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Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 1/68 Direito Agrário Prof. Fernando Campos Scaff Índice 1 Aula de 22/02/2011 (Alonso) .......................................................................................................................... 4 1.1 Avisos Gerais............................................................................................................................................ 4 1.1.1 Provas ................................................................................................................................................ 4 1.1.2 Livros E Manuais Sugeridos.............................................................................................................. 4 1.2 Introdução ................................................................................................................................................. 4 1.3 Contornos Históricos do Direito Agrário ................................................................................................. 5 1.4 Elementos Condicionantes do Direito Agrário......................................................................................... 5 1.5 Qualificações do Direito Agrário.............................................................................................................. 6 1.6 Conclusão ................................................................................................................................................. 6 2 Aula de 01/03/2011 (Alex) .............................................................................................................................. 7 2.1 Elementos distintivos do Direito Agrário ................................................................................................. 7 2.2 A empresa agrária ..................................................................................................................................... 9 2.2.1 Requisitos da empresa ..................................................................................................................... 11 2.2.1.1 Organização .............................................................................................................................. 11 2.2.1.2 Economicidade ......................................................................................................................... 11 2.2.1.3 Profissionalidade....................................................................................................................... 12 2.2.2 Elementos da empresa ..................................................................................................................... 12 2.2.3 Algumas relações entre os conceitos ............................................................................................... 12 3 Aula de 15/03/2011 (Bernard) ....................................................................................................................... 14 3.1 Elementos da empresa ........................................................................................................................... 14 3.1.1 Atividade.......................................................................................................................................... 14 3.1.2 Empresário ....................................................................................................................................... 16 3.1.3 Estabelecimento rural ...................................................................................................................... 17 4 Aula de 22/03/2011 (César)........................................................................................................................... 19 4.1 Bens do direito agrário............................................................................................................................ 19 4.1.1 Retomada da aula anterior ............................................................................................................... 19 4.1.2 O estabelecimento no CC/02 ........................................................................................................... 19 4.1.3 Teorias sobre o estabelecimento ...................................................................................................... 19 4.1.3.1 Teoria atomística ...................................................................................................................... 19 4.1.3.2 Teorias unitárias........................................................................................................................ 19 4.1.3.2.1 Sujeito de direitos, destacado da pessoa do empresário. .................................................. 19 4.1.3.2.2 Núcleo patrimonial autônomo ........................................................................................... 20 4.1.3.2.3 Universalidade de fato ....................................................................................................... 20 4.1.3.2.4 Conceito de estabelecimento agrário ................................................................................. 20 4.1.4 Bens materiais.................................................................................................................................. 20 4.1.4.1 Fundo rústico ............................................................................................................................ 20 4.1.4.2 Instrumentos ............................................................................................................................. 21 4.1.4.3 Produtos .................................................................................................................................... 21 4.1.5 Bens imateriais................................................................................................................................. 21 4.1.5.1 Marca ........................................................................................................................................ 21 4.1.5.2 Firma......................................................................................................................................... 23 4.1.5.3 Insígnia ..................................................................................................................................... 23 4.1.6 Denominações de origem ................................................................................................................ 23 Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 2/68 5 Aula de 29/03/2011 (Carol) ........................................................................................................................... 24 5.1 Bens Imateriais Concorrentes do Estabelecimento Agrário ................................................................... 24 5.2 Aviamento............................................................................................................................................... 25 6 Aula de 05/04/2011 (Ed) ............................................................................................................................... 30 6.1 Biotecnologia ......................................................................................................................................... 30 6.1.1 Vantagens Dos Transgênicos........................................................................................................... 30 6.1.2 Riscos Dos Transgênicos................................................................................................................. 30 6.1.3 Tratamento Jurídico Dado aos Transgênicos................................................................................... 31 7 Aula de 12/04/2011 – Não houve aula ..........................................................................................................33 8 Aula de 26/04/2011 (Daniella) ...................................................................................................................... 34 8.1 Contratos Agrários e Direito Real de Superfície .................................................................................... 34 8.1.1 Escorço Histórico............................................................................................................................. 34 8.2 Contratos Típicos.................................................................................................................................... 34 8.2.1 Contratos Agrários em sentido estrito ............................................................................................. 34 8.2.2 Contratos de Empresa ...................................................................................................................... 35 8.2.3 Contratos de sociedade .................................................................................................................... 35 8.2.4 Contratos Agroindústriais................................................................................................................ 35 8.2.5 Contrato do agrobusiness................................................................................................................. 36 8.3 Arrendamento e Parceria ........................................................................................................................ 36 8.3.1 Arrendamento .................................................................................................................................. 36 8.3.1.1 Partes......................................................................................................................................... 37 8.3.1.2 Objeto ...................................................................................................................................... 37 8.3.1.3 Remuneração ........................................................................................................................... 37 8.3.1.4 Prazo mínimo............................................................................................................................ 37 8.3.1.5 Forma........................................................................................................................................ 38 8.3.1.6 Extinção do arrendamento ........................................................................................................ 38 8.3.1.7 Ação judicial cabível para obter a retomada do imóvel no caso de inadimplemento............... 38 8.3.1.8 Direito de preempção ou de preferência................................................................................... 38 8.3.1.9 Direito de prelação ou preferencia dos herdeiros ..................................................................... 38 8.3.2 Parceria ............................................................................................................................................ 38 8.3.2.1 Modalidades.............................................................................................................................. 39 8.3.2.2 Falsa parceria ............................................................................................................................ 39 8.3.2.3 Diferença entre parceira e arrendamento .................................................................................. 39 8.3.2.4 Prazo ......................................................................................................................................... 39 8.3.2.5 Percentuais ................................................................................................................................ 39 8.3.3 Superfície ......................................................................................................................................... 40 8.3.3.1 Prazo ......................................................................................................................................... 40 8.3.3.2 Causa......................................................................................................................................... 40 8.3.3.3 Forma........................................................................................................................................ 40 8.3.3.4 Direito de preferência ............................................................................................................... 41 8.3.3.5 Uso do subsolo.......................................................................................................................... 41 9 Aula de 03/05/2011 - Prova........................................................................................................................... 42 10 Aula de 10/05/2011 (Deborah) .................................................................................................................... 43 10.1.1 Ilegalidades do Processo Expropriatório ....................................................................................... 45 11 Aula de 17/05/2011 – Não houve aula ........................................................................................................ 58 12 Aula de 24/05/2011 (Ed) ............................................................................................................................. 59 12.1 Usucapião ............................................................................................................................................. 59 12.2 Direito agrário x ambiental ................................................................................................................... 60 13 Aula de 31/05/2011 – Não houve aula ........................................................................................................ 62 Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 3/68 14 Aula de 07/06/2011 (Elyson)....................................................................................................................... 63 14.1 Segurança alimentar.............................................................................................................................. 63 14.2 FAO e o Fome Zero .............................................................................................................................. 64 14.2.1 FDA - U S Food and Drug Administration → é a ANVISA norte americana. Regula a questão de remédios e a liberação de alimentos (new food – geneticamente modificados).................................. 66 14.3 Princípios na segurança alimentar ........................................................................................................ 66 Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 4/68 1 Aula de 22/02/2011 (Alonso) 1.1 Avisos Gerais 1.1.1 Provas Serão 2 provas, com mesmo peso, uma que será marcada pelo professor (intermediária) e outra no fim do semestre (final), que será marcada pela diretoria da faculdade. 1.1.2 Livros E Manuais Sugeridos ALMEIDA, Paulo Guilherme; Aspectos Jurídicos da Reforma Agrária no Brasil. São Paulo : LTR, 1.990. BALLARÍN MARCIAL, Alberto; Derecho Agrario. 2ª ed., Madri : Editorial Revista de Derecho Privado, 1.978. BARRETO FILHO, Oscar; Teoria do Estabelecimento Comercial. 2ª ed., São Paulo : Saraiva, 1.988. BORGES, Paulo Torminn; Institutos Básicos de Direito Agrário. 6ª ed., São Paulo : Saraiva, 1991. CARROZZA, Antonio; Lezioni di Diritto Agrario. Milão : Dott. A. Giuffrè, 1.988. __________ e ZELEDÓN, Ricardo Zeledón; Institutos de Derecho Agrario. Buenos Aires : Astrea, 1.990. DE-MATTIA, Fábio Maria; Especialidade do Direito Agrário. Tese apresentada no concurso para Professor Titular no Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo. _________, Generalidades sobre os Contratos Agrários. In Estudos em Homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo : Saraiva, 1989. GALLONI, Giovanni; Lezioni sul Diritto Dell’Impresa Agricola. 2ª ed., Liguori, 1.984. _________; Potere de Destinazione e Impresa Agricola. Milão : Dott. A. Giuffrè, 1.974. GERMANÒ, Alberto; Manuale di Diritto Agrario. Turim : G. Giappichelli, 1.997. GISCHCOW, Emílio Alberto Maya; Princípios de Direito Agrário. São Paulo : Saraiva, 1988 GODOY, Luciano de Souza; Direito Agrário Constitucional. 2ª ed., São Paulo : Atlas, 1999. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; Atividade Agrária e Proteção Ambiental: Simbiose Possível. São Paulo : Cultural Paulista, 1.997; REZEK, Gustavo Elias Kallás; Imóvel Agrário. Curitiba : Juruá, 2007. SCAFF, Fernando Campos; Aspectos Fundamentais da Empresa Agrária. São Paulo : Malheiros, 1997. ____________________ Teoria Geral do Estabelecimento Agrário. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001. 1.2 Introdução O Direito Agrário tem como base institutos de Direito Civil. Os fundamentos que permitem qualificá-lo como disciplina autônoma, independente daquele, serão estudados neste curso. O professor distribuiu o Programa da disciplina e o roteiro da primeira aula, que enviei a todos os colegas e remeto novamente junto com esta anotação. A perspectiva que o professor adotará do direito agrário é a da produção de riqueza, da atividade agrária como empresa (atividade entendida no sentido que o código civil prescreve, no livro do direito de empresa). Os elementos da empresa agrária serão analisados do ponto de vista dinâmico, no cumprimento de seu objetivo que é oferecer bens em mercado (suprir necessidades alimentares, em mercado) e gerar empregos. O direito civil estuda a propriedade do ponto de vista estático, como reserva de valor e como elemento de realização da personalidade. O direito agrário procura descrever a Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 5/68 propriedade sob ponto de vista dinâmico, funcional, isto é, a propriedade orientada para a produção de riqueza (a propriedade é analisada na sua perspectiva econômica). Estudaremos os elementos básicos da empresa (empresário, atividade e estabelecimento), procurando integrá-los na teoria da empresa como fenômeno poliédrico. No direito agrário os elementos de empresa são qualificados, como veremos. Estudaremos os elementos materiais e imateriais da propriedade agrária, as patentes, os cultivares (bioética, transgênicos e apropriação de royalties). Estudaremos a concorrência e o estabelecimento de barreiras comerciais agrárias. A questão da reforma agrária também será estudada, bem como os contratos agrários (típicos e atípicos – tal como a formação de preços em mercados futuros), a questão das terras devolutas, o georreferenciamento e a demarcação da propriedade agrária, os alimentos orgânicos, etc. O rol de temas que serão tratados é bem extenso, mas trata de revisão de institutos já estudados durante o curso de direito, porém, sob a ótica agrária (isto é, qualificados pela destinação agrária). 1.3 Contornos Históricos do Direito Agrário O Direito Agrário inicia-se na Itália, na Escola Toscana (os principais autores do direito agrário são italianos, até os dias atuais). Decorre da reprodução do Código Napoleônico (1804), que serve de base ao Código Civil Italiano de 1865. Este prescrevia o regime jurídico da propriedade rural, lugar habitado pela maioria da população da época e poderia ser definido como protótipo de um código rural ou como uma carta da burguesia rural. A propriedade urbana era privilégio de poucos, a classe dominante (castelos etc). O Código Napoleônico (pós revolução francesa) prescreveu três elementos de grande importância para o momento histórico (fundamentais, básicos para a realização do liberalismo econômico e político): 1. Respeito ao direito objetivo (positivismo jurídico); 2. Previsão do contrato [que mudou o paradigma dos direitos subjetivos: antes fundados no status (condição de nascimento, posição social) e que passaram a se fundar no contrato] – o contrato permitia a transferência da propriedade rural; 3. Respeito aos direitos de propriedade (na perspectiva de bens de reserva de valor, que conservam a riqueza acumulada – importante naquele momento histórico, em que não havia direito social algum, como p. ex., o direito previdenciário). A propriedade agrária insere num processo histórico de acúmulo e preservação de riquezas. O objeto clássico do direito de propriedade são os direitos de usar, fruir e dispor de coisa, além da faculdade de reavê-la. No contexto do Direito Agrário, porém, tal objeto é qualificado pela função da propriedade agrária, que é produzir bens de produção (ou, dizendo de outro modo, riquezas, mercadorias, tais como alimentos, combustíveis etc). Neste contexto vislumbra-se a função social da propriedade agrária, na medida em que a lei a prescreve como um poder-dever de produzir riquezas (bens de produção), ou seja, aquele que dela for titular (dimensão de poder), tendo em vista a extensão coletiva do instituto, deve orientá-la necessariamente à produção de riquezas (dimensão de dever). Assim, no Direito Agrário, a propriedade passa a ter uma definição dinâmica, não mais estática como ocorre no direito privado clássico. Tal dinamicidade define o conceito de agrariedade, conforme tese de Antonio Carrozza. 1.4 Elementos Condicionantes do Direito Agrário O Direito agrário é condicionado por dois fatos externos ao direito (esferas extrajurídicas): (1) fato técnico: insere-se no controle do ciclo biológico da produção agrária, que o homem desenvolveu historicamente. Tal controle, a despeito do avanço tecnológico, não é completo, estando a produção de bens sujeita aos ciclos naturais. Assim, pode-se dizer que há uma sujeição do direito agrário aos ciclos naturais. Ex.: uma vaca leiteira produz de 20 a 30 litros por dia, em horários definidos; não se pode ultrapassar tal limite; Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 6/68 (2) fato político: na idade média a produção agrária dava-se no contexto de suzerania e vassalagem, modelo cuja superação se iniciou na Inglaterra, no limiar da era moderna. No Brasil, atualmente, há no Congresso Nacional a bancada ruralista, detentora de significativo poder legislativo e político, assim como a bancada ambientalista, que se forma e contrapõe os interesses da primeira. O componente político é altamente relevante para o Direito Agrário, como se nota, por exemplo, na diferença entre os conceitos de função social em ambiente urbano e em ambiente rural, no juro subsidiado colocado à disposição da atividade produtiva agrária etc. 1.5 Qualificações do Direito Agrário Os autores costumam apresentar qualidades ao Direito Agrário, para especificá-lo. Os autores se dividem em grupos, conforme se segue: 1. É o direito genérico da atividade agrária, que, embora não seja jurídica, condiciona os institutos jurídicos que a circundam (fato técnico/ciclo biológico); 2. É o direito das coisas; 3. É o ramo do direito civil que trata da propriedade agrária (de terras rurais); 4. É o ramo do direito civil que trata dos contratos agrários; 5. É o ramo do direito que trata da atividade agrária (cultivo de vegetais, criação de animais, comercialização e transformação dos produtos etc); 6. Direito que zela pelos recursos naturais (preservação ambiental); 7. Direito agro-alimentar (segurança alimentar, suficiência alimentar). São muitas as acepções, que usam variados institutos jurídicos, que têm como denominador comum a agrariedade. O qualificativo agrariedade engloba a produção de riquezas agrárias para oferta em mercado, sob condições especiais (condicionada pelo ciclo biológico e pelo fato político). 1.6 Conclusão Qual o sentido do DireitoAgrário, então? Os institutos de direito agrário são fundamentalmente os institutos de direito privado: a empresa, a propriedade, bens materiais e imateriais e os contratos, isto é, basicamente os institutos já estudados em direito civil; porém, qualificados pela função (como prescrito na lei). Tal qualificação sujeita o Direito Agrário a certas peculiaridades, tais como as apresentadas nos exemplos: Ex. 1: o contrato agrário também é um acordo de vontades, bilateral, com obrigações recíprocas (sinalagmáticas), oneroso etc. Porém, mudam os detalhes do contrato, devido aos fatos externos ao direito, tal como o fato técnico (um contrato de arrendamento de terra pode durar anos; contrato de assistência técnica em colheita, cujo prazo é o término da mesma). Ex. 2: os limites da propriedade rural são, por vezes, imprecisos, pois os registros públicos são antigos e insuficientes (o geo-referenciamento, que atualmente é implementado, ajuda muito). Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 7/68 2 Aula de 01/03/2011 (Alex) 2.1 Elementos distintivos do Direito Agrário Na semana passada foram dadas as justificativas para o estudo da matéria de maneira diferenciada e, hoje, seguindo esse assunto, vai falar sobre a qualificação dos institutos, bem como vai traçar os primeiros contornos de um instituto que vai permear toda a disciplina, que é o instituto da empresa. Semana passada, ele comentou que, dentro das várias definições de Direito Agrário, algumas vão se vincular a institutos de índole, fundamentalmente, patrimonial, como as questões da propriedade, de direitos materiais e imateriais, da reforma agrária, que, por sua vez, está vinculada a desapropriação, comportando um fato político. Neste sentido, frisou que o Direito Agrário é uma disciplina que se preocupa com o aspecto da produção, da satisfação de uma função social de determinados bens que tem nas suas qualidades, nas suas aptidões, a potencialidade de gerar algumas riquezas. O Direito Agrário, não apenas pensa esses bens sob o enfoque patrimonial, mas sob aquilo que eles possam servir a uma destinação determinada, sendo essa destinação determinada a geração de frutos, a geração de nova riqueza. Na aula passada, além de destacar os fatos técnicos e políticos do Direito Agrário, disse também que este ramo do direito será estudado com base em institutos determinados, isto é, pensar-se-á o Direito Agrário como matéria de Direito Privado comportando uma série de institutos jurídicos que, de alguma forma, sejam qualificados. O que o professor quer dizer com isso é que nessa disciplina, devemos pensar como matéria de Direito Privado os institutos que já estudamos e conhecemos. A propriedade aqui é aquela tal como já estudamos durante o curso, como o mais amplo dos direitos reais que comporta a faculdade de fruir, de usar, de dispor, de reaver de quem a injustamente detém, tendo os mesmos princípios. Mas não é exatamente a mesma propriedade que existe no direito comercial, no direito indústrial ou no direito de autor. O sentido de se estudar uma disciplina do Direito Agrário de maneira diferenciada, assim como acontece também avaliamos o Direito Comercial de forma também diferenciada, é encontrar um elemento de qualificação, aquilo elemento presente seja na propriedade, no contrato ou na empresa que vai distinguir, por exemplo, a propriedade rural de outras propriedades. O que é esse elemento de unificação ou de qualificação conjunta que distingue, no âmbito do Direito Agrário, a propriedade, o contrato, a empresa? Há um elo unificador para todos esses institutos, que é o chamado princípio da agrariedade, discutido e estudado primordialmente por autores italianos. É um elemento que vai qualificar uma série de institutos jurídicos nesta disciplina. Para defini- lo há de se pensar que: o direito agrário é uma atividade produtiva que está vinculada ao desenvolvimento de um ciclo biológico. Esse ciclo biológico seria a transformação de uma semente em um fruto, de um filhote em um animal que será abatido ou, por exemplo, no fruto em elemento de consumo. Essa subordinação do ciclo biológico à atividade humana estaria neste conceito de agrariedade. Além disso, utilizando, desfrutando dos recursos naturais (água, clima, solo), ou seja, o controle desse ciclo biológico feito pelo homem está baseado na utilização de recursos naturais e o resultado dessa atividade é a produção dos frutos que vão se destinar ao consumo. Portanto, produtos animais e vegetais, idealizados pelo homem, utilizando-se de recursos naturais, com esse controle e interferência do ciclo biológico vai ser para muitos autores esse elemento qualificador, que vai, portanto, trazer especificidades a uma série de institutos jurídicos. Quais institutos? A propriedade pode ser propriedade agrária, desde que de alguma forma vinculada a esse ciclo biológico organizado. O contrato pode ser contrato agrário desde que se viabilize essa realização produtiva. A empresa, tal como atividade organizada, se ela for destinada à produção de animais e vegetais direcionados ao consumo, será empresa agrária. Os institutos são os mesmos, o contrato tal como negócio jurídico bilateral, a propriedade tal como direito real ou a empresa como atividade organizada destinada à produção subordinada a um poder de destinação do empresário são conceitos que vão servir ao Direito Privado, quiçá também ao Direito Público, como um todo. Porém, se estes institutos estiverem vinculados a um ciclo biológico destinados à produção de bens vão então receber o qualificativo de agrário. Uma vez recebido o qualificativo de agrário, o que isso muda? Há conseqüências e funções Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 8/68 diferenciadas. Exemplo: A propriedade não utilizada ou subutilizada, maior do que determinada área e menor do que outra, pode ser desapropriada desde que seja agrária, o que não acontece com a propriedade dita urbana. Quando for adquirida uma propriedade agrária serão exigidos alguns documentos que não são exigidos em relação à propriedade urbana. Isto acontece simplesmente porque o legislador quis assim? Não, há uma justificativa. Tal diferenciação está ancorada na idéia de que a propriedade rural serve, de algum modo, à realização de uma atividade produtiva de criação de animais ou de cultivo de vegetais, atividades primárias da economia necessárias e indispensáveis. A agrariedade, portanto, servirá para que o Estado organize as suas funções, como, por exemplo, para que ele diga que uma parte do orçamento vai ser destinada para subsidiar crédito agrícola, crédito este que será necessariamente utilizado para o fomento de atividades agrárias de baixa rentabilidade e enormes dificuldades de manutenção, de pouquíssimo valor agregado ao produto final e, por conta disso, haverá um subsídio ou o benefício do crédito. Subsídios estes que até podem ser diferenciados. O Brasil, por exemplo, nos painéis da OMC, já discutiu subsídios americanos do algodão, da laranja, enfim uma série de questões de natureza comercial vinculadas a facilidades ou não de crédito. Nesta semana, o professor leu notícias de que davam conta da existência de cartazes na Europa dizendo: “A carne é exclusivamente européia”, de forma a fomentar o consumo da carne européia na Europa. É uma característica de debate concorrencial. Os pecuaristas irlandeses são os mais agressivos nesta disputa de mercado, querendo impedir a entrada da carne brasileira na Europa, uma vez que o Brasil tem vantagens competitivas como gado não confinado, extensão de terras, pouca adubação, pouca interferência artificial e um produto de melhor qualidade, em tese. Sendo assim, o conceito de agrariedade tem o condão de influenciar o governo na concessão de privilégios (créditos, por exemplo) ou de fazer com que ele aja de maneira mais rígida com o proprietário que nãoqueira cumprir a função social da propriedade. A questão do ciclo biológico e dos recursos naturais é um elemento extrajurídico, não existe definição, nem deveria haver definição jurídica de agricultura, de pecuária, de recursos naturais, que são conceitos externos à ciência jurídica, mas que nela interferem. Isso gerou um debate. Na Itália, na primeira metade do século passado, houve um debate entre duas escolas que bem espelham essa discussão. De um lado, a Escola técnica: no Direito Agrário, a quantidade de elementos externos que interferem nessa disciplina jurídica é de tal modo, de tal sorte, que não posso, se quiser estudar o Direito Agrário, ficar muito apegado a princípios dogmático-jurídicos. Tenho que mudar a perspectiva de sistematização dos institutos jurídicos. O professor fez um aparte no tema, destacado nos próximos dois parágrafos: Já estudamos no primeiro ano a chamada jurisprudência dos interesses, uma forma de expressão piramidal das fontes do direito. Reconheço que existe a lei, a jurisprudência, os usos e costumes e a doutrina, mas havendo lei, em confronto com outra fonte do direito, ela há de prevalecer. Essa é a outra escola, em que a única fonte do direito é a lei. Quando consigo condensar o princípio numa norma escrita, chega-se à sofisticação máxima. Se o interesse a ser protegido é importante, ele deve estar fixado em lei, se não existir lei é porque tal interesse não é importante e não deve ser protegido pelo Direito. Um contraponto a chamada jurisprudência dos interesses (outra escola): a lei existe, mas se o juiz não quiser aplicá-la, ele resolve o assunto de qualquer jeito, se vale de outra fonte do direito e faz justiça ao caso concreto, o que seria, na verdade, dar ao juiz o papel de legislador. Outra forma para se fazer a mesma coisa: o juiz decide o que vai fazer e então “acha” uma lei para dar suporte a sua decisão. Feito o aparte, o professor prosseguiu: A Escola Técnica dizia que, no Direito Agrário, não é a lei que prevalece, existe nele uma estrutura de usos e costumes, que são de tal forma importantes que um elemento técnico e sua definição – extrajurídica por excelência - deve prevalecer sobre a disposição do sujeito que faz a lei. Contra essa escola técnica, existia um professor, mais contemporâneo, chamado Argeu Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 9/68 Arcangeli. Para ele propriedade é propriedade, empresa é empresa, são institutos jurídicos, de tal forma que aquele que legisla o direito agrário não pode resolver inovar e, em geral, essas espontaneidades no Direito não levam a resultados satisfatórios. Deve-se fixar conceitos já cristalizados, que já trazem segurança jurídica e tentar identificar de alguma forma as pequenas peculiaridades que podem existir, mas não podem desmerecer todo arcabouço jurídico. Para onde isso vai? Qual é o certo? Difícil dizer. Exemplo: certa vez o professor emitiu um parecer. Historinha: sujeito praticou um dano agrário ambiental e estava sendo submetido a uma ação civil pública. Detalhando: o sujeito cometeu uma irregularidade em um contrato celebrado com a Administração Pública no valor de 10 milhões e, como foi irregular, de acordo com o argumento do MP, não teve contratação válida, o ato seria nulo e o sujeito teria de devolver o valor integral para o Poder Público. Bom, mas o serviço foi prestado, algo foi feito, então o argumento do professor era o de que não seria possível indenizar um dano hipotético. Ninguém entendeu, então o professor melhor explicou: uma mera irregularidade pode ter diversas conseqüências, ou seja, aquele que andou com o carro a 150 km/h, o radar pegou e será multado, mas mesmo que tenha cometido essa irregularidade, mas se nada aconteceu, ele pode ser condenado da mesma forma que aquele que matou pessoas 15 velhinhas, 10 crianças, 3 cachorros e fez um grande estrago no trânsito? Quer dizer, mesmo o ato irregular pode gerar danos diferenciados, mas nas ações civis públicas o argumento do MP é o de que ato nulo não produz efeito então se devolve todo o dinheiro ao Estado. Em resumo, parece ao professor que não poderia haver reparação de dano hipotética, o dano tem que ser provado, cabe ao autor da ação prová-lo. No Direito Agrário, pelo menos na sua vertente ambiental, a questão é um pouco diferente e tem sido assim avaliado pelo MP em alguns julgados: não preciso só causar o dano, se eventualmente se gerar uma potencialidade de dano, aquele que causou risco de dano ambiental, mesmo que o dano não ocorra, a ele deveria ser atribuída a responsabilidade de tomar medidas, inclusive de natureza preventiva, para diminuição do risco e, eventualmente, limitação de um prejuízo meramente hipotético. Isso, na opinião do professor, se tivermos uma visão mais conservadora, conforme o estudado em Direito Civil, foge um pouco do senso comum. Como vou reparar o que não aconteceu? Em que medida vou reparar o que não aconteceu, se ao final, nem sei quantificar esse potencial dano. Só para ilustrar: o professor recebeu, para defender, uma ação civil pública contra um sujeito que tinha uma fazenda no Pará. A fazenda havia sido invadida. O MP entrou com um pedido de reparação de dano ambiental, dano que, aliás, havia sido causado por terceiros, mas mesmo assim ingressou contra o fazendeiro proprietário. Uma parte da fazenda foi supostamente devastada por terceiros e o valor da indenização pedido na ação civil pública era de 12 milhões. O MP pegou uma área, fez uma contagem em metro cúbico de madeira de lei que supostamente poderia existir naquela área e fez várias contas malucas e achou 12 milhões. O fazendeiro já tinha recebido multas administrativas no valor de 5 ou 6 milhões e hoje havia recebido uma carta que essa multa do IBAMA tinha aumentado 50%. Somado tudo, deveria pagar mais de 20 milhões por uma área que não vale isso, que teve invasão de terceiros e que o dano ambiental tinha afetado 5% ou 6% de toda a área. Se entendermos que, aqui, existe um elemento extrajurídico, isso daria suporte a uma intervenção do Estado, mas do ponto de vista pragmático e dogmático do Direito, de reparação do dano causado, que é o que, na verdade, o judiciário brasileiro adota, não se pode ter dano moral punitivo no Brasil. Nos EUA existe o dano moral punitivo, norteador de conduta, mas no Brasil não. Porém, todavia, entretanto, contudo, ressalta o professor, nesse campo do Direito Agrário, especialmente em questões ambientais, isso acontece, infelizmente. Por exemplo, sujeito no Paraná entrou com ação civil pública contra a Souza Cruz e outras fabricantes em função de pessoas que jogavam cigarros no chão. Ao invés de punir a pessoa que jogava no chão o cigarro, queria punir a empresa. Essas questões de dano ambiental geram um bom debate. Enfim, o professor passou em seu resumo o seguinte conceito: A Especialidade da Disciplina: o estudo através da identificação dos institutos (“conjunto de normas coordenadas em direção a um fim comum e as relações que elas visam regular” – VICENTE RÁO). A propriedade, o contrato e a empresa são institutos que podem ser qualificados dentro do Direito Agrário. Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 10/68 2.2 A empresa agrária Observação: A explicação do professor nesta aula sobre este assunto vai se pautar muito mais sobre institutos genéricos das empresas do que especificamente sobre a empresa agrária que, imagino, será detalhado nas próximas aulas. Estamos tratando de um Direito que tem no elemento produção o seu aspecto principal, naturalmente não a produção sob qualquer risco, custo ou forma. Se olharmos os artigos 184 e 1861 da Constituição, a função social da propriedade agrária só vai ocorrer se, concomitantemente, forem observados 4 valores fundamentais (o professor falou em 4 valores, mas na aula só citou esses 3): • produção racional adequada,• preservação dos recursos ambientais, • preservação das relações sociais (das pessoas que estão vinculadas à relação de emprego com determinada propriedade ou empresa). Havendo um interesse imediato o resultado imediato seria a desapropriação da propriedade para fins da reforma agrária. Isso foi um pouco alterado pela própria Constituição, o que aconteceu é que foi feita uma Emenda Constitucional, em que se estabeleceu que a propriedade produtiva não seria expropriada para fins de reforma agrária. No processo legislativo estabeleceu-se uma imunidade, portanto. No Direito Agrário vou priorizar a avaliação a partir do fenômeno de produção de bens. Direito ambiental preservação dos recursos ambientais, Direito do Trabalho preservação das relações ditas sociais de trabalho, no Direito Agrário é a questão da produção. Se a idéia é priorizar o elemento “produção”, qual o instituto jurídico, dentre aqueles que conhecemos, que tem como foco, como princípio, como função maior, regular esse fenômeno da atividade produtiva? A “empresa”, que hoje é um conceito jurídico previsto e inserido no nosso ordenamento jurídico nos artigos 966 e seguintes do CC brasileiro, que reproduzem disposição do Código Civil italiano que, em boa medida, copiamos, foi o primeiro que formalizou e internalizou essa idéia de empresa em 42 e, além disso, teve o papel de unificação do Direito Privado. Quanto a esse papel unificador do CC italiano, havia antes o Código Comercial que tratava de uma série de questões, como a venda mercantil, prazo diferenciado. Ele 1 Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. § 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação. § 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício. § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 11/68 estabelecia regras particulares para uma classe social extinta, era o estatuto dos comerciantes, que a eles atribuía alguns privilégios. Em 1942, na Itália, unificaram os Códigos, o que foi o que aconteceu aqui em 2002. Existe o Código Comercial hoje no Brasil? Sim, mas trata fundamentalmente do comércio marítimo, transporte marítimo. Houve a incorporação no CC de vários princípios do Direito Comercial e de várias questões do direito da sociedade, especialmente do direito de empresa. Antes do CC/02 existiam algumas referências sobre a idéia de empresa ou de empreendedor, de empresário, mas de maneira vaga e difusa no CTN, CLT, mas na verdade, o CC criou um livro novo que não havia. A definição de empresa segue o padrão do CC italiano que não define empresa por si, define empresa a partir da idéia de empresário, considerando empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços. A primeira idéia desse conceito de empresa, que hoje é um conceito legal, previsto no Código, tem origem econômica. Os economistas já falavam do fenômeno da empresa há muito tempo, que tinha sob a perspectiva econômica a empresa como uma organização de capital e trabalho destinada à produção ou mediação de bens ou serviços para o mercado, isto é, não é para o auto-consumo, não é para conservação, coordenada pelo empresário, o cabeça dessa organização, que só vai ter essa qualificação se ele assumir os riscos e os resultados. Isto é o que diferencia o empresário, sob essa perspectiva econômica, do trabalhador subordinado, porque este não assume os riscos do bom ou mau sucesso da empresa. O conceito de empresa do ponto de vista econômico foi transportado para o CC italiano, alguns falam de dois artigos do Código Comercial Francês, 632 e 633, como origem do conceito, mas o que se afirmou mesmo foi essa perspectiva econômica. 2.2.1 Requisitos da empresa O que se pensa da idéia de empresa? Há 3 requisitos fundamentais, pelo menos, para que a empresa exista. (o professor não disse quais seriam os 3 requisitos ainda, citando primeiramente os perfis da empresa de Asquini) Nas aulas de Comercial vimos os perfis da empresa de Asquini: empresa como empresário, empresa como estabelecimento, empresa como atividade e empresa como instituição. Empresa como instituição: a empresa representaria algo mais do que as pessoas que nela trabalham, do que a atividade. O CC italiano é de 1942, feito no meio da Segunda Guerra Mundial, prevalecendo na Itália o movimento fascista. Confrontavam-se a perspectiva marxista (conflito insuperável de classes) e a perspectiva “alternativa”, em que a empresa deveria servir como elemento de conciliação, de criação de novos pólos de discussão e de entendimento, numa perspectiva de superação do conflito, a empresa seria vista como instituição em si. Por conta dessa última visão, deveria prevalecer o interesse da empresa sobre o interesse individual. Isso foi admitido até certa época. Citou o professor que as Juntas de Trabalho no Brasil tinham uma configuração interessante: o juiz togado (juiz de carreira) e os chamados juízes classistas, que eram indicados pelos sindicatos dos empregados e pelos sindicatos dos empregadores. Seu nome, na verdade, era Junta de Conciliação e Julgamento, tendo a perspectiva de criar um movimento de debate construtivo entre empregado e empregador, promovendo a conciliação. A inspiração desse tipo de sistema idealizado e utópico era a perspectiva da empresa como instituição. 2.2.1.1 Organização O primeiro requisito de uma empresa, qualquer que seja ela, é a questão da organização. Empresa pressupõe organização da atividade, dos instrumentos para a realização da atividade e da atuação do empresário. Isso não se faz de maneira aleatória, a organização com vistas à obtenção do resultado final previsto. Empresa e organização são conceitos inseparáveis, não posso imaginar uma empresa que não pressupõe um nível qualquer de organização. Mas que organização? Precisa ser uma multinacional, empresa ligada a pressupostos capitalistas, socialistas? Não, grande parte dos estudos sobre empresa agrária tem modelos soviéticos, essa questão da planificação da organização está, inclusive, de acordo com a própria estrutura econômica socialista, como nos planosqüinqüenais das economias planificadas. Esta questão da organização vale para todas as empresas, portanto. Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 12/68 2.2.1.2 Economicidade O segundo requisito: economicidade. O que significa isso? Estamos falando de uma atividade agrária, atividade de produção de riqueza. Entre os elementos empregados nos resultados obtidos, tenho que ter uma equação racionalmente adequada sobre os pressupostos de criação de riqueza, Não crio uma empresa para quebrar, para falir. Toda atividade humana é destinada à criação de riqueza? Não necessariamente. Economicidade não significa lucratividade, lucratividade é fenômeno da empresa comercial, isso vale para o ato comercial. No ato agrário não necessariamente, pois pode ser que a riqueza seja gerada, mas seja utilizada internamente. Pode ser que o fazendeiro prefira produzir os insumos que os trabalhadores vão utilizar, como arroz, feijão e carne, do que ter de comprá-los. É economicamente aceitável, tem economicidade, embora não vise ao lucro. 2.2.1.3 Profissionalidade O terceiro requisito é a profissionalidade, que significa, fundamentalmente, a não ocasionalidade. Não precisa atuar o tempo todo, pode ser em parte do expediente, nos finais de semana, mas de maneira regular, estável e não aleatória. Não é um dia, um momento, que vai criar o fenômeno da empresa. Sem esses 3 requisitos (organização, economicidade e profissionalidade) não há empresa, não há condições para a criação da empresa. 2.2.2 Elementos da empresa São 3. O primeiro deles é o da atividade, que é a sequência de atos com uma destinação comum. Toda empresa pressupõe uma atividade, não pressupõe o estático, pressupõe algo dinâmico, um conjunto de atos dirigidos à realização ou produção de algo. No caso do Direito Agrário, deve haver criação de animais ou cultivo de vegetais. Se houver isso, essa atividade será agrária. O segundo elemento é o empresário, o titular do poder de destinação, aquele que pode coordenar os fatores de produção, tanto a atividade como os bens, que vai organizá-los e dispô-los de maneira a que eles possam alcançar os objetivos pretendidos, que vai assumir os riscos tanto os resultados positivos como os prejuízos. Não existe empresa sem essa pessoa, que pode ser física ou jurídica. O terceiro elemento é o estabelecimento. A imagem do estabelecimento é a de projeção patrimonial da empresa, ou seja, todo aquele conjunto de bens móveis, imóveis, materiais e imateriais, que sejam empregados ou obtidos a partir da atividade compõem o estabelecimento. O que se reconhece nisso é a chamada universalidade de direitos, conjunto de bens de natureza variável, mas todos eles empregados numa destinação comum, para viabilizar a existência da empresa, seja ela comercial, agrária ou indústrial. 2.2.3 Algumas relações entre os conceitos Empresa e propriedade: propriedade de bens agrários aptos a gerar ou a desenvolver uma atividade. Num primeiro momento que se coloca, o titular original do poder de destinação, aquele que tem a capacidade de transformar aqueles bens em relação aos quais ele tem alguma relação de domínio como elemento da empresa é justamente o proprietário. Dentre as faculdades da propriedade de usar, fruir e dispor, seria a origem de empregar aqueles bens naqueles que constituem uma empresa. Só pode ser um empresário o proprietário? Eu posso ter um empresário que não seja diretamente o proprietário daqueles bens? Como faço para fazer essa dissociação? Como faço a transferência do poder de destinação originário do proprietário para esse poder derivado? Qual o elemento jurídico que permite essa transferência? Aluno responde que é a procuração, mas o professor diz que não. Outro aluno responde que seria o aluguel. Professor diz que pode ser uma resposta, mas como poderia ser qualificado? Na verdade, um contrato de aluguel no Direito Agrário é o arrendamento. Há outra possibilidade, pergunta o professor? Qual seria outro contrato típico? Ninguém responde. Continua o professor dizendo que, independentemente dessas modalidades típicas, o que vai permitir essa transferência do poder de destinação do proprietário ao empresário, de uma maneira legítima, é a celebração de um contrato, de um negócio jurídico bilateral, de um instrumento jurídico cuja finalidade principal é a de dar um revestimento jurídico a operações econômicas. O contrato não é a operação Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 13/68 econômica, mas é o instrumental jurídico que permite que a operação econômica se dê. O empresário, portanto, pode ser o próprio proprietário ou outra pessoa mediante um contrato celebrado, um instrumento de legitimação dessa transferência de poder. Mais uma distinção: contratos para a empresa são aqueles que permitem sua criação e existência, já os contratos da empresa, para a empresa criar o seu relacionamento externo. Outra diferenciação, empresa e sociedades são sinônimas? (aluno falou algo, mas não ouvi). Daí o professor então comentou: o instituto que ampara a sociedade, do ponto de vista jurídico, é o contrato, o que está na lei, no artigo 981 do CC. “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.” A sociedade é contrato ou acordo multilateral? Contrato, para alguns, pressupõe contraposição de interesses e na sociedade, na verdade, haveria interesses convergentes, mas ainda assim prevalece a idéia contratual, conforme dispõe o Código Civil. Se eu pensar simplesmente numa atividade organizada, economicamente adequada, com princípios de racionalidade econômica, mas se ela estiver à margem da formalidade, há empresa ou não do ponto de vista jurídico? Sim. Exemplo: abriu escritório de advocacia, mas não tem inscrição na OAB, há empresa ou não se há algum tipo de prestação de serviço? Se é uma atividade organizada, economicamente adequada, profissional é uma empresa. Já a sociedade é um contrato entre duas pessoas ou mais, são pouquíssimas as exceções de sociedades unipessoal. Outro elemento da sociedade é que há atribuição de personalidade jurídica àquela sociedade, mas isto só vai acontecer se for constituída de acordo com os requisitos da lei e que tenha sido levado a registro. Vai se criar uma nova pessoa ficta sujeito de direitos e de obrigações. No entanto, uma sociedade pode existir sem isso. Posso abrir empresa sem sociedade e pode haver, inclusive, sociedade sem empresa. Por exemplo, para este último caso: celebro um contrato, constituo uma pessoa jurídica, mas ela fica paralisada sem atividade, sem organização e sem fazer absolutamente nada, ou seja, não tem empresa, mas há pessoa jurídica. Em geral, quando pensamos na atividade agrária vamos colocar como elemento principal o imóvel rural, mas não na empresa zootécnica. Na empresa zootécnica, o elemento principal são os semoventes, os animais. Exemplo: criação de frango em indústrial. Se visitarmos uma granja os frangos ficam confinados num espaço muito pequeno, altamente estressados, serão mortos de 40 a 45 dias. Passou o professor então a falar do gado, dos peixes e do mau trato dos animais confinados nestas empresas zootécnicas. Tudo isso para dizer que, nessas empresas, o elemento principal não é um bem material. Estamos falando de empresa agrária como elemento genérico. Porém, o estatuto da terra traz o instituto denominado de empresa rural. Outras leis não trazem essa denominação, mas existe ainda essa classificação. A empresa agrária é um elemento jurídico, num certo sentido, sem atribuição de valor, tal como o contrato e a propriedade. Mas a empresa rural é um elemento qualificado pelo estatuto daterra. A propriedade neste estatuto é uma medida determinada de 1 a 600 módulos rurais, que produzisse racionalmente de maneira adequada, atendendo a função social. Se tem 601 módulos já é latifúndio por dimensão, segundo o estatuto da terra. Essa qualificação foi abandonada pela legislação posterior. Empresa agrária não é necessariamente uma empresa rural. Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 14/68 3 Aula de 15/03/2011 (Bernard) 3.1 Elementos da empresa Na semana passada falamos da questão da empresa e o professor tinha mencionado os requisitos da empresa: a organicidade, a profissionalidade e a economicidade, Estas condições para que uma empresa, qualquer que seja ela, se apresente como um instituto jurídico. Ainda, para que uma empresa surja, o professor mencionou e existência de elemento, que são a atividade, o empresário e o estabelecimento. Nesta aula o professor pretende tratar de cada um destes elementos da empresa e identificar os caracteres de especificidade que permitam caracterizar uma empresa como agrária. Este instituto jurídico (empresa) está presente entre nós desde o Código Civil de 2002, que recepcionou este fenômeno econômico adotando toda a sistemática do código civil italiano de 1942. Para relembrar a aula passada, o professor falou sobre a organização, que toda empresa pressupõe uma disposição coordenada, tanto de atos quanto de bens, gerida pelo empresário. Falou da economicidade, ou seja, esforços, valores, matérias-primas e recursos empregados devem ser ajustados numa relação racional visando agregação de riqueza. Também falou da profissionalidade, que significa fundamentalmente estabilidade, continuidade. Estes são requisitos da empresa e valem para qualquer modalidade dela. Quanto aos elementos da empresa, o professor aponta que a dinâmica dos 3 elementos (atividade, empresário e estabelecimento) é um princípio trinário que acompanha o Código Civil (personae, actione e res). 3.1.1 Atividade Para começar a tratar destes elementos, o professor retoma algumas coisas de direito civil do nosso primeiro ano. Por exemplo, o ‘fato jurídico’. O fato jurídico é um fato da natureza no qual inexiste a vontade humana. Apesar dele não ter, em si, a interferência de uma atividade humana, ele gera efeitos jurídicos. Por exemplo, a tempestade, o terremoto, o incêndio podem gerar a possibilidade de desoneração de uma obrigação. Retoma a classificação de Pontes de Miranda, sobre ato e fato jurídico, em que pode existir algum ato humano no cerne de uma relação de conseqüência e que a vontade é desconsiderada, é irrelevante (usa exemplos clássicos da criança que acha um tesouro, ou do louco que pinta um quadro). Nestes casos, a vontade não é relevante. A terceira classificação, o ato jurídico em sentido amplo, em sentido estrito e o negócio jurídico, em que no sentido estrito existe a vontade, mas como assimilação a um modelo pré-existente. Por exemplo, a adoção de um domicílio qualquer ou o reconhecimento de paternidade. Nestes casos, a manifestação de vontade significa simplesmente aderir a um modelo já definido, acabado, limitado. No negócio jurídico, a vontade é mais relevante e ele pode ser unilateral ou bilateral (por exemplo, testamento e contrato, respectivamente). Essa retomada tem o sentido de discutir o elemento da empresa denominado atividade. Quando pensamos em atividade, pensamos em um conjunto de atos jurídicos, atos estes em que a vontade é relevante para a sua realização e caracterização. A atividade não é um ato só, é um conjunto de atos vinculados a uma finalidade única. Quando pensarmos em empresa, qualquer que seja ela, um dos seus elementos será este conjunto de atos destinados a uma finalidade única, específica, e isso serve para qualquer empresa. Uma empresa comercial terá um conjunto de atos jurídicos voltados à compra de produtos destinados à revenda com o objetivo de lucro. Atos de comércio, simplesmente considerados, em progressão, em coordenação, geram a atividade comercial. A transformação de matéria-prima em um produto acabado, alterando sua forma, agregando valor, transformando aquele insumo em um outro tipo de bem, conduz ao que chamamos de atividade Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 15/68 industrial. E a atividade agrária? Estaremos focando este conjunto de atos numa finalidade específica, determinada. Podemos já ter uma idéia desta finalidade e o professor retoma um conceito trabalhado na primeira aula, a agrariedade, o controle do ciclo biológico pelo homem visando a obtenção de produtos destinados ao consumo (produtos animais e vegetais). Se existe emprego, existe atividade coordenada e existe finalidade, reconhecemos a empresa e depois, determinando qual seja a atividade, podemos qualificá-la como sendo de prestação de serviço, industrial, comercial, agrária, financeira etc. O que podemos verificar quanto ao elemento ‘atividade’? É o elemento qualificador da empresa. Os demais elementos, o empresário e o estabelecimento, são neutros, enquanto a atividade não é neutra, é ela quem qualifica a empresa. Um empresário não nasce com um ‘carimbo na testa’, já destinado a uma determinada atividade. É a determinação da atividade que ele vier a exercer que vai qualificar sua empresa. Da mesma forma, o estabelecimento, os bens. Um escritório no centro de São Paulo pode servir a um comércio, a uma prestação de serviços etc. Ele não é em si qualificador da empresa como a atividade o é. Através da identificação da atividade, podemos identificar de qual empresa estaremos tratando. Esta é a primazia do elemento ‘atividade’. Uma dúvida que surge em relação a esta finalidade única que define a atividade deriva do fato de que é comum observarmos a existência de múltiplas atividades. No nosso caso específico, o controle do ciclo biológico visando produzir bens de consumo, é comum que um sujeito não produza milho, por exemplo, para deixar estocado (muitas vezes são, inclusive, produtos perecíveis). Depois do movimento de produção, deve haver, naturalmente, um movimento de comercialização e pode até haver um movimento de transformação (beneficiamento do arroz, produção de queijo e manteiga a partir do leite, maturação de carne etc.). Quando há essa cumulação de atividades em uma empresa, como fazer para qualificá-la como comercial, industrial ou agrária? O critério é o da prevalência, o da atividade predominante. Mas, qual a relevância jurídica de determinar isso? O professor diz que há implicações jurídicas e exemplifica com o crédito agrícola. Enquanto a taxa cobrada em diversas linhas de crédito pode variar entre 1,5 a 9% ao mês, a taxa no crédito agrícola é de 8% ao ano. Isso tem justificativa? Sim. A atividade agrária possui uma rentabilidade baixa, historicamente. Um outro exemplo de relevância é a distinção entre imóvel urbano e rural. Conforme o Estatuto da Terra, a consideração de se um imóvel é urbano ou rural depende da sua destinação, independente da localização do imóvel. Já para o CTN, a definição obedece a um critério geográfico, de localização. O imóvel urbano está sujeito à tributação pelo município (IPTU) enquanto o imóvel rural é tributado pela União (ITR). Além disso, a desapropriação também encontra diferenças. Há no direito agrário um tipo de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, que tem regras diferentes. Enquanto a desapropriação de imóvel urbano é mediante indenização em dinheiro, à vista, a preço justo e prévio, a desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária é feita em TDA (Títulos da Dívida Agrária), que é resgatável em 2 a 20 anos. Também em relação ao imposto de renda, diversos procedimentos realizados durante a atividade agrária são passíveis de abatimento. Os contratos agrários têm também suas peculiaridades, seus favorecimentos(prorrogação do contrato até o final da safra, por exemplo). Assim, o reconhecimento da atividade agrária qualifica a empresa como agrária e isso traz conseqüências em diversos campos do direito, para melhor ou para pior. O que a doutrina exclui, considerando que não é atividade agrária? Processos de física e química inorgânicos, procedimentos com microorganismos. Este último não é considerado atividade agrária, mas é atividade relevante e, no Brasil, isso é muito mal cuidado. Ainda não se identificou os limites e os efeitos disso. Nos EUA, já se pensa melhor isso e o professor vai tratar melhor do assunto quando tratar de patentes vegetais. Um caso clássico dos EUA foi o de um pesquisador indiano que desenvolveu uma linhagem de bactérias com finalidades específicas, como a de quebrar determinadas moléculas, e Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 16/68 que poderiam ser usadas na limpeza de vazamentos de petróleo. O caso diz respeito ao patenteamento desse desenvolvimento de microorganismo, o que permitiria ao indiano receber um royalty de cada um que utilizasse o produto. No nosso caso, há uma ausência de melhores estudos sobre cultivares, como é o caso do milho transgênico. Este tipo de milho permite uma produção maior e um menor uso de pesticidas, mas o custo é grande, pois é remunerado o milho e é feito o pagamento de royalty para quem desenvolveu o processo. Outra coisa que não é considerada atividade agrária é o cultivo ornamental (plantas ornamentais, peixes ornamentais). Não faz sentido dar incentivos para atividades de pouca relevância social. O mesmo acontece com criação de cavalos de corrida. Outra exclusão é a atividade extrativa (pesca ou coleta de frutos). A razão é que o produto se desenvolve sem a interferência humana, não há controle do ciclo biológico. Para os europeus isso claramente não é atividade agrária, mas aqui no Brasil isso não é tão pacífico. Pela importância social da atividade, alguns consideram atividade agrária e o professor acha que não deveria ser considerada, pelo menos como atividade agrária principal. Aqui ele menciona outra classificação: atividade agrária principal, que está presente em todas as empresas agrárias e que consiste fundamentalmente em criação de animais e cultivo de vegetais. Isso é rol taxativo. O código civil italiano fala ainda em silvicultura, que é o cultivo de árvores, ligado ao reflorestamento. As exclusões da atividade agrícola têm uma explicação mais ligada às conseqüências, em geral, conseqüências de favorecimento da produção. Em regra, na Europa e no Japão isso se faz com doses cavalares de subsídio à atividade agrícola. O professor fala, além das exclusões e das atividades agrárias principais, de atividades agrárias por conexão. Algumas delas ele já comentou, que são a comercialização e industrialização, e acrescenta o desenvolvimento de novas espécies vegetais ou animais. Isso não se faz necessariamente com técnicas avançadas de manipulação genética. Isso pode se fazer com técnicas de seleção, de cruzamento, de enxertia. Mesmo a atividade extrativa pode ser pensada como atividade agrária por conexão. O rol destas atividades por conexão é exemplificativo. Os critérios para enquadrá-las são: o vínculo objetivo com a atividade agrária principal (na mesma empresa); um vínculo subjetivo (ambas atividades serem desenvolvidas pelo mesmo empresário; critério de normalidade (constância). 3.1.2 Empresário O segundo elemento da empresa, o empresário, é caracterizado como o titular da gestão produtiva de determinados bens (bens aptos a gerar riqueza). O empresário é uma pessoa física ou jurídica (de direito público ou privado), ou, ainda, um ente não personificado (entidade familiar), que realiza de forma profissional e mediante os instrumentos contidos no estabelecimento o cultivo de vegetais ou a criação de animais destinados ao consumo. O que o empresário tem como específico é o poder de destinação, que congrega a escolha e o exercício da destinação econômica de bens. Tal poder surge originalmente da propriedade, que é mais amplo dos poderes reais. Essa é a visão do direito civil, que atribui poderes de fruição da propriedade como uma faculdade. No âmbito da empresa, não se trata só de uma faculdade, mas de um poder- dever, já que realiza a riqueza não só em benefício próprio, mas também por imposição social. No caso da propriedade agrária, o proprietário deve utilizar os bens para gerar riqueza e se não o fizer fica sujeito a uma forma específica de desapropriação (para reforma agrária). Esse poder de destinação, que surge originariamente da propriedade, pode ser transferido por meio de contrato, que transfere a propriedade de domínio. O professor se lembra que o contrato de locação transfere o poder de usar e de fruir, bem como o de comodato. No direito agrário temos esta transferência nos contratos de arrendamento e de parceria. Também o usufruto e o direito real de uso podem transferir o poder de destinação. Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 17/68 Quando pensarmos neste titular do poder de destinação, esta figura vai estar ligada à continuidade, a não ocasionalidade. Essa não ocasionalidade não significa exclusividade. Alguém pode ser empresário e exercer outra atividade ao mesmo tempo. A continuidade está ligada não só à não ocasionalidade, mas também aos fins econômicos. Não é empresário quem exerce com habitualidade uma atividade com fins de diletantismo. Também caracteriza o empresário a imputabilidade dos riscos e dos resultados. Isso significa que essa figura, a do empresário, deve suportar os riscos individualmente, bem como receber os benefícios. Isso é o que distingue a figura do empresário da do trabalhador subordinado. O professor retoma o conceito de capacidade jurídica. O nascimento com vida gera personalidade jurídica. Já a capacidade jurídica é a medida de personalidade, a possibilidade de fazer valer por si mesmo os seus direitos previstos ou reconhecidos pela personalidade. A prática de atos negociais tem como pressuposto a capacidade jurídica. Isso para dizer que o empresário pode ser pessoa física capaz, além de pessoa jurídica. A pessoa jurídica pode ser de direito público, além de direito privado. O professor comenta uma reportagem recente no The Economist que traz os motivos da evolução da agricultura brasileira. Um deles é a introdução do calcário no solo, que era muito ácido. A segunda razão foi a introdução de um tipo de capim africano, que é mais resistente e dura o ano inteiro. A terceira foi a criação de uma empresa estatal que promove o desenvolvimento e a adaptação de espécies vegetais e animais (EMBRAPA). Este é um exemplo de empresa pública desenvolvendo atividade agrária. Além das pessoas físicas e jurídicas, temos como empresário a entidade familiar. São chamados de entes não personificados, mas que aqui tem relevância. O professor retoma algo que já falou anteriormente, que é o módulo rural. O módulo rural corresponde a uma área mínima e suficiente para que uma família média possa sobreviver e progredir. Por ser área mínima, uma propriedade correspondente a um módulo rural é indivisível e essa indivisibilidade não se dá por natureza, mas por lei. É uma área que varia conforme regiões no país e é definida por lei. O módulo foi criado com base na idéia de entidade familiar. Família média é definida como composta por 4 pessoas. 3.1.3 Estabelecimento rural O terceiro elemento da empresa é o estabelecimento rural. O estabelecimento não é a empresa, é elemento da empresa. Corresponde a uma projeção patrimonial da empresa. Isso está no art. 1.142 e seguintes do CC. Ele é um complexo de bens organizado pelo empresário, bens que podem ser materiais e imateriais, móveis e imóveis. É um complexo de bens, não é um só. Em uma empresa agrária,o bem mais evidente e relevante é a terra nua (fundo rústico). Apesar disso, este bem em si não representa muito. Os romanos já tinham um conceito do fundus estrutius, que era o fundo aparelhado, ou seja o bem imóvel instrumentalizado com o acréscimo de outros bens materiais. O professor fala dos bens acessórios e de bens incorporados. O plantio, a construção, máquinas agrícolas, cercas etc são bens acessórios que integram a terra nua, perfazendo as chamadas pertenças, e constituindo o fundo rústico (terra nua) em um fundo aparelhado. O professor lembra a expressão comum de venda de ‘porteira fechada’, que trata da venda deste fundo aparelhado. Quando pensarmos em estabelecimento agrário, pensamos não só nos bens materiais (fundos rústico com os bens acessórios e pertenças), mas em bens imateriais, intangíveis. Que bens imateriais estudamos em direito comercial? Marcas, patentes, insígnias e firmas. No direito agrícola temos as marcas de origem, as patentes vegetais, as cultivares, que muitas vezes tem valor maior que os bens materiais. Bens imateriais que anteriormente eram vistos como propriedade hoje significam agregação de valor. O professor exemplifica com a Associação dos Produtores de Nelore, que exerce atividade de Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 18/68 desenvolvimento e acompanhamento. A colocação de uma marca desta associação em um produto agrega valor, atesta origem. Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 19/68 4 Aula de 22/03/2011 (César) 4.1 Bens do direito agrário 4.1.1 Retomada da aula anterior (Nota do relator- não sei se é de praxe, mas o professor iniciou a aula vomitando tudo o que ele deu na aula anterior. Por isso, diante de alguma inconsistência entre este trecho da aula e a anterior, pautem-se pela anterior.) (Nota do relator 2- olhando agora enquanto digito essa aula, percebo que os resuminhos de aula que ele manda pelo Alonso são muito bons. Recomendo para que na prova, além do nosso caderno, eles sejam consultados, por serem bem sintéticos) Entre os bens importantes para o direito agrário, o mais importante sem dúvida é a terra, mas existem outros bens, que ele chamou de fundo aparelhado. O conjunto dos bens materiais e imateriais recebe o nome de coletividade. 4.1.2 O estabelecimento no CC/02 Ele citou os artigos 1142 e seguintes, mas expressamente só o 1142 e o 1143, que reproduzo abaixo: Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza. No 1142 tem-se a definição de estabelecimento. O 1143 ele mencionou porque neste está disposto que o estabelecimento pode ser objeto de contratos que transfiram a propriedade. Disse ainda que para que um contrato exista é necessário: objeto lícito, partes capazes e consenso (ou vontade livre). Pois então, no caso do 1143, o objeto unitário do contrato é o estabelecimento em seu conjunto, como projeção patrimonial da empresa. 4.1.3 Teorias sobre o estabelecimento Finda a revisão da aula anterior, iniciou o Scaff dizendo que para explicar o estabelecimento existem duas vertentes. 4.1.3.1 Teoria atomística A primeira recebe o nome de teoria atomística. Para ela, cada elemento do conjunto que é negociado no contrato deve ser analisado individualmente. Essa doutrina nega a unicidade do estabelecimento, de modo que se for transferida uma fábrica de A para B, cada máquina da fábrica deve ser transferida individualmente. Essa teoria não foi reconhecida por nosso sistema jurídico. 4.1.3.2 Teorias unitárias Um segundo grupo de teorias (são quatro) recebe o nome de teorias unitárias. 4.1.3.2.1 Sujeito de direitos, destacado da pessoa do empresário. A primeira delas é um pouco artificial segundo o professor. Ela reconhecerá o estabelecimento como sujeito de direitos. O CC também não recepcionou essa teoria. Personalidade só tem a pessoa física e as jurídicas (sociedades, associações e fundações). No caso das últimas não basta o contrato ou estatuto para aquisição de personalidade jurídica. Precisa também do registro público. Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 20/68 4.1.3.2.2 Núcleo patrimonial autônomo É o patrimônio destacado. Quando se reconhece essa figura, ela é de natureza transitória. São o espólio e a massa falida. OBS: colega questionou se o condomínio não se encaixa nessa definição. Ele afirmou que não, apesar do condomínio ser uma figura meio estranha no nosso direito. Retomando, ele falou o que acontece na sucessão do espólio. Aí, quem administra é o inventariante, mas tende o espólio à dissolução. O mesmo ocorre com a massa falida. Essa hipótese não serve para o nosso estudo porque enquanto houver empresa, haverá estabelecimento. 4.1.3.2.3 Universalidade de fato Nas universalidades de fato, a lei não procurou criar ou dar especificadores. Sua universalidade é comum, esperada (ex: biblioteca, rebanho). Essa noção não nos serve, porque num estabelecimento eu não preciso registrar bem a bem (o que é de se esperar numa biblioteca, p. ex.). 4.1.3.2.4 Conceito de estabelecimento agrário Ele leu o que estava na folhinha da aula do dia 15 e depois comentou. Consultei a folhinha e reproduzi um pedaço dela, como outras coisas também. Nela consta o seguinte (em itálico): Estabelecimento agrário- elemento da empresa. É a projeção patrimonial da empresa. - É um complexo de bens organizado. - Evolução dos conceitos: - terra nua; - fundo aparelhado, que é a terra produtiva, acrescida de acessórios tais como animais de trabalho, máquinas e demais pertenças; - estabelecimento, que representa o acréscimo, ao fundo aparelhado, dos bens imateriais. - Constitui um objeto de direitos. Destacou ele que o estabelecimento agrário é nome que se dá a um conjunto de bens que podem ser móveis ou imóveis; materiais ou imateriais. Quanto ao “agrário”, isso vai depender da atividade que será desenvolvida naquele estabelecimento. Finda a exposição de que o estabelecimento engloba bens materiais e imaterias, ele passou a tratar de cada uma das categorias. 4.1.4 Bens materiais São o fundo rústico, os instrumentos e os produtos. 4.1.4.1 Fundo rústico É o pedaço de terra nua. Normalmente é o mais importante. Essa relevância é tal, que a doutrina fala em conformação concêntrica do estabelecimento (ou seja, os demais bens estão ao redor da terra, o principal bem). Esse entendimento é relevante, porque hoje na prestação de serviços e na indústria é muitas vezes difícil saber qual é o bem principal. Numa indústria, p. ex., pode ser uma máquina, as patentes ou o acesso à matéria-prima. Para a atividade agrária, a terra é fonte de insumos, de recursos naturais para atividade. Porém, é claro, algumas culturas prescindem da terra como elemento material (ex: criação de cogumelos, peixes em tanque, criação de frango- nas granjas modernas o frango não cisca, é tudo Consolidação das anotações de Direito Agrário – Scaff – 1º sem. 2011 – SanFran180NI Página 21/68 artificial para que o animal engorde o quanto antes). Nesses exemplos dados, o substrato é irrelevante, mas são exceções, e não a regra. 4.1.4.2 Instrumentos Essa é a terminologia adotada pela doutrina, que a usa para distinguir instrumentos dos bens acessórios (ou, no CC/02, das pertenças)2. As pertenças estão numa relação de subordinação. Já os instrumentos não necessariamente. A relação é de coordenação (ex: máquinas agrícolas e animais, que são bens móveis destinados à realização da atividade). 4.1.4.3 Produtos O resultado da atividade (animais e plantas) também constitui o estabelecimento.
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