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TBL3.2LipoprotenasedislipidemiasLeituraprvia_20220525235815

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120 RBAC. 2017;49(2):120-6
Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e
impactos na homeostasia
Pathophysiological aspects of atherogenic dyslipidemia and impact on homeostasis
Taiane de Macêdo Gondim1
Laise Eduarda Paixão de Moraes1
Italaney Fehlberg2
Vanessa da Silva Brito2
Artigo de Revisão/Review Article
Resumo
A dislipidemia aterogênica em sinergismo com a existência de transtornos metabólicos
como diabetes mellitus tipo 2, síndrome metabólica, hipertensão arterial sistêmica e obesi-
dade, e outros fatores como tabagismo, hábitos alimentares e estresse é reconhecida como
um quadro associado a doenças cardiovasculares. Embora o papel da alteração do perfil
lipídico neste processo esteja a certo ponto estabelecido, ilustrado por uma elevação das
concentrações de CT, triglicerídeos e LDL-C, e da diminuição da HDL-C, os mecanismos
pelos quais há a intervenção na hemostasia ainda não estão completamente elucidados,
limitando questões clínicas e terapêuticas. No presente trabalho foi realizada uma revisão
não sistemática acerca das possíveis alterações hemostáticas associadas à dislipidemia
aterogênica descritas atualmente na literatura, o que permitiu uma sumarização dos acha-
dos descritos até então.
Palavras-chave
Aterosclerose. Dislipidemias. Homeostasia. Lipoproteínas
1Especialista em Análises Clínicas pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil.
2Mestre em Imunologia Clínica pela Universidade Federal da Bahia – UFBA – Salvador, BA, Brasil.
3Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil.
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil.
Artigo recebido em 23/01/2016
Artigo aprovado em 31/03/2016
DOI: 10.21877/2448-3877.201600462
INTRODUÇÃO
 As dislipidemias são causadas por alterações me-
tabólicas que ocorrem em resposta a distúrbios nas eta-
pas do metabolismo lipídico. Como resultado, o perfil
lipídico sérico sofrerá alterações e estas podem incluir
aumento do colesterol total (CT), do triglicérides (TG), do
colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e
diminuição do colesterol da lipoproteína de alta densida-
de (HDL-c).(1) De acordo com a Diretriz Brasileira de Disli-
pidemias e Prevenção da Aterosclerose (2013), as dislipi-
demias podem ser classificadas em primárias quando exis-
tem bases genéticas, e em secundárias quando associa-
das a outras doenças, ao uso de medicamentos e/ou ao
estilo de vida do indivíduo. A dislipidemia primária pode
ainda ser classificada fenotipicamente de acordo com os
componentes lipídicos que se apresentam alterados, com-
preendendo quatro grupos bem definidos: (i) hipercoles-
terolemia isolada, (ii) hipertrigliceridemia isolada, (iii)
hiperlipidemia mista e (iv) diminuição isolada do HDL, com
associação ao aumento do LDL e/ou dos TG. Este último
perfil se destaca por ilustrar a condição da dislipidemia
aterogênica, a qual ainda é geralmente associada a tole-
rância à glicose prejudicada, resistência à insulina, exces-
so de peso e/ou gordura corporal, e comorbidades como
diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. A
união destes fatores exerce um efeito sinérgico para o de-
senvolvimento de doenças cardiovasculares.(2) Esta revi-
são tem como objetivo discutir possíveis associações en-
tre a fisiopatologia da dislipidemia aterogênica e altera-
ções na homeostasia.
LIPÍDEOS E LIPOPROTEÍNAS
Os lipídios são moléculas orgânicas insolúveis em
água resultantes da associação entre ácidos graxos, de
cadeias curtas, médias ou longas; e glicerol, estando dis-
tribuídos por todos os tecidos do organismo. Entre as prin-
cipais formas existentes podemos destacar os trigli-
cerídeos e fosfolipídios. Estas formas são as mais abun-
dantes no corpo humano e desempenham funções cruciais
para o metabolismo energético. O triglicerídeo é o lipídeo
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mais comum na alimentação, empregado como fonte de
energia para o corpo, enquanto que os fosfolipídios atuam
como componente estrutural das membranas celulares.
Devido à sua natureza hidrofóbica, os lipídeos são incapa-
zes de circular livremente pelo sangue, sendo necessário
um meio de transporte que permita sua distribuição aos ór-
gãos e tecidos. Ácidos graxos de cadeias curta e média
podem circular pelo sangue quando ligados à albumina, uma
vez que são mais solúveis comparados aos ácidos graxos
de cadeia longa. Estes últimos carecem de conversão em
triglicerídeos para serem transportados pelas lipoproteínas.(1)
As lipoproteínas são moléculas solúveis organizadas de
modo a possibilitar o transporte de lipídios entre os tecidos
periféricos e a corrente sanguínea.(3) São formadas basica-
mente por um núcleo hidrofóbico, composto por triglicerídeos
e ésteres de colesterol, recobertas por uma membrana
anfipática formada por fosfolipídios, colesterol livre e
apolipoproteínas (ou apoproteínas), as quais serão discuti-
das em seguida.(1) Existem quatro classes de lipoproteínas
plasmáticas: (i) quilomícrons, (ii) lipoproteína de densidade
muito baixa (VLDL), (iii) lipoproteína de densidade baixa
(LDL) e (iv) lipoproteína de densidade alta (HDL).(1) Na Ta-
bela 1, é possível observar algumas das características bio-
químicas de cada lipoproteína.
Tabela 1 - Características bioquímicas das lipoproteínas
Lipoproteína Densidade Principal
Componente
Apolipoproteínas Diâmetro
Quilomícrons <0.95 kg/L Triglicerídeos apoB48, apoAI, apoC, apoE2,
apoE3 e apoE4
75-1.200 µM
VLDL 0.95-1.006 kg/L Triglicerídeos apoB100, apoC, apoE2, apoE3,
apoE4, apoAI e apoD
30-800 µM
LDL 1.019-1.063 kg/L Colesterol apoB100, apoAI, apoAIV e apoD 18-25 µM
HDL 1.063-1.210 kg/L Proteínas apoAI, apoAII, apoC, apoE2,
apoE3, apoE4 e apoD
5-122 µM
QUILOMÍCRONS
Os quilomícrons são as lipoproteínas de maior diâ-
metro e menor densidade. São responsáveis pelo trans-
porte dos triglicerídeos provenientes da alimentação. A
composição consiste em triglicerídeos, colesterol livre,
fosfol ipídios e uma pequena fração proteica. Os
quilomícrons são gerados por células intestinais e
secretados na linfa, através da qual alcançam a corrente
sanguínea. No sangue, sofrem ação da lipoproteína lipase
(LPL), enzima responsável pela degradação dos
triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos
podem ser oxidados no músculo ou armazenados no teci-
do adiposo, enquanto que os quilomícrons remanescen-
tes, menores e mais densos, são captados pelo fígado,
onde são metabolizados pela ação das enzimas
lisossomais dos hepatócitos.(1,3)
LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE MUITO BAIXA
(VLDL)
 As lipoproteínas de densidade muito baixa (do inglês,
Very Low Density Lipoprotein), são sintetizadas no fígado
por células parenquimatosas hepáticas e responsáveis pelo
transporte do triglicerídeo endógeno para os tecidos perifé-
ricos. Logo após a finalização do transporte, estas partícu-
las são hidrolisadas pela ação da LPL e produzem os re-
manescentes da VLDL, também conhecidos como lipopro-
teínas de densidade intermediária (IDL). As IDL possuem
dois destinos: podem ser captadas e reabsorvidas pelo fí-
gado, ou passar por mais estágios de hidrólise e formar
lipoproteínas de baixa densidade (LDL) pela ação da
triacilglicerol lipase hepática (HTGL).(1,3)
LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE BAIXA (LDL)
As lipoproteínas de baixa densidade (do inglês, Low
Density Lipoprotein) são geradas no estágio final da
metabolização das VLDL remanescentes, e representam o
principal carreador de colesterol do organismo. São capa-
zes de permanecer por períodos mais longos na corrente
sanguínea, sendo por fim captadas pelo fígado via
endocitose mediada por receptor, ou pelas células periféri-
cas. É importante destacar que, devido à sua densidade
baixa proporcionadapelo alto teor de colesterol, há o
favorecimento de sua entrada e alojamento na túnica íntima
dos vasos, local no qual sofrem oxidação e podem desen-
cadear o processo de aterogênese pela via scavenger, um
evento degenerativo do endotélio vascular.(1,3)
LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE ALTA (HDL)
As lipoproteínas de alta densidade (do inglês High
Density Lipoprotein) são sintetizadas no fígado e intestino
e responsáveis pelo transporte reverso do colesterol dos
tecidos periféricos para o fígado. As HDL nascentes são
construídas em parte pelo excesso de fosfolipídios oriun-
dos da hidrólise da VLDL, e pelo colesterol, que retira das
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Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS
células através da ação de uma proteína de membrana que
controla de forma limitada a transferência do colesterol livre
para a HDL. Após adquirir o colesterol livre, ele é esterificado
pela ação da enzima lecitina colesterol acetiltransferase
(LCAT), que, por sua vez, será transferido para VLDL,
quilomícrons e seus remanescentes em troca de triglice-
rídeos. Este processo permite que o colesterol retorne à via
VLDL-IDL-LDL. Por fim, a HDL, agora rica em triglicerídeos,
se liga ao receptor scavenger da membrana dos hepató-
citos para transferir o colesterol ao fígado, o que reduz o
diâmetro da partícula de HDL e dá origem a uma nova par-
tícula de HDL, a qual participará do próximo ciclo de trans-
porte.(1,3)
APOLIPOPROTEÍNAS
As apolipoproteínas representam a fração proteica das
lipoproteínas. Elas se encontram em constante processo de
síntese e degradação e são peças fundamentais na regu-
lação do metabolismo lipídico. Exercem funções específi-
cas na regulação do metabolismo lipídico como cofatores
enzimáticos, ligantes para os receptores nas células e teci-
dos pelo organismo, ou através da manutenção estrutural
das partículas de lipoproteínas.(3) As apolipoproteínas são
divididas em classes (A, B, C, D e E) quanto à composição,
o que consequentemente determina função distinta para
cada uma das lipoproteínas.(1,3)
APOPROTEÍNA A (APOA)
A apoproteína A (apoA) se apresenta nas isoformas
apoA1, apoA2 e apoA4. A apoA1 está presente no sangue
principalmente como componente da HDL, nos quilomícrons,
e raramente no VLDL, LDL e seus remanescentes.(3) A apo1
é sintetizada no intestino, originalmente como componente
dos quilomícrons, e posteriormente transferida para as HDL
durante o processo de hidrólise, ou na síntese de novas par-
tículas de HDL.4,5) Como protetor, a apo1 apresenta carac-
terísticas antiaterogênica e antioxidante, por ser cofator da
enzima LCAT,(3) componente chave para o transporte rever-
so do colesterol das células para as partículas de HDL e
para o fígado.(4) Em indivíduos dislipidêmicos e portadores
de diabetes mellitus do tipo 2 com microangiopatias, a apo1
impede a lipotoxicidade e formação da retinopatia através
do transporte reverso do colesterol na retina.(4,5) A apo2, sin-
tetizada no fígado, é a segunda proteína mais abundante na
HDL.(3) Funcionalmente, a apo2 modula diferentes etapas
do metabolismo da HDL, podendo gerar a inibição da ativi-
dade da LCAT e da proteína de transferência de colesterol
esterificado (CETP), e aumento da atividade lipase hepáti-
ca, o que contribui para o transporte reverso do colesterol.
Por outro lado, a apo2 pode inibir a absorção hepática do
colesterol presente na HDL, impactando negativamente no
transporte reverso do colesterol. Os efeitos da apo2 na
aterogênese, embora controversos, não se revelam muito
determinantes para o metabolismo lipídico.(1) A apo4, assim
como é apo1, é sintetizada quase que exclusivamente pelo
fígado e intestino e tem se mostrado um potente ativador da
LCAT.(3)
APOPROTEÍNA B (APOB)
Responsável pelo transporte do colesterol para as
células periféricas, a apolipoproteína B (apoB) está presen-
te nos quilomícrons e nas partículas de VLDL, VLDLs rema-
nescentes e LDL. Duas isoformas são relatadas: apoB48
apoB100. A apoB48 é encontrada nas partículas de quilo-
mícrons e remanescentes – de alto potencial aterogênico –
e a apoB100 é um componente obrigatório das VLDL, VLDL
remanescentes e LDL.(3,5) O metabolismo da apoB48 e da
apoB100 são completamente distintos. Enquanto a apoB48
nos quilomícrons é rapidamente metabolizada e absorvida
pelo fígado, a apoB100 é inicialmente secretada em partí-
culas da VLDL que, pela ação da lipase, é convertida em
IDL e posteriormente em LDL, a qual é metabolizada de for-
ma lenta.(3) A presença da apoB100 no LDL é essencial para
facilitar a entrada do colesterol nas células através da sua
ligação aos receptores celulares.(4) Esta ligação ao recep-
tor está intrinsicamente relacionada com o acúmulo do
colesterol nas artérias, fator desencadeante para o proces-
so aterogênico.(3,6)
APOPROTEÍNA C (APOC)
A apolipoproteína C (apoC) está presente na superfí-
cie dos quilomícrons, VLDL e HDL. Apresenta-se nas iso-
formas apoC1, apoC2, apoC3 e apoC4. Embora exibam
funcionalidades metabólicas distantes, todas as apoC com-
partilham a propriedade de redistribuir componentes entre
as lipoproteínas(3) através da ativação da LCAT.(6) A apoC1
inibe a captura de VLDL pelo fígado, além de auxiliar no
processo de esterificação do colesterol, o que possivelmente
confere à apoC1 uma participação na remodelação da
HDL.(3,6) A apoC2 ativa a lipase lipoproteica (LPL), respon-
sável pela hidrólise de partículas ricas em triglicerídeos,(3,6)
que, em contrapartida, é inibida pela apoC3, a qual modula
a absorção das partículas ricas em triglicerídeos pelos re-
ceptores hepáticos. A apoC4 está envolvida na regulação
da absorção dos lipídeos.(6)
APOLIPOPROTEÍNA D (APOD)
Presente nas lipoproteínas VLDL, LDL e, em maiores
quantidades, na HDL, a apoproteína D (apoD) é pouco rela-
tada devido à sua pequena expressividade. Embora a HDL
seja considerada uma molécula antiaterogênica, recente-
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mente foi estabelecido que sua expressão aberrante tem
associação com alterações no metabolismo lipídico e na
deposição e acúmulo das placas de ateroma no processo
aterogênico. Ademais, estudos apontam um possível
envolvimento da apoD com a ativação da LCAT e em pro-
cessos que favorecem o amadurecimento da HDL.(7)
APOPROTEÍNA E (APOE)
Constituintes dos quilomícrons e remanescentes,
VLDL e HDL,(3) a apoproteína E (apoE), está empregada
na regulação dos níveis plasmáticos dos lipídeos, o que
impacta sumariamente antiaterogênese. Ela promove a
captação eficiente das lipoproteínas na circulação, desem-
penha papel no transporte reverso do colesterol, inibe a
agregação plaquetária e modula a função imune.(8) As
isoformas desta apoproteína são: apoE2, apoE3 e
apoE4.(3,9) A apoE3 é associada com a funcionalidade ideal
do metabolismo lipídico. Isto em grande parte devido à sua
conformação flexível, que permite uma melhor interação
com lipídeos de diferentes densidades e tamanhos,(10) en-
quanto que a apoE2 e apoE4 estão associadas à dislipi-
demia e risco acentuado para doenças cardiovasculares.(11)
É importante ressaltar que a apoE3 é crucial para o corre-
to funcionamento do metabolismo lipídico quando em ní-
veis ideais, determinado pela atuação na endocitose das
partículas remanescentes do metabolismo do quilomícron
e pela promoção da produção de VLDL pela estimulação
intracelular nos hepatócitos. Uma superexpressão ou
acúmulo da apoE3 estimula a produção de VLDL, aumen-
tando consequentemente as concentrações de trigli-
cerídeos desta partícula e os níveis de LDL circulante no
sangue.(10)
DISLIPIDEMIAS
Dislipidemia é o termo utilizado para designar os ní-
veis alterados – na maioria das vezes aumentados – de
lipídeos e/ou lipoproteínas por meio da alteração em algu-
ma ou algumas das fases do metabolismo lipídico.Os va-
lores de referência para o perfil lípidico são apresentados
na Tabela 2.
Etiologicamente as dislipidemias são classificadas
em (i) primárias, quando estão relacionadas a fatores ge-
néticos ou não tem causa aparente, e (ii) secundárias,
quando relacionadas a outras doenças, uso de medica-
mentos ou estilo de vida do paciente.(2) As dislipidemias
primárias podem ainda ser classificadas de acordo com
suas características genotípicas e fenotípicas. Relaciona-
do ao genótipo, estas podem obter a subclassificação em
monogênicas (uma mutação envolvida) e poligênicas (múl-
tiplas mutações envolvidas). A respeito do fenótipo,
subclassificadas (classificação laboratorial) ao utilizar os
marcadores bioquímicos Colesterol Total (CT), HDL-C,
LDL-C e Triglicérides (TG), e divididas em quatro perfis
distintos: (i) hipercolesterolemia isolada, (ii) hipertrigli-
ceridemia isolada, (iii) hiperlipidemia mista e (iv) diminui-
ção isolada dos níveis de HDL, com associação do au-
mento dos níveis de LDL e/ou dos níveis de TG.(2) As disli-
pidemias secundárias se apresentam associadas a algum
transtorno metabólico de base – diabetes mellitus tipo 2,(12)
hipertensão arterial sistêmica,(13,14) síndrome metabóli-
ca(15,16) e obesidade(17) – à terapia antirretroviral altamente
ativa (HAART) de pacientes HIV/AIDS(18) e a fatores
ambientais como tabagismo, hábitos alimentares e
estresse.(5,19) A compilação de fatores externos e internos
exerce um efeito sinergístico para o desenvolvimento de
doenças cardiovasculares, agravamento de distúrbios
metabólicos ou ainda iniciar o processo de formação de
placas de ateroma nos vasos sanguíneos, consequência
comum do quadro de dislipidemia aterogênica.(2) O perfil
fenotípico da dislipidemia aterogênica é bastante singular
e facilmente reconhecido, sendo ilustrado por uma eleva-
ção das concentrações de CT, em conjunto com aumento
dos níveis de triglicerídeos e LDL, e da diminuição dos
níveis de HDL.(17,20,21) A dislipidemia aterogênica muitas ve-
zes não tem um curso favorável devido ao seu diagnóstico
tardio e início assintomático.(2) Entende-se por aterogênico
todo processo capaz de produzir alterações degenerativas
nas paredes das artérias. O endotélio arterial em estado
saudável repele as células circulantes no sangue e é forte-
mente antitrombótico. Na aterogênese, uma agressão
endotelial permite o depósito de lipídeos na camada ínti-
ma do vaso, o que promove a formação de placas de
ateroma, acompanhadas por uma reação inflamatória local.
Tabela 2 - Valores de referência para avaliação do perfil lípidico de
acordo com a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da
Aterosclerose, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (2013)
Lípídeo Valores (mg/dL) Classificação
Colesterol Total (CT) < 200
200 - 239
≥ 400
Desejável
Limítrofe
Alto
LDL-C < 100
100 - 129
130 - 159
160 - 189
≥190
Ótimo
Desejável
Limítrofe
Alto
Muito alto
HDL-C > 60
< 40
Desejável
Baixo
Triglicerídeos (TG) < 150
150 - 200
200 - 499
≥ 00
Desejável
Limítrofe
Alto
Muito alto
Colesterol não-HDL < 130
130 - 159
160 - 189
≥190
Ótimo
Desejável
Alto
Muito alto
Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e impactos na homeostasia
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Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS
Em longo prazo, a presença destas placas de ateroma oca-
siona a oclusão completa da luz arterial, e como
consequência pode haver infarto agudo do miocárdio ou
um acidente vascular cerebral (AVC), dependendo do lo-
cal de acúmulo das placas.(1)
DISLIPIDEMIA ATEROGÊNICA
Em condições fisiológicas normais, o endotélio vas-
cular promove alterações funcionais adaptativas para a
manutenção da hemodinâmica, por meio da liberação de
substâncias com propriedades antiaterogênicas, sendo o
óxido nítrico (NO) a principal delas. O NO, em condições
ideais, limita o recrutamento vascular de leucócitos, impe-
dindo sua adesão à parede vascular e inibindo a agrega-
ção plaquetária, o que evita a formação de trombos. A per-
da da atividade biológica do NO é denominada disfunção
endotelial.(13)
Inicialmente, o dano é mais funcional do que estrutu-
ral. O endotélio perde sua habilidade de repelir as células
inflamatórias circulantes no sangue e passa a permitir a
sua adesão na parede vascular, o que o torna permeável
às lipoproteínas, culminando, a longo prazo, em dano es-
trutural.(3) O aumento da permeabilidade endotelial favore-
ce a entrada da LDL-C para a região íntima vascular, onde
não são capazes de serem absorvidas, o que favorece seu
acúmulo e oxidação.(19) O acúmulo de LDL, unido à prolife-
ração de células para a luz do vaso arterial, tem sido apon-
tado como um fator desencadeante para aterogênese, por
meio da promoção de reação inflamatória local exacerba-
da.(13,14,22) Unido a isto, o aumento dos níveis de LDL-C gera
um maior consumo de NO com liberação de radicais li-
vres, os quais, por sua vez, promovem a oxidação da LDL-
C acumulada, formando a LDL oxidada (LDLox), partícu-
las que possuem potencial aterogênico acentuado e ele-
vada citoxicidade. A citotoxidade da LDLox agrava a
disfunção endotelial, gerando a expressão de quimiocinas
pelas células lesionadas do endotélio, favorecendo o re-
crutamento de neutrófilos para o interior do vaso sanguí-
neo.(14,22) Paralelamente, a LDLox estimula também a mi-
gração de monócitos e sua diferenciação em macrófagos,
os quais endocitam as partículas oxidadas através dos
receptores scavengers e promovem a formação das célu-
las espumosas – componentes essenciais da placa
aterosclerótica.(13,14,22) A endocitose das LDLox exerce pa-
pel ambíguo na fisiopatologia da doença: enquanto possui
teor protetor por conta da remoção das partículas oxida-
das, o mesmo processo também induz a produção dos
mesmo radicais livres responsáveis por agravar a lesão
endotelial, consequentemente promovendo a expressão de
mais quimiocinas, as quais, por sua vez, irão recrutar no-
vos monócitos e estimular a projeção das células muscu-
lares lisas para a luz do vaso, estabelecendo o dano estru-
tural. Isto desencadeia um processo sistêmico que envol-
ve proteínas da coagulação e promove a evolução da le-
são aterosclerótica por meio do perpetuamento do proces-
so inflamatório.(14,22)
Na Figura 1 é possível visualizar a patogênese da
aterosclerose.
DISLIPIDEMIA ATEROGÊNICA NA HOMEOSTASIA
A cascata da coagulação é responsável pela manu-
tenção da fluidez sanguínea pela formação de coágulos
de fibrina em casos de lesão vascular. Entre as alterações
nas proteínas envolvidas no processo de coagulação são
descritas elevações séricas nos níveis do inibidor do
ativador do plasminogênio tipo 1 (PAI-1), o inibidor da
fibrinólise ativado pela trombina (TAFI) , do fator III (tissular)
e VII da coagulação.(24,25) A baixa concentração dos níveis
de HDL associada aos altos níveis de LDLox é ineficaz na
inibição do fator de agregação plaquetária. Somado a isto,
a hipertrigliceridemia característica da dislipidemia
aterogênica estimula os fatores III e VII da coagulação, res-
ponsáveis por iniciar a via extrínseca da cascata da coa-
gulação, o que favorece a formação de trombos no lúmen
dos vasos sanguíneos.(24) A presença da LDLox das pla-
cas de ateroma aumentam a expressão do fator III pelas
células do músculo liso do endotélio vascular, o qual atua
como importante promotor da migração e proliferação de
células do músculo liso para o lúmen do vaso sanguíneo e
da angiogênese.(23) Em paralelo à indução dos fatores III e
VII, o acúmulo de lipídeos eleva os níveis dos fatores da
coagulação PAI-1 e TAFI, promovendo a inibição do pro-
cesso fibrinolítico responsável por dissolver e retirar da cir-
culação coágulos que possam obstruir o fluxo sanguíneo.
Deste modo, tanto a fisiopatologia inerente à dislipidemia
Figura 1. Resumo do processo aterogênico: (1) o efluxo de macro-
moléculas LDL para a camada íntima vascular (2) gera o acúmulo e
oxidação destas, originandoa formação das LDLox, agravando a
disfunção endotelial devido à sua citotoxicidade. (3) A LDLox estimula a
migração de monócitos e sua diferenciação em macrófagos, (4) os quais
fagocitam as LDLox através dos receptores scavengers. (5) Após
fagocitarem as LDLox, os macrófagos se transformam em células
espumosas que promovem, por meio de processo inflamatório, a proje-
ção das células musculares lisas para o lúmen vascular.
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aterogênica quanto os seus reflexos nos mecanismos da
coagulação favorecem um ciclo infindável para a oclusão
da luz do vaso sanguíneo.(26)
CONCLUSÃO
O curso fisiopatológico da dislipidemia aterogênica
favorece a evolução da aterosclerose e contribui para o
estabelecimento de lesões degenerativas crônicas graves.
Muitos aspectos relacionados às alterações da
homeostasia na presença de hipercolesterolemia e/ou
síndrome metabólica são relatados em estudos, no entan-
to no que se refere especificamente à dislipidemia
aterogênica, evidencia-se a necessidade de mais pesqui-
sas, sobretudo epidemiológicas, para traçar o comporta-
mento fenotípico da doença em populações distintas. Adi-
cionalmente, estudos de casos que relatem o impacto po-
sitivo ocasionado pela avaliação clínica e prognóstico dos
indivíduos, com apresentações de algumas destas altera-
ções discorridas, poderia diminuir substancialmente as
chances do estabelecimento de comorbidades mais gra-
ves. Em um aspecto mais amplo, e contextualizando com
o Brasil, poderia ainda impactar nos gastos voltados para
a saúde pública.
Abstract
The atherogenic dyslipidemia in synergy with metabolic disorders such
as diabetes mellitus type 2, metabolic syndrome, hypertension and
obesity, added to other factors such as smoking, diet and stress is
associated with cardiovascular diseases. Although the impact of changes
in lipid metabolism in this process is established by a high concentrations
of CT, triglycerides and LDL-C, and decreased HDL-C, the effects of
these changes in the homeostasis have not been fully elucidated, the
effects of changes in the homeostasis have not been fully elucidated,
limiting clinical and therapeutic improvements. In the present work a
non-systematic review about the possible changes associated with
atherogenic dyslipidemia currently described in the literature, which
allowed a summarization of the findings described so far. In the present
study, a non-systematic review of possible changes in the homeostasis
associated with atherogenic dyslipidemia currently described in the
literature was made, which allowed a summarization of the mechanisms
described so far.
Keywords
Atherosclerosis; Dyslipidemias; Homeostasis; Lipoproteins.
REFERÊNCIAS
1. Baynes JW, Dominiczak MH. Bioquímica Médica. 3rd ed. Elsevier;
2011. 680 p.
2. SBC. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da
Aterosclerose. In: Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Sociedade
Brasileira de Cardiologia; 2013. p. 01-22.
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