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0 As Etapas Decisivas da Infância 
 
 
 
As Etapas Decisivas da Infância – Françoise Dolto 
 
 
 
 
 
 
 
Índice 
 
Sobre a Insegurança dos pais na Educação 1 
Situação Atual da Família 29 
A Primeira educação é Indelével 41 
Problemas da Primeira Infância 57 
A Alimentação dos Pequeninos e o Desmame 67 
Não Faça do mais Novo o “Caçulinha” 73 
Conflitos Entre as crianças de Uma Mesma Família 75 
Minha Filinha Diz Sempre Não! 79 
Um Ponto de Vista Inesperado Sobre o Asseio 83 
Os Distúrbios do Sono 91 
A Criança e o Jogo 109 
Troca Verbal Com o Pequenino 119 
Compreender a Primeira Infância 129 
Violência Sem Palavras 137 
A Propósito de “La cause des Enfants” 147 
A Descoberta das Realidades Requer Muitas Trocas 161 
A Agressividade da criança Pequena 171 
Repensar a Educação das Crianças: Adestramento do Asseio 183 
As Crises na Infância 219 
O Papel da Educação na Elaboração da Identidade Sexual 223 
A Propósito dos Quatro Anos 
A Influência dos Animais e das Plantas 247 
Quando o Bacharelado Médio se Torna Criminoso 265 
 
Notas 273 
Índice das Noções e dos Temas 279 
Índice Onomástico 285 
Índice dos Casos e Exemplos Citados 287 
 
 
 
 
 
1 
1 As Etapas Decisivas da Infância 
 
SOBRE A INSEGURANÇA DOS PAIS NA EDUCAÇÃO 
 
L 'Êcole des Parets¹, setembro-outubro de 1979. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Não se pode resolver a insegurança dos pais. De um lado, eles 
têm tendência a dramatizar e, do outro, desejam que lhes 
respondam imediatamente à sua pergunta com alguma receita: 
"Que devo fazer?" A essa interrogação sou mesmo incapaz de 
responder. Se pude fazê-lo algumas vezes no rádio, foi porque os 
pais que me falavam já me haviam escrito longas, longuíssimas 
cartas e porque, ao escreverem, já sugeriam uma solução, ou a 
entreviam. Estava tudo pronto, mas eles não ousavam lançar-se 
na direção em que haviam pensado, tinham necessidade de uma 
voz abalizada que lhes dissesse: "Mas claro, por que não?" Para 
todos os outros ouvintes, era a oportunidade de abordar e de 
compreender uma dificuldade de relacionamento, e de transpô-
la para seu próprio clima familiar. 
Essas dificuldades às vezes podem ser consideradas com um 
pouco de humor. Pode-se, sobretudo, pensar que não durarão até 
os vinte e cinco anos, se bem que os pais costumem imaginar que 
elas vão agravar-se com a idade. Não se pode educar uma criança 
sem que, num ou noutro momento, ela passe por um sintoma. 
Para os pais, esse sintoma em geral é inquietante, a criança 
investe nele uma energia que não é criadora e não é claramente 
interpretada por eles. De seu lado, a criança alivia assim tensões 
de que sofre, e o faz tanto melhor quanto menos os pais se 
inquietem. 
 
 
 
 
 
2 
2 As Etapas Decisivas da Infância 
O ciúme 
 
O ciúme é uma enorme perda de energia para o indivíduo, seja 
ele criança ou adulto. Há primeiro o ciúme do irmão mais novo, 
depois o ciúme edipiano, em relação ao pai e à mãe. Se uma 
criança supera esses dois ciúmes, ganha com isso uma segurança 
que consegue fazer seus pais partilharem. 
Nos grupos de crianças, assim como nas famílias grandes, o papel 
dos pais e do educador não é fácil, em face desse problema do 
ciúme não superado: deve-se responder a um, e todos os outros, 
por ciúme, gostariam que se lhes respondesse da mesma forma, 
o que seria um erro, já que cada qual está em seu grau de 
resolução do problema. O pai, assim como o educador, deve 
então, claramente e não "discretamente", proclamar seu direito 
à injustiça: "Sou injusto e sempre o serei." Se essa proclamação 
for feita, mesmo que, claro, o adulto tente, quanto a ele, não ser 
injusto, a maior parte das reivindicações cairão por si sós, uma 
vez que fracassarão em abalar a segurança do adulto que sabe 
que age da melhor forma que "pode", pelo menos 
conscientemente. Pois as crianças sabem muito bem onde aperta 
o sapato, no adulto, e são peritas em pisar nesse lugar... 
Os pais devem saber que, façam o que fizerem, sempre estarão 
errados aos olhos do filho, e tudo isso dando o melhor de si. Num 
ou noutro momento, mesmo os pais mais amorosos serão 
responsáveis por um sofrimento do filho. Se o filho declara então: 
"Eu não gosto de você", responde-se: "Isso não tem a menor 
importância, você não nasceu para gostar de mim." Seis, sete 
anos, já é tarde para criticar os pais. Os pais devem ouvir muito 
as críticas dos filhos, mesmo que isso não deva, em muitos casos, 
modificar-lhes o comportamento, pois eles têm de educar e não 
de agradar aos filhos. Filhos que, ao crescer, continuam sempre 
a querer agradar aos pais, que julgam que os pais sempre têm 
razão e sempre são justos, são crianças de má saúde. Quanto mais 
se pode mostrar hostilidade mesclada ou alternada com afeição 
aos pais, melhor é a saúde moral de uma criança. Isso significa 
que a relação do filho com os pais se libertou dos laços 
incestuosos e de total dependência. É assim que cada criança 
começa a ter sua individualidade. Uma mãe deveria poder dizer: 
"Quanto a mim, eu 
 
 
 
 
 
 
 
3 
3 As Etapas Decisivas da Infância 
estava pronta para que você nascesse, você nasceu. Agora, vire-
se com a vida, faço o que posso para sustentar você e para que 
seja feliz, mas nem sempre é por minha causa se as coisas não 
vão bem, se você não está feliz, se está doente... Quando você 
estava dentro de minha barriga, você não sofria nada, agora você 
nasceu e a vida nem sempre é como se queria. Seja como for, 
você sairá dessa se souber levar as coisas pelo lado bom." Mas não 
é fácil para os pais suportar criticas justas ou contestação de suas 
opiniões, enquanto eles mesmos não se libertaram de sua longa 
submissão a seus pais. 
 
Autonomia e atraso na escola 
 
Muito cedo, já aos três anos, a criança pode ter total liberdade 
para tudo quanto se refere à alimentação, ao frio e ao calor, ao 
sol e à chuva (e, logo, às roupas). Talvez, entretanto, não 
inteiramente no que se refere à hora da ida à escola... E, ainda, 
se os pais não se angustiarem com um atraso eventual, ela 
aprenderá depressa a não fazer hora pela casa e a ritmar sua vida 
pela dos outros de sua idade, se souber que se estiver atrasada a 
professora "dará uma bronca" ou punirá a criança, mas que não é 
um drama nem para ela nem para a mãe. 
É já no maternal que se organizam os atrasos à escola e que as 
mães devem, de um lado, nunca ser sua causa e, do outro, deixar 
a responsabilidade disso às crianças em vez de apoquentá-las. 
Elas ainda têm dois anos antes da escola obrigatória e para 
habituar-se aos horários sociais que lhes concernem 
pessoalmente. 
Evidentemente, muitas vezes a criança ainda não pode ir sozinha 
à escola, mas por que ir procurar uma escola a quilômetros, como 
vi fazerem, para nela encontrar o "máximo" da educação, quando 
há uma escola maternal a cem metros da casa? Acho que há pais 
que se põem e põem os filhos em condição de insegurança, fonte 
de conflitos permanentes que seriam realmente evitáveis. Por 
que não tentar, primeiro, a escola mais próxima à qual a criança 
pode rapidamente ir e voltar sozinha? 
E, quando a criança deve ser acompanhada, não se deve obrigá-
la a ser quem pode fazer o pai ou a mãe, por causa dela, atra- 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
4 As Etapas Decisivas da Infância 
sar-se ao trabalho. Isso é dar-lhe um poder grande demais sobre 
a euforia dos adultos, sobre a tranqüilidade deles! Cada qual 
deveria poder ser autônomo, sem que ninguém possa dizer: "Você 
vai fazer seu pai (ou sua mãe) ficar atrasado." Conheci uma 
família em que, toda manhã, todos ficavam "em ponto de bala", e 
o filho acabava perdendo a escola. Um domingo, o pai decidiu-se: 
"Se você se atrasar, isso não terá mais nenhuma importância para 
sua mãe, já que você vai aprender a ir sozinho à escola." Um 
sábado à tarde e um domingo, fizeram ambos, revezando-se, com 
a criança, duas idas e voltas, ida de ônibus, volta a pé e vice-
versa (podem ser as duas viagens de ônibus se a escola for longe) 
como um jogo, incentivando a criança a observar bem tudo, e 
depoisa ela mesma guiar os pais. "Desta vez você é que vai levar-
me..." Domingo à noite, a criança sabia seu caminho. E tudo 
terminou; todas as manhãs, em segurança, ela saía na hora 
sozinha. Isso foi • efeito radical de uma consulta comigo em que 
compreendi que • que a criança desejava era fazer birra com a 
mãe, mas também que não fora ensinada a ir sozinha à escola. 
Inúmeras dificuldades poderiam ser cortadas pela raiz, se os dois 
pais se ajudassem mutuamente para compreender o jogo que se 
desenrola, e fizessem o necessário para pôr um termo nele 
colocando a criança numa escola próxima, ou pegando um dia 
para isso, como neste exemplo. É um prazer, para a criança, ser 
compreendida nessa necessidade de segurança para ganhar sua 
autonomia que, no dia-a-dia, é proporcionada por pais atentos e 
verdadeiros educadores. E um prazer construtivo em vez do 
prazer obtido em angustiá-los, em amolá-los, jogo perverso em 
geral condicionado por uma organização familiar do tempo ou do 
espaço a ser reconsiderada. 
 
 
 
A autonomia 
 
 
A interdependência entre os seres existe, é humana, seja ela 
afetiva, intelectual ou espiritual, mas a interdependência que se 
expressa em chantagem ou em ameaças destrói a confiança da 
criança nos pais, e sua própria autoconfiança. Educar é tornar 
autônomo. "Você faz o que tem de fazer, eu o que tenho de fazer, 
falaremos nisso de novo à noite..." Impomos a nossos filhos mui- 
 
 
 
 
 
5 
5 As Etapas Decisivas da Infância 
tos de nossos desejos totalmente inúteis, e sem nenhum valor 
formativo moral. Deixemos a criança tão livre quanto possível, 
sem lhe impor regras sem interesse. Deixemo-lhe somente o 
âmbito das regras indispensáveis à sua segurança e ela perceberá 
com a experiência, quando tentar transgredi-Ias, que elas são 
indispensáveis e que não se faz nada "para amolá-la". Mas, por 
exemplo, comer a sobremesa no início ou no fim da refeição, que 
importância tem? Pôr o pulôver ou a calça pelo avesso, não 
amarrar os sapatos... se rimos disso, chegará o dia em que isso a 
incomodará. 
O sofrimento é inevitável, por certo, às vezes pode ser inserido 
muito cedo na vida dos seres humanos, por causa dos 
acontecimentos que os rodeiam, por causa da história de seus 
pais. Mas vemos tantas crianças que são contrariadas em suas 
iniciativas, em suas atividades inocentes livres, perturbadas por 
coisas imbecis, total e inutilmente importunadas por injunções 
contínuas para fazer ou não fazer isto ou aquilo! Crianças 
nascidas tão dotadas quanto as outras, se não mais, segundo o 
que se sabe de seus cinco primeiros meses, e que ficam atrasadas 
no momento de ir à escola, quando não o eram no início. Ficaram 
assim por falta de liberdade de movimento, por falta de 
experiências e de trocas para proteger-se de desejar. Para certos 
pais, a criança sempre tem de fazer depressa, comer depressa, 
obedecer imediatamente, apressar-se sempre. Por que a mãe faz 
tudo para o filho, quando ele fica tão contente de agir por si só, 
de passar a manhã vestindo-se sozinho, pondo os sapatos, tão 
contente por pôr o pulôver pelo avesso, por atrapalhar-se todo 
com suas calças, por brincar, por "bagunçar" em seu canto? Ele 
não irá à feira com a mãe? Pois bem, tanto pior, ou melhor, tanto 
melhor! A mamãe tem confiança nele. Que fique em casa, a 
mamãe só tem de prestar atenção para que nada de perigoso 
fique ao seu alcance. Ponto, e acabou. Ao voltar, é a alegria de 
reencontrar-se, de falar do que se fez. 
A cilada da relação pais-filho está em não reconhecer as 
verdadeiras necessidades da criança, que incluem a liberdade. 
Comeu-se bem ou mal, fez-se bem ou mal cocô, a família gira em 
tomo disso... Mas o importante é que a criança seja segura, 
autônoma, o mais cedo possível. A criança tem necessidade de 
sentir que "gostam que ela se tome" segura de si no espaço, cada 
dia mais livremente, que deixam que explore, que tenha 
experiência 
 
 
 
 
 
6 
6 As Etapas Decisivas da Infância 
pessoal e relações com as pessoas de sua idade. Agora, muito 
depressa, já não há ninguém para proteger a criança na 
sociedade. Portanto, ela deve saber, por experiência própria, 
conhecer suas necessidades, proteger-se sozinha pelo 
conhecimento dos perigos que a ameaçam. Ela deve 
"automaternar-se" já aos dois anos, já aos três anos e, por volta 
dos seis anos, autopaternar-se, ou seja, saber comportar-se em 
casa em tudo que lhe concerne, assim como em sociedade. Entre 
pais e filhos, a confiança deveria ser total e recíproca. Toda 
criança tem confiança nos pais mas a recíproca é rara. Isso 
começa já no berço e, sobretudo, já no saber pegar e 
movimentar-se, pela atenta tolerância à sua autonomia 
crescente, acompanhada de clima alegre e de explicações sobre 
tudo que o adulto faz, e que a criança observa tanto e, depois, 
quer imitar em tudo. São suas experiências assistidas que lhe 
desenvolvem a motricidade. É amor, a ternura consoladora que 
lhe permitem superar seus fracassos, não é nunca fazer tudo para 
ela e em seu lugar e irritar-se assim que faz uma bobagem. O 
espaço e o tempo de comportamento livre, a convivência com 
outras crianças, a autonomia em suas brincadeiras e nos ritmos 
de suas necessidades: alimentação, excreção, sono, essa é a arte 
da educação das crianças e é também o que as incentiva a 
respeitar o tempo e o espaço de ocupação livre dos pais. 
 
Quando falta o terceiro 
 
Toda criança deseja e almeja ser criada pelos dois progenitores. 
A criança necessita de ambos os adultos para estruturar-se tanto 
em sua inteligência como em sua afetividade. Entre três pessoas, 
os pensamentos e os afetos circulam. Quando somos dois, isso 
forma um espelho e cria uma fatal dependência recíproca. 
Há sempre um terceiro que a criança supõe ser o eleito do pai, o 
eleito da mãe, seu parente amado e indispensável. Graças a Deus, 
geralmente é uma pessoa, e a criança naturalmente se modela a 
partir de um desses dois interlocutores. Mas o terceiro pode ser 
um animal ou uma máquina, daí muitos atrasos afetivos que 
tornam a criança inadaptada à sociedade. Pode ser também um 
ausente, desconhecido. A mãe (ou o pai) está triste e absorto em 
si 
 
 
 
 
 
 
 
7 
7 As Etapas Decisivas da Infância 
mesmo, quase mudo com a criança, sem companheiro. O outro, 
o eleito da mãe, pode ser uma máquina de costura, por exemplo. 
Vi uma criança que vivia sozinha com a mãe, a qual confeccionava 
coletes no quarto. O dia inteiro, a máquina girava, girava. A 
"máquina", essa tinha a sorte de monopolizar toda a atenção da 
mãe, de brincar com o pé, com as mãos da mãe. "Essa máquina 
que monopoliza a mamãe é, portanto, muito desejável; para 
fazer-me amada pela mamãe, para que ela cuide de mim, tenho 
de ser como a máquina." Claro, não era um raciocínio consciente. 
E a criança se tornara como esse objeto parcial da mãe. Sozinha, 
ela tinha continuamente um gesto estereotipado, girar seu braço 
em círculo como a roda da máquina. Nisso, imitava "o outro" da 
mãe. Por outro lado, na casa, suas mãos faziam como as mãos da 
mãe. Silenciosa, de ar ausente, a criança punha e tirava a mesa 
ou "fazia a limpeza da casa". Isso a ocupa, dizia a mãe. Quando a 
criança foi à escola, não falava, não brincava. De ar ausente, 
girava o 
J braço. A mãe nunca lhe falava e saíam, a criança inerte em seu 
carrinho, domingo à tarde, sem jamais brincar com outros. Aos 
três anos, era incapaz de adaptar-se ao maternal. Sem 
psicoterapia da relação mãe-filho, ele teria ficado insocial. Há 
também crianças-gato, cachorro, coisa. 
Há pais que criam sozinhos os filhos. Mas podem conviver com 
outros solteiros ou outros casais que têm filhos. Têm a 
oportunidade, aqui e ali, de falar de sua situação. Cumpre que a 
razão da solidão seja falada diante dela e igualmente exposta à 
criança. Podem ser razões pessoais, razões de abandono ou de 
morte, mas razões que não inculpam o outro, o ausente. Se a 
criança sentiu uma acusação, ela herda a culpa desse outro. 
Deveriam dizer-lhe: "Quanto a mim, sim,eu posso não gostar dele 
(dela), ele ou ela que eu amava me deixou, mas, quanto a você, 
não, é seu pai (ou sua mãe). Você nunca teria nascido sem dois 
progenitores. Ele (ou ela) deu-lhe a vida." Mesmo que a criança 
"transfira" para outros adultos, é preciso que saiba bem que um 
pai ou uma mãe de nascença só se tem um, só uma. Devemo-lhes 
a vida. Cumpre que isso seja dito, com palavras. "Mamães" ou 
"papais" podem ser um adulto qualquer que ela não tema, que 
ame ou que compartilhe a vida de seu pai ou de sua mãe, com 
quem ela brinca e sente-se aceita tal como é, que lhe serve de 
modelo ou de educador. 
 
 
 
 
 
 
8 
8 As Etapas Decisivas da Infância 
Assim, naquilo que a estrutura psiquicamente, a criança pode 
guardar o outro, esse primeiro referente, embora ausente 
fisicamente, em si de modo simbólico. Uma criança pequena que 
é cortada do outro, do terceiro (o pai ou a mãe), que é criada 
sozinha com um único adulto protetor que faz mistério do outro, 
é como um hemiplégico em sua estrutura simbólica; somente uma 
metade funciona como espelho do adulto de quem depende tudo 
de sua vida. É preciso saber que nunca é cedo demais para falar 
disso, mostrar fotos (jamais tarde demais, tampouco). É 
preferível um sofrimento a uma omissão, a verdade a uma fábula, 
e ela poderá questionar outros adultos, testemunhas desse 
passado, sobre o início de sua vida. 
 
A cama dos pais 
 
Uma troca de carícias, de tempos em tempos, causa muito prazer 
à criança e sobretudo aos pais. A ternura faz parte do amor 
paternal e filial. Sem dúvida, mas não se pode tratar uma criança, 
uma criança pequena, como um gatinho ou um aquecedor 
portátil! E um homem, uma mulher a caminho, com toda a 
sensualidade e as emoções de um homem ou de uma mulher em 
devir. Então, tudo que é do corpo a corpo, sobretudo sem 
palavras nem músicas, tudo que traz uma voluptuosidade 
sobretudo muda, pode ser muito perigoso na vida imaginária de 
uma criança. Aos três, quatro anos, a sensualidade é de uma 
intensidade muito grande em comparação ao que se tornará mais 
tarde, porque é generalizada e provoca emoções sexuais difusas, 
às vezes muito violentas, que podem bloquear a evolução para a 
sexualidade genital futura, pelo vínculo inconsciente que se 
estabelece de forma irreprimível entre sensualidade e 
representações imaginárias arcaicas. Certas crianças são muito 
sensuais e são extremamente ciumentas do progenitor do mesmo 
sexo que o outro prefere a elas. Seu ciúme é exacerbado pela 
promiscuidade. Beijar-se diante delas para arreliá-las é muito 
cruel. Acolhê-las na cama significa pôr-lhes diante dos olhos sua 
impotência de criança de amar e de ser amada como os adultos 
demonstram entre si. Muitos pais se divertem com os filhos, 
brincam com seus sentimentos. Isso é perigoso e cruel. 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
9 As Etapas Decisivas da Infância 
Claro, tudo depende do que acontece. Se tomam o café da manhã 
todos juntos de pijama, na cama, e falam entre si, é muito 
diferente. Mas penso nas crianças que se aninham contra o pai ou 
a mãe, que têm com eles familiaridades carinhosas exclusivas. 
Não se fala, fica-se junto como numa toca. Essa promiscuidade é 
prejudicial. A cama dos pais representa, para as crianças, algo de 
formidável. Mas elas sabem muito bem que não estão em seu 
lugar. É por isso que, algumas vezes, começam a brincar nela, 
colocam tudo de pernas para o ar: é realmente a bagunça. Esse é 
um modo de traduzir o mal-estar da situação. Chega o momento 
em que é preciso detê-las, estão excitadas até não poder mais e 
deve ocorrer uma distensão. Isso termina com uma cena, uma 
repreensão, fica-se zangado. Teria sido tão simples fazer 
respeitar a cama e o quarto dos pais... e a sensibilidade das 
crianças. 
Certos pais são castos, mas outros não o são. E se se apresenta a 
ocasião, ela é tentadora. Para o bebê, o corpo a corpo mãe-
criança é indispensável, mas, em dado momento, essas delícias 
fusionais, imaginariamente canibalescas também no bebê, devem 
cessar. É o desmame tão importante quanto o da mamadeira, que 
só adquire todo o seu sentido se a criança sente que a mãe tem 
um eleito mais importante do que ela, e que esse eleito dorme 
com ela, à noite, que ele tem sobre seu corpo e ela sobre o dele 
direitos que a criança, por sua vez, não tem e nunca terá (ela 
nunca os teve, mas o imaginou e o deseja), mesmo que ainda 
queira imaginar que mais tarde... ele e ela, ela e ele, eles se 
casarão. Mas quando a mãe não tem um "homem à altura" para a 
sua sexualidade pessoal, que tentação! Para o pai com relação à 
filhinha também, se seu par não o satisfaz. Quantas crianças 
foram freadas em seu desenvolvimento por essas carícias, pelo 
encanto da voluptuosidade e da ternura compartilhada em 
silêncio, por essa promiscuidade do corpo a corpo voluptuoso. 
Encontramo-las depois com atrasos consideráveis de linguagem, 
de psicomotricidade e de afetividade. 
Uma ocasião realmente perigosa são as ausências, as "viagens" do 
pai. A criança vem então, menina ou menino, para a cama da 
mãe. Tudo pode arder em três semanas! Vi regressões, quedas 
escolares nos maiores, espetaculares e repentinas, que não 
tinham outras razões. E não se deve acreditar que as meninas 
estejam fora de perigo: trata-se, para elas, de uma regressão 
ainda 
 
 
 
 
 
10 
10 As Etapas Decisivas da Infância 
mais arcaica, de uma volta às sensações de sua primeira infância, 
quando ainda estavam no seio. Ceceios, xixi na cama, caprichos 
se sucederam. E o pai, ao voltar, olhado como o intruso. Que 
confusão! 
 
Ser severo? 
 
Sim, se proibir o que pode ser perigoso se chama ser severo, mas 
com compaixão e sempre por respeito a essa criança, adulto em 
devir. 
Portanto, cumpre assumir a responsabilidade de proibir certas 
coisas porque são perigosas psíquica ou fisicamente. Se não 
somos severos, nós, os pais, a criança deve regredir por efeito de 
nossa fraqueza, autocensurar-se ou tentar fazê-lo. Não há nada 
de mais debilitante para uma criança, nisso ela perde toda a sua 
energia. Ao passo que, se o pai ou a mãe diz: "Não, eu lhe proíbo 
isso, não faça isso. Talvez eu mesmo gostasse de fazê-lo, mas eu 
me proíbo e lhe proíbo isso. Meu marido (ou sua mãe, minha 
mulher) não está aqui, você não tomará o lugar dele (dela) porque 
eu gosto de você como meu filho, como minha filha." A criança 
pode ficar furiosa, mas conserva toda a sua energia, em vez de 
sentir um prazer ambíguo ou de se auto-impedir e se dividir 
contra si mesma. Toda liberdade que é de fato uma licença é 
"depressora". 
 
Ser severo? Estabelecer interditos? 
 
Tudo é questão de idade. Se falamos dos atos censuráveis no 
espaço, não há nenhum interdito definitivo, afora o incesto. Há 
o roubo e o homicídio, dir-me-ão vocês. Sim, mas o roubo se 
ensina porque cada qual defende "seu bem". Por experiência e 
identificação ele faz sua moral própria. Quanto à nocividade 
física, à violência e ao homicídio na pouca idade, é somente pelo 
exemplo que se ensina o respeito à vida. Com o tempo, ao 
crescer, o que é proibido será permitido: "Quando você souber, 
quando estiver suficientemente grande para fazer sem perigo isto 
ou aquilo. Por ora, não o acho capaz. Se você se sente capaz, 
faça-o, mas não quero ver." A criança necessita, enquanto não é 
totalmente segura de si, 
 
 
 
 
 
 
 
11 
11 As Etapas Decisivas da Infância 
da segurança do olhar do adulto, e, enquanto não estiver segura 
de si, não cometerá imprudência. A interdição evita-lhe então 
uma humilhação em face dos outros ou um perigo. Papai (ou 
mamãe) me proibiu isso, ela pode dizer. 
Mas, se ela transgride uma proibição, se não lhe acontece nada e 
se ela vem depois se gabar disso (ou se ficamos sabendo), deve-
se felicitá-la: "É uma maravilha, eu não a achava capaz de fazer 
isso, e você era!" A criança às vezes se surpreende, era proibido. 
E justamente muito importante, pois, nesse dia, ela compreende 
o senso educativo do adulto. Era "momentaneamente" proibido 
para protegê-la, poruns tempos, de desejos que ainda não podia 
assumir. E pode-se explicar-lhe isso. Com isso sua confiança no 
adulto só fica maior. A partir desse momento, a proibição cai: as 
proibições sempre são apenas temporárias, salvo a do incesto 
entre pais e filhos, entre irmão e irmã. Todo interdito é 
"prudencial" para a criança. Há também o interdito sexual entre 
crianças e adultos, que as crianças devem conhecer: "O adulto 
sabe que é proibido, então você só tem de dizer-lhe." As crianças 
que são vítima de adultos (de educadores, por exemplo), o são 
porque não sabem que os adultos não têm todos os direitos sobre 
a pessoa delas. Cumpre dizer-lhes isso, preveni-Ias a tempo: "Os 
adultos, por sua vez, sabem que não têm todos os direitos sobre 
o sexo das crianças, abusam da ignorância delas." Se uma criança 
calunia então um adulto - o que, infelizmente, acontece -' é 
porque ela mesma era consentidora. E totalmente diferente. 
 
O pai deitado 
 
O pai deitado é o mundo às avessas para uma criança pequena. 
Como o sol está no céu, e não desce à terra, o representante 
masculino, o pai, está de pé. Pode-se observar isso nas praias: 
por volta dos dois, três anos, as crianças pequenas fingem não 
compreender, como se não vissem que é o pai delas que está lá, 
deitado na areia. Depois, acabou-se, essa reação não aparece 
mais: deitado ou em pé, o pai continua a seus olhos o pai. Ao 
contrário da mãe. Todos conhecem a alegria das crianças que mal 
andam sobre as próprias pernas e que, se a mãe está estendida 
no chão, andam em cima dela com desenvoltura. Vá-se entender! 
 
 
 
 
 
 
 
 
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12 As Etapas Decisivas da Infância 
O nudismo 
 
Os pais podem passear nus pela casa se o fazem em presença de 
um adulto amigo familiar. Nesse caso, não fazem com o propósito 
de "mostrar-se" nus, bem como não são obrigados a fazê-lo, nem 
obrigam os filhos a fazer a mesma coisa. Mas o nudismo, se 
empregamos essa palavra, é vivido como uma religião em certas 
famílias, é uma decisão inflexível, com intenção educativa, dizem 
eles, sendo, então, para as crianças pequenas uma aberração. 
Esses pais "naturalistas" dizem: "É tão bonito, é tão bom, 
ensinamos assim à criança que nada é chocante. Que mal 
haveria?" Pois bem, estão enganados. Não desconfiam que 
cultivam sentimentos de inferioridade na criança diante da 
sobrevalorização, já estupenda, do corpo vestido dos pais. De 
fato, os pais não se dão conta da sedução que exercem. Para os 
nossos filhos, somos verdadeiras maravilhas. Somos mais que 
Adônis e Vênus, mesmo que sejamos feios de dar medo! As 
crianças se sentem espezinhadas, incapazes de rivalizar com a 
imponência do corpo nu de um adulto amado, seja qual for seu 
sexo, com a beleza, aos seus olhos, do pai do mesmo sexo que o 
delas, e esse sentimento às vezes perdura até a adolescência. Um 
lindíssimo menino pode sentir-se um verdadeiro Quasímodo ao 
lado de um pai qualquer. Da mesma forma que uma menina 
lindíssima ao lado da mãe que ninguém nota. Por volta de sete ou 
oito anos, chega o momento em que as crianças podem julgar-se 
a si próprias, e julgar os pais no olhar dos outros, no espelho que 
a sociedade lhes estende, mas até aí o imaginário prevalece. Os 
pais são rei e rainha, mágico e fada, ou feiticeiros aos olhos das 
crianças, deuses e deusas do lar. Mas, nus, os pais são 
esplendorosos, deslumbrantes de poder, fascinantes (sobretudo 
se se faz de conta que não se vê), o que pretendem os 
naturalistas. 
Antes de sete, oito anos, o nudismo sistemático é, para a criança, 
destruidor, mas só se vê seus efeitos aos seis, sete anos. Nesse 
momento, percebe-se que o pudor desapareceu nas meninas, 
elas começam a "perseguir" qualquer menino e adulto que seja. 
Sobretudo, perdem todo o interesse por tudo que diz respeito à 
observação das coisas da vida, à memória dos fatos. Se bem que 
inteligentes, não têm interesse pela amizade nem pela 
escolaridade (por tudo a que os psicanalistas chamam 
sublimações, orais e anais), 
 
 
 
 
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13 As Etapas Decisivas da Infância 
pelas brincadeiras de sua idade, pela habilidade das mãos, pelo 
saber adotar e o saber rejeitar, pelo sim e o não. São ávidas 
apenas de sensualidade e de sexualidade que foram 
inconscientemente exaltadas em excesso. Os meninos, por sua 
vez, por volta de seis, sete anos, são o extremo oposto. 
Aprenderam, por prudência natural nesses lares naturalistas, a 
furtar-se aos olhares, tornam-se doentiamente pudicos. Toda a 
sua curiosidade abandonou os olhos para ver os seres humanos, e 
muitas vezes o prazer do tato, ignoram o sexo, para refugiar-se 
no mental. São alunos muito dotados mas fechados, tímidos; não 
os primeiros da classe, isso dá muito na vista, mas sempre 
segundo ou terceiro, sem colegas e sem amigos do peito. Essas 
crianças são, de uma maneira diferente conforme seu sexo, 
neuróticas obsessivas, sendo difícil tirá-las daí. Foram pais 
naturalistas que me ensinaram isso. Talvez fosse diferente se o 
naturismo fosse generalizado, mas atualmente é assim. 
Os pais pensam que, quando os filhos são pequenos, isso não tem 
a menor importância. É justamente o contrário: aos dez, doze 
anos, o naturismo em família já não tem nenhuma importância 
sobre a evolução das crianças. Como explicar isso? O lactente, a 
criança pequena torna seu tudo o que vê, ela "engole" tudo o que 
vê, a beleza da mãe, a beleza do pai, usufrui-as com os olhos, 
com o cheiro, com o toque passivo. Mas, tornada ativa, ela quer 
mais. Carícias, beijos, afagos são-lhe provas de amor e de ternura 
se são castos e acompanhados de palavras e de músicas. O olfato, 
a vista, a audição são também órgãos sexuais, e ela ainda não 
conhece a proibição do incesto. Chega um momento em que os 
pais se esquivam às familiaridades genitais dos filhos. Estes ficam 
então, nas famílias nudistas, presos na armadilha de um incesto 
fusional como outrora, arcaico e sem palavras, lúdico, prazeroso, 
e que, infelizmente, diverte os pais. Na idade em que a fala já 
está construída, em que a criança conhece a interdição do 
incesto, a nudez dos pais, por momentos entrevista e da qual se 
pode falar, já é menos perigosa e, depois de dez, doze anos, isso 
já não tem a menor importância. Cada qual é feito como é feito. 
Entretanto, essa é a idade em que os pais já não ousam, em geral, 
enfrentar a comparação que os filhos fariam da nudez deles com 
a de outros adultos, no tocante tanto às formas aparentes quanto 
à sedução. A interdição do incesto é assimilada à personalidade 
humanizada. 
 
 
 
 
 
 
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14 As Etapas Decisivas da Infância 
Na mesma área, os pais não deveriam fazer as crianças pequenas 
entrarem enquanto estão tomando banho. Que se fechem! Que 
deixem a criança ficar batendo na porta como uma louca: "Você 
bem que entra e você me vê pelado. - Faço isso porque você não 
sabe se lavar sozinho, mas, o dia que você tomar banho sozinho, 
eu não me permitirei entrar." Mas, se um menino, ou uma 
menina, pretende não saber lavar-se sozinho depois de cinco 
anos, é porque a mãe (ou o pai) é cúmplice dessa impotência. É 
preciso parar esse jogo que se toma perigoso. 
Claro, a nudez das crianças entre si não tem conseqüências. O 
perigo reside entre pais e filhos e quando o nudismo é princípio 
sacrossanto de educação. Assim como a nudez ocasional, 
acidental: "Eu vi você pelado, eu vi você peladinha! diz a criança. 
- Está certo. E daí? Você viu o diabo?" Elas acreditavam ter feito 
uma ação da maior audácia! Ri-se e não se fala mais nisso. Essa é 
a mais educativa das atitudes referentes à nudez em família. 
 
A criança no quarto dos pais 
 
Os pais não imaginam que um bebê que assiste às relações sexuais 
dos pais é, com todas as suas pulsões, enxertado no pai, 
enxertado na mãe, sempre, e mormente quando está 
adormecido. Pois a criança está em comunicação fusional pelo 
inconsciente com aqueles que a rodeiam. Sabe-se bem, por 
numerosas experiências, que adormecido, sob hipnose, pode-se 
aprender tudo. Durante seu mero sono, alguns voluntáriospuderam aprender idiomas estrangeiros gravados em discos... No 
sono, somos ainda mais receptivos do que quando estamos 
acordados. No caso do bebê, suas próprias pulsões são 
superativadas no momento das relações sexuais dos pais. 
Inconscientemente, ele entra em sintonia com os meios de 
desejar que são os seus, e que desejam pacificamente no nível 
em que ele sente esse desejo, seja de prazer fisico, seja de temo 
corpo a corpo. 
Por certo era a mesma coisa quando a criança estava no ventre 
da mãe, in utero, pois o indivíduo humano já está lá, no feto, 
presente com sua libido inteira, e dependente das reações 
humorais e circulatórias de sua mãe que lhe ativam ou arrefecem 
a vida vegetativa. Noutras civilizações, uma mulher, tão logo 
grávida, já não 
 
 
 
 
 
 
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tem relações sexuais, e isso até que tenha acabado de 
amamentar, mas trata-se de sociedades polígamas. Para nós, esse 
tabu não existe ou não existe mais. Em que medida isso perturba 
ou não a criança ainda por nascer e, mais tarde, o bebê, é dificil 
de dizer. Para o bebê, pode-se, em todo caso, observar que, 
quando os pais fazem amor em sua presença e ele está dormindo, 
também ele fica faminto de desejo. Ele acorda, desejaria mamar, 
tem uma micção, uma evacuação inabitual, àquela hora da noite, 
chora, no mínimo tem necessidade de pequenos cuidados e de 
uma palavra tranqüilizadora. Não é esquecido. E se ainda não 
reage é porque, em seu sono, regride a um modo de ser arcaico, 
afetivo, imaginário, como que fusional total com os pais, também 
eles pouco diferenciados ainda, o adulto massa bicéfala 
tranqüilizadora, o co-eu papai-mamãe, tríade originária de 
desejos como em sua concepção. 
Muito depressa as crianças sabem (sobretudo intuitivamente) o 
que se passa: as crianças sabem tudo, inconscientemente. Mas, a 
partir do momento em que as coisas são ditas em palavras que 
respondem às perguntas delas, já são aceitas pela metade. A 
criança fica um pouco incomodada: "Foi desse jeito que eu 
nasci..." Não penso que uma experiência desse gênero - uma 
criança que descobre os pais fazendo amor - seja por si só nociva, 
se os pais não querem ludibriar a criança, fingir como o pai que 
dizia: "Não é verdade, você não viu nada, ou está mentindo." 
Cumpre mesmo que os pais compreendam que a criança é uma 
testemunha que reage. Se ela não "compreende", interpreta o 
que vê. É preferível evitar ter uma criança no quarto, e fechar a 
porta quando se tem relações sexuais, mas às vezes isso acontece 
de modo diferente. Em vez de repreender a criança porque ela 
reagiu, é preferível fazer frente à situação que se criou. Pelo 
menos respeitar sua tranqüilidade conjugal futura como se lhe 
pede que respeite a dos pais: "Fique quieta e saia. Não somos 
obrigados a dizer a você o que estamos fazendo. Quando você 
tiver seu marido, quando tiver sua mulher, nem seu pai nem eu 
iremos atrapalhar vocês." 
Por vezes, a criança expressa suas fantasias: "É, eu bem sei, 
quando estou dormindo, você dá de mamar ao papai, e papai faz 
coisas no bumbum..." Nunca se deve nem zombar, nem se zangar, 
nem deixar as crianças dizerem essas coisas. Aliás, elas não 
sustentam o errado para saber a verdade? Deve-se dizer-lhes a 
verda- 
 
 
 
 
 
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de, mesmo rindo: "Não, você está totalmente enganada, não é 
desse jeito que as coisas acontecem. O sexo não tem nada a ver 
com comer e fazer xixi ou cocô. Você verá mais tarde como é que 
é." 
A melhor solução, evidentemente, é não ter criança no quarto. 
Nem sempre isso é possível. Certos casais se destinem porque 
nunca estão tranqüilos, porque nunca têm um momento de 
liberdade, sem os filhos por perto. Quantas mulheres me 
contaram que alegavam a presença do filho para recusar-se ao 
esposo! Evidentemente, é porque algo não vai bem com o casal, 
mas o que é grave é que é em nome de sua paternidade que o 
homem é desvirilizado pela esposa, que justifica a perda de sua 
feminilidade com sua maternidade. A criança é posta, pela mãe, 
na posição de intruso que manda. É mais sensato, quando é 
possível materialmente, fazer, já no nascimento, a criança 
dormir fora do quarto conjugal, e manter-se firme. A vigilância 
materna permanece no sono, esteja o filho próximo ou não. Se a 
criança necessita da mãe, esta o perceberá do mesmo jeito se 
estiver noutro cômodo, e se, para ela, ir ao berço impõe que ela 
ou o pai se levantem, para a criança é bem preferível. Aos três 
meses, pais e filho só se incomodarão muito raramente, e ele se 
desenvolverá melhor. 
 
Reencontros na creche 
 
Quando uma mãe põe o filhinho na creche, quase sempre é 
porque é obrigada a isso, com o coração partido, para ir 
trabalhar. E, quando volta para buscá-lo à tarde, ei-la que se joga 
para a criança - em geral quase nua pois lhe tiraram todas as 
roupas - como uma pantera para sua pequena "panterinha", e ela 
a beija, e a beija... A criança fica completamente desnorteada. 
Lá se vão oito horas que não vê a mãe, não está no cheiro da mãe, 
não teve tempo de reconhecê-la em nenhuma outra parecida, 
nem seu rosto, nem sua voz, nem seu cheiro. A mãe está tão 
frustrada, é duro deixar o filho de dois ou três meses na creche. 
Algumas até se acham más mães por abandoná-lo assim um dia 
inteiro. Não é exato. Se a mãe fosse má, a criança não teria o que 
lhe é preciso, não engordaria bem, não comeria bem. A creche 
tem muitas vantagens, sobretudo a do convívio com outros bebês. 
Mas isso não impede que se 
 
 
 
 
 
 
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tomem algumas precauções: quando entra na creche e vê o filho, 
a mãe pode falar-lhe - assim os ouvidos de seu bebê são primeiro 
acariciados por sua voz—, vesti-lo suavemente, calmamente, 
falando-lhe da casa, do pai, dos irmãos e irmãs. Uma vez de volta 
à casa, no âmbito conhecido da criança, pode-se fazer a festa e 
beijar-se, trocar carinhos. Quatro, cinco meses mais tarde, é a 
própria criança que, pelo ouvido, de longe, espreita e reconhece 
a mãe, estende-lhe os braços. Então é totalmente diferente, os 
beijos da mãe não a desnorteiam, ela os espera e arrulha de 
prazer. 
Não há apenas os beijos, os afagos, numa relação mãe-filho. É 
muito fácil abusar de nossa força, lançar-nos sobre a criança e 
devorá-la de beijos. Sem dúvida, sem chegar a excessos 
excitantes, o que causa prazer à mãe causa igualmente prazer à 
criança. Mas a linguagem está aí, e tudo que prepara para a 
linguagem. A expressão do rosto do lactente começa muito cedo, 
ele entra muito cedo em linguagem de troca com o outro, com 
seu rosto. Sabe-se que, já nas primeiras horas de vida, ele imita 
as caretas do pai ou da mãe, mostra a língua quando a mostram a 
ele. Todas essas mímicas de relação são mais interessantes do 
que simplesmente beijá-lo. A criança não é um objeto, um 
animaLzinho cujo contato proporciona prazer. É um homem, uma 
mulher em devir. Vêem-se às vezes certas mães que repreendem 
o filho ou batem nele, depois o afagam para consolá-lo. Elas 
retiram seu amor, tornam a dá-lo, a criança não compreende mais 
nada, o código de comunicação fica caótico. A mãe pode dizer: 
"Eu o amo e é porque o amo que estou brava, se o repreendo é 
porque você fez alguma coisa que é desagradável para mim ou 
perigosa para você." A fala, aí também, é mais importante do que 
os beijos, os gritos e os tapas. 
 
À mesa como gente grande 
 
Algumas mães me dizem: "Não consigo fazer meu filho comer, ele 
enrola, enrola, não tem fim." Tomemos uma dessas famílias: a 
mãe almoça sozinha com seus dois meninos de seis e de quatro 
anos. Ela deve dizer sem parar: "Coma, coma, está esfriando, 
olhe tudo que está sobrando no seu prato." Mas como transcorre 
a refeição? Foi ela que pôs a mesa, ela faz o vaivém entre as 
 
 
 
 
 
 
 
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panelas e a mesa, corta, serve a comida, a bebida, etc. Por que, 
então, ela faz o serviço desses senhores? Basta um nível mental 
e motor de vinte e dois meses,ponhamos de três anos, para fazer 
o serviço de mesa. Já aos três anos, a criança pode pôr sozinha a 
mesa, mudar os pratos, servir-se da travessa ao seu prato e servir 
a bebida. Que cada qual faça seu turno, depois de ter-se sentado 
juntos. Aos três anos, pode-se ser ainda um pouco desajeitado. 
Precisa-se de ajuda e aprende-se, mas não se aprende nada se a 
mãe faz tudo. Sua presença, em compensação, atenta e agradável 
no clima que ela mantém, é muito importante para os jovens 
comensais. Se ela assiste à refeição das crianças e espera o pai 
para jantar com ele, a mãe pode contar histórias na refeição 
delas, as dos alimentos que comem, por exemplo, e muitas 
outras. A refeição se toma um bom momento. Quando o ambiente 
é agradável, as crianças não se aborrecem e comem bem melhor. 
Se, no final da refeição, quando todos terminaram, a criança não 
terminou seu prato? Tanto pior. (Não é forçada a terminar.) Tira-
se a mesa. Quem está de serviço tira-o dela, como no vagão-
restaurante: "Meu prato, meu prato! - Pois bem, você acabará se 
quiser, vá terminar na cozinha, vou acomodá-lo; nós tiramos os 
pratos!" 
Comer à mesa com os pais é uma promoção. Mas, para ter acesso 
a ela, deve-se comer sem fazer sujeira, deve-se aceitar refeições 
mais longas. Até uma certa idade, a criança não o consegue, e 
fica triste depor isso ser posta de lado. Portanto, é preferível 
fazê-la comer antes (melhor do que depois), e consolá-la por ser 
ainda pequena, dando-lhe um pedaço de chocolate, por exemplo, 
e sobretudo tomando parte, se ela o deseja, depois de sua 
refeição, naquela dos adultos, lambiscando sentada à mesa ou 
perto dela, estando presente sem atrapalhar. O acesso à mesa 
dos grandes, quando sabe comportar-se, é sinal de que os pais 
não aceitam, não querem aceitar qualquer coisa. Mas é também 
sinal de que não impõem às crianças, que não podem sentir 
prazer nisso ou não o querem, a contenção imposta pela 
participação na refeição da família em seu todo. Assistindo a ela, 
a pedido delas, elas aprendem a comportar-se à mesa, e, se 
incomodam os adultos, pode-se afastá-las. Nada é pior para pais 
e filhos que estragar o ambiente das refeições. 
Certas crianças aprendem muito depressa a comer sem fazer 
sujeira, vêm com os pais à mesa e, depois, bruscamente, um belo 
 
 
 
 
 
 
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dia... portam-se como porcalhões. Algo aconteceu, não se sabe 
bem o quê. De nada adianta ser rigoroso, zangar-se, castigar. A 
criança que se porta assim deixa a mesa dos adultos para as suas 
refeições. "Você está vendo, é muito demorado e muito dificil 
para você todos os dias." De novo, quando souber regularmente 
comer sem fazer sujeira, voltará. Mas esses ajustes educativos 
não precisam ser acompanhados de broncas e de repreensões. E 
importante que a criança, se ela o deseja, esteja presente nas 
refeições dos grandes e dos pais, mesmo que já tenha comido: 
não é expulsa. Evitam-lhe uma contenção obrigatória cedo 
demais. Assim, a aquisição da limpeza não é um esforço, segue o 
ritmo da criança. Quando ela for convidada fora da família, não 
terá necessidade de "prestar atenção". A civilidade autônoma e 
desembaraçada à mesa será adquirida pelo exemplo. Isso terá 
ocorrido sem dramas. As broncas cortam o apetite, que não pode 
vir na angústia. O essencial para uma refeição é que ela seja, para 
todos os comensais, um momento de descontração, um momento 
alegre, que nem a mãe nem o pai fiquem espreitando o modo de 
comer nem a quantidade de alimentos comida. É fácil demais para 
a criança jogar com a ansiedade da mãe. Quando a criança sabe 
comer sem fazer sujeira, eventualmente pode servir-se sozinha, 
a quantidade de comida absorvida é indiferente, a criança come 
conforme seu apetite, nem mais nem menos. 
Só depois de seis, sete anos, é que uma criança se habitua a 
refeições importantes e espaçadas. Até aí, teria mais vontade de 
comer um pouco o dia todo. Se ela senta à mesa, deve ter seu 
prato e aprender a servir-se sozinha, na proporção de seu 
apetite. Isso não se aprende num dia. Mas uma criança ou um 
adolescente jamais deveria deixar alguma coisa em seu prato se 
serviu-se sozinho. "O que você pegar, você comerá, então preste 
atenção. Você pegará mais depois, se quiser." Ou, quando a 
servimos: "Você quer um pouco, é? Você quer mais ainda? Está 
vendo, você poderia depois pegar mais um pouco." Certas 
crianças, quando sabem falar, lembram-se de que perdiam a 
vontade de comer quando seu prato estava cheio demais. Diziam-
no à mãe. Outras, ao contrário, gostam das porções abundantes. 
O essencial é que nada seja desperdiçado, que a criança não veja 
a mãe jogar um resto de comida. Está sobrando meio iogurte? 
Fechamo-lo de novo e o pomos na geladeira. Assim ela aprende a 
não desperdiçar. 
 
 
 
 
 
 
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Quanto à cozinha, bem como quanto à manutenção de suas 
roupas, de seu quarto e também da casa, meninos e meninas 
podem participar muito cedo, muito mais cedo do que pensam as 
mães que guardam por muito tempo o hábito de "servir os filhos 
em tudo". As crianças estão instrumentadas para a vida quando 
são capazes de virar-se e quando, assim que podem, são 
associadas à animação das tarefas cotidianas, sem espírito miúdo. 
 
Aprender a "ser asseado" (na calça e na cama) 
 
De um modo geral, as meninas aprendem a não molhar mais a 
calça mais cedo do que os meninos. Por volta de dezenove, vinte 
meses, a incontinência diurna desaparece. Para os meninos, isso 
sucede - em média - um pouco mais tarde, por volta de vinte e 
quatro meses. A continência de urina noturna aparece 
definitivamente - se nunca lhe foi dado valor bom ou ruim - no 
mais tardar três meses depois da continência diurna. Mas o asseio 
completo se instala um pouco mais tarde para os meninos do que 
para as meninas. Isso provém de que, para as meninas, o "asseio" 
(continência esfincteriana) não tem relação com o genital, ao 
passo que, para o menino, a confusão permanece por mais tempo: 
ele não faz diferença entre uma micção e uma ereção. E é essa 
por certo a razão de sua aquisição mais lenta. Ele confunde 
necessidades e desejos localmente surgidos nessa zona. 
No inverno, ouvem-se mães no jardim público que se 
impacientam: "Você precisa fazer xixi, ou cocô? Você não sabe? 
Sua irmã sempre sabe, e você não sabe!" Para a mãe, é muito 
diferente abrir somente a braguilha ou tirar completamente 
suspensórios e calça! O menino não tem, tão claramente como a 
menina, a noção frente-atrás. Isso provém das ereções penianas, 
compatíveis, nos menininhos, com a micção, e, do outro lado, de 
ereções reflexas sem necessidade de urinar que muitas vezes 
acompanham a repleção retal. 
O vocabulário contribui muito para aclarar as coisas ou para 
aumentar a confusão. Quando se troca um bebê, só lhe falar de 
seu "bumbum" aumenta a confusão. Ou então dizem a um maior, 
indiferentemente: "Vá lavar seu traseiro..." Bumbum são as náde- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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gas e o ânus, a frente é o sexo ou a micção urinária, tanto para a 
menina como para o menino. Deve-se, pois, muito cedo, pela 
linguagem, fazer as crianças compreenderem que não falamos da 
mesma forma dos funcionamentos xixi ou cocô, e das partes do 
corpo, atrás: nádegas; na frente: pênis, vulva. Senão, é a 
confusão total, por muito tempo inculcada pela mãe e por sua 
indistinção de vocabulário. 
 
A ansiedade escolar 
 
Hoje, acho realmente dramática a importância que pais e 
professores atribuem ao êxito e ao nível escolares. Como se a 
escola fosse tudo para a criança! E como se não soubéssemos, 
todos nós, que não é esse o caso! Houve uma época em que a 
escola era tudo para a criança quanto à aquisição do saber. Mas 
isso acabou mesmo. A escola é um lugar insubstituível de 
encontro com os outros, mas a rua, o rádio, a televisão ou as 
revistas são mediadores de saber. Hoje, os professores já não são 
somente pedagogos, têm de fazer uma educação que a famíliareduzida já não assegura e deveriam ser, mais do que professores 
de saber, educadores para a vida pessoal de cada criança. Eles 
recebem - às vezes - uma formação psicológica, mas não é com 
cursos que se adquire o senso da relação criança-adulto que 
tinham por instinto os professores primários de outrora, cujas 
classes únicas no campo agrupavam crianças de seis a treze anos. 
Eles tinham também sua experiência de crianças e depois de 
adultos, numerosos no lar, mais do que hoje, sobretudo na 
cidade. Agora, e na cidade, as crianças são classificadas segundo 
sua idade civil, como ovos, mas a idade afetiva, não se preocupam 
com ela. Numa classe de crianças da mesma idade, algumas têm 
dois anos e meio de maturidade, e outras dez anos. Não é fácil. 
Quando a criança está "indo mal na escola", esse é um sintoma 
que se deve levar em consideração e apreciar conforme muitos 
critérios, mas não censurar a criança por esse fato. Isso indica 
que outra coisa não vai bem. Por que desanimar a criança e os 
pais, prever o mais sombrio futuro? Fazer a criança perder a 
confiança em si é retirar-lhe suas possibilidades. Isso nunca 
estimula. O fra- 
 
 
 
 
 
 
 
 
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casso escolar é uma prova trágica para muitas crianças'. O caráter 
e a sociabilidade, a inteligência do corpo, das mãos, o espírito de 
iniciativa e de colaboração são indispensáveis para a vida. Estar 
interessado pelo que se diz e faz na classe (e no recreio) é mais 
importante do que as notas que se obtém. Intervêm muitos 
fatores afetivos que provêm a um só tempo do passado e do 
presente da vida da criança, assim como do ambiente da classe. 
 
Irmãos e irmãs 
 
O relacionamento entre irmãos e irmãs é muito importante para 
a educação social e, a esse respeito, cumpre observar algumas 
regras de ouro. 
Quando um dos filhos é pequeno, deve-se, é claro, protegê-lo do 
maior³ que não percebe que o outro não é capaz de fazer aquilo 
que ele próprio tem vontade de fazer: "Ele ainda não pode 
brincar com você, mas você verá, ele é muito inteligente, isso vai 
acontecer." E, ao pequeno: "Ele é grande demais para você." É 
por isso que as crianças necessitam estar, grande parte de seu 
tempo, com crianças da mesma idade (como, aliás, conviver 
também com algumas crianças mais novas ou mais velhas), 
mesmo que tenham irmãos ou irmãs em sua família. O pequeno 
tem tendência a só ver pelos olhos do maior, e o mais velho só se 
interessa pelo irmão dois ou três anos mais moço ao cabo de certo 
tempo. Ou então, se se interessa por ele, banca o matamouro e 
quer ter responsabilidades em relação ao pequeno, o que não é 
seu papel e prejudica o desenvolvimento individual de ambos. 
Nunca se pretenda, junto de um primogênito, que é "para ele" 
(ou ela) que os pais põem outro no mundo. Quantas crianças são, 
assim, selvagemente tomadas responsáveis por um indesejável 
irmão ou irmã que supostamente haviam reclamado, ao passo que 
tinham necessidade de um companheiro de brinquedo de sua 
idade. 
Seja dito claramente: o pequeno tem pai e mãe, não tem 
"necessidade" do maior. Não se peça ao maior bancar o papai ou 
a mamãe. Se ele o faz espontaneamente, tanto melhor, tanto 
pior! Sobretudo, nada de elogios! E se eles se amam, tanto 
melhor. Se não se amam, tanto pior. É por isso que um irmão mais 
velho nunca 
 
 
 
 
 
 
 
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23 As Etapas Decisivas da Infância 
deveria ser padrinho ou madrinha de um irmão mais moço. A não 
ser que tenha dezesseis ou dezessete anos, idade em que não se 
confunde direitos e deveres, responsabilidade e tomada 
autoritária de poder abusivo... E olhe lá! Por que não garantir ao 
recém-nascido uma relação com padrinho e madrinha exterior à 
família? 
Outra regra: não ouvir as "delações". Mesmo que se trate de algo 
perigoso e proibido: "Tudo terminou bem? Ainda bem!" Em todo 
caso, você, o adulto, não viu com seus próprios olhos. "Era 
proibido porque era perigoso, e continuo a proibi-lo porque 
continua a ser perigoso. - Você não vai ficar brava com ele? - Por 
quê? Eu não vi. Mas proíbo você de fazer a mesma coisa. Ele 
assumiu riscos, tanto pior ou tanto melhor para ele." Não castigar. 
Não ficar bravo. Escutar tranqüilamente. "Verdade, aconteceu 
isso?" Aliás, muitas vezes, não sucedeu nada. O maior contou 
histórias ao pequeno, vangloriou-se, usou de truques para deixá-
lo bravo ou para assombrá-lo. O outro entrou. "Eu vou dizer para 
a mamãe." Deve-se acabar imediatamente com essa chantagem. 
Também com a maledicência. 
Por vezes, irmãos e irmãs batem um no outro. Você não viu nada 
e o pequeno chega chorando: "Ela me machucou!" Ele está 
realmente machucado? Cumpre tratar dele, ficar com pena dele: 
"Foi ela que lhe fez isso? Coitada, ela não se deu conta da força 
dela e de que você era menor, mais fraco." Chega a atacante: "Ele 
me aborrece, pega minhas coisas...!" Ficamos com pena dela 
também: "É verdade que você não tem um irmão fácil de 
conviver, uma irmã à sua altura, para brincar com você." De 
qualquer modo, nunca dar razão nem a um nem ao outro. 
Finalmente, tudo se arranja muito bem. "Eu não fiz de propósito", 
diz o presumido fomentador de distúrbios. "Espero mesmo, só 
faltava isso... Você exagerou um pouco..." Não se fala mais nisso. 
Certas crianças vão "delatar" um companheiro, ou um "malvado" 
para os pais, os seus ou o do outro. Maledicência ou calúnia? Vai-
se lá saber. As vezes é porque estão com ciúmes dele, gostariam 
de ter a liberdade, a audácia de um, o pai ou a mãe de outro. Se 
acontece isso, pode-se perguntar à criança: "Por que você vem 
me dizer isso, para mim?" Ela responderá alguma coisa. "Você está 
preocupado? Até as crianças podem ficar preocupadas por um 
amigo que assume riscos. Você não se atreveria a 
 
 
 
 
 
 
 
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24 As Etapas Decisivas da Infância 
fazer como Jerônimo? Você tem razão de não fazer se ainda não 
se sente forte ou se acha que não está certo. Mas você crescerá." 
Em geral, essas crianças que "contam" a qualquer adulto que seja 
o que aos seus olhos um outro fez de errado, de proibido ou de 
imprudente, têm pais que não cuidam muito delas. Por vezes, 
invejam amigos que recebem palmadas e contam as artes que 
fizeram. "Por quê? Você está com vontade de levar uma palmada? 
- Não, mas o pai dele o leva também ao futebol." Em suma, ela se 
interessa pelas relações pais-filhos dos outros. 
Para os pais, essa educação que devem dar aos filhos, a cada 
criança que entra em relação com eles na sociedade, é muito 
dificil de matizar. O essencial da educação é fazer crescer a 
autonomia de cada qual e, no dia-a-dia, o senso critico referente 
ao possível e ao impossível. Às vezes, uma criança faz uma arte, 
como se diz, dá o mau exemplo. O irmão, a irmã, os companheiros 
a imitam. E um líder. Trata-se de algo que poderia ter sido 
perigoso, os pais que viram devem repreender, punir. Mas, se 
punem, que punam mais o imitador do que o líder! "Ele, o que 
tomou a iniciativa, eu o puno menos, porque ele assumiu o risco. 
Quanto a você, 1° você sabia que era uma arte, 2° você o imitou: 
dois erros! Reflita sempre antes de agir." 
A imitação é o contrário da humanização. A imitação é simiesca, 
nunca se deveria utilizar, como alavanca na educação, o termo 
"mau exemplo", dado ou seguido. Infelizmente, tornou-se um 
argumento, onipresente: "Olhe como seu irmãozinho é ajuizado", 
ou "Olhe o filho de Fulano, as filhas de Sicrano..." Como se os pais 
quisessem ter posto no mundo os filhos dos outros! "Meu filho é 
um bom menino, mas deixou-se levar por um mau companheiro." 
Isso não é uma desculpa. Entre irmãos e irmãs, a imitação pode 
ser a causa de graves dificuldades. Uma criança pode tolerar 
como modelo um irmão ou uma irmã mais velhos se os pais não 
os individualizam muito cedo. "A primeira etapa para ficar como 
papai, dizia um menino quinze meses mais moço do que a irmã 
mais velha, é ser minha irmã!" Quando o sexo é diferente, os pais 
costumam observar essa dependência e às vezes acabam logo 
com ela. Há numafamília duas espécies de primogênito, o 
primogênito das meninas e o primogênito dos meninos, sem 
nenhuma comparação possível. Mas, quando se trata do mesmo 
 
 
 
 
 
 
 
 
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25 As Etapas Decisivas da Infância 
sexo, a imitação, a cópia, é igualmente perigosa, embora menos 
visível. E, aí, os pais têm tendência a encorajar essas duplas 
inseparáveis em família. Cumpriria falar claramente. A uma 
segunda filha: "Você toma sua irmã por modelo, mas ela não pode 
sê-lo. Vocês são muito diferentes, vocês se desenvolvem de modo 
diferente. Se você quiser desenvolver-se 'como ela', você não se 
desenvolverá tão bem como você tem de se desenvolver. É 
melhor procurar uma amiga." Quando as coisas não são ditas, 
pode ser muito dificil retomar o próprio caminho. Essas 
associações ou essas duplas em família, esses inseparáveis entre 
um dominado e um dominante são prejudiciais ao 
desenvolvimento social de cada qual. 
Mais uma palavra referente a um defeito de que se desejaria lue 
a criança se corrigisse. Nunca é lutando contra ele que a criança 
resolverá o problema. É apenas desenvolvendo suas qualidades. 
Cumpriria sempre falar das qualidades em embrião em cada qual, 
as que estão na natureza, e mostrar-lhe como, ao desenvolvê-las, 
ela adquirirá domínio de si mesma, amigos e inserção social. E 
depois tomar cuidado para não chamar de defeito o que iião é. 
Por exemplo, a curiosidade, a gulodice, a tagarelice, a agitação 
fisica. Conforme o modo como o adulto fala, a criança pode .ichar 
ser um defeito uma atitude espontânea que deve ser 
desenvolvida: a curiosidade, um desejo de saber, a gulodice, uma 
agudeza discriminatória do paladar, uma habilidade para 
cozinhar, a tagarelice, um desejo de comunicar-se ou a agitação 
fisica, uma atitude para desenvolver sua motricidade nos jogos, 
no esporte. (Sabem que Einstein vivia "no mundo da lua", era 
atrasado na escola e só soube ler e escrever aos nove anos?) Nem 
todas as naturezas de crianças são sempre de convívio cômodo 
para seus familiares, mas isso não é uma razão para chamar 
propensões naturais de defeitos por corrigir. Em inúmeros casos, 
a educação para lutar contra defeitos só desenvolve o 
desencorajamento, quando não a mentira ou a hipocrisia, e a 
consciência pesada, o narcisismo infeliz. A criança tem 
necessidade de sentir-se amada, primeiro como ela é, e apoiada 
para desenvolver o que possui. 
Todo desejo pode ser apoiado para sua utilização a serviço de e 
dos outros. Estigmatizar um comportamento natural desvia uma 
criança da harmonia de seu caráter. É possível e deve-se aju- 
 
 
 
 
 
 
 
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dá-Ia a tornar-se, com a ajuda de sua natureza, sociável e 
criativa, industriosa ou tenaz. Se uma criança não foi, a tempo, 
reconhecida desde pequena em seu valor potencial natural, 
guiada a conhecer suas reais qualidades e a desenvolvê-las, não 
saberá lutar por seu prazer, nem fazer amigos, nem cultivar suas 
qualidades. A energia que a pessoa gasta para lutar contra seus 
pretensos defeitos é inutilizável para desenvolver como 
qualidades o que sua-natureza particular continha. Não nos 
esqueçamos disso. É bom também dar a uma criança metas a 
curto e médio prazo, em vez de um grande programa de vida 
perfeita. 
O coleguismo fora do círculo familiar também deve ser 
favorecido. Toda vez que se sente numa criança uma atração por 
uma outra, é bom encorajá-la a realizar o conhecimento dessa 
outra na realidade, e a fazer ela própria a experiência de uma 
amizade que deseja. Quantas crianças são impedidas, ou 
desencorajadas de antemão, dessas experiências das coisas ou 
das pessoas que as atraem, pela angústia dos pais de que o filho 
seja decepcionado das esperanças que tem, ou pela idéia apriori 
que fazem das boas ou más iniciativas (há crianças que não 
perseveram, isso não importa), dos "bons" ou dos "maus" 
companheiros (a pretexto de aparência verbal ou das roupas ou 
de mau aluno na classe). As melhores ocupações e relações são, 
para as crianças, as que as fazem-descobrir crianças diferentes 
delas, e famílias diferentes das delas. É preciso encorajá-la a 
jamais julgar bem ou mal de modo abstrato, absoluto, ou segundo 
o critério dos adultos, e sim segundo sua própria experiência, 
tanto nas atividades escolhidas como em suas relações com 
aqueles com quem ela tem afinidades a priori. É perigoso, para a 
sua personalidade, impor a uma criança a convivência com 
crianças de quem ela não gosta, um esporte ou uma arte de que 
não gosta. Agir para agradar aos pais (conscientemente) é 
alienante. 
Controlar uma criança é confiar nela, deixá-la experimentar o 
que é possível e falar de tudo, com confiança, com os pais, 
sobretudo das "diferenças" entre ela e os outros, entre sua família 
e as outras famílias, o que pensa disso, ouvi-Ia falar sobre as 
relações pais-filhos ou de casal que ela observa, ajudá-la a 
refletir sobre tudo isso, com referência à história e às 
experiências de cada qual. Já aos nove, dez anos, educados 
assim, meninos e meninas 
 
 
 
 
 
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estão armados para a vida social sem antolhos, para a abertura 
aos outros, sem perigo de decepções ou de sujeição, tendo já 
uma autonomia que sustenta cada qual em sua confiança em si 
próprios, enraizada na confiança na família, ao mesmo tempo que 
em sua tolerância para com pessoas diferentes. 
Claro que aos nove, dez anos, uma criança já não diz tudo o que 
pensa ou faz aos pais, mas não é para esconder-se deles, isso é 
assumir suas responsabilidades. E, se os pais não se mostrarem 
curiosos e frustrados, se ela necessitar de ajuda num momento 
dificil, ela saberá chamar à parte, o pai, se for um menino, a mãe, 
se for uma menina, para fazer confidências, tanto mais que será 
certo que nada do que for dito a um dos pais será repetido por 
suas costas ao outro (outra regra de ouro em educação). Quando 
muito um "você deveria falar também à sua mãe, ela seria boa 
conselheira..." , ou "você deveria falar disso ao seu pai, você pode 
confiar nele...". Nunca apoiada por um progenitor contra o outro, 
nunca segredinhos para coisas importantes. E depois, também, 
incentivar o jovem a confiar em vários adultos de bom alvitre, a 
fim de ele próprio descobrir a decisão que tomar sem jamais 
sujeitar-se ao conselho (desejo) de apenas um de seus 
interlocutores, seja ele o pai ou a mãe. A partir de dez anos toda 
criança - assim educada - está apta para traçar sozinha uma certa 
linha de vida à qual ela refere seus projetos e seus atos. 
Seja qual for a idade de uma criança ou de um pré-adolescente, 
temos de perguntar-nos sempre - sem nem sempre poder, 
infelizmente, achar-lhe a resposta certa - se o que eu lhe disse 
ali, ou respondi aqui, ou incentivei ou obriguei a fazer em 
determinada Situação, era realmente para ele (ou para ela), ou 
não era para eu mesmo pondo-me em sua idade, em seu lugar, 
atitude imaginária em geral irreprimível nos pais, mas não 
realista e não educativa. 
Nenhuma educação deixa de ter problemas. O importante é saber 
isso e nunca culpar nossos filhos das dificuldades que 
experimentam nem daquelas que nos causam, ou nos causaram. 
Eles próprios têm tanto que nos perdoar as dificuldades que 
inutilmente acrescentamos às deles! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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SITUAÇÃO ATUAL DA FAMÍLIA 
 
Jeunes Femmes, 
agosto-setembro-outubro de 1961. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Comunicar a vocês um pouco de minha experiência para abordar 
o problema da família? É isso que mais desejo. Todavia, é verdade 
que a experiência do psicanalista é sempre "de consultório" e 
termina com algumas declarações, a certas pessoas preci.sa, 
relativas ao seu caso inteiramente particular; mas, em virtude (lo 
ver uma grande quantidade de casos particulares, temos 
certamente uma nova maneira de entrever asquestões 
familiares, e estou certa de que, apesar de minha deformação 
profissional, serei levada a dizer-lhes coisas que os farão 
refletir... 
Não creiam que o psicanalista seja um psiquiatra. As vezes de lida 
com problemas psiquiátricos, mas também com problemas de 
educação corrente; com problemas humanos, pura e 
simplesmente, que estão, na vida dos indivíduos, na raiz de 
traumatismos graves, em conseqüência de acasos sucessivos ou 
concomitantes mal combinados: por exemplo, durante a guerra. 
O psicanalista está aí para ajudar as pessoas que não podem 
curar-se sozinhas. Não que ele atue por sugestão: ele não é um 
orientador, 'o sentido de "conselheiro". Tenta agir de modo que 
cada um dai neles que o consultam seja capaz de assumir o 
reconhecimento e seu próprio desejo no tocante a tudo que 
deseja, e aprenda a resolver por si só seus próprios conflitos. No 
entanto, há conselhos de educação geral que decorrem da 
observação de muitos dos momentos críticos por que todo ser 
humano deve passar ao longo de sua evolução. 
 
 
 
 
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30 As Etapas Decisivas da Infância 
A família se transforma 
 
Passemos ao problema da família, que preocupa tantos pais - 
preocupação que talvez seja sinal de uma falta de confiança no 
futuro, de uma perda de esperança. É verdade que assistimos a 
uma desagregação das estruturas tradicionais. Os pais já não têm 
prestígio e sua autoridade é sentida como um autoritarismo. 
Pertencer a uma família já não traz, como antigamente, um 
sentimento de segurança. Esse fato pareceu-me muitas vezes 
ligado a uma menor inserção da família num âmbito preexistente. 
A família já não é valorizada em si mesma pelas outras famílias, 
ou seja, pelo resto do grande grupo. Ela se instala em qualquer 
lugar, ninguém a conhece, e vão julgá-la só pelos sinais atuais de 
seu comportamento aparente. Não se sabe quem é a família, uma 
vez que o lugar muda o tempo inteiro; lugar que é geralmente um 
pequeno apartamento onde nada mais resta das recordações 
tradicionais, dos fetiches aos quais algumas vezes se agarra, e 
com felicidade, a família. A família já não tem raízes telúricas; 
ou, se as tem, essas raízes, em vez de serem nutritivas, são, ao 
contrário, pesadas: como a família cuja mobília foi transportada 
de um apartamento interiorano de dez cômodos para um de 
quatro em Paris, onde as crianças já não podem mexer-se. Nessas 
condições, os idosos, em vez de apaziguar as tensões e de ajudar 
como antigamente ao enraizamento do espírito familiar, não 
passam de móveis-pessoas que são transportados a moradias já 
pequenas demais, velhos cuja única posse é um aparelho de 
televisão, "chatos" que têm manias ou reivindicações. 
Ora, essa mobilidade se tomou, na consciência de nossos 
contemporâneos, prova de vitalidade; foi supervalorizada. 
Sofremos de uma espécie de "dromomania", de instabilidade. 
Todo o mundo está sempre correndo, nas grandes cidades; e você 
vê pessoas que fogem dos "buracos" infames de três ou quatro 
cômodos, habitados por dez pessoas, para ir de carro a um lugar 
qualquer. E, no entanto, a família não deveria ser sem-parada-o-
tempo-todo. Antigamente, havia estabilidade nas maneiras de 
viver e de pensar. 
Observe-se também que, agora, penetram no interior dos lares 
noções que antigamente se tinha de procurar nos livros, ou 
deslocando-se ao teatro, aos espetáculos de variedades. 
 
 
 
 
 
 
 
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31 As Etapas Decisivas da Infância 
Com a televisão, entra na família um ambiente totalmente 
estranho, artistas, te que fala de seja lá que for e que se tomam 
o centro da vida dos adultos e das crianças. O cinema, o rádio 
impõem fantasias perturbadoras, que atrapalham a família e são 
em geral semeadas elas pessoas menos interessantes da 
sociedade. Exceto alguns programas divertidos, quantas 
imbecilidades não escutamos, e, orno as escutamos porque não 
sabemos se não vai haver depois algo interessante, já não há 
sequer conversa nas famílias. Ora, é ela conversa que as pessoas 
se conhecem. Esse movimento atrativo, esse "fora-de-si" 
permitem uma aparência de ajustamento ao mundo, porém 
superficialmente, e, por fim, cada ser humano está 
completamente sozinho, muito mais do que antes. Procuram 
"parecer" todos da mesma forma, falar a mesma linguagem com o 
mesmo acento, jogar com o mesmo bambolê, parecer-se com 
Brigitte Bardot... Mas, o que há por trás desse parecer? O desejo 
de ter audiência. No fundo, procuram identificar-se com aqueles 
que têm audiência na sociedade; pois cada qual quer ter 
audiência, sobretudo os jovens. Meninas de catorze anos põem 
cílios como essa, sombras como aquela. Quando a família faz um 
drama disto, chega-se a tais tensões que os jovens se tornam 
semideliniquentes. Ao contrário, quando se deixa livre todo esse 
parecer e ando se fala à mocinha do que ela pensa e sente, o 
estilo Brigitte Bardot desaparece muito depressa. Não é ao 
disfarce que se deve dar importância, mas à realidade de que ele 
é sinal. E preciso passar pelos sapatos pontudos dos meninos que 
têm ar de homossexuais sem o saber, se não se quer que essa 
moda seja valorizada ia oposição dos pais. 
 
O ser e o parecer 
 
Cumpre saber: estamos num estilo novo, mas o que é profundo 
permanece. O que é profundo não é o parecer, e isso o é cada 
vez menos. O que é profundo é justamente o que é mudo, se não 
lhe damos audiência. E, todos esses aspectos que o adolescente 
se confere, é para tentar encontrar um ser que seja seu duplo, 
seu companheiro ou seu complementar sexual. Nos lares cristãos, 
não deveria prestar nenhuma atenção aos costumes de aparência 
e 
 
 
 
 
 
 
 
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32 As Etapas Decisivas da Infância 
 
cuidar do que há no fundo dos seres. Pois, por baixo das aparên- 
cias arremedadas, existe uma pessoa que cumpre apoiar e ajudar 
a conhecer-se através do que ela exprime ou não consegue 
exprimir. 
A continuidade do sujeito sempre existe, mesmo no sono. 
Todavia, há uma descontinuidade devida aos impulsos do desejo, 
à busca do complemento que, a partir de doze, treze anos, se 
torna o complementar sexual, mas que, já aos dezoito meses de 
idade, aparece como um cara a cara na troca das emoções 
faladas. Ora, cumpre saber que cada vez que um ser humano é 
animado por um desejo, ele experimenta o sentimento do risco, 
senão não sentiria um verdadeiro desejo. Desejo implica risco, o 
que implica angústia; ao contrário da necessidade e de sua 
satisfação, que não são acompanhados de angústia. 
Cada vez que há dúvida e angústia, é porque há, camuflado, um 
desejo que procura manifestar-se tendo em vista um 
complemento. Jamais poderíamos mudar isso na natureza 
humana, e não podemos esperar apaziguar todas as angústias. 
Assim que um ser é consciente, ele é o palco de contradições, em 
especial entre o desejo de conservar-se e o de alçar-se a uma 
expressão mais total de si mesmo. Ora, pode ocorrer que ninguém 
o ajude a viver essa angústia. Ele arrisca-se, então, a perder a 
estima de si mesmo se não atendem ao seu pedido. Daí a 
transformação da angústia em culpa, processo que a educação 
deve tender a evitar. A criança deve ser ensinada, bem pequena, 
a conceber seus próprios conflitos como normais, como sinais de 
boa vitalidade. Os jovens têm de sentir que uma tensão entre o 
apego à família e o desejo de escapar-lhe é um sinal de vitalidade. 
Isso se toma patológico apenas em caso de incompreensão 
familiar; é nesse momento que a "turma" é perigosa. 
 
As imagens mentais do pai e da mãe 
 
No estado atual das coisas, que é que a família pode representar 
para uma criança? 
A família ainda existe; as pessoas ainda se casam mesmo que não 
seja por muito tempo. Portanto, a criança geralmente é criada 
inicialmente por um casal. É raro que não haja no início três 
 
 
 
 
 
 
 
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33 As Etapas Decisivas da Infância 
 
soas, e essa tríade bem no início da educação é indispensável. É 
preciso ser três para que uma criança seja concebida: o pai, a 
mãe e o sujeito que se encarna na primeira célula devida à 
conjunçãode duas células iniciais. Se esquecemos que somos 
três, a criança, por sua vez, nunca o esquece. Se não há uma 
educação a três, há o germe de uma psicose. Mas, felizmente, 
nem todos os germes se desenvolvem! 
É por isso que a criança que parasita a mãe necessita que esta 
luta contra esse parasitismo ocupando-se também com um rival, 
om essa espécie de entidade vertical "andante" (o pai), que 
confere um suporte à idéia paternante que a criança trazia em 
si. 
Pois cada ser humano tem em si uma idéia do que é a mãe e do 
que é o pai, mesmo que não tenha tido um "para valer". É uma lei 
psicológica, contra a qual nada podemos, que existiria mesmo 
numa sociedade em que já não existisse em absoluto família, em 
que as crianças fossem educadas em grupos de crianças. Para uma 
criança, o pai é o que corresponde ao aspecto descontínuo, difícil 
de suportar, de sua psicologia. Um pai é alguém com quem você 
e identifica quando é um menino, alguém que lhe assinala suas 
infrações perante a lei, que lhe sustenta em sua evolução social 
e lhe dá uma moeda de troca, o dinheiro. Um pai é aquele que 
introduz você na lei das trocas na sociedade, trocas de 
comportamento, trocas de potência simbolizadas pelo dinheiro. 
É também ele que dá (ou não dá) o nome ao sujeito e o marca, 
assim, com esse reconhecimento (ou não-reconhecimento), 
previamente a qualquer contato social. 
A mãe, para a criança, é o ser que lhe dá de comer e cuida dela. 
É uma entidade que satisfaz as necessidades e sempre encontra 
o meio de ajudá-lo quando você está "em petição de miséria”. 
Quando, tendo encontrado a instância paternante (talvez a 
escoIa), a criança se sente prostrada, encontra a idéia da mãe. 
Nos filmes de western, há sempre uma mulher maternal. Logo, a 
mãe é a enfermeira que trata da criança quando ela está doente, 
e que, o resto do tempo, é objeto de cobiça para todos os 
indivíduos saudáveis do outro sexo. Mas a criança necessita 
igualmente de uma mãe que lhe escape por outras atividades 
diferentes das da casa; senão a criança não tem sustentação para 
seu desejo de evolução (há que desconfiar, a esse respeito, da 
invasão, em nossa sociedade 
 
 
 
 
 
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34 As Etapas Decisivas da Infância 
da instância matemante: por exemplo, uma Segurança Social mal 
organizada, que cobre riscos demais). 
Graças a essa idéia de mãe consoladora e de pai diretor que 
trazem em si, os adolescentes podem resolver a maioria de seus 
problemas; por exemplo, desempenhar, uns para os outros, numa 
turma, o ideal viril e paternante. 
Quando a criança passa por uma provação, necessita de uma 
reparação mediante o contato corporal com a mãe, ou com a 
pessoa que lhe é associada. É absolutamente necessário que a 
criança tenha contatos corpo a corpo, pelo menos até o período 
da queda dos dentes de leite, por volta dos sete anos. Portanto, 
não se deve, em nome de noções psicanalíticas mal 
compreendidas, repelir uma criança, a pretexto de que se 
favoreceria, de outro modo, uma sensualidade malsã, pois a 
criança procurará um corpo a corpo com outras crianças e passará 
então para o plano de uma sensualidade um tanto mórbida. 
 
Os períodos dflceis do desmame e do mexe-em-tudo 
 
Há, na infância, dois períodos difíceis: o do desmame e o do 
mexe-em-tudo. Quando eles transcorreram bem, nunca nada 
mais será grave na vida do adulto. 
O desmame, que é um desmame do corpo a corpo com a mãe, no 
cheiro da mãe, deve ser acompanhado de uma valorização de 
palavras e de trocas gestuais. Se esse período é bem vivido, a 
criança se desenvolve para a motricidade acrobática, que deve 
ocorrer antes da educação esfincteriana. Se a idade acrobática é 
acompanhada da educação esfincteriana, ou seja, da repreensão 
se a criança está suja, a criança não pode "assobiar e chupar cana 
ao mesmo tempo". Ela não pode controlar seus esfincteres e ter 
destreza nas mãos. Ao contrário, quando é capaz de subir e de 
descer sozinha uma escada de mão, em vinte e quatro horas você 
obtém o asseio que já é desejado há três meses pela criança. 
Noutras palavras, quando se põe uma criança no mundo, deve-se 
saber que se terá cerca de vinte e seis meses de fraldas para 
lavar. 
A idade do mexe-em-tudo é muito importante. A criança de 
catorze a dezoito meses aprende então, assistida pela mãe (e 
Deus 
 
 
 
 
 
 
 
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sabe como é cansativo, sobretudo quando ela está grávida da 
seguinte!), a conhecer as coisas. Nesse momento, a criança não 
deve sentir-se num mundo em que "o pai-está-em-todos-os-
móveis", O pai, de fato, representa para a criança a lei em que 
colidem seus desejos. É a pessoa que lhe tira a mamãe, ou seja, 
a segurança do contato consigo mesma. Se a criança põe o dedo 
na tomada elétrica e se queima, você a ouve dizer: "Papai está 
aqui?", "Papai-vai-queimar." E que a instância paternante está 
associada às experiências descontínuas de segurança. Quando se 
quebra essa segurança, é porque o outro está lá para tirá-la de 
você. Portanto, se a mãe estiver presente, ou uma pessoa 
substituta da mãe, e se ela verbalizar constantemente as 
experiências feitas pela criança (por exemplo: "um bule de chá 
quente ou um ferro de passar, é preciso pegá-los assim para não 
se queimar"), se, em todas as tarefas perigosas, a criança for 
acompanhada pela palavra e pelo gesto, você a verá tomar-se 
extremamente prudente, muito engenhosa na família e quase não 
sofrer mais acidentes. Como a nossa educação deve ter como 
finalidade a autonomia da pessoa, a criança deve saber que, se 
lhe acontecer um desastre, ela não será repreendida por isso, 
uma vez que a causa é uma má execução e o adulto também 
poderia ter errado esse movimento. O Importante é que a criança 
se sinta, perante os elementos, as coisas, os animais, as pessoas, 
as leis, do mesmo lado que os outros humanos; e não ela de um 
lado da barreira, e os adultos do lado de Deus, ou seja, da 
instância paternante suprema. 
A idade do mexe-em-tudo dura um mês, um mês e meio - dóis 
meses nas crianças que têm necessidade de várias experiências 
para compreender a lei do comportamento a respeito desta ou 
daquela coisa. Depois dessa idade, que é que é proibido? Quase 
nada na família, mas há uma proibição inexorável, pelo menos 
momentaneamente, uma vez que será dito à criança: "É proibido 
até que você seja mais hábil, maior." Uma mãe pode tomar uma 
hora de seu tempo, todos os dias, para que a exploração da casa 
seja permitida à criança. Toma-se um cômodo e pode-se mexer 
em tudo, eu disse em tudo, em certas condições, que, não 
respeitadas, provocariam uma catástrofe igualmente para o 
adulto. Se você procede assim, pode ficar tranqüila: seu filho 
quase não terá mais desobediência aos três anos. Por quê? Porque 
uma criança, a 
 
 
 
 
 
 
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36 As Etapas Decisivas da Infância 
quem acontece um desastre todas as vezes que tenta identificar-
se com o comportamento dos adultos, começa a ficar angustiada, 
a sentir-se culpada e a provocar uma punição para acalmar seu 
sentimento de culpa. E assim que fabricamos desobedientes 
porque não os formamos, na idade do mexe-em-tudo, para o 
conhecimento da medida de suas possibilidades de "pequenos-
ficando-grandes", de seres da mesma espécie que nós. 
 
A criança e a Lei 
 
Creio que muito cedo as crianças devem ser postas a par das leis 
verdadeiras. Não se deve dizer a uma criança, mesmo que seja 
muito cômodo para a mãe, que a escola é obrigatória aos quatro 
anos. Prestemos muita atenção, quando apresentamos uma lei à 
criança, que se trate de uma verdadeira lei, de uma lei 
suprafamiliar que rege os humanos do grupo cívico de que ela faz 
parte. Existem leis sociais bem como leis do comportamento para 
com os objetos. Certas coisas são totalmente proibidas: mexer na 
caneta do papai, porque a estragariam (um adulto também), 
faltar à escola sem motivo... Se a criança transgrediu uma lei, 
sente-se culpada, sentimento que é acalmado por uma punição, 
mas uma punição que era prevista por ela. Uma infração

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