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120 RBAC. 2017;49(2):120-6 Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e impactos na homeostasia Pathophysiological aspects of atherogenic dyslipidemia and impact on homeostasis Taiane de Macêdo Gondim1 Laise Eduarda Paixão de Moraes1 Italaney Fehlberg2 Vanessa da Silva Brito2 Artigo de Revisão/Review Article Resumo A dislipidemia aterogênica em sinergismo com a existência de transtornos metabólicos como diabetes mellitus tipo 2, síndrome metabólica, hipertensão arterial sistêmica e obesi- dade, e outros fatores como tabagismo, hábitos alimentares e estresse é reconhecida como um quadro associado a doenças cardiovasculares. Embora o papel da alteração do perfil lipídico neste processo esteja a certo ponto estabelecido, ilustrado por uma elevação das concentrações de CT, triglicerídeos e LDL-C, e da diminuição da HDL-C, os mecanismos pelos quais há a intervenção na hemostasia ainda não estão completamente elucidados, limitando questões clínicas e terapêuticas. No presente trabalho foi realizada uma revisão não sistemática acerca das possíveis alterações hemostáticas associadas à dislipidemia aterogênica descritas atualmente na literatura, o que permitiu uma sumarização dos acha- dos descritos até então. Palavras-chave Aterosclerose. Dislipidemias. Homeostasia. Lipoproteínas 1Especialista em Análises Clínicas pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil. 2Mestre em Imunologia Clínica pela Universidade Federal da Bahia – UFBA – Salvador, BA, Brasil. 3Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil. Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil. Artigo recebido em 23/01/2016 Artigo aprovado em 31/03/2016 DOI: 10.21877/2448-3877.201600462 INTRODUÇÃO As dislipidemias são causadas por alterações me- tabólicas que ocorrem em resposta a distúrbios nas eta- pas do metabolismo lipídico. Como resultado, o perfil lipídico sérico sofrerá alterações e estas podem incluir aumento do colesterol total (CT), do triglicérides (TG), do colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e diminuição do colesterol da lipoproteína de alta densida- de (HDL-c).(1) De acordo com a Diretriz Brasileira de Disli- pidemias e Prevenção da Aterosclerose (2013), as dislipi- demias podem ser classificadas em primárias quando exis- tem bases genéticas, e em secundárias quando associa- das a outras doenças, ao uso de medicamentos e/ou ao estilo de vida do indivíduo. A dislipidemia primária pode ainda ser classificada fenotipicamente de acordo com os componentes lipídicos que se apresentam alterados, com- preendendo quatro grupos bem definidos: (i) hipercoles- terolemia isolada, (ii) hipertrigliceridemia isolada, (iii) hiperlipidemia mista e (iv) diminuição isolada do HDL, com associação ao aumento do LDL e/ou dos TG. Este último perfil se destaca por ilustrar a condição da dislipidemia aterogênica, a qual ainda é geralmente associada a tole- rância à glicose prejudicada, resistência à insulina, exces- so de peso e/ou gordura corporal, e comorbidades como diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. A união destes fatores exerce um efeito sinérgico para o de- senvolvimento de doenças cardiovasculares.(2) Esta revi- são tem como objetivo discutir possíveis associações en- tre a fisiopatologia da dislipidemia aterogênica e altera- ções na homeostasia. LIPÍDEOS E LIPOPROTEÍNAS Os lipídios são moléculas orgânicas insolúveis em água resultantes da associação entre ácidos graxos, de cadeias curtas, médias ou longas; e glicerol, estando dis- tribuídos por todos os tecidos do organismo. Entre as prin- cipais formas existentes podemos destacar os trigli- cerídeos e fosfolipídios. Estas formas são as mais abun- dantes no corpo humano e desempenham funções cruciais para o metabolismo energético. O triglicerídeo é o lipídeo RBAC. 2017;49(2):120-6 121 mais comum na alimentação, empregado como fonte de energia para o corpo, enquanto que os fosfolipídios atuam como componente estrutural das membranas celulares. Devido à sua natureza hidrofóbica, os lipídeos são incapa- zes de circular livremente pelo sangue, sendo necessário um meio de transporte que permita sua distribuição aos ór- gãos e tecidos. Ácidos graxos de cadeias curta e média podem circular pelo sangue quando ligados à albumina, uma vez que são mais solúveis comparados aos ácidos graxos de cadeia longa. Estes últimos carecem de conversão em triglicerídeos para serem transportados pelas lipoproteínas.(1) As lipoproteínas são moléculas solúveis organizadas de modo a possibilitar o transporte de lipídios entre os tecidos periféricos e a corrente sanguínea.(3) São formadas basica- mente por um núcleo hidrofóbico, composto por triglicerídeos e ésteres de colesterol, recobertas por uma membrana anfipática formada por fosfolipídios, colesterol livre e apolipoproteínas (ou apoproteínas), as quais serão discuti- das em seguida.(1) Existem quatro classes de lipoproteínas plasmáticas: (i) quilomícrons, (ii) lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL), (iii) lipoproteína de densidade baixa (LDL) e (iv) lipoproteína de densidade alta (HDL).(1) Na Ta- bela 1, é possível observar algumas das características bio- químicas de cada lipoproteína. Tabela 1 - Características bioquímicas das lipoproteínas Lipoproteína Densidade Principal Componente Apolipoproteínas Diâmetro Quilomícrons <0.95 kg/L Triglicerídeos apoB48, apoAI, apoC, apoE2, apoE3 e apoE4 75-1.200 µM VLDL 0.95-1.006 kg/L Triglicerídeos apoB100, apoC, apoE2, apoE3, apoE4, apoAI e apoD 30-800 µM LDL 1.019-1.063 kg/L Colesterol apoB100, apoAI, apoAIV e apoD 18-25 µM HDL 1.063-1.210 kg/L Proteínas apoAI, apoAII, apoC, apoE2, apoE3, apoE4 e apoD 5-122 µM QUILOMÍCRONS Os quilomícrons são as lipoproteínas de maior diâ- metro e menor densidade. São responsáveis pelo trans- porte dos triglicerídeos provenientes da alimentação. A composição consiste em triglicerídeos, colesterol livre, fosfol ipídios e uma pequena fração proteica. Os quilomícrons são gerados por células intestinais e secretados na linfa, através da qual alcançam a corrente sanguínea. No sangue, sofrem ação da lipoproteína lipase (LPL), enzima responsável pela degradação dos triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos podem ser oxidados no músculo ou armazenados no teci- do adiposo, enquanto que os quilomícrons remanescen- tes, menores e mais densos, são captados pelo fígado, onde são metabolizados pela ação das enzimas lisossomais dos hepatócitos.(1,3) LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE MUITO BAIXA (VLDL) As lipoproteínas de densidade muito baixa (do inglês, Very Low Density Lipoprotein), são sintetizadas no fígado por células parenquimatosas hepáticas e responsáveis pelo transporte do triglicerídeo endógeno para os tecidos perifé- ricos. Logo após a finalização do transporte, estas partícu- las são hidrolisadas pela ação da LPL e produzem os re- manescentes da VLDL, também conhecidos como lipopro- teínas de densidade intermediária (IDL). As IDL possuem dois destinos: podem ser captadas e reabsorvidas pelo fí- gado, ou passar por mais estágios de hidrólise e formar lipoproteínas de baixa densidade (LDL) pela ação da triacilglicerol lipase hepática (HTGL).(1,3) LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE BAIXA (LDL) As lipoproteínas de baixa densidade (do inglês, Low Density Lipoprotein) são geradas no estágio final da metabolização das VLDL remanescentes, e representam o principal carreador de colesterol do organismo. São capa- zes de permanecer por períodos mais longos na corrente sanguínea, sendo por fim captadas pelo fígado via endocitose mediada por receptor, ou pelas células periféri- cas. É importante destacar que, devido à sua densidade baixa proporcionadapelo alto teor de colesterol, há o favorecimento de sua entrada e alojamento na túnica íntima dos vasos, local no qual sofrem oxidação e podem desen- cadear o processo de aterogênese pela via scavenger, um evento degenerativo do endotélio vascular.(1,3) LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE ALTA (HDL) As lipoproteínas de alta densidade (do inglês High Density Lipoprotein) são sintetizadas no fígado e intestino e responsáveis pelo transporte reverso do colesterol dos tecidos periféricos para o fígado. As HDL nascentes são construídas em parte pelo excesso de fosfolipídios oriun- dos da hidrólise da VLDL, e pelo colesterol, que retira das 122 RBAC. 2017;49(2):120-6 Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS células através da ação de uma proteína de membrana que controla de forma limitada a transferência do colesterol livre para a HDL. Após adquirir o colesterol livre, ele é esterificado pela ação da enzima lecitina colesterol acetiltransferase (LCAT), que, por sua vez, será transferido para VLDL, quilomícrons e seus remanescentes em troca de triglice- rídeos. Este processo permite que o colesterol retorne à via VLDL-IDL-LDL. Por fim, a HDL, agora rica em triglicerídeos, se liga ao receptor scavenger da membrana dos hepató- citos para transferir o colesterol ao fígado, o que reduz o diâmetro da partícula de HDL e dá origem a uma nova par- tícula de HDL, a qual participará do próximo ciclo de trans- porte.(1,3) APOLIPOPROTEÍNAS As apolipoproteínas representam a fração proteica das lipoproteínas. Elas se encontram em constante processo de síntese e degradação e são peças fundamentais na regu- lação do metabolismo lipídico. Exercem funções específi- cas na regulação do metabolismo lipídico como cofatores enzimáticos, ligantes para os receptores nas células e teci- dos pelo organismo, ou através da manutenção estrutural das partículas de lipoproteínas.(3) As apolipoproteínas são divididas em classes (A, B, C, D e E) quanto à composição, o que consequentemente determina função distinta para cada uma das lipoproteínas.(1,3) APOPROTEÍNA A (APOA) A apoproteína A (apoA) se apresenta nas isoformas apoA1, apoA2 e apoA4. A apoA1 está presente no sangue principalmente como componente da HDL, nos quilomícrons, e raramente no VLDL, LDL e seus remanescentes.(3) A apo1 é sintetizada no intestino, originalmente como componente dos quilomícrons, e posteriormente transferida para as HDL durante o processo de hidrólise, ou na síntese de novas par- tículas de HDL.4,5) Como protetor, a apo1 apresenta carac- terísticas antiaterogênica e antioxidante, por ser cofator da enzima LCAT,(3) componente chave para o transporte rever- so do colesterol das células para as partículas de HDL e para o fígado.(4) Em indivíduos dislipidêmicos e portadores de diabetes mellitus do tipo 2 com microangiopatias, a apo1 impede a lipotoxicidade e formação da retinopatia através do transporte reverso do colesterol na retina.(4,5) A apo2, sin- tetizada no fígado, é a segunda proteína mais abundante na HDL.(3) Funcionalmente, a apo2 modula diferentes etapas do metabolismo da HDL, podendo gerar a inibição da ativi- dade da LCAT e da proteína de transferência de colesterol esterificado (CETP), e aumento da atividade lipase hepáti- ca, o que contribui para o transporte reverso do colesterol. Por outro lado, a apo2 pode inibir a absorção hepática do colesterol presente na HDL, impactando negativamente no transporte reverso do colesterol. Os efeitos da apo2 na aterogênese, embora controversos, não se revelam muito determinantes para o metabolismo lipídico.(1) A apo4, assim como é apo1, é sintetizada quase que exclusivamente pelo fígado e intestino e tem se mostrado um potente ativador da LCAT.(3) APOPROTEÍNA B (APOB) Responsável pelo transporte do colesterol para as células periféricas, a apolipoproteína B (apoB) está presen- te nos quilomícrons e nas partículas de VLDL, VLDLs rema- nescentes e LDL. Duas isoformas são relatadas: apoB48 apoB100. A apoB48 é encontrada nas partículas de quilo- mícrons e remanescentes – de alto potencial aterogênico – e a apoB100 é um componente obrigatório das VLDL, VLDL remanescentes e LDL.(3,5) O metabolismo da apoB48 e da apoB100 são completamente distintos. Enquanto a apoB48 nos quilomícrons é rapidamente metabolizada e absorvida pelo fígado, a apoB100 é inicialmente secretada em partí- culas da VLDL que, pela ação da lipase, é convertida em IDL e posteriormente em LDL, a qual é metabolizada de for- ma lenta.(3) A presença da apoB100 no LDL é essencial para facilitar a entrada do colesterol nas células através da sua ligação aos receptores celulares.(4) Esta ligação ao recep- tor está intrinsicamente relacionada com o acúmulo do colesterol nas artérias, fator desencadeante para o proces- so aterogênico.(3,6) APOPROTEÍNA C (APOC) A apolipoproteína C (apoC) está presente na superfí- cie dos quilomícrons, VLDL e HDL. Apresenta-se nas iso- formas apoC1, apoC2, apoC3 e apoC4. Embora exibam funcionalidades metabólicas distantes, todas as apoC com- partilham a propriedade de redistribuir componentes entre as lipoproteínas(3) através da ativação da LCAT.(6) A apoC1 inibe a captura de VLDL pelo fígado, além de auxiliar no processo de esterificação do colesterol, o que possivelmente confere à apoC1 uma participação na remodelação da HDL.(3,6) A apoC2 ativa a lipase lipoproteica (LPL), respon- sável pela hidrólise de partículas ricas em triglicerídeos,(3,6) que, em contrapartida, é inibida pela apoC3, a qual modula a absorção das partículas ricas em triglicerídeos pelos re- ceptores hepáticos. A apoC4 está envolvida na regulação da absorção dos lipídeos.(6) APOLIPOPROTEÍNA D (APOD) Presente nas lipoproteínas VLDL, LDL e, em maiores quantidades, na HDL, a apoproteína D (apoD) é pouco rela- tada devido à sua pequena expressividade. Embora a HDL seja considerada uma molécula antiaterogênica, recente- RBAC. 2017;49(2):120-6 123 mente foi estabelecido que sua expressão aberrante tem associação com alterações no metabolismo lipídico e na deposição e acúmulo das placas de ateroma no processo aterogênico. Ademais, estudos apontam um possível envolvimento da apoD com a ativação da LCAT e em pro- cessos que favorecem o amadurecimento da HDL.(7) APOPROTEÍNA E (APOE) Constituintes dos quilomícrons e remanescentes, VLDL e HDL,(3) a apoproteína E (apoE), está empregada na regulação dos níveis plasmáticos dos lipídeos, o que impacta sumariamente antiaterogênese. Ela promove a captação eficiente das lipoproteínas na circulação, desem- penha papel no transporte reverso do colesterol, inibe a agregação plaquetária e modula a função imune.(8) As isoformas desta apoproteína são: apoE2, apoE3 e apoE4.(3,9) A apoE3 é associada com a funcionalidade ideal do metabolismo lipídico. Isto em grande parte devido à sua conformação flexível, que permite uma melhor interação com lipídeos de diferentes densidades e tamanhos,(10) en- quanto que a apoE2 e apoE4 estão associadas à dislipi- demia e risco acentuado para doenças cardiovasculares.(11) É importante ressaltar que a apoE3 é crucial para o corre- to funcionamento do metabolismo lipídico quando em ní- veis ideais, determinado pela atuação na endocitose das partículas remanescentes do metabolismo do quilomícron e pela promoção da produção de VLDL pela estimulação intracelular nos hepatócitos. Uma superexpressão ou acúmulo da apoE3 estimula a produção de VLDL, aumen- tando consequentemente as concentrações de trigli- cerídeos desta partícula e os níveis de LDL circulante no sangue.(10) DISLIPIDEMIAS Dislipidemia é o termo utilizado para designar os ní- veis alterados – na maioria das vezes aumentados – de lipídeos e/ou lipoproteínas por meio da alteração em algu- ma ou algumas das fases do metabolismo lipídico.Os va- lores de referência para o perfil lípidico são apresentados na Tabela 2. Etiologicamente as dislipidemias são classificadas em (i) primárias, quando estão relacionadas a fatores ge- néticos ou não tem causa aparente, e (ii) secundárias, quando relacionadas a outras doenças, uso de medica- mentos ou estilo de vida do paciente.(2) As dislipidemias primárias podem ainda ser classificadas de acordo com suas características genotípicas e fenotípicas. Relaciona- do ao genótipo, estas podem obter a subclassificação em monogênicas (uma mutação envolvida) e poligênicas (múl- tiplas mutações envolvidas). A respeito do fenótipo, subclassificadas (classificação laboratorial) ao utilizar os marcadores bioquímicos Colesterol Total (CT), HDL-C, LDL-C e Triglicérides (TG), e divididas em quatro perfis distintos: (i) hipercolesterolemia isolada, (ii) hipertrigli- ceridemia isolada, (iii) hiperlipidemia mista e (iv) diminui- ção isolada dos níveis de HDL, com associação do au- mento dos níveis de LDL e/ou dos níveis de TG.(2) As disli- pidemias secundárias se apresentam associadas a algum transtorno metabólico de base – diabetes mellitus tipo 2,(12) hipertensão arterial sistêmica,(13,14) síndrome metabóli- ca(15,16) e obesidade(17) – à terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) de pacientes HIV/AIDS(18) e a fatores ambientais como tabagismo, hábitos alimentares e estresse.(5,19) A compilação de fatores externos e internos exerce um efeito sinergístico para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, agravamento de distúrbios metabólicos ou ainda iniciar o processo de formação de placas de ateroma nos vasos sanguíneos, consequência comum do quadro de dislipidemia aterogênica.(2) O perfil fenotípico da dislipidemia aterogênica é bastante singular e facilmente reconhecido, sendo ilustrado por uma eleva- ção das concentrações de CT, em conjunto com aumento dos níveis de triglicerídeos e LDL, e da diminuição dos níveis de HDL.(17,20,21) A dislipidemia aterogênica muitas ve- zes não tem um curso favorável devido ao seu diagnóstico tardio e início assintomático.(2) Entende-se por aterogênico todo processo capaz de produzir alterações degenerativas nas paredes das artérias. O endotélio arterial em estado saudável repele as células circulantes no sangue e é forte- mente antitrombótico. Na aterogênese, uma agressão endotelial permite o depósito de lipídeos na camada ínti- ma do vaso, o que promove a formação de placas de ateroma, acompanhadas por uma reação inflamatória local. Tabela 2 - Valores de referência para avaliação do perfil lípidico de acordo com a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (2013) Lípídeo Valores (mg/dL) Classificação Colesterol Total (CT) < 200 200 - 239 ≥ 400 Desejável Limítrofe Alto LDL-C < 100 100 - 129 130 - 159 160 - 189 ≥190 Ótimo Desejável Limítrofe Alto Muito alto HDL-C > 60 < 40 Desejável Baixo Triglicerídeos (TG) < 150 150 - 200 200 - 499 ≥ 00 Desejável Limítrofe Alto Muito alto Colesterol não-HDL < 130 130 - 159 160 - 189 ≥190 Ótimo Desejável Alto Muito alto Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e impactos na homeostasia 124 RBAC. 2017;49(2):120-6 Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS Em longo prazo, a presença destas placas de ateroma oca- siona a oclusão completa da luz arterial, e como consequência pode haver infarto agudo do miocárdio ou um acidente vascular cerebral (AVC), dependendo do lo- cal de acúmulo das placas.(1) DISLIPIDEMIA ATEROGÊNICA Em condições fisiológicas normais, o endotélio vas- cular promove alterações funcionais adaptativas para a manutenção da hemodinâmica, por meio da liberação de substâncias com propriedades antiaterogênicas, sendo o óxido nítrico (NO) a principal delas. O NO, em condições ideais, limita o recrutamento vascular de leucócitos, impe- dindo sua adesão à parede vascular e inibindo a agrega- ção plaquetária, o que evita a formação de trombos. A per- da da atividade biológica do NO é denominada disfunção endotelial.(13) Inicialmente, o dano é mais funcional do que estrutu- ral. O endotélio perde sua habilidade de repelir as células inflamatórias circulantes no sangue e passa a permitir a sua adesão na parede vascular, o que o torna permeável às lipoproteínas, culminando, a longo prazo, em dano es- trutural.(3) O aumento da permeabilidade endotelial favore- ce a entrada da LDL-C para a região íntima vascular, onde não são capazes de serem absorvidas, o que favorece seu acúmulo e oxidação.(19) O acúmulo de LDL, unido à prolife- ração de células para a luz do vaso arterial, tem sido apon- tado como um fator desencadeante para aterogênese, por meio da promoção de reação inflamatória local exacerba- da.(13,14,22) Unido a isto, o aumento dos níveis de LDL-C gera um maior consumo de NO com liberação de radicais li- vres, os quais, por sua vez, promovem a oxidação da LDL- C acumulada, formando a LDL oxidada (LDLox), partícu- las que possuem potencial aterogênico acentuado e ele- vada citoxicidade. A citotoxidade da LDLox agrava a disfunção endotelial, gerando a expressão de quimiocinas pelas células lesionadas do endotélio, favorecendo o re- crutamento de neutrófilos para o interior do vaso sanguí- neo.(14,22) Paralelamente, a LDLox estimula também a mi- gração de monócitos e sua diferenciação em macrófagos, os quais endocitam as partículas oxidadas através dos receptores scavengers e promovem a formação das célu- las espumosas – componentes essenciais da placa aterosclerótica.(13,14,22) A endocitose das LDLox exerce pa- pel ambíguo na fisiopatologia da doença: enquanto possui teor protetor por conta da remoção das partículas oxida- das, o mesmo processo também induz a produção dos mesmo radicais livres responsáveis por agravar a lesão endotelial, consequentemente promovendo a expressão de mais quimiocinas, as quais, por sua vez, irão recrutar no- vos monócitos e estimular a projeção das células muscu- lares lisas para a luz do vaso, estabelecendo o dano estru- tural. Isto desencadeia um processo sistêmico que envol- ve proteínas da coagulação e promove a evolução da le- são aterosclerótica por meio do perpetuamento do proces- so inflamatório.(14,22) Na Figura 1 é possível visualizar a patogênese da aterosclerose. DISLIPIDEMIA ATEROGÊNICA NA HOMEOSTASIA A cascata da coagulação é responsável pela manu- tenção da fluidez sanguínea pela formação de coágulos de fibrina em casos de lesão vascular. Entre as alterações nas proteínas envolvidas no processo de coagulação são descritas elevações séricas nos níveis do inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1 (PAI-1), o inibidor da fibrinólise ativado pela trombina (TAFI) , do fator III (tissular) e VII da coagulação.(24,25) A baixa concentração dos níveis de HDL associada aos altos níveis de LDLox é ineficaz na inibição do fator de agregação plaquetária. Somado a isto, a hipertrigliceridemia característica da dislipidemia aterogênica estimula os fatores III e VII da coagulação, res- ponsáveis por iniciar a via extrínseca da cascata da coa- gulação, o que favorece a formação de trombos no lúmen dos vasos sanguíneos.(24) A presença da LDLox das pla- cas de ateroma aumentam a expressão do fator III pelas células do músculo liso do endotélio vascular, o qual atua como importante promotor da migração e proliferação de células do músculo liso para o lúmen do vaso sanguíneo e da angiogênese.(23) Em paralelo à indução dos fatores III e VII, o acúmulo de lipídeos eleva os níveis dos fatores da coagulação PAI-1 e TAFI, promovendo a inibição do pro- cesso fibrinolítico responsável por dissolver e retirar da cir- culação coágulos que possam obstruir o fluxo sanguíneo. Deste modo, tanto a fisiopatologia inerente à dislipidemia Figura 1. Resumo do processo aterogênico: (1) o efluxo de macro- moléculas LDL para a camada íntima vascular (2) gera o acúmulo e oxidação destas, originandoa formação das LDLox, agravando a disfunção endotelial devido à sua citotoxicidade. (3) A LDLox estimula a migração de monócitos e sua diferenciação em macrófagos, (4) os quais fagocitam as LDLox através dos receptores scavengers. (5) Após fagocitarem as LDLox, os macrófagos se transformam em células espumosas que promovem, por meio de processo inflamatório, a proje- ção das células musculares lisas para o lúmen vascular. RBAC. 2017;49(2):120-6 125 aterogênica quanto os seus reflexos nos mecanismos da coagulação favorecem um ciclo infindável para a oclusão da luz do vaso sanguíneo.(26) CONCLUSÃO O curso fisiopatológico da dislipidemia aterogênica favorece a evolução da aterosclerose e contribui para o estabelecimento de lesões degenerativas crônicas graves. Muitos aspectos relacionados às alterações da homeostasia na presença de hipercolesterolemia e/ou síndrome metabólica são relatados em estudos, no entan- to no que se refere especificamente à dislipidemia aterogênica, evidencia-se a necessidade de mais pesqui- sas, sobretudo epidemiológicas, para traçar o comporta- mento fenotípico da doença em populações distintas. Adi- cionalmente, estudos de casos que relatem o impacto po- sitivo ocasionado pela avaliação clínica e prognóstico dos indivíduos, com apresentações de algumas destas altera- ções discorridas, poderia diminuir substancialmente as chances do estabelecimento de comorbidades mais gra- ves. Em um aspecto mais amplo, e contextualizando com o Brasil, poderia ainda impactar nos gastos voltados para a saúde pública. Abstract The atherogenic dyslipidemia in synergy with metabolic disorders such as diabetes mellitus type 2, metabolic syndrome, hypertension and obesity, added to other factors such as smoking, diet and stress is associated with cardiovascular diseases. Although the impact of changes in lipid metabolism in this process is established by a high concentrations of CT, triglycerides and LDL-C, and decreased HDL-C, the effects of these changes in the homeostasis have not been fully elucidated, the effects of changes in the homeostasis have not been fully elucidated, limiting clinical and therapeutic improvements. In the present work a non-systematic review about the possible changes associated with atherogenic dyslipidemia currently described in the literature, which allowed a summarization of the findings described so far. In the present study, a non-systematic review of possible changes in the homeostasis associated with atherogenic dyslipidemia currently described in the literature was made, which allowed a summarization of the mechanisms described so far. Keywords Atherosclerosis; Dyslipidemias; Homeostasis; Lipoproteins. REFERÊNCIAS 1. Baynes JW, Dominiczak MH. Bioquímica Médica. 3rd ed. Elsevier; 2011. 680 p. 2. SBC. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. In: Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Cardiologia; 2013. p. 01-22. 3. Mahley RW, Innerarity TL, Rall SC, Weisgraber KH. Plasma lipoproteins: apolipoprotein structure and function. J Lipid Res. 1984 Jun;25(12):1277-94. 4. Srinivasan SR, Berenson GS. Serum apolipoproteins A-I and B as markers of coronary artery disease risk in early life: the Bogalusa Heart Study. Clin Chem. 1995 Jan;41(1):159-64. 5. Lima LM, Carvalho MD, Sousa MO. 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