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MATERIAL COM DOUTRINA COMPLETA - CIDADES (1)

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DIREITO DAS CIDADES 
PROFESSOR: DIEGO SABÓIA E SILVA1 
AUTOR DO TEXTO BASE: JOSÉ ANTÔNIO 
APPARECIDO JÚNIOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Doutor em Ciência 
Política pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestre em Direito pela Universidade 
Federal de Santa Catarina – UFSC. Especialista em Direito Tributário pelas Faculdades 
Integradas de Jacarepaguá – FIJ. Professor do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão – 
FLF. Procurador Jurídico do Quadro Efetivo do Município de Forquilha/CE. Advogado (OAB/CE 
nº 21.221) 
Nota de aula 1 
 
* Contextualização do Direito Urbanístico (ou Direito das Cidades) 
 
* Noção geral 
Inicialmente, incumbe ressaltar que o Direito Urbanístico (ou Direito das Cidades) é ramo 
em evolução, naturalmente ligado à cidade. Etimologicamente urbis, do latim, significa cidade, 
que representa a expressão criativa do homem, pois resulta da ação humana como agente 
modificador da natureza para a criação e ampliação do espaço urbano. O conceito desta disciplina 
jurídica, portanto, permeia as cidades e as necessidades correlatas à convivência dos homens nela. 
Trata-se, dessa forma, de assunto bastante palatável, em especial pelos muitos pontos de contato 
com o Direito das Coisas, estudado há pouco. 
Para se inserir no tema há necessidade de compreender a cooperação dos entes federados 
para se delimitar um entendimento do desenvolvimento urbano. A CF/88 trata das competências 
dos entes, estabelecendo os deveres da União, Estados, DF e Municípios para a promoção da 
política nacional de desenvolvimento urbano com a instituição de normas urbanísticas. Observe-
se, nesse particular, que a competência legislativa em matéria urbanística é concorrente da União, 
Estados e DF (CF, art. 24, I) Atente-se para o fato segundo o qual no âmbito da legislação 
concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; a competência da 
União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; 
inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, 
para atender a suas peculiaridades; a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende 
a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. 
Municípios não legislam sobre direito urbanístico. Este elabora o plano diretor 
(obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes), que em realidade é um dos 
instrumentos da política básica de desenvolvimento urbano. Assim, a União alia-se aos Estados, 
DF e Municípios – com preponderância destes – tendo como premissa resolver questões sobre o 
desenvolvimento urbanístico nacional. Dessa forma, a propriedade urbana deverá atender às 
diretrizes e políticas urbanas a fim de cumprir a função social das cidades. 
 
* Formação do Direito Urbanístico 
Muito embora o Estatuto da Cidade (lei nº 10.257/2001, estandarte maior do Direito 
Urbanístico) seja relativamente recente, pois data de 2001, os antecedentes que possibilitam a 
formação do Direito Urbanístico em geral, e do Estatuto da Cidade em particular, remontam à 
primeira metade do século XX – anos 1930, com o processo de urbanização no Brasil, muito 
embora seja a década de 1970 que a urbanização tenha efetivamente experimentado seu auge –, 
caracterizados pelos acirrados embates entre interesses divergentes, acumulando avanços e 
retrocessos, os problemas urbanos provocados principalmente pela migração camponesa desde a 
década de 1960 serviram como verdadeiros elementos catalisadores de planejamentos tendentes 
a racionalizar o “caos urbano” instaurado em terrae brasilis. 
Nessa toada, percebe-se necessitar o Direito Urbanístico de introdução. Mais que uma 
introdução, demanda apresentação. O Direito Civil, por exemplo, não carece deste mecanismo. 
Tal condição ocorre porque o Direito Urbanístico raramente é ministrado nas graduações das 
faculdades, que tradicionalmente demoram a promover alterações em sua grade curricular, 
relegando a um segundo plano as novas questões que se apresentam no mundo jurídico. 
Não que não houvesse normas que pudessem ser classificadas como de Direito 
Urbanístico até algum momento recente da história da humanidade ou do Brasil. Só para falar do 
direito peninsular ibérico, normas gerais e simples de Direito Urbanístico já eram encontradas nas 
Ordenações do Reino (editadas a partir do século XIV) e nas Ordenações Filipinas (do início do 
século XVII). O que ocorre, em verdade, é que a velocidade do desenvolvimento deste ramo do 
Direito vem se tornando cada vez maior, em razão principalmente da crescente complexidade das 
relações humanas nas cidades, cada vez mais importantes e populosas em todo o planeta. 
O caso brasileiro é exemplar: segundo o IBGE2, no ano de 1940, contava o País com uma 
população de pouco mais de 41 milhões de pessoas, e cerca de 32% viviam nas cidades; no ano 
de 2010, dos quase 190 milhões de brasileiros, o total de habitantes nas cidades é de cerca de 
85%. As normas jurídicas tendentes a regular esta explosão urbanísticas no Brasil foram surgindo 
paulatinamente3, até a promulgação da Constituição Federal de 1988 – CF/88 –, a primeira a trazer 
em seu texto menções ao Direito Urbanístico. 
De fato, tal ramo do Direito se apresenta, a partir da entrada em vigor do atual texto 
constitucional, não só como um dos mais modernos ramos do direito público, mas também como 
um dos que apresentam maior evolução em seus conceitos e aplicações. Voltado a implantar a 
cada vez mais relevante política de desenvolvimento urbano, com a finalidade de efetivar a função 
social da propriedade e garantir o bem-estar dos habitantes das cidades, este ramo do Direito 
expõe a necessidade de observância de novos paradigmas de atuação pelo Poder Público: a gestão 
 
2 Disponível em: 
[http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=10&op=0&vcodigo=POP122&t=taxa-urbanizacao], 
consulta em 10.01.2017. 
3 Destaca-se, nesse sentido, a Lei nº 4.380/64, que criou o Banco Nacional de Habitação, as Sociedades de 
Crédito Imobiliário e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Tal lei deu competência 
do BNH para promover e estimular o planejamento local integrado e as obras de infraestrutura urbana. Com 
base em tal delegação, o BNH elaborou “Programas de Desenvolvimento Urbano”, com o objetivo principal 
de racionalizar o crescimento das áreas urbanas brasileiras. 
democrática das cidades demanda a participação de todos os interessados na elaboração e 
implantação dos planos e projetos urbanos, a necessidade de prover-se habitação, transporte, lazer 
e trabalho aos seus habitantes exige compreensão do ambiente urbano e ponderação de todos os 
afetados pelo processo de urbanização ou reurbanização. 
O regramento do Direito Urbanístico determina ter a Administração Pública que passar, 
cada vez mais, a motivar suas decisões, considerando as legítimas pretensões pelos mais diversos 
polos de interesses, que disputam os benefícios advindos da vida nas cidades. Neste ambiente, a 
busca da consensualidade no processo de decisão administrativa e da publicidade dos 
procedimentos realizados pelo Poder Público passam a ser não mais opções da Administração 
Pública, mas sim indispensáveis elementos para a validade formal e material das decisões a todos 
vinculantes, legitimadoras da atuação estatal. 
É preciso destacar que a ordem urbanística foi expressamente alocada como bem 
jurídico integrante do conjunto de valores ou bens a serem defendidos pela ação civil pública (art. 
1º, “VI”, da Lei nº 7.347/85), e pode ser definida como o conjunto de normas de ordem pública e 
de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da 
segurança, do equilíbrioambiental e do bem-estar dos cidadãos. Desta forma, o dever objetivo 
dos legisladores e administradores de elaborar e implantar uma política de desenvolvimento 
urbano aderente às necessidades da população pode e deve ser objeto de controle pelo aparato 
jurídico de nosso País; ministério público, magistratura, defensoria pública, procuradorias, 
advocacia da União, enfim, todos, sem exceção, têm a necessidade de compreender a dinâmica 
jurídica concernente à ordem urbanística, cada vez mais objeto de estudo e indagação. 
* Conceitos essenciais 
Continuando na linha propedêutica, serão, desde já, abordados temas preliminares ao 
nosso estudo, com o propósito de familiarizar o estudante com algumas noções essenciais para a 
plena assimilação do conteúdo, tais como os de cidade, urbanismo, urbanificação e planejamento 
urbano, para finalmente poder-se definir o que se há de entender por Direito Urbanístico. Em 
seguida, far-se-á análise comparativa com ramos afins. 
- Conceito de Cidade 
Há diversas formas de se conceituar cidade – concepções econômicas, sociológicas, 
demográficas etc. Para os propósitos dessa disciplina, tais ideias são menos relevantes. No Brasil, 
“cidades” são conceitos jurídico-políticos, assim qualificados quando determinado território se 
transforma em Município. O que faz determinado agrupamento urbano ser considerado “cidade” 
não é seu número de habitantes, ou a quantidade de edificações nele existentes: será considerado 
cidade o núcleo urbano que é sede do governo municipal. Do ponto de vista urbanístico (o que 
é urbanismo ver-se-á a seguir), a cidade é o centro populacional dotado de dois elementos 
essenciais: unidades edilícias (residências, comércios etc.) e equipamentos públicos (ruas, 
parques, hospitais, mercados, ginásios etc). 
Não se há de confundir cidade com Município. Este é a menor unidade territorial 
brasileira com governo próprio, sendo formado pelo distrito-sede, onde se localiza a cidade, que 
é a sede municipal, e que leva o mesmo nome do Município; é, pois, o Município, o espaço 
territorial político dentro de um Estado-membro. Possui zona urbana (citadina) e zona rural 
(campesina). Cidade, a seu turno, é o espaço urbano dentro de um Município delimitado por um 
perímetro/zona urbano. Quem define as confrontações do que se há de entender por 
perímetro/zona urbana é a respectiva lei municipal, atentando para os requisitos mínimos 
estabelecidos no § 1º do art. 32 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional – CTN). 
Também não há que se confundir com distrito. Este é a subdivisão do Município, que 
possui como sede a vila. Não possui autonomia administrativa. A sede do distrito (a vila) é 
considerada como urbana, pois no Brasil a localidade onde existe extensão de serviços públicos 
é considerada como urbana, e este é o caso das vilas dos distritos. Nesse sentido, vide art. 32 do 
CTN, em especial seus §§ 1º e 2º. 
- Conceito de Urbanismo 
Quando se estuda o Direito Urbanístico, está é uma das grandes confusões que se 
apresenta. São duas linguagens diferentes, que não raro se imiscuem e tendem a confundir. O 
Direito Urbanístico é um ramo do direito, ao passo que o urbanismo é, antes de tudo, uma 
técnica, que reúne elementos de ciência e arte. Seu objetivo é a organização do espaço 
urbano, tendo por base o planejamento urbanístico voltado a promover as denominadas 
funções sociais da cidade: habitação, trabalho, recreação e circulação4. O urbanismo como 
ciência estuda o fenômeno da urbanização, e o urbanismo como arte (ou técnica de criação) 
desenvolve os métodos de planejamento urbano. O planejamento urbano é lógica e 
cronologicamente anterior à norma de Direito Urbanístico. 
De fato, o Direito Urbanístico positiva os planos urbanos, torna obrigatórios os seus 
comandos, mas com eles não se confunde; o urbanismo é o livre pensar, com base em elementos 
da realidade e de planejamento colocados à disposição dos técnicos e da sociedade. O Direito 
Urbanístico, a seu turno, traduz-se na “regra do jogo”, pela qual a política de desenvolvimento 
urbano será implantada. 
- Conceitos de Urbanização e Urbanificação 
 
4 As funções sociais da cidade foram reveladas na Carta de Atenas (manifesto urbanístico resultante do IV 
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), de 1933. O tema do Congresso foi a “cidade funcional”. 
A Carta considera a cidade como um organismo a ser concebido de modo funcional, na qual as necessidades 
do homem devem estar claramente colocadas e resolvidas. 
Por urbanização entende-se o fenômeno de crescimento das cidades, com loteamentos, 
zonas de expansão urbana etc. Já a urbanificação é reconhecida como a correção da urbanização 
existente. Como será visto em momento oportuno, a operação urbana consorciada é normalmente 
exemplo de urbanificação de determinado perímetro. 
- Conceito de Planejamento Urbano 
Planejamento urbano (ou planejamento urbanístico) é uma atividade pública de diagnose 
da situação do sítio urbano a ser planejado e de prognose sobre a evolução futura dos processos 
urbanísticos, assim considerados os modos pelos quais a cidade tende a desenvolver-se e evoluir, 
espacial e socialmente. O resultado deste trabalho é o formalmente chamado “plano urbano” ou 
“plano urbanístico”. 
O processo de planejamento urbano tem que levar em conta o desenvolvimento das 
cidades, a distribuição espacial da população e o desenvolvimento das atividades econômicas do 
Município. É o planejamento urbano, ainda, uma das mais visíveis facetas da imprescindível nova 
postura da Administração Pública com relação aos administrados: é um processo que 
necessariamente será participativo, com oitiva e ponderação dos inúmeros interesses legítimos 
existentes no meio ambiente urbano. 
Não bastassem as determinações expressas trazidas nos arts. 2º, II e 43 a 45 do Estatuto 
da Cidade (Lei nº 10.257/2001), é da própria essência da criação dos planos urbanos e do próprio 
Direito Urbanístico a publicidade dos processos de formação da convicção administrativa e a 
busca da consensualidade entre os interessados (atente-se que consensualidade não se confunde 
com unanimidade), para que o resultado final da atuação do Poder Público seja mais útil formal 
e materialmente. 
- Conceitos de Política de Desenvolvimento Urbano e Atividade Urbanística 
A CF/88, em seu art. 182, assevera que a política de desenvolvimento urbano, executada 
pelo Poder Público municipal nos termos de diretrizes gerais fixadas em lei, terá por objetivo 
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus 
habitantes. O mesmo artigo esclarece que o plano diretor é o instrumento básico da política de 
desenvolvimento e de expansão urbana. 
Mas o que vem a ser a política de desenvolvimento urbano? A política de 
desenvolvimento urbano pode ser entendida como o conjunto de princípios, diretrizes e normas 
que norteiam a ação do Poder Público e da sociedade em geral na produção e gestão das 
cidades. O conceito guarda íntima relação com o da atividade urbanística, que nada mais é que 
a ação destinada a realizar os fins do urbanismo, e que tem por objetos o planejamento 
urbanístico, a ordenação do solo, a ordenação urbanística de áreas de interesse social e a 
ordenação urbanística da atividade edilícia – todos os objetos da atividade urbanística acham-se 
entre si ligados, e em recíproca dependência. A atividade urbanística é reconhecida como função 
pública exatamente por ser a face ativa da política de desenvolvimento urbano, com toda 
normatização de tal decorrente, sempre contará com o influxo de informações e controles que 
caracteriza a gestão democrática das cidades. 
- Conceito de Direito Urbanístico 
Somente após tecidas essas considerações é que chega o momento idôneo para se esboçar 
o que vem a ser o Direito Urbanístico. Estepode ser entendido como o complexo normativo que 
intenta organizar os espaços urbanos, de modo que seja possível propiciar aos habitantes 
ambiente de vida saudável, convivência pacífica e melhores condições de vida em sociedade. 
Cientificamente, do ponto de vista metodológico, por óbvio, dado que o Direito não é, em 
si, uma ciência: o que é científica é sua metodologia de estudo, trata-se o Direito Urbanístico de 
ramo do direito público que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e 
princípios disciplinadores dos espaços habitáveis. 
Diante disso, a conclusão que se tem de sua definição é que, à política urbana incumbindo 
prezar pelo desenvolvimento urbano garantindo o bem-estar de seus habitantes, tendo o plano 
diretor como meio concretizador deste intento, deve-se sempre ter em vista o princípio da 
dignidade da pessoa humana, pois só assim atender-se-á, em consequência, a função social da 
propriedade urbana e a função social das cidades. 
Possui como objetivos organizar o ambiente urbano, regular a atividade urbanística, 
ordenar o território urbano no qual as pessoas escolheram viver. Ainda nesse sentido não se olvida 
do ambiente rural visando à proteção ambiental, relacionado com a sobrevivência dos 
conglomerados urbanos, donde se conclui que as normas de Direito Urbanístico somente lograrão 
êxito se harmonizadas com uma sistematização integrada entre o campo e o meio ambiente 
artificial. 
Seu objeto, pois, envolve as normas que disciplinam o planejamento urbano, que 
planificam a ocupação do solo urbano, organizam o espaço citadino e ainda a utilização dos 
instrumentos de intervenção urbanística. 
* Relações do Direito Urbanístico com outros ramos do Direito 
O Direito Urbanístico se insere no ordenamento jurídico nacional, e, a partir deste 
diálogo, utiliza princípios e institutos típicos de outros ramos do Direito para atingir as finalidades 
para as quais surgiu. Neste sentido, seu fundamento passa pela compreensão do Direito 
Constitucional. O regramento básico do Direito Urbanístico está expresso no texto constitucional 
em passagens como, por exemplo, os arts. 182; 30, “VIII” (competência dos municípios de 
promover, no que couber, adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do 
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano) e o 24, “I” e § 1º, que confere à União 
competência para legislar sobre normas gerais de Direito Urbanístico, com competência 
suplementar dos Estados-membros. O principal instrumental utilizado pelo Direito Urbanístico a 
partir do texto da CF/88, contudo, vem da combinação dos incisos XXII e XXIII do art. 5º, que 
determinam ser tanto a propriedade como a sua função social direitos individuais. 
O Direito Administrativo, por sua vez, fornece ao Direito Urbanístico importante 
instrumental para que este realize suas funções. Institutos como desapropriação, servidão e a ideia 
de poder de polícia, por exemplo, são imprescindíveis para fazer atuas as normas de Direito 
Urbanístico. Da mesma forma, retira importantes elementos do Direito Econômico e do Direito 
Tributário. Quanto ao primeiro, o fundamento da intervenção do Estado no domínio privado é o 
que dá suporte a intervenção do Poder Público nas cidades, sendo relevante até mesmo para a 
formatação do próprio conceito da propriedade urbanística. Quanto ao Direito Tributário, a mais 
evidente relação é a havida nas sanções advindas pelo mau uso da propriedade urbana, com a 
previsão constitucional do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – progressivo no tempo. 
No tocante ao Direito Civil, a proximidade causa até mesmo certos equívocos de 
interpretação, pois que o Direito Civil traz normas de direito de vizinhança, manobráveis entre 
particulares, e o Direito Urbanístico é constituído por normas de direito público, e molda a 
propriedade urbanística. O direito de edificar, contudo, fica em zona fronteiriça, recebendo 
comandos tanto de um quanto de outro ramo do direito. 
* Natureza das normas urbanísticas 
Há relativa discussão acerca da natureza do Direito Urbanístico, dada a sua “jovialidade”, 
de forma que muitos doutrinadores costumam sistematizá-lo como Direito Administrativo, outros 
como apêndice do Direito Econômico, dada a sua inserção, na CF, no Capítulo II do Título VII 
(“Da Ordem Econômica e Financeira”). A bem da verdade, divergências à parte, doutrinadores 
especialistas entendem ainda ser cedo para falar em autonomia, o que não impede a utilização da 
denominação “Direito Urbanístico”. 
Isso ocorre pelo fato de ser regulado por normas de várias espécies, de competência da 
União, Estados, DF e, no âmbito municipal, pelos respectivos planos diretores. Por essas razões, 
seria prudente, por ora, considerá-lo como direito multidisciplinar, sem desconsiderar que a 
natureza que envolve as regras de ordenação do território urbano é de caráter público. 
José Afonso da Silva alerta para o fato segundo o qual as normas de Direito Urbanístico 
não mais podem ser concebidas como simples regras de atuação do poder de polícia do Estado, 
nem como mero capítulo do Direito Administrativo, mas sim há a necessidade de concebê-lo sob 
nova configuração quanto às suas normas jurídicas, estribadas em seu estandarte maior – o 
Estatuto da Cidade – como um conjunto normativo intermediário no que se refere à necessidade 
de criação de outras leis para sua implementação – algo como as normas constitucionais de 
eficácia limitada – principalmente o plano direto. Portanto, valeu-se de competências 
diferenciadas porque há regras gerais nacionais, estaduais e municipais, porém todas de ordem 
pública. 
* Alguns Princípios informadores do Direito Urbanístico 
Alguns dos princípios informadores do Direito Urbanístico estão radicados no Estatuto 
da Cidade (lei nº 10.257/2001), especialmente pelas diretrizes de seu art. 2º. Extrai-se da leitura 
dos dezoito incisos que o vetor do desenvolvimento da política urbana serão os princípios da 
função social da cidade e da propriedade urbana, segundo as diretrizes fixadas em lei, sempre 
vislumbrando a dignidade da pessoa humana. 
O princípio da função social da cidade media a litigiosidade dos conflitos urbanos, 
assim como regula a utilização das áreas públicas, questões de moradia, de ordem sanitária, de 
meio ambiente artificial saudável, ou seja, visa o atendimento das necessidades da população por 
meio de ações estabelecidas no plano diretor. 
No que se refere ao princípio da função social da propriedade urbana, alhures 
comentado, importa a vinculação da propriedade urbana com as diretrizes da política urbana, 
tendo o plano diretor como ponto de partida para o desenvolvimento desta política nos 
Municípios, que estabelecerá os parâmetros em que a propriedade urbana irá cumprir sua função 
social. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nota de aula 2 
 
* O Direito Urbanístico na CF/88: Fundamentos constitucionais 
 
Inicialmente, o processo de urbanização começou no Brasil na década de 1930 e teve seu 
auge na década de 1970 e, durante esse período, diversas Constituições foram promulgadas e/ou 
outorgadas — 1934, 1937, 1946, 1967 e a Emenda nº 01, de 1969. No entanto, até o momento em 
que a Constituição Federal de 1988 entrou em vigor, não existiam dispositivos constitucionais 
específicos para guiar o processo de desenvolvimento urbano e para determinar as condições de 
gestão urbana. Foi o capítulo original introduzido pela Constituição de 1988 – CF/88 – (Capítulo 
II do Título VII – arts. 182 e 183 da CF/88) que estabeleceu as bases jurídico-políticas iniciais 
para a promoção da reforma urbana, em função da demanda social de regulação legal do 
fenômeno da urbanização. 
Analisa-se neste momento, portanto, o que consta no texto constitucional no que diz 
respeito ao Direito Urbanístico, direta ou indiretamente. Tais são os fundamentos do Direito 
Urbanístico porque, claro, a ConstituiçãoFederal é a matriz de toda a validade da legislação 
infraconstitucional, mas também porque seus dispositivos, com inegável caráter normativo, 
ilustram toda a interpretação do ordenamento jurídico nacional. 
* A propriedade e sua função social 
Apenas à guisa introdutória, vez que serão analisadas especificamente na próxima aula, 
tem-se que propriedade e função social são realidades viscerais no texto constitucional. O direito 
de propriedade, consoante art. 5º, XXII, da CF/88, possui patamar de cláusula pétrea, direito 
individual que é, devendo atender, obrigatoriamente, à sua função social, de acordo com o inciso 
XXIII, do mesmo artigo. O art. 170 da CF/88, que trata dos princípios gerais da ordem econômica, 
atesta que esta é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, possui por fim 
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e deverá observar, entre 
seus princípios, o da função social da propriedade (inciso III). Isso é importante: a leitura da 
ordem econômica do País deve ser feita por intermédio deste filtro, e a função social da 
propriedade ilustrará o desenvolvimento de qualquer atividade econômica do País (o art. 173, §1º, 
“I”, reforça este caráter na intervenção estatal na atividade econômica. 
A função social, por fim, é a protagonista de outros dois capítulos do texto constitucional: 
no da Política Urbana, ao vincular seu cumprimento à observância do plano diretor, de acordo 
com o art. 182, § 2º; e no da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, nas quais é o 
valor a preponderar na desapropriação para fins de reforma agrária (arts. 184 e 186). Os dois 
capítulos estão no Título VII da CF/88, que regula a Ordem Econômica e Financeira. Atente-se 
ao fato segundo o qual a percepção de função social da propriedade no Direito Urbanístico é um 
tanto quanto diferente do Direito das Coisas; isto pelo fato de que neste, tradicionalmente, é 
vislumbrada como uma limitação ao direito de propriedade, ao passo que no Urbanístico constitui-
se em verdadeiro mecanismo assecuratório da propriedade, permitindo que, através de concessões 
e condicionamentos recíprocos entre os proprietários, os direitos inerentes aos bens possam ser 
exercidos de maneira mais cômoda, racional, e consequentemente mais segura. 
* Política Urbana 
A CF/88 traz um capítulo (o capítulo II), inserido no Título da Ordem Econômica, 
nominado “Da Política Urbana”. Por política urbana deve-se entender o conjunto de estratégias 
e ações do Poder Público, isoladamente ou em cooperação com o setor privado, necessárias 
à constituição, preservação, melhoria e restauração da ordem urbanística em prol do bem-
estar das comunidades. 
A estratégia montada no texto constitucional é interessante: define que, baseada em lei, 
tal terá por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (circulação, 
habitação, trabalho e recreação) e garantir o bem-estar de seus habitantes, e determina que o plano 
diretor é seu instrumento básico. Ao mesmo tempo, vincula o cumprimento da função social da 
propriedade (que é direito individual, a despeito de seu caráter social) à observância do plano 
diretor (vide CF/88, art. 182). As disposições do §4º do art. 182, assim como do art. 183 são meras 
consequências desta estratégia constitucional, que efetivamente, especialmente a partir do 
Estatuto da Cidade, vem dando resultados. 
* Plano Diretor 
O tratamento constitucional do plano diretor se dá no capítulo da Política Urbana. Como 
já apontado, há uma visível tentativa de fortalecer o papel deste diploma normativo por parte da 
CF/88. Além das disposições referentes à função social da propriedade, a Carta Magna determina 
que tal é obrigatório para todas as cidades com mais de vinte mil habitantes (o Estatuto da Cidade, 
como será visto, amplia esta obrigatoriedade). 
A ideia que perpassa o texto constitucional é estabelecer um padrão mínimo de exigência 
de normatização para as cidades brasileiras. É de bom alvitre não olvidar que o plano diretor é 
uma lei que positiva um processo de planejamento urbanístico, isto é, que torna obrigatório 
observar o diagnóstico e prognóstico do desenvolvimento urbano capturado em amplo processo 
participativo. 
* Direito ao Meio Ambiente Urbano 
No Brasil, o Direito Ambiental é mais desenvolvido, em termos de amadurecimento de 
seus conceitos e institutos, que o Direito Urbanístico, possuindo já considerável doutrina e 
jurisprudência produzida. Tal condição é refletida no texto constitucional, que trata do tema de 
maneira mais transversal e englobante. De fato, a CF/88 menciona o meio ambiente em diversas 
passagens, sendo certo que seu capítulo específico se localiza no título da Ordem Social (Título 
III – Da Ordem Social, Capítulo VI – Do Meio Ambiente). O Direito Ambiental, embora 
influencie na vida citadina, possui princípios e institutos próprios, diversos do Direito 
Urbanístico. Interessa a nós, nesse instante, verificar o trato constitucional ao meio ambiente 
urbano como fundamento constitucional do Direito Urbanístico. 
Sob esta perspectiva, o meio ambiente (inclusive o urbano) pode ser tutelado via ação 
popular (CF/88, art. 5º, LXXIII), sendo competência material da União, Estados, Municípios e 
Distrito Federal proteger o meio ambiente em todas as suas formas (CF/88, art. 23, VI). É função 
institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública em razão de 
lesão ao meio ambiente (CF/88, art. 129, III – foi visto que a lei da ação civil pública 
expressamente trouxe o tema da defesa da ordem urbanística), sendo princípio geral da ordem 
econômica a sua defesa (art. 170, VI). A defesa do meio ambiente urbano integra o conceito de 
fazer cumprir as funções sociais da cidade, objetivo da política de desenvolvimento urbano. 
* A livre iniciativa e a intervenção estatal 
A livre iniciativa é fundamento tanto da República Federativa do Brasil quanto da sua 
ordem econômica (art. 1º, IV e art. 170, caput). Muito se debate acerca da acepção do termo “livre 
iniciativa” e seu significado constitucional, mas é possível afirmar, sem adentrar em qualquer 
discussão, que o tema tanto se refere à liberdade de comércio e indústria como à liberdade de 
atuação dos agentes privados em concorrência na disputa pelos mercados. 
E mais: a leitura de tais dispositivos em conjunto com o art. 173 da CF/88 (Ressalvados 
os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado 
só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante 
interesse coletivo, conforme definidos em lei.) indica a determinação constitucional de 
subsidiariedade da atuação estatal no campo da exploração da atividade econômica, que deve ser 
devidamente justificada e precedida de lei autorizadora. Na mesma linha, o art. 174 esclarece ser 
o Estado agente normativo e regulador da atividade econômica, sempre sob o princípio da 
legalidade (hoje compreendido em sua acepção ampla), sendo seu planejamento determinante 
para o setor público e indicativo para o setor privado. 
No tocante ao Direito Urbanístico, o reflexo de tal orientação constitucional é bastante 
relevante. Primeiramente, em razão do conhecimento de que a atividade dos empreendedores 
privados é essencial para o desenvolvimento urbano. De fato, além da própria atividade ordinária 
de construção da paisagem urbana com base nas leis de zoneamento ou por intermédio de obras 
de infraestrutura e equipamentos públicos contratados pela Administração Pública, as parcerias 
entre o poder público e o setor privado são essenciais para a implementação dos planos e projetos 
urbanos – tal como ocorre nas operações urbanas consorciadas, concessões urbanísticas, todos os 
tipos de concessões para obras de infraestrutura urbana etc. Em segundo lugar, verifica-se que o 
planejamento urbano veiculado pelas leisurbanísticas (especialmente o plano diretor) excepciona 
a regra do plano estatal: mais que normatizar e orientar, o planejamento urbanístico é de 
observância obrigatória tanto pelos setores públicos quanto pelos privados. A chave para 
compreender tal exceção, já é possível adiantar, é a propriedade urbanística, conformada sob as 
luzes da função social da propriedade. 
* Competência dos entes federados, princípio da legalidade em matéria urbanística e 
processo legislativo em Direito Urbanístico 
A CF/88 determina que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento 
urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, XX). O art. 24, em 
seu inciso I, por sua vez, como já visto, dá competência concorrente à União, Estados e Distrito 
Federal para legislar sobre Direito Urbanístico, sendo certo que incide o conhecido dos §§ 2º e 3º 
do indigitado artigo: caberá à União editar normas gerais sobre o tema, com competência 
suplementar dos Estados, que poderão exercer competência legislativa plena caso não exista a lei 
federal (que você já sabe que existe: é o Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/2001). 
Aliás, aos Estados cabe, de acordo com o art. 25, § 3º, e mediante lei complementar, 
instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por 
agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução 
de funções públicas de interesse comum (também falaremos sobre isso mais adiante), 
especialmente quando estudarmos o Estatuto da Metrópole). 
O protagonista, em termos de legislação urbanística, é o Município (embora esteja 
excluído da competência legislativa concorrente, consoante o art. 24, I, da CF/88, pasmem! Mas 
o art. 30, em seus incisos I, II e VIII, conferem um pouco mais de coerência a esta situação, 
quando da interpretação sistemática.): além do capítulo da Política Urbana, que transforma o 
plano diretor no principal diploma normativo em Direito Urbanístico, pelo art. 30, detém o 
município competência para legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I); suplementar a 
legislação federal e estadual no que couber (inciso II); e para promover, no que couber, adequado 
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação 
do solo urbano (inciso VIII). 
O princípio da legalidade é reconhecido como um dos pilares de sustentação do 
denominado “regime jurídico de direito público”. Parte importante da doutrina nacional fala da 
“crise do princípio da legalidade”, advindo principalmente da constatação de que a lei formal, 
produto do parlamento, não consegue acompanhar o ritmo das mudanças sociais, e tende a regular 
de maneira pouco satisfatória os temas que aborda. Da mesma forma, como “verso da moeda”, é 
identificado o fenômeno da “delegificação” (os “deslegificação”), que consiste na crescente 
regulação de setores ou matérias por intermédio de produção normativa não legislativa – é o caso 
dos regulamentos editados pelas agências reguladoras, por exemplo. Entretanto, não se pode 
identificar tal fenômeno com a volta do primado da arbitrariedade e da subjetividade na 
Administração Pública – não haver lei em sentido formal não significa que não haja 
regulamentação e que não deva haver transparência na gestão e responsabilidade do 
administrador. Faz-se essas considerações porque importa destacar que o Direito Urbanístico, por 
ser um novo e dinâmico ramo do Direito, está lançado no centro deste debate. 
Com efeito , ao mesmo passo que é evidente que temas fundamentais da normatização 
urbanística, especialmente os que veiculam as potencialidades de aproveitamento das 
propriedades imobiliárias urbanas – tais como a conformação da propriedade urbanística e os 
índices de aproveitamento, uso e ocupação do solo – têm que ser objetivamente definidos por lei 
formal, o Direito Urbanístico possui como componente indissociável a construção de normas 
jurídicas em concreto mediante participação dos interessados e a gestão democrática. Em outros 
termos, não só a elaboração como também a aplicação das normas urbanísticas consideram este 
processo, e a aplicação da norma jurídica transmuda a norma jurídica abstrata em norma jurídica 
em concreto. 
Além desse aspecto citado acima, esta participação pressupõe que assuntos referentes a 
Direito Urbanístico serão debatidos pela sociedade, que deverá atingir consensos para a definição 
de pauta legislativas e administrativas tanto de legislação estruturante como de formação de 
políticas públicas de desenvolvimento urbano. Isso significa que há um amplo espaço de atuação 
administrativa praeter legem (e não apenas secundum legem), criando-se, de forma amplamente 
motivada e transparente, e por intermédio de processos públicos e formais, normatizações 
específicas em hipóteses que, em tese, seriam destinadas à regulação por lei. O tema será abordado 
de maneira mais completa na análise do Estatuto da Cidade. Por ora, o que é importante lembrar: 
não há formulação nem implantação de projetos urbanísticos sem ampla participação dos 
interessados, isto é, da sociedade. 
* Direito à cidade e responsabilidade do Estado em matéria urbanística 
O desequilíbrio social no uso e ocupação do solo urbano, especialmente nos grandes 
centros urbanos, desencadeou a busca de um modelo de desenvolvimento de urbanização que 
permitisse a potencial fruição dos benefícios advindos da vida nas cidades a todos os seus 
habitantes. Tais estudos redundaram no consenso sobre a necessidade de universalização do 
acesso às comodidades da vida urbana, seja pelo uso dos serviços e equipamentos públicos, seja 
pela ampla participação dos interessados nas decisões que afetem a população. 
Como resultado deste processo, foi formulada a Carta Mundial do Direito à Cidade, 
redigida no Fórum Social das Américas, em Quito, em julho de 2004, retificada no Fórum 
Mundial Urbano de Barcelona, em setembro de 2004, e ratificada pelo V Fórum Social Mundial 
de Porto Alegre, realizado em janeiro de 2005. O então denominado “direito à cidade” foi 
identificado como um direito coletivo dos habitantes das cidades, especialmente manobrável em 
favor dos grupos hipossuficientes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um 
padrão de vida adequado. 
O documento ainda expõe que o direito à cidade democrática, justa, equitativa e 
sustentável pressupõe o exercício pleno e universal de todos os direitos econômicos, sociais, 
culturais, civis e políticos previstos em pactos e convênios internacionais de direitos humanos por 
todos os habitantes, tais como o direito ao trabalho e às condições dignas de trabalho, o direito de 
construir sindicatos, o direito a uma vida em família, o direito a um padrão de vida adequado, 
incluindo alimentação e vestuário, o direito a uma habitação adequada, à saúde, à água, à 
educação, à cultura etc. Como princípios e fundamentos estratégicos do direito à cidade, 
destacam-se o exercício pleno da cidadania e gestão democrática da cidade, a igualdade (dever de 
evitar a discriminação), a proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis e a função social da 
cidade e da propriedade. 
Sem que se queira diminuir a importância a ser dada ao atendimento das demandas que 
veicula, observa-se que o “direito à cidade” não parece possuir institutos ou princípios próprios. 
É, isto sim, a somatória de institutos e princípios pertencentes cada qual a seu campo próprio do 
direito. É, em resumo, um direito síntese, útil para a abordagem sistemática de regramento e 
incidência das normas jurídicas que engloba. 
Entendido desta forma, verifica-se que seus dispositivos referentes ao direito à cidade 
estão espalhados por todo o corpo constitucional, descabendo aqui relacionar os inúmeros artigos 
referentes ao direito à saúde, habitação, educação etc. presentes na Carta Magna. No tocante ao 
Direito Urbanístico, o direitoà cidade tem utilidade para a fixação dos objetivos da política de 
desenvolvimento urbano e na conformação da ordem urbanística – não há falar-se em uma cidade 
que respeite os direitos individuais sem que se possibilite uma equitativa distribuição dos 
benefícios e ônus decorrentes da urbanização, privilegiando-se o interesse transindividual da 
cidade justa e equilibrada social e economicamente. 
Tal constatação, por sua vez, implica reconhecer que o planejamento urbanístico não 
possui ampla liberdade de definição de metas e prioridades, mesmo que legitimado pelos 
processos de participação popular eventualmente incidentes. Ao revés, não pode deixar de 
contemplar o atendimento das necessidades básicas da população da cidade – o Direito 
Urbanístico, desta forma, é um relevante veículo de implementação do direito à cidade, e sua 
formulação e implantação não podem deixar de considerá-lo. É, pois, o planejamento urbanístico, 
sujeito a esses limites e vínculos. 
Superada esta parte, incumbe agora trazer algumas considerações a respeito da 
responsabilidade do Estado – no caso em questão entenda-se como o ente federado Município – 
em matéria urbanística. Despiciendo dizer que, como regra, a responsabilidade civil do Estado, 
em terrae brasilis, é objetiva (teoria do risco administrativo), ou seja, independe de culpa, 
excepcionando-se, dessa forma, a regra geral insculpida no art. 186 do Código Civil Brasileiro, 
que adota a responsabilidade subjetiva ou extracontratual, não se devendo descuidar que tanto em 
uma modalidade quanto em outra são elementos essenciais a conduta humana voluntária(no caso, 
o fato administrativo), o nexo de causalidade e o dano. 
Entretanto, em matéria urbanística, em que pese também ser aplicada a regra da 
responsabilidade civil objetiva, abre-se espaço para a responsabilização subjetiva do Estado em 
caso de omissão deste. Vale dizer, para que se caracterize a responsabilidade subjetiva do Estado 
há a necessidade da presença de elementos que caracterizem a culpa, originando-se essa do 
descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. 
Resulta, como corolário lógico, que nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva 
não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas comissivas. 
Dito isso, analisa-se a responsabilidade civil do Estado em matéria urbanística à luz de 
uma modalidade de case que, de tão corriqueiro, encontra-se já na esfera de previsibilidade do 
Poder Público: trata-se dos casos de deslizamentos de terra, com o consequente desmoronamento 
de moradias em municípios do Estado do Rio de Janeiro, notadamente localizadas em áreas 
urbanas cuja ocupação é irregular (morros, favelas etc.) Surge, então, a seguinte discussão: trata-
se de caso fortuito (imprevisibilidade)/força maior (inevitabilidade) e, portanto, descabe 
indenização, em função desses elementos se caracterizarem como excludentes do dever de 
indenizar, ou há a responsabilidade civil por omissão, pois que não haveria falar-se em 
imprevisibilidade, vez que esses desmoronamentos já são algo que, de tão comuns, tornaram-se 
previsíveis? 
Parte da doutrina entende que a despeito da patente omissão do Estado no cumprimento 
de vários de seus deveres genéricos (carências nos setores da educação, saúde, segurança, 
habitação, emprego, meio ambiente urbano etc.), não seria cabida a indenização, sob o argumento 
que o atendimento dessas demandas reclamaria a implementação de políticas públicas para as 
quais o Estado nem sempre conta com recursos financeiros suficientes (ou conta, mas investe 
mal!). Tais omissões, por genéricas que são, não renderiam ensejo à responsabilidade civil do 
Estado, mas sim à eventual responsabilização política de seus dirigentes. Argumentam que 
tantas artimanhas comete o Poder Público na administração do interesse público, que a sociedade 
começa a indignar-se e a impacientar-se com referidas lacunas. Compreendem a indignação, mas 
aduzem que o fato não conduz a que o Estado tenha que indenizar toda a sociedade pelas carências 
a que ela se sujeita. 
Em que pese tal tipo de posicionamento ser esposado por autores de vulto, como José dos 
Santos Carvalho Filho, atrevemo-nos a discordar, notadamente pelo fato da possibilidade de o 
Estado cobrar regressivamente de seus agentes que causam danos oriundos de culpa ou dolo – no 
caso em apreço, a culpa pela omissão. Caso contrário, os prejudicados podem ter frustrada sua 
pretensão indenizatória, em função da esquiva de referidos dirigentes, por meio de subterfúgios 
os mais espúrios. Assim, cobra-se do Estado e este, apurando a culpa de seus agentes, que os 
responsabilize. 
Isso porque há nítida omissão por parte do Município em relação a tais edificações, que 
são erguidas ao arrepio da legislação aplicável, e o ente federado nada – ou pouco – faz a respeito, 
no sentido de regularizar os imóveis. Sabem, pois, as autoridades, que os locais são áreas de risco, 
mas não providenciam a retirada dos moradores do local ou realizam obras de proteção 
necessárias à segurança das famílias envolvidas. Ressalte-se que não se pode falar aqui em caso 
fortuito ou força maior, pois não há imprevisibilidade: há décadas esse fenômeno vem 
ocorrendo reiteradamente, estando, pois, em lamentável esfera de previsibilidade. 
Ademais, o artigo 30, inciso VIII, da Constituição da República, atribui ao município a 
obrigação de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante 
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Cabe ao 
município evitar loteamentos irregulares e subsequentes construções clandestinas, sobretudo 
em encostas. 
Em reiteradas ocasiões, os municípios não só permitem como fomentam loteamentos e 
a construção de residências e comércios em locais próximos a referidas áreas de risco e, por 
isso, não podem se omitir na remoção das famílias que ali vivem, não sendo razoável, ainda, 
que continue impassível à espera de outros deslizamentos, com novas vítimas, o que vem 
ocorrendo reiteradamente nos municípios. 
Há ainda outra consequência nefasta nas omissões estatais: a “avalanche” de ações civis 
públicas ajuizadas pelo Ministério Público estadual visando, justamente, compelir o réu a adotar 
medidas urgentes para evitar novas tragédias nesta cidade. Assim, é evidente que o município 
deve ser responsabilizado pelos danos causados aos particulares, sobretudo quando age em 
flagrante omissão aos seus deveres legalmente definidos, pelo que ocasiona prejuízos e 
sofrimentos aos cidadãos. Nessa linha segue a jurisprudência pátria5. 
 
5 Nesse sentido veja-se o processo nº 0088642-89.2010.8.19.0002, que tramita na comarca de Niterói, no 
Estado do Rio de Janeiro, no qual referido município foi condenado a indenizar em R$ 311.000,00 
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10637721/artigo-30-da-constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-de-1988
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10714104/inciso-viii-do-artigo-30-da-constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-de-1988
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988
 Nota de aula 3 
 
* NORMAS GERAIS DE DIREITO URBANÍSTICO 
 
* A lei nº 10.257 – Estatuto da Cidade 
É induvidoso que a lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade (EC) – se traduz na 
principal legislação em matéria urbanística do direito brasileiro. Assim, é forçoso que 
neste momento inicial da disciplina sejam analisados os principais princípios que ilustram 
a interpretação e aplicação do Direito Urbanístico, suas diretrizes gerais de política 
urbana, materializadas notadamente no art. 2º de referida lei, verdadeiro vetor de 
interpretação e produção de normas jurídicas. É referida lei o regulamento que visa a 
“esmiuçar” os arts. 182 e 183 da CF/88. Já no parágrafo únicode seu art. 1º, anuncia que 
veio para estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da 
propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, 
bem como do equilíbrio ambiental. Uma tarefa hercúlea, diga-se. 
Para tanto, a lei se estrutura na seguinte conformidade: o Capítulo I inicia com as 
diretrizes gerais de política urbana, estudadas com mais vagar logo adiante, e em seguida, 
trata das competências da União em sede de política urbana. Passa, a seguir, no Capítulo 
II, a disciplinar os instrumentos em geral; na Seção II, do parcelamento, edificação ou 
utilização compulsórios; na Seção III, do IPTU progressivo no tempo; na Seção IV, da 
desapropriação com pagamento em títulos; na Seção V, da usucapião especial de imóvel 
urbano; na Seção VII (a Seção VI – arts. 15 a 20 – foi inteiramente vetada), trata do direito 
de superfície; na Seção VIII, do direito de preempção; na Seção IX, da outorga onerosa 
do direito de construir; na Seção X, das operações urbanas consorciadas; na Seção XI, da 
transferência do direito de construir e na Seção XII trata do estudo de impacto de 
vizinhança. O Capítulo III trata exclusivamente do plano diretor; o Capítulo IV, da gestão 
democrática da cidade e o Capítulo V traz as disposições gerais. A leitura atenta do texto 
da lei é altamente recomendável, pois a maioria dos temas é detalhada – como em todo 
bom regulamento –, para a sua compreensão. 
 
(trezentos e onze mil reais) ex-morador do “Morro do Bumba”, que perdeu sua casa, parentes e amigos 
em função de deslizamento de terra no dia 6 de abril de 2010. 
O Estatuto da Cidade, pois, veio com a pretensão de pôr fim à prolongada 
“adolescência” do Direito Urbanístico Brasileiro. Coube à então novel legislação o 
desafio de consolidá-lo (fixando conceitos e regulamentando instrumentos), de lhe 
conferir articulação, tanto interna (estabelecendo os vínculos entre os diversos 
instrumentos urbanísticos) quanto externa (fazendo a conexão de suas disposições com 
as de outros sistemas normativos, como as de direito imobiliário e registral) e, desse 
modo, viabilizar sua operação sistemática. 
O Estatuto da Cidade passou dez anos tramitando no Legislativo. Desde a 
propositura do projeto de lei nº 5.788/1990, da Câmara dos Deputados, as ideias de como 
deveria ser esta norma geral da União foram amadurecendo, e tomando corpo. Ao final, 
houve uma opção deliberadamente didática do legislador infraconstitucional: o Estatuto 
da Cidade, além de trazer as diretrizes da política de desenvolvimento urbano, funciona 
como uma espécie de “cartilha” para a elaboração das leis dos planos diretores dos 
municípios brasileiros, pois traz conteúdo obrigatório, orienta a formulação e aplicação 
da legislação etc. 
Desde já é importante, por outro lado, destacar que o Estatuto da Cidade promove, 
com seu texto, alteração na própria leitura e interpretação dos instrumentos voltados à 
consecução da política de desenvolvimento urbano. De fato, a expressão estabelece 
normas de ordem pública e interesse social, embora pareça redundante, não se mostra 
despropositada. Pareceria redundante, pois, tratando-se de normas urbanísticas, inseridas 
no âmbito do direito público, que configuram logicamente preceitos de ordem pública. 
No entanto, o legislador talvez quisesse ressaltar e tornar clara uma nova conformação de 
direitos ou de figuras jurídicas classicamente vislumbradas sob o ângulo privado. Neste 
diapasão, o conceito de propriedade em zona urbana deve conciliar-se com o interesse 
geral. 
- Diretrizes gerais de política urbana 
No Brasil, o planejamento urbanístico configura-se como verdadeiro dever 
jurídico do Poder Público, tendo por escopo elaborar planos com a finalidade de cumprir 
o comando do caput do art. 182 da CF/88. O art. 182, por sua vez, determina que tal 
política terá por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade 
e garantir o bem- estar de seus habitantes. Recapitulando mais um pouco, já foi dito que 
as funções sociais da cidade, reveladas na Carta de Atenas (1933), são as de circulação, 
trabalho, lazer e habitação. 
Para que seja alcançado tal desiderato, o ordenamento jurídico positivo determina 
a observância de postulados, procedimentos e formalidades específicas, especialmente as 
diretrizes gerais da política urbana arroladas no Estatuto da Cidade. O ordenamento 
jurídico vigente no Brasil não se limita a possibilitar o acolhimento, por intermédio da 
lei, dos resultados do planejamento urbanístico: ele (Estatuto da Cidade), por si próprio, 
determina como se realizará material e formalmente tal planejamento, bem como ordena 
o acompanhamento da sua implantação e a aferição dos resultados de atuação do Poder 
Público e de particulares. 
- Diretrizes urbanísticas 
As diretrizes gerais da política urbana trazidas pelo Estatuto da Cidade subsidiarão 
o planejamento urbanístico, e serão os elementos objetivos que permitirão aferir o alcance 
das metas e proposições entabuladas nos planos urbanos. Atente-se para o fato segundo 
o qual as diretrizes, em Direito Urbanístico, não são princípios. Princípios são 
mandamentos de otimização do sistema, que possuem por característica, além de serem 
vetores interpretativos, sua aplicação por intermédio do processo de ponderação – no 
caso concreto afasta-se determinado princípio em “homenagem a outro. Um exemplo 
simples: no julgamento da ADIn da “Lei da Ficha Limpa”, privilegiou-se o princípio da 
probidade em detrimento do princípio da presunção de inocência (o sujeito é ficha suja 
mesmo antes de transitar em julgado seu processo, bastando a condenação por órgão 
colegiado – ADC’s 29 e 30 e ADIn 4.578, todas do STF). 
Tampouco as diretrizes de Direito Urbanístico possuem a densidade normativa 
suficiente para serem consideradas regras, pois estas laboram no processo de subsunção, 
isto é, preveem situações no mundo abstrato que, quando e se havidas no “mundo real”, 
devem provocar a incidência da norma em uma sistemática de correspondência absoluta, 
para serem efetivamente consideradas “regras”. Um outro exemplo simples: a norma 
jurídica penal prevê que matar alguém é crime, e quando ocorrida tal situação no “mundo 
real”, a norma incide, devendo o infrator se sujeitar às sanções na legislação penal 
existentes. Dessa forma, urge solver a indagação: o que são, pois, as diretrizes de Direito 
Urbanístico? 
São indubitavelmente preceitos jurídicos. Vale dizer, são normas de ordem 
pública, aplicáveis independentemente da vontade de quem está a tais sujeito. Ocupam, 
contudo, um espaço intermediário entre os princípios e as regras. Explica-se. As diretrizes 
urbanísticas, que além do Estatuto da Cidade aparecem em cada lei urbanística que se 
preze, cumprem duas funções essenciais: são vetores de interpretação e de produção da 
legislação urbanística. Elas veiculam as enunciações estipuladas pelo planejamento 
urbano, que, como já exposto, dão suporte valorativo (legitimam) a legislação positivada. 
Não podem, contudo, ser afastadas pelo intérprete da lei: caso, e se surgida no caso 
concreto viabilidade de fazer incidir a diretriz de legislação urbanística, ela deverá ser 
necessariamente aplicada. 
Da mesma forma, em regra, deverá atentar o legislador para as diretrizes 
urbanísticas já existentes (especialmente as do plano diretor) quando da elaboração de 
novas leis urbanísticas. Em outros termos, ainda que possam trazer termos genéricos e 
abertos (é possível interpretar o que significa aquela diretriz para o caso concreto), as 
diretrizes têm incidência inafastável e devem ser consideradas, sempre que surgida a 
oportunidade de sua aplicação. 
Por outro lado, exatamente em razão de estipularem ideias, partidos urbanísticos, 
destinações urbanísticas, conceitos muito próximos do urbanismo e da políticaurbana, as 
diretrizes urbanísticas (em regra, é claro) carecem da concretude suficiente para serem 
identificadas como regras jurídicas – pois nestas ou incide e se aplica, ou não incide e 
não se aplica. Somente em um exemplo, o inciso “I” do artigo 2º do Estatuto da Cidade 
estabelece o direito a cidades sustentáveis. Não há sanção possível ao descumprimento 
desta determinação, mas haverá de estipulações legais mais concretas estabelecidas em 
sua harmonia. 
Num conceito, por diretrizes urbanísticas deve-se entender normas jurídicas de 
ordem pública intermediárias entre as regras e os princípios jurídicos, caracterizadas 
como vetores de produção e de interpretação da legislação urbanística, e que não 
podem ser afastadas caso surja a situação fática ou jurídica que autoriza a sua 
incidência. Do ponto de vista urbanístico, são aspirações formuladas num ambiente de 
positivação da política de desenvolvimento urbano; do ponto de vista legal, são preceitos 
de observância obrigatória para quem elabora e aplica a lei urbanística, verdadeiras 
positivações de opções fundamentais no tocante a metas, finalidades de atuação do Poder 
Público (isoladamente ou em cooperação com o setor privado), cujo alcance visa à 
consecução de objetivos coletivos. 
- Classificação das diretrizes de política urbana do Estatuto da Cidade 
Para que os anseios da política de desenvolvimento urbano sejam atendidos, o 
ordenamento jurídico positivo determina a observância de postulados, procedimentos e 
finalidades específicas, com protagonismo, no Brasil, para o referido art. 2º do EC. As 
diretrizes de política urbana podem ser classificadas de acordo com as suas finalidades. 
Eis a classificação: 
a) diretrizes governamentais: dependem da atuação do poder público, com o planejamento 
do desenvolvimento das cidades e das atividades econômicas do município e a proteção 
ao meio ambiente; 
b) diretrizes sociais: têm por escopo proporcionar algum tipo de benefício direto à 
coletividade, ou que franqueiam a participação da comunidade no processo de 
urbanização. Exemplos de tais diretrizes são o direito a cidades sustentáveis para as 
coletividades presentes e futuras e a distribuição equitativa de benefícios e ônus oriundos 
do processo de urbanização; 
c) diretrizes econômico-financeiras: dizem respeito aos recursos e investimentos alocados 
ou obtidos para o fim de desenvolvimento do processo de urbanização. É possível citar o 
dever de compatibilização dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira 
de modo a privilegiar investimentos que propiciem o bem-estar geral como exemplo 
destas diretrizes; 
d) diretrizes relativas ao solo urbano: correspondem aos vários instrumentos destinados 
ao processo de uso e ocupação do solo urbano. Destaca-se entre estas, a de ordenação e o 
uso do solo com o intuito de impedir situações nocivas à coletividade; e 
e) diretrizes jurídicas: caracterizam-se por terem pertinência direta com o Direito 
Urbanístico, como, v.g., o modo de produção e execução de normas 
- Diretrizes gerais de política urbana em espécie 
As diretrizes gerais de política urbana em espécie estão materializadas nos dezoito 
incisos do art. 2º do Estatuto da Cidade. Vale dizer, são vetores interpretativos e de 
observância na produção de normas jurídicas. Reza o caput do art. 2º: 
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das 
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes 
gerais: 
Percebe-se, já no caput, que há um retorno às ideias do texto constitucional: pleno 
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (são essas as duas 
constantes que se consegue extrair dos dezoito incisos). E a determinação é clara: não há 
opção para os outros entes federativos no tocante ao estabelecimento da política de 
desenvolvimento urbano, isto é, por mais que sejam respeitadas as características locais, 
estas diretrizes terão que ser contempladas nas leis urbanísticas, especialmente nos planos 
diretores. 
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra 
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e 
aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; 
A lei nem se “preocupa” em deixar ao intérprete cogitar o que deve ser entendido 
como “cidade sustentável”. Para que esta se caracterize, devem ser garantidos os direitos 
ali estabelecidos. Tarefa nada simples, fortemente calcada na ideia de justiça social. 
Outras diretrizes do art. 2º serão, em verdade, desdobramentos deste inciso. 
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações 
representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e 
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; 
Também este item se desdobrará em ouras diretrizes e capítulos do Estatuto da 
Cidade (notadamente nos arts. 43 a 45). A gestão democrática das cidades foi 
plenamente endossada pela Constituição Federal de 1988 através de uma série de 
instrumentos jurídico-políticos que tem por objetivo ampliar as condições de participação 
direta no processo decisório mais amplo (art. 2º, II, da lei nº 10.257/01, que regula os arts. 
182 e 183 da CF/88). 
Não só no Capítulo IV o Estatuto da Cidade refere-se à gestão democrática. Há 
várias normas esparsas sobre gestão democrática nas cidades. Há, em seu todo, diversas 
normas esparsas que se afinam, direta ou indiretamente, com a forma compartilhada de 
gestão municipal estabelecida no capítulo específico que trata do tema. 
As primeiras referências feitas pelo novel diploma legal à gestão democrática 
constam dos incisos II, III e XIII do seu artigo 2º, que veicula as suas diretrizes gerais. 
Pode-se afirmar, neste passo, que a gestão democrática, a cooperação entre governo, 
iniciativa privada e população no processo de urbanização e a obrigatoriedade de 
audiência do poder público municipal e da população interessada para a implantação de 
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio 
ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população são, na realidade, 
princípios jurídicos, vetores para a interpretação tanto das demais normas do próprio 
Estatuto, quanto da legislação que lhe dá complemento, em qualquer nível. Cabe ressaltar, 
aqui, que a norma abrange a visão de impacto ambiental, tradicionalmente vinculado 
apenas ao meio ambiente natural. 
Em seguida, ao disciplinar os chamados instrumentos de política urbana, 
novamente o Estatuto traz regramentos relacionados à gestão democrática: a gestão 
orçamentária participativa (artigo 4º, II, "f", esmiuçada no artigo 44, adiante analisado); 
o plebiscito e o referendo (artigo 4º, II, "s") e os estudos prévios de impacto de vizinhança 
(EIV) e de impacto ambiental (EIA) (artigo 4º, VI). 
O parágrafo 3º do artigo 4º também estabelece o chamado controle social do 
dispêndio de recursos, exigindo a participação da comunidade no controle da utilização 
dos instrumentos de política urbana que demandem o dispêndio de recursos públicos. 
A efetividade da norma restou comprometida pelo veto aposto ao artigo 52, I do 
Estatuto, que estabelecia hipótese de improbidade administrativa para o prefeito que 
dificultasse o controle social, já que "tristemente, a tradição brasileira tem demonstrado 
existir um vínculo significativo entre a eficácia das normas e a força das sanções 
correspondentes para o caso de seu descumprimento". 
Nas razões do veto invocou-se um pseudocaráter político do controle social, para 
vetá-la por contrariedade ao interesse público. Nos parece que tais adotam um 
posicionamento conservador que já não mais impera no seio do Direito Constitucional e 
Administrativo. O caráter político do controle prevalece até que normas jurídicas 
instituamsua obrigatoriedade, o que lhe dá, então, caráter jurídico. Mesmo que fosse 
necessária uma disciplina mais pormenorizada do tal controle social do dispêndio de 
recursos, entendemos que a hipótese de improbidade administrativa que havia sido 
traçada contribuiria decisivamente para a eficácia do § 3º, acima citado. 
O artigo 33, VII, exige que a lei específica que aprove a constituição de uma 
operação urbana consorciada preveja controle compartilhado da operação com a 
sociedade civil. O artigo 37, parágrafo único, exige a publicidade dos documentos 
integrantes do Estudo de Impacto de Vizinhança. A mesma exigência de publicidade é 
repetida com relação ao Plano Diretor, no artigo 40, § 4º da lei sob comento. 
A exigência é integralmente compatível com o princípio da publicidade. E, para 
além disso, a publicidade representa verdadeira condição para a participação, pois a 
participação popular tem como pressuposto o respeito ao direito à informação, como meio 
de permitir ao cidadão condições para tomar decisões sobre as políticas e medidas que 
devem ser executadas para garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da 
cidade. 
Ademais, o acesso às informações é elemento primordial para a democratização 
da gestão da cidade, que deverá ser utilizado por qualquer cidadão e não apenas pelos 
órgãos da administração municipal, permitindo eliminar a apropriação indevida do 
conhecimento sobre a cidade por pequenos grupos de técnicos e servidores da máquina 
estatal, que atendem apenas os interesses da minoria privilegiada que sempre teve acesso 
às instâncias do poder municipal". 
Garantir a publicidade e garantir o acesso às informações englobam condutas 
diversas da administração: a imposição de publicidade exige uma "postura ativa a ser 
tomada pela Administração"; permitir o acesso, por sua vez, implica numa "postura de 
receptividade em relação a quem queira se inteirar dos assuntos de público interesse". 
Em nenhum momento as normas estabelecem o prazo mínimo para que as 
informações fiquem à disposição do público. O atendimento à exigência dependerá da 
análise do caso concreto, onde deverá ser levada em consideração, v.g., a complexidade 
do assunto tratado. Caso conclua-se pela insuficiência do prazo fixado em concreto, é 
perfeitamente possível a correção judicial da ilegalidade, sem prejuízo do enquadramento 
da conduta do prefeito municipal como improbidade administrativa (artigo 52, VI). 
O processo de elaboração do Plano Diretor também é objeto das preocupações 
democráticas do Estatuto. Vislumbra-se uma preocupação considerável com a superação 
do chamado planejamento de gabinete, que provocou uma espécie de "discurso 
esquizofrênico" nas Administrações e funcionou como grande "gerador de 
desigualdades", por não levar em consideração a grande parcela da população que vivia - 
e vive - à margem da legalidade. Reconhece-se a cidade com um "palco de conflitos", que 
somente podem ser satisfatoriamente resolvidos em "espaços democráticos de negociação 
entre os diversos atores urbanos". 
Aliás, merece transcrição a lição lapidar de José Afonso da Silva sobre a exigência 
de um planejamento participativo: 
É um completo engano pensar que a democracia atrapalha do planejamento, 
mesmo porque, se esta antinomia fosse verdadeira, seria correto eliminar imediatamente 
o planejamento. Ao contrário, o planejamento é uma forma de organizar a democracia e 
de exprimi-la. O que devemos dizer, de forma clara e tranquila, é que este tipo de 
planejamento toma o partido da maioria da população da cidade e a defende, aliás, por 
isso ele é democrático. 
As exigências estabelecidas no artigo 40, § 4º atingem tanto o Poder Executivo 
como o Poder Legislativo. Portanto, é obrigatória a realização de audiências e debates no 
âmbito de ambos os poderes, não restando cumprida a exigência se apenas um deles os 
realizar. E trata-se de verdadeira obrigatoriedade, com o que o legislador afastou-se da 
sistemática adotada na Lei de Processo Administrativo Federal, onde a realização é 
apenas uma faculdade do Poder Público. 
O Estatuto também não estabeleceu os requisitos formais para a realização das 
audiências e debates, mas a análise do caso concreto tornará possível a constatação do 
cumprimento ou não das exigências. A lei municipal poderá, obviamente, estabelecer o 
procedimento a ser seguido nas convocações de audiências públicas e debates, mas sua 
eventual inexistência não tornará inaplicável a exigência do Estatuto, que reúne todos os 
elementos necessários à sua aplicabilidade imediata. 
Com efeito, a lei estabeleceu verdadeiro requisito de validade do Plano Diretor, 
em estreita vinculação com o estabelecido no artigo 29, VII, da Constituição Federal. 
Adotando-se como correta a concepção ampla de forma do ato administrativo, que a 
encara não apenas como a sua exteriorização, mas também como o conjunto de todas as 
formalidades que devem ser obedecidas no processo de gestação do ato, a inobservância 
das formalidades procedimentais estabelecidas evidentemente gera a sua invalidade. 
Não há dúvida, pois, que a observância das formalidades constitui requisito de 
validade do ato administrativo, de modo que o procedimento administrativo integra o 
conceito de forma. No direito administrativo, o aspecto formal do ato é de muito maior 
relevância do que no direito privado, já que a obediência à forma (no sentido estrito) e ao 
procedimento constitui garantia jurídica para o administrado e para a própria 
Administração; é pelo respeito à forma que se possibilita o controle do ato administrativo, 
quer pelos seus destinatários, quer pela própria Administração, quer pelos demais Poderes 
do Estado. 
As normas específicas sobre gestão democrática são tratadas no Capítulo IV do 
Estatuto da Cidade. De início, podemos afirmar que na disciplina estabelecida sobressai 
um caráter processual, do que se extrai que a ideia foi atingir uma legitimação da gestão 
pública através do procedimento. 
O artigo 43 começa por arrolar os instrumentos que deverão ser utilizados para 
garantir que a gestão das cidades se faça de forma democrática. O rol aí utilizado é 
meramente exemplificativo, o que fica claro pelo uso da expressão "entre outros". Não se 
especificou o que o legislador pretende quando fala em órgãos colegiados de política 
urbana. Com base nas experiências já havidas em nosso país em matéria de gestão 
democrática, podemos extrair dois modelos básicos que poderiam ser adotados: aqueles 
com participação exclusiva da sociedade civil (denominados os Conselhos Populares); e 
aqueles compostos por representantes do Poder Público e da sociedade civil, em 
composição paritária (cadeiras divididas entre representantes da sociedade e do governo) 
ou tripartite (composto de um terço de representantes do governo; um terço da sociedade 
civil organizada e um terço de representantes escolhidos livremente pela população). 
A liberdade para a instituição de tais órgãos colegiados é grande, e cada município 
poderá adotar a estrutura que mais lhe aprouver. O que deve ficar consignado é que, 
segundo pensamos, alguns requisitos mínimos devem ser observados, que são extraídos 
da interpretação sistemática e teleológica do Estatuto e de suas bases constitucionais. 
Em primeiro lugar, a prerrogativa de indicar os membros de tais órgãos deve ser 
atribuída ou às sociedades civis que nele têm assento, ou à população, no caso da 
composição tripartite acima mencionada. Não é cabível a atribuição de tal poder ao Chefe 
do Executivo ou a qualquer órgão governamental, pois isso desvirtuaria o caráter de 
colegiado democrático que a legislação objetivou imprimir a tais conselhos. 
Ademais, a composição do órgão deve garantir a participação de todos os 
segmentos sociais relevantes no município, o que, inclusive, pode ser pleiteado através 
de ações judiciais a serem patrocinadas pelos interessados.Também a inexistência de mandato fixo para os representantes das organizações 
não governamentais é uma imposição que acreditamos decorrer diretamente do sistema 
adotado pela lei. O mandato de tais conselheiros pertence, na realidade, às associações 
civis que representam. É, pois, um mandato com características de imperativo. 
Questão tormentosa é saber se as decisões de tais órgãos colegiados, ou mesmo as 
conclusões extraídas de uma audiência pública são ou não vinculantes para o poder 
público. Cremos que tal efeito não foi expressamente previsto pelo Estatuto, mas poderá 
ser legalmente adotado no âmbito de cada município, como bem destacado por Maria 
Paula Dallari Bucci: 
A atribuição de funções deliberativas ao Conselho esbarrará nas matérias em 
relação às quais o Estatuto da Cidade ou outras normas exijam edição de lei específica, 
reservando, portanto, competência ao Poder Legislativo. Contudo, em relação a outras 
matérias, não cobertas por essa vedação, poderá ser atribuído ao conselho poder de 
deliberar sobre aspectos de fundo, os quais se tornarão elementos vinculantes ou de forte 
poder persuasório para a expedição de atos administrativos ou legislativos subsequentes. 
Ainda que a vinculação não seja adotada, o simples fato de haver uma deliberação 
de um órgão colegiado, ou um posicionamento colhido em audiência pública, torna 
imprescindível uma extensa motivação por parte da autoridade pública que pretender agir 
em desconformidade com o decidido. Paulo de Bessa Antunes, ao tecer considerações 
sobre a audiência pública no processo de licenciamento ambiental, e concluir pela sua 
natureza consultiva, vai ao ponto crucial da questão: "Penso que aqui se estabeleceu um 
dever de levar em conta a manifestação pública. Este dever se materializa na obrigação 
jurídica de que o órgão licenciante realize um reexame, em profundidade, de todos os 
aspectos do empreendimento que tenham sido criticados, fundamentadamente, na 
audiência pública". 
A seguir, o Estatuto refere-se aos debates, audiências e consultas públicas. Valem 
aqui o que já foi dito a respeito da vinculação das decisões dos Conselhos. O que se busca 
atingir é a fase de gestação dos atos de governo. Se nela não houve a participação popular, 
seu resultado - o ato de governo propriamente dito - é inválido. 
As hipóteses de obrigatoriedade da realização de audiências, debates e consultas 
serão estabelecidas pela legislação de cada ente federado. Mas o próprio Estatuto já prevê 
um caso de audiência obrigatória: artigo 2º, XIII, que a torna imprescindível para a 
instalação de empreendimento potencialmente danoso. 
Sempre que a audiência pública (ou, no mesmo passo, as consultas e debates) for 
prevista como obrigatória, sua realização deve ser encarada como verdadeiro requisito de 
validade do procedimento administrativo: 
Utilizando-nos da teoria da linguagem, podemos afirmar que a audiência pública 
é um evento, que, depois, feita a competente ata documentando-o, passa a ser relevante 
para o direito como fato administrativo, pois jurisdicizado, e absolutamente necessário 
para compor o procedimento, a preceder - nesses casos assinalados - o ato administrativo 
do edital. Portanto, temos a necessidade de um fato jurídico preliminar ao edital para 
validá-lo, fato jurídico este que será documentado pela Ata da Audiência, esta 
constituindo-se no ato administrativo inicial do procedimento. 
Também são mencionadas as conferências sobre assuntos de interesse urbano. São 
"foros para a formação de uma cultura de participação popular e consulta democrática na 
formulação de políticas, do que propriamente como um expediente legal vinculante". 
A iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de 
desenvolvimento urbano vem prevista no inciso IV. A norma inova ao diferenciar a 
iniciativa de projetos de lei daquela referente a planos, programas e projetos de 
desenvolvimento urbano. Não se olvide, aqui, da natureza jurídica de lei dos planos 
urbanísticos. Não estamos perante uma desvinculação das políticas públicas da estrita 
legalidade. No Brasil, "todo plano urbanístico há de ser aprovado por lei". Mas nos parece 
que o legislador instituiu uma verdadeira iniciativa da gestação de políticas públicas, a 
ser manifestada perante o executivo. Através dela, portanto, a população desencadearia 
um processo de planejamento urbano, dentro da Administração. 
Em matéria de iniciativa popular devemos rechaçar posicionamentos doutrinários 
que insistem em supervalorizar o princípio representativo. Insistimos, como já explicitado 
na parte inicial do presente estudo, que nosso texto constitucional adotou a democracia 
participativa como princípio fundamental, reflexo direto da soberania popular. Portanto, 
a iniciativa popular é cabível ainda que a matéria do projeto seja de iniciativa privativa 
do chefe do executivo. 
O inciso V do artigo 43, vetado, arrolava como instrumentos de gestão 
democrática o referendo e o plebiscito. A razão principal do veto é a existência da Lei 
9.709, de 18 de novembro de 1.998, que já regula tais institutos. Não nos parece que a 
existência da legislação sobre o tema deva funcionar como causa do veto. O Estatuto não 
buscou interferir na sistemática legal de tais institutos, mas apenas, num esforço de 
sistematização, arrolá-los como instrumentos para garantir a gestão democrática das 
cidades. 
Em que pese a existência do veto, tais instrumentos continuam arrolados no artigo 
4º do Estatuto, como instrumentos de política urbana, e deverão ser objeto de legislação 
municipal que delimitará os "temas que podem ser objeto de referendo e plebiscito e as 
matérias referentes à fase de solicitação e da aprovação destes pela Câmara Municipal". 
No artigo 44, o Estatuto estabelece o que vem sendo chamado de gestão 
orçamentária participativa. A realização de audiências públicas, debates e consultas sobre 
as propostas das três leis orçamentárias, é alçada ao nível de verdadeira condição de 
procedibilidade do orçamento. Sem a realização de tais providências democratizantes, 
não poderá haver a aprovação das leis do orçamento pelo legislativo. 
"Em verdade, a participação popular no orçamento, por exemplo, passa a ser 
obrigatória, o que leva à conclusão de que, em sua ausência, o processo de elaboração do 
orçamento é viciado, podendo ensejar disputa judicial Imagine-se que não tenha havido 
qualquer audiência pública, não pode o juiz entender inexistente o orçamento ou ser ele 
nulo? Poderá, em ação civil pública, conceder liminar a fim de o prefeito ou a Câmara 
proceder nos termos da lei, ouvindo a comunidade? Será que isso não é ingerência de um 
poder no outro? Parece-nos que a lei erigiu a participação popular (por qualquer forma 
que se a entenda) como ''condição obrigatória'' para aprovação do orçamento e, pois, 
requisito de validade, o que admite o controle judicial, uma vez que se cuida de legalidade 
do ato que venha a ser emanado". 
Por fim, o Estatuto obriga, em seu artigo 45, que os organismos gestores das 
regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas incluam significativa participação 
popular e de associações civis como forma de controle de suas atividades. 
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da 
sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; 
O desenvolvimento urbano é uma ação de cooperação entre Poder Público e 
particulares. Se o Estado detém as prerrogativas inerentes às suas funções, quem detém o 
dinheiro para promover as transformações urbanas são os particulares – tanto o 
proprietário que constrói uma casa em seu terreno quanto o concessionário de uma grande 
obra de infraestrutura urbana estão neste conceito. O Estatuto da Cidade reconhece esta 
condição e, pedagogicamente, relembra que esta cooperação deverá atentar ao interesse 
social – ainda que este seja um conceito

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