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AULA 1 POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA Prof.ª Gisella Chanan A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 INTRODUÇÃO Neste tema, vamos abordar o caminho das políticas sociais voltadas para a família, bem como a conquista da autonomia e da cidadania de famílias socialmente vulnerabilizadas. Ressaltaremos, ainda, o trabalho familiar na relação com o capital e o trabalho como modo de produção. TEMA 1 – O CAMINHO DAS POLÍTICAS SOCIAIS – FAMÍLIA Alice perguntou: “pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?” “Isso depende muito do lugar para onde você quer ir” – disse o gato. “Eu não sei para onde ir!” – Disse Alice. “Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.” (Carroll, 2000, p. 32) Qual o caminho das políticas sociais? Ele abrange as famílias? Quando falamos de política, é preciso refletir que se trata de interesses de grupos diversos que lutam pelo poder, buscando acesso a melhores possibilidades de realização desses interesses, ou seja, são caminhos diferentes. Por esse ângulo, o contexto em que se desenvolvem as políticas sociais nunca é neutro, pois sempre será marcado por interesses, conflitos e negociações entre os que reivindicam os direitos e aqueles que os concedem, entre os que se beneficiam e os que são prejudicados, em suma, entre os dominantes e os dominados. Sobre isso, Sposati et al. (2014, p.50) expõem que: Não se nega que a política social é um mecanismo que o Estado utiliza para intervir no controle das contradições que a relação capital-trabalho gera no campo da reprodução e reposição da força de trabalho, ou, ainda, que cumpre uma função ideológica na busca do consenso a fim de garantir a relação dominação-subalternidade e, intrinsecamente a esta a função política de alívio, neutralização das tensões existentes nessa relação. As políticas sociais tiveram, dentro de suas formas de proteção social, variações que resultaram dos contextos sociais, históricos e políticos pelos quais passaram governo e sociedade, ou seja, estavam sujeitas a cada realidade histórica específica. De forma gradual e diferenciada, elas foram sendo influenciadas pelo desenvolvimento das forças produtivas e pela pressão da classe trabalhadora, isto é, os caminhos foram determinados pelos seus interesses. Mas as políticas sociais, até o caminho de abrangência da família, são largas e se alteram conforme as medidas econômicas. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 Desde o pós-guerra, nos países capitalistas centrais, a oferta universal de bens e serviços proporcionados pela efetivação de políticas públicas pareceu mesmo descartar a família, privilegiando o indivíduo-cidadão. O progresso, a informação, a urbanização, o consumo fortaleceram a opção pelo indivíduo portador de direitos. (Carvalho, 2005, p. 267) Nos anos 1930, no Brasil, Getúlio Vargas instituiu, em suas primeiras ações, a criação do Ministério do Trabalho, que pretendia a harmonia das relações entre o capital e trabalho substituindo a ideia de luta de classe pela da conciliação. Com o respaldo na Constituição de 1934, os direitos passaram a ser assegurados ao povo brasileiro, destacando a legislação trabalhista com a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT; a regulamentação do trabalho feminino e dos menores no âmbito industrial; o salário mínimo; o repouso remunerado; a fixação da jornada de trabalho de oito horas; férias anuais remuneradas; regulamentação especial para o trabalho agrícola; amparo aos desvalidos; amparo à maternidade e à infância; direito à educação primária integral e gratuita. Pontuamos o grande avanço na edição de normas protetivas à mulher, o que solidificou todas as matérias relativas à atividade empregatícia feminina. Mas é preciso refletir que o Estado encontrou nas políticas sociais a melhor forma de regulação social por meio da CLT. Na década de 1970, notamos que as políticas sociais no Brasil também tiveram um importante momento de protagonismo feminino com o surgimento do clube de mães. Mais tarde, com o advento da Constituição Federal de 1988, outros textos legais foram constituídos, como o da criança e do adolescente, o do idoso, mas todos com a visão de que é dever da família, da sociedade e do Estado a proteção desses indivíduos. Essa proteção, por parte do Estado, se materializou com a Seguridade Social, as Políticas de Assistência Social, Saúde e Previdência Social. Ao longo desse caminho regido pelo sistema capitalista, a família e o Estado têm grande responsabilidade e vão se cruzar. TEMA 2 – O ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS PARA FAMÍLIAS Historicamente, a família é constituída com base nas relações de parentesco cultural e as novas tendências em padrões de organização seguem conforme as transformações econômicas e políticas. E as políticas sociais sempre foram constituídas de ações para a população mais vulnerável e dependendo do Estado: A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 As crescentes demandas de proteção social são postas não apenas por “pobres” ou “desempregados”, mas por uma maioria de cidadãos, que se percebem ameaçados pelos riscos de, a qualquer momento, perderem a segurança advinda de seus tutores modernos: o trabalho assalariado e o Estado. (Carvalho, 2005, p. 268) A luta da família para a sobrevivência dos seus membros é um ponto-chave, mas, dentro, outros buscam a proteção e a socialização de seus componentes, transmissão do capital cultural, do capital econômico e também das relações de gênero e de solidariedade entre gerações. É importante atualmente ter uma visão da conjuntura, pois uma profunda reestruturação está acontecendo com o capitalismo e, de forma direta ou indireta, ela afeta a vida dos indivíduos e consequentemente a família em todos os aspectos e, conforme Carvalho (2005, p. 269), “[...] vêm produzindo uma sociedade complexa e multifacetada, uma sociedade global que, de um lado, mantém seus cidadãos fortemente interconectados e, por outro, extremamente vulnerabilizados em seus vínculos relacionais de inclusão e pertença”. O Estado, diante disso, realiza ações assistenciais para atendimento e, segundo Carvalho (2005), as políticas de assistência social e saúde têm buscado estratégias em compor com a família projetos e processos mais efetivos na proteção social. E, para isso, a autora esclarece que: Está na ordem do dia o chamado Welfare Mix, que promove uma combinação de recursos e de meios mobilizáveis na esfera do Estado, do mercado, das organizações sociais sem fins lucrativos e, ainda, aqueles derivados das microssolidariedades originárias na família, nas igrejas, no local (Martin, 1995), de modo que as políticas sociais se apresentam hoje como responsabilidades partilhadas. Carvalho (2005, p. 270) Ressaltamos que, historicamente, a prática assistencial de benevolência e caridade era realizada pela sociedade civil, em especial pelas instituições privadas de fins social, e o Estado se apropria de tal prática: “[...] não só da prática assistencial como expressão de benemerência como também catalisa e direciona os esforços de solidariedade social da sociedade civil” (Sposati et al., 2003). Para a Carvalho (2005), os serviços coletivos implementados pelas políticas sociais estão combinando diversas modalidades de atendimento ancoradas na família e na comunidade. A autora destaca ainda que [...] as políticas de combate à pobreza elegeram família e comunidade. A consciência geral de que a pobreza e a desigualdade castigam grande parcela da população brasileira estão a exigir políticas públicas mais efetivas e comprometidas com sua superação. Nesse compromisso, buscam assegurar uma rede de proteção e de desenvolvimento A luno: Y uri G om es M allacoE m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 socioeconômico voltado às famílias e às comunidades vulnerabilizadas pela pobreza. (Carvalho, 2005, p. 270) No Brasil, uma das iniciativas governamentais tomadas nesse sentido foi o programa de renda mínima conhecido como Bolsa Família, criado pela Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que define ainda em seu artigo 8º: “A execução e a Gestão do Programa Bolsa Família são públicas e governamentais e dar-se- ão de forma descentralizada, por meio da conjugação de esforços entre os entes federados, observada a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social” Carvalho (2005) relata também outros programas de cunho emancipatório que tinham, porém, caráter mais descontínuo, tais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Banco do Povo. Ressaltando que o Pronaf financia projetos individuais ou coletivos para agricultores familiares e assentados da reforma agrária. TEMA 3 – AS RELAÇÕES DA FAMÍLIA E O PROCESSO DE DESFILIAÇÃO A família segue as mudanças da sociedade, incorporando novos valores, funções e formas de organização em consequência das ideologias dominantes e das necessidades sociais, culturais, econômicas e políticas de cada época. Na sociedade capitalista, a família tem um papel fundamental, pois é considerada um espaço de proteção social, e o Estado, então, cria e mantém medidas de apoio familiar nas agendas governamentais. Carvalho (2005, p. 271) relata a importância do papel da família nas relações sociais: A família como expressão máxima da vida privada é lugar da intimidade, construção de sentidos e expressão de sentimentos, onde se exterioriza o sofrimento psíquico que a vida de todos nós põe e repõe. É percebida como nicho afetivo e de relações necessárias à socialização dos indivíduos, que assim desenvolvem o sentido de pertença a um campo relacional iniciador de relações includentes na própria vida em sociedade. É um campo de mediação imprescindível. Ressaltamos que a família vem se transformando constantemente, e diversos elementos surgiram nesse campo de mediação relatado pela autora. Dessa forma, Castel (2000 apud Carvalho, 2005) entende que a família convive em um processo social de inclusão e exclusão social, o qual permite ao indivíduo retornar indiretamente à família como condição de inclusão. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 No contexto brasileiro, marcado pela extrema desigualdade social, as famílias têm encontrado dificuldades para cumprir essas tarefas básicas para os seus membros, em decorrência das situações de vulnerabilidade nas quais se encontram. Para Castels (2000 apud Carvalho, 2005, p. 271): “[...] o indivíduo possui trabalho e vínculos sociofamiliares, encontra-se potencialmente incluído nas redes de integração social. Se lhe falta o trabalho ou os vínculos, escorrega para zonas de vulnerabilidade. E, se perde trabalho e vínculos, pode tombar em processos de ‘desafiliação’ social”. Conforme a autora, os vínculos sociofamiliares asseguram ao indivíduo a segurança de pertencimento social. E ainda relata que condição objetiva e subjetiva de pertença não pode ser descartada quando se projetam processos de inclusão social (Carvalho, 2005). Pontuamos que a realidade das famílias pobres e em situação de vulnerabilidade não possibilita as condições necessárias para sua sobrevivência, e a ausência do Estado não garante às famílias o mínimo para a sua sobrevivência. Para Carvalho (2005), exploramos o potencial empreendedor da família no plano dos micronegócios geradores de renda, mas pouco na melhoria da qualidade de vida do coletivo no microterritório que habitam. Para isso, a autora aponta alguns equívocos das políticas públicas sendo: Eleger apenas a mulher na família como porta de relação e parceria; Pensar idealizadamente num padrão de desempenho da família, que ostenta diversas formas de expressão, condições de maior ou menor vulnerabilidade afetiva, social ou econômica, ou ainda fases de seu ciclo vital com maior vulnerabilidade, disponibilidade e potencial; Oferecer apenas assistência compensatória, com escasso investimento no desenvolvimento da autonomia do grupo familiar. (Carvalho, 2005, p. 273) A autora pontua que, independentemente de alterações e mudanças na composição e nos arranjos familiares, a família é um forte agente de proteção social de seus membros. Segundo Carvalho (2015), é necessária uma via de mão dupla ser garantida. “Esse raciocínio se aplica às demais políticas na relação com a família. Por exemplo, às políticas de saúde: a família é sujeito coletivo que opera na saúde de seus membros, mas não basta alçá-la à parceria. É preciso produzir saúde para e com a família” (Carvalho, 2015, p. 273). A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 TEMA 4 – CIDADANIA – POLÍTICA SOCIAL E FAMÍLIA As mudanças ocorreram trazendo impacto na vida social e familiar, sobretudo na transformação dos valores e dos comportamentos que marcaram a transição do tradicional modelo de família patriarcal para um familiar mais igualitária e democrática. A Constituição Federal de 1988 — fruto da luta de vários movimentos sociais organizados pela ampliação de seus direitos sociais em um momento de grande efervescência política — prevê em seu artigo 226 que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, para tanto, levando-nos à reflexão de que ela é responsável por prover as necessidades básicas do ser humano, sendo elemento-chave na formação de seus valores morais e éticos. O texto constitucional passou a reconhecer como entidades familiares as comunidades formadas pelo casamento, pela união estável ou aquela composta por qualquer um dos pais e seus descendentes; dispor da igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher na sociedade conjugal e facilitar a dissolução do casamento pelo divórcio (Brasil, 1988, s/p). Ressaltamos que, por intermédio da Constituição Federal de 1988, o direito à família alcança nova dimensão, e outros textos legais ampliam as formas de composição familiar, garantindo a todos os seus membros proteção, segurança e dignidade humano. O Código Civil de 2002 trouxe inovações em termos de Direito da Família, considerando as evoluções sociais ocorrida no país, os diferentes arranjos familiares e as alterações significativas da legalidade do direito. Ainda na Constituição Federal, é iniciado um redimensionamento das políticas públicas voltadas para o atendimento das necessidades humanas e para a promoção de um bem-estar coletivo, com garantia de direitos sociais, políticos e econômicos: o tripé da Seguridade Social, um conjunto integrado e composto pelas políticas de saúde, assistência social e previdência social. Ressaltamos que as ações assistenciais à nova realidade de “direito do cidadão” estão regidas por alguns princípios, dispostos no art. 4º. da referida lei, dentre os quais, a universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas. Dentro desse contexto, as autoras Sposati et al. (2014, p. 52) relatam que “[...] por mais paradoxal que possa parecer, o avanço das políticas sociais A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 terminou por menos a ação do Estado em prover a justiça social e mais resultado das lutas concretas da população”. Dessa forma, segundo as autoras temos duas faces que fazem parte da política social, sendo uma a de um instrumento de superação, ou até mesmo redução, de tensão sociais com menos conflitos frente à relação capital-trabalho, e a outra a de espaço de expressão de interesses contraditórios das classes sociais em que se estabelece uma forma luta em detrimento das necessidadesobjetivas do capital. Assim, Sposati et al. (2014, p. 52) relatam que “[...] as políticas sociais são mais que condições de reprodução das condições de vida do trabalhador: são formas de realização de direitos sociais e, consequentemente, da cidadania”. Mas as autoras consideram a cidadania como conceito ambíguo que historicamente foi marcado pela perspectiva liberal, no que diz respeito à participação das decisões políticas. Para as autoras, tal “[...] afirmação supõe um Estado, mesmo burguês, onde teoricamente os direitos são assegurados universalmente. Porém, o simples reconhecimento dessa universalidade não garante a realização da igualdade” (Sposati et al., 2014, p. 52). A permanente tensão que paira na defesa de direitos reflete a exploração de uma classe pela outra e lutas sociais ampla e, ainda, de acordo com Sposati et al. (2014, p. 52), a “presença do mecanismo assistencial nas políticas sociais brasileiras conforma a vida do trabalhador em condições precárias, insuficientes, que terminam por reiterar o grau de exploração”. Pontuamos que, nesse contexto de luta de classes, as autoras nos levam a perceber que não podemos menosprezar “[...] os efeitos políticos e ideológicos das políticas sociais, mas identificando que aí reside o espaço contraditório que permite o avanço das lutas populares” (Sposati et al., 2014, p. 53). Isso, de acordo com Sposati et al. (2014, p. 53) permite uma hipótese [...] de que no assistencial está contida a possibilidade de negação dele próprio e de sua constituição como espaço de expansão da cidadania às classes subalternizadas”. Dessa forma, cabe ao Estado assumir o seu papel assistencial, assegurando as condições mínimas de vida para a população, que é a forma concreta de acesso de bens e serviços (Sposati et al., 2014, p. 53). Assim, como as autoras relatam, a luta pela cidadania está nos movimentos sociais, nas reivindicações coletivas, na criação de espaços de prática e política, que são alguns dos elementos fundamentais na sua construção. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 As classes subalternizadas, lutando por sua sobrevivência, organizam- se e apelam para o atendimento de seus direitos sociais, como trabalho, remuneração, alimentação, saúde, moradia, educação. Esse movimento envolve processos de esclarecimento, arregimentação, debate e mobilização que supõem a liberdade e a resistência à opressão. (Sposati et al., 2014, p. 53) Ressaltamos que a proteção conquistada pela Constituição de 1988 é um processo para futuras possibilidades de ações políticas de reivindicação e incorporação de novos direitos. Para as autoras há uma nova forma de concretização da cidadania que é coletiva: A legitimação de demandas coletivas se coloca em confronto ao Estado liberal, enquanto este se funda no individuo como categoria social e política, com autonomia referida a si e não ao grupo a que pertence. (Sposati et al., 2014, p. 56) TEMA 5 – FAMÍLIA E TRABALHO FAMILIAR Historicamente, o capitalismo, ao garantir a manutenção do sistema econômico mundial, provoca mudanças profundas na sociedade e consequentemente na família. E, ao promover essas mudanças, provoca alterações significativas em suas estruturas, mudando regras de sua ordem interna, visando garantir a sua existência e produz transformações não apenas no campo econômico, mas também no político, no social e no cultural mundial. Nesse contexto, Mioto (2015, p. 701) afirma que “o trabalho familiar implica reportar a grande cisão entre o mundo do trabalho e o da família [...] com uma intensa e visível atividade econômica”, ou seja, começa a haver uma separação entre essas duas esferas tornando-se privada a vida familiar, resultando na prática da proteção social e na regulação da família pelo Estado. Mioto (2015, p. 701) situa a família burguesa nos marcos do capitalismo e como consequência do processo de acumulação de capital: Nessa época, tratados econômicos consideravam a economia doméstica, a comercial e a financeira como contínuas para a configuração de uma família “separada” da economia empresarial e financeira. Assim, nasce uma família identificada como “instância privada”, isenta de responsabilidades públicas e, ao mesmo tempo, com disponibilidade de recursos privados com base na criação e no controle de um capital privado. Para a autora, isso marcou uma grande diferença entre as famílias detentoras do capital e as famílias que para essas trabalhavam, provocando a visão de família desvinculada do trabalho e das relações econômicas. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 [...] o processo de separação entre trabalho e família não ocorreu igualmente para todas as classes, considerando tanto as famílias que ainda são unidades produtivas (como as vinculadas à produção agrícola e à produção artesanal) quanto as dos trabalhadores assalariados. Para a autora, essas famílias continuaram, ao longo do tempo, sendo uma unidade econômica para a qual confluem rendimentos de diferentes fontes destinados a uma “bolsa comum”, em geral administrada pela mulher/dona da casa. (Saraceno, 1996 apud Mioto, 2015, p. 702) Portanto, todos os ganhos dos membros da família são administrados pela mulher em função do coletivo familiar. Segundo Mioto (2015), nesse contexto, a economia assalariada aprofunda desigualdades dentro da família pela divisão entre os que recebem salário e os que não recebem. Dessa forma, no contexto familiar, o trabalho ultrapassa as dimensões meramente técnica material interferindo as relações sociais. Para Mioto (2015, p. 702), isso “gera desequilíbrios e tensões entre os seus membros, especialmente entre os que ganham dinheiro de forma direta e os que o ganham de forma indireta, quer dizer, através do valor adjunto do trabalho doméstico”. Com a industrialização e as mudanças no mundo do trabalho e a inserção da mulher no mercado de trabalho foram determinantes para uma série de mudanças contexto da família. E sobre isso, Mioto (2015, p. 703) afirma que “[...] a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e com a instauração das famílias de dupla carteira, bem como com as transformações nas configurações familiares e na pirâmide demográfica, o trabalho doméstico passa a ser fortemente tematizado”. O contexto do trabalho doméstico passa a ser discutido no campo marxista durante a década de 1970, na esteira do ressurgimento dos movimentos organizados de mulheres por direitos no mundo capitalista central. E segundo Gelinski e Pereira (2005 apud Mioto, 2015, p. 703), [...] o debate sobre o trabalho doméstico iniciou-se com base em dois aspectos principais: um se refere à conceituação a respeito de sua natureza e as relações com o modo de produção capitalista; o outro se relaciona à posição de classe das mulheres e à sua relação com o movimento socialista. E em direção análoga o autor Meil (2004 apud Mioto, 2015, p. 703) [...] indica que o debate sobre o trabalho doméstico, no bojo da teoria social de Marx, também se centrou em dois aspectos: um se relaciona à natureza desse trabalho (produtivo ou improdutivo); o outro, à afirmação do trabalho doméstico como uma forma específica de produção (ou não) e suas relações com o modo de produção capitalista. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 Os autores debatem o assunto do trabalho doméstico em uma perspectiva do modo de produção. Na família como unidade de produção, mulheres e crianças participam diretamente das atividades consideradas econômicas. Segundo Mioto (2015, p. 704) é explicita “[...] a complexidade da inter- relação família/mulher e trabalho/economia, que se realiza tanto a partir do trabalho remunerado, quanto do não remunerado — ambos fundamentais na sustentação da subsistência e do bem-estar dos membros de uma sociedade”.É fundamental ressaltar ainda que, com a entrada das mulheres no trabalho atende, em alguma medida, às necessidades financeiras dos grupos familiares, mas altera as formas de garantia privada de proteção, o que se torna problemático, pois a família sempre assumiu papel proeminente na provisão de bem-estar familiar. Para Meil (2004 apud Mioto, 2015, p. 704), “essa perspectiva [...] permitiu evidenciar que a economia segue ‘incrustrada’ dentro da família”. Mioto (2015) ressalta que “uma das chaves importantes desse debate uma das chaves importantes desse debate está no está no reconhecimento do trabalho no âmbito da reprodução, e não apenas no campo da produção”. Por fim, Saraceno (2013 apud Mioto. 2015, p. 706) dá um passo além na análise do processo de desagregação das atividades familiares ao propor o termo trabalho familiar: ao fato de propor maior desconcentração das atividades que fazem parte do trabalho doméstico. ou seja, inclui, além das tarefas domésticas e do cuidado, o tempo utilizado e o esforço desprendido pela família nas relações com as instituições [...] em segundo lugar, porque a nomenclatura se refere ao trabalho não remunerado e, finalmente, porque vincula esse trabalho à família. Este, mesmo estando fortemente associado às mulheres, não pode ser reduzido a uma questão de gênero, pois, entre outras razões, não envolve apenas as mulheres e não pode ser resolvido no campo da relação de gênero. Por esses motivos é que se adota a terminologia trabalho familiar. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. 41. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. BRASIL. Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá outras providências. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.836.htm>. Acesso em: 22 set. 2019. CARROLL, L. Alice perguntou: Gato Cheshire... pode... Pensador. Disponível em: <https://www.pensador.com/frase/MTkwMDc2NQ/>. Acesso em: 22 set. 2019. CARVALHO, M. do C. B. de. Família e políticas públicas. ACOSTA, A. R.; VILTALES, M. A. F. (orgs.). Família: redes, laços e políticas públicas. São Paulo: Cortez / Instituto de Estudos Especiais – PUC/SP, 2005. MIOTO, R. C. T. Política social e trabalho familiar: questões emergentes no debate contemporâneo Serv. Soc. Soc. n.124, São Paulo, out./dez. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n124/0101-6628-sssoc-124- 0699.pdf>. Acesso em: 22 set. 2019. SPOSATI, A. O. et al. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com AULA 2 POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA Profª Gisella Chanan A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 INTRODUÇÃO No referente tema estaremos abordando na análise da ideia de centralidade da família na política da assistência social, ancorada no reconhecimento da importância da família no contexto da vida social. Ressaltando que a família perpassa em todos os níveis de proteção da Política de Assistência Social em seus projetos, programas, serviços e benefícios. TEMA 1 – A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Este retrato de família está um tanto empoeirado. Já não se vê no rosto do pai quanto dinheiro ele ganhou. A primeira estrofe da poesia Retrato de família, de Carlos Drummond de Andrade (1987), revela um olhar para o passado em direção ao futuro, permitindo não somente recuperar, mas também ressignificar esse passado e olhar para a família. Segundo Teixeira (2015, p. 21), a família tem “ressurgido” no contexto das políticas sociais “pós-ajuste” como agente de proteção social. Nesse sentido, é essencial [...] ressaltar a centralidade da família como objeto, sujeito e instrumento das políticas públicas. A centralidade da família nas políticas sociais está explicitada no art. XVI da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU como foco da proteção da sociedade e do Estado. Além disso, a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), no art. 226, considera a família como a base da sociedade e atribui a ela, em seu art. 227, o dever de assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Ressaltamos que a centralidade familiar também está reafirmada na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras legislações. Teixeira (2015, p. 217) ressalta que em todas as “[...] passagens de legislações e [em todo] posicionamento teórico é visível a adoção de um novo paradigma: o de que a família deve ser apoiada, protegida e capacitada para proteger e cuidar de seus membros dependentes”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 Na Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), a centralidade tem como base a compreensão de que as outras necessidades e públicos da assistência social estão, de alguma maneira, vinculados à família, quer seja no momento de utilização dos programas, projetos e serviços da assistência, quer seja no início do ciclo que gera a necessidade do indivíduo vir a ser alvo da atenção da política. “A família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social” (NOB, SUAS, 2005, p. 17). Nesse sentido, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (2004, p. 15) afirma que “a construção da política pública de assistência social precisa levar em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, as suas circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a família”. A PNAS trouxe vários avanços, entre eles a matricialidade sociofamiliar, compreendida a partir das diretrizes estabelecidas para o território nacional, com a opção pela “centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos” (Brasil, 2004, p. 33). E, para isso, a PNAS (2004, p. 41) reconhece que: [...] as fortes pressões que os processos de exclusão sociocultural geram sobre as famílias brasileiras, acentuando suas fragilidades e contradições, faz-se primordial sua centralidade no âmbito das ações da política de assistência social, como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida. Mas identificamos que há uma preocupação com a responsabilidade familiar, pois, conforme defendido no âmbito da Política Nacional de Assistência Social (2004, p. 41), a família, [...] independentemente dos formatos ou modelos que assume, é mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades comunitárias de vida”. Segundo Rizzini et al. (2006 apud Teixeira, 2015), há um descompasso entre a importância que se atribuiu à família e à falta de condições mínimas de vida, suporte e serviços familiares oferecidos pelo poder público, o que na prática ocorre mesmo é uma responsabilização da família pela proteção social de seus membros. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 Para a autora, é pertinente a redução de recursos que dão conta das demandas e dos serviços destinados às famílias que possam promover mudanças nas condições de vida e nos serviços socioeducativos. A autora ressalta que Em todas essas passagens de legislações e posicionamento de teóricos, é visível a adoção de um novo paradigma: o de que a família deve ser apoiada, protegida e capacitadapara proteger e cuidar de seus membros dependentes [...] essa premissa há a de que não é possível fazer políticas públicas sem as parcerias, sem a gestão em redes com entidades públicas e privadas. De acordo com Dal Prá (2016 apud Mioto, 2012), é pelo campo do cuidado se expressa a responsabilização da família, onde articulam-se estratégias de imposição ou transferências dos custos do cuidado para as famílias, seja no âmbito financeiro, emocional e de trabalho. A autora Steffenos (2011 apud Teixeira, 2015, p. 215) salienta “[...] uma tendência de apontar a família como responsável por seus dependentes, incluindo os idosos, sendo chamada a assumir esses novos encargos, independentemente de laços afetivos e de condições para cumpri-los”. Portanto, a política social com centralidade na família exige dos formuladores, gestores e operacionalizadores o entendimento dessas especificidades para que a família possa ser devidamente amparada pelo Estado, ao mesmo tempo em que a responsabiliza pela proteção de seus membros. Teixeira (2015, p. 217) ainda acrescenta que o sistema de proteção social “é a visível adoção do princípio da subsidiariedade da intervenção do Estado que, nunca exclusivamente estatal, e só aparece quando a família falha na proteção e cuidados”. Assim, quando a família não consegue realizar o bem-estar de seus membros contará com a ajuda da rede de proteção, ou seja, o Estado não é protagonista, uma vez que sua função é prover apoio. TEMA 2 – POLÍTICAS DE APOIO À FAMÍLIA Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social – MDS (Brasil, 2010, p. 42), o SUAS “é um sistema público não contributivo e participativo, que tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira”. Considerando isso, “a proteção social deve garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e de A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar” (Brasil, 2010, p. 31). Também a NOB/SUAS de 2012 (Brasil, 2012) reafirma a proteção social da assistência social: a segurança da acolhida; a segurança social de renda; a segurança do convívio ou convivência familiar, comunitária e social; a segurança de desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social, segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais. Para Teixeira (2009, 2010 apud Teixeira, 2015, p. 232), as normas do MDS para o trabalho com famílias, em especial o socioeducativo, envolve discussões de questões internas de grupos referentes ao trabalho doméstico e a reflexões do cotidiano ou de resoluções de conflitos familiares. Segundo a autora essas práticas são herdeiras da educação disciplinadora e normalizadora da família, que assumem versões modernizadoras que lhe escamoteiam dimensões normativas dos papéis sociais, dos comportamentos esperados para pai e mãe, em nome de processos educativos que visam potencializar o grupo familiar e gerar sua autonomia. Destacando Campos (2008 apud Teixeira, 2015), essa responsabilização da família nos cuidados de seus membros é sustentada cultural e socialmente, sendo que grande parte dessas responsabilidades e expectativas recai em especial sobre a mulher. Teixeira (2015, p. 236) ressalta ainda o trabalho com família, [...] assumindo versões normatizadoras e disciplinadoras sobre os papéis sociais hegemônicos e os comportamentos esperados, o que inibe a dimensão emancipatória que poderia ter ou proporcionar. Todavia, isso pode ser redirecionado a partir de novas diretrizes que, de fato, se traduzam em um trabalho social que visa à autonomia, cidadania e protagonismo social das famílias. Pontuamos a obrigação do Estado de disponibilizar, por meio da Política de Assistência Social, os serviços, programas e projetos para as famílias nos mais variados contextos e localidades do país. Esse trabalho deve ser realizado na perspectiva da garantia de direitos, no protagonismo desse usuário e na construção da autonomia. TEMA 3- PROTEÇÃO SOCIAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Segundo Di Giovanni (1998, p. 10 apud PNAS 2004, p. 31), “entende-se por Proteção Social as formas institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros”. Além disso, a PNAS (2004, p. 15) reconhece que: A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 [...] a situação atual para a construção da política pública de assistência social precisa levar em conta três vertentes da proteção social: as pessoas, as suas circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é a família. A proteção social exige a capacidade de maior aproximação possível do cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos, vulnerabilidades se constituem. Além disso, as ações da proteção social, entre outros aspectos, visam a produzir: [...] aquisições materiais, sociais, socioeducativas ao cidadão e cidadã e suas famílias para suprir suas necessidades de reprodução social de vida individual e familiar; desenvolver suas capacidades e talentos para a convivência social, protagonismo e autonomia. (NOB/SUAS 2005, p. 89) Para a PNAS (2004, p. 31), a proteção social deve garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar. Dentre essas garantias, a segurança de renda tem suscitado grandes debates, questionando a responsabilidade do Estado em assegurar tal proteção à referida população. Essa situação gera preconceitos, atribuindo “acomodação” e “vagabundagem” a quem se beneficia dessa segurança. Trata-se de conceitos que foram, ao longo dos anos, enraizados na sociedade. No entanto, o Sistema Único de Assistência Social firma o posicionamento de que a pobreza e as vulnerabilidades são decorrentes do modelo econômico, social e político historicamente constituído no Brasil e, assim, a proteção é dever do Estado, como direito social. Assim, a PNAS (2004, p. 31) afirma que: A segurança de rendimentos não é uma compensação do valor do salário mínimo inadequado, mas a garantia de que todos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famílias desprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão digno e cidadã. A proteção social de assistência social, conforme preconiza a PNAS (2004), é hierarquizada e divide-se em: básica e especial, de acordo com os níveis de complexidade do processo de proteção, em média e alta complexidade, por decorrência do impacto de riscos no indivíduo e em sua família. Segundo Zola (2015 p. 65), as formas de proteção social são definidas em eixos sendo que: A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 Do primeiro eixo, fazem parte programas, projetos, serviços e benefícios públicos sociais básicos para os cuidados da criança e do adolescente, que possibilitam seu desenvolvimento, processo educativo e a proteção básica. Nos segundo e terceiro eixo, são observadas situações de contingências e riscos sociais, com demandas de serviços especializados, considerados de proteção social especial, distinguidos na realidade brasileira de média e alta complexidade. 3.1 Proteção social básica e especial O serviço de proteção básica tem um caráter preventivo e visa proporcionar a inclusão social, o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, tendo como objetivo “prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (PNAS, 2004, p. 33), e a ampliação de acesso a direitos, destinando-se à: [...] população que vive em situaçãode vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras). Ainda segundo a PNAS (2004, p. 35), o trabalho com famílias, nesse tipo de proteção, [...] deve considerar novas referências para a compreensão dos diferentes arranjos familiares, superando o reconhecimento de um modelo único baseado na família nuclear, e partindo do suposto de que são funções básicas das famílias: prover a proteção e a socialização dos seus membros; constituir-se como referências morais, de vínculos afetivos e sociais; de identidade grupal, além de ser mediadora das relações dos seus membros com outras instituições sociais e com o Estado. A proteção social especial, de acordo com a PNAS (2004, p. 37), [...] é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. Segundo a Lei Orgânica da Assistência Social, a proteção básica e a proteção especial são ofertadas precipuamente no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), respectivamente, e pelas entidades sem fins lucrativos de assistência social. Essa seria a “porta de entrada” dos usuários à A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 rede de Proteção Social Básica do SUAS, locais onde são executados serviços de Proteção Social Básica, dando acesso a outros serviços, programas, projetos e benefícios relativos à segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia), de acolhida, e da vivência familiar ou a segurança do convívio de acolhida (PNAS, 2004). Segundo o Caderno de Orientações Técnicas – CRAS (2009, p. 9): CRAS é uma unidade de proteção social básica do SUAS, que tem por objetivo prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidades e riscos sociais nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania. Ressaltando ainda que esses “serviços, de caráter preventivo, protetivo e proativo, podem ser ofertados diretamente no CRAS, desde que disponha de espaço físico e equipe compatível” (CRAS, 2009, p.09). Ressaltamos que a Proteção Social Especial (PSE) (CREAS, 2011, p. 18), [...] por meio de programas, projetos e serviços especializados de caráter continuado, promove a potencialização de recursos para a superação e prevenção do agravamento de situações de risco pessoal e social, por violação de direitos, tais como: violência física, psicológica, negligência, abandono, violência sexual (abuso e exploração), situação de rua, trabalho infantil, práticas de ato infracional, fragilização ou rompimento de vínculos, afastamento do convívio familiar, dentre outras. Além disso, as “ações desenvolvidas na PSE devem ter centralidade na família e como pressuposto o fortalecimento e o resgate de vínculos familiares e comunitários, ou a construção de novas referências, quando for o caso” (CREAS, 2011, p.18). 3.2 Tipificação nacional dos serviços socioassistenciais A Resolução n. 109, de 11 de novembro de 2009, definida como a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, foi concebida a partir das deliberações da VI Conferência Nacional de Assistência Social, bem como das metas previstas no Plano Decenal de Assistência Social, promovendo uma padronização, em nível nacional, dos serviços socioassistenciais. A referida resolução foi tema de discussão e deliberação no Conselho Nacional da Assistência Social referente à democratização da gestão do SUAS, A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 nela compreendida a participação intergovernamental com as Entidades de Assistência Social. Seu artigo 1º (MDS, 2009) define os serviços: I - Serviços de Proteção Social Básica: a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; c) Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas. II - Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade: a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); b) Serviço Especializado em Abordagem Social; c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. III - Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade: a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades: - abrigo institucional; - casa-lar; - casa de passagem; - residência inclusiva. b) Serviço de Acolhimento em República; c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências. A partir de então, essa passou a ser a regra-matriz padronizadora, o que derivou a adoção de similares parâmetros pelos Conselhos Municipais, haja vista que o próprio CNAS editou outra resolução, a de n. 16, de 5 de maio de 2010, regulando o seguinte: Art. 6º A inscrição dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais nos Conselhos de Assistência Social Municipais e do Distrito Federal é o reconhecimento público das ações realizadas pelas entidades e organizações sem fins econômicos, ou seja, sem fins lucrativos, no âmbito da Política de Assistência Social. § 1º Os serviços de atendimento deverão estar de acordo com a Resolução CNAS n. 109, de 11 de novembro de 2009, que trata da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, e com o Decreto n. 6.308, de 14 de dezembro de 2007. Considerando que o Sistema Único de Assistência Social, ainda recente, veio para consolidá-la como política pública, pontuamos que são necessárias ações diferenciadas, levando em conta os níveis de proteção que a política coloca abrangendo as famílias e seus indivíduos que passam por vulnerabilidades e riscos sociais, pois eles tiveram seus direitos violados ou estão em situações risco e de total exclusão. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 E, por fim, a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, como resolução normativa, ganha caráter permanente e planejado. TEMA 4 – PROGRAMAS DA POLÍTICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Conforme a base da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, o Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família – PAIF é concebida a partir do reconhecimento das vulnerabilidades e dos riscos sociais que atingem as famílias, que exigem estratégias de prevenção e enfrentamento da questão social. Através do Decreto n. 5.085, de 19 de maior de 2004, o PAIF tornou se ação continuada da Assistência Social, passando a integrar a rede de serviços e sendo financiada pelo Governo Federal. Vale destacar que a PAIF, “pactuado e assumido pelas diferentes esferas de governo, surtiu efeitos concretos na sociedade brasileira” (PNAS, 2004, p. 34). Segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009, p. 6), o PAIF “consiste no trabalho social com famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias, de modo a prevenir a ruptura de vínculos familiares e comunitários”, bem como as situações de risco. Ressalta-seque a Tipificação tem o papel de contribuir com a viabilização dos direitos dos usuários do SUAS, colaborando para a melhoria de sua qualidade de vida e atuando no desenvolvimento da autonomia e do protagonismo social das famílias e dos indivíduos acompanhados, mediante ações de caráter preventivo, protetivo e proativo (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009). O trabalho social com famílias assistidas pelo PAIF é desenvolvido pela equipe de referência do CRAS, e sua gestão territorial, pelo coordenador do CRAS, auxiliado pela equipe técnica, sendo essas, portanto, “funções exclusivas do poder público e não de entidades privadas de assistência social” (CRAS, 2009, p.10). As ações do PAIF consistem em: acolhida; oficinas com famílias; ações comunitárias; ações particularizadas e encaminhamentos. Segundo a Tipificação (2009, p. 6), o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) consiste em: Serviço de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares, A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 comunitários e sociais e para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social. Ressaltando que esse é um serviço de média complexidade e que seu atendimento se fundamenta no respeito à heterogeneidade, às potencialidades, aos valores, às crenças e às identidades das famílias. TEMA 5 – PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA Os programas de transferência de renda do Governo Federal sob responsabilidade da Secretaria do Desenvolvimento Social do Ministério da Cidadania são: Bolsa Família, Renda Mínima, Renda Cidadã, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Programa Ação Jovem. Conforme a PNAS (2004), no âmbito Sistema Único De Assistência Social (SUAS), os programas são: Art. 2º [...] Parágrafo único - A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas sociais setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais. [...] Art. 24 - Os programas de assistência social compreendem ações integradas e complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidas para qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais. O Governo Federal, com a aprovação do Decreto n. 5.209, de 17 de setembro de 2004, no artigo 1º, decreta que o BPC será regido por esse decreto e pelas disposições que serão estabelecidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, cabendo a esse ministério, conforme o artigo 2º, a coordenação, a gestão e a operacionalização do programa. O artigo 4º do mesmo decreto estabelece os objetivos básicos do programa, que são: i – promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social; ii – combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; iii – estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza; iv – combater a pobreza; e v – promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do poder público (Brasil, 2008). O programa tem seu objetivo central na redução da fome e no combate à pobreza das famílias que são beneficiárias, além de garantir a elas o acesso às A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 demais políticas públicas que melhoram a sua condição de vida e que permitam emancipar-se e sair da situação de pobreza ou de extrema pobreza. Conforme o artigo 14 do referido Decreto, compete aos municípios a constituição de coordenações composta por representantes das áreas da saúde, educação, assistência social e segurança alimentar, que sejam responsáveis pelas ações do programa. Eles devem, ainda, inserir informações sobre as famílias no cadastro único, além de disponibilizar os serviços e as estruturas públicas na área de saúde, educação e assistência social, estabelecendo parcerias com os demais âmbitos do governo e acompanhando as condicionalidades. Para Carloto (2015, p. 186), “os programas de transferência de renda se orientam majoritariamente às mulheres. Em função do caráter ‘feminizado’, desses programas, existe uma tendência em considerá-los uma política pública para mulheres”. Um primeiro ponto de interseção das nossas políticas está na própria concepção do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, que reúne informações de famílias que possuem renda mensal por pessoa de até meio salário mínimo ou ainda aquelas com renda familiar total de até três salários. O Cadastro tem indicadores socioeconômicos importantes, que permitem identificar situações de vulnerabilidade social para além do critério de renda. Isso possibilita aos gestores planejar políticas públicas a partir da identificação das demandas e necessidades, bem como selecionar famílias para serem integradas aos programas de acordo com o perfil. Segundo Goldani (2002, p. 38 apud Carloto, 2015, p. 184), “os programas de renda mínima que garantem um rendimento ‘mínimo’ para as famílias e não para os indivíduos justificando que a pobreza ocorre na família e cabe a ela ser solidária na gestão e no consumo dos rendimentos”. Finalizamos pontuando que, para que a família possa prevenir, proteger, promover e incluir socialmente seus membros, ela precisa ter condições garantidas de sustentabilidade, e os programas de transferência da renda direta às famílias e os demais serviços que devem ser ofertados pelo município proporcionam a elas algumas dessas garantias. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>. Acesso em: 8 ago. 2019. _____. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>. Acesso em: 8 ago. 2019. _____. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. PNAS – Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2004. Disponível em: <https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/ assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2019. _____. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. NOB/SUAS - Norma operacional básica do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, 2005. Disponível em: <https:// www.mds.gov.br/webarquivos/public/NOBSUAS_2012.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. NOB/SUAS. Norma operacional básica do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, 2012. Disponível em: <https://www.mds.gov.br/webarquivos/public/NOBSUAS_2012.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília: MDS, 2009. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/ti pificacao.pdf. Acesso em: 8 ago. 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Avaliação de Políticas Públicas: reflexões acadêmicassobre o desenvolvimento social e o combate à fome. Brasília: MDS, 2014. Disponível em: <https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/24.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2019. _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência e Secretaria Nacional de Renda de A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 Cidadania. Decreto n. 5.209, de 17 de setembro de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5209.htm>. Acesso em: 8 ago. 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sistema Único de Assistência Social. Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Brasília: MDS, 2009. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/ori entacoes_Cras.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sistema Único de Assistência Social. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília: MDS, 2011. Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/documentos/04-caderno-creas-final- dez.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2019. DRUMMOND DE ANDRADE, C. Antologia poética. 22. ed. Rio de Janeiro: Record, 1987. TEIXEIRA, S. M. Política social contemporânea: a família como referência para as Políticas Sociais e para o trabalho social. In: MIOTO, R. C. T.; CAMPOS, M. S.; CARLOTO, C. M. (orgs.). Familismo, Direitos e Cidadania: contradições da política social. São Paulo: Cortez, 2015, p. 211-240. ZOLA, M. B. Políticas Sociais, família e proteção social: um estudo acerca das políticas familiares em diferentes cidades/países. In: MIOTO, R. C. T.; CAMPOS, M. S.; CARLOTO, C. M. (orgs.). Familismo, Direitos e Cidadania: contradições da política social. São Paulo: Cortez, 2015, p. 45-94. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com AULA 3 POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA Profª Gisella Chanan A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, abordaremos as transformações sociais e econômicas e seus impactos na estrutura e na organização da familia. Para esse estudo, é fundamental salientar que a família é ainda a responsável por garantir o capital social e cultural de seus membros, condicionando em parte as posições sociais futuras. TEMA 1 – ANÁLISE E CONCEITO: FAMILISMO Os fatores históricos, econômicos, políticos e culturais são responsáveis pelas mudanças ocorridas na sociedade e principalmente na família. Torna-se, então, imprescindível relatar o reconhecimento da importância da família pelo ordenamento jurídico, o qual, conforme Zola (2015, p. 57), [...] “reconhece também que a tendência da centralidade na família para a proteção social de seus membros, transfere atribuições e sobrecarga, destacando a mulher”. Assim, é preciso perceber que a transferência de responsabilidade social do setor público para as famílias oprime a mulher em suas tarefas e serviços desempenhados no seio familiar. Campos e Mioto (2003, p. 165) enfatizam que a família sempre esteve relacionada com a política social, diferenciando-se em três tipos: “a família do provedor masculino, o ‘familismo’ e a família no Estado de Bem-Estar Social de orientação social-democrata”. A família do provedor masculino remete às relações regidas pelo preceito de que as mulheres seriam subordinadas aos homens. Segundo Zola (2015, p. 57), é uma perspectiva tradicional de proteção social realizada a partir da família nuclear, centrada no modelo previdenciário. Esse modelo de família nuclear assenta-se em valores instituídos que corroboram com uma suposta supremacia masculina, o que acaba atribuindo às atividades masculinas maior importância do que às atividades femininas. Conforme Zola (2015, p. 57), a família do provedor masculino, no modelo previdenciário tem por base dois eixos sendo: “[...] o seguro social público para a cobertura dos riscos do curso de vida, doenças, velhice, morte e, de outro lado, a existência de solidariedade familiar, baseada nas trocas internas e no apoio da mulher aos cuidados familiares”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 Campos e Mioto (2003 apud Zola, 2015, p. 58) “consideram essa modalidade de cobertura de renda e de direitos sociais, aos dependentes do homem, como de ‘direitos derivados’ e não de primeira classe”. Zola (2015, p. 58) adverte que é atribuída à mulher a função de provedora de cuidados desenvolvidos pela família, ou seja, cabe à mulher [...] a reprodução social e de provisão e manutenção do cotidiano e do próprio grupo familiar”. Sobre familismo, as autoras Campos e Mioto (2003, p. 170 apud Zola, 2015, p. 58) esclarecem que, “[...] na perspectiva da baixa oferta de serviços pelo Estado, tendo as famílias, ‘a responsabilidade principal pelo bem-estar social’”. Como há uma tendência a se considerar o modelo nuclear de família, do provedor masculino, o foco da ação política mantém-se na centralidade da família e na proteção de seus membros. As autoras ainda ressaltam que o familismo é pautado na solidariedade entre os membros e reiteram [...] as funções protetoras femininas e a naturalização da família como instância responsável pela reprodução social e se expressa em graduação diferentes, conforme a desresponsabilização pública, quer pela omissão e, também, pelo compartilhamento de metas ambiciosas, diante de situações adversas e de difícil solução, com parcos investimentos. (Campos; Mioto, 2003, p. 170 apud Zola, 2015, p. 59) Então, as políticas públicas transferem para a família as responsabilidades de proteção social aos seus membros, e a mulher, historicamente, assume os cuidados nessas relações familiares. No caso da família no Estado de Bem-Estar Social de orientação social- democrata, Campos e Mioto (2003, p. 174 apud Zola, 2015, p. 59) esclarecem que [...] a centralidade da ação pública não é na família e sim nos direitos dos indivíduos, sendo responsabilidade do Estado a universalização dos serviços. Possibilita a equidade de oportunidade, e a “oferta de serviços de apoio aos encargos familiares constitui alternativas claras, favorecendo uma política de liberação do trabalho feminino para o mercado”. Para Zola (2015, p. 59), pauta-se, assim, pela prevenção, evitando o esgotamento da capacidade familiar. Nessa perspectiva da proteção social, o Estado garante os direitos socialmente conquistados em vez de transferir as responsabilidades para a família, ou seja, provê a manutenção e a extensão dos direitos no aspecto universal. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 Concluímos que o Estado, focado nas ideias liberais, no caso brasileiro, propõe uma atuação residual, contando que as famílias detêm a maior parcela de responsabilidade na provisão do bem-estar dos seus membros. TEMA 2 – REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE FAMÍLIA Sabemos que a família sofre alterações e mudanças na composição e nos arranjos familiares, sendo forte agente de proteção social de seus membros. E são muitas as reflexões sobre a definição de família, que, inclusive, pode ser diferente daquilo a que estamos acostumados a ver. Assim, para pensar criticamente a família contemporânea inserida em uma sociedade capitalista neoliberal, em um país subdesenvolvido sujeito às leis do mercado internacional, há que, antes de tudo, compreender os fundamentos da família como instituição. Segundo Gelinski e Moser (2015, p. 127), “Inúmeras controvérsias cercam a definição de família. Extensamente estudada quanto as suas formas e funções ela ainda é um tema em construção. Na análise de políticas públicas ficaem evidência a multiplicidade de conceitos e critérios operacionais que definem as famílias”. A palavra família, etimologicamente, deriva do latim “famulus”, que significa escravo doméstico. Na sociedade ocidental moderna, o conceito de família significa o grupo de pessoas que se relacionam entre si formando grau de parentesco e compartilhando o mesmo sobrenome por matrimônio ou por adoção. Para Gelinski e Moser (2015, p. 128) “na literatura brasileira, em particular, é possível perceber dois grupos de estudos sobre famílias. [O primeiro grupo se] caracteriza a formação da sociedade brasileira [...] impactos na legislação sobre a família e sobre as questões civis a ela relacionadas”. A concepção patriarcal influenciaria de maneira decisiva o marco jurídico que regularia a vida em família e em sociedade, como a legislação sobre casamento de 1890. De forma semelhante, mudanças na concepção da família no século XIX apontariam para novos marcos legislativos (como o Código Civil de 1916) que oferecem amparo à família nuclear. (Kroth, 2008 apud Gelinski; Moser, 2015, p. 128) O segundo grupo, conforme Gelinski e Moser (2015, p. 128), concebe “[...] os condicionantes históricos da formação da família brasileira [...] questões como provisão das famílias, sua constituição, de forma ampliada ou em rede, desempenho de papéis sociais, divisão de tarefas domésticas ou questões geracionais”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 Ainda de acordo com Gelinski e Moser (2015, p. 128), “a ideia da família em rede se contrapõe à definição clássica de família”. Diante das alterações que o contexto familiar sofreu em suas estruturas, diversas realidades são postas, tais como: pais divorciados, amasiados, mães e pais solo, homossexuais, avôs e avós que assumem a criação dos netos. E conforme Sarti (2007, p. 68 apud Gelinski; Moser, 2015, p. 129): O parentesco, principalmente para famílias pobres, supera os laços de sangue e transforma vizinhos, ou amigos próximos, em parentes. Eles possibilitarão trocas de dinheiro, de apoio, e de afeto [...] assinala que a sobrevivência de grupos familiares chefiados por mulheres é possibilitada pela mobilização cotidiana de uma rede familiar que ultrapassa os limites da casa [...] uma rede local – não um lar, nem uma vizinhança [...] é uma unidade que permite a sobrevivência e que organiza o mundo das pessoas. Nessa linha, a família ganha o atributo ou a forma de uma rede local destinada a garantir a sobrevivência e, ao mesmo tempo, organizar a vida das pessoas (Gelinski; Moser, 2015). Assim, a família não é apenas uma unidade residencial, ela vai além em sua comunidade econômica e de relacionamentos. É no sentido de grupo com o qual se identificam e se mantêm emocionalmente, compartilhando seus problemas e suas lutas cotidianas. Conforme as modificações na sociedade ocorriam, novos modelos familiares foram surgindo, e a família nuclear — aquela composta de pai, mãe e filhos — foi aos poucos deixando de ser dominante, sendo hoje encontradas múltiplas estruturas familiares na sociedade. Vemos, assim, que não existe um único modelo de família, e sim diversas formas familiares, e nem mesmo modelos corretos ou errados de famílias. São novos olhares que devemos compreender e observaremos no próximo tema. TEMA 3 – NOVOS OLHARES SOBRE AS FAMÍLIAS Estudamos as mudanças no enfoque da concepção de família, as quais indicam que não existe um conceito único, pois os modelos familiares variam de acordo com o contexto histórico, político e econômico. Martino (2015, p. 97) relata que “durante os anos 1980 e 1990, primeiro na academia e depois no nível político, supera-se o conceito de família e se impõe o plural: famílias”. Essa mudança manifesta “o processo que ajudou a superar a imagem naturalizada e tradicional de família, composta por pai, mãe e filhos vivendo sob o mesmo teto, e passa a reconhecer outras formas familiares A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 consideradas até então como fora do padrão ou disfuncionais” (Beck-Gernsheim, 2003 apud Martino, 2015, p. 97). Então, a diversidade dos novos arranjos familiares resume “dois processos, um relacionado às mudanças sociodemográficas e outro associado ao aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho” (Martino, 2015, p. 97). Vale ressaltar que o sistema capitalista trouxe como processo civilizatório várias implicações profundas nos mais diversos ramos. E o sujeito contemporâneo, nesse contexto, se encarcera em sua própria individualidade, ou seja, passa a enxergar o mundo a partir de um prisma de individualidade. Para Jelin (2000, 2012) apud Martino (2015, p. 97), “[...] quando o processo de individualização e autonomia pessoal das mulheres e dos jovens minou o poder patriarcal e colocou a família como uma expressão marcante de escolhas individuais”. Assim, conforme Jelin (2000, 2012 apud Martino, 2015, p. 97), “a desnaturalização da ideia de família única tornou visíveis outros modelos de organização patriarcal no qual o chefe de família tem o controle e decisão sobre os outros membros”. Então, para (Martino, 2015, p. 97), “a família, por sua vez, deixou de ser vista a priori como um lugar de felicidade (Mioto, 2001) e, também, passou a ser vista como lugar de conflitos, tensões e abusos”. Pontuamos que esse lugar de conflitos na família é oriundo do sistema capitalista que propõe a individualidade da pessoa, notada em suas escolhas marcantes individuais. Conforme Martino (2015, p. 97) “alguns autores analisam a diversidade de arranjos familiares como expressão de processos culturais ligados à individualização e à construção de biografias mais flexíveis e autônomas, tornando o sistema mais equitativo nas relações de gênero”. A questão de gênero é relacional, sendo necessário refletir para assegurar que mulheres e homens possam ter relações mais equitativas em todas as dimensões. Como consequência disso, temos, por exemplo, o adiamento da idade de casamento e do nascimento do primeiro filho, o aumento da taxa de divórcio e as negociações de projetos de vida independentes (Cabella; Peri; Street, 2005; Arraigada, 2002 apud Martino, 2015). Já Ariza e de Oliveira (2007 apud Martino, 2015, p. 98) “indicam o caráter seletivo e heterogêneo desses processos sociais, tanto em termos de classes sociais como países e regiões”. Para Martino (2015), os autores citados reverenciam a família com tendência à redefinição das relações de gênero. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 Contudo, ainda para Martino (2015, p. 98), [...] na literatura sobre a família, a redefinição das responsabilidades familiares é mais difícil para os pobres, assim como encontrar pontos de contato entre os interesses individuais e coletivos. Parece que negociar padrões de distribuição de tarefas é mais difícil nas famílias onde os recursos são escassos. Devemos refletir que as famílias passaram por transformações na sua estrutura, nas suas relações e na sua organização, visto que todas as situações de vulnerabilidades sociais tornam mais difíceis, ainda como apontado pela autora. O autor Esping-Andersen (2000 apud Martino, 2015, p. 102) “[...] sustenta que uma dimensão essencial da análise é a medida na qual as famílias absorvem os riscos sociais”. Além disso, ele também afirma [...] que regime de bem-estar familiarista é aquele em que a política responsabiliza em maior grau a família pelo bem-estar dos seus membros. [...] O familismo corresponde a uma política familiar pouco desenvolvida, associada a sistemas de proteção social baseada no homem provedor e na centralidade da família como provedora de cuidados e de bem-estar. (Esping-Andersen, 2000 apud Martino, 2015, p. 102) Pontuamos que esse regime de bem-estar familiaristaque o autor aponta é entendido como coletivização das necessidades da família, ou seja, um conjunto de responsabilidades sobre o bem-estar e a satisfação das necessidades de todos os seus membros, expressando também a porcentagem do Estado nisso e em seus serviços públicos, como creches para crianças e assistência aos idosos. Já no familismo corresponde a uma menor provisão de bem-estar por parte do Estado com relação à família. Assim, compreendemos que o familismo no Brasil está enraizado nas políticas sociais e que os elementos que constituem as famílias fazem parte da engrenagem das diferentes fases do desenvolvimento do capitalismo. A família está profundamente conectada às bases da formação social e econômica do país. TEMA 4 – A FAMÍLIA E SUAS TRANSFORMAÇÕES São grandes as transformações que ocorrem na família e, para Mioto (2010, p. 53) “a consciência das grandes transformações que ocorreram no âmbito da família [...] têm [...] se manifestado no cotidiano dos serviços em geral”, ou seja, existe uma consciência acerca dessas transformações. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 Mas, de acordo com Mioto (2010, p. 53), “observa-se a existência de um consenso sobre a diversidade de arranjos familiares, sobre o caráter temporário dos vínculos conjugais e sobre outras questões ligadas à área de reprodução humana e da liberalização dos costumes”. Ainda se observa que muito raramente encontramos técnicos que não trabalham com a ideia da diversidade de famílias (Mioto, 2010). São técnicos que observamos em reuniões intersetoriais, que descrevem em seus relatórios sociais essa terminologia, rotulando as famílias nesse padrão de família nuclear. Dessa forma, utilizam o termo “famílias desestruturadas” para rotular aquelas que fugiam do modelo ou do padrão descrito pela escola estrutural funcionalista (Mioto, 2010, p. 53). Sobre as transformações das famílias e de sua estrutura e composição, Mioto (2010, p. 53) afirma que: Apesar das mudanças na estrutura, a expectativa social relacionada às suas tarefas e obrigações continua preservada. Ou seja, espera-se um mesmo padrão de funcionalidade, independentemente do lugar em que estão localizadas na linha da estratificação social, calcada em postulações culturais tradicionais referentes aos papéis paterno e, principalmente, materno. Vemos que ainda são ações baseadas em expectativas relacionadas aos papéis típicos de uma concepção funcional de famílias. Para Mioto (2010, p. 53), a mulher continua sendo a responsável pelo cuidado e pela educação dos filhos, e o homem-pai, pelo provimento e exercício da autoridade familiar. São julgamentos morais que técnicos ainda utilizam em relação à figura materna, por exemplo: é responsabilidade da mulher levar o filho para a vacinação. É muito mais que uma questão de semântica, segundo Mioto (2010, p. 53), o termo “famílias desestruturadas” continua sendo de uso corrente, “[...] utilizado para nomear as famílias que falharam no desempenho das funções de cuidado e proteção dos seus membros e trazem dentro de si as expressões de seus fracassos, como alcoolismo, violência e abandonos”. E, por fim, Mioto (2010, p. 54) ratifica a tendência de soluções residuais aos problemas familiares. Ressaltamos que a política de assistência social tem, em seus princípios, a matricialidade sociofamiliar, a qual não consegue superar a tendência familista, pois, se por um lado o termo significa que a família é a matriz para concepção e na sua implementação, que em hipótese pode romper a fragmentação do atendimento, por outro, toma a família como instância primeira ou núcleo básico da proteção social aos seus membros, devendo ser apoiada para exercer, em seu A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 próprio domínio interno, as funções de proteção social, portanto, continua-se a responsabilizar a família, em especial as mulheres, pelos cuidados e por outras tarefas de reprodução social. É necessário superar essa tradição histórica do trabalho social com famílias, de concepções de família-padrão, família irregular, e, enfim, utilizar uma metodologia de trabalho com famílias que, de fato, aborde, de forma dialética e articulada, assuntos internos e externos ao núcleo familiar. TEMA 5 – AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E O IMPACTO NA FAMÍLIA Com a Revolução Industrial, ocorreram transformações e uma divisão na unidade doméstica, que se tornou local apenas de reprodução das relações capitalistas de exploração. Esse sistema capitalista se consolida na função de produzir bens que são necessários para o consumo e a sobrevivência da família. Nesse contexto, a mulher, que tinha uma função subalterna, agora passa a ter importância na economia familiar. Conforme Alencar (2010, p. 61), “[...] o impacto das transformações econômicas e sociais nas condições de vida da classe trabalhadora através da família se deve à centralidade que esta ocupa no âmbito da sobrevivência material”. Os membros da família dependem da inserção social e se articulam das mais diversas formas, estabelecendo alternativas para superar as condições de precariedade social, diante de um contexto de desemprego ou de inserção precária no mundo do trabalho. Para Telles (1992 apud Alencar, 2010, p. 61), Através do ingresso no mercado de trabalho, do desenvolvimento de pequenas atividades informais para a obtenção de algum tipo de renda complementar e outras tantas estratégias, como a construção de moradias e as diversas práticas de solidariedade, os indivíduos tentam suprir uma rede de proteção social fragilizada. Segundo Alencar (2010, p. 62), os estudos sobre as funções da família na sociedade capitalista tornam evidente seu papel como unidade de renda e de consumo. Para a autora, “a centralidade da família está ratificada para a compreensão de certos processos sociais e econômicos, que gravitam em torno da esfera da produção e da reprodução, reconstituindo uma unidade histórica que, no campo analítico, por vezes é esquecida”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 Como relata Dal Prá (2016, p. 7), [...] Neste contexto intensificam-se dois processos, sendo um deles o de focalização através de um investimento massivo do Estado em programas de transferência de renda em detrimento das políticas universalizantes e de proteção aos trabalhadores e outro de responsabilização da família na provisão de bem-estar onde esta ressurge como a primeira referência fundamental na política social. Compreendemos a forte presença do mercado, ou seja, do próprio sistema capitalista, em que o Estado assume uma menor provisão de bem-estar, e as unidades familiares devem assumir a principal responsabilidade de entre seus membros. Para Alencar (2010, p. 63), diante da [...] crise econômica e da evidente retração do Estado da esfera social, ressurgem os discursos e as práticas de revalorização da família que, fundamentados numa concepção ideológica de cunho conservador, promovem e disseminam a proposição de que a família é a grande responsável por prover as necessidades dos indivíduos. Ainda que se tenha políticas sociais de investimentos, como o Bolsa Família e outros de programas de geração de renda, conforme Alencar (2010, p. 63), “[...] as estratégias de combate à pobreza têm que necessariamente interferir nas relações de mercado, uma vez que é no mercado que se originam as condições de desigualdade social do capitalismo, contribuindo profundamente para a reprodução dos mecanismos de exclusão social”. Ressaltamos que a pobreza está entre as várias manifestações da questão social decorrente da dinâmica histórica do desenvolvimento do capitalismo e, como fenômeno complexo, multidimensional e relativo, permite desconsiderar seu entendimento como decorrente apenas da insuficiênciade renda. Permite também desvelar os valores e as concepções inspiradoras nas políticas de transferência de renda, as possibilidades e impossibilidades para sua redução, superação, regulação ou, como apontada pela autora, “exclusão social”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 REFERÊNCIAS ALENCAR, M. M. T. Transformações econômicas e sociais no Brasil dos anos 1990 e seu impacto no âmbito da família. In: SALES, A. P.; MATOS, M.C.; LEAL, M.C. (Org.). Política social, Família e Juventude. São Paulo, Cortez, 2010. DAL PRÁ, K. R. Família, política social e trabalho social. 4º Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais – Artigos. Documento Especial CRESS-MG n. 8 parte 3. 2016. Disponível em: <http://www.cress-mg.org.br/Upload/Pics/63/630b7c83- 68ª6-4167-a3ed-f0b4125fea44.pdf>. Acesso em: 25 set. 2019. GELINSKI, C. R. O. G.; MOSER, L. Mudanças nas famílias brasileiras e a proteção desenhada nas políticas sociais. In: MIOTO, R. C. T.; CAMPOS, M. S.; CARLOTO, C. M. (Org.). Familismo: Direitos e Cidadania. São Paulo: Cortez, 2015. MARTINO, M. de. Programas de transferências condicionadas, família e gênero: aproximações e alguns dilemas e desencontros. In: MIOTO, R. C. T.; CAMPOS, M. S.; CARLOTO, C. M. (Org.). Familismo: Direitos e Cidadania. São Paulo: Cortez, 2015. MIOTO, R. C. T. Novas propostas e velhos princípios: a assistência às famílias no contexto de programas de orientação e apoio sociofamiliar. In: SALES, A. P.; MATOS, M. C.; LEAL, M. C. (Org.). Política social, Família e Juventude. São Paulo, Cortez, 2010. ZOLA, M. B. Políticas Sociais, família e proteção social: um estudo acerca das políticas familiares em diferentes cidades/países. In: MIOTO, R. C. T.; CAMPOS, M. S.; CARLOTO, C. M. (Org.). Familismo: Direitos e Cidadania. São Paulo: Cortez, 2015. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com AULA 4 POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA Prof.ª Gisella Chanan A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 INDICADORES SOCIAIS NO TRABALHO COM FAMÍLIA Nesta aula abordaremos algumas reflexões históricas do trabalho com família no contexto brasileiro e, posteriormente, os assuntos de programas de apoio familiar. Pontuamos que a família é a centralidade das políticas sociais e, devido à sua complexidade, carecemos de discussões e reflexões teóricas a respeito. TEMA 1 – REFLEXÕES HISTÓRICAS DO TRABALHO COM FAMÍLIA Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Raul Seixas Anteriormente, analisamos no bojo do sistema capitalista que foram visíveis as transformações na família. E aplicando o conceito de Raul Seixas ao modelo político-econômico fundamentado no liberalismo, temos que refletir sobre essa “velha opinião”. Segundo Dal Prá (2016, p. 4), o trabalho com famílias se constitui “fundamental para que as profissões interventivas como o serviço social e as demais profissões que atuam nas políticas sociais de saúde e assistência social, por exemplo, compreendam como esse tema foi marcado pela dinâmica societária”. As primeiras iniciativas do Estado para estabelecer políticas públicas na área da família, segundo Neder (1994 citado por Dal Prá, 2016), foram inspirações no autoritarismo nazifascista, na década de 1930. Segundo Mioto (2015, p. 6 citado por Dal Prá, 2016), no nascimento da questão social da década de 1920, “é possível observar o movimento dos setores burgueses da sociedade na organização da assistência às famílias”. E esse estereótipo, como já relatamos, segundo Neder (1994, p. 34 citado por Dal Prá, 2016, p. 4), “passou a ser dada à ideia de ‘família regular’, ‘saudável’. Forte aliada do Estado Novo, a Igreja deu mais que apoio político; deu, sobretudo, suporte teórico e prático para a implementação das políticas públicas nesta área”. No cenário brasileiro, a ideia de solidariedade veio assegurar as condições mínimas de proteção social que, com condições mínimas associadas à pobreza, eram atendidas pelas Santas Casas de Misericórdia, organizações constituídas A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 com base nos princípios e orientações da Igreja Católica. Segundo Neder (1994 citado por Dal Prá, 2016), a Igreja Católica, com base nas experiências práticas dessas organizações, desenvolveu as primeiras estratégias voltadas às famílias no Brasil. A influência da Igreja no âmbito da família vem acompanhada da atenção oferecida por profissionais, que, ao atuarem com a classe trabalhadora e suas famílias, as tornaram objeto de práticas de cunho disciplinador e moralizante, que pretendiam delimitar formas de sociabilidade, valores, hábitos e condutas. (Alencar, 2012, p. 137, citado por Dal Prá, 2016) Neder (1994, p. 34 citado por Dal Prá, 2016) ressalta que a Igreja era calcada na ideia da “família-padrão, higienizada e patriarcal”. As intervenções eram pautadas em refrear as condutas tidas como antissociais e atitudes indisciplinadas em toda ordem. Ressaltando-se que na década de 1930 a industrialização estava a todo vapor, conforme Alencar (2012 citado por Dal Prá, 2016), era necessário formar um contingente de trabalhadores dóceis e disciplinados para o trabalho na indústria emergente. A gênese do serviço social surge então “no bojo das questões relacionadas ao controle da classe trabalhadora em uma intensa vinculação com o ideário católico […] um viés regulador”. Assim, “a intervenção profissional dos assistentes sociais, inicialmente, atrela-se ao trabalhador e a sua família” (Iamamoto; Carvalho, 1993 citados por Dal Prá, 2016, p. 5). A atuação do serviço social nessa década era positivista/funcionalista, e estabelecia uma relação de causa e efeito sem questionar ou refletir variáveis não mensuráveis no ponto científico. O papel era grosseiramente assistencialista, sem manter nenhum compromisso com o usuário. Segundo Mioto (2010, p. 164 citado por Dal Prá, 2016, p. 5), essa atuação positivista aprimorou “os seus instrumentos e técnicas direcionadas para o processo de averiguação e controle dos modos de vida das famílias, especialmente através de um forte processo de burocratização dos procedimentos e de regulamentação para a condução do atendimento às famílias”. Na área da saúde, os assistentes sociais atuavam de forma terapêutica e, para Bravo (1996 citado por Dal Prá, 2016, p. 5), essa “atuação psicossocial junto aos usuários da política de saúde e familiares se caracterizou como restrita e subsidiária, concentrada para viabilizar recursos e sua reintegração e disciplinamento ao trabalho”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 Nas “décadas de 1940, 1950 e 1960, o trabalho social com famílias se avolumou e continuou marcado pela tecnificação” (Dal Prá, 2016, p. 5). A partir de 1970, começa a ser marcado pela produção da área da saúde mental, particularmente pela terapia familiar sistêmica – uma fonte de aportes para ações referentes à família. Para Iamamoto (1999), esse processo tem sido denominado como “psicologização da questão social”. Ressaltamos que, como já foi relatado, a centralidade da família na provisão da proteção social culminou com a Constituição Federal de 1988. Conforme Dal Prá (2016, p. 6), “A incorporação da família como instância de proteção social e suporte para a política social foi reforçada a partir da década de 1990 e início dos anos 2000, onde seu ressurgimento a partir do projeto neoliberal fez com que se reiterasse uma concepção conservadora de família”. TEMA 2 – O CONTEXTO DE PROGRAMAS DE APOIO SOCIOFAMILIAR Para melhor compreender esse trabalho, abordaremos a relação entre Estado e família. O Estado, ao longo da história, seinstaurou como fonte de controle e elaboração de normas para a família. Segundo Mioto (2010, p. 51), a “construção histórica dessa relação foi permeada pela ideologia de que as famílias, independentemente de suas condições objetivas de vida e das próprias vicissitudes da convivência familiar, devem ser capazes de proteger e cuidar de seus membros”. Conforme Mioto (2010, p. 51), essa crença “permitiu se estabelecer uma distinção básica para os processos de assistência às famílias. A distinção entre famílias capazes e famílias incapazes”. A autora também relata que as famílias serão consideradas capazes se conseguirem desempenhar com êxito as funções que lhes são atribuídas pela sociedade. E as incapazes seriam as que, não conseguindo atender as expectativas sociais relacionadas ao desempenho das funções atribuídas, requerem a interferência externa, a princípio do Estado, para a proteção de seus membros (2010, p. 51). Ressaltemos que essa categoria de famílias capazes e incapazes está fortemente arraigada nas atuações de técnicos responsáveis pela organização e formulação das políticas públicas. Devemos entender também que os gestores possuem esse senso comum e o utilizam nas propostas políticas (Mioto, 2010, p. 51). A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 É importante entender que, segundo Mioto, capazes e incapazes “são uma divisão apenas para efeito de exposição, pois, na realidade, não existe esta categoria pura. Nenhuma família é totalmente autossuficiente, assim como totalmente depende” (2010, p. 51). Donati (1996 citado por Mioto, 2010, p. 51) “nos lembra que a sociedade ainda tem tratado a família como se não fosse em si mesma um núcleo problemático. Por isso, os interesses, tanto de natureza política como sociocultural, recaem sobre as formas marginais ou patológicas.” Vale ressaltar que, dentro do projeto ético-político do serviço social, um dos grandes conflitos é trabalhar com demandas, exigências imediatas, de dor, sofrimento, carências, enfim, as condições de vida dessas famílias. O avanço do capitalismo, nesse contexto, é marcado pelo sucateamento das políticas públicas. E o projeto ético-político do serviço social se direciona a uma intervenção crítica e propositiva, em que os assistentes sociais desenvolvem uma análise conjunta. Para isso, o aparato de instrumentos técnicos, quando articulados com referencial teórico, garante a análise e a interpretação da realidade comprometida para consecução do projeto societário. Segundo Mioto (2010, p. 52), “a hegemonia desse tipo de leitura sobre famílias se faz presente no cotidiano dos serviços, tanto no âmbito da organização como na ação rotineira de seus técnicos, dos programas de apoio sociofamiliar”. Por fim, Mioto (2010) ressalta que “esses princípios seriam: predominância de concepção estereotipada de família e papéis familiares, a prevalência de propostas residuais e a centralização de ações em situações-limite e não em situações cotidianas”. TEMA 3 – O TRABALHO SOCIAL E ALGUNS APONTAMENTOS Atualmente, a família é resultado de um processo relacionado à modernização trazida pela industrialização e pela urbanização, pautadas em princípios burgueses e liberais de garantir aos sujeitos sua liberdade individual, pontuando que a prerrogativa essencial da família é se planejar para cuidar, prover e proteger seus membros. Assim, cada vez mais requisitada pelo Estado a assumir responsabilidade na gestão de determinados segmentos, como crianças, adolescentes, idosos e portadores de necessidades especiais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define: A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Com a responsabilização da família pela proteção social de seus membros nas legislações brasileiras, segundo Dal Prá (2016, p. 7), intensificam-se dois processos: sendo um deles o de focalização através de um investimento massivo do estado em programas de transferência de renda em detrimento das políticas universalizantes e de proteção aos trabalhadores, e outro de responsabilização da família na provisão de bem-estar onde esta ressurge como a primeira referência fundamental na política social. Ressaltamos que esses dois processos contraindicam as possibilidades de a família assumir um papel preponderante no campo de proteção social. Segundo Dal Prá (2016), seriam elementos como “os indicadores demográficos, sociais e econômicos, o caráter contraditório da família, as transformações na sua organização, gestão e estrutura, bem como […] as fronteiras e responsabilidades entre os diferentes atores do setor informal” (p. 7). Pontuamos que são elementos interpretados como expressões de necessidades humanas não satisfeitas, decorrentes da desigualdade social própria da organização capitalista. O cenário demográfico tem demonstrado o desafio a ser enfrentado pela política social em sustentar-se a partir da centralidade na família. Alguns dados ilustram essa afirmação: a) o número médio de pessoas por família: 1981: 4,3 – 2001: 3,3 – 2011: 3,1; b) a queda na taxa de fecundidade: 1980: 4,4 – 2000: 2,38 – 2010: 1,86; c) o aumento da população com mais de 60 anos: 2000: 8,1% – 2025: 16,6 %– 2050: 29,4%; e d) o aumento de mulheres como referência nas famílias: 2000: 11.160635 – 2010: 22.242.888. (Gelinski; Moser, 2015 citados por Dal Prá, 2016, p. 7) Segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do IBGE (2016), Além do substancial aumento da proporção de idosos, deve-se destacar também a velocidade com que esta mudança se dará no perfil etário da população. Nas projeções populacionais realizadas pelas Nações Unidas (World…, 2015) a proporção de pessoas de 60 anos ou mais de idade na população total para o Brasil foi de 11,7%, e este indicador dobraria para 23,5% em 24,3 anos, ou seja, próximo ao ano de 2039. Para Dal Prá (2016, p. 7), todo esse cenário de mudanças demográficas demanda serviços sociais que “contemplem o cuidado com idosos em função do acelerado envelhecimento populacional e o cuidado de crianças, idosos e pessoas A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 dependentes, por exemplo, pela inserção das mulheres (naturalizadas como responsáveis pelo cuidado no interior da família) no mercado trabalho”. Segundo Mioto (2012 citado por Dal Prá, 2016, p. 7), “Assim, é pelo campo do cuidado que se expressa a responsabilização da família, onde articulam-se estratégias de imposição ou transferências dos custos do cuidado para as famílias, seja no âmbito financeiro, emocional ou de trabalho”. A responsabilização das famílias no âmbito dos serviços ocorre de duas maneiras (Saraceno; Naldini, 2007 citados por Mioto, 2012; citado por Dal Prá, 2016, p. 7): Prática administrativa: envolve a burocracia dos serviços, e nela situam- se as atividades necessárias para o acesso ao próprio direito e para a sua fruição. […] Participação das famílias nos serviços: requerida através de práticas formais e informais de integração, geralmente relacionadas à deficiência dos serviços. O uso dos serviços requer das famílias organização de tempo e recursos. Ressalte-se que, quanto à organização dos serviços […], algumas questões como o nível dos mecanismos redistributivos […] o modo como os recursos são distribuídos é elemento essencial no processo de produção e reprodução das desigualdades. (Saraceno, 1997 citado por Mioto, 2012 citado por Dal Prá, 2016, p. 7) Diante desse contexto, o trabalho com família, segundo Mioto (2014citado por Dal Prá, 2016, p. 8), “apresenta algumas tensões […] a serem consideradas”: A primeira delas refere-se à concepção de família, pois mesmo com a incorporação das diferentes formas de fazer família, não há garantia de que sua operacionalização ocorra por si só. Ou seja, os vínculos dos profissionais com experiências familiares, convicções religiosas e reconhecimento do senso comum podem orientar a tendência do trabalho embasado por concepções pessoais e ideais (Mioto, 2014). O segundo tensionamento se coloca entre o controle social exercido sobre a família e a garantia de direitos, onde a hegemonia de uma lógica familista no trabalho social com famílias, mesmo com o discurso de direitos, indica a persistência de ações de caráter disciplinar dirigido às famílias que falham no exercício da proteção social. Nesse sentido, retomamos o projeto societário do serviço social, considerando que o objeto são as expressões da questão social, e que os profissionais preconizem a perspectiva dos direitos sociais com relação à família e à proteção social. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 TEMA 4 – O TRABALHO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS No sistema capitalista, o Estado, com as políticas sociais, visa minimizar as expressões da questão social, garantindo o mínimo para os indivíduos que tentam sua subsistência para estar aptos ao mercado de trabalho, contribuindo para a obtenção do lucro do sistema. Conforme Teixeira (2015, p. 230), as políticas sociais apresentam “avanços significativos em relação aos modelos tradicionais de proteção social, nos institucionalizados, nos hospitalacêntricos, no médico-tecnicista, no clientelismo e assistencialista”. Pontuamos que as Normas Operacionais e Básicas (NOBs) reafirmam a assistência social como direito de apontar um regime geral para sua gestão no Brasil – o Sistema Único de Assistência Social (Suas). A NOB 2005 define o Suas como “um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira” (p. 13). Mas, para Teixeira (2015, p. 230), são ações que precisam ser efetivadas, pois: As condições objetivas, de investimentos sociais, de criação de infraestrutura básica, trabalho interdisciplinar e condições laborais seguros, estáveis e contínuos numa conjuntura de enxugamento dos recursos públicos para a área social, com prioridade nos benefícios monetários, sem uma adequada e vasta rede pública de serviços, pode limitar bastante as potencialidades, recaindo sobre as famílias responsabilidades pela assistência aos seus membros que se vê interpretada como uma forma de gerar autonomia e protagonismo. Salientamos que o SUS garante acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Segundo Teixeira (2015, p. 230), “em nível de atenção básica, o trabalho de educação em saúde tem enormes potencialidades”. Mas a própria autora ressalta que as condições institucionais oferecidas, a quantidade de famílias a serem acompanhadas e diagnosticadas em seu estado de saúde, a falta de capacitação das equipes e de visitas e serviços domiciliares contínuos com toda a equipe, inclusive o médico, fazem com que os ranços conservadores prevaleçam na educação em saúde. (p. 230) Teixeira (2015, p. 230), sobre direitos sociais, ressalta que “sujeitos de direitos se dão no processo de compreensão das determinações sociais de suas condições de vida, material e efetiva, no reconhecimento da força do coletivo, A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 no caso específico de famílias, e nas possibilidades concretas de acesso e serviços produzidos socialmente”. Para tanto, é imprescindível o assistente social compreender e ter comprometimento com o processo de constituição das famílias e suas novas configurações, assim como intervir com qualidade, sempre pautados num referencial teórico, numa postura crítica e embasados no projeto ético-político, revertendo intervenções conservadoras. TEMA 5 – O TRABALHO SOCIOEDUCATIVO COM FAMÍLIAS O trabalho socioeducativo com famílias tem sido um manancial de indagações para os profissionais, pois envolve inúmeros aspectos relacionados ao cenário brasileiro com as configurações e suas transformações familiares. Segundo Teixeira (2015, p. 234), “o foco das ações socioassistenciais, socioeducativas e de educação em saúde deve ser as necessidades das famílias e a garantia dos direitos de cidadania, cujas propostas e ações ultrapassam o âmbito específico de uma política para a perspectiva intersetorial, integrada e articulada”. O trabalho socioeducativo em grupo, conforme Teixeira (2015, p. 234), “encaminha para o reconhecimento das famílias e de seus membros com sujeitos de diretos”. Apontamos que, segundo Teixeira (2015, p. 234), “a pessoa participante do grupo é levada a ver-se como representante de uma família, com problemas comuns e muitas outras que sofrem as mesmas determinações e participam de um grupo maior, em situações semelhantes”. A perspectiva de trabalho socioeducativo em grupo, segundo Teixeira (2015, p. 234), “ultrapassa a noção de subjetividade individual para a dimensão coletiva e promove a organização grupal e coletiva das famílias, a participação popular e a passagem da necessidade ao direito como possibilidade concreta de construção de novos significados e práticas”. Ressaltamos que essa ação proporciona a noção de autonomia que, conforme Mioto (2004 citado por Teixeira, 2015, p. 235), “implica o desenvolvimento da capacidade de discernir as mudanças possíveis no âmbito dos grupos familiares e de suas redes e que lhes exigem o engajamento, organizados em coletivos, em processos sociais mais amplos, para que ocorram transformações mais gerais e a efetivação de direitos”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 Além disso, a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais contempla em seus objetivos a criação de estratégias que favoreçam o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Conforme o manual de orientações técnicas Paif (v. 1 – 2012), o trabalho socioeducativo com famílias possibilita a obtenção de ferramentas que contribuam no enfrentamento de situações de vulnerabilidades sociais vivenciadas por toda a família, contribuindo também para sua proteção em forma integral. Segundo Mioto (2004 citado por Teixeira, 2015, p. 235), o trabalho socioeducativo “envolve capacidade de opinar, escolher, decidir e agir intencionalmente, mediante suportes oferecidos e situações refletidas, informadas e debatidas, devendo ser esses os objetivos da educação que visa à emancipação”. Mas Mioto (2004 citado por Teixeira, 2015, p. 235) “adverte que, para superar essas potencialidades, urge ainda superar o trabalho socioeducativo em grupo como espaço terapêutico e clínico pela troca de experiências comuns”. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica: NOB/Suas. Brasília, DF: MDS, 2012. Disponível em: <https://www.mds.gov.br/webarquivos/public/NOBSUAS_2012.pdf> Acesso em: 23 set. 2019. _____. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas sobre o Paif. Brasília, DF: MDS, 2012. v. I. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Ori entacoes_PAIF_2.pdf>. Acesso em: 23 set. 2019. _____. Presidência da República. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069compilado.htm>.Acesso em: 23 set. 2019. DAL PRÁ, K. R. Família, política social e trabalho social. In: SIMPÓSIO MINEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 4., 2016, Belo Horizonte. Anais… Belo Horizonte: Cress-MG, 2016. n. 8, parte 3. Disponível em: <https://www.cress- mg.org.br/Upload/Pics/63/630b7c83-68a6-4167-a3ed-f0b4125fea44.pdf>. Acesso em: 23 set. 2019. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. TEIXEIRA, M. S. Política social contemporânea: a família como referência para as políticas sociais e para o trabalho social. São Paulo: Cortez, 2015. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com AULA 5 POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA Profª Gisella Chanan A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 INTRODUÇÃO O presente tema abordará os programas de saúde a família e suas concepções, entendendo que o sistema capitalista rege os blocos hegemônicos e que se sobressaem nas políticas sociais. O serviço social está em constante luta na busca de uma sociedade mais justa e igualitária na política de saúde básica no cumprimento de sua atenção nas manifestações da questão social. TEMA 1 – PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA Tudo passa e tudo fica, porém o nosso é passar, passar fazendo caminhos sobre o mar (Machado, S.d.). Os versos da poesia de Antonio Machado nos fazem caminhar sobre a Constituição Federal, que foi um grande marco para a democracia e os direitos sociais e, como definido nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), buscou- se a universalização, a equidade, a integralidade, a descentralização, a hierarquização e a participação da comunidade. Com base em seus princípios, sendo um processo de construção, pretende reduzir o hiato existente entre os direitos sociais que são garantidos na lei e a capacidade de oferta de serviços e ações da rede de saúde à população brasileira. Ainda é predominante no país o modelo de prática de ações “hospitalocêntricas”, sendo individualista, pela irracionalidade dos recursos tecnológicos disponíveis e pela baixa resolubilidade, assim gerando um grau altíssimo de insatisfação da população e dos técnicos, gestores do sistema de saúde. Diante desse contexto, em 1994 o Ministério da Saúde assumiu a implantação do Programa Saúde da Família – PSF. Segundo Teixeira (2001, p. 237), o Ministério da Saúde (MS), com o objetivo de “promover mudanças no atual modelo de assistência à saúde no pais... (FN/MS,1994), inclui em seu “plano de Ações e Metas Prioritárias, as estratégias de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde” (MS, 1997), ocorrendo sua expansão nacional em torno de 1995. Inicia então com atuação dos agentes comunitários da saúde um elo entre a comunidade e os serviços da saúde na atenção básica, ressaltando-se que isso teve um papel estratégico no fortalecimento da atenção básica como política pública para a saúde. Posteriormente, houve necessidade de capacitar esse profissional e regulamentar a profissão. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 Teixeira (2001, p. 237) aponta ainda que o Programa Saúde da Família, segundo o governo, não é mais um programa em si, a ser instalado na rede pública de serviços, não é uma “assistência precária para os pobres”, mas sim a intenção de investir na Atenção Primária, na prevenção e promoção da saúde, articulados com a assistência curativa e de alta complexidade. Seu objetivo maior é que o PSF seja a “porta de entrada do sistema de saúde...” (MS.1994). O programa se baseia nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) da universalidade, equidade da atenção e integralidade das ações. Assim, reverte-se a forma atual de prestação de assistência à saúde para reorganização da atenção básica na concepção de saúde não mais centrada somente na assistência à doença, mas na promoção de qualidade de vida dos usuários. Segundo Teixeira (2001, p. 238), esse tipo de programa, implantado em diversos países, atinge alta resolutividade, no sentido de investir no privilegiamento da atenção ao nível de assistência, reduzindo, consequentemente, o fluxo ambulatorial e, mais ainda, o hospital. Ressaltamos que a atenção à saúde preconiza a família, num programa que já foi testado em vários países com contextos culturais e socioeconômicos diferentes, por exemplo, Canadá, Reino Unido e Cuba. O Programa Saúde da Família, em sua estratégia de buscar a qualidade de vida da população do país e intervir com resolutividade os fatores de risco na família como a má alimentação, o uso do tabaco, a falta de atividade física, entre outros, portanto focando a atenção integral de saúde, a equanimidade e continuidade do programa. Assim, a estratégia de saúde para a família se fortalece como porta de entrada do SUS. Aplicar estratégias do Saúde a Família é a habilidade de se articular e propor alianças com as outras áreas de atuação e ações desenvolvidas, como educação, cultura, esporte, entre outros. A reorganização das ações e serviços de saúde tem sido abordada de forma interna, em relação ao próprio sistema. Isso implica uma mudança de paradigma, numa ruptura da dicotomia entre as ações de saúde pública e a atenção médica individual com práticas educativas e assistenciais. Salientamos que a abordagem nesse programa se configura em uma concepção de trabalho de vínculos entre os membros de uma equipe. Trata-se de uma relação de trabalho baseada na interdisciplinaridade, rompendo a multidisciplinaridade. Isso requer uma nova abordagem nos profissionais que A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 estimulam a permanente comunicação horizontal entre os componentes de uma equipe. Além disso, em relação à atuação profissional, Grossi e Guilamelon (2006, p. 6-7) comentam que, para desencadear uma atuação intersetorial, é necessário que o objeto da ação proposta seja uma questão que de fato mobilize e diga respeito a muitos outros setores. O programa tem abordagens inovadoras para a organização e provisão da atenção primária da saúde que se concentram nos segmentos mais vulneráveis dos municípios que deliberam pelo aumento da expansão, enquanto outros não realizam investimentos para uma ação mais efetiva. O governo, devido à expansão da demanda, contribuiu para evidenciar com o Programa Mais Médicos e contratou mais de 17 mil médicos de outros países, porém não é nosso objetivo a discussão desse programa, que teve início em 2013 e foi extinto em 2019. Concluímos que o Programa de Saúde da Família tem se constituído num dos pilares do movimento de reorganização do sistema de saúde brasileiro, consolidando-se como política prioritária de governo, porém com grandes desafios, principalmente quanto a financiamentos. TEMA 2 – O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA E O TRABALHO EM EQUIPE Historicamente, no Brasil, as políticas públicas e sociais sempre foram planejadas e executadas de forma fragmentada em relação às atividades sociais e aos programas e projetos desenvolvidos isoladamente, não havendo muitas vezes articulação e integração com as outras áreas. Para Jesus, Vargas e Correa (2014, p. 146), faz-se necessário um novo tipo de atuação do Estado, onde as políticas públicas estejam articuladas entre si, superando a histórica fragmentação presente nas ações estatais no Brasil. Há a necessidade de um novo modus operandi das políticas, fazendo com que suas ações intersetoriais contribuam para promoção de uma atenção integral à saúde. Vale ressaltar que é mediante a política pública que se concretizam as necessidades humanas que são atendidas na perspectiva da cidadania ampliada.Pereira (2008, p. 165, citado por Jesus, Vargas, Correa, 2014, p. 146). É importante ressaltar que as condições dignas de sobrevivência são obrigação da atuação do Estado por meio das políticas públicas e da oferta dos A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 bens e serviços públicos. Assim, são de suma importância as ações intersetoriais nas políticas sociais para melhor promoção na vida do usuário. Na Constituição Federal (Brasil, 1988), podemos observar o processo de reordenamento da gestão das políticas públicas que, têm como finalidade a descentralização, a democratização e o compartilhamento das ações governamentais com outras instâncias públicas. Deve-se ressaltar que o Programa Saúde da Família, segundo Teixeira (2001, p. 238), não pode ser um modelo de assistência que tende a produzir a prática médica que trata de patologias e não de cidadãos. Teixeira (2001, p. 238) pontua que os “técnicos do programa [...] não conseguem, em seu todo, visualizar os usuários como sujeitos sociais, pois não foi preparada academicamente nem socialmente para tal”, pois a dupla de técnicos (médicos e enfermeiras) realiza uma assistência voltada, a princípio, para os aspectos epidemiológicos Sendo assim, uma nova concepção de trabalho na equipe baseada nos vínculos entre seus membros, diferentemente do modelo biomédico tradicional, permite maior diversidade das ações sob a perspectiva de o profissional de saúde aliar-se à família no cumprimento de sua missão. Para tanto, deve fortalecer a família e proporcionar o apoio necessário ao desempenho de suas responsabilidades. Diante do sistema de saúde que não dispõe de profissionais qualificados com esse novo perfil, o Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Políticas de Saúde, tem investido na formação de polos de capacitação, Formação e Educação Continuada em Saúde da Família, estimulando reformarem cursos de graduação e pós-graduação com vista à especialização e à residência em saúde da família, para tanto articulando o ensino e o serviço. A educação permanente deve embasar-se num processo pedagógico que contemple desde a aquisição/atualização de conhecimentos e habilidades até o aprendizado que parte dos problemas e desafios enfrentados no processo de trabalho, envolvendo práticas que possam ser definidas por múltiplos fatores (conhecimento, valores, relações de poder, planejamento e organização do trabalho etc.) e que considerem elementos que façam sentido para os atores envolvidos (aprendizagem significativa) (Brasil, 2012, p. 39). É importante lembrar a suma importância da educação permanente, outro pressuposto da Política Nacional de Atenção Básica (Brasil, 2012, p. 39): A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 é o planejamento/programação educativa ascendente, em que, a partir da análise coletiva dos processos de trabalho, identificam-se os nós críticos (de natureza diversa) a serem enfrentados na atenção e/ou na gestão, possibilitando a construção de estratégias contextualizadas que promovam o diálogo entre as políticas gerais e a singularidade dos lugares e das pessoas, estimulando experiências inovadoras na gestão do cuidado e dos serviços de saúde. Ressaltamos que o desenvolvimento do trabalho em equipe não se constitui em um processo simples. Nos últimos anos, temos observado grandes mudanças ocorridas na modernidade. A globalização das doenças, das práticas em saúde e dos hábitos de vida exigem que cada profissional se atualize constantemente para que possa efetivamente atuar em um projeto que envolva a equipe. Portanto, no sentido de apoiar a formação profissional, as pesquisas, os programas de capacitação em serviço devem ser em diálogo de aprimoramento permanente entre as universidades e o setor público de prestação de serviços e de gestão da saúde da família. TEMA 3 – PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA E OS DESAFIOS FRENTE AO SISTEMA CAPITALISTA Observamos que o Estado, como defensor dos interesses da classe dominante, nunca deixou de intervir, mesmo que de forma pontual, por meio de leis e ações que correspondem a respostas sociais num processo impulsionado pelo movimento de reprodução do capital, com vistas a garantir sua expansão e acumulação. O referido programa da política de saúde favorece uma ampla discussão e reflexão que identificam algumas contradições e limites da capacidade de um modelo assistencial, ou da viabilidade de sua implementação no Brasil (Teixeira, 2001) Segundo Teixeira (2001, p. 238-239), atualmente analisar o sistema de saúde brasileiro e seus programas específicos implica analisar e considerar o quadro que reflete a opção de um modelo econômico de desenvolvimento, no qual a preocupação maior está em o Estado responder aos interesses do capital internacional, que seguem uma política constante de ajustes e reajustes da economia nacional. Isto tem conduzido à recessão, ao desemprego, que encaminham as políticas públicas para a privatização/terceirização (justificando assim os cortes nas verbas públicas) e à transformação do setor saúde (doença, na verdade) em um ninho inesgotável de lucro (mercadoria). A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 Para Teixeira (2001, p. 239), a direção dada pelo SUS passa pelo confronto entre o bloco hegemônico privatista, Estado mínimo, que representa a dicotomia entre a universalização/focalização, e o projeto contra hegemônico da Reforma Sanitária, Estado democrático. A Constituição Federal de 1988 promulga esse Estado de direito democrático que atualmente está sendo ameaçado com a perda de muitos dos direitos sociais com a política de reforma para um projeto hegemônico privatista ou articulado ao mercado. É importante chamar a atenção para o fato de que a Reforma Sanitária tem seus princípios na democratização do acesso, universalização das ações, descentralização e melhoria na qualidade de serviços pautadas na integralidade e na equidade das ações. Em contraponto, o projeto privatista na saúde tem como aspectos a contenção de gastos públicos com racionalização da oferta. As políticas de saúde têm se agravado atualmente no cenário do subfinanciamento devido à Emenda Constitucional n. 95/2016, que limitou os gastos federais pelos próximos 20 anos a um teto definido pelo montante gasto no ano anterior reajustado pela inflação acumulada com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) (Brasil, 2016). A referida proposta prioriza a lógica fiscal em perda das políticas sociais voltadas para reprodução de trabalhadores e inúmeros prejuízos na redução dos gastos que estão acarretando interrupção de serviços e a predisposição aos riscos de doenças agravados por esse subfinanciamento do SUAS. Pontuamos que essa Emenda Constitucional n. 95/2016 rompeu com o delicado pacto social que está representado pela Constituição Federal de 1988 que atualmente provoca uma acirrada disputa das classes sociais e suas discussões nas diversas frações pelo orçamento público. Podemos observar que esse contexto implicará maiores dificuldades para a efetivação do direito à saúde, ficando o usuário vulnerável à insuficiência da oferta e da qualidade dos serviços públicos que serão cada vez mais precarizados. Para os usuários que dispõem de recursos financeiros resta o mercado de planos de saúde, e os que têm consciência de seus direitos, sendo responsabilidade do Estado, irão exigi-lo por meio da judicialização. A referida Emenda impõe à sociedade brasileira uma ruptura na trajetória de consolidação do Estado do bem-estar social, que foi construído nas últimas décadas de forma lenta, com idas e vindas, mas de maneira consistente. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com8 Concluímos que, conforme Teixeira (2001, p. 240), isso “demonstra a opção política ideológica de um governo identificado com o neoliberalismo e, ao mesmo tempo, a certeza de que não podemos crer em um fato consumado e desistir da luta, pois vitórias são possíveis”. TEMA 4 – PROGRAMA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE Criado em 1991, pelo Ministério da Saúde o Programa de Agentes Comunitários de Saúde – o PACS foi o ponto pacífico do Saúde da Família, contribuindo para uma melhor qualidade de vida das pessoas com ações de educação em saúde. O Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) em suas atribuições que foram definidas somente em 1997 pela Portaria n. 1.886/97 (Brasil, 1997), que aprovou as normas e diretrizes do PACS/PSF. Em seguida, o Decreto n. 3.189/1999 fixou as diretrizes para o exercício da atividade dos ACS (Brasil, 1999), mas sua regulamentação da profissão ocorreu em 2002, com a promulgação da Lei n. 10.507/2002. Assim, os agentes comunitários de saúde atuam articulando as necessidades de saúde das pessoas e a melhoria das condições de vida da comunidade. E segundo a Política Nacional de Atenção Básica (2012, p. 60), É prevista a implantação da Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde nas Unidades Básicas de Saúde como uma possibilidade para a reorganização inicial da atenção básica, com vistas à implantação gradual da Estratégia Saúde da Família ou como forma de agregar os agentes comunitários a outras maneiras de organização da atenção básica. Ressaltamos que a profissão do agente comunitário de saúde – ACS foi regulamentada no âmbito da atenção básica em 2006, com respaldo da Lei n. 11.350/2006, que o reconheceu como profissional de saúde e atribui em seu exercício de atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas de acordo com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2006). O programa prevê que as famílias e pessoas do seu território são acompanhadas por meio da visita domiciliar. Nesse programa, os agentes comunitários de saúde atuam desenvolvendo ações de educação em saúde ocorrendo não somente ao domicilio, mas em diversos espaços comunitários. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 Esse programa baseia-se numa integração com a família, ou seja, uma proximidade do ACS com os usuários permite uma relação de confiança de modo que, em suas atribuições, desenvolve a afetividade para o despertar da construção da cidadania. Todo o planejamento das ações a serem desenvolvidas pela equipe com o cuidado com a saúde no contexto da política básica deve incluir os usuários como sujeitos participativos, sendo de suma importância nesse processo o seu acesso aos sistemas de saúde. A proximidade do agente comunitário de saúde – ACS no território da comunidade traz a realidade desse local para as ações de saúde, que se justificam em função da importância de qualificação desses profissionais na identificação de riscos, danos e necessidade dessa população. Ressaltamos a importância e a necessidade do aprimoramento dos profissionais para conhecerem as mudanças por que passam as famílias no mundo e no país, em sua composição, tamanho, dinâmica, papéis e funções, estratégias de sobrevivência (Marsiglia, 2008). Marsiglia (2008, p. 172) questiona se os profissionais de saúde “foram preparados para o enfretamento destas questões? Estão alertados para os riscos de basear seu trabalho em uma imagem pessoal ou idealizada de família?”. De acordo com essa autora, Muito tem sido feito para a preparação das equipes de saúde da família, considerando-se que elas devem dominar outros conhecimentos, desenvolver novas habilidades e atitudes que facilitem a formação de vínculos dos profissionais com as famílias que atendem. Mas pouco ainda se faz para prepará-los para as abordagens de família, como se isso fosse decorrente de um talento inato de cada um ou das experiências pessoais, ou, ainda, que a questão não fosse objeto de conhecimento especializado (Marsiglia, 2008, p. 173). Assim, voltamos à discussão do aprimoramento da equipe de saúde que atenda a realidade das demandas cotidianas. TEMA 5 – INTERSETORIALIDADE ENTRE POLÍTICAS SOCIAIS Segundo o Ministério da Saúde, a estratégia Saúde da Família visa à “reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional” (Brasil, 1997). É definida também pelo Ministério da Saúde a equipe básica do Programa Saúde da Família, composta por um médico de família ou generalista, um enfermeiro, auxiliar de enfermagem e o agente comunitário. De acordo com o Ministério da Sáude (Brasil, 1997, p. 13), “outros A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 profissionais podem ser incorporados as unidades básicas, de acordo com as demandas e características da organização dos serviços de saúde locais”. Para Teixeira (2001, p. 243), o Ministério da Saúde, como órgão definidor das diretrizes dos programas, deve ser preciso e montar uma equipe (e não uma dupla mínima) multiprofissional completa, para aproximar- se mais do conceito de saúde outorgado na Constituição Federal de 1988. Vale pontuar que as manifestações da questão social são demandas da área da saúde e foram incorporadas para a atuação nas equipes das UBS, tais como violência doméstica, alcoolismo, drogas e a negligência de cuidados de alguns de seus membros mais fragilizados, como idosos, crianças, deficientes e outros. Diante desse contexto, observamos que são demandas que permeiam entre as políticas sociais, principalmente na saúde e na assistência social. É necessário que os gestores e executores criem e editem ações concretas na direção da intersetorialidade, rompendo com as ações fragmentadas e setorializadas, isto é, ações pontuais e realizadas por setores. O reconhecimento das ações intersetoriais, como resistência à compartimentalização e como possibilidade de prevenir a desresponsabilização das políticas e dos setores através de seus agentes, permite a definição de competências e responsabilidades, potencializando um atendimento integral aos sujeitos por meio das políticas sociais (Bellini; Faler (2014, p. 14). Ressaltamos que a intersetorialidade se configura como instrumento de ações para a efetivação dos direitos. Conforme Bellini e Faler (2014, p. 15), uma política de Estado deve contribuir para que a população se aproprie de seus direitos, distinguindo e reconhecendo quais são esses direitos para que assim eles sejam acessados e afirmados. O grande desafio nas agendas dos gestores e dos trabalhadores das políticas de saúde e de assistência social é a articulação e a integração das respectivas políticas, pois historicamente são segregadas em cada uma delas, não considerando as responsabilidades como um todo e com a população (Bellini; Faler, 2014, p. 15). Para os autores, a fragmentação das políticas sociais brasileiras está na identificação das possibilidades e dos limites de cada política e a inclusão dos gestores nesse processo, a fim de prevenir análises tendenciosas que, historicamente, vêm servindo a um projeto de A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 sociedade injusta, em que a divisão da riqueza social beneficia apenas uma pequena parcela da população (Bellini; Faler, 2014, p. 15). Ou seja, trata-se de uma atuação articulada entre as políticas para atender a população na sua necessidade e totalidade, de forma polifônica. Ambas as políticas se encontram com muitos obstáculos, o que adia e impede a sua efetivação como política universal. Segundo Bellini e Faler (2014, p. 17), ainda é possível encontrar gestores que balizam suas práticas profissionais através de umaideia curativista e hospitalocêntrica, gestada ainda nas primeiras concepções de saúde no Brasil, e que refletem tendências conservadoras e progressistas em um mesmo momento histórico. A perspectiva interdisciplinar requer o saber acumulado de diversas disciplinas, na busca de conhecer a verdade e atuar na realidade do usuário. Para os autores, Isso enseja a atuação de diferentes atores para a consecução do direito de todos, numa perspectiva interdisciplinar, no fomento da participação, capacitação, criação de outros cenários para práticas coletivas, educação, execução de atividades de gestão e participação na construção de redes de relações diversas que têm suas interseções na garantia do direito à saúde e à assistência social especificamente (Bellini e Faler (2014, p. 18). A perspectiva da intersetorialidade amplia o olhar das especificidades, principalmente por se tratar de equipes multiprofissionais que visam integrar saberes e práticas. Para Bredow e Dravantz (2010, citados por Bellini e Faler, 2014, p. 28), A intersetoralidade é uma estratégia política complexa, cujo resultado na gestão de um município é a superação da fragmentação das políticas nas várias áreas onde são executadas, partindo do princípio do diálogo entre os seus executores e gestores. Tem como desafio articular diferentes setores na resolução de problemas no cotidiano da gestão, tornando-se um mecanismo para a garantia do direito de acesso à saúde, já que esta é produção resultante de múltiplas políticas sociais de promoção de qualidade de vida. Segundo Grossi e Guilamelon (2006, p. 6), “é uma nova prática social, reconstruída a partir da reflexão e do exercício democrático”. E o desafio é o estabelecimento de um processo de esforços coletivos, com respeito às diversidades dos atores que almejam essa nova forma de operar (Jesus, Vargas, Correa, 2014, p. 147). Pontuamos que a intersetorialidade em saúde vem sendo discutido com mais foco desde a implantação do SUS, e seus princípios ambiciosos vêm A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 buscando a universalização da saúde como direito de todo cidadão, a descentralização das decisões em nível local e a participação do cidadão nas decisões e universalização do acesso. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 REFERÊNCIAS BELLINI, M. I. B.; FALER, C. S. (Org.). Intersetorialidade e políticas sociais: interfaces e diálogos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0573-3.pdf>. Acesso em: 19 set. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. _____. Decreto n. 3.189, de 4 de outubro de 1999. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1999. _____. Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 15 dez. 2016. _____. Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 6 out. 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.886/GM, de 18 de dezembro de 1997. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_atencao_basica.p df>. Acesso em; 19 set. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Geral de Desenvolvimento de Recursos Humanos para o SUS/ SPS/MS. Coordenação de Atenção Básica/SAS/MS. Diretrizes para elaboração de programas de qualificação e requalificação dos agentes comunitários de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 1999. BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da família: uma estratégia para reorientação do modelo assistencial. Brasília: Ministério da Saúde, 1997. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd09_16.pdf>. Acesso em: 19 set. 2019. GROSSI, P. K. GUILAMELON, L. F. Intersetorialidade na política de saúde do idoso. Revista Virtual Textos e Contextos, n. 6, dez. 2006. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/fass/article/view/1034/813> . Acesso em; 19 set. 2019. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 MACHADO, A. Cantares. Blog Utopia, S.d. Disponível em: <http://blogs.utopia.org.br/poesialatina/cantares-antonio-machado/>. Acesso em: 19 set. 2019. MARSIGLIA, R. M. G. Famílias: questões para o Programa de Saúde da Família (PSF). Famílias: redes, laços e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez/Instituto de Estudos Especiais/PUC-SP, 2008. TEIXEIRA, M. J. O. O Programa Saúde da Família, o serviço social e o canto do rouxinol. In: BRAVO, M. I. S.; PEREIRA, P. A. P. (Org.). Política social e democracia. São Paulo: Cortez, Rio de Janeiro: UERJ; 2001, p. 235-54. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com AULA 6 POLÍTICAS SOCIAIS E FAMÍLIA Profª Gisella Chanan A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 2 SERVIÇOS DE PROTEÇÃO FAMILIAR – EDUCAÇÃO, CRIANÇA E ADOLESCENTE, HABITAÇÃO INTRODUÇÃO Esta aula aborda o contexto histórico dos direitos da criança e do adolescente em seus marcos legais. Pontua, ainda, o sistema de garantia de direitos pela integração e a articulação entre o estado, a família e a sociedade civil, para garantir e operacionalizar os direitos das crianças e adolescentes no Brasil. Por fim, oferece uma reflexão sobre a política de habitação em prol das famílias. TEMA 1 – POLÍTICA E DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Sem sonhos, a vida não tem brilho. Sem metas, os sonhos não têm alicerces. Sem prioridades, os sonhos não se tornam reais. Sonhe, trace metas, estabeleça prioridades e corra riscos para executar seus sonhos. Melhor é errar por tentar do que errar por omitir! Augusto Cury Foi por um processo histórico de lutas dos movimentos sociais na agenda política que a família se tornou objeto de estudo em muitos debates referentes a política públicas, principalmente na Assistência Social e na Saúde. E assim foi com referência a políticas públicas para a criança e a adolescência: ação ou omissão do Estado e objeto de ação da família e da sociedade. Somente no século XX a Convenção dos Direitos da Criança – de 20 de novembro de 1989 – proclamou solenemente que crianças são sujeitos de direitos. Anteriormente, no pós-guerra, a Organização das Nações Unidas (ONU) havia apenas preconizado cuidados e assistência especial para crianças, tendo criado a Unicef em 1946. No Pacto Social dos Direitos Civis e Políticos da ONU, que entrou em vigor em 1976, são assegurados os direitos das crianças, mas somente em casos de dissolução da família e/ou de discriminação. A Convenção de 1989 veio reconhecer a criança (qualquer pessoa com menos de 18 anos) como sujeito de direitos, como cidadã – o que também foi consagrado no Brasil com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/1990, decorrente do art. 227 da Constituição de 1988. A proposta de incorporação desse artigo, que atribui à criança e ao adolescente os direitos fundamentais da pessoa humana, deve-se à intensa mobilização da sociedade A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 3 (Faleiros, 1995). A promulgação do ECA é uma ruptura com a visão assistencialista, corretiva e muitas vezes repressora presente nas práticas sociais no Brasil. Aliás, o art. 227 da Constituição Federal de 1988 introduziu no direito brasileiro avanços obtidos internacionalmente em favor da infância e da adolescência: “o artigo não começa falando em direito.Ele sinaliza claramente, ao usar essa expressão, que os direitos da criança e do adolescente têm de ser considerados deveres das gerações adultas” (Conanda, 2007, p. 12). Ou seja, ao tratar a questão dos direitos, cria-se para as futuras políticas de assistência do Brasil a necessidade de serem pensadas, não enquanto favores das gerações adultas em relação à criança e ao adolescente, mas sim enquanto deveres dos adultos. Os direitos sociais proclamados nos estatutos legais nem sempre são passíveis de serem efetivados, visto que dependem de vontade política e de decisões governamentais. Iamamoto (2010, p. 263). Colocá-las em pauta nas agendas políticas envolve toda uma articulação e luta da sociedade civil. Para Nogueira (citado por Iamamoto, 2010, p. 263) “poder-se-ia afirmar que são direitos que carecem desesperadamente de proteção política e cultura cívica. Para serem efetivamente usufruídos, requerem mudanças nos termos da convivência social, dentro de uma estratégia radicalmente democrática”. Pode-se observar, ao longo de nossa história, uma clara distinção entre uma política para os filhos da elite/classes dominantes e uma política para as crianças e adolescentes pobres; um claro favorecimento do acesso à educação formal aos filhos da elite, às faculdades de Direito, Medicina e Engenharia. Quanto aos pobres foram criados os orfanatos, as rodas de expostos, as casas de correção, as escolas agrícolas, as escolas de aprendizes, a profissionalização subalterna, a inserção no mercado de trabalho pela via do emprego assalariado ou do trabalho informal. Na contemporaneidade, os adolescentes vêm experimentando o gosto amargo das expressões históricas, intensificadas agora pelas transformações estruturais e conjunturais da modernidade, ou seja, os jovens das classes populares vivem os dramas de seus pais e também os seus, pois deixam de viver sua fase de desenvolvimento para contribuir na renda familiar. Para Sales (2010, p. 211) crianças e adolescente consistem, assim, num dos segmentos sociais que mais exprimem o estado da cidadania e do tratamento A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 4 dos direitos humanos no Brasil. Segundo Minayo (citado por Sales, 2010, p. 211): “São alvo de uma violência social, expressa na falta de projetos de vida, no desemprego, nas dificuldades de acesso a serviços públicos de educação, saúde, cultura, esporte e lazer de qualidade, que se traduzem no que Veríssimo (1999) qualifica como ‘negligência planejada’”. Portanto, referindo-se às resistências à implantação do ECA, afirma Sales (2010, p. 212): “as quais, acredita – se, coincidem com os processos sociopolíticos e econômicos que dificultam a consolidação de uma esfera pública no país”. TEMA 2 – O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS A intersetoriedade é um conjunto articulado de saberes para superar a fragmentação das políticas sociais, bem como as ações setoriais. Diante disso, o Sistema de Garantia de Direitos (SGDCA), atendendo os preceitos constitucionais do art. 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelece que o referido sistema deve ser colocado em prática por meio de uma política de atendimento resultante de um conjunto de articulações das ações governamentais e não governamentais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O art. 88 do ECA demonstra uma série de diretrizes de natureza política administrativa para a construção do Sistema, norteando as ações a serem adotadas pela administração pública e pela sociedade civil organizada. A definição oficial para o SGDCA se encontra na Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), de 19 de abril de 2006. Em seu art. 1º, a resolução afirma que o SGDCA: constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal. (Brasil, 2006) A referida Resolução se apoia em três eixos: promoção de direito, defesa e controle social, segundo o art. 5º: Os órgãos públicos e as organizações da sociedade civil, que integram esse Sistema, deverão exercer suas funções, em rede, a partir de três eixos estratégicos de ação: I - defesa dos direitos humanos; II - promoção dos direitos humanos; e III - controle da efetivação dos direitos humanos. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 5 Parágrafo único. Os órgãos públicos e as organizações da sociedade civil que integram. (Brasil, 2006) O eixo da Defesa dos Direitos Humanos compreende: os órgãos públicos judiciais; Ministério Público, especialmente as promotorias de justiça, as procuradorias-gerais de justiça; defensorias públicas; Advocacia-Geral da União e as procuradorias-gerais dos estados; polícias; conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos incumbidas de prestar proteção jurídico- social. O eixo da Promoção de Direitos compreende a política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes, operacionalizada por três tipos de programas, serviços e ações públicas: 1) serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes; 2) serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos humanos; e 3) serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e assemelhadas. Já o eixo de Controle e Efetivação do Direito é realizado por instâncias públicas colegiadas próprias, tais como: 1) conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; 2) conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e 3) os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos na Constituição Federal. Além disso, de forma geral, o controle social é exercido soberanamente pela sociedade civil, por meio das suas organizações e articulações representativas. O ECA, de forma a promover a efetivação da política de atendimento, prescreveu a criação de órgãos específicos pelo governo e pela sociedade civil organizada para atender os eixos apresentados. O conjunto desses órgãos nada mais é do que a concretização do Sistema de Garantia de Direito. Ressaltamos que as políticas socioeducativas integram o Sistema de Garantia de Direitos, de forma que seus programas submetem-se às mesmas diretrizes aplicáveis às demais políticas, contendo outras regras especifícas. Dessa forma, o grande desafio do SGDCA é busca pela intersetorialidade entre as diferentes áreas do governo, otimizando espaços, serviços e competências. É condição imprescindível para que as crianças e os adolescentes sejam atendidos em sua integridade, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 6 TEMA 3 – OS DIREITOS PREVISTOS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE É enorme a importância dos movimentos sociais em todo o processo de redemocratização e reorganização da sociedade civil, bem como na reforma das políticas sociais em prol de seus direitos. E a criança e o adolescente no Brasil foram marcados, no decorrer do processo histórico, por um tardio reconhecimento como sujeitos de direitos e por uma visão não emancipatória por parte da sociedade e do Estado. A trajetória histórica das respostas da esfera pública quanto às demandas de reconhecimento de direitos foi fundamentada em modelos tutelares, discriminatórios e repressores. A área de direitos da criança e do adolescente, com a transição entre o velho – Código dos Menores – e o novo – Estatuto da Criança e do Adolescente – não se dá de maneira específica. Osdefensores da velha ordem costumam reagir de todas as formas para impedir que o novo paradigma possa vigorar em modo pleno. Essa transição de paradigmas realmente é um movimento de avanços e retrocessos. Se, por um lado, refere-se à positivação dos direitos por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, por outro, muitos desses direitos não foram efetivados, havendo um clamor por punição em momentos em que o adolescente pobre se manifesta por meio de um ato infracional que nega sua condição anterior, sua infância enraizada em uma condição precária a que milhões de pessoas estão sujeitas diante desse contexto. Prevalece a hipótese de que seu ingresso no sistema socioeducativo é a única forma visível de recuperação. Segundo o art. 4º do ECA: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e a convivência familiar e comunitária. (Brasil, 1990) Ressaltamos que o Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), segundo Zola (2015, p. 56), é um avanço empreendido com relação ao tema e sobre a capacidade familiar [...e] problematiza a definição legal de família, com base atual na família nuclear (pais e filhos) e propõe uma definição sócio antropológica A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 7 mais ampliada, considerando a família como um grupo de pessoas unidas pela consanguinidade dos vínculos conjugais, pelas relações de aliança ou parentesco entre os cônjuges e de afinidade. Portanto, por meio da formulação de políticas públicas, deve ser assegurada a destinação de recursos e amparo da família, da escola e da comunidade. Ressaltamos que cabe ao Estado, em sua função de provedor, antecipar-se, atuando antes do problema já instalado. O cenário com o qual nos deparamos atualmente nos permite constatar que, sozinha, a família não consegue dar conta da adversidade que passou a ter que enfrentar cotidianamente. Nesse sentido, cabe aos profissionais um compromisso com o enfrentamento dessa manifestação da questão social com competência, criticidade e propósitos, na perspectiva de construção de uma sociedade mais justa e solidária. Segundo Teixeira (2015, p. 236), referindo-se ao trabalho com a família, é preciso romper com as versões normalizadoras e disciplinadoras sobre os papeis sociais hegemônicos e os comportamentos esperados, o que inibe a dimensão emancipatória que poderia ter ou proporcionar [...] isso pode ser redirecionado a partir de novas diretrizes que, de fato, se traduza em um trabalho social que visa à autonomia, cidadania e protagonismo social das famílias. Direciona-se, assim, sua formação para contribuir na superação de situações de vulnerabilidade e fragilidade dos diversos segmentos sociais, na ampliação do acesso às políticas sociais e na garantia da expansão dos direitos sociais e da cidadania. TEMA 4 – PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL O capitalismo, sistema vigente na sociedade na qual estamos inseridos, influencia diretamente em nossa formação como indivíduos e, consequentemente, na família. Além disso, afetam a família a exploração exagerada do meio ambiente visando o lucro e várias manifestações da questão social, tais como o desemprego, violência doméstica e a miséria, entre outras. Ressaltamos que a miséria e a desigualdade social marcam a história de muitos países. Segundo Karl Marx (2010), a miséria é resultado da divisão de classes – entre aqueles que detêm os meios de produção e os trabalhadores, que têm somente a força de trabalho para garantir a sobrevivência. Sendo assim, ela A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 8 se constitui em um poderoso instrumento de dominação das classes dominantes sobre os estratos mais baixos da sociedade. Ao capitalismo não importam as consequências a que podem levar a exploração e a força de trabalho, nem o desenvolvimento tecnológico e a exploração desmedida da natureza. A acumulação de riqueza em um polo significa acumulação de pobreza, de sofrimento, de ignorância, de embrutecimento, de degradação moral e de escravidão no polo oposto. As famílias dos adolescentes e jovens vivem o cotidiano das expressões da questão social, e possuem em sua dinâmica diferentes formas de luta imediata, na qual inserem os filhos em formas de trabalho precário que não condizem com as possibilidades da idade, sendo até mesmo os provedores da manutenção da casa. O Brasil, com o Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR), implementado em todas as regiões do país a partir de 1996 seguindo as orientações da política social do governo federal e do Sistema Público de Trabalho e Renda (SPTR), tem se inserido no contexto de restruturação produtiva como forma de respostas às requisições da reestruturação produtiva. O programa tem como meta principal oferecer educação profissional permanente, de natureza pública e gratuita, para qualificar ou requalificar principalmente aqueles em situação mais vulnerável no mercado de trabalho. Ressaltamos que a dívida histórica do país para com a grande parcela da população se perpetua por várias gerações. As intervenções públicas, iam da assistência aos indigentes e da repressão à vagabundagem – considerados casos de polícia – ao abandono a querer e não conseguir se inserir, pois não conseguem ser incluídos na sociedade de produção e de mercado. Nesse contexto, segundo Leal (2010, p. 149), complementado algumas determinações do ECA e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD) no título III (do direito à educação e do dever em educar), “apresenta o ensino fundamental como direito público subjetivo e, para garanti-lo, qualquer cidadão, grupo de cidadão, associação, organização, ou entidades pode acionar o Ministério Público” (art. 5º). Segundo Chieco e Cordão, citados por Leal (2010, p. 150), essa concepção de educação profissional da LDB apresenta novidades importantes como certificação e a modulação, que reconhece, pela primeira vez, a possibilidade de aproveitamento do conhecimentos adquiridos no exercício profissional e no autodidatismo; e além disso, abre a possibilidade de se trabalhar com currículo modulados ou A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 9 módulos de formação [...] as políticas de educação profissional, pelo que determina a LDB não podem mais estar sendo implementadas sem articulação ou sintonia com as políticas de educação básica e mesmo de desenvolvimento cientifico e tecnológico. Ressaltamos que a prática educativa formal tem como objetivo a aquisição e a construção de conhecimentos que atendam as demandas da contemporaneidade. Assim sendo, Leal (2010. p. 151) afirma: Pensar a educação formal e a capacitação para os setores populares exige, sobretudo, levar em conta a especificidade dessa população, a fim de se garantir os requisitos mínimos necessários para que os jovens pobres tenham uma preparação capaz de fazê-los enfrentar suas necessidades mais imediatas e, ao mesmo tempo, dar garantias de acesso a melhores condições de vida. Nos anos 1990 houve uma expansão no país ao acesso ao ensino fundamental, não havendo elevação de qualidade de ensino, sendo um desafio atualmente nesse nível de escolaridade. Um outro desafio é a qualificação profissional, que provavelmente só poderá ser enfrentado pelo governo federal, por meio de uma ampla articulação dos atores envolvidos, somando sua experiência e competência técnica,independentemente das diferenças político- ideológicas. Jacinto e Suarez, citados por Leal (2010, p. 163), mencionam algumas orientações em relação às políticas de capacitação para setores juvenis populares: 1.a necessidade do desenvolvimento de qualificação técnicas e sociais voltadas para uma família de ocupações que tenham referencias concretas no sistema produtivo; 2.a importância de se assegurar aos jovens o domínio de habilidades básicas como expressão oral e escrita, matemática aplicada, capazes de permitir a escrita de informes breves e o cálculo de custos, de materiais etc. 3.a adoção de metodologias baseadas no uso e na valorização da prática; 4.inclusão de conteúdos de gestão e de comercialização de produtos; 5.o desenvolvimento de habilidades e competências voltadas para autonomia, auto organização de tarefas, boas relações no trabalho e mesmo gestão de tarefas rotineiras e simples. Podemos concluir que o modo de produção capitalista modifica a relação entre o homem e o trabalho e traz novos desafios para educação, em especial à educação para o trabalho. As orientações para as políticas de capacitação para os jovens são para adequar as novas realidades produtivas e suas necessidades. Nessa perspectiva, o que tem ocorrido é uma educação para o trabalho e não uma educação pelo trabalho. Para Marx (2012), o trabalho constitui o ser A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 10 humano e por meio dele se faz a mediação entre o homem e a natureza. Dessa interação deriva o processo de formação humana. Nesse contexto, Gramsci considera o trabalho como princípio educativo, ao viabilizar a compreensão do papel dos sujeitos na sociedade em geral e no mundo do trabalho em particular, garantindo a emancipação humana. E o que observamos nas políticas com os atuais programas de educação profissional é que a educação não tem garantido a emancipação humana. Nesse sentido, o grande desafio e luta é repensarmos as propostas de programas voltadas para o ensino profissional, de modo que garantam uma educação emancipadora. TEMA 5 – A POLÍTICA DE HABITAÇÃO As várias mudanças ocorridas no plano socioeconômico e cultural foram pautadas pelo processo de globalização da economia capitalista, e vêm interferindo na dinâmica da família. Tais mudanças têm consequências para a vida econômica, social e cultural da população, gerando altos índices de desigualdade social. Como reflexo da estrutura de poder instituída, principalmente no que tange às questões econômicas das famílias, afeta suas condições de sobrevivência, mina as expectativas de superação desse estado de pobreza e reforça sua submissão às políticas sociais. Dentro desse contexto, as cidades foram aumentando devido ao êxodo rural, e as áreas ocupadas ilegalmente expressam as manifestações da questão social devido à ausência de política de habitação social, principalmente para as famílias em situação de vulnerabilidade social. A questão é alarmante, e a discussão sobre o assunto pauta os art. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que regulamentou a Lei n. 10.257/2001, conhecida como Estatuto das Cidades. Esta lei, em linhas gerais, tem como objetivo fornecer suporte jurídico mais consistente às estratégias e processos de planejamento urbano. O direito à propriedade está garantido enquanto direito fundamental no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, sendo inviolável e essencial ao ser humano, posto ao lado de outros direitos como à vida, à liberdade etc. Como forma de democratizar as cidades brasileiras por meio de instrumentos de gestão, destacamos o plano diretor, que segue a essência de garantia de bem-estar aos habitantes das cidades, claramente presente na Constituição Federal: A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 11 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. (Brasil, 1988) O objetivo da aplicação desses instrumentos de gestão é a efetivação dos princípios constitucionais de participação popular ou gestão democrática da cidade, na garantia da função social da propriedade. No período de 2003–2010, no governo Lula, a principal política para a habilitação foi o Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009 pelo Ministério das Cidades. Esta política está vigente até o presente momento, e segue com algumas alterações. A política habitacional implantada movimentou o setor imobiliário, mas embora o programa tenha sido voltado para o atendimento das necessidades habitacionais de famílias de baixa renda, este objetivo não vem sendo atingido a contento. A menor faixa de renda especificada pelo programa, que é compreendida entre zero e três salários mínimos e onde está concentrado o maior déficit habitacional, não vem sendo beneficiada. Conforme o censo 2010 do IBGE, o Brasil tinha cerca de 11,4 milhões de pessoas morando em favelas. De fato, o direito à moradia é excessivamente regulado e protegido pelo ordenamento jurídico, mas os entraves estão na efetivação das políticas públicas. Os baixos salários, o mercado imobiliário capitalista e a desigualdade social impossibilitaram o acesso à moradia para grande parte da população, que, principalmente nas últimas décadas, vêm sendo produto e produtor dos processos de periferização e segregação. Portanto, o direito à moradia não se limita apenas à prestação estatal negativa, ou seja, aquela que exige uma abstenção por parte do Estado e dos particulares. É constituída ainda por medidas de caráter positivo, que exigem do Estado a implantação de políticas públicas para sua satisfação. FINALIZANDO Foram apresentadas algumas reflexões sobre a forma como a família foi se constituindo ao longo dos tempos e as novas configurações familiares. Discutimos a centralidade da família nas políticas sociais, com ênfase na política de assistência social e saúde. Pontuamos sobre a matricialidade A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 12 sociofamiliar, sendo uma diretriz do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que percebe a família na centralidade da oferta dos serviços, programas, projetos e benefícios ofertados pela política de assistência social. Identificamos o trabalho com a família, os avanços decorrentes e os limites apresentados nas demais políticas sociais, bem como o risco de práticas conservadoras e ambíguas, que levam à responsabilização das famílias muito mais do que à garantia de direitos. O governo tem a obrigação de garantir que as famílias e seus membros sejam atendidos em suas necessidades essenciais: educação, saúde, moradia, segurança, alimentação, lazer etc. É importante a discussão acerca da implementação dessas necessidades para a família, uma vez que é preciso ter iniciativas que garantam os seus direitos. Observamos que a luta contra a miséria requer que as políticas públicas cumpram os seus direitos com investimento necessários em saúde, moradia, criação de empregos e rendas que não se limitam a uma simples transferência de renda no intuito de favorecer a justiça social e a integração dos indivíduos pobres e carentes na sociedade. Em todo o contexto precisamos estar conscientes do modo de produção capitalista que envolve as famílias e que aponta as várias manifestações da questão social que, desassistida pelas políticas públicas, vê-se impossibilitada de responder às necessidades básicas de seus membros e, por conseguinte, aprofunda a sua condição de exclusão.Em todo estudo pertinente às políticas sociais, há um entendimento para que se cumpra nas agendas políticas essa discussão referente à família. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 13 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 set. 2019. _____. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 16 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 24 set. 2019. _____. Resolução n. 113, de 19 de abril de 2006. Brasília, Sedh/Conanda, 2006. Disponível em: <http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/diversos/mini_cd/pd fs/Res_113_CONANDA.pdf>. Acesso em: 22 set. 2019. _____. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA, 2007. Disponível em: <https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/P lano_Defesa_CriancasAdolescentes%20.pdf>. Acesso em: 20 set. 2019. FALEIROS, V. P. 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A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com 14 ZOLA, M. B. Políticas sociais, família e proteção social: um estudo acerca das políticas familiares em diferentes cidades/países. In: Familismo: direitos e cidadania. São Paulo: Cortez, 2015. A luno: Y uri G om es M allaco E m ail: yurim allaco27@ gm ail.com