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Carla Bertelli – 4° Período – Em condições normais, existe uma homeostase entre a microbiota comensal, as células epiteliais e as células imunes. Uma hipótese consensual é de que todos esses 3 fatores – que funcionam em um sistema integrado – são afetados por fatores ambientais (como tabagismo, antibióticos, patógenos entéricos) e genéticos, que em indivíduos suscetíveis rompem interativamente a homeostase durante a vida do indivíduo, desse modo, o resultado é um estado crônico de inflamação descontrolada. Assim, a DII é considerada uma resposta imune inapropriada à microbiota comensal endógena do intestino. É importante saber que em condições normais o intestino não inflamado contém um grande número de células imunes em estado único de ativação, no qual o intestino é impedido de elaborar respostas imunológicas completas à microbiota comensal e antígenos da dieta por meio de vias reguladoras muito potentes, que atuam dentro do sistema imune çõ é – As DII são conhecidas por sua ocorrência no contexto de várias síndromes genéticas e no desenvolvimento de DII grave e refratária precocemente em casos de anomalias de genes isolados que afetam o sistema imune. Isso inclui mutações dos genes que codificam, por exemplo, a interleucina 10 (IL- 10), o receptor de IL-10 (IL-10R), a proteína 4 associada aos linfócitos T citotóxicos (CTLA4), a proteína do fator 2 citosólico dos neutrófilos (NCF2), o inibidor ligado ao X da proteína de apoptose (XIAP), a proteína âncora beige- like sensível aos polissacarídeos (LRBA) ou a proteína do domínio 7A de repetição do tetratricopeptídeo (TTC7), entre muitos outros genes envolvidos nas interações entre hospedeiro e flora comensal. Além disso, a DII tem origem familiar em pelo menos 10% dos pacientes afetados Na maioria dos pacientes, a DII é considerada um distúrbio poligênico que dá origem a múltiplos subgrupos clínicos na RCU e DC. Os vários mecanismos genéticos da doença incluem: genes associados com processos biológicos celulares fundamentais, como o retículo endoplasmático (RE) e o estresse metabólico (p. ex., XBP1, ORMDL3, OCTN), que servem como reguladores da atividade secretora das células envolvidas nas respostas à microbiota comensal (p. ex., células de Paneth e caliciformes) e da maneira como as células intestinais respondem aos produtos metabólicos bacterianos; genes associados à imunidade inata e à autofagia (p. ex., NOD2, ATG16L1, IRGM, JAK2, STAT3, C13orf31), que funcionam em células imunes inatas (tanto parenquimatosas quanto hematopoiéticas) para responder e efetivamente eliminar bactérias, micobactérias e vírus; genes associados à regulação da imunidade adaptativa (p. ex., IL23R, IL12B, IL10, PTPN2), que regulam o equilíbrio entre citocinas inflamatórias e anti-inflamatórias (reguladoras); e, por fim, genes envolvidos no desenvolvimento e na resolução da inflamação (p. ex., MST1, CCR6, TNFAIP3, PTGER4) e no consequente recrutamento de leucócitos e produção de mediadores inflamatórios – A microbiota é considerada um componente fundamental e mediante seus componentes estruturais e sua atividade metabólica, tem influências importantes sobre a função epitelial e imune do hospedeiro, as quais, por meio de efeitos epigenéticos, podem ter consequências duradoura. Componentes específicos da microbiota podem promover ou proteger contra a doença. A microbiota comensal dos pacientes com RCU e DC é demonstradamente diferente daquela de pessoas não acometidas, um estado de disbiose, que sugere: (1) a presença de microrganismos que desencadeiam a doença (p. ex., proteobactérias, como as Escherichia Carla Bertelli – 4° Período coli enteroinvasivas e aderentes) e para os quais a resposta imune é direcionada; e/ou (2) a ausência de microrganismos que reduzem a inflamação (p. ex., Firmicutes, como o Faecalibacterium prausnitzii). Muitas das alterações da microbiota comensal ocorrem como consequência da inflamação ú çã – Normalmente o sistema imune da mucosa não desencadeia uma reação imune inflamatória ao conteúdo intraluminal em ração da tolerância da mucosa. A tolerância oral pode ser responsável pela falta de reatividade imune aos antígenos dietéticos e à microbiota comensal do lúmen intestinal. Na DII, essa supressão da inflamação é alterada, resultando em inflamação descontrolada. Os mecanismos dessa imunossupressão regulada não estão totalmente elucidados. ó – A inflamação provavelmente se origina da predisposição genética do hospedeiro no contexto de fatores ambientais ainda desconhecidos. Depois de ser iniciada a sensibilidade imune anormal da DII às células parenquimatosas e hematopoiéticas contra as bactérias, a resposta inflamatória imune é perpetuada pela ativação de linfócitos T. As citocinas inflamatórias liberadas pelas células imunes inatas (p. ex., IL-1, IL-6 e TNF) têm efeitos diversos nos tecidos. Elas promovem a fibrogênese, produção de colágeno, ativação das metaloproteinases teciduais e produção de outros mediadores inflamatórios; ativam também a cascata da coagulação nos vasos sanguíneos locai Essas citocinas são normalmente produzidas em resposta à infecção, porém costumam ser eliminadas ou inibidas no momento apropriado para limitar a lesão tecidual. Na DII, sua atividade não é regulada, resultando em um desequilíbrio entre os mediadores pró-inflamatórios e anti-inflamatórios. Algumas citocinas ativam outras células inflamatórias (macrófagos e células B) e outras atuam indiretamente, recrutando outros linfócitos, leucócitos inflamatórios e células mononucleares da corrente sanguínea para o intestino, por meio de interações entre receptores de direcionamento Existem três tipos principais de linfócitos T auxiliares CD4+ (TH) que promovem a inflamação, e todos eles podem estar associados à colite em modelos animais e, possivelmente, também nos seres humanos: células TH1 (secretam γ-interferona [IFN]), células TH2 (secretam IL- 4, IL-5, IL-13) e células TH17 (secretam IL-17, IL-21). As células TH1 induzem inflamação granulomatosa transmural que lembra a DC; as células TH2 e as células T natural killer relacionadas que secretam IL-13 induzem inflamação mucosa superficial que lembra RCU em modelos animais; e as células TH17 podem ser responsáveis pelo recrutamento dos neutrófilos. í ó – É uma doença da mucosa que geralmente acomete o reto e se estende até atingir o cólon (total ou parcialmente). Sua disseminação ocorre em continuidade (sem lesões em saltos). Com inflamação leve a mucosa fica eritematosa e tem a superfície delicadamente granulosa. Com a doença mais grave a mucosa é hemorrágica, edematosa e ulcerada. Na doença de longa evolução pólipos inflamatórios podem estar presentes como resultado da regeneração epitelial. Em remissão, a mucosa pode evidenciar um aspecto normal – porém, nos pacientes com muitos anos de doença, tem um aspecto atrófico e indistinto e todo o cólon fica estreitado e encurtado. Os pacientes com doença fulminante podem desenvolver colite tóxica ou megacólon, quando a parede intestinal se torna mais fina e a mucosa se apresenta extremamente ulcerada, o que pode resultar em perfuração. Carla Bertelli – 4° Período í ó – O processo fica limitado à mucosa e à submucosa superficial, sem acometimento das camadas mais profundas (exceto na doença fulminante) Na RCU duas características histológicas principais surgem e ajudam a diferencia-la da DC: • A arquitetura das criptas do cólon é distorcida – as criptas podem ser bífidas e seu número reduzido, na maioria das vezes com uma lacuna entre as bases das criptas e a muscular da mucosa. • Alguns pacientes tem plasmócitos basais e múltiplos agregados linfoides basais Pode haver congestão vascular da mucosa com edema e hemorragia focais, bem como infiltrado de células inflamatórias deneutrófilos, linfócitos, plasmócitos e macrófagos. Os neutrófilos invadem o epitélio, em geral nas criptas, dando origem a uma criptite, evoluindo para abcessos das criptas. çõ í – Os principais sintomas são diarreia, sangramento retal, tenesmo (desejo contínuo de evacuar), eliminação de muco e dor abdominal em cólica. A intensidade dos sintomas se correlaciona com a extensão da doença. Quando a doença se estende para além do reto, o sangue costuma estar misturado com as fezes, ou pode ser observada diarreia macroscopicamente sanguinolenta. A motilidade colônica é alterada pela inflamação com trânsito rápido pelo intestino inflamado. Quando a doença é grave, os pacientes eliminam fezes líquidas que contêm sangue, pus e material fecal. Com frequência, a diarreia é noturna e/ou pós-prandial. Apesar de a dor intensa não ser um sintoma proeminente, alguns pacientes com doença ativa podem experimentar desconforto vago no baixo ventre ou ligeira cólica abdominal central. Cólica e dor abdominal intensas podem ocorrer nas crises mais graves da doença. Outros sintomas na doença moderada a grave incluem anorexia, náuseas, vômitos, febre e redução ponderal. çõ - Representam sempre uma preocupação na RCU devido à possibilidade de neoplasia subjacente. Os estreitamentos benignos podem formar- se a partir da inflamação e fibrose da RCU, porém os estreitamentos que não podem ser ultrapassados pelo endoscópio devem ser considerados malignos até prova em contrário. Um estreitamento que impede a introdução do colonoscópio constitui indicação para cirurgia. Ocasionalmente, os pacientes com RCU desenvolvem fissuras anais, abscessos perianais ou hemorroidas, porém a ocorrência de lesões perianais extensas deve sugerir DC. Carla Bertelli – 4° Período í ó – Pode afetar qualquer parte do TGI. A DC é segmentar, com áreas preservadas intercaladas por intestino doente. Fístulas perirretais, fissuras, abcessos e estenose anal estão presentes em 1/3 dos pacientes dom DC. A DC é um processo transmural. Ao exame endoscópico, ulcerações aftosas, pequenas ou superficiais, caracterizam a doença leve. Na doença mais ativa, ulcerações estreladas se fundem longitudinal e transversalmente, a fim de demarcar ilhas de mucosa. Esse aspecto de “pedras arredondadas” é característico da DC tanto ao exame endoscópico quanto no clister opaco. A DC ativa caracteriza-se por inflamação focal e formação de trajetos fistulosos que desaparecem devido à fibrose e ao estreitamento do intestino. A parede intestinal sofre espessamento e torna-se estreitada e fibrótica, resultando em obstruções intestinais crônicas e recorrentes. As projeções do mesentério espessado circundam o intestino (“gordura rastejante”), e a inflamação serosa e mesentérica facilita o surgimento de aderências e a formação de fístulas. í ó – As lesões mais precoces são ulcerações aftoides e abcessos das criptas focais com agregados indefinidos de macrófagos, que formam granulomas não caseosos em todas as camadas da parede intestinal. Os granulomas podem ser visualizados nos linfonodos do mesentério, fígado e pâncreas. Outras características histológicas da DC incluem agregados linfoides submucosos ou subserosos, em particular longe das áreas de ulceração; áreas preservadas macroscópicas e microscópicas; e inflamação transmural acompanhada de fissuras que penetram profundamente na parede intestinal e, às vezes, formam trajetos fistulosos ou abscessos locais. çõ í - Embora a DC se manifeste geralmente como inflamação intestinal aguda ou crônica, o processo inflamatório evolui para um dos dois padrões da doença: um padrão fibroestenótico obstrutivo ou um padrão penetrante-fistuloso, cada qual com tratamentos e prognósticos diferentes. O local da doença influencia as manifestações clínicas. ILEOCOLITE Considerando-se que o local mais comum de inflamação é o íleo terminal, a manifestação habitual da ileocolite é uma história crônica de episódios recorrentes de dor no quadrante inferior direito e diarreia. Às vezes, a manifestação inicial simula apendicite aguda com dor acentuada no quadrante inferior direito, massa palpável, febre e leucocitose. Em geral, a dor manifesta- se como cólica; ela precede e é aliviada pela defecação. Costuma ser observada uma febrícula. Os altos picos de febre sugerem a formação de um abscesso intra- abdominal. A perda de peso é comum – 10 a 20% do peso corporal – e manifesta-se como consequência de diarreia, anorexia e medo de comer. Pode ser palpada massa inflamatória no quadrante inferior direito do abdome. Essa massa é formada de intestino inflamado, induração do mesentério e linfonodos abdominais aumentados. A extensão da massa pode causar a obstrução do ureter direito ou inflamação vesical, que se manifestam por disúria e febre. Carla Bertelli – 4° Período A obstrução intestinal pode assumir várias formas. Nos estágios mais precoces da doença, o edema e o espasmo da parede intestinal produzem manifestações obstrutivas intermitentes, bem como agravamento dos sintomas de dor pós-prandial. Ao longo de vários anos, a inflamação persistente progride gradualmente para estreitamento fibroestenótico e estenose circunscrita. A diarreia diminui e é substituída por obstrução intestinal crônica. Os episódios agudos de obstrução também ocorrem, sendo desencadeados por inflamação e espasmo intestinais ou, ocasionalmente, pela impactação de alimento não digerido ou fármacos. Esses episódios costumam melhorar com líquidos intravenosos e descompressão gástrica. çõ - Como a DC é um processo transmural, formam-se aderências serosas que proporcionam vias diretas para a formação de fístulas e reduzem a incidência de perfuração livre. A perfuração ocorre em 1 a 2% dos pacientes, em geral no íleo, porém ocasionalmente no jejuno ou então como complicação do megacólon tóxico. A peritonite da perfuração livre, sobretudo colônica, pode ser fatal. Os abscessos intra- abdominais e pélvicos ocorrem em 10 a 30% dos pacientes com DC em alguma época durante a evolução de sua enfermidade.
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