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O Direito 
da Sociedade
Centro Universitário La Salle
Reitor: Paulo Fossatti
Vice-Reitor: Cledes Antonio Casagrande
Pró-Reitora Acadêmica: Vera Lúcia Ramirez
Pró-Reitor de Desenvolvimento: Luiz Carlos Danesi
Editora Unilasalle
Conselho Editorial: César Fernando Meurer, Cristina Vargas 
Cademartori, Evaldo Luis Pauly, Rafael Kunst, Tamára Cecília 
Karawejszyk, Vera Lúcia Ramirez, Zilá Bernd, Ricardo Neujahr (Secretário). 
Programa de Pós-Graduação em Direito
Coordenador: Germano André Doederlein Schwartz
Coordenadora-adjunta: Selma Rodrigues Petterle
ppgdireito@unilasalle.edu.br
(51) 3476.8708; (51) 3476.8717 e (51) 3476.8490 
 
Produção: Editora Unilasalle
Projeto grá+ co e diagramação: Ricardo Figueiredo Neujahr
O Direito 
da Sociedade
Anuário
Volume 1
Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros
Germano André Doederlein Schwartz
Organizadores
5
Sumário
Germano André Doederlein Schwartz e Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros
Apresentação / p. 07
Germano André Doederlein Schwartz
Dizer o direito, dizer à saúde / p. 11
Marco Félix Jobim
Os novos paradigmas culturais 
do direito na sociedade contemporânea / p. 33
Leonel Pires Ohlweiler
O direito administrativo como conceito 
interpretativo: questões hermenêuticas sobre 
a sua efetividade no constitucionalismo contemporâneo / p. 53
Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros
Animais não-humanos: uma re> exão acerca da proteção 
jurídica no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro / p. 103
Paula Pinhal de Carlos
O julgamento da ADI nº 4277 pelo STF e o 
reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo 
como união estável: Interseções entre direito e sexualidade / p. 149
Maria Cláudia Cachapuz
Argumentação discursiva e as esferas 
do público e do privado nos direitos de personalidade / p. 165
6
Marcos Catalan
Abrindo + ssuras nas paredes da Matrix: 
A revisitação da compreensão doutrinária do prazo visando 
à correção dos vícios do produto no sistema consumerista / p. 177
Selma Rodrigues Petterle
A pesquisa cientí+ ca 
com seres humanos e o direito internacional / p. 193
Daniel Achutti
Do idealismo abolicionista ao realismo 
político-criminal: considerações sobre a potencialidade 
da justiça restaurativa para a administração de con> itos criminais / p. 213
Renata Almeida da Costa
Policontexturalidade, risco e direito: abismos superáveis 
para o delineamento da criminalidade contemporânea / p. 229
Salo de Carvalho
Sobre a criminalização da homofobia: 
perspectivas desde a criminologia queer / p. 257
Diógenes Vicente Hassan Ribeiro
O mito da sociedade como um projeto jurídico / p. 283
Jayme Weingartner Neto
Direitos e efetividade: a boa governança no sistema de justiça / p. 297
Sérgio Urquhart de Cademartori e Daniela Mesquita Leutchuk de Cademartori
A construção de garantias para o direito de acesso / p. 313
Sobre os autores / p. 351
7
 Apresentação
O livro que ora é apresentado à comunidade acadêmica é fruto de um 
projeto institucional e de um grupo de pesquisadores organizados em torno de 
um tema. Assim, além de possuir os objetivos típicos de uma obra em conjunto, 
traz ainda outros bastante especí+ cos.
O projeto referido é bifurcado. De um lado, a projeção futura da transfor-
mação do Centro Universitário Unilasalle em Universidade. A pesquisa, nesse 
âmbito, assume grande relevo. Investimentos a respeito estão sendo feitos de 
forma maciça em nossa IES, reforçando, ainda mais, os recursos que já eram 
alocados sob tal rubrica.
De outro lado, e, por causa do primeiro objetivo, desde o + nal do ano de 
2011, o Unilasalle decidiu propor, perante a CAPES, em 2013, um Programa 
de Pós-Graduação em Direito stricto sensu, projeto esse que já foi aprovado e 
já se encontra com a primeira turma em andamento. O livro, mais precisamen-
te, é resultado desse vetor. Em outras palavras: o Direito da Sociedade é a cris-
talização de um primeiro movimento do grupo de doutores – em número de 
dezesseis – que compõem o quadro de professores do Mestrado. Mais, é uma 
publicação, realmente, com o espírito de um grupo, isto é, ela é aderente à área 
de concentração e às linhas de pesquisa do PPGD.
A área de concentração escolhida é Direito e Sociedade. Ela se circuns-
creve às correlações – necessárias – entre a crescente complexidade social e o 
papel do Direito frente a essas transformações. Preocupa-se, portanto, com mi-
radas transversais a respeito da juridicização das esferas sociais, entendendo-se 
tal como a incidência do Direito no conjunto de relações sociais estabelecidas, e, 
também, nas formas como a Sociedade percebe o Direito e vice-versa.
Suas linhas de pesquisa são (a) Efetividade do Direito na Sociedade e 
(b) Sociedade e Fragmentação do Direito. Como é objetivo de todo PPGD, são 
8
linhas que se conectam e se complementam em função das temáticas em co-
mum quem ambas possuem.
Nesse sentido, a linha Efetividade do Direito na Sociedade está focada na 
questão da legitimidade do Direito perante a sociedade, ou seja, de que modo 
o processo de produção estatal das normas jurídicas é recebido, cumprido e 
observado pela sociedade. Dessa forma, é seu objetivo, também, perscrutar que 
expectativas a sociedade possui sobre as legislações vigentes e como ela reage ao 
processo de implementação do Direito e às propostas de elaboração de novas 
leis. Por conseguinte, intenta veri+ car o papel das Instituições na maneira pela 
qual se aplica o Direito, procurando, assim, descobrir as razões do baixo índice 
de sua coercitividade na sociedade (brasileira). Isso toma especial relevo para 
que se busque compreender a efetividade das normas jurídicas em uma socie-
dade em constante e contínuo processo de transformação. 
 Na mesma esteira, a linha Sociedade e Fragmentação do Direito parte 
do pressuposto de que o Direito Moderno foi pensando por intermédio das 
características de uma sociedade idem. Assim, na medida em que a sociedade 
global se apresenta com características de funcionamento em rede e de clara 
eliminação de fronteiras, o Direito, pensado – e aplicado – a partir das ideias de 
hierarquia e de Estados-Nação encontra-se em um momento de transformação. 
Sua fragmentação, portanto, deriva das forças sociais – interdisciplinares – que 
sobre ele atuam e produzem mudanças decisivas. Procura, com isso, abarcar o 
processo de juridicização das esferas sociais (reais e virtuais), da produção de 
um Direito Não-Estatal, da necessidade de alternativas ao processo de legitima-
ção da produção de normas jurídicas, do enfrentamento da formação de um 
direito privado e público extra (e ao largo) do Estado, de formas alternativas de 
composição de con> itos, entre outras temáticas relacionadas ao papel do Direi-
to em uma sociedade contemporânea. 
A abordagem feita no primeiro volume do Direito da Sociedade centrou-
se na segunda linha e os textos ora publicados, todos, possuem relação direta 
com ela, a demonstrar a interconexão de assuntos e de objetos. Importante sa-
lientar que se trata de uma série de livros, anual, sendo este o primeiro, com um 
título que espelha uma das obras centrais das teorias sociais sobre o Direito: “O 
9
Direito da Sociedade” de Niklas Luhmann. É uma homenagem, e, pela questão 
semântica, possui um evidente elo com o Mestrado em Direito e Sociedade. A 
cada edição serão escolhidos temas que, gize-se, não estarão presos ao autor 
citado, mas, sim, restarão afeitos às linhas de pesquisa e à área de concentração 
em comento.
Como se vê, portanto, está-se diante do primeiro resultado do PPGD, 
que, como tal, requereu de todos os envolvidos muito sacrifício e incomensurá-
vel dedicação. Esperamos que os leitores reconheçam, além da qualidade intrín-
seca dos ensaios, aquilo que percebemos: a maturidade de um grupo de dou-
tores que possui muito, ainda, a ofertar para a pesquisa jurídica em nosso país.
Até o próximo!
Os Organizadores.
Dizer o direito, dizer à saúde1Germano André Doederlein Schwartz
1. Introdução
Em entrevista publicada na Revista Veja (8 de abril de 1998, p. 11-13), o so-
ciólogo alemão Claus OQ e defendia categoricamente o + m do Estado do bem-estar 
social. Como resposta à falência desse modelo estatal, sustentava a necessidade de 
um pacto social tripartido: Estado, Mercado e Comunidade deveriam interagir para 
a solução de problemas que lhes dizem respeito.
Partindo-se desse pressuposto e recordando-se de que, de uma forma ou de 
outra, as Teorias de Estado2 e de Mercado já se encontram relativamente desenvolvi-
das dentro de seus campos teóricos de atuação, pode-se asseverar que a perspectiva 
teorética ausente na proposta de OQ e diz respeito à comunidade, ou seja, inexistem 
análises mais percucientes sobre que formas de observação é possível investigar o 
poder da sociedade civil.3
Com efeito, não é novidade alguma nesta etapa do século vigente pugnar 
pela necessidade da participação da comunidade nos processos decisórios de ta-
refas outrora exclusivas do Estado, como é o caso da saúde. Nesse caso especí+ co, 
o campo sanitário merece destaque. Como bem recorda Bolzan de Morais (2000, 
p. 12), as transformações sociais oriundas daquilo que comumente se denominou 
pós-modernidade colocaram em xeque duas das grandes bases do Direito: o Es-
tado e a Constituição. Suas funções são, hoje, questionadas, principalmente fren-
te à constatação fática da prevalência de processos globalizatórios de expansão da 
lex mercatoria (TEUBNER, 1988). Estado e Constituição aparecem como instru-
mentos desatualizados, não competitivos, até mesmo jurássicos, quando contrapos-
tos à velocidade dos fenômenos jurídico-sociais típicos de uma sociedade transna-
cionalizada.
Dessa forma, quando se parte do fato de que a regulação da participação 
da comunidade na área da saúde em nosso país é dada a partir de um princípio 
constitucional (Art. 198, III, CF/88) e que essa mesma saúde ainda é um dever do 
Estado no Brasil (Art. 196, CF/88), não é difícil de sustentar, com base no anterior-
mente a+ rmado, que esse modelo, por consequência, resta ine+ ciente na sociedade 
12
contemporânea. 
Será isso correto? A hipótese aqui defendida não pretende abordar analitica-
mente os métodos de consecução da tarefa estatal-constitucional da participação da 
comunidade em saúde. Pretende, sim, propor uma releitura dessa diretriz a partir 
de um novo formato regulatório, defendendo-se que os métodos de percepção hoje 
utilizados embaçam a necessária intervenção do cidadão no campo da saúde. 
2. Dizer o direito, dizer a saúde
A inovação da Constituição cidadã no estabelecimento da saúde como direi-
to de todos representou inequívoco avanço no trato da questão sanitária no Brasil. 
Uma das esperanças dessa positivação era a da que, via Direito, a realidade da saúde 
dos cidadãos brasileiros pudesse ser modi+ cada. De fato, isso ocorreu, porém não 
com a velocidade pretendida. Basta, para tanto, relembrar a posição ocupada pelo 
Brasil no último ranking da Organização Mundial de Saúde (125 em 191 países).
Sem embargo, o dire le droit pelo Estado foi um instrumento bastante e+ caz 
para a transformação da realidade social em tempos não muito distantes. A atuação 
estatal tornou-se elemento decisivo para a manutenção da pax. Em sociedades com 
baixo grau de complexidade, onde, por consequência, as alternativas decisórias não 
se mostravam contingentes, a atuação do Estado via sistema jurídico se subsumia 
ao esquema clássico da produção normativa exaustivamente analisada por Kelsen 
(2000, p. 309-354).
O droit imposé, fruto do esquema representativo emergido dos resquícios da 
Revolução Francesa, símbolo da liberdade, igualdade e fraternidade, pode, no caso 
da saúde, ser merecedor de reprovação. Uma análise su+ cientemente comprometi-
da revela que a conceituação da saúde em um ordenamento legal é uma tentativa 
fadada à estaticidade, renegando seu caráter dinâmico em uma sociedade de risco e 
de incertezas. Daí que o dire la santé via Direito deve ser uma construção elaborada 
também pelos destinatários das normas de direito da saúde.
Para que se possa chegar a esse nível de abstração, impõem-se algumas con-
siderações. Nesse sentido, a construção da saúde como Direito é, em si mesmo, uma 
ideia paradoxal. Quando o Art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem 
estabeleceu a relação obrigacional entre cidadão (credor) e Estado (devedor), quase 
todas as Constituições do mundo a+ rmaram-na como direito fundamental do ho-
mem (SANZ apud BALADO; REGUOIRO, 1996, p. 293). Típico de uma época em 
que a produção legislativa tinha pretensões universais, visando à simplicidade e a 
13
segurança (ARNAUD, 1999, p. 203),4 a saúde como Direito, no caso brasileiro, de-
monstrou-se uma ideia generosa no plano teórico, porém inadequada ao contexto 
social.
Abordando a a+ rmação sob outro ângulo, é inegável o avanço, tardio, da 
inserção da saúde como direito de todo cidadão brasileiro (declaração do direito). 
Sabe-se, contudo, que a simples a+ rmação constitucional não surtiu os efeitos ima-
ginados. Muito embora etapas de evolução de conquistas históricas da humanidade 
(BOBBIO, 1992), o preceito descritivo dos direitos fundamentais (declaração) ne-
cessita, para sua convalidação, de seu descumprimento (LUHMANN, 2000, p. 158). 
A ideia embora pareça contraditória, torna-se elemento propulsor da saúde 
como direito do homem. A simples declaração, como já dito, não tem o pendor de 
efetivar a norma jurídica. Ao contrário. É a sua não-observação que torna latente 
a necessidade de sua proteção. Quanto maior a inobservância, maior a busca pela 
a+ rmação. 
O que se pretende com a assunção desse paradoxo é referi-lo como algo a ser 
trabalhado em uma perspectiva contingencial. Isso signi+ ca levar em consideração 
o fato de que para uma hipótese não existe uma resposta única. As possíveis deci-
sões são, de fato, uma redução de complexidade.
Nessa linha de raciocínio, o campo sanitário oferece mais plausibilidades de 
decisão do que se pode imaginar. Dizer que a saúde é direito é somente reforçar o 
fato de que sempre houve saúde? Não. É inferir que sempre houve doença (SCH-
WARTZ, 2004, p. 56-62). A positivação torna-se, pois, um reforço de constatação 
desse fato. As decisões advindas para a redução do desvelamento paradoxal desse 
leque devem levar em consideração seu contraposto, sob pena de não se transmu-
darem nas expectativas normativas geradas pelo advento da Constituição Federal 
de 1988.
Quanto à hipótese de preenchimento de sentido do que signi+ ca a saúde para 
os cidadãos brasileiros, revela-se que as decisões tendentes à consecução de tal desi-
derato necessitam ser direcionadas a partir da doença, como se explicitará adiante. 
E, mais, é sensato referir que o processo da produção decisório também pressupõe 
participação popular. Não pode ser exclusivo do Estado. A este cabe o dire le droit 
(elevar a saúde como direito); àqueles, o dire la santé (de+ nir as políticas públicas 
tendentes à persecução da saúde).
As características da sociedade moderna, além das já ultracitadas globaliza-
ção e transnacionalização, apontam para uma sociedade cada vez mais policontex-
turalizada (TEUBNER, 1999), em que a emergência de regulações não é exclusivida-
14
de do Estado, passando a ser compartida com seus componentes. Esse é o resultado 
daquilo que alguns doutrinadores denominam de sociedade de risco (LUHMANN, 
1999).5 De fato, a função do Estado é, antes de segurança, descartar riscos.
Nessa linha de raciocínio, como bem relembra Arnaud (1999, p. 192), a pro-
blemática do dizer o Direito (declará-lo), tem uma origem “moderna”, com funda-
mentos na regulação social feita única e exclusivamente pelo Direito, que, por sua 
vez, é monopólio exclusivo do Estado. Contudo, especialmente na área da saúde, 
o dire le droit por parte do Estado apresenta uma grande distância daquilo que se 
pode denominar de tempo da sociedade (OST, 1999, p. 10).6 
Paraque se consiga sincronizar o tempo do Direito com o tempo da socieda-
de é necessária uma lógica nova para o que se pode denominar de dire la santé. Esse 
dizer a saúde é, de fato, um elemento completivo daquela declaração de direito ema-
nada do Estado. A comunidade, pois, participa de um processo decisório que antes 
era monopólio estatal. Isso signi+ ca, na esteira de Arnaud (1999, p. 193), que “nem 
toda regulação social passa necessariamente pelo direito, que a melhor regulação 
social não é forçosamente o direito, e que o Estado perde terreno na sua soberania, 
inclusive no que diz respeito ao direito”.
Assim, há a necessidade de um direito negociado (droit négocié),7 que não 
abandona a necessidade da produção normativa do Estado, mas que a complementa. 
Com isso, cabe ao Estado a declaração do Direito e, em alguns casos, sua posterior 
proteção. À comunidade cabe a participação nos procedimentos que faticamente 
selecionarão, dentre as várias possibilidades existentes, a hipótese que melhor redu-
za a complexidade na área sanitária. Formam-se, assim, policontextos (TEUBNER, 
2005, p. 34-35) normativos, todos eles interligados e, ao mesmo tempo, autônomos. 
Esquematicamente, pode-se ilustrar essa ideia a partir do seguinte grá+ co:
Para que os modelos legalistas-positivistas possam ser suplantados, é neces-
sária uma nova lógica na produção normativa. No campo sanitário isso se clari+ ca 
de forma ainda mais evidente, pois a concepção de saúde, como bem preconiza 
nossa Constituição por intermédio do princípio da descentralização dos serviços de 
15
saúde (Art. 198, I), deve ser regionalizada, pois os vários níveis de diferenças (so-
ciais, econômicos, geográ+ cos) constatadas no Brasil, sinalizam para a urgência de 
se implantar formas diversas de se dizer a saúde (já direito – dito pelo Estado). Essa 
nova lógica vem apoiada na ideia de Constituições Civis apresentadas por Teubner.
3. As constituições civis e a nova lógica regulatória
Gunther Teubner propõe, atualmente, uma nova visão acerca da constitucio-
nalização do sistema global, procurando atualizar temporalmente a Constituição e 
seu conteúdo (saúde) perante os fenômenos da re> exividade e da juridi+ cação. Sem 
embargo, o autor é o sistêmico-jurídico de maior relevância no cenário mundial. Tal 
fato se deve ao seu aprofundamento na teoria luhmanniana com a tentativa da (re)
de+ nição de certos conceitos quando contrapostos à sociedade atual.
Nesse sentido, Teubner agrega ao conceito biológico-autopoiético, que, em 
Luhmann, é uma proposta radical (CLAM, 2006, p. 166), alguns elementos histó-
ricos. Tenta conectar o contexto social ao Direito. Entidades tais como as classes 
sociais, as corporações jurídicas e os movimentos sociais (TEUBNER, 1996, p. 149-
170) são co-partícipes de uma re> exividade que “autodelimita o Direito dentro de 
seus vínculos com a realidade social” (MELLO, 2006, p. 357).
Essa é a juridi+ cação, a nascença dos múltiplos corpos do Rei (TEUBNER, 
1997, p. 736-787),8 a razão da falência da hierarquia e da supremacia das Constitui-
ções dos Estados-Nação. A correlação sistema x ambiente é, portanto, observada a 
partir de interpenetrações desse código inicial com os subsistemas do Direito, da 
Política e da Economia, entre outros.
Porém, toda essa análise, que inclui o problema da regulação da saúde, pres-
supõe uma espécie de autopoiese em níveis, também defendida por Clam (2001, p. 
48) em sua tentativa de aclaração da teoria luhmanniana. Ao contrário de Luhmann, 
Teubner (1989) entende que há níveis de autonomia diferenciados no sistema jurí-
dico.
Com isso, a autopoiese vai-se constituindo no sistema jurídico, a partir da 
auto-observação, da autoconstituição e da auto-reprodução. Essa constelação auto 
são ciclos. Auto-referentes. Quando há articulação entre os três elementos, ocorrem 
o hiperciclo e a autonomização do Direito. Nas palavras de Teubner (1999, p. 68):
Uma coisa é um subsistema social observar os seus componentes (ele-
mentos, estruturas, processos, limites e meio envolvente) através de 
comunicação re> exiva (auto-observação); outra diferente é um sistema 
de+ nir e colocar em operação por si só o conjunto dos componentes sistê-
16
micos (autoconstituição); ainda uma outra coisa diferente é a capacidade 
de um sistema para se reproduzir a si mesmo através da produção (circu-
lar e recursiva) de novos elementos a partir de seus próprios elementos 
(autopoiese).
Há, portanto, uma espécie de autopoiese gradativa do Direito, como, sob ou-
tra perspectiva, também defende Clam (2006, p. 143-189).9 Todavia, os hiperciclos 
não são encontráveis de forma pronta e acabada. Eles se autoconstituem. É o caso 
do fenômeno constitucional sanitário. No nível da comunicação re> exiva e auto-
-reprodutiva, e no contexto de uma sociedade globalizada, resta constatável que a 
juridi+ cação de determinada Constituição se dá, hoje, em níveis diferenciados.
 Aduzindo-se, some-se a ideia de direito re> exivo, elaborada pelo próprio 
Teubner (1996, p. 19), cujo entendimento parte de um pressuposto tripartite: (1) 
Direito Formal – racionalidade interna; (2) Direito Material – racionalidade nor-
mativa; (3) Direito Re> exivo – racionalidade sistêmica.
É, especi+ camente, na racionalidade sistêmica (re> exiva), que se pode ob-
servar o direito constitucional à saúde com os olhos requeridos pela sociedade con-
temporânea. A grande e nova característica (TEUBNER, 1996, p. 04) é o fato de 
que o surgimento de uma lei globalizada não pode ser mensurada e/ou avaliada por 
ícones do Estado-Nação, tais como a Constituição. A racionalidade re> exiva impõe 
à constatação da impossibilidade uma noção hierárquica de ordenamento jurídica 
em uma sociedade de redes (TEUBNER, 1996, p. 04). Problemas como a digitaliza-
ção, a privatização e a globalização (TEUBNER, 2003, p. 02) colocam em dúvida a 
tríade Constituição/Estado-Nação/Soberania.
De fato, em vários autores (TEUBNER, 1996, p. 04) clássicos, a Constituição 
foi erigida como um símbolo de limitação do Poder. Dentro do contexto apresen-
tado, resta saliente que o ponto legitimador é outro: a sociedade necessita regula-
mentar dinâmicas sociais que operam de forma diferenciada. Daí, portanto, o de-
sa+ o temporal: caso simbolizada dentro dos padrões liberais, não estaria, hoje, a 
Constituição, limitada ao que La Salle, corretamente, denominou de fatores reais 
do poder? Ela não correria riscos de se tornar uma folha em branco? (TEUBNER, 
2003, p. 02). Ela (re)institucionalizaria tempo?
Dentro da perspectiva adotada, a manutenção dessa lógica importaria em 
uma falha nos quatro ciclos do tempo do Direito, bem apontados por Ost (1999): 
Memória, Perdão, Promessa e Requestionamento. Não há uma nova promessa e, 
muito menos, um requestionamento. A Constituição – e seu direito à saúde – não 
cumpre com as expectativas normativas lançadas pela sociedade. Nessa linha de 
raciocínio, alerta o mesmo autor (1999, p. 28): “Como sempre, é no presente que se 
17
tem de triar, na herança do passado, aquilo que ainda é necessário para que o futuro 
tenha sentido”. Dito de outra forma: uma observação de segundo grau da Constitui-
ção deve levar em consideração seu entorno. Assim, por via de consequência, as co-
municações sociais in> uenciam e (re)transformam seu sentido (da Constituição).
A lógica do Direito não corresponde mais, segundo Teubner e Fischer-Les-
cano (2004, p. 1039), a um sistema de julgamento de Cortes Superiores, mas sim de 
networks. Nessa modalidade, a Lei não se posiciona como o centro do sistema jurí-
dico. Em sua visão, de policontextos, o autor refere que as decisões juridi+ cadas são 
absorvidas mutuamente, restando conectadas por suas recursividades, cuja origem 
varia e possui signi+ cados diferenciados.
Assim, a unidade do ordenamento jurídico passa a ser observada como re-
gimes normativos compatíveis. Essa é a consequência dos já referidos vários corpos 
do rei. Todavia, a Constituição, nesse contexto, possui, ainda um grandesentido: 
uma limitação de danos (LUHMANN, 1998). Como já alertava Luhmann (1997, p. 
13-48), a unidade de diferença é uma realidade em um mundo de subsistemas di-
ferenciados funcionalmente. Logo, pretender a superioridade, pressupõe racionali-
dade forçada, quando, ao contrário, deveria ser evolutiva. A construção de regimes 
que, ao invés de se colidirem, pressuponham a conexão citada, pode reconstruir 
tanto o sistema jurídico quanto os subsistemas por ele in> uenciados mediante as 
possibilidades advindas da repartição do poder regulatório.
4. A gestão compartida regulatória da saúde no Brasil – ‘Le pouvoir 
en partage’10 
O plexo comunicativo de possibilidades advindas da comunicação/opinião 
oriundas das Constituições Civis e dos policontextos anteriormente abordados, re-
colocam a necessidade de se (re)pensar a forma regulatória sanitária e contemporâ-
nea em solo brasileiro.
Nesse sentido é que se devem avaliar quais os instrumentos jurídicos e po-
líticos postos na realidade da saúde do Brasil para a regulação deste bem público. 
Da mesma forma, a fundamentação teórica já discutida neste trabalho agrega-se 
aos elementos jurídicos pré-existentes para a necessária (re)construção de novos 
mecanismos regulatórios destinados à proteção/promoção da saúde.
Com essa proposta, é que se tentará racionalizar complexa e civilizatoria-
mente as gamas de perspectivas de inclusão social no seio das decisões sanitárias, 
visto que assumidas como compromisso social. Nessa seara a participação popular 
18
na moldagem da nova regulação - compartida – também pode ser vista como um 
instrumento de controle e de participação social na gerência dos interesses públicos.
Dentro desta perspectiva, poder-se-ia a+ rmar que o objetivo de correção das 
desigualdades estabelecido pelo amplo aspecto dirigente e vinculativo do Estado 
Democrático instalado no Brasil pela Carta Política de 1988 teria uma efetiva e real 
possibilidade de se concretizar no mundo dos fatos via gestão compartida sanitária, 
onde o requisito da descentralização dos serviços e competências de saúde assu-
mem grande relevo e se tornam princípios legitimadores das ações nesse sentido.
4.1 A descentralização sanitária
Uma pretendida regulação compartida sanitária somente pode ser alcançada 
quando é vista como um papel de articulação e de auto-instituição da sociedade. 
Um palco de discussão para a negativa da cidadania de baixa intensidade (CITTA-
DINO, 1999). Um espaço em que se produza um embate de ideologias mediante o 
contraditório e tendente a formar uma opinião pública sobre o assunto.
Atenta a tal ideia é que a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 198, I, 
elenca que o sistema sanitário brasileiro deve ser organizado a partir de uma des-
centralização, ainda que o comando ainda seja único e regido mediante determina-
ções gerais, como é o caso do Art. 196 e seguintes da Lei Maior.
De forma sintética, a Carta Magna traz as diretrizes tanto do direito à saú-
de como da organização de seu Sistema Único. O SUS deverá ser gerido de forma 
descentralizada, tendo direção única em cada esfera do governo. Vale ressaltar que 
a forma federativa brasileira já possuía esse escalonamento de esferas bem solidi+ -
cado, o que facilita sobremaneira o objetivo descentralizador. 
Assim, como salienta Sueli Dallari, tanto os Estados-Membros quantos os 
municípios brasileiros têm função de editarem normas próprias que estabeleçam 
sua organização e tenham por objeto tudo aquilo que não lhes tiver sido vedado 
pela Constituição (Art. 25, §1º) ou disponham sobre todos os assuntos de interesse 
local (Art. 30, I), ou ainda, suplementem legislação federal ou estadual, quando 
couber (Art. 24, §2º c/c 30, II) (DALLARI, 1992, p. 40).
Pode-se dizer, portanto, que a descentralização é uma das formas de transfe-
rência de poderes a autoridades eleitas localmente.
Nessa linha de raciocínio é que a descentralização sanitária está intimamente 
ligada ao aspecto democrático, de vez que, até do ponto de vista psicológico, torna 
mais palpável a possibilidade do controle e participação dos mecanismos demo-
19
cráticos de decisão e de procedimentos sanitários, transformando-se em um dos 
pilares da regulação compartida na área da saúde.
Mais, a descentralização é parte integrante da democracia e dela não pode 
se dissociar, ainda mais em um país de proporções continentais como é o Brasil. A 
descentralização é uma reforma de Estado que procura adaptá-lo à sua nova feição 
de cunho democrático. Como refere Peces-Barba (1998, p. 94), as
competencias administrativas se distribuyen entre el Estado, las regiones 
o comunidades autónomas, en su caso, las provincias o departamentos y 
los municipios. Son varios escalones que se coordinan y cooperan en la 
consecución de los + nes legalmente o constitucionalmente determinados 
para cada uno de ellos.
Respondendo ao questionamento de Luhmann (1983, p. 103) sobre a ques-
tão da saúde pública,11 pode-se a+ rmar que a opção do Constituinte brasileiro foi a 
de compartilhar os deveres/funções da área sanitária, inclusive regulatórios, reco-
nhecendo que somente novas formas de gestão poderiam dar respostas à sua com-
plexidade.
Lembra Sonia Fleury (1997, p. 40) que
o desenvolvimento de estratégias de construção de um novo tecido so-
cial descentralizado e participativo, repõe a nossa especi+ cidade regional 
em um patamar distinto, capaz de reivindicar um modelo de democracia 
onde impere a cogestão pública, retomando os princípios de solidarie-
dade e igualdade em uma complexidade que seja capaz de reconhecer a 
subjetividade e a diversidade como parte da cidadania.
No Brasil, a faceta descentralizada/democrática da regulação sanitária assu-
miu duas formas que interagem e não se excluem: a municipalização e os Consór-
cios Administrativos Intermunicipais de Saúde, mais conhecidos como Distritos 
Sanitários.
Assim, a o pouvoir en partage, em saúde, passa a ter maiores possibilidade de 
consecução de seu desiderato, (re)criando novas formas administrativas, como é o 
caso, por exemplo, dos Distritos de Saúde.
4.1.1 A municipalização da saúde como marco institucional do compar-
tilhamento sanitário
Muito embora não se possa negar que ainda se constitua em um marco ins-
titucional, admite-se que a municipalização sanitária vem de encontro com a nova 
posição do Município na federação, desde a promulgação da Constituição de 1988. 
20
Uma posição de vanguarda que privilegia o poder local e que, ao mesmo tempo, 
valoriza o espaço localizado e a constitucionalização das regiões.
A responsabilidade sobre a saúde é dividida entre todas as esferas do go-
verno. O SUS também assim se reparte, possuindo cada ente os órgãos, poderes e 
instrumentos para tal. À direção nacional do Sistema Único de Saúde, mais especi-
+ camente ao Ministério da Saúde – em que o responsável (gestor) será o Ministro 
da Saúde, compete as matérias elencadas pelo Art. 16 da Lei 8080/90. Destaca-se 
o dever de participar na formulação e na implementação das políticas públicas de 
saúde, bem como promover a descentralização para as Unidades Federadas e para 
os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência es-
tadual e municipal.
À direção estadual do SUS, através da respectiva Secretaria de Estado – onde 
o responsável (gestor) será o Secretário de Saúde do Estado –, compete o estabele-
cido pelo Art. 17 da Lei 8080/90, como, por exemplo, promover a descentralização 
para os Municípios dos serviços e das ações de saúde.
Caso o Estado decida pela municipalização da saúde, como é o caso do Rio 
Grande do Sul (Art. 241, caput, da Constituição Farroupilha), não poderá mais de-
cidir sobre o planejamento do sistema, bem como passará a colaborar técnica e 
+ nanceiramente com os Municípios.
À direção municipal do Sistema Único de Saúde, por intermédio da Secreta-
ria Municipal de Saúde ou o órgão equivalente (o gestor responsável será o Prefeito 
Municipal e o Secretário Municipal de Saúde – oudiretor do órgão equivalente), 
caberá, face ao disposto pelo Art. 18 da Lei 8080/90, participar do planejamento, 
programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do SUS, em ar-
ticulação com sua direção estadual, bem como formar consórcios administrativos 
intermunicipais.
Assim, a municipalização da saúde é uma exigência da organização nacional, 
pois descentralizar é, antes de tudo, repartir alternativas regulatórias, visto que co-
loca em primeiro plano as necessidades locais. Também é fato que é uma forma de 
melhor racionalização na busca da participação popular na saúde, já que procura 
detalhar, a partir de uma realidade local, o sistema e o conceito de saúde.
O Município, quando trata ou legisla sobre saúde (Art. 30, I e II, da CF/88) 
há que levar em consideração o interesse local, que vem a ter o sentido de conve-
niência, utilidade ou proveito.
Os benefícios da municipalização da saúde são vários: (i) o interesse maior é 
21
da localidade, devido às especi+ cidades locais; (ii) faz com que caiba ao Município 
parcela mais importante da prestação sanitária, pois é ele que dispõe legal e mate-
rialmente sobre assuntos de interesse local – saúde; (iii) grande parte da proteção à 
saúde é realizada no espaço local, respeitando-se as particularidades de cada região; 
(iv) viabiliza uma administração moderna, privilegiando a competência, pois há 
uma vigilância maior sobre os encarregados do sistema, já que estes estarão em 
permanente contato com os cidadãos, que possuem participação no SUS (Art. 198, 
III, CF/88).
A possibilidade de uma regulação sanitária compartida em nível municipal é 
feita basicamente através de duas instâncias colegiadas: (i) A Conferência de Saúde, 
que avalia a situação sanitária e propõe a formulação da política de saúde no nível 
correspondente – Art. 1º, §1º, da Lei 8142/90; (ii) O Conselho de Saúde, que for-
mula estratégias e atua no controle da execução da política de saúde – Art. 1º. §2º, 
da Lei 8.142/90.
Mas a participação pública não se esgota aí, conforme suas modalidades in-
diretas estabelecidas pela nossa Constituição em seus artigos 1º e parágrafo único, 
14, 61, §2º, 58, §2º, II, 49, XV e 103, VIII e IX. Também há modalidades diretas e 
previstas na Carta Magna (vide artigos 29, X, 74, §2º e 85, III).
Entretanto, são os Conselhos Municipais de Saúde que se apresentam com 
a maior positividade na construção da gestão compartida sanitária. É um órgão 
colegiado composto por cidadãos. Essa é a diferença. São eles que irão propor a for-
mulação de estratégias locais de saúde e no controle das ações e serviços sanitários.
Cada Conselho poderá ter uma diretriz, uma orientação diferente. Ou seja, 
aplicará uma decisão de política pública diferencia dos demais. Isso porque a saúde 
é um sistema, variando de acordo com sua comunicação e diferenciação com os 
demais sistemas sociais, que também são variáveis em cada localidade.
Logo, todas essas decisões vêm incutidas com a + gura do risco, que tornará 
possível a pretendida democracia sanitária mediante gestão compartida, de vez que 
não comporta solução única, tornando-se o espaço de (re)invenção, da pluralidade 
de opiniões e decisões, como quer Lefort (1983). 
Essa indeterminação sanitária oriunda dos Conselhos Municipais de Saúde é 
fonte vívida de sua democracia e elemento essencial da regulação compartilhada da 
saúde. Não há verdade ou certeza absoluta. Mas existe minimização de risco (e de 
dano) com a participação de quem é o alvo das políticas sanitárias, uma vez que se 
baseia em experiências locais e pessoais. 
22
4.1.2 Os consórcios administrativos intermunicipais (Distritos Sanitá-
rios)
Os Consórcios Intermunicipais são autorizados pelos artigos 10 e 18 da Lei 
8080/90, e Art. 3º, §3º, da Lei 8142/90. Também são formas de descentralização das 
ações e de serviço da saúde, no que também atendem ao preceito estabelecido pelo 
Art. 198, I, da Lei Fundamental. Têm como função reunirem-se para resolver um 
problema especí+ co, no caso, a saúde. 
É um consórcio administrativo que visa suprir eventuais impossibilidades de 
um Município, de forma isolada, dispor de todo o aparato necessário para a prote-
ção necessária, mediante uma ação corporativa, que formará um distrito sanitário, 
tornando, em tese, mais e+ ciente a prestação sanitária nas localidades abrangidas 
pelos consórcios.
Veri+ ca-se, portanto, que o que se procura com a formação dos consórcios 
administrativos intermunicipais de saúde não é a racionalização administrativa, 
mas sim uma outra forma de atendimento e prestação sanitária. Como assevera 
Eugênio Mendes (1999, p. 162):
Em outras palavras, o que se busca com a construção dos Distritos é re-
direcionar e modi+ car a forma de organização e o conteúdo das ações e 
serviços de saúde, de modo a se responder às demandas da população, 
atender às necessidades de saúde e, fundamentalmente contribuir para 
a solução dos problemas de saúde da população que vive e trabalha no 
espaço territorial e social do Distrito Sanitário.
Os Consórcios são uma parceria formada entre Municípios a partir de um 
acordo comum de vontades, já que não é imposição legal. Facilita, pois, o processo 
de regionalização e hierarquização prevista no sistema (CRUZ, 1998, p. 38). Possuem 
personalidade jurídica própria, fazendo com que se sujeitem às normas de criação 
especí+ ca de tais institutos.
Vale ressaltar que os consórcios fazem parte do SUS, e, logo, devem obedecer 
a seus princípios. Avelar Bastos (1999, p. 88-89) os considera essenciais por que se 
constituem “num elemento fundamental para a consecução de políticas públicas na 
área de saúde a nível regional, por meio da concertação entre instituições estatais 
e diferentes segmentos privados, objetivando a garantia do espaço público e dos 
direitos de cidadania”.
Também são os Consórcios Sanitários (Distritos) formas de gestão compar-
tilhada. Mitigam-se responsabilidades em nível municipal, ouvindo-se os Conse-
lhos de Saúde de cada região – onde há a participação do indivíduo –, na busca de 
23
uma saúde que tenha um regulação compartilhada.
5. O orçamento participativo
O caso do orçamento participativo de Porto Alegre tornou-se + gura emble-
mática nos modos de participação popular em nível mundial. Vários estudiosos 
do tema vêm cotidianamente a capital farroupilha para veri+ car os pressupostos e 
modos de aplicação desse novo instituto (re)inventado pela democracia.
Pode-se dizer, de certa forma, que o orçamento participativo é a descentra-
lização da descentralização. A regionalização da regionalização. O seu + to é a par-
ticipação comunitária mediante o esquadrinhamento da cidade em determinadas 
regiões. A ideia era (é) a de simpli+ car as operações decisórias “e magni+ car os re-
sultados potenciais, pois o diálogo seria entre governo e as já existentes associações 
comunitárias” (NAVARRO, 1999, p. 305). Nesse sentido, a saúde municipalizada e/
ou organizada em Consórcios Administrativos Intermunicipais possui mais uma 
modalidade de gestão compartida sanitária.
O Orçamento Participativo tem, desde o seu início, caracterizado seu modus 
operandi mediante reuniões deliberativas, que ocorrem de março a junho de cada 
ano, constituindo-se na primeira etapa do processo. Conforme elucida Feddozi 
(1999, p. 115), este processo de participação popular nas de+ nições do orçamento 
municipal dá-se em três etapas e segundo duas modalidades de participação: a re-
gional e a temática.
As Assembleias Regionais e as Assembleias Temáticas ocorrem no mesmo 
período, e, portanto, são concomitantes. Também obedecem à mesma dinâmica: 
demandas territorializadas, no primeiro caso, e temas especí+ cos, mas referentes ao 
conjunto das regiões, no segundo.
As etapas do ciclo anual do orçamento participativo porto-alegrense são: 
(i) realização das Assembleias Regionais e Temáticas; (ii) formação das instâncias 
institucionais de participação, tais como o Conselho do Orçamento e os Fóruns 
de Delegados; (iii) discussãodo orçamento do Município e aprovação do Plano 
de Investimento pelos representantes dos moradores no Conselho de Orçamento 
Participativo.
Na segunda etapa, realizada no segundo semestre do ano, é que efetivamen-
te se constata a efetiva participação da comunidade nas decisões. É aqui que se 
formam as instâncias institucionais de participação comunitária: O Conselho do 
Orçamento Participativo (COP) e os Fóruns de Delegados. 
24
Muito embora existam outros momentos em que se efetua, de forma direta 
ou indireta a concretização de uma real esfera pública, é no Conselho do Orçamen-
to Participativo que este objetivo se cristaliza. É um órgão de participação direta 
da comunidade, tendo por + nalidade planejar, propor, + scalizar e deliberar sobre 
a receita e despesa do Orçamento do Município de Porto Alegre. Nisso se inclui a 
saúde municipalizada.
Os membros do COP e dos Fóruns de Delegados são eleitos mediante apre-
sentação de chapas, sendo os representantes eleitos proporcionalmente à votação 
recebida por cada uma das chapas apresentadas (FEDOZZI, 1999, p. 122). Isso le-
gitima o procedimento, e transforma o Conselho na principal instância participati-
va. 
A terceira etapa ocorre com a posse dos novos conselheiros e delegados, nos 
meses de julho e agosto, iniciando-se a fase de detalhamento na feitura do orça-
mento.
Assim, pretende-se certa visibilidade no processo regulatório mediante um 
procedimento democrático, que insere e torna possível novos pensamentos e ideais 
para uma gestão compartida na área da saúde.
6. As ONG’s
As chamadas ONG’s – Organizações Não-Governamentais – atuam primária 
e suplementarmente em um espaço que deveria ser do Estado, mas que o mesmo 
não ocupa devido à sua inércia. Também podem ser caracterizadas como uma for-
ma de gestão compartida, inclusive na área da saúde. Assinala Juan Navarro, que as 
áreas de atuação das ONG’s são aquelas
classicamente consideradas próprias da atividade governamental, como 
a prestação de serviços sociais e, em geral, a produção de bens públicos 
ou quase-públicos, como educação, saúde, nutrição infantil, habitação de 
baixo custo, promoção comunitária, proteção do meio ambiente natural 
etc. (FEDOZZI, 1999, p. 122).
Na área da saúde, apenas para exempli+ car, pode-se citar como ONG’s sani-
tárias: Liga Feminina de Combate ao Câncer, Greenpeace, SOS Erro Médico, entre 
tantas outras.
São organizações privadas e que não possuem natureza empresarial. Não 
possuem + ns lucrativos. Fazem parte de um fenômeno que se alastrou pela América 
Latina no início dos anos 90. Tendem para a inovação, muitas vezes pelos parcos re-
25
cursos; outras, por ser de sua natureza acompanhar as novidades da mundialização, 
procurando incorporá-las à sua área de atuação. A inovação “está na diversidade 
de iniciativas em cada país, região, localidade ou campo de ação em que operem as 
ONG’s” (FEDOZZI, 1999, p. 91).
Em vários casos as ONG’s buscam metodologias participativas nos progra-
mas sociais, e, frequentemente, atuam em conjunto com o Estado em matéria que 
seria de sua competência exclusiva. Por isso, constituem-se em uma associação coo-
perativa/participativa baseada em um novo paradigma de regulação. Sua grande 
responsabilidade é encontrar um meio termo entre os deveres/direitos de ambas as 
partes (ONG’s x Estado). 
Todavia, temer a inserção dessa nova modalidade originária da democracia 
inventiva é algo que deve ser combatido, visto que as ONG’s já são realidade em 
nosso país e na América Latina. Portanto, como parte da aquisição evolutiva da 
sociedade, resultam de um processo favorável à visibilidade e à participação do in-
divíduo em uma gestão regulatória compartilhada.
7. Demais formas de participação popular em saúde
Cabe referir que a participação popular em saúde também se dá via judiciá-
ria, quando as promessas de política públicas não satisfazem à necessidade sanitária 
da população, ou, até mesmo, quando as decisões advindas do espaço juridi+ ca-
do não são cumpridas/acatadas pelos demais Poderes Constituídos. Assim, cabe 
ao Poder Judiciário, quando provocado, ou nos casos em que tem o dever de agir 
de ofício, e porque é o órgão legitimado para tanto, proferir decisão corretiva da 
desigualdade, atendendo sempre aos princípios fundantes do Estado Democrático 
brasileiro.
Relembre-se que a saúde é direito fundamental. Portanto, possui(rá) todos 
os remédios e ações existentes – e que vierem a existir – para sua efetivação. Logo, 
quando o indivíduo exerce sua cidadania via ação judicial ele está amparado juridi-
camente. Daí que o Poder Judiciário deverá se pronunciar sobre a questão em tela. 
Nesse sentido, assevera Leal (1997, p. 166):
Em busca de novos paradigmas e pautas de ação política, talvez os di-
reitos humanos de todas as gerações possíveis e imagináveis, entre eles o 
direito de um meio ambiente e de uma cidade sadia e justa, sirvam como 
um novo paradigma à constituição de um pacto associativo que preserve 
e releve valores como a democracia, o pluralismo jurídico, a igualdade a 
justiça social.
26
Nessa linha de raciocínio, e da mesma forma, é que o Ministério Público 
(vide Art. 129, da CF/88) tem o dever de lutar pela defesa dos interesses difusos, 
como é o caso da saúde. Portanto, havendo necessidade, o MP deverá agir para 
restabelecer o status quo sanitário. 
Ainda, aos carentes é reservada a faculdade/direito de, em não tendo condi-
ções de pagar um patrocínio, recorrer à Defensoria Pública. Esta procederá e dispo-
rá dos meios para proteger a lesão reclamada.
De outra banda, face às características do Estado Democrático de Direito e 
na busca de uma regulação que adote a possibilidade de consecução de uma gestão 
compartida sanitária, ainda existem outros mecanismos por meio dos quais pode 
ocorrer a participação popular mediante atuação direta na gestão e no controle da 
Administração Pública.
Para Pietro (1993, p. 127), o indivíduo interage com a Administração me-
diante intermediários ou individualmente. Nesta última forma é que melhor se 
cristaliza a participação, pois na primeira corre-se o perigo de os intermediários 
colocarem em primeiro plano seus interesses e não os de seus representados. Ain-
da, a interação individual é melhor porque se presta a uma ideologia psicológica e 
direta, visto que os ideais têm a direta aproximação entre eleitor e eleito e inexiste a 
+ gura do intermediário.
Para a mesma autora, a participação popular pode ainda ser dividida de 
maneira diversa: direta e indireta. A modalidade direta consiste, basicamente em 
quatro hipóteses: (i) no direito de ser ouvido; (ii) enquetes, como, por exemplo as 
audiências públicas do Art. 58, §2º, II, da CF/88. Aduzindo, dentro da modalidade 
direta ainda é possível acrescentar a iniciativa popular em processo legislativo – in-
clusive o sanitário, da mesma forma que o acesso ao Judiciário nas modalidades das 
garantias individuais do direito à saúde.
Já a modalidade indireta é exercida de várias formas, tais como: (i) a autori-
zação do Congresso Nacional para liberar referendo e convocar plebiscito, previsto 
no Art. 49, XV, da CF/88; (ii) a possibilidade de o particular denunciar irregulari-
dades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União (Art. 74, §2º, CF/88); 
(iii) o fato de ser crime de responsabilidade o ato do Presidente da República que 
atente contra o exercício dos direitos individuais e sociais (Art. 85, III, CF/88); (iv) 
a proposição de ação de inconstitucionalidade mediante o Conselho Federal da Or-
dem dos Advogados do Brasil e/ou partido político com representação no Congres-
so Nacional (Art. 103, VII e VIII, da CF/88).
Pietro (1993, p. 137) elenca, ainda, outras possibilidades de atuação do par-
27
ticular na Administração Pública, todas elas aplicáveis ao direito à saúde. A saber: 
(i) participação popular em órgãos de consulta; (ii) participação popular em órgãos 
de decisão.
Diz ainda a autora que três medidas deveriam ser tomadas para que se ele-
vasseainda mais a gama de atuação do indivíduo na Administração Pública: (i) a 
outorga de legitimidade ativa aos entes coletivos para a propositura da ação popu-
lar; (ii) criação de um ombudsman nos moldes escandinavos, sendo um verdadeiro 
órgão de proteção dos interesses dos cidadãos junto ao Parlamento, com prerroga-
tivas de + scalização da Administração Pública; (iii) a adequada interpretação do 
mandado de injunção, em que este não seja mais um mero sucedâneo da Ação Di-
reta de Inconstitucionalidade.
Assim, em face de todos os caminhos expostos, ter-se-ia uma delegação de 
competência societária de modo compartido. Mais, essa enorme capacidade de 
compartilhamento de decisões, geradora de mais possibilidades de que se possa 
realizar (complexidade), é resultado de um paradigma sistêmico de sociedade, onde 
a + gura do risco e da (re)invenção democrática tornam-se necessárias para produ-
zir na sociedade global complexa um sentido mais democrático e so+ sticado tanto 
para o direito como para a sociedade. 
8. Considerações ) nais
Mesmo sabendo-se da impossibilidade de uma verdade/solução (mágica) 
absoluta para a crise do sistema de saúde brasileiro, pode-se entender a regulação 
compartida (Dizer o Direito, Dizer a Saúde) como mais uma das formas/alternati-
vas – e talvez a mais democrática e legítima – de efetivação do direito à saúde.
Quando se reporta à saúde há que veri+ car que este é um conceito altamente 
subjetivo e modi+ cável. Que este conceito depende da sua atuação/interação com 
os demais sistemas sociais. Por isso mesmo, a saúde deve ser analisada por uma 
teoria mais apta para entender sua complexidade: a teoria dos sistemas sociais. Dita 
teoria, quer em sua ótica luhmannina, adotada no presente trabalho, responde às 
incertezas trazidas no bojo da pós-modernidade.
O Estado, visto tal ótica, não está imune às in> uências dos demais sistemas. 
Dada a locução do Art. 196, da CF/88. Ele avocou para si o dever de garantir a 
saúde mediante políticas públicas e sociais. Portanto, a questão sanitária passa por 
entender também o modelo de Estado adotado pelo Brasil: o Estado Democrático 
de Direito.
28
A inovação democrática dessa modalidade estatal autorizou o Estado a lan-
çar mão de novas técnicas burocráticas e novos procedimentos, tudo na procura 
da efetivação do dever assumido. É assim que o Estado passa a ter fundamental 
importância na consecução da saúde, uma vez que legalmente autorizado, e, face às 
características corretivas do Estado Democrático, passa a ter uma atuação primária 
– no sentido de antecedência – aos demais Poderes Constituídos.
Todavia, é fato que o Estado não consegue mais cumprir as promessas da 
modernidade a contento. Passam a surgir novas formas autopoiéticas de sua atua-
ção, inclusive delegando/permitindo a atuação dos particulares nesse sentido. Disso 
tudo nasce a gestão regulatória compartida sanitária.
Entretanto, como a gama de possibilidades de uma decisão sempre implica 
na análise do porquê de não se haver decidido de outra maneira – seja de forma 
explícita ou implícita –, mister admitir que o risco será + gura presente no campo da 
esfera pública sanitária. No entanto, mesmo que se pense o contrário, o risco não é 
uma má característica. Ao contrário. É uma qualidade democrática. Democrático-
inventiva, assim como quer Lefort, e que se completa via regulação compartida.
Dessa maneira, passa-se a admitir que não existe uma verdade anterior e 
absoluta. Ela se (re)produzirá a partir do debate das e posições contraditórias es-
tabelecidas no palco da relação sistema x ambiente. A democracia sanitária não é 
lugar do pensamento único, até porque a saúde deve ser analisada tanto do ponto 
de vista individual como do ponto de vista coletivo.
Com essa lógica, foi que a Constituição Brasileira descentralizou a proteção/
promoção sanitária, entendendo que a mesma seria mais bem atendida a partir 
de uma especi+ cidade adaptada às características regionais. As formas assumidas 
para tanto – municipalização e distritos sanitários – são instrumentos em que há 
a concreta participação popular na gestão sanitária, especialmente nos Conselhos 
Municipais de Saúde.
As ONG’s e o Orçamento Participativo são exemplos cristalinos da (re)in-
venção democrática possibilitada pela novo modelo de produção regulatória. São 
novos modelos técnico-procedimentais em que os indivíduos são autorizados a 
atuarem na defesa de seus interesses. Muito embora sejam diferentes em suas con-
cepções, ambos são administrados de forma compartilhada.
Todas essas novas formas aliam-se àquelas elencadas pela Carta Magna, em 
que aparece com grande destaque o acesso ao Poder Judiciário e as novas formas de 
consulta à população, tais como o referendo e o plebiscito. Isso sem citar a variedade 
de institutos protetivos da gestão compartida já declinados.
29
Portanto, além de uma construção recente, a gestão compartida sanitária é 
também legalmente autorizada. Isso pressupõe que o direito à saúde não é um mo-
nopólio. É, isto sim, um direito de todos, e, mais do que tudo, uma regulação de, 
por e para todos.
Notas
1 O presente texto foi elaborado para apresentação na mesa de debate intitulada “Uma 
releitura constitucional da “Participação da Comunidade” em Saúde”, ocorrida durante 
o I Encontro Nacional de Direito Sanitário, realizado na capital brasileira e sediado 
na Universidade de Brasília, no ano de 2008. Foi revisado especialmente para a edição 
deste livro.
2 Uma análise sintética, mas analítica, a respeito dessas teorias, pode ser encontrada em 
Steinmetz (2004).
3 Uma das poucas teorizações relevantes nesse sentido pode ser encontrada em Arnaud 
(2003).
4 O Direito da modernidade possui uma série de características, particularmente o mo-
nopólio da produção legislativa pelo Estado, o que impõe uma “certeza” dentro dos 
limites do Estado-Nação da qual faz parte. É, pois, um Direito com pretensão de longa 
duração, ligado à velocidade das mudanças sociais da época. A urgência do mundo 
atual requer formas mais céleres de resposta do Direito, nem sempre “seguras”, porém 
conectadas às relações contingenciais da pós-modernidade. Um resumo das caracte-
rísticas do Direito moderno e da juridicidade pós-moderna é encontrado em Arnaud 
(1999, p. 203). 
5 Em especial, entendo o risco como um fenômeno contigencial da aquisição evolutiva 
da sociedade.
6 O Direito vive em um “não-tempo mortífero”, ou seja, um passado que não passa, 
pouco adaptado a uma época em que o tempo social se (re)modi+ ca incessantemente.
7 É este o sentido, por exemplo, da obra de Gérard e Ost (1996). 
8 Essa é a expressão usada por Teubner (1997) para explicitar a fragmentação do siste-
ma jurídico em uma sociedade global.
9 Há uma autopoiese basal, estruturada circularmente, cuja paradoxidade é pura e ope-
rativa, e existe uma autopoiese derivada, possuidora de uma circularidade evolutiva e de 
uma semântica paradoxal, abrindo novos espaços de estruturação.
10 Expressão utilizada por Arnaud (2003, p. 271).
11 “Por exemplo, podemos estar seguros de defender um valor considerável e não nos 
30
ridicularizarmos ao propugnarmos pela saúde pública. Em termos grosseiros isso tam-
bém delimita o campo de eventos e ações que podem ser observados da mesma forma; 
permanece porém em aberto quais são as ações que devem fomentar a saúde públi-
ca, e que por isso deveriam ser esperadas normativamente, quanto dinheiro (de outras 
pessoas) a saúde pública poderia custar, e também se ela seria preferencial no caso de 
con> ito com outros valores, por exemplo, econômicos, culturais, da liberdade e da dig-
nidade individuais”. (LUHMANN, 1983, p. 103).
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 Os novos paradigmas culturais do direito na sociedade 
contemporânea
Marco Félix Jobim
1. Introdução
Este texto é uma reelaboração do capítulo primeiro da obra “Cultura, Escolas 
e Fases Metodológicas do Processo” (JOBIM, 2012). Após algumas re> exões mais 
aprofundadas, reviu-se alguns posicionamentos para trazer ao leitor outros aspec-
tos importantes do ambiente cultural brasileiro e mundial que se vive na atualidade 
e as suas ligações com o Direito.
Num primeiro momento serão abordados aspectos importantes ligados à 
cultura e ao Direito, para que se tente elaborar uma concepção de que existe um 
relacionamento muito forte entre ambos, em especial no referente às modi+ cações 
que afetam um e outro.
Num passo adiante serão abordados os paradigmas que estão hoje permean-
do o ambiente cultural no Brasil, quais sejam, o da pós-modernidade, da globaliza-
ção, da sociedade da pressa, do hiperconsumismo e da venda de praticamente tudo 
que se possui em termos de bens.
Ao + nal, será concluído se o Direito vem abarcando essa nova realidade cul-
tural que se coloca na atualidade. Não se pretende a+ rmar que somente os paradig-
mas que o estudo aponta são aqueles que estão hoje alocados na cultura da socie-
dade, mas sim, que, partindo deles, haja uma análise se o Direito está cada vez mais 
longe ou perto dos valores sociais.
2. Direito e cultura
A cultura é fenômeno social que traduz o momento de determinada socieda-
de em determinado local e tempo. O questionamento que ora se transfere ao estudo 
é saber se esse momento cultural vivenciado por determinada sociedade deve espe-
lhar, de mesma forma, o momento jurídico que ela vive.
34
Para início de debate deve-se buscar em Galeno Lacerda (2008, p. 04) a gê-
nese da discussão ora trazida à lume, pois, em suas palavras, aponta ser a cultura 
um elemento importantíssimo para o crescimento de uma civilização. Poéticas ou 
não suas palavras, é inegável que o Direito não pode estar infenso aos fenômenos 
culturais da sociedade e vai mais além, a+ rmando que deve ser, inclusive, um modo 
de modi+ car o pensamento dela.
Ângelo Falzea, ao se referir ao Direito, aponta ser ele um subsistema do que 
vem a ser o sistema maior que seria a própria cultura, ao dizer “[...] che Il diritto 
è un fenomeno culturale; che la cultura è con+ gurabile come un sistema interna-
mente articolato in sottosistemi; Che Il diritto à uno dei sottosistemi del sistema 
culturale” (FALZEA, 1999, p. 02).1 
Ora, sendo o Direito um subsistema do sistema que vem a ser a “cultura”, 
conclui-se que, modi+ cadoo sistema, os seus subsistemas sofrerão igualmente con-
sequências, modi+ cando-os também, e vice-versa, ou seja, modi+ cando o subsis-
tema (Direito), a cultura (sistema) também poderá ser atingida e modi+ cada. Na 
mesma linha de considerar o próprio Direito como parte integrante da cultura de 
um povo, pode-se ler Guido Fernando Silva Soares (2000).2
Nada mais exempli+ cativo e atual que a recente decisão do Supremo Tri-
bunal Federal,3 a qual igualou as relações homoafetivas à de união estável entre 
homem e mulher, fazendo com que este novo norte, que faz parte do Direito, deverá 
ter condições de possibilidade de efetivar uma nova orientação cultural na socieda-
de brasileira.
E o desfecho com que se pode + nalizar esse tópico de Ovídio Baptista A. da 
Silva, que assim de+ ne as ligações existentes entre cultura e Direito, ao mencionar:
Em resumo, superar o dogmatismo, fazendo com que o Direito apro-
xime-se de seu leito natural, como ciência da cultura, recuperando sua 
dimensão hermenêutica. Isto poderia parecer uma tarefa desnecessária, 
pois hoje ninguém mais tem dúvida de que o Direito é uma construção 
humana, não havendo uma ordem jurídica previamente inscrita na na-
tureza das coisas; e a lei deve ser apreendida como uma proposição cujo 
sentido altera-se na medida em que se alterem as variantes necessidades 
e contingências históricas (SILVA, 2006, p. 01-02).
Diante de tais pensamentos, mesmo que emanados de alguns poucos autores 
pesquisados, não há como deixar de registrar a uniformidade de pensamento de 
todos eles ao referirem que a cultura in> ui diretamente no Direito.4
Diante de tais fatos, pode-se a+ rmar que o Direito deve se adaptar àquela 
determinada cultura na época ou na sociedade na qual se vive, assim como esta 
35
adaptar-se às inovações porventura trazidas por ele.
2.1 O momento do Direito na sociedade contemporânea brasileira
Essa passagem do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito traz no-
vas responsabilidades ao pro+ ssional do Direito, entre elas pensar sobre qual o mo-
mento atual do Direito na sociedade contemporânea.
Será que a legalidade, que era a+ rmação do Estado Liberal desde a célebre 
obra de Montesquieu, ainda é uma realidade na atualidade, ou ela cede espaço a no-
vas teorias que tentam explicar os fenômenos jurídicos hodiernos. Luiz Guilherme 
Marinoni (2010) abastece essa parte doutrinária, enaltecendo o rompimento com o 
Estado legalista, devendo dar-se norte a um novo Estado de Direito ligado à seara 
constitucional.
Então, sabe-se que o momento cultural jurídico que hoje prepondera no Bra-
sil, assim como em muitos ordenamentos estrangeiros, denomina-se de neoconsti-
tucionalismo (CAMBI, 2009, p. 27).5 Contudo, é de se questionar se a cultura que 
se vivencia hoje fora das questões jurídicas está in> uenciando o Direito brasileiro.
2.2 A cultura da sociedade atual
Inegável que as transformações trazidas pela cultura in> uenciam o âmbito 
do direito brasileiro, não sendo nem preciso a leitura da vasta bibliogra+ a da ma-
téria que assim entende, a qual foi parcialmente citada no capítulo sobre o tema, 
mas tão somente o cidadão partir de seu bom sendo para chegar a esta indubitável 
conclusão.
O que interessa, então, neste momento, é saber quais são os novos paradig-
mas sociais que interessam a esta nova etapa do Direito contemporâneo. Quando 
da elaboração da obra “Cultura, Escolas e Fases Metodológicas do Processo” haviam 
sido encontrados três novos alicerces culturais – pós-modernidade, hiperconsumis-
mo e globalização – os quais ganham mais dois reforços: o da sociedade da pressa e 
da compra e venda de quase tudo.
2.2.1 A pós-modernidade
O ser humano já foi alguém desprovido de fala e de escrita, mas, mesmo 
36
assim, não deixou de sobreviver e de se comunicar pela linguagem atribuída a esta 
determinada época da história da humanidade. Isso se explica pelo simples fato de 
que talvez esse tenha sido o momento cultural ideal para aquela determinada classe 
de indivíduos, ou seja, não falar, não escrever, comunicando-se de outras formas.
A história relata que a sociedade, salvo raros casos, não permanece estagna-
da. Felizmente, o mundo evoluiu, ao passo de o elemento cultural preponderante 
evoluir num mesmo patamar para que momentos da história global pudessem ser 
hoje conhecidos, estudados e compreendidos para a melhoria da qualidade de vida.
Não é à toa que, quando se abre um livro destinado à história mundial, ou 
outro, que tente explicar o posicionamento político de determinada época, ou ainda 
mais, um de história do Direito, serão objetivos, seus capítulos, no que concerne aos 
diversos estágios existentes na sociedade mundial, sabendo-se que havia os povos 
da chamada Antiguidade (SILVA; SILVA, 2010, p. 19)6 (dentre os mais conhecidos, 
pode-se citar os gregos e os romanos), e que, quando da derrocada destes últimos, 
ingressou-se numa nova era, chamada de Idade Média (PALMA, 2011).7 Posterior-
mente, vimos o Absolutismo (SILVA; SILVA, 2010, p. 11),8 seguido do Renascimen-
to (SCHWANITZ, 2007, p. 61),9 estes últimos dois importantes momentos na his-
tória que deram entrada ao que se conhece por Idade Moderna. Mais recentemente 
ainda poderiam ser lembrados outros momentos, como a modernidade líquida ou 
> uida (BAUMAN, 2001)10 e o estágio mais atual, o da pós-modernidade (CHEVA-
LIER, 2009, p. 19-20).11
A exempli+ cativa caminhada, sem qualquer pretensão de esgotamento das 
fases históricas da humanidade, serve para demonstrar que o mundo evolui de 
acordo com determinados momentos culturais que a sociedade daquela época vi-
venciou, e que o passar do tempo pode vir a ser um elemento modi+ cador da cultu-
ra e, consequentemente, do momento social que se vive.
Vivencia-se, hoje, o que se passa a chamar de pós-modernidade. Isso se dá 
pelos diversos elementos culturais que hoje estão a cada dia modi+ cando o modo 
de pensar e de agir do ser humano. Mas o que vem a ser pós-moderno? Uma das 
explicações é conferida por Mike Featherstone, ao assim se manifestar sobre a con-
ceituação:
Se “moderno” e “pós-moderno” são termos genéricos, é imediatamente 
visível que o pre+ xo “pós” (post) signi+ ca algo que vem depois, uma que-
bra ou ruptura com o moderno, de+ nida em contraposição a ele. Ora, 
o termo “pós-modernismo” apóia-se mais vigorosamente numa negação 
do moderno, num abandono, rompimento ou afastamento percebido das 
características decisivas do moderno, com uma ênfase marcante no sen-
37
tido de deslocamento relacional. Isso tornaria o pós-moderno um termo 
relativamente inde+ nido, uma vez que estamos apenas no limiar do ale-
gado deslocamento, e não em posição de ver o pós-moderno como uma 
positividade plenamente desenvolvida, capaz de ser de+ nida em toda a 
sua amplitude por sua própria natureza. Tendo isso em mente, podemos 
olhar os pares mais profundamente (FEATHERSTONE, 2007, p. 19).
As certezas se esvaíram. Não se sabe hoje o que se espera do amanhã, dife-
rentemente de como era sabido na Modernidade. As incertezas tomam conta do dia 
a dia e isso vai se tornando cada vez mais corriqueiro para o ser humano, que acaba 
achando ser completamente normal viver desta forma.
2.2.2 A globalização (ADOLFO, 2001, p. 59)12
Com o advento da pós-modernidade surge algo que não pode deixar de ser 
também um de seus maiores alicerces: a Globalização. Talvez a obra que melhor re-
trate o mundo globalizado seja a do colunista do New York Times, ~ omas L. Fried-
man, que entendeu, após passar um tempo na Índia, que o mundo como conhece-
mos não é o mesmo, denominando este fator de plani+ cação do mundo, razão pela 
qual sua festejada obra denomina-se de “O Mundo é Plano: o Mundo Globalizado 
do Século XXI”. Em certa passagem aponta o autor como chegou neste conceito:
Lá estava eu, em Bangalore – mais de quinhentos anos depois de Colom-
bo, munido apenas das primitivas tecnologias de navegação da sua época, 
desaparecer no horizonte e voltar em segurança, comprovando em de+ -
nitivoque a Terra era redonda –, e um dos mais brilhantes engenheiros 
indianos, que havia estudado na melhor escola politécnica do seu país 
e tinha as mais modernas tecnologias da atualidade ao seu dispor, vi-
nha basicamente me comunicar que o mundo agora é plano – tão plano 
quanto aquele telão em que ele podia presidir uma reunião de toda a sua 
cadeia de fornecimento global. E o mais interessante é que, a seu ver, era 
ótimo, constituía um novo marco do progresso humano e uma extraordi-
nária oportunidade para a Índia e o mundo, o fato de que havíamos acha-
tado o planeta! No banco de trás daquela van, rabisquei quatro palavras 
no meu bloquinho: “O mundo é plano”, e, assim, que as vi no papel, tive a 
certeza de que aquela era a mensagem subjacente de tudo o que eu tinha 
visto e ouvido em Bangalore em 15 dias de + lmagens. Estávamos aplai-
nando o terreno da concorrência global. Estávamos achatando o planeta 
(FRIEDMAN 2009, p. 19).
Com as de+ nições da era pós-moderna e da mundialização das relações so-
ciais, políticas, econômicas, entre outras características da globalização, existe ou-
tra de+ nição que pode ter muito a ver com as ideias destes dois conceitos acima 
38
referidos, mas que, mesmo se não houvesse, deveria ser estudada pela rapidez com 
que vem ocorrendo nos dias atuais, quer seja globalizadamente, quer seja apenas 
circunscrevendo ao âmbito brasileiro.
Sobre o alcance do fenômeno da globalização, Luiz Gonzaga Silva Adolfo 
(2001, p. 47)13 a+ rma ser ele uma realidade a todas as áreas do conhecimento hu-
mano, não estando cingido apenas aos aspectos econômicos, jurídicos, históricos, 
políticos e sociais.
2.2.3 O hiperconsumismo
Trata-se da noção de hiperconsumismo, ou seja, de as pessoas estarem a cada 
dia mais sendo hiperconsumidoras de um mercado altamente atrativo para este + m. 
Um livro que chama a atenção é “Consumido: como o mercado corrompe crianças, 
infantiliza adultos e engole cidadãos”. O autor, Benjamin R. Barber (2009, p. 16-
17),14 traz uma assustadora visão de como as crianças estão + cando adultas mais 
jovens e como os adultos estão entrando numa era de sua infantilização, o que acaba 
sendo uma das razões desse hiperconsumismo.
Tudo isso acaba sendo fruto de uma cultura massi+ cada (MORIN, 2011, p. 
04-05)15 e instantânea, na qual estamos sendo vigiados e vigiamos a vida de cada 
um a cada instante, em todas as partes do globo. A preocupação não está mais no 
ser individual, mas no ser coletivo, modi+ cando uma cultura herdada do Moder-
nismo e que hoje se vê desabar frente aos comportamentos industrializados que 
compramos todos os dias de modelos que sequer se compactuam com o nosso.
O hiperconsumismo acaba sendo, em dois momentos, um alavancador de 
processos perante o Poder Judiciário. Numa primeira visão, as pessoas, consumin-
do mais, estão mais propensas a que ocorram problemas nestas relações,16 aca-
bando por estes serem resolvidos no Poder Judiciário. Por segundo, essas mesmas 
pessoas que consomem em damasia tudo em sua vida, também um dia serão consu-
midoras do Poder Judiciário, pela própria cultura incorporada em seu ser, levando 
a julgamento casos sem sentido e recebendo, tudo em nome de uma equivocada 
interpretação do artigo 5º, XXXV,17 da Constituição Federal, muitas vezes denomi-
nado, equivocadamente, de acesso à justiça ou inafastabilidade da jurisdição (SAM-
PAIO JÚNIOR, 2008, p. 145),18 quando, na verdade, nada mais é do que direito 
fundamental de o cidadão poder levar sua pretensão de direito material às portas do 
Poder Judiciário, embora grandes nomes defendam que existem duas concepções 
para o chamado “acesso à justiça”: o primeiro, de somente poder acessar o Poder 
39
Judiciário, e, o segundo, de que este acesso seja justo (CAPPELLETTI; GARTH, 
1988, p. 8).19
2.2.4 A sociedade da pressa
Deve-se esquecer aquela velha concepção de tempo que grande parte de nos-
sos antepassados vivenciou, que era consubstanciado em fragmentar o tempo em 
séculos, décadas, anos, dias, horas, minutos, segundos, décimos de segundos, milis-
segundo, microssegundo, pois chega-se a hora de, numa visão mais contemporânea 
de tempo, citar os novos paradigmas que o dividem em nanossegundos (LABRA-
DOR, 2007),20 picossegundos (LABRADOR, 2007),21 femtossegundos (LABRA-
DOR, 2007)22 e attossegundos (STIX, 2007).23 Isso dá-se já nessa nova concepção 
da sociedade da pressa.
Os conceitos de outrora sobre tempo são difíceis de serem sustentados numa 
sociedade pós-moderna, tendo em vista que as pessoas vivem constantemente sem 
tempo.
A velocidade com que alguns acontecimentos ocorrem não poderia sequer 
ser imaginada alguns anos atrás. Uma pesquisa que poderia demorar anos ou até 
mesmo uma vida inteira pode ser feita em milésimos de segundos pela internet, bas-
tando fazer um cruzamento de informações e clicar o botão “Enter”.24 E isso é fruto 
de uma sociedade que necessita dessa agilidade, pois, ao invés de um compromisso 
apenas, o ser humano tem dezenas a realizar no mesmo dia, na mesma hora, o que 
acaba por tornar escasso o tempo, mesmo que existam ferramentas que facilitam 
o dia a dia como a acima mencionada. E o ser humano sente epidermicamente o 
passar do tempo e se preocupa, constantemente, com essa falta existente nos dias 
de hoje. 
Tanto é assim que não é de se estranhar que o conhecido e antigo adágio po-
pular “time is money” (tempo é dinheiro) (STIX, 2007, p. 07)25 nunca esteve tão em 
voga, e não apenas pela força da expressão, mas sim, pois, estando a sociedade sem 
tempo, nada mais justo que aqueles que o têm consigam vendê-lo para aqueles que 
não o têm, e sejam devidamente compensados, da melhor forma possível. 
Gary Stix (2007, p. 07),26 em lição sobre o tema, a+ rma que “[...] o tempo, no 
século XXI, tornou-se o equivalente do que foram os combustíveis fósseis e os me-
tais preciosos em outras épocas”, mostrando que ele está se tornando uma raridade 
e, pior, comercializável.
Mais radical ainda é o pensamento de Philip Zimbardo e John Boyd que, ao 
40
estudarem em profundidade as questões relacionadas ao tempo e ao ser humano, ao 
analisarem milhares27 de questionários acerca do tema, relatam ser o tempo nosso 
bem mais valioso ao a+ rmarem:
O tempo é nosso bem mais valioso. Na economia clássica, quanto mais 
escasso for um recurso, maior será a quantidade de usos que se pode fazer 
dele e maior o seu valor. O ouro, por exemplo, não tem nenhum valor 
intrínseco e não passa de um metal amarelo. Entretanto, os veios de ouro 
são raros no planeta, e esse metal tem muitas aplicações. Primeiramente 
o ouro era usado na confecção de jóias, e mais recentemente passou a 
ser usado como condutor em componentes eletrônicos. A relação entre 
escassez e valor é bem conhecida, e por isso o preço exorbitante do ouro 
não é nenhuma surpresa. A maioria das coisas que podem ser possuídas 
– diamantes, ouro, notas de cem dólares – consegue ser reposta. Novas 
reservas de ouro e diamante são descobertas, e novas notas são impres-
sas. O mesmo não acontece com o tempo. Não há nada que qualquer 
um de nós possa fazer nesta vida para acrescentar um momento a mais 
no tempo, e nada permitirá que possamos reaver o tempo mal-emprega-
do. Quando o tempo passa, se vai para sempre. Então, embora Benjamin 
Franklin estivesse certo a respeito de muitas coisas, ele errou ao dizer que 
tempo é dinheiro. Na verdade o tempo – nosso recurso mais escasso – é 
muito mais valioso do que o dinheiro (ZIMBARDO; BOYD, 2009, p. 16).
Assim, a sociedade é da pressa, o que re> ete diuturnamente na vida de to-
dos, fazendo com que já acordemos atrasados, deitemos com a cabeça no amanhã 
e, inclusive, durmamos pouco para poder compensar os atrasos dos dias passados. 
Entramos no que Vince Poscente (2008) defende ser a era da velocidade.
2.2.5 O vender tudo
O + lósofo estadunidense Michael J. Sandel, um dos grandes críticos na atua-
lidade da ótica utilitarista que predomina no mercado empresarial, o que o fez em 
sua obra “Justiça: o que é fazer

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