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ESTÉTICA E SAÚDE: UMA BUSCA PELO PADRÃO DE BELEZA INALCANÇÁVEL Jordane Regina Alves Batista (UENF) O presente estudo tem como objetivo trazer uma reflexão sobre como o discurso social traz em si uma noção de estética, que tem o objetivo de alcançar um belo inalcançável, e usa da influência e urgência da questão saúde para validar e reconhecer um padrão de beleza universal e tóxico, alinhando um consenso popular de que saúde e estética andam juntos. Esses dois conceitos apesar de próximos, são distintos em sua essência, enquanto a saúde é voltada para o olhar do bem-estar psicossocial, mental e físico a estética tem seus cuidados voltados estritamente para aparência e beleza. Para aprofundar nesse assunto foi feita uma análise de notícias, revistas e artigos sobre estética e padrões de beleza, focadas no recorte do público feminino, e comparando esses dados a informações abordadas em periódicos médicos e análises sociais, a fim de relacionar como a indústria da estética, o capitalismo e o patriarcado tomaram conta do discurso de saúde e vem influenciando pessoas a acreditar em cirurgias e remédios milagrosos como um caminho necessário e imprescindível para alcançar um padrão de beleza branco, magro, com harmonização facial, cabelo liso e cirurgias plásticas a qualquer custo e colocando este como única rota para alcançar o bem-estar social. Palavras-chave: Estética; Padrões de Beleza; Saúde estética; Bem-estar social; Cirurgia Plástica. 1. INTRODUÇÃO Estética é a área da filosofia voltada para a reflexão do fenômeno artístico e da beleza sensível, sendo esta voltada para toda observação da natureza e do indivíduo. Hoje o conceito de estética após ser apropriado pelo patriarcado e em seguida pelo capitalismo foi esvaziado e reduzido ao sentido visual de aparência e/ou beleza. A partir disso, todas as noções de estética passam a trazer em si um padrão para modelar um grupo específico e a partir dos mecanismos de coerção, desses dois sistemas, o econômico (capitalista) e o social (patriarcado), gerar poder e lucro para um grupo beneficiado. O patriarcado é um modelo de organização social em que a autoridade máxima é paterna, ou seja, a figura masculina é quem detém o poder sobre as demais. O patriarcado enquanto cultura se constituiu no apagamento e subjugamento da mulher diante do homem, refletido no controle social, de bens materiais, vestimentas e fala. Este, desde seu início, tem o controle da mulher através de relações familiares, como pais e irmãos, e repassado após o casamento para o marido escolhido pelo pai. Para além dessas relações, era criado um ideal de mulher bonita/bela, bondosa e submissa. Com um padrão de mulher ideal sendo pré-estabelecido, uma vez que era a condição para o arranjo de um bom casamento, faz com que se crie um conjunto de normas sociais a fim de que as mulheres compitam entre si para alcançar um determinado status, um casamento com um homem de posses ou com contatos políticos fortes. Essa competição gerada e a busca por esse padrão ganhou força quando o capitalismo se apropriou do discurso, trazendo diversas mercadorias que, falaciosamente, alcançariam a aparência desejada e resultados visíveis quase instantaneamente. Apesar dos padrões se alterarem ao longo do tempo e de cultura para cultura, é fato que todas essas que estão em um regime voltado para o lucro, se aproveitam dessa necessidade criada para mulheres e desenvolvem mais necessidades e mais receitas milagrosas, e nem sempre saudáveis ou realizadas da forma correta. O presente trabalho traz uma revisão sobre textos que abordam o conceito de estética, este que hoje se baseia em meias verdades médicas para normalizar comportamentos exacerbados originados pelo desconforto com seu próprio corpo. Para isso, pesquisamos no google acadêmico estudos que tratam diretamente deste tema e algumas pesquisas voltadas para a área. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 A origem do Patriarcado O patriarcado é uma forma de organização social pautada pela autoridade paterna/ masculina e é um evento relativamente recente que caminha junto com a espécie humana. Enquanto antes da idade média a maioria das culturas eram matrifocais, focadas na mulher e seus ciclos, o patriarcado surge como uma “alternativa” a essa forma de pensar e toma força ao longo da história. Enquanto regime político, o patriarcado tira da mulher sua individualidade e a transforma em um objeto e/ou mercadoria que pertence ao pai ou marido, essa característica pode ser observada em casamentos da idade média em que quando a mulher se casava, nada mais era dela e sim de seu marido, que também era escolhido pelo seu próprio pai. A partir deste comportamento observa-se os valores que são empregados a mulher, uma vez que para se obter um bom casamento seria necessário ter atributos que garantam esse casamento e a partir disso, esse ritual ocorre de acordo com o quão o homem é detentor de riquezas, isso seria um bom casamento, e o quanto a mulher é bonita e atraente para fazer com que esse homem se interesse por ela. Outra observação importante é como essa forma de qualificar as mulheres ocasiona uma competição entre as mesmas. A evolução do patriarcado e dessas relações de poder, apesar de diluídas em outras formas de organização social, mantém sua essência para fins de dominação do discurso, e, quase imperceptíveis, a ideia de adequação da mulher a visão do homem e de competição entre elas ainda está presente no discurso do senso comum e molda comportamentos sem deixar clara as intenções. 2.2 O crescimento do capitalismo Segundo Rocha, Santos e Maux (2019), as noções de estética grega ainda são bastante presentes no pensamento atual e é baseada, principalmente, na ideia de que a beleza está no que é harmônico e simétrico, uma concepção platônica/aristotélica do universo. A partir dessa ideia de beleza e do modelo de dominação patriarcal, o capitalismo se apropria do discurso e o transforma em mercadoria. Enquanto, há desejo da mulher em se libertar, o capitalismo cria em si uma ideia de desejo e necessidade moldada com um mesmo fundamento de adequação ao homem, ou seja, “As dinâmicas de uma sociedade mudam de acordo com o modus operandi do sistema vigente, isso perpassa o funcionamento dos meios de produção, negócios, valores morais pautando as relações interpessoais, dentre outros aspectos” (ROCHA; SANTOS e MAUX, 2019). Pôde se perceber que, “com o passar do tempo, a referência de mulher perfeita passou a se correlacionar com o papel social a ela imposto, à passividade política, maternidade como algo necessário para sua completude, submissão ao marido e o espaço doméstico como limite ao seu exercício de cidadania. Essas limitações impugnadas às mulheres estão envoltas em estereótipos de gênero, categoria criada para abarcar a construção cultural das diferenças entre os sexos”. (ROCHA; SANTOS e MAUX, 2019). Além de criar um estereótipo a ser alcançado por esse público alvo. 2.3 A medicalização da beleza e os procedimentos estéticos Segundo Santos (2021), o discurso médico-higienista, sobre a importância dos hábitos de higiene, se incorporou no Brasil e no mundo a partir do século XIX, e este mesmo hoje é usado para justificar algumas necessidades de procedimentos estéticos. Como explicado por Sampaio e Ferreira (apud SANTOS, 2021), “Os padrões estéticos enaltecidos atualmente pela sociedade como sinônimos de beleza feminina equivalem à mínima porcentagem corporal de gordura, glúteos e seios volumosos e empinados, músculos definidos, pele bronzeada pelo sol, lábios carnudos, na pele nenhuma celulite, estria, manchas ou espinhas, além de nenhuma característica que demonstra envelhecimento, como rugas, cabelos brancos e flacidez”. Essa criação de uma mulher ideal faz com que as mulheres acreditem que precisam se adequar aos corpos dos filmes, programas e propagandas para alcançarem um estado de felicidade, “a publicidade é tão influente que mesmo mulheres consideradas dentro do padrãode beleza dificilmente se sentem completamente satisfeitas com seus corpos” (SANTOS, 2021). Em uma análise das edições da revista Boa Forma, feita por Oliveira et al (2010), foi possível perceber: Fotos de mulheres jovens aparecem em maior número, como era de se esperar (considerando o perfil da revista). Obviamente, entre estas se destacam as pessoas com baixa quantidade de gordura corporal e dentro de padrões estéticos utópicos estimulados e cobiçados. Por outro lado, as expressões visuais referentes ao alto percentual de gordura são de sujeitos da equipe da revista ou de mensagens do tipo “antes e depois”, onde o indivíduo aparece com percentual de gordura elevado (antes) e posteriormente, após se submeter a uma dieta e/ou programa de exercícios físicos, apresenta-se dentro de modelos corporais recomendados pela revista (depois). (Oliveira et al, 2010) No gráfico a seguir da International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS), comentado no trabalho de Santos (2021), mostra a quantidade de cirurgias plásticas realizadas por gênero. Fonte: Dados da (ISAPS, 2013-2019). Elaboração própria. (SANTOS, 2021). É possível perceber que as mulheres são as mais afetadas por essa pressão estética realizada pelas propagandas e consequentemente as que mais realizam cirurgias plásticas no mundo ao longo dos últimos anos. Segundo Leles (2019), há uma valorização e constante banalização das cirurgias plásticas tanto por parte do paciente quanto do médico que realiza o procedimento. As representações femininas ao longo da História foram feitas meritoriamente por homens. Sabemos que a mulher foi marginalizada por muito tempo dentro do desenvolvimento social e que ainda busca diariamente lutar contra as diferentes formas de opressão que persistem na atualidade. Entendemos a importância dessa batalha para que a mulher possa ter autonomia para decidir por ela mesma e para que as sociedades se tornem mais justas. Destacamos também a escassez de estudos sobre o corpo, pois foi por muito tempo marginalizado pela História Tradicional, assim como ainda tem sido negligenciado. Precisamos reforçar a importância de estudos que abordem as mulheres negras e indígenas, visto que essa pesquisa não conseguiu contemplar o assunto de maneira que pudesse sustentar uma análise mais prudente (LELES, 2019, p. 59) Camargo et al (2011) concluiu seu trabalho com a seguinte constatação: Conclui-se que vem ocorrendo um fenômeno crescente e exagerado de culto à beleza corporal l, que aparece nas representações sociais desses jovens como uma imposição ou um padrão social: a primeira impressão que a beleza corporal de uma pessoa causa nas demais é considerada mais importante do que os cuidados com a saúde do corpo (práticas e hábitos saudáveis) e do que os aspectos subjetivos implicados na percepção e na sensação da corporeidade, como é o caso do bem-estar e do equilíbrio emocional. (Camargo et al, 2011). A dificuldade de enxergar o corpo como belo e saudável, logo parte da idéia de desmerecimento da mulher inserida no patriarcado na mesma medida em que o capitalismo trabalha para criar mais necessidades a serem satisfeitas, sem que a mulher inserida neste contexto perceba quais são os braços que guiam ela neste processo. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A beleza não deve ser encarada como uma meta a atingir a qualquer custo, as condições impostas pelos atuais modelo econômico (capitalismo) e social (patriarcado), devem ser revisadas com cautela e atenção por toda comunidade científica e política, a fim de perceber os danos causados a saúde da mulher por esses procedimentos serem tratados como algo essencial e necessário para o bem-estar social. Todos os trabalhos estudados trouxeram em si a confirmação de que há de fato uma banalização dos procedimentos estéticos, e estes podem alterar significativamente a imagem de uma pessoa para si mesma, além de haver um esforço por parte dos meios de comunicação fazer com que esta se mantenha plenamente insatisfeita com qualquer resultado obtido. Se é verdade que o corpo ideal é benéfico para a saúde, não é menos verdade que o este ideal deve ser conseguido com uma alimentação correta e equilibrada, com auxílio psicológico e a pessoa entendendo o porquê de fato ela está realizando este processo, e não através de equívocos e procedimentos sem sentido prejudiciais à saúde. Ou seja, devemos aliar saúde com o conceito de beleza para nós. O aprimoramento da nossa saúde e a nossa beleza, são dois pontos que devem andar juntos e serem trabalhados em sincronia. Ser saudável é mais do que ser só belo, não é ausência de doença, existem várias condições físicas e psicológicas que influenciam para que esse objetivo seja alcançado com êxito. Além de entender os conceitos de beleza e o quão subjetivo estes são e como afetam o psicológico. 4. REFERÊNCIAS: CAMARGO, B. V. et al. Representações sociais do corpo: estética e saúde. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, 2011, v. 19, n. 1, pp. 257-268. Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/5137/513751437021.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2021. FRANCO, Victor Hugo Pereira; NOVAES, Jefferson da Silva. Estética e Imagem Corporal na Sociedade Atual. Cadernos Camilliani e-ISSN: 2594-9640, [S.l.], v. 6, n. 2, p. 111-118, mar. 2018. ISSN 2594-9640. Disponível em: <Estética e Imagem Corporal na Sociedade Atual | Cadernos Camilliani e-ISSN: 2594-9640 (saocamilo-es.br)>. Acesso em: 03 dez. 2021. LEAL, V. C. L. V. et al. O corpo, a cirurgia estética e a Saúde Coletiva: um estudo de caso. Ciência & Saúde Coletiva, Manguinhos, 2010, v. 15, n. 1, pp. 77-86. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csc/v15 n1/a13v15n1.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2021. LELES, I. C. R. F. Internalização, Pressão Estética e Esteriótipos nas Mídias Digitais: Uma Abordagem Historiográfica (2008 - 2019). Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação - História) - Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, p. 80, 2019. Disponível em: <https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/26079>. Acesso em: 02 dez. 2021. OLIVEIRA, A. P. de et al. Culto ao corpo e exposições de produtos na mídia especializada em estética e saúde. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 1, pp. 31-51. Disponível em: <https://www.seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/3127/7514>. Acesso em: 02 dez. 2021. ROCHA, A. B. P.; SANTOS, M.; MAUX, S. Indústria da beleza como vetor da pressão estética: a influência das novas mídias na imposição de padrões. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE, XXI., 2019. Anais… São Luís: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2019. Disponível em: <https://portalintercom.org.br/anais/nordeste2019/resumos/R67-0910-1.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2021. SANTOS, V. C. P. dos. O CORPO FEMININO COMO GERADOR DE LUCRO: pressão estética e o mercado brasileiro de cirurgias plásticas. 2021. 70 f. TCC (Graduação) - Curso de Faculdade de Ciências Econômicas, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021. Disponível em:O corpo feminino como https://www.redalyc.org/pdf/5137/513751437021.pdf http://www.saocamilo-es.br/revista/index.php/cadernoscamilliani/article/view/132 http://www.saocamilo-es.br/revista/index.php/cadernoscamilliani/article/view/132 https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csc/v15n1/a13v15n1.pdf https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csc/v15n1/a13v15n1.pdf https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/26079 https://www.seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/3127/7514 https://portalintercom.org.br/anais/nordeste2019/resumos/R67-0910-1.pdf https://lume.ufrgs.br/handle/10183/225775 gerador de lucro : pressão estética e o mercado brasileiro de cirurgias plásticas (ufrgs.br). Acesso em: 02 dez. 2021. UPIS. Limites entre estética e saúde: entenda o conceito e os perigos. Blog UPIS, 2019. Disponível em: <https://upis.br/blog/estetica-e-saude/#>.Acesso em: 02 dez. 2021. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/225775 https://upis.br/blog/estetica-e-saude/#
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