linguagem; a lírica, orientada para a primeira pessoa, prende-se estreitamente com a função emotiva; a dramática implica a segunda pessoa com função apelativa.
[...]
IV. O Romance
(...)
5.2. O tempo da diegese está delimitado e caracterizado por indicações estritamente cronológicas relativas ao calendário do ano civil – anos, meses, dias, horas -, por informações ligadas ainda a este calendário, mas apresentando sobretudo um significado cósmico – ritmo das estações, ritmo dos dias e das noites -, por dados concernentes a uma determinada época histórica, etc.
O tempo diegético pode ser muito extenso – como n’Os Buddenbrook de Thomas Mann – ou relativamente curto como em Luto no Paraíso de Juan Goytisolo. Quer seja extenso, quer seja curto, é possível, em geral, medir com suficiente rigor o tempo diegético.
Pelo contrário, o tempo da narrativa, ou do discurso, é de difícil medição. Poder-se-á medir este tempo por meio da paginação? Mas a página é uma unidade variável, em função da mancha tipográfica e em função do tipo de letra; a página pode estar compactamente ocupada com frases ou pode apresentar numerosos espaços em branco. Poder-se-á fazer coincidir o tempo da narrativa com o tempo que é necessário dispender para a sua leitura? O tempo exigido pela leitura de um texto, porém, é igualmente um critério variável e aleatório. A velocidade da leitura modifica-se de leitor para leitor, e nem sequer é constante no mesmo leitor, de modo que é impossível estabelecer um padrão ideal suscetível de normalizar, digamos assim, essa velocidade de leitura.
As relações entre o tempo diegético e o tempo narrativo assumem uma importância capital na organização do romance.
A coincidência perfeita entre o desenvolvimento cronológico da diegese e a sucessão, no discurso, dos acontecimentos diegéticos, não se encontra possivelmente em nenhum romance. Aos desencontros entre a ordem dos acontecimentos no plano da diegese e a ordem por que aparecem narrados no discurso, daremos a designação de anacronias.
A tradição épico greco-latina oferece um exemplo famoso de anacronia, ao preceituar que o poema épico deve ser iniciado in media res. Deste modo, o começo do discurso corresponde a um momento já adiantado da diegese, obrigando tal técnica, como é óbvio, a narrar depoisno discurso o que acontecera antes na diegese.
O começo da narrativa in media
res é freqüente no romance. Pode mesmo acontecer que o romancista principie o discurso in ultimas res, digamos assim, de maneira que as páginas iniciais narram, eventualmente com ligeiras modulações, a situação com que se encerra a sintagmática diegética. O romance policial adota, nas suas linhas fundamentais, este tipo de abertura narrativa -, mas que também, e um pouco paradoxalmente, informa logo ab initio o leitor do destino final da personagem.
Tanto o início da narrativa in media res como in ultimas res obriga o romancista a narrar posteriormente os antecedentes diegéticos dos episódios e das situações que figuram na abertura do romance. Quer dizer, em relação à temporalidade do segmento diegético primeiramente narrado, o romancista institui uma temporalidade segunda, dando assim lugar a um anacronia. No caso de início in media res, a anacronia depois de ocupar uma extensão maior ou menor da sintagmática do discurso, é reabsorvida pela primeira narrativa, que continua a desenvolver-se após aquela interrupção; no caso do início in ultimas res, a anacronia apresenta-se como a narrativa de base, ocupando a quase totalidade do discurso.
A esta espécie de anacronias, constituídas por recuos no tempo, dá-se em geral a designação de flash-back e daremos nós, seguindo a mencionada terminologia de Gérard Genette, a denominação de analepse.
A analepse é um recurso de que os romancistas se servem com freqüência, porque permite comodamente esclarecer o narratório sobre os antecedentes de uma determinada situação – sobretudo quando essa situação se encontra no início da narrativa – e sobre uma personagem introduzida pela primeira vez no discurso ou neste reintroduzida, após disparição mais ou menos prolongada. A narrativa analéptica desempenha uma função muito relevante no romance naturalista, em estreita interdependência com a concepção positivista do mundo que rege este romance. Após a apresentação das personagens principais, o romancista naturalista recorre logicamente a analepses mais ou menos extensas para analisar, segundo a ótica positivista, as forças determinantes – hereditariedade, influência do meio, constituição fisiológica e temperamental – que modelam aquelas personagens.
A analepse constitui umatécnica utilizada pelo romance de todas as épocas – no século XVIII, Sterne escreveu essa obra-prima da narrativa analéptica que é Tristam Shandy -, não podendo de modo nenhum ser considerada uma descoberta do romance do século XX, fundado em especial na capacidade retrospectiva da memória. (...)
A anacronia pode consistir, porém, numa antecipação, no plano do discurso, de um fato ou de uma situação que, em obediência à cronologia diegética, só deviam ser narrados mais tarde. A esta espécie de anacronia daremos a denominação deprolepse.
A prolepse é menos freqüente do que a analepse, sendo mesmo bastante rara a sua ocorrência no romance do século XIX. O romance que mais fácil e logicamente acolhe prolepses é o romance de narrador autodiegético, pois este narrador, que organiza a narrativa segundo um modelo explicitamente retrospectivo, não tem dificuldade de, a respeito de um acontecimento diegético, evocar um outro que lhe é cronologicamente posterior. No romance contemporâneo porém, as prolepses podem abundar mesmo sem a existência de um narrador autodiegético, como comprova, por exemplo, Enseada amena de Augusto Abelaira.
Além das anacronias, outra espécie de tensões e desencontros se institui entre o tempo diegético e o tempo narrativo, dizendo respeito à duração dos acontecimentos na sucessão diegética e à duração da sintagmática narrativa em que tais acontecimentos são relatados.
A coincidência perfeita entre duração da diegese e do discurso será possível? Tal isocronia só será de admitir num caso: quando o discurso reproduzir fielmente, sem qualquer intervenção do narrador, um diálogo da diegese. No capítulo VII de Agulha no palheiro de Camilo, após um diálogo entre Paulina e Eugenia, o narrador comenta: "Este diálogo, que parece estirado, correu em menos de quatro minutos". Qualquer leitor que leia em voz alta, sem pressas nem demoras, o citado diálogo e registre o tempo de sua leitura, verificará que esta dura um pouco mais de três minutos, coincidindo portanto esta duração com a temporalidade diegética indicada pelo narrador.
Todavia, nem em tais caso se pode rigorosamente falar de absoluta igualdade entre o segmento diegético e o segmento narrativo, pois que, como observa pertinentemente Gérard Genette, o discurso não reproduz "a velocidade com a qual aquelas palavras forma pronunciadas, nem os eventuais tempos mortos da conversação". De qualquer modo, é nos segmentos do discurso constituídos exclusiva, ou predominantemente, por diálogos – segmentos que a crítica anglo-americana, na esteira de Henry James
e Percy Lubbock, chama cenas(scenes) – que se verifica uma isocronia relativa – uma tendência para ela – entre o tempo diegético e o tempo narrativo. Pondo de lado estes casos, o que o romance apresenta sãoanisocronias, diferenças de duração, entre esses dois tempos.
O narrador pode relatar velozmente, através de fragmentos do discurso que denominaremos resumos(na crítica de língua inglesa,summaires), acontecimentos diegéticos ocorridos em longos períodos de tempo. Fernando Namora condensa nesta meia dúzia de linhas sucessos que se desenrolaram durante grande parte da noite: "Tinham perdido a noite na ceifa dos tojos e a segurar a burra sobre as labaredas da fogueira. Aquilo acabara numa gritaria dos diabos, quando Alice, presa à garupa do animal, viu que o pai e o compadre não escolhiam os meios de manter a besta amarrada ao sacrifício. Berrando uns com os outros, lambidos pelo fogo, como danados, pareciam demônios fugidos do inferno". O resumo pode ser mais condensado ainda, bastando escassas palavras para referir uma temporalidade diegética muito dilatada: "E nesse ano passou. Gente nasceu, gente morreu. Searas amadureceram, arvoredos murcharam. Outros anos passaram."
Tais resumos extremamente condensados avizinham-se das elipses, anisocronias resultantes do fato de o narrador excluir do discurso determinados acontecimentos diegéticos, dando assim origem a mais ou menos extensos vazios narrativos. A elipse é um processo fundamental da técnica narrativa, pois nenhum narrador pode relatar com estrita fidelidade todos os pormenores da diegese. Umas vezes, o narrador informa explicitamente o leitor de que eliminou da narrativa um certo número de fatos, por irrelevantes, monótonos, maçadores, escabrosos, etc.; outras vezes, porém, a elipse não é assinalada especificamente no texto, devendo o leitor identificá-la pela análise das sintagmáticas diegética e narrativa. Estas elipses implícitas desempenham uma função muito importante no romance contemporâneo: já não se trata de aliviar o texto de pormenores diegéticos destituídos de interesse ou chocantes para o leitor, mas de elidir intencionalmente do discurso elementos diegéticos fundamentais, que o leitor terá de reconstituir, baseando-se nas informações fragmentárias que o texto lhe oferece.
As anisocronias podem resultar, porém, do fato de uma temporalidade narrativa longa. As descrições e as análises minuciosas de um fato, de uma ação, de um gesto, de um estado de alma, podem gerar um tempo do discurso superior ao tempo da diegese, determinando, com as suas pausas, um ritmo vagaroso da narrativa. Igual conseqüência dimana das digressões que o narrador pode inserir no discurso e que suspendem a progressão da diegese. A principal causa, porém, de alongamento da temporalidade narrativa em relação à temporalidade diegética consiste na possibilidade que o narrador detém de instaurar uma espécie de narrativa segunda que se vem enxertar na diegese primária – ou, talvez melhor, que nasce desta diegese primária e que se desenvolve, por vezes, dentro dela como uma espécie de metástase diegética -, explorando as virtualidades da memória e da retrospecção e devassando o enredado mundo interior das personagens. A utilização de tais técnicas narrativas permitiu a Claude Mauriac escrever um romance de duas
Vítor Manuel de Aguiar e Silva Teoria da Literatura 
centenas de páginas,L’Agrandissement, cuja diegese primária, digamos assim, tem como limites cronológicos os breves minutos em que perdura uma luz vermelha dos sinais de trânsito. A um tempo objetivo tão escasso corresponde portanto um tempo psicológico, existencial, bastante dilatado. A extensão do tempo do discurso é gerada pela dimensão deste tempo psicológico.
O monólogo interior constitui uma das técnicas mais utilizadas pelos romancistas contemporâneos a fim de representarem os meandros e as complicações da corrente de consciência de uma personagem e assim poderem analisar a urdidura do tempo interior.
A técnica do monólogo interior foi inventada por Édouard Dujardin (1861-1949), obscuro escritor francês que publicou, em 1887, um romance em que o monólogo interior era abundantemente utilizado – Les lauriers sont coupés. James Joyce reconheceu em Dujardin o inspirador da técnica dos monólogos interiores deUlisses, arrancando assim do olvido o romancista gaulês.
Num livrinho com o título de Le monologue intéieur, publicado em 1931, Dujardin caracterizou assim o monólogo interior: "o monólogo interior, como qualquer monólogo, é um discurso da personagem posta em cena e tem como objetivos introduzir-nos diretamente na vida interior dessa personagem sem que o autor intervenha com explicações ou comentários, e, como qualquer monólogo, é um discurso sem auditor e um discurso não pronunciado; mas diferencia-se do monólogo tradicional pelo seguinte: quanto à sua matéria, é uma expressão do pensamento mais íntimo, mais próximo do inconsciente; quanto ao seu espírito, é um discurso anterior a qualquer organização lógica, reproduzindo esse pensamento no seu estado nascente e com aspecto de recém-vindo; quanto à sua forma, realiza-se em frases diretas reduzidas ao mínimo de sintaxe". Esta definição de Dujardin pode ser com razão criticada nalguns pontos, mas oferece uma noção aceitável dos caracteres fundamentais do monólogo interior: é um monólogo não pronunciado, que se desenrola na interioridade da personagem - e há determinados estados psicofisiológicos particularmente favoráveis à eclosão do monólogointerior: rêverie, insônias, cansaço, etc.-, que não tem outro auditor que não seja a própria personagem e que se apresenta sob uma forma desordenada e até caótica - sintaxe extremamente frouxa, pontuação escassa ou nula, grande liberdade, sob todos os pontos de vista, no uso do léxico, etc. -, sem qualquer intervenção do narrador e fluindo à medida que as idéias e as imagens, ora insólitas ora triviais, ora incongruentes ora verossímeis, vão aparecendo, se vão atraindo ou repelindo na consciência da personagem. O monólogo interior é, pois, uma técnica adequada à representação dos conteúdos e processos da consciência - e não apenas dos conteúdos mais próximos do inconsciente, como afirma Dujardin -, diferenciando-se do monólogo tradicional, direto ou indireto, pelo fato de captar os conteúdos psíquicos no seu estado incoativo, na confusão e na desordem que caracterizam o fluxo da consciência, sem a intervenção disciplinadora e esclarecedora do narrador.
[...]
4. Gêneros Literários
4.2. Os gêneros literários nas poéticas de Platão e Aristóteles
Platão, no livro III de A República, estabeleceu uma fundamentação e uma classificação dos gêneros literários que, tanto pela sua relevância intrínseca como pela sua influência ulterior, devem ser consideradas como um dos marcos fundamentais da genologia, isto é, da teoria dos gêneros literários.
Segundo Platão, todos os textos literários ("tudo quanto dizem os prosadores e poetas") são "uma narrativa de acontecimentos passados, presentes e futuros". Na categoria global da diegese, distingue Platão três modalidades: a simples narrativa, aimitação ou mímese e uma modalidade mista, conformada pela associação das duas anteriores modalidades. Asimples narrativa, ou narrativa estreme, ocorre quando «é o próprio poeta que fala e não tenta voltar o nosso pensamento para outro lado, como se fosse outra pessoa que dissesse, e não ele»; a imitação, oumímese, verifica-se quando o poeta como que se oculta e fala «como se fosse outra pessoa», procurando assemelhar «o mais possível o seu estilo ao da pessoa cuja fala anunciou», sem intromissão de um discurso explícita e formalmente sustentado pelo próprio poeta ("[...] é quando se tiram as palavras do poeta no meio das falas, e fica só o diálogo"); a modalidade mista da narrativa comporta segmentos de simples narrativa e segmentos de imitação. Estas três modalidades do discurso consubstanciam-se em três macro-estruturas literárias, em cada uma das quais são discrimináveis diversos gêneros: "em poesia e em prosa há uma espécie que é toda de imitação, como tu dizes que é a tragédia e a comédia; outra, de narração pelo próprio poeta - é nos ditirambos que pode encontrar-se de preferência; e outra ainda constituída por ambas, que se usa na composição da epopéia e de muitos outros gêneros [...]".
Assim, Platão lança os fundamentos de uma divisão tripartidados gêneros literários, distinguindo e identificando o gênero imitativo oumimético, em que se incluem a tragédia e a comédia, o gêneronarrativo puro, prevalentemente representado pelo ditirambo, e o gênero misto, no qual avulta a epopéia. Nesta tripartição, não é claro, nem a nível conceptual nem a nível terminológico, o estatuto da poesia lírica (...).
(...)
Segundo Aristóteles, a matriz e o fundamento da poesia consistem na imitação: «Parece haver, em geral, duas causas, e duas causas naturais, na gênese da Poesia. Uma é que imitar é uma qualidade congênita nos homens, desde a infância (e nisso diferem dos outros animais, em serem os mais dados à imitação e em adquirirem, por meio dela, os seus primeiros conhecimentos); a outra, que todos apreciam as imitações.» A mímese poética, que não é uma literal e passiva cópia da realidade, uma vez que apreende o geral presente nos seres e nos eventos particulares - e, por isso mesmo, a poesia se aparenta com a filosofia -, incide sobre «os homens em ação», sobre os seus caracteres (ethe), as suas paixões (pathe) e as suas ações (praxeis). A imitação constitui, por conseguinte, o princípio unificador subjacente a todos os textos poéticos, mas representa também o princípio diferenciador destes mesmos textos, visto que se consubstancia com meios diversos, se ocupa de objetos diversos e se realiza segundo modos diversos.
Consoante os meios diversos com que se consubstancia a mímese, torna-se possível distinguir, por exemplo, a poesia ditirâmbica e os nomos, por um lado, pois que são gêneros em que o poeta utiliza simultaneamente o ritmo, o canto e o verso, e a comédia e a tragédia, por outro, pois que são gêneros em que o poeta usa aqueles mesmos elementos só parcialmente (assim, na tragédia e na comédia o canto é apenas utilizado nas partes líricas).
Se se tomar em consideração a variedade dos objetos da mímese poética, isto é, dos «homens em ação», os gêneros literários diversificar-se-ão conforme esses homens, sob o ponto de vista moral, forem superiores, inferiores ou semelhantes à média humana. Os poemas épicos de Homero representam os homens melhores, as obras de Cleofonte figuram-nos semelhantes e as paródias de Hegemão de Taso imitam-nos piores. A tragédia tende a imitar os homens melhores do que os homens reais e a comédia tende a imitá-los piores; a epopéia assemelha-se à tragédia por ser uma «imitação de homens superiores».
Finalmente, da diversidade dosmodos por que se processa a imitação procedem importantes diferenciações, já que o poeta pode imitar os mesmos objetos e utilizar idênticos meios, mas adotar modos distintos de mímese. Aristóteles contrapõe o modo imitativo, a imitação narrativa, ao modo dramático, em que o poeta apresenta «todos os imitados como operantes e atuantes». No modo narrativo, é necessário discriminar dois submodos: o poeta narrador pode converter-se «até certo ponto em outro», como acontece com Homero, narrando através de uma personagem, ou pode narrar diretamente, por si mesmo e sem mudar. (...) O modo narrativo permite que o poema épico tenha uma extensão superior à da tragédia: nesta última, não é possível imitar várias partes da ação como desenvolvendo-se ao mesmo tempo, mas apenas a parte que os atores representam na cena», ao passo que, na epopéia, precisamente por se tratar de uma narração, o poeta pode «apresentar muitas partes realizando-se simultaneamente, graças às quais, se são apropriadas, aumenta a amplitude do poema». Esta variedade de episódios da epopéia contribui para dar esplendor ao poema e para recrear o seu ouvinte.
(...)
4.3. A doutrina horaciana sobre os gêneros literários
A Epístola ad Pisones, ou Ars poetica, de Horácio mergulha as suas raízes doutrinárias na tradição da poética aristotélica, não decerto pelo conhecimento direto da obra do Estagirita, mas pela mediação de várias influências assimiladas pelo poeta latino, em particular a influência de Neoptólemo de Pário, um teorizador da época helenística vinculado ao magistério de Aristóteles e da escola peripatética sobre matérias de estética literária. Sem possuir a sistematicidade e a profundeza analítica da Poética de Aristóteles, aEpístola ad Pisones dedica todavia importantes reflexões e juízos à problemática dos gêneros literários, tendo desempenhado, ao longo da Idade Média e sobretudo desde o Renascimento até ao neoclassicismo setecentista, uma função historicamente muito produtiva na constituição de teorias e no estabelecimento de preceitos atinentes àquela problemática. (...)
Horácio concebe o gênero literário como conformado por uma determinada tradição formal, na qual avulta o metro, por uma determinada temática e por uma determinada relação que, em função de fatores formais e temáticos, se estabelece com os receptores. (...)
O poeta deve adotar, em conformidade com os temas tratados, as convenientes modalidades métricas e estilísticas. A infração desta norma, que em termos de gramática do texto poderíamos considerar como reguladora da coerência textual, desqualifica radicalmente o poeta.
(...) Horácio concebia portanto os gêneros literários como entidades perfeitamente diferenciadas entre si configuradaspor distintos caracteres temáticos e formais, devendo o poeta mantê-los cuidadosamente separados, de modo a evitar, por exemplo, qualquer hibridismo entre o gênero cômico e o gênero trágico (...).
Embora Horácio faça referência a diversos tipos de composições líricas - hinos, encômios e epinícios, poemas eróticos e escólios -, a lírica, como categoria genérica, não aparece adequadamente caracterizada e delimitada na Epístola ad Pisones.
[...]
4.9 - Reformulações do conceito de genérico na teoria da literatura contemporânea
(...) O formalismo russo, cuja fundamentação anti-idealista e cujo "novo pathos de positivismo científico" foram realçados por Eikhenbaum, atribuiu logicamente ao gênero, quer na praxis da literatura, quer na metalinguagem da teoria, da crítica e da história literárias, uma importância de primeiro plano. Com efeito, um princípio teorético essencial do formalismo russo consiste na afirmação de que a "soledade" e a "singularidade" de cada obra literária não existem, porque todo o texto "faz parte do sistema da literatura, entra em correlação com este mediante o gênero [...]". Como escreve Tomachevski num dos capítulos da sua obra intitulada Teoria da literatura, o gênero define-se como um conjunto sistêmico de processos construtivos, quer a nível técnico-formal, manifestando-se tais caracteres do gênero como os processos dominantes na criação da obra literária. (...)
Rejeitando qualquer dogmatismo reducionista que originaria uma classificação rígida e estática, os formalistas russos conceberam o gênero literário como uma entidade evolutiva, cujas transformações adquirem sentido no quadro geral do sistema literário e na correlação deste sistema com as mudanças operadas no sistema social, e por isso advogaram uma classificação historicamente descritiva dos gêneros.
(...)
Com a herança teórica e metodológica do formalismo russo se relaciona ainda a caracterização dos gêneros literários proposta por Jakobson, baseada na função da linguagem que exerce o papel desubdominante em cada gênero (o papel de função dominante, de acordo com a concepção jakobsoniana da literariedade, é exercido pela função poética): o gênero épico, concentrado sobre a terceira pessoa, põe em destaque a função referencial; o gênero lírico, orientado para a primeira pessoa, está vinculado estreitamente à função emotiva; o gênero dramático, "poesia da segunda pessoa", apresenta como subdominante a função conativa e "caracteriza-se como suplicatório ou exortativo conforme a primeira pessoa esteja nele subordinado à segunda ou a segunda à primeira".
(...)
Uma das mais ambiciosas e originais sínteses da problemática teorética dos gêneros literários foi elaborada por Northrop Frye, na sua obra Anatomia da crítica (1957). Logo na "Introdução polêmica" deste livro brilhante e, às vezes, paradoxal, Northrop Frye enumera entre os problemas mais importantes da poética a delimitação e a caracterização das "categorias primárias da literatura", sublinhando
enfaticamente: "Descobrimos que a teoria crítica dos gêneros parou precisamente onde Aristóteles deixou-a". Como outros investigadores contemporâneos, Frye admira naPoética de Aristóteles o modelo epistemológico e metodológico que a teoria da literatura do nosso tempo, orientada por ideais de racionalidade científica, pode e deve utilizar na análise dos fatos e dos problemas surgidos posteriormente a Aristóteles. (...)
Em primeiro lugar, Frye estabelece uma teoria dos modos ficcionais, inspirando-se na caracterização aristotélica dos caracteres das ficções poéticas, os quais podem ser melhores, iguais ou piores "do que nós somos". Tal classificação dos modos ficcionais, que não apresenta quaisquer implicações moralísticas, é ideada em função da capacidade de ação do herói das obras de ficção e da sua relação com os outros homens e com o meio. (...)
Por outro lado, Northrop Frye estabelece a existência de quatrocategorias narrativas mais amplas do que os gêneros literários geralmente admitidos e logicamente anteriores a eles. Estas categorias, que Fryemythoi, fundam-se na oposição e na interação do ideal com o atual, do mundo da inocência com o mundo da experiência: o "romance" é o mythosdo mundo da inocência e do desejo; aironia ou a sátira enraízam-se no mundo defectivo do real e da experiência; a tragédia representa o movimento da inocência, através dahamartia ou falta, até à catástrofe; acomédia caracteriza-se pelo movimento ascensional do mundo da experiência, através de complicações ameaçadoras. (...)
Finalmente, Northrop Frye constrói uma teoria dos gêneros, partindo do princípio de que as distinções genéricas em literatura têm como fundamento o radical de apresentação: as palavras podem ser representadas, como se em ação, perante o espectador; podem ser recitadas ante um ouvinte; podem ser cantadas ou entoadas; podem, enfim, ser escritas para um leitor.
O epos constitui aquele gênero literário em que o autor ou um recitador narram oralmente, dizem os textos, peranteum auditório postado à sua frente. (...)
O gênero lírico caracteriza-se pelo ocultamento, pela separação do auditório em relação ao poeta. O poeta lírico pretende em geral falar consigo mesmo ou com um particular interlocutor. (...)
O gênero dramáticocaracteriza-se pelo ocultamento, pela separação do autor em relação ao seu auditório, cabendo aos caracteres internos da história representada dirigirem-se diretamente a este mesmo auditório.
Ao gênero literário cujo radical de apresentação "é a palavra impressa ou escrita", tal como acontece nos romances e nos ensaios, concede Frye a designação de ficção, embora reconhecendo que se trata de uma escolha arbitrária. Na ficção, ao contrário do que acontece no epos, tende a dominar a prosa, porque o ritmo contínuo desta adequa-se melhor à "forma contínua do livro".
(...)
Emil Staiger escreveu a obra intitulada Grundbegriffe der Poetik[Conceitos Fundamentais da Poética]. Condenando uma poética apriorística e anti-histórica, Staiger acentua a necessidade de a poética se apoiar firmemente na história, na tradição formal concreta e histórica da literatura, já que a essência do homem reside na sua temporalidade. Retomando a tradicional tripartição de lírica, épica e drama, reformulou-a profundamente, substituindo estas formas substantivas e substancialistas pelas designações adjetivais e pelos conceitos estilísticos de lírico, épico e dramático. O que permite fundamentar a existência destes conceitos básicos da poética? A própria realidade do ser humano, pois "os conceitos do lírico, do épico e do dramático são termos da ciência literária para representar possibilidades fundamentais da existência humana em geral; e existe uma lírica, uma épica e uma dramática, porque as esferas do emocional, do intuitivo e do lógico constituem em última instância a própria essência do homem, tanto na sua unidade como na sua sucessão, tal como aparecem refletidas na infância, na juventude e na maturidade". Staiger caracteriza o lírico comorecordação, o épico como observaçãoe o dramático como expectativa. Tais caracteres distintivos conexionam-se obviamente como a tridimencionalidade do tempo existencial: a recordação implica o passado, a observação situa-se no presente, a expectativa no futuro. Deste modo, a poética alia-se intimamente à ontologia e à antropologia e a análise dos gêneros literários volve-se em reflexão sobre a problemática existencial do homem, sobre a problemática do "ser e do tempo".
[...]

Outros materiais