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O JEITINHO BRASILEIRO, O HOMEM CORDIAL

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O JEITINHO BRASILEIRO, O HOMEM CORDIAL E A IMPESSOALIDADE 
ADMINISTRATIVA: ENCONTROS E DESENCONTROS 
NA NAVEGAÇÃO DA MÁQUINA PÚBLICA BRASILEIRA 
 
 ALVIM, Joaquim Leonel de Rezende 1; NUNES, Tiago de García 2 
 
Introdução 
Quem não conhece o jeitinho brasileiro? Talvez inexista tema tão 
incorporado ao imaginário popular nacional. Presente em anedotas, tiras de jornais, 
campanhas publicitárias, slogans políticos, críticas jornalísticas e conversas de 
botequim; o jeitinho brasileiro é apresentado (muito orgulhosamente) como sendo 
algo genuinamente brasileiro, muito embora pesquisas já denunciam que este não 
se trata mais de uma exclusividade "tupiniquim". 
Diretamente relacionado ao tema da ética e dos costumes, é dificultoso 
alcançar consenso na identificação e na rotulação de práticas “jeitosas”. 
Provavelmente, ninguém é a favor da corrupção, ao menos ninguém declararia 
publicamente seu apoio às práticas corruptas! Mas quando o “raio x” do 
moral/imoral, certo/errado, pode/não pode, assume sua natureza reflexiva, quer 
dizer, quando o autoexame do jeitinho entra em cena, a relativização e a 
condescendência se transformam nas "donas da festa", confirmando a natureza 
contextual da moralidade. Quando o "outro" faz é feio e recriminável, mas quando 
"eu" faço, tenho minhas razões e mereço perdão! Contudo, o paradoxo acerca da 
moralidade ocidental é potencializado em "terra brasilis". 
O trabalho percorre as categorias do "homem cordial" de Sérgio Buarque de 
Holanda e do "jeitinho brasileiro" de Roberto Damatta pelo prisma da sociologia 
jurídica; para na sequência, problematizar a fragilidade material do princípio da 
impessoalidade administrativa na navegação da máquina pública brasileira. A 
impessoalidade é analisada em dois planos: primeiramente como elemento da 
burocracia estatal, atributo fundamental da Administração Pública Moderna em Max 
 
1
 Professor titular em Teoria do Direito do Departamento de Direito Público da Universidade 
Federal Fluminense/UFF e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito - PPGSD/UFF. É 
doutor em Ciência Política pela Universidade de Montpellier I - França e pós-doutor em direito social 
pela Universidade de Paris X - Nanterre. 
2
 Doutorando em Sociologia e Direito - Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito - 
PPGSD/UFF; Mestre em Sociologia Jurídica pelo Instituto Internacional de Sociologia Jurídica de 
Oñati (Universidade do Estudo de Milão e Universidade do País Basco); Professor do Centro de 
Ciências Jurídica, Econômicas e Sociais da Universidade Católica de Pelotas - UCPel. 
 
Weber; e posteriormente como discussão principiológica atinente ao ramo do Direito 
Administrativo (princípio da impessoalidade administrativa). 
O método aqui empregado privilegia uma leitura sociojurídica que revisita 
temas como patrimonialismo, corrupção, autopromoção do indivíduo, artimanhas do 
espaço privado na colonização da coisa pública e a própria identidade brasileira no 
exercício da função administrativa. Contudo, a argumentação será desenvolvida a 
partir de dois questionamentos centrais, são eles: 1 – Se o jeitinho brasileiro 
realmente existe, quais as razões sociopolíticas que ensejaram o seu surgimento?; 2 
– É possível estabelecer alguma relação entre a cordialidade, o jeitinho e o princípio 
da impessoalidade administrativa? 
 
O Jeitinho e a identidade brasileira: encontros e desencontros 
Desde a colonização portuguesa os brasileiros tiveram seus laços culturais 
desrespeitados e suprimidos. O "modus vivendi" indígena e africano jamais foi digno 
de representar a cultura brasileira, ficando no ostracismo, ou quando muito, 
"promovido" a matéria-prima de espetáculos exóticos. A falácia da democracia racial 
é análoga a suposta existência de uma democracia cultural na sociedade brasileira. 
Grande parte dos colonizadores aqui implantaram ou adaptaram o modo europeu de 
ser. Neste sentido Nei Pies pondera que: 
 Por muito tempo em nossa história, ser culto (possuir ou 
dominar a cultura) significava ter estudado em universidades 
europeias ou ter viajado pela Europa. Aos brasileiros, sua 
própria cultura (modos de ser, pensar e agir) ainda não é 
suficientemente séria para ser reconhecida e estudada. O Brasil 
ainda hoje carece de uma identidade (PIES, 2008). 
 
Contudo, qual é o papel do "jeitinho" na discussão? Ele pode ser 
considerado uma tipologia3 da identidade brasileira, especialmente no que se refere 
ao imaginário jurídico do povo e a sua relação com a noção de direitos e deveres. 
Historicamente, o brasileiro vem confundindo o conceito de cidadania com a ideia de 
favores; politicamente, a população absorveu muitos deveres a serem cumpridos e 
 
3
 Os tipos ideais na teoria de Max Weber são caminhos construídos de forma puramente 
racional para aproximação do fenômeno (ideal da pureza da razão) com a realidade (essência 
subjetiva), assim, todos os desvios devem ser detectados e considerados como influências irracionais 
(conexões irracionais, afetos, erros) (WEBER, 2004). 
 
poucos direitos a serem usufruídos. E quando direitos, conquistados com luta e 
mobilização, são negados, entram em cena os "jeitinhos". Contudo, é um tanto 
complexo e dificultoso classificar universalmente certas práticas como jeitinhos. 
Carlos Almeida define que 
O jeitinho, portanto, equivale a uma “zona cinzenta moral” 
entre o certo e o errado. Se uma situação é classificada como 
jeitinho, o que se está afirmando é que, dependendo das 
circunstâncias, essa situação pode passar de errada a certa. 
Não há uma regra universal e superior que regule o mundo 
para além das circunstâncias. O que existe são julgamentos 
caso a caso que podem concluir que, dependendo do contexto, 
se trata de algo certo ou errado (ALMEIDA, p. 47-48, 2007). 
 
Pelo viés da hermenêutica tradicional pode-se afirmar que: é certo que as 
leis sejam cumpridas e errado que elas sejam infringidas em favor de quaisquer 
grupos e/ou pessoas (é sempre bom recordar que o papel tudo aceita). Algo 
aparentemente consensual e pacífico, inclusive para o senso comum. No entanto é 
imperioso problematizar os porquês da cultura do jeitinho (que tem no "favor" e na 
"corrupção" duas subespécies) estar tão enraizada na Sociedade Brasileira e ser 
uma constante nos processos de acesso à máquina estatal por parte da maioria da 
população. 
Com finalidade argumentativa, elencamos algumas situações ilustrativas de 
jeitinhos, constantes no cotidiano da "terra brasilis", tanto na esfera pública como na 
privada: a) pedir a um amigo que trabalha no serviço público para auxiliar na 
expedição de um documento pessoal, de uma alvará, de uma autorização ou da 
liberação de um financiamento; b) receber (no exercício de função pública) um 
"agrado" pela ajuda prestada a empresa vencedora de licitação; c) “passar a 
conversa” ou pagar R$ 20,00 (vinte reais) ao agente de trânsito para evitar uma 
multa; d) guardar lugar para amigo na fila de banco; e) indicar (no exercício de 
função pública) assessoria técnica de algum amigo ou conhecido; f) obter vaga em 
escola pública mediante interferência de amigo que trabalha na instituição; g) fazer 
uma conexão não autorizada (gato/gambiarra) na rede de energia elétrica, televisão 
a cabo ou água encanada; h) sonegar impostos sem ser descoberto; i) dar gorjetas 
ao garçom de um restaurante para não ter que ficar na fila nas próximas idas ao 
 
estabelecimento; j) passar na frente da fila de estabelecimento público de saúde por 
conhecer médico plantonista; k) ter dois empregos públicos mas só trabalhar em um 
deles. 
Inobstante a dificuldade de classificação e identificação precisa de cada 
hipótese citada como sendo "favor, jeitinho ou corrupção"4, devido,principalmente, 
às nuanças circunstanciais de cada exemplo, é certo que tais posturas do cotidiano 
somente podem ser compreendidas mediante a releitura dos processos histórico-
culturais que fizeram o povo brasileiro ser o que é. 
 
O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda 
Na obra "Raízes do Brasil" publicada em 1936, Sérgio Buarque de Holanda 
dedica um capítulo especial ao nosso assunto, intitulado “o homem cordial". Neste, o 
autor destaca, sobretudo, a importância da herança cultural da colonização lusitana 
no Brasil, e a dinâmica dos (des)arranjos e acomodações que permearam as 
transferências culturais de Portugal para a "terra brasilis". 
Pela ótica da análise weberiana do Estado, Holanda analisa o modelo de 
Estado brasileiro e aponta a necessidade de superação da estrutura estatal 
patrimonialista oriunda da colonização portuguesa. Nos moldes desta estrutura, a 
administração pública era interesse privado das famílias. O ingresso dos agentes 
públicos se dava pelo critério de confiança pessoal ou de algum outro elemento 
afetivo, e não o da competência/eficiência como na lógica atual de ingresso 
mediante concursos públicos (ressalvadas as hipóteses de livre nomeação e 
exoneração permitidas pelo direito brasileiro). Os funcionários desse Estado 
desempenhavam suas funções pessoalmente, perseguindo, promovendo, 
premiando e bloqueando ações dos particulares. Em artigo intitulado de “O Avesso 
do Direito […]”, Elpídio Luz Segundo destaca a coexistência de dois sistemas: 
 A burocracia e a sociedade no Brasil colonial constituíam 
dois sistemas de arranjos imbricados. A estrutura formal do 
governo impessoal e categórica estava permeada por um 
complexo sistema de relacionamentos interpessoais baseados 
em parentesco, afeição e propina (2010, p. 3). 
 
 
4
 Segundo a tipologia de Carlos Almeida (2007). 
 
O êxito deste sistema de administração pouco racional deu-se pela 
necessidade de acomodar e harmonizar as forças políticas e econômicas locais, 
mantendo o Brasil permanentemente ligado à colônia. Mediante alianças com os 
burocratas, os grupos, famílias e indivíduos da colônia tinham influência que poderia 
distorcer drasticamente a aplicação das leis em seu favor e, principalmente, 
mantendo o alinhamento político com a metrópole. Sendo assim, restava complexo 
aos agentes públicos da época distinguirem o que era assunto de Estado (interesse 
público) do que era meta particular (interesse privado): 
 Não era fácil aos detentores de posições públicas de 
responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a 
distinção fundamental entre os domínios do privado e do 
público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que 
separa funcionário “patrimonial” do puro burocrata conforme a 
definição de Max Weber. Para o funcionário “patrimonial”, a 
própria gestão política apresenta-se como assunto de seu 
interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios 
que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do 
funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no 
verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a 
especialização das funções e o esforço para se assegurarem 
garantias jurídicas aos cidadãos. Falta a tudo a ordenação 
impessoal que caracteriza a vida do Estado burocrático. O 
funcionalismo patrimonial pode, com a progressiva divisão das 
funções e com a racionalização, adquirir traços burocráticos. 
Mas em sua essência ele é tanto mais diferente do burocrático, 
quanto mais caracterizados estejam os dois tipos (HOLANDA, 
2007, p. 145-6). 
 
A ambivalência deste Estado explica parcialmente a confusão entre público 
e privado que subsiste nos dias atuais. E com isso ainda impera o imaginário social 
no qual, "o que é privado tem dono e deve ser protegido, enquanto o que é público é 
de ninguém e deve ser consumido". 
 
Em termos ideológicos, o Estado Moderno representa exatamente a 
prevalência do público sobre o privado. Contudo, Elpídio Luz Segundo demonstra 
que há algo diferente no Brasil: 
Diferentemente do Estado Patrimonial, no Estado 
Moderno weberiano, subscrito em termos por Sérgio Buarque 
(...) a administração pública, os tipos de dominação, o conceito 
de patrimonialismo e de racionalidade, a fragmentação da 
sociedade em esferas diferenciadas e tensas, cada uma com 
sua lógica específica – diferenciam a lógica da esfera familiar 
da esfera política (…) o Estado e a família são esferas sociais 
essencialmente diferentes, descontínuas e até opostas. No 
Estado vive o cidadão, indivíduo público, com deveres e 
direitos, submetido a leis abstratas, gerais, impessoais e 
racionais. Na família mora o indivíduo privado, corpóreo, 
afetivo, concreto, pessoal. Neste sentido, o Estado representa a 
vitória do universal e abstrato sobre o particular e concreto. 
Contudo, no Brasil não é bem assim. Muitas vezes grupos 
familiares são mais fortes que o Estado, controlando este. 
Observe-se que no Brasil contemporâneo há oligarquias locais 
e regionais que são ainda um respeitável obstáculo à 
constituição do Estado moderno de feição que comumente se 
designa “completa”, ou seja, ao modo europeu ou 
estadunidense (2010, p. 5). 
 
Isto influencia veementemente a cultura jurídica do brasileiro; e a burocracia, 
no molde tupiniquim, é compreendida como sinônimo de decadência e ineficácia. A 
aplicação das normas, desde os tempos coloniais se faz entre o “absolutismo da 
razão” - impessoalidade dos procedimentos legais burocráticos - e o “despotismo da 
emoção” - excessos personalistas dos mediadores (SEGUNDO, 2010, p. 3). 
Assim sendo, a cordialidade, nas relações sociais, funciona como um 
sistema de trocas no qual as fronteiras do interesse, da obrigação moral e da 
previsão legal não estão demarcadas. A cordialidade também alcança a prestação 
do serviço público, pois onde não existe mínima impessoalidade de procedimentos, 
 
impera a lógica do coração, que acolhe, protege e premia familiares, amigos e 
clientes. No Brasil, 
pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema 
administrativo e um corpo de funcionários puramente 
dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. 
Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa 
história, o predomínio constante de vontades particulares que 
encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco 
acessíveis a uma ordenação impessoal (HOLANDA, p. 147, 
2007). 
 
O fechamento estrutural impessoal/burocrático do sistema jurídico pode ser 
facilmente penetrado pela instrumentalização do favor, e a população já conhece os 
benefícios de sua utilização. Neste sistema, "a água transforma-se em vinho, se 
orarmos corretamente para o santo competente"! 
O fenômeno é pode ser percebido no “complexo de patrão” do Brasil 
tradicional. Rosen descreve tal complexo: 
 Em troca de lealdade e serviços, o patrão, um 
membro da elite local, protege e premia os interesses dos seus 
empregados, arrendatários e seguidores, mediando junto às 
autoridades quando qualquer membro do seu grupo está em 
dificuldade. A intercessão do patrão comprova a 
personalização das relações legais para “os de baixo” posto 
que o patrão é, de certa forma, o Governo, do qual a maioria 
dos brasileiros parecem aguardar quase tudo: desde emprego, 
crédito, bom salário, tratamento de saúde, estabilidade 
econômica e subsídio para as fantasias de carnaval (1998, p. 
51). 
 
A função do patrão foi paulatinamente transferida a outras entidades 
mediadoras, 
 A personalidade cordial está pronta para obedecer 
cegamente ao mito do herói individualizado (o líder carismático, 
o Imperador, o Pai dos Pobres, o Homem Comum das Ruas – 
 
no caso das democracias), como coletivizado (o Estado, o 
Povo, o Partido, a Igreja, etc). O homem cordial está disposto aacordar com qualquer conceito, se este for apresentado em 
uma relação cordial, ou seja, de coração a coração, de maneira 
afetuosa ou agressiva (SEGUNDO, 2010). 
 
O caráter indisciplinado e personalista do homem cordial está longe de 
aceitar uma ordem coletiva impessoal, juridicamente indiferente. O cumprimento 
inequívoco da lei soa antiquado, pois é digerido como sendo exagerado, 
inconveniente e inadequado ao “jeito brasileiro” de ser e de resolver as coisas. Se 
forçado a optar entre ajudar alguém de quem sente pena ou respeitar uma norma 
legal, o brasileiro provavelmente esquecerá a lei” (ROSEN, 1998, p. 47). 
Contudo, o homem cordial de Buarque de Holanda tem um apego quase que 
exclusivo aos valores da personalidade, obedecendo aos apelos do coração e não 
as normas impessoais e abstratas. Este homem tem aversão às diferenciações, e, 
se elas existem formalmente, ele facilmente as dissolve. O autor ironiza ainda que 
no Brasil, a democracia não passa de um mal entendido, tendo em vista a 
persistência de um certo imaginário colonial, da cultura da escravidão, da cultura da 
diferenciação, do favor e do jeitinho. 
Outro fator apontado por Holanda para uma fácil ambientação da 
institucionalização dos favores é a não internalização das finalidades das normas, 
devido a excessiva e reiterada importação/transplantação/outorga de leis e 
constituições, dado que, "a experiência e a tradição ensinam que toda cultura só 
absorve, assimila e elabora em geral os traços de outras culturas, quando estas 
encontram uma possibilidade de ajuste aos seus quadros de vida" (HOLANDA, 
2007, p. 40). 
O desajuste entre as normas jurídicas e cultura também canaliza no 
desconhecimento da lei e no temor à sua aplicação. "Descumprir normas, 
estabelecer relações de pessoalidade com a lei através de um mediador, na maioria 
das vezes – o patrão e a polícia para os “de baixo” e o político e o “influente” para os 
“de cima”, são recorrentes na estrutura da sociedade brasileira" (SEGUNDO, 2010, 
p. 6). 
É claro que a sociedade brasileira mudou consideravelmente após a primeira 
edição de "Raízes do Brasil", em 1936. O Brasil sofreu um processo de urbanização 
 
desenfreado principalmente devido a sua industrialização e ao fluxo migratório em 
direção às grandes cidades. A partir da década de 50-60 do século XX o país 
tornou-se urbano e a renda urbana superou a renda rural. No entanto, 
diferentemente do processo europeu e estadunidense, a urbanização brasileira 
ocorreu em algumas décadas, de maneira excludente, desorganizada e pouco 
planejada. Em decorrência disso, a maioria da população ainda vive em péssimas 
condições de vida; numa vulnerabilidade jurídico-política imensurável. Tal quadro 
dificulta a superação do paradigma patrimonialista descrito por HOLANDA e oferta 
confortável espaço para práticas políticas clientelistas que perpetuam a existência 
de diversos tipos de "mediadores" de direitos, perspicazes na utilização dos 
"jeitinhos". 
 
A cultura do jeito em Roberto Damatta 
Outra importante contribuição à problematização do jeitinho brasileiro é a 
proposta antropológica de Roberto Damatta. Na obra “O que faz do Brasil, Brasil", 
publicada em 1984, o antropólogo discorre sobre relevantes temas que incorporam a 
identidade nacional, como o carnaval, as mulheres e a religiosidade (DAMATTA, 
2001). No sétimo capítulo da mesma obra, o autor define o jeitinho e a malandragem 
como sendo o "modo de navegação social no Brasil" (2001, p. 63), e desta análise 
se depreende significativa reflexão sobre a instituição do jurídico no imaginário 
popular. Os questionamentos centrais que movem a pesquisa de Damatta 
tencionam nossa relação e nossa atitude para com, e, diante de, uma lei universal 
que teoricamente deve valer para todos, quando, "fomos criados numa casa onde, 
desde a mais tenra idade, aprendemos que há sempre um modo de satisfazer 
nossas vontades e desejos, mesmo que isso vá de encontro às normas do bom 
senso e da coletividade em geral" (2001, p. 63-64). De maneira bem humorada, o 
autor defende a tese de que o jeitinho é resultante inevitável de um conflito, 
[...] um combate entre leis que devem valer para todos e 
relações que evidentemente só podem funcionar para quem as 
tem. O resultado é um sistema social dividido e até mesmo 
equilibrado entre duas unidades sociais básicas: o indivíduo (o 
sujeito das leis universais que modernizam a sociedade) e a 
pessoa (o sujeito das relações sociais, que conduz ao pólo 
tradicional do sistema (p. 64). 
 
 
Na hora de optar entre os dois, o coração dos brasileiros balança (recorde-
se o homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda). Na "zona cinzenta" alocada 
entre o indivíduo de leis universais e o sujeito de relações sociais, repousa “a 
malandragem, o jeitinho e o conhecido "sabe com quem está falando?", como modo 
tipicamente brasileiro de enfrentar contradições e paradoxos. A lei, a situação onde 
ela deveria ser aplicada e os agentes nela envolvidos, formam um emaranhado, no 
qual o jeitinho é um "modus operandi" único e contingente para cada nova demanda. 
Assim como em Buarque de Holanda, a proposta de Roberto Damatta 
permite inferir que a principal causa deste modo de relacionar-se com o jurídico 
tipicamente brasileiro seria a incompatibilidade entre as leis e as situações 
disciplinadas, quer dizer: entre o direito e a realidade social. 
Damatta comenta que em alguns países, como nos Estados Unidos, na 
França e na Inglaterra, as regras ou são obedecidas ou não existem. Por lá, não 
haveria prazer algum em escrever normas que contrariam e, em alguns casos, 
agridem o bom senso e as regras da própria sociedade, ensejando a corrupção 
burocrática e a desconfiança no poder público (2001, p. 64). 
Parece que a crença na existência de uma relação harmônica e coerente 
entre a teoria e a prática jurídica nestes países trata-se de exagerado otimismo de 
Damatta, já questionado pela proposta "law in books x law in action"5, muito 
difundida nas universidades estadunidenses e europeias. No entanto, concordamos 
com Damatta que, na "terra brasilis", o distanciamento entre a lei e a realidade. em 
vez de exceção, tornou-se regra, atingindo incalculável patamar. 
Na sequência, o autor desenvolve uma noção sobre o jeitinho: 
 É, sobretudo, um modo simpático, desesperado ou 
humano de relacionar o impessoal com o pessoal; nos casos – 
ou no caso – de permitir juntar um problema pessoal (atraso, 
falta de dinheiro, ignorância das leis por falta de divulgação, 
confusão legal, ambiguidade do texto da lei, má vontade do 
agente da norma ou do usuário, injustiça da própria lei, feita 
para uma dada situação, mas aplicada universalmente etc.) 
 
5
 Law in action é uma teoria jurídica associada ao movimento do Realismo Jurídico, que 
examina o papel do Direito na realidade, para além das leis e decisões judiciais catalogadas pelos 
Tribunais. Teóricos do movimento geralmente observam o comportamento de agentes públicos e o 
que ocorre nos bastidores das instituições que administram a Justiça Estatal. 
 
com um problema impessoal. Em geral, o jeito é um modo 
pacífico e até mesmo legítimo de resolver tais problemas, 
provocando essa junção inteiramente casuística da lei com a 
pessoa que a está utilizando (2001, p. 65). 
 
 No Brasil, o fantasma dos regimes autoritários ainda pairam pelo ar, e seus 
reflexos influenciam drasticamente o imaginário do povo sobre a real finalidade das 
normas jurídicas. Na recente história brasileira, a lei sempre significa o "não pode", 
capaz de tirar todos os prazeres e desmanchar todos projetos e iniciativas. A 
legislação diária do Brasil é uma regulamentação formal do "não pode", onde a 
palavra "não" submete o cidadão ao Estado de forma geral e constante. O palco 
para ojeitinho entrar em cena está armado! 
 Ora, é precisamente por tudo isso que conseguimos 
descobrir e aperfeiçoar um modo, um jeito, um estilo de 
navegação social que passa sempre nas entrelinhas desses 
peremptórios e autoritários “não pode!”. Assim, entre o “pode” e 
o “não pode”, escolhemos, de modo chocantemente antilógico, 
mas singularmente brasileiro, a junção do “pode” com o “não 
pode”. Pois bem, é essa junção que produz todos os tipos de 
“jeitinhos” e arranjos que fazem com que possamos operar um 
sistema legal que quase sempre nada tem a ver com a 
realidade social (p. 66). 
 
 Talvez, a existência desta incoerência entre o direito formal e a 
realidade social possa justificar o fato de a maioria da população evitar a estrutura 
formal, e buscar nos vários mecanismos informais para solucionar seus problemas, 
pois o não-formal é mais próximo e produz resultados imediatos. 
 A dificuldade em conjugar a lei com a realidade social da população 
enseja o nascimento e a cristalização da figura do mediador. No entanto, na 
perspectiva de Damatta, esta perspicaz personagem veste uma roupagem um tanto 
diversa daquela apontada por Holanda: 
Do lado do malandro, e como o seu oposto social, temos 
a figura do despachante, esse especialista em entrar em 
 
contato com as repartições oficiais para a obtenção de 
documentos que normalmente implicam as confusões que 
mencionei linhas antes, ao descrever detalhadamente o 
“jeitinho”. O despachante, como figura sociológica, só pode ser 
visto em sua enorme importância quando novamente nos 
damos conta dessa enorme dificuldade brasileira de juntar a lei 
com a realidade social diária. Assim, o despachante parece 
mais um padrinho. Tal como o padrinho, ele é um mediador 
entre a lei e uma pessoa (2001, 69-70). 
 
Da mesma forma na qual um patrão deve dar emprego e boas condições de 
trabalho aos seus empregados (o "complexo de patrão" descrito por Buarque de 
Holanda), o despachante deve guiar seus clientes pelos estreitos e perigosos 
meandros das repartições oficiais, fazendo com que sigam o caminho certo e 
alcancem seus objetivos. 
Por fim, Roberto Damatta destaca que o jeitinho é um modo de navegação 
muito antigo e encontra no trecho final da histórica carta de Pero Vaz de Caminha 
um jeitinho, na versão lusitana: 
 Depois de dar ao rei as maravilhosas notícias da terra 
brasileira. Ali, naquele pedaço terminal e naquela hora de 
arremate, Caminha arrisca, malandramente, o seguinte: “E 
nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que 
nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, 
pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, me fez por assim 
pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo 
que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço 
for, Vossa Alteza, há de ser de mim muito bem servida, a ela 
peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de 
São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que dela 
receberei em muita mercê.” E conclui Caminha, como até hoje 
manda o nosso figurino de malandragem: “Beijo as mãos de 
Vossa Alteza. Deste Porto Seguro de Vossa Ilha de Vera Cruz, 
 
hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de 
Caminha” (2001, p. 71). 
 
 Nas palavras de Damatta: será que é preciso dizer mais alguma coisa? 
Administração Moderna, Burocracia e Impessoalidade Administrativa em Max 
Weber 
Após ter sido apresentada uma singela genealogia do jeitinho brasileiro, a 
partir das incursões de Sérgio Buarque de Holanda e Roberto Damatta, cabe então 
verificar a possível relação entre a cordialidade, o jeitinho e o princípio da 
impessoalidade administrativa a partir da sociologia compreensiva de Max Weber 
(segundo ponto de nossa proposta). 
Weber inaugura a temática a partir da criação de uma tipologia que explora 
três formas puras de dominação. 
 Por dominação Weber entende [...] a probabilidade de encontrar obediência 
dentro de um grupo determinado para mandatos específicos [...] (WEBER, 1996, p. 
170), que pode manifestar-se vinculado a diferentes formas de legitimidades 
coordenadas por determinados tipos de relações sociais subjacentes, quais sejam, 
tradicional, legal ou carismática, as quais estão colocadas, pelo autor, da seguinte 
forma: 
Existen tres tipos puros de dominación legítima. El fundamento 
primario de su legitimidad puede ser: 
1. De carácter racional: que descansa en la creencia en la 
legitimidad de ordenaciones estatuidas y de los derechos de 
mando de los llamados por esas ordenaciones a ejercer la 
autoridad (autoridad legal). 
2. De carácter tradicional: que descansa en la creencia 
cotidiana en la santidad de las tradiciones que rigieron desde 
lejanos tiempos y en la legitimidad de los señalados por esa 
tradición para ejercer la autoridad (autoridad tradicional). 
3. De carácter carismático: que descansa en la entrega 
extraordinaria a la santidad, heroísmo o ejemplaridad de una 
 
persona y a las ordenaciones por ella creadas o reveladas 
(llamada autoridad carismática) (1996, p. 172). 
 
Weber as separa, nestes critérios, como formas puras de dominação, mas 
faz questão de destacar que geralmente nenhuma aparece no mundo real de forma 
pura e sozinha, embora seja pedagogicamente indicado seu estudo em apartado (p. 
173). Em análise, dentro das duas últimas formas de dominação, o grau de 
julgamento unilateral do governante é extremamente alto, chegando ao nível do não 
questionamento, enquanto que na dominação legal, a própria estrutura subjacente 
exerce controle sobre o poder decisório, relegando-o a níveis aceitáveis, pois a 
administração é estruturada por profissionais em um sistema hierarquizado com 
jurisdição racionalmente delimitada (p. 172). 
A dominação legal, que mais nos interessa nesse momento, “esta articulada 
dentro de un cuadro de derechos (1); relacionados en acuerdo con valores o fines 
(2); que la ‘persona puesta a la cabeza’, en tanto que ordena y manda, obedece por 
su parte al orden impersonal por el que orienta sus disposiciones” (3); y que aquel 
que obedece solo lo hace como miembro subordinado a una ordenación jurídica 
vinculante (4)” (p. 174). 
Portanto, a obediência está vinculada a ordens impessoais “[...] y que solo 
están obligados a la obediencia dentro de la competencia limitada, racional y 
objetiva, a el otorgada por dicho orden” (p. 174). 
Essa forma de dominação como formulação de um aparato burocrático está 
sustentada sobre seu exercício continuado; sujeito a estabilidade da lei e dentro de 
funções delimitadas; onde os funcionários têm seus direitos, deveres e funções 
circunscritas objetivamente; com atribuição de poderes necessários para sua 
realização; e fixação de poderes de coerção administrativa previamente delimitadas 
para sustentar a eficaz condução da atividade administrativa (p. 174). 
A dominação legal weberiana mais pura pressupõe a existência de um 
quadro administrativo; com nivelação hierárquica de mando e obediência; com 
possibilidade de um sistema recursal com nivelamento superiores de apelação das 
ordenações; e que haja blindagem contra os demais tipos de dominação (p.174). 
A formação do quadro administrativo: (a) deve ser por recrutamento através 
de provas que selecionem pessoas livres, que se voluntariam para realizá-las; (b) 
com universalização da possibilidade do recrutamento; (c) com capacidade técnica 
 
para a função (p. 177); e que sejam nomeados para ocupar os cargos funcionais na 
qualidade de membro do quadro administrativo (p. 175). As principais características 
desses funcionários são, nas palavras do autor: 
1) personalmente libres, se deben alos deberes objetivos 
de su cargo; 2) en jerarquía administrativa rigurosa; 3) con 
competencias rigurosamente fijadas; 4) en virtud de un 
contrato, o sea (en principio) sobre la base de libre selección 
según calificación profesional que fundamenta su 
nombramiento – en el caso más racional; 5) por medio de 
ciertas pruebas o del diploma que certifica su calificación; 6) 
son retribuidos en dinero con sueldos fijos con derecho a 
pensión las más de las veces, su retribución está graduada 
primeramente en relación con el rango jerárquico, luego según 
la responsabilidad del cargo y, en general, según el principio 
del “decoro estamental”; 7) ejercen el cargo como su única o 
principal profesión; 8) tienen ante sí una “carrera”, o 
“perspectiva” de ascensos y avances por años de ejercicio, o 
por servicios o por ambas cosas, según juicio de sus 
superiores; 9) trabajan con completa separación de los medios 
administrativos y sin apropiación del cargo; 10) y están 
sometidos a una rigurosa disciplina y vigilancia administrativa 
(1996, p. 176). 
 
Por essa lógica, os cargos não poderiam ser considerados como 
propriedade particular, vendidos ou tomados como qualquer probabilidade lucrativa 
(1996, p. 177). O que in si destronaria sua pureza instrumental. 
A dominação legal é em essência a racional dominação pelo saber (WEBER, 
1996, p. 179), com 
precisión, continuidad, disciplina, rigor y confianza; 
calculabilidad, por tanto, para el soberano y los interesados; 
intensidad y extensión en el servicio; aplicabilidad formalmente 
universal a toda suerte de tareas; y susceptibilidad técnica de 
perfección para alcanzar el óptimo en sus resultados (WEBER, 
1996, p. 177). 
 
 
 O espírito da burocracia é o formalismo em essência, transado com um 
utilitarismo material destinado a realização do fim/valor determinado – “[...] 
inclinación de los burócratas a llevar a cabo sus tareas administrativas de acuerdo 
con criterios utilitario-materiales en servicio de los dominados, hechos felices de esta 
suerte” (p. 180). 
 
A dominação impura 
 Em análise mais apurada, a dominação legal, in si e longe de qualquer 
maniqueísmo, nos traz ditames rígidos da condução do maquinário público afastado 
dos vícios e paixões humanas. Contudo, sua apresentação, como Weber nos alerta, 
não é na sua forma mais pura, pois há fluxos transversais que redimensionam o real 
funcionamento dessa burocracia e de como são recrutados os membros do quadro 
administrativo. 
Alertamos para a influência da dominação tradicional, patrimonial – sultanista 
ou estamental – na condução da coisa pública. 
 Llámase dominación patrimonial a toda dominación 
primariamente orientada por la tradición, pero ejercida en virtud 
de un derecho propio; y es sultanista la dominación patrimonial 
que se mueve, en la forma de su administración, dentro de la 
esfera del arbitrio libre, desvinculado de la administración (p. 
185) (grifo nosso). 
 
Em contrapartida, no patrimonialismo estamental o poder está apropriado 
por um quadro administrativo, composto por determinadas pessoas com 
determinadas características específicas ou por um só indivíduo (p. 185). 
Nesse sentido, os princípios da burocracia racional restam comprometidos, 
pois a engenharia burocrática rearticula-se de forma a permitir apropriação privada 
daquilo que é público, como se a perversão desse tivesse se tornado racionalmente 
lícito, como se os cargos e funções pudessem ser colonizados e distribuídos e 
redistribuídos como recompensas e favores. 
O poder acaba sendo apropriado individualmente, por grupos políticos ou 
econômicos, mais tradicionalmente por esses dois últimos intrinsecamente 
relacionados, pois os primeiros devem a alçada do cargo que ocupam a outros 
 
indivíduos/grupos que exigem o recrutamento como contraprestação, assim, o poder 
é dividido e barganhado personalisticamente (WEBER, 1996, p. 186). 
A dominação tradicional, patrimonialista, deve suprir as necessidades e 
privilégios do quadro administrativo, ela não suporta as fronteiras rígidas da 
burocracia racional e limitativa. Em essência o patrimonialismo é: irracional, pois não 
suporta as regras racionais do Direito; sua administração não é profissional, pois é 
um governo pessoal; dominado pelo suborno; permissivo quanto a degeneração das 
leis; e é orientado pela economia. O patrimonialismo se apodera da arquitetura 
racional para operar a sua própria irracionalidade. Contudo, mostra-se atual na 
navegação burocrática brasileira. 
 
A impessoalidade na administração pública brasileira 
O homem cordial, imbuído do traje "jeitinho", navega de forma a perfurar os 
muros da blindagem da burocracia impessoal weberiana que, por sua vez, nos 
melhores termos de Direito, significa o instrumento, por excelência, de autoproteção 
do Estado frente às envergaduras da condição humana, por demais necessárias 
para uma ordem rígida e procedural, como se propõe a estrutura do Estado 
Moderno. 
Vejamos o que significa pela ótica jurídica, o princípio da impessoalidade da 
administração pública. As primeiras manifestações que encontramos, realizam uma 
quase identificação entre a impessoalidade e a igualdade. Celso Antônio Bandeira 
de Mello define que o princípio da impessoalidade 
não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. 
Nele, se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a 
todos os administrados sem discriminações, benéficas ou 
detrimentosas (...) se todos são "iguais perante a lei’, "a fortiori" 
teriam de sê-lo perante a Administração (1999, p. 70). 
 
Assim também o faz Ives Gandra Martins: 
 A Administração Pública tem que ser impessoal, sem 
favorecimentos a quem quer que seja, aplicando as leis do 
país, por igual, a todos os cidadãos, residentes ou pessoas que 
aqui transitam, visto que apenas nas monarquias absolutas ou 
 
nas ditaduras os ‘amigos do rei’ são favorecidos e os ‘inimigos’ 
perseguidos (1992, p. 01-12). 
 
 Ana Paula Oliveira Ávila, também analisa a aproximação entre o princípio da 
impessoalidade e a noção de igualdade, mas faz um alerta ao hermeneuta 
apressado sobre a autonomia dos princípios: 
a impessoalidade pode levar à igualdade, mas com ela não se 
confunde. É possível haver tratamento igual a determinado 
grupo (que estaria satisfazendo o princípio da igualdade); 
porém, se ditado por conveniências pessoais do grupo e/ou do 
administrador, estará infringindo a impessoalidade (ÁVILA, 
2004, p. 22, 37). 
 
 Impressões mais recentes posicionam a impessoalidade da atuação 
administrativa na tarefa de resguardar o interesse público e impedir que os atos 
administrativos sejam praticados visando interesses do agente público ou ainda de 
terceiros (ALEXANDRINO e PAULO, 2011, p. 194; MAZZA, 2011, p. 82) 
Trata-se pois, a impessoalidade, de um pressuposto que visaria garantir o 
distanciamento dos vícios humanos de um espírito fundacional e funcional que 
pretende ser puro e rígido, objetivo e direto, real e claro; o que vedaria a promoção 
pessoal dos agentes públicos engajados em cargos/funções na administração 
pública. 
Quando em ação, o agente público não mais agiria como ser individual e o 
resultado de suas atividades seria transmutado de si e imputado ao ente coletivo. O 
resultado e os meios desprendem-se da ação volitiva individual e corporificam-se na 
instituição, como se essa tivesse vida e realizasse suas próprias escolhas em 
direção ao bem-estar da população, por intermédio dos meios mais eficazes e 
cabíveis. 
Exatamente por isso esse modelo burocrático pressupõe a boa-fé objetiva 
dos agentes, onde todos deveriam agir com honestidade, correção e confiabilidade. 
Assim sendo, o suprassumo da ojeriza ao desvio da maquina pública é o nepotismo, 
vinculado a um fluxo de dominação tradicional – como no caso da sumula vinculante 
no 13 editadapelo Supremo Tribunal Federal em 2008. 
 
Esse modelo idealizado de pensar a administração pública deriva da 
racionalização burocrática dos mecanismos de funcionamento do Estado que é, para 
Weber, resultado de um processo histórico de um tipo de Direito; um Direito com 
características muito específicas, que só poderia ter aflorado na Europa, quando da 
separação entre a vida política e a vida jurídica (TRUBEK, 2007). O referido 
processo levou, consequentemente, à superespecialização dos profissionais do 
Direito, alcançando um nível muito alto de racionalidade que, por sua vez, está 
relacionado intrinsecamente com a sua própria legitimidade, de acordo com Weber. 
Esses pressupostos característicos do Direito Europeu, imprescindíveis para 
a consolidação do capitalismo como sistema hegemônico, constituem o que Weber 
chamou de legalismo; determinante do grau de autonomia de um sistema, pois 
quanto maior o nível de estruturação da burocracia no castelo do Estado, maior o 
nível de impessoalidade e objetividade/objetivação de sua ação6 (TRUBEK, 2007). 
Quando encontramos uma grande burocracia arraigada no Estado, achamos 
também uma extrema divisão do trabalho que exonera os agentes de qualquer tipo 
de responsabilidade moral, pois suas atividades já foram previamente fixadas. "A 
especialização crescente deixa a burocracia organizacional cada vez mais forte" 
(FARIAS e MENEGHETTI, 2011). 
Segundo Weber, a burocracia moderna funciona sob 
formas específicas. A burocracia está sob a regência de áreas 
de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas por leis e normas 
administrativas. Assim, para Weber "a burocracia descansa na 
aceitação da validez de algumas leis não excludentes [em que 
o] processo administrativo, dentro dos limites especificados nas 
ordenações significa a busca racional de interesses, de forma 
que as atividades destinadas a atingir os objetivos 
 
6
 Em sua sociologia econômica, Weber ressaltou a importância de dois aspectos do direito 
para o desenvolvimento capitalista: (1) seu relativo grau de calculabilidade e (2) sua capacidade de 
desenvolver provisões substantivas – principalmente relacionadas à liberdade de contrato – 
necessárias ao funcionamento do sistema de mercados. Sua pesquisa sobre tipos de direito indicava 
que apenas o direito moderno e racional, ou a racionalidade lógico-formal, poderiam prover a 
calculabilidade necessária. O legalismo auxiliou o desenvolvimento do capitalismo ao prover uma 
atmosfera estável e previsível. O capitalismo encorajou o legalismo porque a burguesia tinha 
consciência da necessidade deste tipo de estrutura governamental; tal sistema não teria continuidade 
se o controle de seus recursos não fosse resguardado pela coação jurídica estatal; se seus direitos 
formalmente ‘jurídicos’ não forem resguardados pela ameaça do uso de força (TRUBEK, 2007, p. 
168). 
 
organizacionais apresentam-se aos executores como 'deveres 
oficiais' (FARIAS e MENEGHETTI, 2011). 
 
Enquanto Weber pensava a burocracia pressupondo a separação do mundo 
da vida e do Direito, o que parecia pertinente no contexto alemão onde o parlamento 
não tinha nenhum controle ou possibilidade de interferência no maquinário estatal, a 
lógica no Brasil é diferente, temporal e espacialmente, o que não permite a aplicação 
da dominação racional pura, ou ainda, nem perto da pureza que ele pressupunha 
haver na Alemanha. 
Parece que o espírito funcional da burocracia é o de dirimir a lógica da 
dominação tradicional e/ou carismática, o "jeitinho" e a “cordialidade” as procuram 
desesperadamente; delas alimentam-se, numa busca frenética e parasitária no 
Estado. Para isso, "uma das formas que os agentes políticos encontraram para se 
fortalecerem nesse combate e se contraporem ao poder burocrático crescente foi a 
politização de uma parcela da burocracia, em especial do alto escalão", (OLIVIERI, 
2011), que é justamente o trabalho de cooptação política de servidores públicos. 
Por fim, destacamos a criação de uma imensidão de cargos comissionados 
"ad nutum" (de livre nomeação e exoneração) que transforma trabalhadores em 
servos políticos, com afinidades ideológicas e pessoais tão diversas e contrapostas, 
que transportam vícios e paralisia às instituições7. 
 Na literatura brasileira, a política e a burocracia sempre 
foram vistas como opostas e conflitantes. A história da relação 
entre política e burocracia no Brasil é contada em termos de 
oposições entre a racionalidade da política (distributiva) e a 
racionalidade da burocracia (eficiência), e entre a burocracia 
politizada (instrumentalizada pelo clientelismo ou capturada por 
grupos da sociedade) e a burocracia meritocrática 
(supostamente neutra) [...] (CECÍLIA, 2011). 
 
Considerações Finais 
 
7
 Os cargos em comissão (ocupados por servidores de carreira ou por pessoas de fora do 
serviço público) estão fortemente presentes na administração pública brasileira desde a época do 
Império, alcançando em 2009, a incrível marca de 621 mil cargos em comissão, presentes na 
administração pública da União, Estados e Municípios (FOLHA DE SÃO PAULO, 2009). 
 
Da mesma forma, erroneamente, a maioria dos brasileiro acredita que o que 
é público não é de ninguém, ou ainda, na melhor linguagem jurídica: o público é 
uma “res nullius” (coisa sem dono). Por ser coisa de ninguém é percebida como “res 
derelictae” (coisa abandonada), que pode ser apropriada por qualquer um a 
qualquer momento. Tal modo de pensar consome o Estado de maneira predatória, 
pois ao mesmo tempo em que ninguém é responsável por cuidar dele, todos são 
responsáveis por sua situação anômica. A coisa pública desmorona, tudo esfarela-
se, até que o Estado mínimo, insípido, inodoro e incolor celebre sua glória. 
Não advogamos aqui pela absoluta pureza e distanciamento da lei, como o 
ocorrido em alguns países que aniquilaram o instituto da discricionariedade 
administrativa, mas por um maquinário público que carregue um mínimo de 
seriedade na condução da coisa pública e que nele esteja os planos de uma nova 
construção. De um Estado que aprenda com o "jeitinho brasileiro" e com o "homem 
cordial", pois neles podem habitar protótipos de rapidez, adequação, informalidade e 
eficiência. 
Num constructo de Direito onde formalmente não existem fronteiras que 
delimitem estratificações sociais, pode-se perceber uma materialização que se 
ergue nas mais sutis curvas da organização social e que sedimentam distâncias e 
realidades, veladas pela mitologia da neutralidade do direito. 
Acreditamos que o "jeito" pode ser considerado o cartão postal de uma 
sociedade marcada pela desigualdade jurídica entre os cidadãos. Não é somente 
instrumento de burlar a lei, ou uma ética às avessas, mas muitas vezes, veículo 
único de alcance à direitos fundamentais; única via de acesso a um sistema jurídico 
no qual cada sujeito de direito "salva-se quando e como puder". Neste sentido, a 
posição dos indivíduos na estrutura social (por critérios de classe, renda, gênero, 
profissão, nível educacional, raça etc.) se apresenta como importante variável para 
futuras análises sobre o jeitinho e campo privilegiado de estudo para a sociologia 
jurídica. 
Embora muitos afirmem que a característica principal do brasileiro é não ter 
uma característica definida, parece que no que tange ao sistema de acesso dos 
cidadãos ao Estado e da racionalização da maquina pública, essa identidade resta 
bem definida. Concordamos com Elpídio Segundo ao concluir pela continuidade do 
homem cordial e do jeitinho brasileiro na estrutura da sociedade brasileira 
contemporânea (2010). E mesmo no Brasil do século XXI, a burocracia estatal 
 
influencia e/ou segue sendo influenciada por este curioso modo de navegar. Assim 
sendo, a inclusãodestes tipos ideais na pauta de pesquisa científica é tarefa 
imperiosa a ser cumprida pela academia. 
 
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